Histórias da Índia Eunice de Souza Isa Mesquita Ilustrações Maurício Negro Temas Gratidão • Desprendimento • Celebração • Perspicácia • Sabedoria Justiça • Autenticidade • Veracidade • Merecimento • Determinação Tradução Guia de leitura para o professor 64 páginas 2200000142201 apresentação As dez histórias presentes em Histórias da Índia têm proveniências distintas e representam bem a diversidade cultural do país. Fazem parte de repertórios regionais e tradicionais cujas origens muitas vezes não podem ser traçadas, devido à antiguidade de suas fontes e também por serem, em sua maioria, contos típicos da tradição oral. As narrativas tratam dos mitos de criação (“O dia em que o Sol se recusou a brilhar”, “Como os homens mudaram” e “Como surgiu a cócega”), apresentam o tema da harmonia permanente no mundo (“O falso faquir”, “A filha do sábio”, “A galinha roubada” e “O agente de casamento e o leopardo”) e trazem episódios que valorizam a sagacidade (“Gopal e o nababo”, “Os príncipes transformados em pedra” e “Um garoto cego faz um pedido”). Assim categorizadas – e situadas para além de qualquer categorização, por possibilitarem que cada leitor vivencie seu conteúdo de forma particular –, as histórias constituem rico material para mediar nosso contato com a cultura indiana e, ao mesmo tempo, um ponto de referência para nos voltarmos, com nova perspectiva, para nossa própria cultura e tradições narrativas. A autora Eunice de Souza nasceu em Poona, Índia. Doutora pela Universidade de Bombaim e mestre em Literatura Inglesa pela Universidade Marquette, Estados Unidos, lecionou no St. Xavier’s College, Bombaim, por dez anos. Publicou os livros de poesia Fix (1979), Women in Dutch painting (1988), Ways of belonging (1990) e Selected and new poems (1994); organizou com Adil Jussawalla antologia de prosa indiana (em inglês); publicou Talking poets, livro de entrevistas com poetas indianos; organizou a antologia Nine Indian women poets; e escreveu diversos livros para crianças. Poemas seus têm sido incluídos em antologias em vários países. O ilustrador Maurício Negro nasceu em 1968, em São Paulo, capital. Designer gráfico, ilustrador e escritor, formado em Comunicação pela Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), ilustrou mais de uma centena de livros, muitos dos quais premiados, e participou de várias exposições e catálogos, no Brasil e no exterior. É autor, entre outros títulos, de Mundo cão (São Paulo: Global, 1999), Balaio de gato (São Paulo: Global, 2000) e Quem não gosta de fruta é xarope (São Paulo: Global, 2006), e integra o conselho da Sociedade dos Ilustradores do Brasil (SIB). Histórias da Índia Eunice de Souza Panorama histórico da civilização indiana Sistema social O sistema social da Índia é bastante complexo, pois o país é composto de muitas etnias, culturas regionais e história milenar de influência estrangeira. Chama a atenção o princípio de organização social conhecido como sistema de castas. A palavra “casta” remete, em português, à ideia de pureza e, por essa razão, os estudiosos não a consideram boa tradução para o termo sânscrito que dá nome a esse sistema social. A sociedade é dividida em grupos sociais que são chamados, em sânscrito, de varna, que significa “cor”, devido tanto a elementos étnicos envolvidos na história social da Índia como ao fato de que cada um possui uma cor que o simboliza. São eles os brâmanes, os xátrias, os vaixás e os sudras. Os brâmanes são os encarregados da sabedoria, sacerdotal e filosófica. Os xátrias são responsáveis pela manutenção e pela defesa do território. Os vaixás ocupam-se da produção mercantil e agropastoril. E os sudras realizam os trabalhos pesados e considerados indignos pelos demais, além de artesanato e produção manual. Na história da Índia antiga, percebe-se certa mobilidade entre as funções sociais, tendo havido, por exemplo, dinastias de reis provenientes do grupo dos sudras. A Constituição indiana, que data de sua independência do domínio inglês, proíbe qualquer tipo de discriminação embasada nesse antigo sistema de divisões sociais. O período mais antigo da civilização indiana de