Derrame pleural: Qual o diagnóstico? Ricardo Milinavicius Médico assistente do Serviço de Doenças do Aparelho Respiratório – HSPE/IAMSPE Paula Silva Gomes Médica residente (R4) do Serviço de Doenças do Aparelho Respiratório – HSPE/IAMSPE Maria Vera C. de O. Castellano Diretora do Serviço de Doenças do Aparelho Respiratório – HSPE/IAMSPE Ester N. M. A. Colleta Médica do Serviço de Anatomia Patológica do HSPE-SP Maria Isete Fares Franco Diretora do Departamento de Anatomia Patológica do HSPE/IAMSPE Relato do caso Paciente do sexo feminino, 55 anos, funcionária de um cartório de notas. Dispnéia aos médios esforços que evoluiu para os mínimos esforços há dois meses. Referia tosse com expectoração branca, perda ponderal de 12kg em 8 meses e dor ventilatóriodependente em hemitórax esquerdo (HTE). Sem outras queixas. Antecedentes pessoais: ex-tabagista 20 maços/ano a 20 anos e ablação de pólipos uterinos há 5 anos. Negava outras comorbidades e não fazia uso contínuo de nenhum medicamento. Exame físico: Bom estado geral, orientada, eupneica. Aparelho respiratório: FR= 16 ipm, Sp02= 96% em ar ambiente e murmúrio vesicular abolido em 2/3 do HTE; sem outras alterações. Aparelho cardio-circulatorio: BRNF sem sopros FC:80bpm PA:120X80mmHg Abdômen e membros inferiores: Sem alterações Sem adenomegalias palpáveis. - Radiograma de tórax: velamento total de HTE. (Figura 1). TC de tórax: completa opacidade de HTE, evidenciando atelectasia do pulmão esquerdo (E) e volumoso derrame pleural (DP) à E (Figura 2 e 3). Figura 1. Radiografia de tórax: Opacidade homogênea em hemitórax esquerdo Figura 2. TC de tórax : Derrame pleural volumoso em hemitórax esquerdo Figura 3. TC de tórax : Atelectasia passiva e total de pulmão esquerdo Pergunta 1 Quais as hipóteses diagnósticas? A. Derrame pleural benigno por asbesto B. Derrame eosinofílico secundário a drogas C. Derrame pleural parapneumônico D. Derrame pleural maligno Resposta correta: D Discussão: A pleura e formada por duas membranas serosas (pleura visceral e pleura parietal). Entre as duas membranas existe normalmente uma pequena quantidade de líquido. O acúmulo de líquido no espaço pleural está associado a diversas patologias, da pleura em si ou não. A investigação diagnóstica deve incluir inicialmente uma anamnese detalhada, exame físico completo e exames complementares laboratoriais e de imagem, seguidos quando houver indicação, de toracocentese com ou sem biópsia pleural. Amostras do líquido pleural devem ser encaminhadas para análise laboratorial. O paciente com derrame pleural apresenta em geral queixa de dor pleurítica, tosse e dispnéia. A dor pleurítica aguda ocorre mais freqüentemente nos casos de pneumonia e tromboembolismo pulmonar. Alguns outros sintomas podem apontar para outras etiologias: febre para causa infecciosa e emagrecimento para derrame pleural maligno ou derrame pleural por tuberculose. Tabela 1 - Resultado dos exames laboratoriais Leucócitos Hb Plaquetas 15.290/mm3 (2-79—0-0-17-2) 12,9 g/dL 371.000/mm3 Proteínas totais 7,8 g/dL DHL 424 U/L TGO/TGP 15/14 U/L Na 140 mEq/L K 3,8 mEq/L Ur 32 mg/dL Cr 0,8 mg/dL Cai 1,25 mmol/dL FA 181 U/L GamaGT Urina I HIV 38 U/L Sem alterações Negativo Anti-ENA Não reagente FAN Não reagente FR Não reagente - Toracocentese diagnóstica: Líquido pleural (LP) hemorrágico, com padrão exsudativo, 5.250 células/mm3 , predomínio linfocitário (91%) e presença de 1% de promielócitos; pH=7,5; glicose=114mg/dL; DHL= 333 UI/L e ADA (Adenosina deaminase)= 20,8 UI/L. Pergunta 2 Estes resultados do líquido pleural não são compatíveis com qual diagnóstico? A. Tuberculose B. Neoplasia C. Empiema D. Colagenose Resposta: C Discussão Para a análise laboratorial do líquido pleural as amostras devem ser coletadas em tubo seco (Proteína, DHL, glicose, colesterol, triglicérides e amilase), tubo com anticoagulante (Contagem celular total e diferencial, citologia oncótica), seringa heparinizada (pH), e tubo estéril (Gram, pesquisa de fungos, micobactérias e culturas). Inicialmente deve-se diferenciar se o derrame pleural é exsudato ou transudato. O critério mais usado é o de Light: Exsudato – Proteína pleural/sérica > 0,5 DHL pleural/sérico > 0,6 DHL pleural > 2/3 do limite superior do valor de referência para o método Nos casos de derrame pleural por insuficiência cardíaca em pacientes que usam diuréticos deve ser utilizado o gradiente de albumina (albumina serica menos albumina pleural). Em se tratando de transudato o mesmo é maior que 1,2 g/dL. A presença de predominância de linfócitos no LP pode ocorrer na tuberculose, em linfomas e em pleurites crônicas (reumatóide, fúngica, por asbesto, quilotórax, sarcoidose, etc). Nos casos de empiema o pH é menor que 7,2. O DHL elevado no líquido pleural em geral está associado a tuberculose, derrame parapneumônico, empiema