Considerações mecânicas para tratamentos ortodônticos

Propaganda
tópico especial
Considerações mecânicas para tratamentos ortodônticos
compensatórios de más oclusões de Classes II e III
Biomechanics considerations on Class II and Class III compensatory treatment
Guilherme de Araújo Almeida*
Weber Ursi**
Abstract
Resumo
Os tratamentos ortodônticos
compensatórios para pequenas e moderadas discrepâncias
maxilomandibulares, nas más
oclusões de Classes II e III, são
uma realidade. Como consequência, inúmeras prescrições
têm sido propostas como forma
de conduzir o posicionamento
dentário até esse fim, alterando angulações e/ou inclinações
de determinados braquetes.
Entretanto, devido à variabilidade de arranjos interoclusais
exigidos pelos diferentes graus
de severidade dessas más oclusões, tais prescrições podem
encontrar-se além ou aquém
dos níveis de compensação necessários para a sua correção.
O objetivo desse artigo é discutir os aspectos anatomomecânicos capazes de potencializar ou restringir a expressão
dessas prescrições, conforme
a necessidade compensatória
imposta pelas relações dentoesqueléticas em questão.
Palavras-chave:
Má oclusão de Angle Classe II. Má oclusão de Angle Classe III.
Ortodontia corretiva.
Como citar este artigo: Almeida GA, Ursi W. Considerações mecânicas para tratamentos ortodônticos compensatórios de más oclusões de Classes II e III. Rev Clín Ortod Dental Press. 2011
out-nov;10(5):22-37.
» Os autores declaram não ter interesses associativos, comerciais, de propriedade ou financeiros que representem conflito de interesse, nos produtos e companhias descritos nesse artigo.
22
Rev Clín Ortod Dental Press. 2011 out-nov;10(5):22-37
The compensatory treatment of
Class II and Class III malocclusions with mild to moderate
maxillomandibular discrepancies is common place among
orthodontic treatment options.
Therefore many compensatory
bracket prescriptions have been
proposed to facilitate dental positioning in the three planes of
space, with varying axial inclinations, both mesiodistal and
labio-lingually. However, due
to the variability in resulting
interocclusal relationships necessary to correct the possible
degrees of malocclusion severity, these prescriptions might be
below or above the necessary
corrections. The objective of this
article is to discuss the anatomic
and mechanical aspects that can
enhance or jeopardize the expression of such prescriptions.
Keywords:
Angle Class II malocclusion. Angle Class III malocclusion. Corrective orthodontics.
* Professor Associado III da Universidade Federal de Uberlândia.
** Professor Livre-Docente da Faculdade de Odontologia de São José dos Campos/UNESP.
Almeida GA, Ursi W
Introdução
A Ortodontia tem experimentado transformações profundas nos últimos 120 anos, provenientes de fundamentação
científica dos seus recursos de diagnóstico, aprimoramento
de suas técnicas terapêuticas, desenvolvimento dos materiais empregados e ampla interação com áreas afins.
No seu passado, caracterizou-se por protocolos de tratamento exclusivamente ortodônticos estabelecidos a partir
de uma excessiva valorização da cefalometria, que na época
baseava-se estritamente em parâmetros quantitativos e quase
nenhuma atenção aos aspectos morfológicos. A esse escopo
somava-se a pouca capacidade de explorar recursos complementares ínfimos, e limitados até então, restringindo sua possibilidade de interação com outras áreas da Odontologia.
No presente, conhecimentos sólidos têm alicerçado a sua
eficácia cada vez maior e mais abrangente. No campo terapêutico, a Ortodontia expandiu sua atuação às discrepâncias
esqueléticas maxilomandibulares por meio de associação à
Ortopedia Facial, em pacientes em crescimento, ou à Cirurgia Ortognática, em indivíduos adultos.
Sua metodologia de diagnóstico iniciou e ainda permeia
uma mudança conceitual significativa. A cefalometria, outrora
prima donna do planejamento ortodôntico, agora experimenta valorização mais comedida, materializada pela substituição
de referências normativas por parâmetros qualitativos.
A análise facial é agora, de forma inconteste, o guia primário para o diagnóstico ortodôntico, ortopédico e cirúrgico
ortognático. A adesão desse método tem permitido melhor
determinação dos limites e possibilidades de planejamentos e
procedimentos mecânicos aplicados a cada paciente individualmente. Mais importante do que isso, a adoção da avaliação
da face trouxe como consequência a valorização da morfologia das estruturas craniofaciais de forma isolada e entre si.
Como exemplo, constatou-se que, em um único subgrupo da classificação das más oclusões de Angle, poder-se-ia
encontrar relações maxilomandibulares que correspondessem
a um padrão normal, a uma face com perfil moderadamente
convexo (Padrão II) ou côncavo (Padrão III), a terços anteriores
reduzidos (Face Curta) ou aumentados (Face Longa). Ou seja,
um mesmo padrão de normalidade ou anormalidade permitiria compor-se de diferentes arranjos dentoesqueléticos.
Do ponto de vista dentário, percebeu-se que a amplitude
de movimentação para os dentes anteriores não reside apenas
nas suas possíveis variações a partir de dados cefalométricos
normativos, mas sim nos limites impostos pelas corticais ósseas da pré-maxila (para os incisivos superiores) e pela sínfise
mentoniana (para os inferiores), capazes, por si só, de definir a
viabilidade de extrações dentárias com finalidade ortodôntica,
os limites e possibilidades das intervenções terapêuticas compensatórias ou mesmo a necessidade de complementação
terapêutica por meio da cirurgia ortognática.
Se houvesse necessidade de se denominar essa transformação conceitual envolvendo o diagnóstico ortodôntico, talvez o
termo mais adequado fosse “individualização”. O interessante
é que essa tendência não abrange apenas o diagnóstico, mas
todas as subáreas da especialidade, com ênfase ao posicionamento dentário a ser estabelecido durante e ao final do tratamento, por meio de prescrições variáveis de braquetes.
É evidente a quantidade dessas prescrições hoje existentes
no mercado. Algumas idealizadas com a finalidade de evitar
determinados efeitos indesejáveis, próprios do sistema Straight-Wire, durante as fases intermediárias do tratamento; enquanto
outras priorizam o posicionamento final das estruturas dentárias,
levando em consideração preferências mecânicas do idealizador. Há variações compensatórias para as opções mecânicas
comumente utilizadas quanto ao tipo racial e seus respectivos
perímetros de arcadas dentárias adotados como parâmetro de
normalidade, e quanto à quantidade de movimentação dentária anterior a ser realizada durante a redução da sobressaliência
positiva, nula ou negativa, ou dos espaços remanescentes de extrações — conforme fica claro até mesmo nas prescrições estabelecidas por Andrews1, a partir de suas constatações originais.
Qual dessas é a melhor? Não cabe julgá-las no momento,
principalmente porque talvez aqui também seja necessária
a individualização frente às opções de recursos mecânicos
frequentemente adotados pelo profissional e ao padrão
facial predominante em sua região geográfica de atuação.
Entretanto, fica claro que optar por uma ou outra implica,
necessariamente, no conhecimento prévio das intenções e
preferências terapêuticas do seu mentor.
Tome-se como exemplo a prescrição Capelozza Filho3 para
o tratamento compensatório das más oclusões das Classes
II e III. Segundo esse autor3, as respectivas prescrições foram
estabelecidas a partir das de Andrews1, alterando-se essencialmente algumas inclinações e angulações dentárias, para o
estabelecimento da prescrição pertinente ao Padrão I e, a partir dessa, determinou-se aquelas referentes aos Padrões II e III
(Tab. 1, 2, 3). De acordo com a prescrição que o autor classificou
como Padrão II, as alterações frente à normalidade residem em
maior inclinação vestibular para os incisivos inferiores e menor
angulação para os caninos superiores. Justifica-se essas mudanças por meio dos objetivos de vestibularizar o segmento
anteroinferior, reduzir a angulação e, esporadicamente, a inclinação dos caninos superiores, e manter ou verticalizar os incisivos superiores. Embora esse último grupo de dentes não tenha
merecido uma redução em suas inclinações, conforme poderia-se esperar, explica-se esse fato pela preferência do autor
Rev Clín Ortod Dental Press. 2011 out-nov;10(5):22-37
23
tópico especial
Considerações mecânicas para tratamentos ortodônticos compensatórios de más oclusões de Classes II e III
Tabela 1 Prescrição de braquetes Capelozza Filho 3 para o Padrão I,
a partir do Andrews1.
