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“SITUAÇÕES CLÍNICAS EM PEDIATRIA: O QUE FAZER?”
Título - Glúten - quando considerá-lo vilão?
Autor: Vera Lucia Sdepanian
O glúten consiste na principal proteína presente no trigo, centeio e cevada1.
Lembrar que o malte é um subproduto da cevada e, portanto, também contém
glúten. Vale mencionar que, numa dieta sem glúten, a aveia também deve ser
eliminada da dieta porque ela, em geral, está contaminada pelo trigo.
Quando o glúten deve ser considerado um “vilão” e deve ser retirado da dieta?
Há três situações bem definidas em que o glúten deve ser retirado totalmente
da dieta, durante toda a vida: diagnóstico confirmado de doença celíaca, de
dermatite herpetiforme, e de alergia ao glúten.
Deve-se enfatizar que a prevalência de doença celíaca é elevada nos países
da Europa, assim como no Brasil. Estudo que investigou doença celíaca em
doadores de sangue, na cidade de São Paulo, encontrou pelo menos 1
paciente com doença celíaca para cada 214 doadores de sangue
investigados2. Esta foi a frequência encontrada num estudo acerca de doença
celíaca em doadores de sangue na cidade de São Paulo. Por esta razão,
publicou-se, em 17 setembro de 2009, no Diário Oficial da União, a Portaria
denominada Protocolo Clínico da Doença Celíaca”.
Deve-se pensar na doença celíaca nas seguintes situações: diarreia crônica,
em geral acompanhada por distensão abdominal e perda de peso; dor
abdominal sem causa aparente; distensão abdominal; flatulência; baixa
estatura sem causa definida; anemia por deficiência de ferro que não responde
à ferroterapia oral; anemia por deficiência de folato ou vitamina B12; fraqueza;
cefaleia de repetição; baixa densidade mineral óssea; atraso puberal,
irregularidade menstrual; hipoplasia do esmalte dentário; artrite; ataxia; aborto
espontâneo de repetição, esterilidade, manifestações psiquiátricas como
depressão; constipação intestinal crônica refratária ao tratamento; úlcera aftosa
recorrente, elevação das enzimas hepáticas sem causa aparente, fraqueza,
perda de peso sem causa aparente, edema de aparição abrupta após infecção
ou cirurgia3.
Há grupos de risco em que a doença celíaca é mais prevalente do que a
população geral. Estes grupos consistem nos familiares de primeiro grau de
pacientes com doença celíaca, pacientes com qualquer tipo de doença
autoimune; síndrome de Down; síndrome de Turner; e síndrome de Williams.
O diagnóstico de doença celíaca deve ser confirmado com emprego dos
anticorpos (anticorpo antitransglutaminase tissular humana da classe IgA e/ou
anticorpo antiendomísio da classe IgA) e biopsia de intestino delgado. Não se
deve instituir o tratamento, “prova terapêutica”, somente com os sintomas
clínicos. A retirada do glúten deve ser realizada após o diagnóstico confirmado
com esses exames subsidiários, e consiste no tratamento da doença celíaca3.
Quanto à dermatite herpetiforme, também conhecida como doença celíaca da
pele, os pacientes apresentam todo o espectro histológico quanto clínico da
doença celíaca, além das lesões papulovesiculares intensamente pruriginosas,
geralmente distribuídas simetricamente nas regiões extensoras de cotovelos,
joelhos e/ou nádegas e região escapular4.
Com respeito à alergia ao glúten, trata-se de uma reação IgE mediada, que
deve ser diagnosticada e tratada como tal.
Há uma outra situação denominada sensibilidade ao glúten (também
denominada como intolerância ao glúten–não celíaca) relacionada com aqueles
pacientes em que a doença celíaca e a alergia ao trigo foram totalmente
excluídos, e que os sintomas ocorrem após exposição ao glúten e
desaparecem com a retirada do glúten5. É fundamental que se descarte a
doença celíaca antes que se estabeleça este diagnóstico.
Referências Bibliograficas
1. Sdepanian VL, Scaletsky IC, Fagundes-Neto U, Batista de Morais M.
Assessment of gliadin in supposedly gluten-free foods prepared and purchased
by celiac patients. J Pediatr Gastroenterol Nutr. 2001 Jan;32(1):65-70.
2. Oliveira RP, Sdepanian VL, Barreto JA, Cortez AJ, Carvalho FO, Bordin JO,
et al. High prevalence of celiac disease in Brazilian blood donor volunteers
based on screening by IgA antitissue transglutaminase antibody. Eur J
Gastroenterol Hepatol. 2007;19(1):43-9.
3. Hill ID, Dirks MH, Liptak GS, Colletti RB, Fasano A, Guandalini S, et al; North
American Society for Pediatric Gastroenterology, Hepatology and Nutrition.
Guideline for the diagnosis and treatment of celiac disease in children:
recommendations of the North American Society for Pediatric Gastroenterology,
Hepatology and Nutrition. J Pediatr Gastroenterol Nutr. 2005;40(1):1-19.
4. Zone JJ. Skin manifestations of celiac disease. Gastroenterology. 2005;
128(4 Suppl 1):S87-91.
5. Catassi C, Bai JC, Bonaz B, Bouma G, Calabrò A, Carroccio A, et al. NonCeliac Gluten sensitivity: the new frontier of gluten related disorders. Nutrients.
2013;5(10):3839-53.