e neoplasia. A glicose menor que 60 mg/dL no LP indica atividade inflamatória ou infecciosa (Tuberculose, derrame parapneumônico, pleurite reumatóide, neoplasia, etc). A ADA no LP tem valor normal abaixo de 40UI/L e está elevada na tuberculose, linfoma, empiema e pleurite reumatóide. Foram solicitados outros exames complementares: -Toracocentese com biópsia pleural: Líquido pleural com características semelhantes a amostra anterior. AP de pleura: Reação inflamatória crônica inespecífica - Broncoscopia: Traqueíte enantemática leve. - TC de abdome: sem alterações. - TC de região cervical: sem alterações. Pergunta 3 Qual o próximo passo na investigação desta paciente? A. Toracotomia B. PETscan C. Mapeamento com gálio D. Pleuroscopia Resposta: D Discussão Nos casos em que os exames laboratoriais e a biópsia pleural fechada não forem suficientes para conclusão diagnóstica, é necessária a complementação da investigação com outros exames. É interessante observar que a biópsia pleural fechada tem efetividade menor que a citologia do líquido pleural na investigação dos derrames neoplásicos. Em alguns centros é utilizada a biópsia guiada por ultrasssonografia ou tomografia. Com maior efetividade diagnóstica temos a biópsia pleural realizada cirurgicamente, por exemplo, com pleuroscopia. A pleuroscopia permite a inspeção da cavidade pleural e a biópsia dirigida em possíveis lesões tumorais. - Pleuroscopia: moderado DP hemorrágico, lesão vegetante em pleura diafragmática. Biopsiadas pleura e massa pleural. Anátomo-patológico de ambas: linfoma B linfocítico de pequenas células. Biópsia de medula óssea: livre de comprometimento neoplásico. - Anatomia patológica: Fragmentos de pleura infiltrados por denso infiltrado de células pequenas, distribuídas difusamente. HE, 40X. O padrão celular infiltrativo é composto por células de pequeno porte, hipercromáticas com leve pleomorfismo e citoplasma escasso. HE, 200X. Imunohistoquimica com forte positividade na população celular pleomórfica para marcadores de leucócitos. CD45 (LCA), 200X. Imunohistoquímica com positividade para linfócitos B. CD79, 200X. Conclusão: Linfoma primário de pleura Discussão O linfoma primário de cavidade (LPC) é um raro linfoma não-Hodgkin (LNH), representando 3% dos LNH em pacientes com SIDA e 0,4% em imunocompetentes. Sua principal apresentação é o acometimento de cavidade pleural (aproximadamente 70% dos casos). Sua patogênese é multifatorial. Na investigação diagnóstica, é importante sempre descartar outras doenças linfoproliferativas e infiltração medular. Este caso tratava-se de linfoma de células B. Os linfomas de células B representam 30-40% de todos linfomas não Hodgkin. O linfoma primário de cavidade pleural é uma patologia rara cujo diagnóstico geralmente ocorre por avaliação do líquido cavitário, já que o acometimento nodal e extranodal estão ausentes. A realização de tomografia computadorizada, hemograma e punção aspirativa de medula óssea são importantes para o diagnóstico diferencial com doenças linfoproliferativas e infiltração medular. Na sua patogênese estão envolvidas alterações do sistema imune em pacientes imunocompetentes, senescência e co-infecção pelo vírus herpes humano tipo 8, virus Epstein-Barr, bem como associação com o Sarcoma de Kaposi e doença de Castleman. A análise citológica do líqüido pleural revela, na maioria das vezes, padrão exsudativo, aumento de celularidade e predomínio linfocitário com a presença de blastos. Numa metanálise em 34 artigos foram descritos 48 casos de linfoma primário com acometimento seroso (pleura – 65,9%; peritônio e pericárdio). Nestes 48 casos há predominância do sexo masculino (60,4%), com média de idade de 74 anos (14-99 anos), sendo que 79,2% dos pacientes tinham menos que 60 anos. A associação com o vírus da hepatite C ocorreu em 22,2% dos casos e com o vírus Epstein-Barr em 21,3% dos casos. A mortalidade em 6 meses foi de 22,2% e em um ano de 38,9%. Bibliografia 1) Antonangelo L et al. Linfoma primário de cavidade pleural em paciente imunocompetente. J Bras Pneumol. 2005; 31(6): 563-66. 2) Hengge UR et al. Update on Kaposi's sarcoma and other HHV8 associated diseases. Part 2: pathogenesis, Castleman's disease, and pleural effusion lymphoma. Lancet Infect Dis. 2002;2(6): 344-52. 3) Kim KH et al. A case of Human Herpes Virus-8 unrelated primary effusion lymphoma-Like lymphoma presented as pleural effusion .Tuberculosis and Respiratory Diseases. 2012 December;73(6): 336-41. 4) Ru X et al. Primary pleural lymphoma: a rare case and a synopsis of the literature. J Thorac Dis. 2013;5(4):E121-E123. 5) Saini N et al. HHV8-Negative primary effusion lymphoma of B-Cell lineage: Two cases and a comprehensive review of the literature.Case Reports in Oncological Medicine. 2013;Article ID 292301.