Superiores
Dentes
Torque
Inferiores
Angulação
Torque
Superiores
Inferiores
Angulação
Dentes
Torque
Angulação
Torque
Angulação
centrais
+7
+5
-1
+2
centrais
+7
+5
-1 → +4 ou +8*
+2
laterais
+3
+9
-1
+2
laterais
+3
+9
-1 → +4 ou +8*
+2
caninos
-7 → -5*
+11 → +8*
-11
+5
caninos
-11
+5
1° pré-molar
-7
+2 → 0*
-17
+2
1° pré-molar
-7
0
-17
+2
2° pré-molar
-7
+2 → 0*
-22
+2
2° pré-molar
-7
0
-22
+2
1° molar
-9 → -10*
+5 ou 0
-30 → -25*
+2 → 0*
1° molar
-10
+5 ou 0
-25
0
2° molar
-9 → -10*
+5 ou 0
-35 → -25*
+2 → 0*
2° molar
-10
+5 ou 0
-25
0
-5 ou -8* +8 → +5 ou 0*
* Valores adotados pela prescrição Capelozza Filho para o Padrão I, a partir do Andrews .
* Valores adotados pela prescrição Capelozza Filho3 para o Padrão II, a partir do Padrão I.
Tabela 3 Prescrição de braquetes Capelozza Filho 3 para o Padrão III,
a partir da referente ao Padrão I.
de Odontologia da Universidade Federal de Uberlândia, utilizando a prescrição Capelozza Filho3, onde foram avaliadas
as inclinações dos incisivos e as angulações dos caninos em 7
pacientes Padrão II e 3 Padrão III. Constata-se, conforme evidenciado em negrito, que nem sempre a leitura total dos torques e angulações presentes nos braquetes em questão são
expressas na sua plenitude ao final dos tratamentos ortodônticos, podendo ser encontrados posicionamentos dentários
totalmente contrários ao intento das respectivas prescrições
estabelecidas a cada dente aqui avaliado. 3) Seria isso uma
deficiência da prescrição em questão? Acreditamos que não.
Com certeza, isso se deve aos Padrões II e III com maiores ou
menores graus de severidade e, consequentemente, possuidores de compensações dentárias acima ou abaixo das estabelecidas como média nas respectivas prescrições citadas. Junte-se
a essa justificativa o possível emprego de procedimentos mecânicos contraindicados que contrariam a intenção precípua
dos referidos tratamentos compensatórios, denunciando a real
discrepância na relação maxilomandibular, em vez de camuflá-la. Considerando-se que compensações preexistentes, algumas vezes, precisam ser mantidas ou suavizadas e, em outras,
potencialmente aumentadas, percebe-se que as prescrições
com finalidade compensatória são apenas instrumentos facilitadores dos correspondentes objetivos. Sua eficiência depende substancialmente de procedimentos mecânicos capazes de
potencializá-las, mantê-las ou restringi-las.
O objetivo de potencializar ou restringir determinado efeito ortodôntico depende não só do Padrão, como da arcada
dentária em questão. Consequentemente, a partir de agora,
entenda o leitor que — com a finalidade de evitar colocações
de caráter repetitivo —, ações maximizadoras ou restritivas de
determinados procedimentos terapêuticos serão enfatizadas
conforme aquilo que for mais desejável para cada segmento
ou arcada dentária, nos distintos Padrões II ou III.
3
1
Superiores
Inferiores
Dentes
Torque
Angulação
Torque
Angulação
centrais
+7 → +14*
+5
-1 → -6*
+2 → 0*
laterais
+3 → +10*
+9
-1 → +6*
+2 → 0*
caninos
-5 → -2*
+8 → +11*
-11
+5 → 0*
1° pré-molar
-7
0
-17
+2
2° pré-molar
-7
0
-22
+2
1º molar
-10
+5 ou 0
-25
0
2° molar
-10
+5 ou 0
-25
0
* Valores adotados pela prescrição Capelozza Filho para o padrão III, a partir do padrão I.
3
em utilizar elásticos de Classe II associados a fios redondos ou
retangulares de baixo calibre, o que possibilitaria efeito semelhante quando desejado. Quando a compensação na arcada
superior não for objetivo primário, essa pode ser minimizada
com o uso de fios retangulares de maior calibre, permitindo,
com os mesmos braquetes, uma flexibilização na posição final
dos incisivos superiores4.
No Padrão III (Tab. 3), os objetivos envolvem uma maior
vestibularização dos incisivos e caninos superiores, acompanhada de acréscimo na angulação desses últimos; uma diminuição na inclinação dos incisivos inferiores e uma redução
na angulação de todo o segmento anteroinferior, incluindo
os respectivos caninos.
Levantem-se algumas indagações a respeito dessas prescrições: 1) Essas alterações supracitadas são eficazes? Certamente que sim. 2) São rigorosamente eficientes para todos os
casos Padrão II ou III? Não, necessariamente. Observe-se, nas
Tabelas 4 a 7, os últimos 10 casos clínicos tratados no Curso
de Especialização em Ortodontia promovido pela Faculdade
24
Tabela 2 Prescrição de braquetes Capelozza Filho3 para o Padrão II,
a partir da referente ao Padrão I.
Rev Clín Ortod Dental Press. 2011 out-nov;10(5):22-37
Almeida GA, Ursi W
Tabela 4 Inclinação dos incisivos inferiores e superiores, pré- e pós-tratamento, utilizando a prescrição Capelozza Filho3 para o Padrão II.
Tabela 5 Inclinação dos incisivos inferiores e superiores, pré- e pós-tratamento, utilizando a prescrição Capelozza Filho3 para o Padrão III.
Inclinação
Inclinação
1.Pp
IMPA
pré-
pós-
pré-
pós-
97,5
82,5
102,0
103,0
111,0
111,0
85,0
93,5
107,5
106,0
90,0
93,0
110,0
106,0
98,0
88,0
107,0
109,0
98,5
103,0
112,0
106,0
105,5
101,5
107,0
102,5
94,0
94,0
Tabela 6 Angulação dos caninos superiores, pré- e pós-tratamento, utilizando a prescrição Capelozza Filho3 para o Padrão II.
Padrão III
Padrão II
1.Pp
IMPA
pré-
pós-
pré-
pós-
123,0
128,0
91,5
94,0
120,0
118,5
88,0
88,0
114,5
116,0
82,0
78,0
Tabela 7 Angulação dos caninos inferiores e superiores, pré- e pós-tratamento, utilizando a prescrição Capelozza Filho3 para o Padrão III.
Angulação
Angulação
23
13
pré-
pós-
pré-
pós-
93,0
89,0
94,0
95,0
98,0
93,0
89,0
88,0
95,0
97,0
92,0
88,0
93,0
91,0
87,0
86,0
94,0
95,0
93,0
97,0
97,0
92,0
91,0
86,0
89,0
92,0
92,0
92,0
Como potencializar ou restringir a efetividade das prescrições compensatórias para as más oclusões de Classe II
Nesse tipo de má oclusão, dá-se à arcada inferior o direito
de expressar toda a tendência expansiva própria da técnica
Straight-Wire (Fig. 1), permitindo que os incisivos inferiores
possam buscar contato com os seus respectivos antagonistas. De modo contrário, o controle mecânico deve priorizar
essencialmente a arcada superior, com a finalidade de evitar
todo e qualquer procedimento favorável à vestibularização e
protrusão dos dentes anterossuperiores. Sob esse enfoque, na
maxila, os distintos grupos de dentes que compõem essa arcada devem ser avaliados isoladamente ao início do tratamento.
Arcada superior
Posicionamento dos incisivos - sobre esse grupo de dentes, reside a expressão máxima de todo e qualquer procedi-
Padrão III
Padrão II
13
23
33
43
pré-
pós-
pré-
pós-
pré-
pós-
pré-
pós-
81,0
83,0
96,0
100,0
94,0
89,0
83,0
84,0
93,0
92,0
84,0
81,0
87,0
90,0
84,0
88,0
86,0
90,0
82,0
92,0
100,0
87,0
87,0
80,0
mento capaz de promover incrementos indesejáveis no grau
de sobressaliência inicial. Se isso acontece, acentua-se a severidade da protrusão dos dentes superiores, obrigando que
movimentações dentárias compensatórias desnecessárias tenham que ser inseridas no planejamento terapêutico. Exemplo disso, se 5º de inclinação vestibular são incorporados aos
incisivos superiores durante a etapa de alinhamento e nivelamento, um acréscimo de 1mm dar-se-á na circunferência da
arcada dentária, nessa região2 (fig. 2).
