O PROCESSO DE FORMAÇÃO E DESTRUIÇÃO DAS ESTRELAS Instituto de Pesquisas Científicas Jonathan Tejeda Quartuccio Introdução Quando olhamos para um céu limpo, sem lua e sem poluição luminosa, podemos contar em torno de 3000 estrelas. Cada uma delas pertencem à nossa galáxia, que, em sua totalidade, possui 400 bilhões de estrelas. Algumas são menores e mais fracas que nosso sol, outras são tão grandes que, colocando lado a lado com nossa estrela mãe, iriam completamente ofuscar seu brilho. As estrelas variam em tamanho, massa, brilho e temperatura. Embora todas possuam um nascimento descrito da mesma forma, os finais de suas vidas podem seguir caminhos distintos. Algumas podem simplesmente ir diminuindo seu brilho, em uma morte lenta. Já outras explodem em eventos energéticos cujo o brilho pode ofuscar o de uma galáxia. Essas são as supernovas. Nesse artigo iremos analisar como é o processo de formação e destruição das estrelas. Propriedades observacionais Em níveis macroscópicos, as estrelas são os objetos mais importantes do universo. Galáxias possuem em sua estrutura uma grande quantidade de estrelas, podendo de ir galáxias pequenas, com alguns milhares de estrelas, até galáxias gigantes, com seus trilhões de estrelas como é o caso de IC 1101. É bem provável que em todo o universo existam mais de dez sextilhões de estrelas. Em nossa galáxia, esse número gira em torno de 200 a 400 bilhões. Esses corpos são distintos uns dos outros. Sabemos disso através de suas propriedades observacionais, as quais são: massa (M), temperatura de superfície (T), luminosidade (L) e raio (R). Comparadas com o nosso Sol, essas propriedades compreendem uma faixa dada por: 10−1 𝑀𝑆𝑜𝑙 < 𝑀𝑒𝑠𝑡𝑟𝑒𝑙𝑎𝑠 < 70𝑀𝑆𝑜𝑙 10−4 𝐿𝑆𝑜𝑙 < 𝐿𝑒𝑠𝑡𝑟𝑒𝑙𝑎 < 106 𝐿𝑆𝑜𝑙 10−2 𝑅𝑆𝑜𝑙 < 𝑅𝑒𝑠𝑡𝑟𝑒𝑙𝑎 < 103 𝑅𝑆𝑜𝑙 103 𝐾 < 𝑇𝑒𝑚𝑝𝑒𝑟𝑎𝑡𝑢𝑟𝑎 𝑑𝑎 𝑆𝑢𝑝𝑒𝑟𝑓𝑖𝑐𝑖𝑒 < 105 𝐾 Como exemplos extremos, temos a estrela Gleise 623, a uma distância de 25 anos-luz com uma massa 10 vezes menor que o Sol e uma luminosidade 60000 mais fraca. Por outro lado, temos a estrela da pistola, com uma massa de 100 a 200 massas solares. Na maior parte de suas vidas, as estrelas habitam numa faixa do diagrama H-R chamada de sequência principal. O diagrama H-R é um diagrama desenvolvido por Ejnar Hertzsprung e Henry Norris Russel o qual relaciona a luminosidade de uma estrela com seu raio e temperatura superficial. As estrelas na sequência principal são aquelas que estão queimando núcleos de hidrogênio em seu interior, realizando processos de fusão nuclear e criando núcleos de hélio. O diagrama pode ser dividido em quatro regiões básicas: uma região com estrelas fracas e frias; uma região com estrelas fracas e quentes; uma região com estrelas brilhantes e frias e uma região com estrelas brilhantes e quentes. Vamos deixar para tratar melhor a respeito do diagrama H-R em outro artigo. Como as estrelas se formam? Para iniciar um processo de formação estelar é necessária uma região com uma grande nuvem molecular, fria e densa. Devido à gravidade interna das partículas dessa nuvem, a mesma inicia um processor de colapso. Esse colapso vai fazendo com que a região central da nuvem fique mais quente (o aumento de pressão nessa região aumenta a temperatura). Esse aumento de temperatura faz com que a radiação proveniente do centro da nuvem tente expandir a sua parte externa. Ocorre que ainda existe a força da gravidade. Temos agora duas forças agindo: uma pressão de radiação de dentro para fora e uma gravidade puxando o material de fora para dentro. Essas duas forças criam um equilíbrio hidrostático. A mecânica de fluidos é uma área importante no estudo desses corpos celestes. O fato é que a estrela é um fluído (é um gás ionizado) e desse modo está em constante transformação. Matéria está sendo expelida do centro da estrela para fora, de maneira a formar correntes de convecção. Como temos matéria fluindo, podemos aplicar a derivada lagrangeana: 𝐷 𝜕 ≡ + 𝑣⃗ ∙ ∇ 𝐷𝑡 𝜕𝑡 Através disso, chegamos à equação de continuidade para uma estrela (um fluxo contínuo de matéria): 𝜕 + ∇ ∙ (𝜌𝑣⃗) = 0 𝜕𝑡 𝜕 = −∇ ∙ (𝜌𝑣⃗) 𝜕𝑡 Isso está nos mostrando que a taxa de variação de matéria na estrela é igual a menos o divergente da densidade. Todo o movimento da estrela é descrito por: 𝜕𝑣⃗ 1 + (𝑣⃗ ∙ ∇)𝑣⃗ + 2𝜔 × 𝑣⃗ = − ∇𝑃 − 𝜔 × (𝜔 × 𝑟⃗) + 𝑓⃗ 𝜕𝑡 𝜌 O