que temos notícia remonta a um numeroso conjunto de ruínas localizadas na região noroeste do país, escombros de cidades que permaneceram habitadas até aproximadamente o século XV a.C. Não há informações sobre a origem da sociedade que construiu essas cidades, conhecidas como civilização do vale do rio Indo, mas estima-se que ela tenha se estabelecido naquela região por cerca de dois milênios. Só é possível obter informações sobre a cultura do vale do Indo por meio das ruínas e dos objetos ali encontrados, nos quais figuram muitas tabuletas com símbolos que até hoje não foram coerentemente decifrados. Outra importante cultura que constituiu a Antiguidade indiana é a civilização védica. Ela também floresceu no espaço geográfico do vale do Indo e se formou provavelmente a partir do intercâmbio cultural feito entre os povos aborígines indianos e os nômades provenientes da região do Cáucaso. A civilização védica surgiu em torno do século XV a.C. e permaneceu fortemente instituída até cerca de VIII a.C., sem nunca desaparecer por completo, pois se manteve, ao longo dos milênios, como uma espécie de prática ortodoxa do hinduísmo. Os brâmanes, sacerdotes dessa cultura, propagavam a execução de rituais como elemento central no cotidiano dessa sociedade. E no cerne dos rituais estavam as coleções de textos compostos em língua sânscrita, em grande parte poéticos, chamados de Veda, que significa “sabedoria”. Essas obras, preservadas em manuscritos e na tradição oral, são tratadas com grande reverência pelos hinduístas. No século VIII a.C., começaram a se consolidar os valores que caracterizam o hinduísmo, com os conceitos de transmigração da alma, carma e libertação dos ciclos de reencarnação. Nesse período, um movimento cultural se expandiu pelo norte do território indiano, nos arredores do rio Ganges, e difundiu as primeiras formulações historicamente documentadas a respeito da ioga. Desse movimento cultural também surgiram os princípios do budismo e do jainismo, que renegam a tradição textual védica e, por essa razão, não são considerados religiões hinduístas, ainda que sejam indianos na origem. Nesse período, as escolas de pensamento passaram a difundir as práticas meditativas, as reflexões sobre a interdependência da fisiologia e da consciência e as concepções de “microcosmo” e “macrocosmo”, que veem o ser humano e o universo como espelhos um do outro. No século III a.C., com um rei conhecido como Ashoka, que governou entre 270 e 232 a.C., ocorreu pela primeira vez a unificação dos vários reinos que existiam autonomamente no território indiano. Costuma-se dizer que foi nesse período que a Índia assumiu uma feição territorial parecida com a que tem hoje. Essa 2 Histórias da Índia Eunice de Souza unidade territorial foi mantida apenas até o final da dinastia à qual o rei Ashoka pertencia, chamada de dinastia Maurya, cujo fim se deu por volta de 183 a.C. A partir desse período, a civilização indiana passou por grandes ebulições culturais, com a difusão do budismo e a propagação das formas populares do hinduísmo, caracteristicamente devocionais. No início da era cristã, o culto devocional aos deuses, sob o fundamento de doutrinas bastante complexas, expandiu-se intensamente e figurou nas artes literárias e visuais com numerosas representações de um igualmente numeroso panteão. No primeiro milênio da era cristã, o hinduísmo se consolidou como amplo conjunto de práticas e doutrinas religiosas, unificado pelo bramanismo e diversificado pelos elementos das culturas regionais, as quais mantiveram muitas de suas peculiaridades, tanto nos costumes, na língua e na música como em outras manifestações culturais. No início do século XIII d.C., após séculos de presença islâmica na Índia, assistiu-se a um verdadeiro domínio muçulmano, que passou, a influenciar fortemente a política, a economia e as práticas sociais. No século XVIII, a presença britânica sucedeu o império muçulmano, levando a Índia, dessa vez, ao estatuto de colônia por cerca de dois séculos. No início do século XX, as demandas pela independência conseguiram ampliar o poder local diante do império britânico, sendo