Esse efeito deletério tende a ser maior conforme o tamanho e a morfologia dos dentes anterossuperiores, uma vez
que coroas com diâmetro mesiodistal significativo e em ordem decrescente, com formato retangular, triangular ou em
“barril”, tendem a potencializar a ação do torque vestibular
ou da própria angulação presente nos respectivos braquetes,
incrementando a sobressaliência2 (fig. 3). Essa particularidade anatômica, normalmente desprezada na colagem dos incisivos, assume significativa importância no tratamento compensatório da Classe II, principalmente na arcada superior.
Rev Clín Ortod Dental Press. 2011 out-nov;10(5):22-37
25
tópico especial
Considerações mecânicas para tratamentos ortodônticos compensatórios de más oclusões de Classes II e III
5°
Figura 1 Representação da tendência expansiva
anteroposterior, própria da técnica Straight-Wire
(Fonte: Bennett, McLaughlin2).
1mm
Figura 2 Correlação entre o aumento na inclinação vestibular dos incisivos superiores e o seu reflexo sobre a circunferência da arcada dentária, no
segmento anterior (Fonte: Bennett, McLaughlin2).
Figura 3 Representação esquemática do espaço requerido pelos incisivos superiores,
mediante a correlação entre sua morfologia
e a angulação incorporada nos respectivos
braquetes (Fonte: Bennett, McLaughlin2).
Nesse tipo específico de má oclusão, é recomendável planejar a colagem dos braquetes dos incisivos superiores de
acordo com as suas respectivas angulações originais, caso
elas estejam diminuídas, seguindo a tendência de compensação natural desses dentes e evitando-se um possível
aumento no comprimento dessa arcada dentária, por vestibularização desse segmento anterossuperior, já na fase
inicial do tratamento ortodôntico. Afinal, ao estabelecer-se
comparação entre os potenciais de expressão do torque e
da angulação presentes em um braquete, constata-se que
essa última apresenta capacidade de ser lida desde o início
da mecânica, independentemente do calibre ou conformação dos fios a serem utilizados, o que não acontece com
a inclinação, somente possível de ser influenciada a partir
dos fios quadrados ou retangulares, na medida que elimina-se a folga entre esses e o slot do braquete4. Dessa forma,
especificamente no tratamento compensatório do Padrão
II, não causa estranheza aceitar a possível necessidade de
potencializar compensações preexistentes nas angulações
dos incisivos superiores, sob o intento de reduzir a necessidade de espaço e a tendência protrusiva nessa região. Nesses casos, ao optar-se pela conveniente diminuição no
26
Rev Clín Ortod Dental Press. 2011 out-nov;10(5):22-37
posicionamento mesiodistal dos dentes anterossuperiores, deve-se respeitar (por razões, inclusive, estéticas) a
diferença de 4° entre as angulações dos incisivos centrais
e laterais, o que pode ser plenamente favorecido por
meio do emprego de braquetes de pouca ou nenhuma
curvatura em suas respectivas bases.
Um outro aspecto a ser avaliado é a presença ou não de
discrepância de modelo negativa nesse segmento da arcada. A associação entre a técnica Straight-Wire e fios de memória tende a maximizar a tendência expansiva e protrusiva
já mencionada. Aqui, o plano de tratamento deve ser objetivo em relação ao apinhamento, determinando sua resolução através de procedimentos mecânicos, como a expansão
da maxila, ou terapêuticos, como desgastes interproximais
ou exodontias. Em ambas as condições, a inserção dos fios
de nivelamento nos braquetes deve restringir-se inicialmente, somente aos dentes melhor posicionados e, na sequência, após a devida obtenção de espaço, os incisivos com
posicionamento mais desfavorável devem ser incorporados
por meio de recursos mecânicos pertinentes, como arcos
segmentados/auxiliares ou um sobrefio (overlay), capazes
de manter as dimensões originais da arcada superior.
Almeida GA, Ursi W
Posicionamento dos caninos - caninos superiores posicionados com angulação reduzida no início de tratamentos
ortodônticos conservadores ou submetidos a mecânicas
de retração inicial com nítida tendência à verticalização,
quando associada à utilização de arcos contínuos pela
técnica Straight-Wire, tendem a extruir e vestibularizar os
dentes anterossuperiores (aumentando a sobremordida)
e a intruir os respectivos pré-molares, abrindo a mordida
nessa respectiva região2 (fig. 4).
Na primeira situação mencionada, recomenda-se que
a angulação dos caninos seja corrigida por meio de cantiléver com alça em caixa ou por meio de recursos similares,
previamente à inserção de fios contínuos envolvendo esses dentes e os incisivos superiores (fig. 5).
Da mesma forma, em casos com extrações dentárias
de primeiros pré-molares, quando os caninos necessitam
ser submetidos à retração inicial, é recomendável que isso
seja realizado por meio de recursos que reduzam a tendência desses dentes à verticalização, como por exemplo
a utilização de lace-back (fig. 6), permitindo um melhor
controle sobre a angulação desses dentes e, consequentemente, evitando os correspondentes efeitos indesejáveis
de vestibularização e extrusão sobre os incisivos e a consequente intrusão dos segundos pré-molares2 (fig. 4).
Figura 4 Representação ilustrativa em norma
frontal do efeito extrusivo sobre os incisivos
causado pelo canino superior permanente
contra-angulado, por meio da inserção simultânea de fios contínuos nestes dentes
(Fonte: Bennett, McLaughlin2).
A
A
A
B
B
B
Figura 5 Vistas intrabucais frontais e laterais direita e esquerda: antes (A) e depois (B) da correção de caninos contra-angulados, por meio
de arcos segmentados em "caixa".
Rev Clín Ortod Dental Press. 2011 out-nov;10(5):22-37
27
tópico especial
Considerações mecânicas para tratamentos ortodônticos compensatórios de más oclusões de Classes II e III
Considerando-se que, no tipo de má oclusão em questão, o controle da inclinação dos incisivos superiores é
condição básica para um tratamento racional, a inserção
conjunta desses dentes anterossuperiores e caninos só
deve acontecer mediante a correção prévia da angulação desses últimos, sempre acompanhada de conjugação
isolada dos segmentos anteriores e posteriores, segundo
McNamara Jr. e Brundon7, no sistema 4-4-4 (onde se conjuga de primeiros molares a caninos dos lados direito e
esquerdo, e de incisivo lateral a incisivo lateral) até que a
fase de alinhamento e nivelamento tenha sido finalizada.
Somado a esse recurso, recomenda-se a utilização de dobras nas extremidades do fio ou de opções similares que
apresentem a premissa de evitar o aumento no comprimento da referida arcada dentária durante o início do tratamento ortodôntico com ou sem extrações, como stops
devidamente amarrados à mesial dos primeiros molares
ou mesmo ômegas, quando a opção do profissional recair
sobre ligas que aceitem tal procedimento. Além disso,
acrescente-se o emprego de opções terapêuticas preferencialmente adotadas pelo idealizador dos braquetes a
serem usados, como a utilização, logo no início da mecânica, de elásticos de Classe II, para o tratamento compensatório desse tipo de má oclusão, conforme preconizado pela prescrição Capelozza Filho3 — que, associada a
desgastes na distal de caninos e pré-molares superiores,
contribui para a redução da massa dentária anterossuperior, favorecendo a diminuição na angulação dos dentes
em questão, o que é oportuno para o tratamento compensatório da má oclusão de Classe II.
Posicionamento dos pré-molares: em uma má oclusão
de Classe II dentoesquelética (Padrão II) com possibilidade
compensatória, independentemente da origem, seja por
excesso maxilar, seja por deficiência mandibular, a disposição anteroposterior dos pré-molares superiores encontra-se
mesializada em relação aos respectivos antagonistas. Desse modo, para facilitar a obtenção de uma intercuspidação
satisfatória nessa região da arcada dentária, recomenda-se
que o posicionamento dos braquetes dos pré-molares superiores assuma um posicionamento ligeiramente deslocado para a mesial, com o intento de permitir uma discreta
rotação desses dentes para distal, a fim de favorecer a obtenção de uma relação oclusal mais adequada entre esses
dentes7 (fig. 7). Da mesma forma, é conveniente que os
braquetes a serem utilizados nesses dentes apresentem-se
sem qualquer tipo de angulação ou sejam posicionados de
modo a anulá-la durante o ato da colagem, permitindo a
obtenção de uma angulação ligeiramente para a distal dos
pré-molares superiores, mediante interação plena desses
acessórios com as diversas opções mecânicas pertinentes
a esse tipo de tratamento compensatório, como, por exemplo, a utilização de elásticos de Classe II.
