ÉTICA E POLÍTICA EM LEVINAS alteridade

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José André da Costa
ÉTICA E POLÍTICA EM LEVINAS
alteridade, responsabilidade e justiça
Passo Fundo
IFIBE
2013
© 2013 Instituto Superior de Filosofia Berthier (IFIBE)
Coleção Diá-Logos
Editor: Paulo César Carbonari
Co-Editor: João Alberto Wohlfart
Instituto Superior de Filosofia Berthier (IFIBE)
Mantido pelo Instituto da Sagrada Família
Diretor Geral: José André da Costa
Diretor Pedagógico: Paulo César Carbonari
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Edição: Editora IFIBE
Revisão de Texto: Fabio Giorgio e Paulo César Carbonari
Capa: Diego Ecker
Diagramação: Diego Ecker e Wanduir Sausen
Impressão e Acabamento: Gráfica Berthier
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CIP – Catalogação na Publicação
C837f e
Costa, José André da
Ética e política em Levinas: alteridade, responsabilidade e
justiça / José André da Costa. – Passo Fundo: IFIBE, 2013.
261 p. ; 21 cm. – (Coleção Diá-Logos ; v. 19)
Inclui bibliografia
ISBN: 978-85-8259-003-4
1. Ética. 2. Política. 3. Filosofia. 4 Levinas, Emmanuel,
1906-1995. II. Título.
CDU: 17
Catalogação: Bibliotecária Daniele Rosa Monteiro - CRB 10/2091
2013
Proibida reprodução total ou parcial nos termos da lei.
Instituto Superior de Filosofia Berthier – Editora IFIBE
SUMÁRIO
Prefácio...................................................................................... 11
Introdução................................................................................. 13
1. Alteridade: a relação entre ética e política...................... 19
1.1. A questão da relação entre ética e política no pensamento
de Levinas: uma primeira aproximação......................... 20
1.2. A leitura crítica de Levinas à política moderna............ 38
1.3. A relação entre ética e política a partir da Alteridade....67
1.4. A Alteridade como resistência cognitiva ao conceito..... 82
1.5. A racionalidade ética e a crítica à “ontologia ocidental”... 92
1.6. A proposta ética como ir “além” da totalidade do ser....101
2. Política: justiça no encontro plural.................................. 115
2.1. O Terceiro........................................................................... 116
2.2. A crítica de Levinas à “política ontológica” ................. 121
2.3. A crítica ética à tirania política....................................... 128
2.4. Os “hiatos” entre a política e a justiça............................ 135
2.5. A
política na interseção entre ética e justiça
e o surgimento assimétrico do Terceiro......................... 155
3. R
elações plurais: irredutibilidade e
relação entre ética, política e justiça................................ 173
3.1. Historicidade de uma categoria....................................... 174
3.2. O Terceiro, ainda uma vez............................................... 178
3.3. A justiça como exercício da hospitalidade:
aquém da liberdade e além da política........................... 189
3.4. É
tica, política, justiça e o encontro plural do
Eu com o Outro na responsabilidade infinita............... 219
Considerações finais................................................................ 237
Referências bibliográficas........................................................ 251
PREFÁCIO
As agruras da contemporaneidade, em termos de caos
sócio-ecológico, apontam, todas, para uma situação de origem que é tão evidente à percepção arguta de quem realmente
se interessa pelo assunto quanto refratada por interesses ideológicos que convergem desesperadamente no mascaramento
do que realmente se dá. Essa situação de origem, que surge a
partir de influxos positivistas nas humanidades, é a dissociação esquizofrênica entre ética e política. Pois, relegada a ética
pretensamente ao âmbito particular ou privado, dissolvida a
política essencialmente em relações de interesses em favor, ao
menos nesses últimos trinta anos, das lógicas tecnocráticas
de acumulação de capitais, não seria de se esperar outra coisa
senão exatamente o que se pode perceber a cada passo e em
praticamente todos os espaços: o abismo humano que se cria
no vácuo de interesses que trituram a humanidade, e onde
viceja – palavra estranha no contexto – a vida nua, desprovida, para os grandes discursos, de sentido em si e despojada,
na cotidianidade da violência de todos os tipos, de qualquer
resquício de dignidade que ainda pudesse habitá-la, memória
triturada de encontros que nunca aconteceram.
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Nesse sentido, fazer filosofia, hoje, é dirigir-se incisivamente a esses temas, avessos à pusilanimidade e a condescendências hipócritas; é expor-se à contaminação por aquilo que
chega desde além de minha inteligência e minhas lógicas de
proteção monádica e de egoísmo: a alteridade.
