Mecanismos de Resistência Bacteriana aos Antimicrobianos (aspectos gerais) Maria Silvana Alves, PhD, MSc, PharmD Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Ciências Farmacêuticas Responsável pelo Laboratório de Bioatividade Celular e Molecular Departamento de Ciências Farmacêuticas Faculdade de Farmácia E-mail: [email protected] Bactérias Por que devemos nos importar com a resistência microbiana? Staphylococcus aureus Penicillium notatum Alexander Fleming Alguns eventos microbiológicos importantes: 1940: Penicilina [uso clínico dos antimicrobianos; início da "era dos antibióticos" – otimismo exagerado ("balas mágicas")] 1950: Japão sofre a primeira grande epidemia de disenteria resistente aos antibióticos 1959: Sawada demonstra que a resistência aos antibióticos pode ser transferida entre cepas de Shigella e Escherichia coli por plasmídios 1966: Kirby e Bauer estabelecem padrões para os testes de sensibilidade a antibióticos com base no princípio de disco difusão Resistência microbiana: um problema global → Desde 1961: Interscience Conference Agents and Chemotherapy (ICAAC) on Antimicrobial → ICAAC, 1998: Simpósio sobre Resistência Microbiana - 200 participantes (25% infectologistas; 25% microbiologistas; 50% outras especialidades médicas, farmacêuticos e demais profissionais de saúde) - 80% acreditavam que a resistência microbiana estava aumentando - 70% acreditavam que os patógenos resistentes aumentavam a mortalidade Representação esquemática da emergência de resistências Fonte: Rossi, F.; Andreazzi, D. B. Resistência bacteriana: interpretando o antibiograma. São Paulo: Editora Atheneu, 2005. 118 p. → "Não existe antimicrobiano para o qual a bactéria não tenha desenvolvido resistência" - Watanabe, T. The problems of drug-resistant pathogenic bacteria. The origin of R factors. Ann N Y Acad Sci, 182:126-40, 1971. Década de 1970 para a de 1990 Artigos publicados relacionados à novas resistências 11% para 34% Aparecimento de novos tipos de resistência Diminuição da pesquisa de novos antimicrobianos Desenvolvimento de novos antibacterianos Diminuição da pesquisa de novos antimicrobianos Fonte: Adaptado de Boucher et al. Bad bugs, no drugs: no ESKAPE! An update from the Infectious Diseases Society of America. Clin Infect Dis, 48:1-12, 2009. Diminuição da pesquisa de novos antimicrobianos O número de novos antibióticos desenvolvidos e aprovados diminuiu de forma constante nas últimas três décadas, deixando menos opções para o tratamento de bactérias resistentes. Antibacterianos aprovados no período de 1998 à 2010 pela Food and Drug Administration (FDA)* Telavancina Ceftarolina 2008 2010 Não Não Patógenos Problema E Enterococcus faecium S Staphylococcus aureus K Klebsiella pneumoniae A Acinetobacter baumanii P Pseudomonas aeruginosa E Enterobacter spp. Fonte: Rice, L. B. Federal funding for the study of antimicrobial resistance in nosocomial pathogens: no ESKAPE. J Infect Dis, 197: 1079-1081, 2008. Nível de Risco Urgente Nível de Risco Grave Nível de Risco Relativo Infecção Hospitalar (IH) = infecção associada aos cuidados com a saúde COMUNIDADE HOSPITAL HOSPITAL UTI Disseminação de bactérias multirresistentes Taxas elevadas de IH e resistência bacteriana Archibald et al. Antimicrobial resistance in isolates from inpatients and outpatients in the United States: increasing importance of the intensive care units. Clin Infect Dis, 24:211-215, 1997. A taxa de resistência depende de ... - Uso de antimicrobianos na instituição - Taxa de transmissão cruzada de micro-organismos resistentes - Entrada de micro-organismos resistentes provenientes da comunidade A importância de cada uma destas variáveis é desconhecida e provavelmente varia entre os diferentes patógenos Wenzel, R. P.; Edmond, M. B. Managing antibiotic resistance. N Engl J Med, 343:1961-3, 2000 Importância da resistência microbiana nas instituições de saúde → Custos imediatos da resistência microbiana: -prolongamento do tempo