Posterior
A
Figura 6 Representação ilustrativa do lace-back (A) e seu efeito sobre a porção radicular do canino (B),
preservando parte significativa da sua angulação inicial (Fonte: Bennett, McLaughlin2).
28
Anterior
B
Rev Clín Ortod Dental Press. 2011 out-nov;10(5):22-37
Figura 7 Posicionamento recomendável
dos braquetes dos pré-molares superiores,
capaz de desencadear uma ligeira rotação
desses dentes para distal, durante o tratamento compensatório da Classe II (Fonte:
McNamara Jr., Brundon7).
Almeida GA, Ursi W
Posicionamento dos molares: independentemente da
severidade da má oclusão de Classe II, o posicionamento
dos molares, especialmente os primeiros, caracteriza-se
por variável giroversão no sentido mesiopalatino. Quando isso ocorre de forma significativa, essa disposição repercute sobre os demais dentes localizados à sua mesial,
deslocando-os para frente, potencializando a Classe II. Se
essa relação dentária é aceita no início do alinhamento e
nivelamento, seja com fios contínuos ou segmentados envolvendo esses dentes e os pré-molares, o resultado imediato será a suavização dessa giroversão, porém acompanhada de um deslocamento desnecessário e indesejável
dos segundos pré-molares superiores em direção palatina.
Em fases subsequentes, intencionadas a reduzir a sobressaliência e/ou a relação dentária em questão, essa disposição dos primeiros molares superiores impedirá o correto
posicionamento interoclusal de todos os demais dentes
anteriores a eles, tanto pela maior ocupação de espaço
mesiodistal que isso acarreta, quanto pelo deslocamento
anterior de todos os demais elementos dentários posicionados à sua mesial (fig. 8).
Recursos mecânicos recomendáveis para a arcada superior: é inconteste que o sucesso do tratamento compensatório de uma má oclusão de Classe II reside muito mais
na racionalidade e controle da mecânica a ser adotada na
arcada superior do que na dependência isolada da prescrição compensatória. Evitar procedimentos que potencializem
a sobressaliência é uma condição obrigatória que deve ser
acompanhada, na medida do possível, de procedimentos
que favoreçam um melhor posicionamento dos dentes posterossuperiores, uma menor angulação dos caninos e uma
necessária verticalização dos incisivos superiores.
Assim, alguns recursos assumem caráter de diretriz, como:
- Evitar acentuação da curva de Spee: esse procedimento, quando realizado, tende a projetar os dentes anteriores
indesejavelmente para a frente e, se associado a fios retangulares de calibre grosso, pode maximizar o torque vestibular
sobre esses elementos dentários.
A
B
- Utilização de ômega, tie-back ou similares: talvez sejam
os recursos prioritários a serem empregados nesse tipo específico de tratamento. Afinal, a manutenção do comprimento
da arcada nesses casos é condição sine qua non para corrigir
apenas a sobressaliência inicial apresentada pelo paciente.
Consequentemente, qualquer recurso que apresente como
objetivo precípuo esse intento, deve ser sempre empregado
nesses casos, seja por meio de ômega devidamente amarrado
e afastado do slot do molar, quando pequenas reduções no
comprimento da arcada dentária são possíveis e desejáveis,
ou seja através de tie-back, ancoragem absoluta ou similares.
- Emprego de elásticos de Classe II: o uso de elástico de
Classe II pode ser a opção de escolha para o controle e/ou redução da inclinação e protrusão dos incisivos superiores durante fases precoces do tratamento ortodôntico e para a retração
anterior desses dentes, em casos envolvendo extrações.
Obviamente, ao ser utilizada precocemente durante a etapa de alinhamento e nivelamento, essa alternativa requer um
mínimo de reposicionamento dentário. Nessa fase do tratamento, sua ação será potencializada pelo uso de fios redondos ou retangulares de baixo calibre, muito embora, apesar do
caráter remediável, o mesmo aconteça com seus efeitos indesejáveis, como alguma extrusão dos incisivos superiores e dos
molares inferiores, além da tendência de lingualização desses
últimos. Na arcada inferior, esses efeitos deletérios capazes
de provocar uma rotação horária na mandíbula, agravando a
Classe II, podem ser evitados ou restringidos pelo emprego
de um arco lingual de Nance, por exemplo. Algumas prescrições, como a Capelozza Filho3 para o Padrão II, ao serem idealizadas, consideraram essa alternativa terapêutica como essencial para esse tipo de tratamento, a ponto de abrir mão de
uma esperada redução no torque dos dentes anteroposteriores. Isso não implica em dizer que haja uma interdependência
entre esse tipo de prescrição e a referida mecânica de elástico,
mas permite afirmar que há a necessidade de associação entre
esses braquetes e qualquer tipo de recurso que adeque-se a
essa filosofia de intervenção ortodôntica, principalmente nos
casos que exijam compensação significativa.
Figura 8 Correção do mau posicionamento
dos primeiros molares superiores, comumente
encontrado nas más oclusões de Classe II, por
meio de barra palatina: A) antes e B) depois.
Rev Clín Ortod Dental Press. 2011 out-nov;10(5):22-37
29
tópico especial
Considerações mecânicas para tratamentos ortodônticos compensatórios de más oclusões de Classes II e III
- Utilização de protratores mandibulares fixos associados à mecânica corretiva: dentre os protratores mandibulares, enquadra-se aqui o subgrupo desses aparelhos
que, embora possam intencionar respostas ortopédicas
anteroposteriores da mandíbula, no curto prazo permitem
efeitos dentoalveolares de magnitude variável para o tipo
de má oclusão em discussão. Associados diretamente à
mecânica ortodôntica corretiva ao final do alinhamento e
nivelamento dentário, seja em casos sem extrações ou ao
término do fechamento de espaços, em tratamentos envolvendo remoções de dentes, possibilitam a correção da
Classe II com ou sem subdivisão.
Evidenciem-se méritos ao pesquisador Coelho Filho5,6,
idealizador do aparelho protrator da mandíbula (APM).
Esse recurso terapêutico, ou qualquer outro que assemelhe-se a ele (Jasper Jumper, Forsus, etc.), tem como característica dentoalveolar promover uma vestibularização
dos incisivos inferiores e maior angulação dos caninos da
mesma arcada. Por outro lado, na arcada superior, desencadeia distalização e intrusão dos primeiros molares
permanentes, com consequente verticalização dos incisivos e menor angulação dos caninos; quando nesse arco,
ômegas amarrados encontram-se intimamente em contato
com os tubos dos primeiros molares.
Além disso, ressalte-se aqui o melhor controle vertical
sobre os molares superiores que essa mecânica apresenta
em relação à utilização de elásticos de Classe II e sua baixa
necessidade de cooperação por parte do paciente, embora apresente maior custo e possibilidade de quebras.
- Tipo, morfologia e espessura do fio ortodôntico: conforme já mencionado, fios de níquel-titânio apresentam, por
si só, natureza expansiva, o que não impede o seu emprego
na arcada superior nas Classes II Padrão II; porém, exige-se
que sejam utilizados mediante a associação de recursos que
impeçam o aumento no comprimento da arcada superior.
Outro aspecto mecânico importante para a arcada
superior, durante o tratamento ortodôntico compensatório desse tipo de Classe II, refere-se à morfologia e
espessura dos fios a serem empregados e a sua relação
direta com a prescrição a ser adotada nos braquetes dos
incisivos. Se for estabelecida uma redução no torque dos
referidos dentes pela prescrição a ser adotada, parece
apropriado fazer uso pleno de tal recurso, priorizando o
emprego de fios retangulares que preencham totalmente
o slot. Entretanto, se as alterações no torque dos slots
desses dentes não foram introduzidas, abre-se oportunidade para a utilização de fios redondos ou retangulares
de baixo calibre, a fim de evitar-se descompensações
desnecessárias e inoportunas.