A presente obra de José André da Costa articula argumentativamente, em essência e não sem correr os riscos ínsitos a obras que trazem a marca da ousadia e do pioneirismo,
a triangulação dessas três categorias hipercomplexas de configuração da possibilidade de evasão do mundo anti-utópico
que a desumanidade e a violência (as quais sempre encontram
algum gênero de razão instrumental ou ardilosa que as justifique) configuram obstinadamente: a ética como origem, a
alteridade como marca, a política como realização.
Evidenciar cabalmente – filosoficamente – a desfaçatez
de um universo cognitivo no qual a violência cotidiana contra
o humano e todas as formas de vida não é mais que algum
tipo de passo procedimental para alcançar o exercício pleno
de suas funções de justificação do humanamente insuportável, eis uma tarefa de não pequena monta. A presente obra
contribui, na sua medida, para que a deslegitimação do óbvio
violento seja, mais uma vez, qualificadamente desenvolvida.
E isso não é pequeno mérito; que o presente livro encontre
leitores à altura, é tudo o que podemos desejar.
Ricardo Timm de Souza
7 de dezembro de 2012.
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INTRODUÇÃO
A relevância filosófica de Emmanuel Levinas é atestada
não pela quantidade de livros e ensaios que escreveu, mas pela
inquietação intelectual que sua obra provocou no meio acadêmico, buscando “criar” uma nova filosofia e pensamento que
fossem além da fenomenologia e da ontologia, alicerçadas em
Husserl e Heidegger.
Levinas foi um pensador que viveu o grande drama do
seu tempo: a violência avassaladora do logos ontologizante que casou a morte de muitos inocentes. A racionalidade
ontologizante e egológica que trouxe em seu bojo o advento
do nazismo e que gerou a perseguição e a dizimação de milhões de judeus na Segunda Guerra Mundial. A marca desse
aniquilamento foi a catástrofe de Auschwitz e sua própria experiência como prisioneiro em campos de concentração, nos
quais ficou detido por muito tempo. Para fazer frente a esse
genocídio, Levinas propôs uma ética da alteridade como filosofia primeira.
A obra de Levinas provocou nos meios intelectuais uma
nova maneira de pensar e de agir. Nesse intento, seguimos
o itinerário daqueles que trilharam o seu caminho intelectual fazendo também o esforço de mostrar a motivação, os
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temas, os problemas, os encaminhamentos e a convergência
das conclusões a que chegou em sua proposta filosófica. Essa
convergência com o raciocínio de Levinas nos deu o suporte
para atingirmos o núcleo orientador de nossa tese sobre uma
temática cara ao pensamento levinasiano: a Ética e a Política
– o que acontece por meio de uma irredutibilidade e da interatividade de relações assimétricas para com ela. Isto significa
dizer que a ética e a política são o início do filosofar, emergindo daí “o nascimento” dessa relação de proximidade.
No ambiente acadêmico nacional e internacional são
muitos os trabalhos relevantes que se ocuparam da difícil e
delicada relação entre Ética e Política na e a partir da obra de
Emmanuel Levinas. Autores como Gérard Bensussan investigaram o tema em Éthique et Expérience: Levinas politique,
François-David Sebbah em Lévinas, Ambiguïtés de l’altérité,
Ozanan Vicente Carrara em Lévinas: do sujeito ético ao sujeito político. Não obstante, ressalta-se sempre o fato notório de
o autor não haver legado aos pósteros algo que se assemelhasse a um tratado de Filosofia Política ou semelhante. O presente
trabalho não foge a essa temática da articulação difícil entre
uma proposta ética singular e as derivações políticas necessárias dessa nova posição. Seu esforço, porém – diferentemente de obras referidas concernentes ao assunto – é estabelecer
uma paulatina tessitura entre variadas e significativas categorias do pensamento levinasiano que conduza, por seu próprio desenvolvimento, à imbricação inelutável entre esses dois
conceitos maiores no pensamento levinasiano – a Ética e a
Política.
Em outros termos, e contrariamente ao que costuma
acontecer, não apresentaremos uma visão isolada de cada um
desses aspectos maiores do pensamento do filósofo lituanofrancês, para então estabelecermos uma articulação descritiva da possibilidade de imbricação dessas categorias, mas, antes – e aqui consiste o elemento central de nossa tese – temos
como objetivo mostrar de forma cabal como o pensamento
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ético de Levinas é indissoluvelmente ligado àquilo que podemos, sem temor de abuso semântico, chamar de seu “pensamento político”.
