Entrevista: “A alteridade dimensão primeira do sujeito ético” José André da Costa O professor José André da Costa, diretor geral do IFIBE, defendeu Tese de Doutorado em Filosofia na sexta-feira, 08 de julho de 2011, No PPG Filosofia da PUCRS, em Porto Alegre. A temática de pesquisa: “Ética e Política em Levinas: um estudo sobre alteridade, responsabilidade e justiça no contexto geopolítico contemporâneo” foi orientada do professor doutor Ricardo Timm de Souza (PUCRS). A banca de defesa foi composta pelo professor orientador e pelos seguintes doutores: Agemir Bavaresco (PUCRS), Luiz Carlos Susin (PUCRS), André Brayner de Farias (UCS) e Castor M. M. Bartolomé Ruiz (Unisinos). A seguir a entrevista feita pelo professor Paulo César Carbonari. P: Do que nasceu seu interesse pelo estudo do tema pesquisado na tese? R: O interesse foi pesquisar a categoria de alteridade em Levinas pelo viés da política a fim de mostrar que o discurso ético de Levinas prescreve o Direito e a Política. Esta preocupação nasceu dos estudos da dialética moderna e a insuficiência da subjetividade como instituidora do eu absoluto. P: Qual a problemática de fundo implicada na pesquisa? R: A alteridade precede à subjetividade. O que significa discutir, no fundo, que não há um eu natural como quis a modernidade, mas que o começo do filosofar e da filosofia é sempre plural, e isso aparece particularmente em Levinas. Daqui emerge a problemática da ética como responsabilidade com o outro e a política como encontro plural. Daí emerge a ideia central defendida na Tese de que o infinito faz da ética a filosofia primeira Revista Filosofazer. Passo Fundo, n. 38, jan./jun. 2011 137 e não a ontologia, e da política ato segundo. Mas, este primeiro e segundo não são cronológicos, nem opostos e nem justapostos, são, como se poderia dizer, faces de uma mesma moeda. O que abre a relação face-a-face, que é o ético em Levinas, é o político na figura do terceiro. P: Como compreender a filosofia e o filosofar como plural, se a ética é que constitui a filosofia primeira e esta é sempre face-a-face? R: Isto apresenta o contraponto entre totalidade e infinito, que são distintos para Levinas. A totalidade é resultado da ontologia e a pluralidade é desempenho do infinito no finito. Então, a ética supõe o infinito e o finito. A pluralidade se dá na relação face-a-face porque o encontro é sempre plural, não é só um eu, mas uma relação com o outro. A interpelação do outro é que gera a relação, nisto a pluralidade é constitutiva e, ao se abrir ao terceiro, esta pluralidade de amplia com o terceiro, a comparação do outro com o outro. P: Como a política, que lida fundamentalmente com mediações históricas, pode estar relacionada intimamente com a ética, que é relação primeira, imediata? R: Para a organização social o face-a-face não é suficiente, mas é o ponto de partida. A política, neste sentido, vem como garantia de para não cristalizar ou fixação do face-a-face. No fundo, é o movimento do plural. A ética é sempre primeira porque o ponto de partida é alteridade. P: Mas, haveria risco de cristalização ou fixação do face-a-face, em sentido ético, ao ocorrer isso já não seria ontologizar o tema e, por isso, inclusive inviabilizar a própria ética? R: Exatamente, esta é a questão, assim a política não pode ser dispensada. O que Levinas faz é exatamente tensionar o instituinte e o instituído. A verdade política em Levinas está exatamente neste tensionamento, que precisa permanecer aberto e, por isso, mantém o face-a-face aberto, não fixado. O outro, assim, permanece como primazia da ação, exigindo 138 Revista Filosofazer. Passo Fundo, n. 38, jan./jun. 2011 resposta à interpelação da manifestação do outro. A resposta pode ser positiva ou negativa, sendo que o critério para organização social é ético. Assim, a ética não precisa da política para se constituir, mas a política sim e, seu sentido, está exatamene em cuidar de manter a ética. Sem a relação face-a-face a política será ontológica e de totalização. P: Numa sociedade marcadamente “esquecida” do face-a-face e para a qual a relação direta parece até ameaçadora, como sustentar o proposto por Levinas? Não seria isso, um sonho para trás, no sentido de restaurar o que ficou para um período do passado, ou um sonho para frente impossível de se realizar, dado que também a política está mais para a totalização do que para a proteção do cuidado ético do face-a-face? R: A pergunta repõe a questão que Levinas trata em Totalidade e infinito (1961) e em De Outro modo que ser (1974) mostrando que o passado não está coagulado, é olhado como horizonte, e o futuro como compromisso ético. Isto porque o que Levinas quis restabelecer é que a injustiça é irreparável, portanto, o que quer resgatar é a memória das vítimas para que não se repitam – exemplo para que Auschwitz não se repita! No fundo, o que liga a ética, a política