30
Rev Clín Ortod Dental Press. 2011 out-nov;10(5):22-37
Arcada inferior
Posicionamento dos dentes inferiores - na arcada inferior, diante de más oclusões de Classe II com possibilidade
compensatória, o posicionamento dos braquetes obedece
aos preceitos originais da técnica Straight-Wire1. Aqui, mais
importante do que a avaliação individual de cada grupo de
dentes é a precisão em coincidir cada slot com o plano de
Andrews, dispondo-os centralizados e perpendicularmente
ao longo eixo das respectivas coroas. No entanto, quando
uma quantidade significativa de compensação dentária é exigida para a arcada inferior, especial atenção deverá ser dada
à prescrição das angulações implementadas nos braquetes
dos caninos. Se elas forem inexistentes ou mesmo insuficientes para uma determinada situação clínica, seu incremento
poderá ser introduzido durante o próprio procedimento de
colagem desses acessórios ortodônticos, aumentando a sua
angulação. Quanto à inclinação mesiodistal dos incisivos,
especial atenção deverá ser dada à angulação já estabelecida na prescrição adotada, devido à exiguidade de espaço
normalmente presente nessa área e à possibilidade de um
quadro com perdas ósseas anteroinferiores significativas associadas a incisivos com morfologia triangular (fig. 3), onde
o efeito estético negativo dos prováveis espaços interproximais “negros” poderá inviabilizar a sua implementação.
Recursos mecânicos recomendáveis para a arcada inferior:
nas más oclusões Padrão II, com relação molar de Classe
II, o objetivo na arcada inferior contraria o seu antagonista,
sendo direcionado a manter ou, se possível, potencializar a
angulação dos incisivos e/ou dos caninos inferiores, com a
concomitante vestibularização desses primeiros, permitindo
o aumento no perímetro dessa arcada dentária. Particularmente nesse caso, a própria resultante protrusiva comum à
técnica Straight-Wire, por uma tendência automatizada de
troca de fios, durante a fase de alinhamento e nivelamento, conspira a favor da intencionada compensação dentária
nesse arcada (fig. 1).
Entretanto, quando a condição anatômica permite e a má
oclusão inicial solicita um quadro compensatório mais acentuado, recursos mecânicos podem também ser introduzidos,
favorecendo a obtenção desse objetivo, como segue:
- Alinhamento e nivelamento dentário inferior: conforme já mencionado, é recomendável que explore-se toda a
capacidade expansiva e protrusiva dessa técnica, evitando-se procedimentos como dobras nas extremidades dos fios,
a utilização de ômegas amarrados ou qualquer outro tipo de
recurso mecânico que represente um stop mesial ou gancho,
ambos servindo como apoio para estabilizar ou restringir incrementos no comprimento da arcada dentária inferior.
Almeida GA, Ursi W
Da mesma forma, é oportuna a incorporação do maior número de dentes o mais cedo possível, mesmo em casos de apinhamento, incluindo-se até mesmo os segundos molares inferiores permanentes, para que os incrementos no comprimento
dessa arcada dentária possam ter expressão máxima.
- Curva de Spee: promover a inversão da curva de Spee
desde a fase intermediária do alinhamento e nivelamento
dentário, com ênfase à utilização precoce de fios retangulares — principalmente com calibres que aproximem-se ao
máximo das dimensões dos slots dos braquetes — aqui,
na maioria das vezes, é um procedimento bem-vindo. Essa
alternativa terapêutica justifica-se pelo fato de que, ao incorporar a reversão dessa curva no fio ortodôntico, esse
procedimento por si só introduz torque vestibular ao segmento anterior, conforme já citado, favorecendo sobremaneira a compensatória vestibularização dos respectivos
dentes, quando comparado ao emprego desse mesmo
recurso porém com a utilização de fios redondos (fig. 9).
Todavia, há de se lembrar que essa vestibularização dos
incisivos inferiores vem sempre acompanhada de extrusão
dos pré-molares, capaz de provocar, em magnitude variável,
indevida rotação horária da mandíbula. Consequentemente,
considerando-se que por vezes uma curva de Spee acentuada pode estar acompanhada de extrusão dos dentes anteroinferiores, sua correção também deverá levar em consideração a possibilidade de ser alcançada através de mecânicas
de intrusão capazes de desencadear concomitante vestibularização desses dentes anteriores, com pouca ou nenhuma
repercussão sobre o posicionamento espacial da mandíbula.
- Utilização de elásticos de Classe II ou protratores mandibulares: nesse grupo de recursos destaca-se a capacidade
de favorecerem uma maior expressão da angulação nos caninos e do torque vestibular sobre os incisivos, corroborando
com os objetivos primários da mecânica compensatória para
o tratamento ortodôntico da Classe II, no Padrão II. A opção
por um ou outro recai sobre a avaliação crítica das vantagens
e desvantagens de cada um. Essencialmente, ao priorizar o
uso dos elásticos, abre-se oportunidade de implementação
desse tipo de opção terapêutica já em fases intermediárias
do alinhamento e nivelamento, favorecendo o controle mútuo da inclinação dos incisivos superiores; porém, sob o custo biológico de um menor controle vertical sobre os dentes
anterossuperiores e posteroinferiores e sobre a inclinação
lingual dos primeiros molares mandibulares. Por outro lado,
ao adotar-se o emprego de protratores, como o APM5,6 ou
similares, necessariamente adia-se o emprego desse recurso para a fase final do alinhamento e nivelamento dentário;
embora, nesse caso específico, com uma melhor capacidade
de controle vertical da face como um todo e mediante uma
resposta dentoalveolar mais potencializada.
Por último, enfatiza-se, ainda, a conveniência de descartar-se todo e qualquer recurso que impeça a protrusão dos
incisivos inferiores. Pelo contrário, a inclusão precoce dos
segundos molares permanentes presentes na mandíbula e a
adoção de mecânicas expansivas, por exemplo, contribuem
para uma melhor expressão dos posicionamentos dentários
compensatórios, favorecendo a efetividade da prescrição estabelecida e a consequente correção da Classe II.
Figura 9 Representação da incorporação de inclinação vestibular aos
dentes anteroinferiores, por meio do emprego de fios redondos e retangulares com reversão da curva de Spee (Fonte: Andrews1).
Rev Clín Ortod Dental Press. 2011 out-nov;10(5):22-37
31
tópico especial
Considerações mecânicas para tratamentos ortodônticos compensatórios de más oclusões de Classes II e III
Como potencializar ou restringir a efetividade das prescrições compensatórias para as más oclusões de Classe III
Contrária à filosofia do tratamento compensatório para a
Classe II, na Classe III os recursos ou mesmo equívocos mecânicos que tenham a capacidade de expressar toda a tendência expansiva da técnica Straight-Wire recaem sobre a
maxila. Nesse sentido, prescrições dotadas de incrementos
nos torques de todos os dentes superiores, especialmente
nos incisivos e caninos, são esperadas, juntamente com uma
maior angulação mesiodistal desses dentes.
Por outro lado, na mandíbula as exigências de manutenção
ou estabelecimento de uma arcada com grau de constrição
que aporte o envolvimento da maxila é primordial para o sucesso do tratamento compensatório. Consequentemente, reduções nos torques de todos os dentes, de uma maneira geral,
ou pelo menos nos incisivos, e uma diminuição na angulação
desses dentes anteriores e dos caninos são oportunas para a
manutenção das compensações iniciais já existentes; e os incrementos, necessários para sua potencialização, se exigida.
Mediante esse raciocínio, e abrindo um apêndice reflexivo para tal, nota-se que as prescrições existentes para a compensação da Classe III1,3,4 normalmente ignoram o aumento
e a redução nos torques dos dentes posteriores superiores e
inferiores, respectivamente. Por que isso acontece? Provavelmente devido à facilidade de estabelecê-los mecanicamente por meio dos próprios fios retangulares; à possibilidade
de alcançar o mesmo efeito na arcada superior através de
expansões; e, principalmente, pelo caráter prioritário de se
controlar e/ou evitar o agravamento do trespasse horizontal
e a consequente adoção de procedimentos mecânicos inicialmente desnecessários.
Na Classe III, os objetivos poderiam ser sucintamente
resumidos em acentuar a angulação dos incisivos e caninos
superiores e reduzir a inclinação lingual desses últimos; verticalizar os incisivos inferiores, reduzindo as suas respectivas
angulações juntamente com os caninos dessa mesma arcada; além de uma vestibularização posterossuperior e uma
verticalização posteroinferior.
Para tanto, da mesma forma que na Classe II, uma atenção específica a cada grupo de dentes também deverá ser
dada para que essas intenções possam ser alcançadas de
maneira objetiva e eficaz.