termo importante aqui é a força que aparece como último elemento na equação. Essa força surge de três maneiras distintas. Primeiro temos a gravidade, que pode ser dada em termos de seu potencial por: 𝑔⃗ = ∇𝜙𝐺 A densidade de massa obedece à equação de Poisson: ∇2 𝜙𝐺 = −4𝜋𝐺𝜌 Temos também a força centrífuga, a qual pode ser expressa pelo seu potencial rotacional: 1 𝜙𝑅 = − (𝜔 × 𝑟⃗)2 2 A segunda força está relacionada com o campo magnético na estrela, dado como: 𝑓⃗ = − 1 1 ⃗⃗ ∙ ∇)𝐵 ⃗⃗ ∇𝐵 2 + (𝐵 8𝜋𝑐 4𝜋𝑐 E por fim, temos as forças de fricção ou viscosidade. A Sequência principal Em suas fases iniciais, também chamadas de T-Tauri, as estrelas se contraem de forma lenta. Essa contração, por sua vez, vai aumentando a temperatura em sua região central, até que alguns milhões de anos depois a temperatura nessa região atinge valores na ordem de 10000000 kelvin. Com essa temperatura, as reações nucleares envolvendo os núcleos de hidrogênio se iniciam. A estrela entra, então, na sequência principal. Uma estrela pode se formar a partir de uma região com elementos mais pesados (carbono, silício, etc.) ou em uma região com hidrogênio predominando. Se a região possui grande quantidade de hidrogênio, inicia-se o processo chamado de cadeia próton-próton. Abaixo, temos as equações químicas desse processo. Se a região de formação estelar tiver elementos mais pesados, o processo químico recebe o nome de ciclo carbono-nitrogênio. O tempo que a estrela permanece na sequência principal depende muito de sua massa. Quanto mais massiva é a estrela, mais rapidamente ocorrem as reações nucleares e mais rapidamente a estrela sai da sequência principal. As estrelas gigantes e supergigante Podemos descrever o comportamento do interior da estrela através da lei dos gases PV=nRT. Isso indica que a altas temperaturas, como ocorre no interior das estrelas, a pressão também é muito alta. Mas vimos anteriormente que, em regiões onde predominam o hidrogênio, ocorrem sucessivas reações próton-próton. Essas reações vão diminuindo o número de partículas dentro da estrela o que, por sua vez, diminui a pressão na região central. Essa diminuição da pressão faz com que a estrela perca seu equilíbrio hidrostático, logo a atração gravitacional supera a pressão de radiação. Esse processo começa a comprimir o núcleo, fazendo com que novas reações envolvendo o hidrogênio ocorram de modo que a energia liberada aumente, fazendo com que o brilho da estrela também aumente. Esse aumento de brilho e energia empurra as camadas mais externas da estrela para fora, aumentando seu diâmetro. Isso diminui a temperatura na sua superfície. O resultado é uma estrela fria (uma temperatura superficial na faixa de 4000 K) e com um diâmetro cerca de 200 vezes maior que o original. A medida em que o núcleo se contrai, a densidade no centro vai aumentando. Porém a mecânica quântica coloca um limite nisso. O fato é que o princípio da exclusão, de Pauli, diz que dois elétrons idênticos não podem ocupar o mesmo estado quântico de energia. Como a densidade é muito alta, todos os níveis de energia mais baixa já estão ocupados. Temos a matéria degenerada. Nesse estado começam a ocorrer intensas explosões no interior da estrela. Em outras palavras, a estrela deixou a sequência principal e está migrando para outra região do diagrama H-R. A estrela está morrendo. O fim de vida de estrela depende de quanta massa a mesma possui. Se a massa é menor que 0.8 massas solares, a estrela vai se contrair de forma lenta. Sua temperatura central irá aumentar enquanto sua superfície se expande. Essa expansão irá ejetar todo o envoltório da estrela para o espaço, formando a chamada “nebulosa planetária”. Se a massa da estrela está entre 0.8 e 3 massas solares, seu núcleo se torna sólido (um hélio tipo metal). Quando a estrela atinge uma temperatura no núcleo na faixa de 100 milhões de kelvin, uma nova reação envolvendo hélio (triplo-alfa) se inicia. A reação é: Em seguida, uma violenta explosão no interior da estrela ocorre. Esses processos tornam o núcleo da estrela, antes dominado por hélio, em carbono. Essas estrelas também se tornam nebulosas planetárias. A medida que a massa da estrela vai aumentando, elementos mais pesados vão sendo criados. Se a massa da estrela está entre 3 e 10 massas