de internação -assistência ao paciente internado (maior permanência em UTI) -custo das opções terapêuticas alternativas → Custos potenciais: -perda da produtividade de pacientes infectados -possibilidade real de infecções intratáveis Independent review into antimicrobial resistance supported by the Department of Health UK and the Wellcome Trust Polimixina B Ampicilina/Sulbactam Piperacilina/Tazobactam Linezolida 17 ANOS DE RACIONALIZAÇÃO DO USO DE ANTIMICROBIANOS NO HOSPITAL SÃO PAULO UNIFESP 1989 - 2005 Cefalosporinas de 2a Geração Cefalosporinas de 3a Geração Cefalosporinas de 4a Geração Vancomicina Teicoplanina Carbapenêmicos Ciprofloxacina (EV) Levofloxacina Aciclovir EV Fluconazol EV Fonte: Uso racional de antimicrobianos: mais perto que imaginamos, Dra. Luci Corrêa Clin Infect Dis, 49: 876-877, 2009 O estudo de Gottesman et al. (2009) fornece nova e importante evidência de que a resistência às quinolonas em amostras de Escherichia coli comunitárias isoladas de urina está ligada à prescrição desses antimicrobianos, e apoia os esforços para reduzir o uso desnecessário no tratamento de infecções respiratórias ou de pele e tecidos moles causadas por bactérias Grampositivas, para as quais são relativamente ineficazes. "O uso racional de antibióticos é uma das metas definidas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para o século XXI. O Laboratório de Microbiologia Clínica tem um papel crítico no plano de ação estratégico definido pela OMS para detectar adequadamente os diversos tipos de resistência bacteriana e desenvolver planos direcionados às necessidades locais" - Rossi, F.; Andreazzi, D. B. Resistência bacteriana: interpretando o antibiograma. São Paulo: Editora Atheneu, 2005. 118 p. Diagnóstico Bacteriológico Material Biológico / Espécime Clínico Bacterioscopia Orientação Cultura TSA Orientação Espécime clínico: urina Ágar MacConkey - Escherichia coli Perfil de sensibilidade obtido pelo método de disco-difusão "O laboratório de microbiologia desempenha um papel crítico no contexto da resistência, pois é responsável pela identificação e realização dos testes de sensibilidade, sendo a fonte para estudos epidemiológicos, moleculares e planejamento estratégico" - Rossi, F.; Andreazzi, D. B. Resistência bacteriana: interpretando o antibiograma. São Paulo: Editora Atheneu, 2005. 118 p. O laboratório de microbiologia clínica na detecção de resistência Educação Continuada "A constante evolução na aquisição de novos tipos de resistência exige uma atualização profissional em intervalos de tempo cada vez mais curto. As técnicas laboratoriais devem acompanhar as mudanças em tempo real" – Rossi, F.; Andreazzi, D. D. Resistência Bacteriana: interpretando o antibiograma. São Paulo: Editora Atheneu, 2005. 118 p. Quando falamos em teste de sensibilidade, pensamos em ... Patógenos multirresistentes Hospital Disseminação Pensamos também em ... COMUNIDADE TRATAMENTO CONTROLE Qual é o papel do Laboratório de Microbiologia? Resultados rápidos e com qualidade MÉDICO CCIH Fazer o diagnóstico correto e o Controlar, monitorar e prevenir a tratamento adequado resistência microbiana Basta apenas o laboratório liberar resultados rápidos e com qualidade? NÃO!!! Laboratório de Microbiologia Comissão de Controle de Infecção em Serviços de Saúde e equipes médicas Interpretar e utilizar os resultados Tratamento e controle adequados Teste de Sensibilidade aos Antimicrobianos* → Oplustil et al., 2004: - *Teste de Avaliação da Resistência aos Antimicrobianos: - Método da difusão do disco (rotina); - Método de gradiente de concentração / Etest® Método da difusão do disco → O perfil de sensibilidade aos antimicrobianos de cepas bacterianas identificadas é avaliado pelos resultados obtidos no teste de difusão em ágar realizado conforme as recomendações do Clinical and Laboratory Standards Institute [CLSI, 2009 (M02-A12); CLSI, 2015 (M100-S25)]. → Diferença na sensibilidade: - de espécie para espécie Klebsiella