Arcada superior
Posicionamento dos incisivos: para esse grupo de dentes,
todas as preocupações mecânicas discutidas na má oclusão de
32
Rev Clín Ortod Dental Press. 2011 out-nov;10(5):22-37
Classe II agora podem ser relativamente ignoradas. Expressar
toda a tendência expansiva da técnica Straight-Wire na arcada
superior, em uma Classe III a ser tratada compensatoriamente,
é extremamente oportuno. Por isso, nessa situação, a incorporação de um posicionamento com angulação magnificada
ou a inclusão de maior quantidade de dentes possível desde
os segundos molares, respeitando-se os limites biofísicos impostos pela possível presença de um apinhamento, devem ser
adotadas em conjunto com fios flexíveis. Afinal, permitir maior
angulação dos incisivos favorece a obtenção de um trespasse
horizontal positivo. Quanto à sua inclinação, embora aceite-se
de forma generalizada que essa deva ser potencialmente vestibularizada, isso não deveria ser estabelecido como objetivo
primário para os indivíduos leucodermas. Nesses pacientes, a
inclinação vestibular dos incisivos superiores deve ser avaliada
individualmente, devido à sua capacidade de reduzir o ângulo nasolabial e limitar a participação desses dentes durante o
sorriso. Ao contrário, e sendo possível durante o tratamento
compensatório da Classe III, incrementos na inclinação vestibular dos incisivos superiores não deveriam ser rotineiramente
adotadas, prescrevendo-se apenas um posicionamento para
os caninos superiores com angulação aumentada e inclinação reduzida e admitindo-se os seus efeitos indiretos sobre a
disposição vestibulolingual dos respectivos incisivos. Essa superinclinação vestibular dos incisivos superiores só deverá ser
desejável para os indivíduos melanodermas e xantodermas,
por constituir-se, nos primeiros, em uma característica racial e,
nos segundos, por ser admissível esteticamente devido à morfologia do nariz, platirrínico e da columela curta e ascendente.
Confrontado o posicionamento lingualizado para os incisivos na Classe II com o esperado para a Classe III (mais vestibularizado), aqui a morfologia retangular desses dentes facilitaria
a maior expressão da angulação, permitindo o aumento no
perímetro e comprimento da arcada superior, nessa área.
Posicionamento dos caninos: na Classe III, a angulação
inicial dos caninos assume fundamental importância no tratamento compensatório desse tipo de má oclusão. Se essa apresentar-se excessivamente angulada, isso por si só favorecerá
uma maior capacidade de vestibularização dos incisivos superiores, nem sempre indicada conforme o tipo racial. De outra
forma, se a disposição de longo eixo dos caninos apresentar-se fortemente verticalizada, isso tenderá a abrir a mordida na
região dos pré-molares superiores e a extruir os incisivos. Na
primeira situação, uma correção prévia e isolada da angulação
dos caninos poderá ser necessária, utilizando-se, por exemplo,
alças segmentadas em caixa, ativadas de forma inversa à da Figura 5. Na segunda hipótese, se conjuntamente à inserção do
fio ortodôntico ao maior número de dentes for incorporado o
uso de elásticos de intercuspidação nos ganchos dos caninos
Almeida GA, Ursi W
ou dos primeiros pré molares, isso permitirá anular a tendência
ao trespasse vertical negativo, ao mesmo tempo que reduzirá
o potencial extrusivo sobre os incisivos, incorporando uma resultante de aumento na angulação dos dentes, nesse segmento anterossuperior (fig. 4). Na verdade, a angulação ideal final
para os caninos superiores, nesses casos, será determinada
anatomicamente pela distância que a sua cúspide guarda com
o contato interproximal entre o canino e o primeiro pré-molar inferior e a relação de proximidade entre a sua raiz e a do
primeiro pré-molar superior. Quando esses parâmetros anatômicos permitem, um posicionamento angulado do próprio
braquete pode ser adotado durante a colagem desse acessório, potencializando a sua prescrição. Entretanto, quando a
condição anatômica não permite tal recurso em sua plenitude,
outra alternativa a ser considerada é o estabelecimento de
uma maior contra-angulação nos caninos inferiores, mediante
desgastes dentários em suas superfícies distais, associados a
elásticos intermaxilares de Classe III, posicionados desde os
primeiros molares superiores permanentes aos ganchos ou
aletas distais dos braquetes dos referidos caninos inferiores e
devidamente ancorados por uma barra palatina, caso incrementos verticais não sejam oportunos.
Essa possibilidade, oportuna em boa parte dos casos,
além de dividir a compensação entre os longos eixos dos caninos superiores e inferiores, ainda favorece a manutenção
do posicionamento compensatório inicial dos caninos mandibulares e o controle da contrainclinação comumente encontrada nos incisivos, durante a fase inicial do alinhamento
e nivelamento, nessa região da arcada dentária. Por esse motivo, como estratégia genérica, poder-se-ia admitir que, nos
casos de tratamento compensatório desse tipo de má oclusão, a montagem da arcada superior deve sempre preceder a
do inferior, para que a implementação de elásticos de Classe
III possa ocorrer desde o início da terapêutica ortodôntica,
sem o risco de acentuação do trespasse horizontal negativo,
muitas vezes encontrado nessa má oclusão.
Outra consideração relevante aos caninos superiores diz
respeito à sua inclinação. Em boa parte dos tratamentos
compensatórios de Classe III, essa (negativa em condições
normais) exige incrementos no sentido vestibular, com reflexos diretos e em mesma direção sobre a inclinação dos
incisivos e pré-molares, produzindo forte impacto negativo à
estética do paciente, principalmente durante o sorriso. Nessas situações específicas, a implementação prévia de uma
expansão ortopédica da maxila, especialmente em casos
de apinhamento na região anterossuperior, é recomendada, possibilitando que o ganho transversal possa suavizar a
necessidade de inclinação vestibular a ser estabelecida aos
caninos, na arcada superior.
Posicionamento dos pré-molares: na Classe III, o posicionamento anteroposterior dos pré-molares superiores encontra-se distalizado em relação aos seus antagonistas. Em razão disso, parte das prescrições compensatórias concordam
em não estabelecer qualquer tipo de angulação para esses
dentes, permitindo que mecânicas compensatórias, como a
ação dos elásticos de Classe III, possam influenciar no posicionamento desses dentes de uma forma ligeiramente angulada. Entretanto, isso, por si só, nem sempre é suficiente para
estabelecer uma boa relação oclusal entre os pré-molares
superiores e inferiores. Sendo assim, durante a montagem
da aparatologia corretiva fixa na arcada superior, para tratamentos compensatórios de Classe III, é oportuno que o posicionamento dos braquetes desses dentes assuma uma disposição mais para a distal, induzindo-os a submeterem-se a
uma ligeira giroversão em direção mesial, aproximando suas
cúspides vestibulares das respectivas interproximais distais
de seus antagonistas7 (Fig. 10).
Novamente, mas em sentido contrário, neutralizar a angulação dos braquetes dos pré-molares superiores durante
o posicionamento desses acessórios, ou priorizar aqueles
em que essa prescrição específica seja nula, possibilita que
a ação de recursos mecânicos pertinentes (por exemplo:
elásticos de Classe III) desloque o longo eixo desses dentes
ligeiramente para a mesial, favorecendo a obtenção de uma
relação oclusal mais favorável.
Posterior
Anterior
Figura 10 Posicionamento recomendável dos braquetes dos pré-molares superiores, capaz de desencadear uma ligeira rotação desses dentes para a mesial, durante o tratamento compensatório da Classe III.
(Fonte: McNamara Jr., Brundon7).
Rev Clín Ortod Dental Press. 2011 out-nov;10(5):22-37
33
tópico especial
Considerações mecânicas para tratamentos ortodônticos compensatórios de más oclusões de Classes II e III
Posicionamento dos molares: dois aspectos são de suma
importância ao discutir-se o posicionamento desses dentes ao
final do tratamento compensatório da Classe III, a prescrição
presente nos respectivos acessórios referente à sua angulação
e ao seu off-set. Uma maior angulação dos primeiros molares
possibilita uma disposição mais mesializada de sua cúspide
mesiovestibular, aproximando-a do sulco mesiovestibular do
respectivo antagonista. Por outro lado, quanto menor for o off-set presente nesses braquetes, mais o posicionamento desses molares assume uma ligeira rotação mesial, semelhante ao
que acontece com esse dente na Classe II. Entretanto, caso a
opção recaia sobre uma prescrição que incorpore off-set aos
molares, será recomendável que o posicionamento desse braquete seja estabelecido com uma tendência distalizada, restringindo parcialmente a expressão do off-set em questão.