propagadas entre a população como uma questão urgente. Na luta interna e na divulgação internacional da causa indiana, Mohandas Karamchand Gandhi (1869-1948) destacou-se como a personalidade mais influente no processo pacífico de independência, ecoando, em sua voz, os anseios coletivos de milhões de pessoas que se viam sem condições mínimas de subsistência. Gandhi assumiu papel de liderança com um posicionamento ético embasado em valores antigos do hinduísmo, concentrando em si mesmo e em seu discurso os ideais da ahimsa e do satya-graha – “não violência” e “veracidade”, respectivamente. Os ideais de Gandhi propunham uma forma pacífica de resistência, por meio da desobediência civil, contra o autoritarismo imperial. Em 11 de junho de 1947, a Índia libertou-se do domínio inglês e, em 15 de agosto do mesmo ano, ocorreu uma divisão territorial, estabelecendo limites de fronteira entre Índia e Paquistão, mais como fruto do confronto do que como solução para os seculares conflitos vividos entres hinduístas e muçulmanos. Desde então a Índia é uma democracia e uma república livre. O universal e o regional na civilização indiana A importância dada ao sânscrito fez com que se tornasse uma língua de cultura, isto é, que ultrapassa as fronteiras regionais 3 Histórias da Índia Mitologia A Índia, como toda cultura tradicional, sempre fez, e ainda faz, intenso uso das histórias como fonte de sabedoria, não como conhecimento técnico, mas como forma de instrução para a relação do ser humano com o mundo natural e com seus semelhantes. Por essa razão, as narrativas que classificamos como mitos e contos populares são tratadas com grande respeito pelos indianos. A oposição que o senso comum costuma fazer entre “mito” e “verdade”, nesse sentido, é somente uma percepção pouco aprofundada da função da atividade narrativa. O mito não se propõe como uma “verdade” na mesma categoria que os conceitos científicos; ele trata dos sentimentos, das relações dinâmicas entre o sujeito, que percebe, e o mundo, que é percebido. A ciência tem como meta aproximar-se o máximo possível da descrição objetiva do mundo. Em outras palavras, ciência e mito estabelecem suas respectivas sabedorias de modo particular. Eunice de Souza das variadas tradições presentes na civilização indiana. Em meio às muitas tradições que se desenvolveram paralelamente, o sânscrito tornou-se a língua de composição daqueles que pretendiam ter suas obras compreendidas além dos limites de sua localidade de origem. Há, com isso, na milenar história da Índia, duas tendências culturais opostas, mas que sempre se estimularam reciprocamente: uma, de origem sânscrita, universalizadora; a outra, representada pelo conjunto das centenas de línguas e dialetos indianos, de caráter regional. O conjunto das dez narrativas de Histórias da Índia representa uma amostra bastante expressiva da pluralidade regional da cultura indiana. Cada uma delas provém de uma cultura e região e remete, dessa forma, a tradições específicas. Apenas “A filha do sábio” deriva de uma obra composta em língua sânscrita, conhecida como Panchatantra. As demais nos fazem sentir quanto cada região, mesmo que interligada às demais áreas do território nacional, possui uma tradição específica, que se revela nos contos passados de pais para filhos, na culinária, nas práticas religiosas, nas festas populares, na música, na dança etc. Mitologia, contos populares e sabedoria Na Índia antiga, a mitologia e o conhecimento que entendemos hoje como científico eram tratados com reverência e respeito. Sabemos que o povo indiano desenvolveu, além do extenso repertório de temas mitológicos, vasto conhecimento das práticas médicas (incluindo pequenas cirurgias), das ciências astrais, das descrições linguísticas, bem como das artes dramáticas, musicais e literárias. Nota-se, com isso, que mito, ciência e arte não são elementos que necessariamente se opõem em uma sociedade. No caso da Índia, essas várias formas de construção e transmissão de conhecimento foram se fortalecendo de maneira recíproca durante séculos. Por essa razão, pode-se buscar sabedoria nas histórias não simplesmente