e a justiça é a memória, que seria o tempo sem tempo. P: A memória é, portanto, elemento central. Se entendi bem, ela é, inclusive, constitutiva da possibilidade tanto do ético quanto do político, aliás da própria filosofia. Ou seja, não haveria filosofia sem memória. Mas isso não contrasta com as clássicas compreensões da filosofia como cognição, como epistemologia, inclusive lembrando o velho Aristóteles que atribuía à memória um papel importante, mas nunca à altura da inteligência e menos ainda do noús? R: Não fazer memória equivaleria a não fazer justiça a vítima, às vítimas. Na verdade, toda a crítica de Levinas à filosofia ocidental é a crítica a esta amnésia, a este esquecimento do sentido do ser humano. Levinas, ao restabelecer a filosofia como ética primeira, repõe a categoria da justiça como crítica à filosofia da autonomia, que põe o eu em primeiro Revista Filosofazer. Passo Fundo, n. 38, jan./jun. 2011 139 plano, confundindo o outro com as coisas. Levinas contrasta sim, com a epistemologia, inclusive e particularmente a moderna. Ele tira este contraste quando faz a leitura do cogito cartesiano, já que este esqueceu a dimensão do infinito enquanto metafísica capaz de ir além do ser e do conceito. Neste sentido, em Levinas há menos uma epistemologia e mais uma crítica a ela. No fundo, o sujeito ético não nasce pelo entendimento e sim pelo traumatismo que se dá com a manifestação do outro (que é tudo o que não é o eu). P: Então, significa que a vítima é sinônimo de alteridade. O que significa falar de vítima? R: Significa falar daquele que foi negado de seus direitos humanos e impedido de manifestar seu apelo pelos próprios direitos. Isto é a injustiça, que fere o princípio ético do não matarás, que sempre é manifestado no rosto indecifrável do outro. P: Sim, mas se o outro é a vítima – da totalidade – ele também é a abertura para a sua superação – alteridade. Em outras palavras, a vítima teria, agora, em sentido político, força para ser o motor da transformação das situações injustas. Não estaria ela em tal situação de vulnerabilidade ou até de impotência que precisaria de apoio para sair desta situação? Em outras palavras, até que ponto a política aqui não se converteria em “império dos miseráveis” ou em “reino da misericórdia”? R: Na verdade, o assassinato é um engodo por que, mesmo matando o outro não mato a alteridade. Mesmo a vítima, mesmo o outro vitimado, agora ausente, continua presença que segue interpelando por justiça. Sendo que não tenho o vitimado nem fenomenicamente e nem ontologicamente, mas continua como dimensão ética. O outro, mesmo assassinado, continua interpelando por justiça, deixando o eu solitário. Neste sentido, a injustiça praticada é irreparável. A força é ética, sempre! A política é a dimensão que põe a ética “em marcha” com o conteúdo da memória da vítima perseguido pela justiça. A política, neste sentido é a racionalidade de garantir o social enquanto direito. A política é o serviço 140 Revista Filosofazer. Passo Fundo, n. 38, jan./jun. 2011 da ética para não fazer do social o lugar da mendicância e, no exercício da política a memória fica acesa, atiçada, para trazer sempre a lembrança de que a misericórdia é uma resposta da bondade ética levando em conta a diacronia da política. P: Então, a tarefa proposta por Levinas à filosofia é acima de tudo prática, poderíamos dizer? R: Prática não no sentido kantiano, mas metafísica no sentido ético. Nunca esgotando o dizer (metafísico) no dito (ontológico). No fundo é levar a sério a linguagem. Então ser humano em Levinas é levar em conta a linguagem enquanto indicadora de sentido. Esta é a tarefa primordial da filosofia em Levinas. No fundo, a racionalidade tem que ser ética e a linguagem racional. P: Para terminar, qual seu sentimento depois deste grande investimento pessoal no estudo? Como esta experiência marca tua vida? E com segues doravante? R: Em primeiro lugar a satisfação de ter concluído esta etapa de pesquisa e estudos. Ela me proporcionou uma experiência e o aprendizado de que a filosofia é uma necessidade humana e que, ao mesmo tempo, estudar filosofia da alteridade em Levinas resultou no aprendizado de que a razão é o exercício da pluralidade ética. Pude experimentar que, para além dos conceitos lógicos, a própria filosofia implica na articulação de atos lógicos e atitudes éticas, mesmo que o ato lógico nem sempre seja atitude ética e que o respeito e a alteridade continuam sendo o chamado da filosofia para respeitar a dignidade do outro. No fundo, o maior aprendizado é que, em Levinas, há um “a priori de carne e osso”! Sigo na pesquisa agora participando de debates acadêmicos e, acima de tudo, aberto para o diálogo com outras áreas de saber levando sempre em conta a alteridade como responsabilidade com o saber e com o parceiro do diálogo. Revista Filosofazer. Passo Fundo, n. 38, jan./jun. 2011 141