Recursos mecânicos recomendáveis para a arcada superior: resumidamente, todos os recursos que acentuem a angulação dos dentes anteriores, propiciem respostas expansivas e que evitem a extração de pré-molares superiores são
considerados apropriados para o tratamento compensatório
da Classe III, na arcada superior, como segue:
- Acentuar curva de Spee: a princípio, esse procedimento, de fácil execução, produz resultados positivos e negativos
para a compensação da Classe III. Permite a extrusão dos
pré-molares, promovendo um “benéfico” reposicionamento
horário da mandíbula. Possibilita, com a vestibularização dos
incisivos superiores, a manutenção de um trespasse horizontal
“normal”. Por outro lado, essa inclinação desencadeia uma intrusão relativa desses dentes, o que necessariamente obriga
uma verticalização acompanhada de extrusão também relativa
dos incisivos inferiores, para a manutenção ou obtenção do
trespasse vertical. Entretanto, essa intrusão relativa dos incisivos contribui para danos estéticos, não só por reduzir o ângulo
nasolabial mas, principalmente, por tornar a linha do sorriso
ainda mais ascendente no sentido posteroanterior, limitando a exposição dos incisivos superiores. Sob esse raciocínio,
percebe-se que a acentuação da curva de Spee, apesar de em
um primeiro momento parecer oportuna, deve ser indicada
apenas para indivíduos das raças melanoderma e xantoderma, à exceção de casos limítrofes nos leucodermas. Como alternativa parcialmente substitutiva, recomenda-se a inserção
o mais cedo possível dos segundos molares superiores, capaz
de desencadear incrementos no comprimento da arcada dentária qualitativamente semelhantes e quantitativamente mais
aceitáveis sobre o longo eixo dos incisivos superiores.
- Evitar utilização de ômega, tie-back ou similares: a intenção precípua desse conjunto de recursos contraria as
desejáveis expressões da capacidade expansiva da técnica Straight-Wire. Na Classe III, especificamente na arcada
34
Rev Clín Ortod Dental Press. 2011 out-nov;10(5):22-37
superior, a liberdade para a ocorrência de incrementos no
perímetro e comprimento dessa arcada dentária é imprescindível para o “sucesso” do tratamento. Consequentemente,
ômegas amarrados, tie-back ou similares não devem incorporar o arsenal mecânico a ser empregado na arcada superior, quando tratada compensatoriamente em uma Classe III.
- Utilização de elásticos de Classe III: os elásticos de
Classe III propiciam aumento na angulação dos dentes superiores, magnificação na inclinação vestibular dos incisivos
e extrusão dos molares. Na arcada inferior, contra-angula os
caninos; verticaliza, retrai, se houver espaços, e extrui os incisivos. Dentre esses efeitos, apenas a vestibularização dos
incisivos superiores, já comentada, e a extrusão dos molares
e incisivos inferiores encontram opiniões contraditórias na literatura1,2,3, os demais são unanimemente desejáveis para a
compensação de uma Classe III. Inicialmente, esses efeitos
verticais podem ser minimizados, priorizando-se a componente horizontal. Para isso, é recomendável que o elástico
insira-se desde o segundo molar superior até o gancho devidamente fixado ou soldado à mesial do canino inferior e,
principalmente, voltado para a oclusal. Por outro lado, a extrusão do primeiro molar superior, por vezes, desencadeia algumas alterações benéficas, dependendo das características
faciais do paciente. Em determinadas situações, o aumento
aceitável na altura facial anteroinferior provocado pela extrusão do molar melhora a relação labial e reduz a concavidade
facial, tornando a participação do mento menos marcante
numa vista de perfil. Da mesma forma, a extrusão dos incisivos inferiores concomitante à sua verticalização possibilita
que, além da obtenção de um trespasse horizontal satisfatório, uma condição de guia anterior possa ser alcançada, permitindo que o movimento protrusivo possa ser devidamente
executado durante a mastigação.
- Tipo, morfologia e espessura do fio ortodôntico: considerando-se a intenção de vestibularização dos incisivos superiores, parece óbvia a necessidade de acelerar a implementação de fios retangulares que preencham totalmente o slot dos
braquetes dos incisivos, independentemente do seu tipo de
liga. No entanto, isso não passa de uma meia verdade. Afinal,
a expressão da prescrição embutida no braquete vai depender do grau de compensação a ser exigido pela má oclusão
do paciente. Quando a quantidade de compensação necessária for menor do que a prescrição adotada para essa finalidade, a prioridade por fios redondos ou retangulares de baixo
calibre parece ser mais apropriada. De forma inversa, quando
a exigência compensatória for superior ao torque embutido
no braquete, fios retangulares de grosso calibre deverão ser
obrigatoriamente utilizados em conjunto com os recursos mecânicos capazes de potencializar a prescrição adotada.
Almeida GA, Ursi W
Arcada inferior
Posicionamento dos incisivos: o posicionamento desses dentes é fundamental para o resultado do tratamento compensatório da Classe III. Contrariando a tendência
expansiva da técnica Straight-Wire, seu controle é importantíssimo até para a execução de um tratamento mais
objetivo. Normalmente, as más oclusões de Classe III já
apresentam algum grau de compensação nos incisivos,
o que acarreta, na maioria das vezes, apinhamento nessa
região. Nessa situação, três diretrizes devem ser rigorosamente obedecidas. A primeira é a obrigatoriedade de
inserir progressivamente apenas aqueles incisivos melhor
posicionados. A segunda reside na priorização dos desgastes interproximais como recurso primário para a obtenção de espaço nessa região. Nesses casos, incisivos com
morfologia triangular favorecem a sua redução em largura, por restringirem o desgaste às superfícies mesiodistais
mais próximas das incisais e possibilitarem a obtenção de
uma configuração anatômica mais retangular. A terceira é
a imprescindível ausência de angulação na prescrição dos
braquetes desses dentes, consumindo, assim, o mínimo de
espaço para o seu devido posicionamento.
Posicionamento dos caninos: sob condição compensatória, nas más oclusões de Classe III esses dentes assumem uma disposição do longo eixo variando de pouca
angulação a uma condição de contra-angulação. Diante
da possibilidade de compensação, o guia primário para
definir a necessidade de maximização ou restrição de sua
prescrição, já durante a colagem ou no decorrer do tratamento ortodôntico, é a sua relação anatômica com a superfície mesial do canino superior e a quantidade de espaço presente ou passível de obtenção. Afinal, na presença
de diastemas, desde que os dentes posteriores estejam
devidamente ancorados ou utilize-se o recurso da ancoragem absoluta, a retração dos dentes anteroinferiores por
si só pode possibilitar uma redução na angulação desses
dentes, principalmente se fios de baixo calibre forem utilizados. Por outro lado, em casos de discrepância de modelo inferior nula ou negativa, os desgastes anteriores só
justificam ser extendidos à distal dos caninos inferiores
mediante solicitação anatômica interoclusal de uma exclusiva redução em sua angulação, e nunca como recurso
provedor para a correção de apinhamento anterior que
não o envolva, a menos que sua relação com o respectivo
antagonista já encontre-se satisfatória.
Posicionamento dos pré-molares: provavelmente a característica mais marcante desses dentes é a sua inclinação
aumentada para a lingual. Sua maximização, manutenção
ou redução não é levada em consideração na maioria das
prescrições compensatórias existentes, uma vez que isso
pode ser facilmente estabelecido por meio de torques ativos no fio ou recursos pertinentes, como alastik corrente
de molar a molar e/ou o uso de elásticos de Classe III.
Quanto à sua angulação, essa é normalmente nula, favorecendo a ação de alternativas mecânicas capazes de influenciar o longo eixo desses dentes em direção distal.
Posicionamento dos molares: esses dentes obedecem
em magnitude maior e progressiva à disposição lingual
dos pré-molares, sendo passíveis da aplicação dos mesmos recursos mecânicos, com ressalva à inserção dos segundos molares. Aqui, a participação dos segundos molares no alinhamento e nivelamento da arcada inferior deve
ser vista com cuidado. De forma mais impetuosa, poderia-se estabelecer que, uma vez constatada uma boa relação
oclusal entre esses dentes e seus antagonistas, sua participação no tratamento compensatório da Classe III deveria
ser evitada sempre que possível. Obviamente que, quando a sua inclusão for inevitável, seu envolvimento deverá
restringir-se ao reposicionamento no sentido transversal,
impedindo-se, por meio de dobras passivas nos fios ortodônticos, que a sua participação no nivelamento da arcada
inferior possa desencadear uma resultante de vestibularização sobre os dentes anteroinferiores.
