entrevista a crise financeira aa crise financeira atual

Propaganda
ENTREVISTA
Chico de Oliveira
A CRISE FINANCEIRA ATUAL
F
oi dele uma das 2 mil assinaturas do manifesto de fundação do Partido dos Trabalhadores (PT).
Vinte e quatro anos mais tarde, ele participou da fundação de outro partido, o PSOL. Em comum,
sempre carregou a aposta no socialismo. Com uma formação em sociologia que vai da graduação até
o pós-doutorado, Francisco de Oliveira é professor emérito da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas da Universidade de São Paulo e tem mais de 15 livros publicados, além de artigos e uma ampla
participação públicas nas discussões políticas do país. Nesta entrevista, Chico de Oliveira, como é mais
conhecido, fala sobre as causas e faz uma análise da crise financeira atual. Embora não ache que ela represente o fim do capitalismo, ele acredita que, desta vez, não serão só os pobres que pagarão a conta.
Qual a causa da crise econômica e financeira atual?
Essa é uma crise de crescimento do sistema capitalista. Ela se exprime em termos financeiros porque todo
mundo aplica seus excedentes em letras do Tesouro dos Estados Unidos, que é o ativo financeiro de menor
rendimento, mas é o mais seguro. Internamente, os bancos norte-americanos afrouxaram o crédito e disso
veio a chamada crise das hipotecas subprimes (pessoas com menor poder aquisitivo). Na verdade, essa
crise está sendo gestada há algum tempo e corresponde a um crescimento do sistema capitalista, que é
espantoso. Nos últimos 20, 30 anos, a China e a Índia colocaram no mercado industrial de trabalho cerca
de 800 milhões de operários: isso é uma revolução sem precedentes no sistema capitalista, gerou excedentes comerciais e financeiros espantosos. A China é a principal compradora de títulos do Tesouro Americano. Isso elevou o que os economistas chamam liquidez do mercado financeiro norte-americano. Daí todo
mundo saiu para comprar casa, comprar carro. Acontece que a renda dos consumidores americanos não
cresce no mesmo ritmo que os excedentes chineses. A economia da China vem crescendo numa média de
10% ao ano, enquanto a economia norte-americana cresce no máximo até 4% ao ano. Isso mostra uma
forte assimetria entre a China, que produz a mercadoria mais barata do mundo hoje, e os Estados Unidos,
que compram boa parte dessas mercadorias. Essa é a origem da crise. É uma crise do sistema capitalista
como nunca houve. A raiz, portanto, da crise, está na economia real e não na economia financeira. Mas ela
se transforma em crise financeira porque os excedentes chineses financiaram a expansão do crédito nos
Estados Unidos.
Qual é a diferença entre esta crise e a de 1929?
A entrada da China e da Índia na economia de mercado é a principal diferença desta crise para a de
1929, que nasceu e foi gestada no coração do centro do sistema econômico, que já eram os Estados
Unidos. Ela nasceu ali e se espalhou pelo mundo todo. Essa nova crise, que não é tão repentina quanto se
pensa, nasce na periferia do sistema e daí é exportada para todo o mundo. Por quê? Porque todo mundo
aplica em bônus do Tesouro Americano. Então, a crise financeira vai repercutir nos demais países sob duas
formas: a primeira, na desvalorização dos títulos do tesouro americano. A segunda, na queda da economia
real dos norte-americanos e da Europa porque se reflete na compra de produtos brasileiros, argentinos,
enfim, de toda a periferia. As conseqüências serão bastante graves. É difícil avaliar a gravidade. E os
ENTREVISTA
remédios que estão sendo utilizados são de caráter financeiro e isso não resolve. Evita que o sistema afunde,
mas não coloca dinamismo na economia.
É uma derrota do neoliberalismo?
Isso é uma tremenda expansão do capitalismo, mas uma derrota das concepções neoliberais, o que sempre
ocorre. Na verdade, se não seguíssemos as concepções neoliberais, não chegaríamos a uma expansão desse
porte no mundo. Podemos ver que uma pessoa que use tênis no Brasil provavelmente está usando um tênis
produzido no vasto continente asiático. Enquanto a China e a Índia estiverem “bombando” a essa velocidade, a crise não vai passar. Ela não afundará porque o poder dos bancos centrais e dos governos hoje é muito
mais direcionado. Ninguém vai fazer como o Bush (ex-presidente dos Estados Unidos George Bush), que
não ligou para a crise e o resultado foi desastroso. É preciso não esquecer que, mesmo tendo ajuda do
Keynesianismo, a verdade é que foi a segunda guerra mundial que tirou a economia norte-americana da crise.
A volta do Keynesianismo seria uma saída?
O retorno ao Keynesianismo é insuficiente. John Keynes foi um teórico que mandou aplicar seus remédios
em economias que tinham um dinheiro nacional controlado por poderes institucionais muito fortes. Não é o
caso de uma economia globalizada, em que não há esse dinheiro mundial. Existe moeda forte como o dólar,
mas isso não dá lugar para que políticas como a keynesiana sejam aplicadas mundialmente.
Quem pagará a conta?
Não acho que só os pobres irão pagar a conta, porque a crise não está acontecendo apenas nos países
pobres como o Brasil, Argentina ou Chile. Quem vai pagar a conta mesmo são os norte-americanos e os
Europeus. Se houver um enorme acordo que inclua a China e a Índia, haverá mais possibilidade de controle
da crise. É bem provável que isso ocorra, porque esses dois países não querem tocar fogo no circo.
Entrevista realizada por
Sandra Pereira, em
março de 2008
Download