como dado científico ou como orientação “moral” que procura encerrar em poucas palavras “o que o autor queria dizer”, mas como um ponto de partida para reflexões sobre a vida, a morte, o amor – em suma, sobre o significado da existência humana. As histórias “O dia em que o Sol se recusou a brilhar”, “Como os homens mudaram” e “Como surgiu a cócega” possuem estruturas mitológicas semelhantes. Elas descrevem a origem de fatos ou fenômenos naturais com os quais estamos acostumados – o canto do galo para o nascer do Sol, a ausência de rabo no corpo humano e a sensação física da cócega. Nessas narrativas, não há preocupação apenas com a descrição do mundo natural, mas, sobretudo, com os sentimentos diante do nascimento do dia, do corpo humano e de uma experiência tátil. 4 Histórias da Índia Panchatantra O Panchatantra consiste num repertório inestimável de fábulas que foram transmitidas aos povos europeus por meio da cultura árabe. Em sua origem, a coleção de histórias do Panchatantra tinha como função o ensino da conduta social àqueles destinados a se ocupar dos assuntos de Estado, fossem reis, príncipes ou administradores. Os enredos dessas fábulas trazem a personificação de animais que, em seus atos, ilustram situações vividas nas relações humanas. Seus conteúdos remetem ao século II a.C., mas a forma de composição que foi preservada é posterior e data da metade do primeiro milênio da era cristã. Eunice de Souza A virtude pessoal e a lei universal É uma atribuição bastante comum das narrativas indianas o ensinamento de como o indivíduo deve comportar-se diante da vida social. Segundo muitas vertentes filosóficas da Índia antiga, a virtude pessoal e a lei universal dependem uma da outra, e sem uma perfeita harmonia entre as duas a sociedade entra em declínio. Por essa razão, cada um deve conhecer a si mesmo e vincular-se com muita naturalidade a seu lugar no mundo, social e religiosamente. Existe uma palavra, em sânscrito, que sintetiza essa ideia: dharma. O dharma é, ao mesmo tempo, virtude pessoal e lei universal; graças a ele, os ciclos biológicos (de nascimento, desenvolvimento, maturidade e declínio) e os cósmicos e naturais (sucessão das estações do ano, os movimentos planetários, a renovação das águas etc.) acontecem de maneira harmoniosa. Nesse sentido, o indivíduo, quando executa virtuosamente seu papel em meio à dinâmica da sociedade, está agindo de acordo com o dharma. As histórias “O falso faquir”, “A galinha roubada” e “O agente de casamento e o leopardo” exemplificam bem a harmonia da sucessão dos fatos que leva os personagens a experimentar o dharma. Em “O falso faquir” e “A galinha roubada”, as pessoas que agiram de forma não virtuosa respondem pelas consequências de seus atos. Na história “O agente de casamento e o leopardo”, o agente continuou cumprindo sua função, unindo mais um casal, até mesmo quando pretendia livrar-se de um animal que lhe dava medo. O ensinamento do dharma almeja, em última instância, mostrar para as pessoas que o indivíduo é parte de um todo e que, quanto mais ele se aproxima desse ideal, mais natural se torna a virtude em sua vida. Trata-se de uma postura ativa de confiança em relação à vida e ao mundo, nunca abrindo mão da ação e sempre levando em conta que esta deve ser realizada segundo princípios mais amplos do que o interesse individual. Um caso à parte é o da história “A filha do sábio”, em que a menina que um dia já foi rato abnega o casamento com o Sol, com a nuvem, com o vento e com a montanha, para, ao final desse percurso, ver no rato o esposo ideal. Nessa narrativa, estão embutidas duas concepções importantes: as pessoas devem manter-se fiéis aos lugares que ocupam no mundo, e a materialidade dos objetos que dominam os sentidos deve ser ultrapassada para o ser humano alcançar a própria essência. Os quatro pretendentes são feitos dos quatro elementos mais densos da constituição da matéria: fogo, água, ar e terra. Eles são substância de todo corpo material e objetos primordiais que podem escravizar os sentidos. Negar o casamento com os quatro pretendentes sugere um percurso de superação dos sentidos e uma