Recursos mecânicos recomendáveis para a arcada inferior:
- Evitar reverter a curva de Spee: procedimentos que
apresentem tendência à vestibularização dos incisivos inferiores devem ser evitados. Por esse motivo, no tratamento de Classes III compensáveis, a manutenção da Curva de
Spee poderá ser oportuna, diante de condições compensatórias limitadas. Portanto, nesses casos, a sua correção não
deve ser encarada como prioridade. Embora a sua presença
possa possibilitar o surgimento de interferências oclusais,
durante os movimentos protrusivos, essa permite concomitantemente um posicionamento mais extrusivo dos incisivos, favorecendo a autocorreção dessas prematuridades e
a obtenção de trespasses vertical e horizontal adequados.
Além disso, reforça-se aqui a conveniência de um mesmo
“X” para caninos e incisivos inferiores, justamente para favorecer a obtenção de uma guia anterior em uma relação
de Padrão III compensada.
- Utilização de elásticos de Classe III: embora sua utilização encontre controvérsia, quando a participação dos
componentes verticais da face está no limite do aceitável,
sua aplicação cercada de recursos como a barra palatina, para minimizar o efeito extrusivo sobre os primeiros
molares superiores, produz resultados satisfatórios para a
compensação da Classe III.
Rev Clín Ortod Dental Press. 2011 out-nov;10(5):22-37
35
tópico especial
Considerações mecânicas para tratamentos ortodônticos compensatórios de más oclusões de Classes II e III
Figura 11 Elástico de Classe III posicionado no
gancho soldado ao arco, na região mesial do
canino inferior, desencadeando a verticalização de todo o segmento mandibular anterior.
Sua ação sobre os incisivos, verticalizando-os, ou sobre
os caninos, reduzindo a sua angulação, pode ser direcionada
pelo ponto de inserção do elástico de Classe III nessa região.
Caso a prioridade seja a retroinclinação dos incisivos, esse
tipo de elástico deve ser inserido nos ganchos, ou similares,
posicionados no próprio fio ortodôntico. No entanto, se a
intenção recair sobre a redução na angulação dos caninos,
a inserção do elástico restringir-se-á ao próprio gancho presente no braquete desse dente (Fig. 11).
Talvez a maior constatação sobre o uso dos elásticos de
Classe III para o tratamento compensatório desse tipo de
má oclusão seja a sua indicação quase obrigatória. Afinal,
esse recurso mecânico apresenta aplicabilidade durante
todo o tratamento. Na fase inicial, por possibilitar que, uma
vez inserido diretamente no gancho do canino inferior, o
reposicionamento desse dente e de todo o segmento anterior possa ser obtido sem que isso venha acompanhado
de incrementos em sua angulação, com reflexo direto na
deterioração do trespasse horizontal. Na fase intermediária,
quando associados a fios redondos ou retangulares de baixo calibre4, por introduzir um efeito de constrição no segmento posterior da arcada inferior, o qual é extremamente
útil para introduzir, manter ou potencializar especialmente
a compensação lingual progressiva expressa por molares e
pré-molares. Na fase final, por favorecer uma maior angulação dos dentes posterossuperiores e refinar a contra-angulação dos incisivos inferiores, possibilitando uma relação
interoclusal funcionalmente satisfatória.
- Recursos mecânicos para favorecer a manutenção ou
redução nas dimensões da arcada dentária: manter ou reduzir o perímetro e o comprimento da arcada dentária inferior
é condição básica para o sucesso desse tipo de tratamento.
36
Rev Clín Ortod Dental Press. 2011 out-nov;10(5):22-37
Figura 12 Representação esquemática da ação
constritora do alastik em cadeia sobre as dimensões da arcada dentária inferior (Fonte:
Bennett, McLaughlin2).
Quando o grau de compensação preexistente favorece a
sua manutenção, a utilização de ômegas amarrados, tie-back ou similares deve ser rigorosamente implementada,
principalmente na fase inicial de alinhamento e nivelamento
dentário. Da mesma forma, considerando-se que a inserção
dos segundos molares na fase inicial do tratamento ortodôntico potencializa a resposta expansiva da técnica Straight-Wire, sua incorporação deve ser evitada ou pelo menos
executada a partir de uma etapa intermediária, preferencialmente de forma passiva, conforme já mencionado. Na
verdade, nas compensações da Classe III, a essência deve
concentrar-se na adoção de procedimentos mecânicos que
facilitem a redução nas dimensões da arcada dentária inferior, como a utilização de elastômeros em cadeia, de molar a
molar, durante todo o alinhamento e nivelamento, capaz de
desencadear uma resultante de constrição, potencializando
a inclinação lingual de toda a arcada dentária envolvida e,
consequentemente, reduzindo todas as suas respectivas dimensões2 (Fig. 12).
Considerações Finais
Ficou claro que tratamentos compensatórios apresentam exigências quantitativamente variáveis. Em um primeiro momento,
destaca-se a necessidade de diagnosticar-se a viabilidade anatômica para a execução de movimentos dentários compensatórios. Assim, uma vez viabilizada essa possibilidade terapêutica,
torna-se preponderante conhecer qualitativa e quantitativamente a prescrição compensatória a ser adotada para, enfim, determinar a necessidade de sua potencialização ou restrição, conforme a solicitação por parte da má oclusão do paciente.
Almeida GA, Ursi W
É óbvio que a utilização de uma determinada prescrição exige o conhecimento pleno das intenções e preferências mecânicas do seu idealizador. Porém, mais importante do que isso, é a
constatação de que o conjunto braquete/prescrição não passa
de um instrumento terapêutico que pode ter sua ação maximizada ou reduzida conforme as possibilidades anatômicas e
as exigências da má oclusão. O estabelecimento dos princípios
estáticos e dinâmicos da oclusão por meio das particularidades
que regem os tratamentos ortodônticos abrange desde as variações morfológicas presentes nas superfícies vestibulares das
coroas dentárias; por vezes, solicitam dobras de 1a, 2a e/ou 3a
ordem, até considerações mecânicas, como as que foram aqui
discutidas. Depositar expectativas exclusivamente nas expressões dos braquetes é assistir ao desencadeamento de efeitos
ora aquém ou além do desejável, ora incompatíveis com os objetivos do tratamento em questão.
O tratamento ortodôntico compensatório nem sempre
é possível ou conveniente. Sua execução depende de fatores como: (a) inclinação e espessura da pré-maxila e sínfise mentoniana, para as alterações no longo eixo e/ou posicionamento anteroposterior dos incisivos; (b) severidade
da relação sagital maxilomandibular; e (c) julgamento estético da face do indivíduo, definindo ou não a viabilidade
de sua manutenção.
Por fim, restaria definir qual das prescrições é a melhor:
aquela que prioriza o controle de efeitos indesejáveis em
fases intermediárias ou a que objetiva os preceitos da finalização para o posicionamento dentário. Provavelmente tem-se aqui uma resposta dúbia, dependente da relação entre
a formação teórica do profissional e a sua destreza para o
manuseio de recursos que possam suprimir as distintas deficiências de ambas.
Referências
1. Andrews LF. Straight wire: o conceito e o aparelho. 2ª ed. San Diego: L.A. Wells; 1996.
2. Bennett JC, McLaughlin RP. O tratamento ortodôntico da dentição com aparelho préajustado. São Paulo: Artes Médicas; 1998.
3. Capelozza Filho L. Diagnóstico em Ortodontia. 1ª ed. Maringá: Dental Press; 2004.
4. Capelozza Filho L, Machado FMC, Ozawa TO, Cavassan AO. Folga braquete/fio: o
que esperar da prescrição para inclinação nos aparelhos pré-ajustados. Dental Press J
Orthod . 2010. No prelo.
5. Coelho Filho CM. Mandibular protraction appliances for Class II treatment. J Clin
Orthod. 1995 May;29(5):319-36.
6. Coelho Filho CM. Emprego clínico do aparelho para projeção da mandíbula. Rev
Dental Press Ortod Ortop Facial. 1998;3(5):69-130.
7. McNamara JA Jr, Brundon WL. Tratamiento ortodóncico y ortopédico en la denticíon
mixta. Ann Arbor: Needhan Press; 1995.
Endereço para correspondência
Guilherme de Araújo Almeida
Rua Prof. Mário Porto 225, Lídice – 38.400-138 – Uberlândia/MG
E-mail: [email protected]
Rev Clín Ortod Dental Press. 2011 out-nov;10(5):22-37
37
Download