pneumoniae ≠ Klebsiella oxytoca K. oxytoca é naturalmente resistente às amino (ampicilina, amoxicilina) e carboxi-penicilinas (carbenicilina, ticarcilina) e muitas amostras são resistentes ao aztreonam e às cefalosporinas de terceira geração (cefotaxima, ceftriaxona), com a exceção característica de ceftazidima (Livermore, 1995) - entre cepas da mesma espécie → Maior resistência observada em bastonetes Gram-negativos enterais: - resistência plasmidial - seleção natural → Maior resistência de bactérias produtoras de beta-lactamases Os testes para a detecção de resistência devem ser realizados em bactérias isoladas de amostras clínicas representativas de um processo infeccioso*, no qual a sensibilidade aos antimicrobianos não é previsível. Sendo assim, a avaliação da resistência aos antimicrobianos é uma das principais e mais importantes funções do laboratório de microbiologia clínica. Oplustil et al., 2004, pág. 197 * Qualidade do espécime clínico * Conhecimento da composição da microbiota anfibiôntica De modo geral, estabelecem quais antimicrobianos não devem ser utilizados e indicam as possibilidades terapêuticas. Manual ANVISA, 2003 Relação leucócito/célula epitelial Conhecimento da Microbiota Reflexões → Novos antimicrobianos têm nos mantido um passo adiante das infecções bacterianas; → Entretanto, a rápida evolução da resistência tem limitado o tempo em que os novos medicamentos são úteis; → É nosso papel: → diagnosticar a presença de cepa resistente; → melhorar nossos conhecimentos sobre os mecanismos de emergência e disseminação dos novos genes de resistência aos antimicrobianos; → utilizar os medicamentos com cautela para prolongar ao máximo sua eficácia! Sensibilidade x Resistência Sensibilidade → Ação de um composto sobre um micro-organismo produzindo: - efeito clínico - em concentrações que não produzam importantes efeitos adversos Resistência Natural ou Intrínseca – resistência de bacilos Gram-negativos às penicilinas devido à presença de membrana externa Oplustil et al. 2004, pág. 206 Alves, M.S.; Dias, R.C.S.; Castro, A.C.D.; Riley, L.W.; Moreira, B.M. Identification of clinical isolates of indole-positive and indole-negative Klebsiella spp. Journal of Clinical Microbiology, 44:3640-6., 2006. Resistência Adquirida – resistência se manifesta em microorganismo habitualmente susceptível Transferência de genes: disseminação de genes de resistência Susceptível plasmídio auto-transferível transposon conjugativo plasmídio mobilizável transposon cassete de genes integron xxx Resistente Emergência de genes de resistência Mutação cromossômica a emergência da resistência ocorre à medida que as bactérias se replicam forma menos frequente 200.000 anos 104 gerações (10.000) Eva (n = 1) Mutação propagação do gene para a linhagem descendente Escherichia coli na microbiota de Eva (n = 109) 2 x 109 gerações (2.000.000.000) Emergência de genes de resistência → Aquisição de um novo gene a partir de outra célula bacteriana - Transformação (bactéria adquire DNA do meio) - Conjugação (plasmídio ou transposon) - Transdução (fago) Antimicrobianos Mecanismos de ação e resistência X Resistência aos Antimicrobianos Resistência aos Antimicrobianos Modificação Estrutural do Sítio de Ação Com a mudança estrutural, o antibiótico perde a capacidade de se ligar ao sítio QUINOLONAS RIFAMPICINA BETA-LACTÂMICOS MACROLÍDEOS Antibiótico Sítio Modificado Parede Celular Alteração estrutural do sítio de ação: Ligação bloqueada Interior da bactéria Inativação do Antibiótico Enzimas destrõem o antibiótico ou impedem que ele se ligue ao sítio de ação Antibiótico destruído Antibiótico alterado, Previne a ligação Antibiótico Enzima Sítio de Ação Parede Celular Interior da bactéria Bombas de Efluxo TETRACICLINAS QUINOLONAS Bombas no interior da bactéria fazem com que, assim que o antibiótico entre seja “jogado fora” Antibiótico Porina Entrada Saída Parede celular Interior da bactéria Bomba Ativa Alteração de Porinas