Caso Clínico
Criança de 4 anos e 6 meses (Figura 1) , feminina, natural e procedente de São
Paulo, apresenta anemia há 1 ano, que não reverte ao tratamento com terapia
com ferro por via oral. Aos 4 anos de idade, a paciente apresentava os
seguintes exames: Hemoglobina = 7,8 g/dL;
; e Ferritina
. Após 6 meses de tratamento com 5 mg/Kg de ferro elementar os
exames foram: Hemoglobina = 8,0 g/dL; Microcitose +++; Hipocromia +++;
Anisocitose +++; Presença hemácias em alvo; GB = 8200; Plaquetas =
1.111.000;
;
.
Interrogatório complementar: Desde os 2 anos de idade apresenta apatia,
anorexia, déficit de ganho de peso e estatura e distensão abdominal.
Frequência de evacuação igual a 1 vez ao dia, com fezes de consistência
normal, e coloração bem escurecida.
Antecedentes pessoais: diabetes mellitus insulino dependente desde 1 ano e 6
meses de idade de difícil controle.
Figura 1. Foto da paciente aos 4 anos e 6 meses
Questões –
1) Qual dos exames abaixo você solicitaria
a) eletroforese de hemoglobina
b) protoporfirina eritrocitária livre
c) anticorpo antitransglutaminase tissular humana da classe IgA
d) velocidade de hemossedimentação
e) proteína C reativa
Resposta correta: c
Comentário: Está indicada a realização do anticorpo antitransglutaminase
tissular humana da classe IgA para rastreamento sorológico da doença celíaca,
uma vez que a paciente apresenta anemia por deficiência de ferro refratária à
terapia com ferro, é portadora diabetes melitus insulino dependente que é um
grupo de risco para doença celíaca, apresenta déficit de ganho de peso e
estatura e distensão abdominal.
2) Qual das imagens abaixo corresponderia à biopsia de intestino delgado
desta paciente:
a)
b)
c)
d)
e)
Resposta correta: a
Comentário: A resposta a) representa uma biopsia de intestino delgado com
atrofia vilositária que confirma a hipótese diagnóstica de doença celíaca.
3) A biopsia de intestino delgado realizada nesta paciente foi realizada com
emprego da pinça de:
a) colonoscopia
b) endoscopia digestiva alta
c) ileo
d) ileocolonoscopia
e) Jatson
Resposta correta: b
Comentário: Atualmente, o principal método para a coleta de biopsia de
intestino delgado é com emprego da pinça de endoscopia digestiva alta,
devendo-se coletar pelo menos 4 fragmentos, da porção mais distal do
intestino delgado, isto é a partir da segunda porção do duodeno.
4) A dieta sem trigo, sem centeio, sem cevada, sem malte e sem aveia
deve ser realizada durante quanto tempo quando se diagnostica a
doença celíaca?
a) Pelo menos 6 meses, totalmente sem glúten
b) Pelo menos 1 ano, totalmente sem glúten
c) Pelo menos 6 meses, podendo comer glúten somente uma vez por
mês
d) Pelo menos 1 ano, podendo comer glúten somente uma vez por mês
e) Durante toda a vida, totalmente sem glúten
Resposta correta: e
Comentário: Quando se estabelece o diagnóstico de doença celíaca a dieta
deve ser totalmente sem glúten e durante toda a vida. Por esta razão, o
diagnóstico deve ser preciso, e não se deve realizar “teste terapêutico”, isto é,
retirar o glúten da dieta sem ter realizado os exames necessários para
confirmar o diagnóstico desta doença.
5) Com respeito à prevalência de doença celíaca no Brasil, estudo que
investigou doença celíaca em doadores de sangue na cidade de São
Paulo encontrou prevalência, de cerca de, pelo menos:
a) 1 paciente com doença celíaca para cada 200 doadores de sangue
investigados.
b) 1 paciente com doença celíaca para cada 2.000 doadores de sangue
investigados.
c) 1 paciente com doença celíaca para cada 20.000 doadores de
sangue investigados.
d) 1 paciente com doença celíaca para cada 1.000 doadores de sangue
investigados.
e) 1 paciente com doença celíaca para cada 10.000 doadores de
sangue investigados.
Resposta correta: a
1.
Comentário: A prevalência de doença celíaca é alta em nosso meio e
corresponde a pelo menos 1 para cada 214 doadores de sangue
investigados na cidade de São Paulo, segundo estudo publicado no
Eur J Gastroenterol Hepatol. 2007;19(1):43-9.
VERA LUCIA SDEPANIAN
Professora Adjunta e Chefe da Disciplina de Gastroenterologia Pediátrica da Universidade
Federal de São Paulo (UNIFESP)
Mestre em Pediatria pela UNIFESP
Doutora em Medicina pela UNIFESP
Mestre em Gastroenterologia Pediátrica e Nutrição pela Universidade Internacional de
Andaluzia, Espanha
Pós-Doutorado no Departamento de Gastroenterologia Pediátrica da Universidade de
Maryland, Baltimore, EUA
Supervisora do Curso de Residência Médica em Gastroenterologia Pediátrica da UNIFESP
Vice-Presidente da Associação Paulista Pediátrica de Gastroenterologia Hepatologia e Nutrição
Vice-Presidente do Departamento de Gastroenterologia da Sociedade de Pediatria de São
Paulo
Consultora técnico-científica da ACELBRA-SP e FENACELBRA
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