A argumentação é, naturalmente, longa e laboriosa, haja
vista a importância extrema desses conceitos no pensamento do autor; outros pensadores se farão igualmente presentes;
todavia, isso apenas comprova o fato de conhecimento geral
segundo o qual não é possível a compreensão de algum elemento do pensamento levinasiano sem que todos os outros
estejam ali implicados. Se metodologicamente optamos por
analisar detidamente, em separado, muitas das categorias do
arcabouço teórico levinasiano – e não poderia ser diferente,
dada a complexidade de cada categoria singular atestada pela
infinidade de intérpretes que abordam esse pensador difícil
– como que nos dirigindo das bordas para o centro definidor
da estrutura da própria motivação do autor –, também é verdade que essa mútua implicação deverá ficar suficientemente relevada para que não se entenda a constante referência a
ela como algum capricho de nossa parte, mas como o que ela
realmente constitui, a nosso ver, e que essa tese procura tornar
absolutamente explícito: como uma bipolaridade substancial
e necessária no que diz respeito à abordagem consequente, em
todos os sentidos possíveis, do pensamento levinasiano.
O trabalho segue os passos necessários para mostrar o
procedimento efetivado por Levinas para chegar à Alteridade
como marco da relação entre ética e política. Distingue cuidadosamente a ética e a política – sem opô-las nem justapô-las
– e, com isso, aproxima o diálogo com a nova metafísica proposta por Levinas. A argumentação se orienta para a relação
do face a face e destaca a categoria de Alteridade como fundamento de uma nova metafísica em base ética.
A relação do face a face é a dimensão ética, o encontro
primeiro entre o Eu e o Outro. Contudo, a fundação da sociabilidade exige a abertura ao “Terceiro”. A dicotomia entre
ética e política, ao se traduzir em primazia objetivante da po15
lítica e priorização problemática da ética, deixa de acolher o
Terceiro, impossibilitando a socialidade. Apesar do empenho
em constituir um sujeito emancipado, a metafísica da subjetividade produziu o indivíduo dissociado da socialidade, o que
torna a ética uma vivência da liberdade desde si e a política
um exercício de interesses, sem o Outro.
O postulado da ética exige o exercício da política para
gerir o bem comum como mediação para diminuir a violência no âmbito da sociabilidade humana. A pluralidade é a
abertura para pensar a simetria e eVitar a cristalização e/ou
o fechamento do face a face. Em Levinas a ética não permite
que política se autonomize, mas exige a permanente interlocução entre os dois termos. O interesse primordial da filosofia
da alteridade está na relação entre ética e política, portanto o
sentido da política exige a alteridade. A relação Eu-Outro e o
surgimento do Terceiro traz um elemento novo que caracteriza a originalidade do pensamento de Levinas, uma espécie
de paz inquieta que leva a pensar a ética e a política numa
pluralidade infinita, como relações assimétricas.
A base ética inaugurada pela alteridade exige uma nova
política. Em Levinas, a Ética, a Política e a Sociedade aparecem como temas articulados que permitem pensar desde
o Outro. Nesse sentido, a ética prescreve uma política e um
direito, pois, como filosofia primeira, a ética sugere uma abordagem aonde o sujeito conduz para a fundamentação ética. A
perspectiva levinasiana implica uma análise crítica rigorosa
da filosofia ocidental o que constituí uma das metas principais deste estudo sobre Levinas.
Em outras palavras, defendemos aqui que não é possível
– e, ainda que fosse possível, não seria significativo – analisar
a dimensão ética do pensamento levinasiano (poderíamos dizer: seu pensamento in toto) sem que a dimensão política de
tal pensamento esteja constantemente referida, ainda que de
forma não explícita ou sub-reptícia. A razão, como será posteriormente argumentado, é relativamente simples: são ambas
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as faces de uma mesma moeda, aspectos de um mesmo acontecimento, que enviam a dimensões diversas de um mesmo
fenômeno: a constituição do sujeito ético pelo acontecimento
da presença ao Mesmo – à “unidade psíquica” – da Alteridade que desconstrói as representações narcísicas de um Eu
poderoso e pretensamente livre no sentido de, pela liberdade
investida, salvá-lo de si mesmo, ou seja, de seu delírio narcísico e violento. Eis o nascedouro, em Levinas, da Ética e da
Política – da ética-política. Nosso trabalho tem como finalidade elucidar a forma como essa mútua pertença se constrói
e reconstrói no tempo que nos constitui e que nós constituímos. O que significa dizer que nos situamos em um ponto de
vista da “reconstrução e compreensão” do pensamento levinasiano, sendo que nossas leituras se encontram associadas
aos temas levantados por ele, às categorias fundantes de sua
filosofia. Dessa maneira, ao seguir o giro argumentativo de
Levinas, mas longe da linearidade e colada nele, nossa leitura também não se estabeleceu enquanto oposição à sua visão
filosófica. A nosso ver, o que funda e estrutura o campo da
política na filosofia levinasiana é o agir ético. A partir de suas
categorias centrais, a ética e a política podem ser definidas,
respectivamente, como o desejo de instauração do humanismo do outro homem.1
1A expressão “humanismo do outro homem” é retirada da obra Humanisme
de l’autre homme, de Emmanuel Levinas (Montpellier: Fata Morgana, 1972).
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