solares, o núcleo, agora de carbono, continua a contrair. A temperatura na região central alcança a casa do bilhão e então processos envolvendo o carbono se iniciam. O núcleo, por fim, explode num processo chamado de flash de carbono. Essa explosão pode deixar uma estrela residual, chamada estrela de nêutrons, ou pode não deixar nenhuma estrela residual (supernova tipo II). Estrelas com massa acima de 10 massas solares formam elementos mais pesados a partir do oxigênio, como Silício (Si), Neônio (Ne), Magnésio (Mg), Níquel (Ni) e Ferro (Fe). Podemos, sem sombra de dúvida, dizer que todos os elementos que constituem nossos corpos foram formados no interior das grandes estrelas. O limite de Chandrasekhar Se uma estrela no centro de uma nebulosa planetária possui uma massa menor que 1.4 massas solares, a mesma irá evoluir até atingir o estágio de anã-branca. Uma estrela desse tipo possui um raio menor que o da Terra e uma temperatura superficial na ordem de 10000 kelvin. Um exemplo famoso de uma anã-branca é a estrela Sirius-B, que pode ser observada na imagem abaixo ao lado de sua companheira brilhante Sirius-A. Vimos que estrelas de grande massa podem gerar elementos pesados como o ferro. Algumas estrelas supergigantes apresentam um núcleo desse elemento que se desintegra em núcleos de hélio devido à grande temperatura. O processo, chamado de fotodesintegração, quebra um núcleo de átomo de ferro 56 em 13 núcleos de hélio. Ou seja, para cada átomo de ferro, são criados 13 átomos de hélio. Essa quebra ocasiona um colapso na estrela. O núcleo se contrai até atingir um tamanho de 10 quilômetros e uma densidade na faixa de 200 milhões de toneladas por centímetro cúbico. O material externo cai em direção ao centro da estrela e ricocheteia no núcleo endurecido. Esse ricochete ocasiona uma onda de choque para fora da estrela. E a esse processo damos o nome de supernova tipo II. Uma supernova do tipo I, também chamada de Nova, ocorre em sistemas binários, no qual uma das estrelas é uma anã-branca e a outra é uma gigante vermelha. A estrela menor começa a atrair matéria de sua companheira. A matéria sendo atraída cria um disco de acréscimo em torno da anã-branca. Isso faz com que, aos poucos, a massa da anã-branca vá aumentando. Chega um ponto em que sua massa supera o limite de Chandrasekhar e isso implica que a anã-branca não pode mais continuar nesse estágio. A estrela, por sua vez, colapsa e explode. Abaixo temos os gráficos relacionando o brilho de supernovas do tipo I e II. Se uma estrela de grande massa explode e deixa uma outra residual, essa será uma estrela de nêutrons. O diâmetro de uma estrela de nêutrons é na faixa de 10 quilômetros, e sua densidade chega a uma potência de 16 a 18 quilogramas por metro cúbico. A estrutura interna da estrela de nêutrons ainda não é compreendida. Embora ela seja uma estrela pequena e fraca, podemos detectá-la através de suas fortes emissões de radiação. Essa radiação, em forma de ondas de rádio, escapa pelos polos magnéticos da estrela. Uma estrela de nêutrons possui um intenso campo magnético (o maior campo magnético de uma estrela de nêutrons observado em nossa galáxia possui um valor 1 000 000 000 000 000 maior que o da Terra). Estrelas de nêutrons com campos magnéticos tão intensos são chamadas de magnetares. A estrela de nêutrons gira muito rapidamente em torno de seu eixo. Esse giro faz com que o feixe de radiação mude de sentido periodicamente. Se o feixe aponta para a Terra iremos detectar pulsos de radiação provenientes da estrela de nêutrons. Assim, essas estrelas de nêutrons também recebem o nome de pulsar. Por fim, se a massa da estrela é muito grande, a explosão pode originar o objeto mais denso e compacto que conhecemos: um buraco negro. Conclusão Embora as estrelas pareçam objetos simples e iguais, a física que as descreve não é tão simples assim. Todos os elementos pesados do universo foram forjados nelas. Com suas violentas explosões, esses elementos foram distribuídos pelo espaço em agrupamentos moleculares, que, mais tarde, iriam formar novas estrelas e outros corpos celestes, como planetas. Por sua vez, formados os planetas, os elementos encontraram-se num palco propício ao surgimento de outro complexo sistema do nosso universo: a vida.