busca por estado existencial mais elevado, o qual a ioga e a alquimia indiana (rasayana) tinham como grande meta. 5 Histórias da Índia Mahabharata O Mahabharata é uma das obras mais conhecidas da literatura sânscrita. Os estudiosos europeus o classificam como literatura épica, e a tradição indiana como itihasa. O termo itihasa significa “assim (iti) de fato (ha) ocorreu (asa)” e indica que o relato presente no Mahabharata constitui um acontecimento de fato ocorrido, entendido da mesma forma que entendemos, por exemplo, a história. Seu enredo traz o relato de uma guerra de proporções mundiais que envolve dois reinos. Apesar de inimigos, os dois lados estão intimamente relacionados, pois há parentes, mestres e amigos separados no campo de batalha. No instante em que a batalha deve ser iniciada, o herói chamado Arjuna inquieta-se com a ideia de ter de lutar contra pessoas queridas. Essa situação dá início a um diálogo que tratará dos deveres sociais e do verdadeiro sentido da vida. Esse diálogo, que consiste em 18 capítulos do Mahabharata, é chamado de Bhagavadgita. O Bhagavadgita tem sido transmitido de forma independente, ao longo dos séculos, como escritura sagrada do hinduísmo. O Mahabharata, incluindo o Bhagavadgita, é uma obra coletiva que foi composta entre os séculos III a.C. e III d.C. Eunice de Souza Desafios na literatura oral e nos contos populares É bastante comum na literatura popular a prática do desafio, em que alguém é incitado a dar respostas rápidas sobre determinado tema. Nesse exercício poético, os autores populares devem ser ligeiros, tanto na composição, apelando ao improviso, como em sua elocução, rimando e versificando com maestria. Na literatura oral, cada performance equivale a um momento criativo único, visto que aquilo que o contador sabe de cor são fórmulas que podem ser desenvolvidas e reformuladas e não textos fechados. O cantador adapta as histórias de seu repertório às circunstâncias do momento em que está narrando ou versificando. Existe aí um paralelismo: os desafios se apresentam aos personagens da mesma forma que aparecem aos poetas da literatura oral, quando dois deles se encontram. Na vida, os recitadores precisam mostrar sua competência em superar os requintes de composição de seu oponente. Nas histórias, os personagens devem responder rapidamente às questões com que deparam e utilizar a linguagem de maneira engenhosa para colher bons frutos das circunstâncias em que se encontram. As histórias “Gopal e o nababo”, “Os príncipes transformados em pedra” e “Um garoto cego faz um pedido” trazem situações em que os personagens devem ser sagazes. Em “Gopal e o nababo” essa virtude provém da simplicidade de um barbeiro. Em “Os príncipes transformados em pedra” falta sagacidade aos príncipes, mas sobra ao rei, que se dispõe a ensiná-los. E em “Um garoto cego faz um pedido” o menino procura satisfazer, com um único pedido, todos seus desejos e necessidades. As histórias demonstram o uso bem articulado da expressão verbal com o pensamento rápido, improvisado, mas preciso, tal como faziam, e ainda fazem, seus narradores. 6 Histórias da Índia Eunice de Souza Dialogando com os alunos Antes da leitura 1.Estimular os alunos a comentar sobre os conhecimentos que possuem em relação à Índia. Questionar acerca da culinária, da religião, da literatura, da história, das personalidades indianas etc. 2.Informar aos alunos que as versões escritas das histórias do livro são em geral posteriores às versões orais e que as pessoas as transmitem de forma oral e não escrita. Comentar sobre a importância da oralidade e da escrita, cada uma com qualidades distintas. Estimular os alunos a lembrar histórias que tenham ouvido dos membros da família. Pedir-lhes que contem as histórias que já ouviram. Procurar destacar, caso haja mais do que uma versão da mesma história, a importância de preservar diferentes versões, como representativas de tradições paralelas, uma fortemente oral e caracterizada pela recriação incessante, outra formalizada pela escrita e estabelecida na história literária. Sugerir que entrevistem pessoas mais velhas, conhecidas, sobre as histórias que elas ouviam quando eram crianças. 3.Lembrar que o Brasil, assim como a Índia, também possui rica diversidade cultural. Apresentar as diferenças como possibilidades paralelas, trazendo a ideia de que não existem culturas melhores ou piores. Motivar os alunos a descrever o que caracteriza cada região brasileira. Chamar a atenção para manifestações variadas da vida cotidiana: histórias, música, culinária, religião, regionalismos linguísticos etc. Procurar integrar as experiências particulares, decorrentes de viagens ou de origem familiar. Depois, estimular os alunos à observação inversa, questionando sobre as características que unificam a cultura do Brasil, a começar pelas unidades linguística, territorial e política. Depois da leitura 1.Destacar os aspectos mitológicos das histórias “O dia em que o Sol se recusou a brilhar”, “Como os homens mudaram” e “Como surgiu a cócega”. Explicar aos alunos o que é “mito de origem”. Mostrar que as narrativas míticas do livro falam da origem de um fenômeno e, ao mesmo tempo, traduzem sentimentos em relação a ele, apresentando o canto do galo como forma de reverência, a ausência do rabo como fator de dificuldade para os humanos (e não como sinal de evolução) e a cócega como estímulo à alegria, entre outras interpretações. Procurar narrativas no repertório da cultura brasileira (nas tradições judaico-cristã, africana ou ameríndia) que expliquem a origem de algum fato social ou fenômeno natural. Solicitar que criem, individualmente ou em grupo, uma história que sirva de “mito de origem” (propor, por exemplo, um fenômeno natural a ser explicado). 7 Histórias da Índia Eunice de Souza 2.Observar nas histórias “O falso faquir”, “A galinha roubada” e “O agente de casamento e o leopardo” o modo como os acontecimentos se encadeiam nas trajetórias dos protagonistas, procurando refletir sobre as consequências dos atos executados pelos personagens. Na medida do possível, diminuir a importância das ideias de castigo ou recompensa, para dar relevo não aos percursos individuais, mas à harmonia presente no mundo. Estabelecer paralelos com problemas contemporâneos: um bom estímulo é tratar dos desequilíbrios ambientais decorrentes de intervenções do ser humano na natureza. Essa reflexão pode ajudar os alunos a perceber o ser humano como parte da natureza e não como elemento exterior a ela; em nível mais amplo, vale estimular a percepção sobre a harmonia e a desarmonia das ações dos próprios alunos. 3.Observar o tema do desafio nas histórias “Gopal e o nababo”, “Os príncipes transformados em pedra” e “Um garoto cego faz um pedido”. Propor aos alunos que imaginem o que responderiam se estivessem diante das mesmas circunstâncias dos personagens nas três histórias. Um bom exercício é solicitar que se lembrem dos jogos de desafios verbais que conhecem, fazendo com que interajam nas perguntas e respostas dadas pelos colegas. Estimulá-los a memorizar e a contar histórias. De início, pode ser necessário solicitar a eles com antecedência que preparem as histórias a serem narradas, mas, com o estímulo reiterado, a habilidade certamente será desenvolvida de forma surpreendente. Sugestões de leitura Para o professor Canção do venerável: Bhagavadgita. Traduzido do sânscrito para o português por Carlos Alberto da Fonseca. São Paulo: Globo, 2009. Para o aluno Mahabharata pelos olhos de uma criança. Recontado por Samhita Arni. São Paulo: Conrad, 2004. Para ambos Pañcatantra: fábulas indianas, v. I, II e III. Traduzido do sânscrito para o português por Maria da Graça Tesheiner et al. São Paulo: Humanitas, 2008. Elaboração do guia João Carlos Barbosa Gonçalves (professor de Língua Sânscrita e Cultura Indiana e doutorando pelo Departamento de Linguística da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH; – USP); Preparação Bruno Zeni; Revisão Márcia Menin e Carla Mello Moreira. Internet Yoga com Histórias – Site de um trabalho que desenvolve atividades destinadas a crianças, no qual se utilizam narrativas, especialmente as de origem indiana, em conjunto com as práticas éticas e corporais da ioga. http://www.yogacomhistorias.com.br 8