Isabela Soares Segamarchi Simone Angélica Peternella Prezotto Avaliação Funcional da Audição e Linguagem de Crianças com Deficiência Auditiva Unilateral Monografia apresentada ao Curso de Especialização em Fonoaudiologia – Módulo Audição.da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como parte dos requisitos para obtenção do certificado de Especialização em Fonoaudiologia. CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM FONOAUDIOLOGIA COGEAE-PUCSP SÃO PAULO 2007 Avaliação Funcional da Audição e Linguagem de Crianças com Deficiência Auditiva Unilateral Alunas: Isabela Soares Segamarchi – CRFª: 12.442 Alameda dos Crisântemos, 326 Jd. Simus – Sorocaba / SP Tel:(15) 3221-0536 / (15)9778-8686 [email protected] Simone Angélica Peternella Prezotto – CRFª:12.576 Rua Achilles de Allmeida, 518 Vl. Santana – Sorocaba / SP Tel: (15) 3411-4461 / (15)9701-67997 [email protected] Orientadora: Profª Drª Maria Angelina Nardi de Souza Martinez Profª Associada da Faculdade de Fonoaudiologia – PUCSP Diretora Clínica da APADAS Local de Origem: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Programa de Pós Graduação em Fonoaudiologia Faculdade de Fonoaudiologia Curso de Especialização em Fonoaudiologia – Módulo Audiologia 2006 Local de Realização: Associação de Pais e Amigos dos Deficientes Auditivos de Sorocaba – APADAS Avenida Senador Roberto Simonsen, 885 Jd. Santa Rosália – Sorocaba / SP Tel: (15)3233-09662 INTRODUÇÃO: A detecção e a identificação precoces da deficiência auditiva tem sido alvo de diversos estudos a fim de permitir a intervenção adequada, oferecendo condições para o desenvolvimento da fala, da linguagem, do aspecto social, psíquico e educacional da criança (Yoshinaga-Itano, 1998). As perdas auditivas são classificadas como neurossensorial, condutiva, mista e retrococlear, podendo ser o comprometimento unilateral ou bilateral. Os estudos de Mehl & Thomson (1998) indicaram que a prevalência de perda auditiva unilateral em recém-nascidos varia de 0,04% a 3,4% em programas de saúde auditiva neonatal. No entanto, essas estimativas podem ser maiores, pois alguns estudos incluem somente perdas auditivas unilaterais neurossensoriais com omissão das perdas auditivas condutivas e mistas. Atualmente, dentre as infecções congênitas que podem ocasionar a surdez, o citomegalovírus congênito é a principal causa viral, pois a rubéola, o sarampo e a caxumba se tornaram menos freqüentes devido à vacinação. (Madden et al, 2005). A perda auditiva causada pela infecção do citomegalovírus congênito pode ocorrer imediatamente após o nascimento ou tardiamente, podendo ser unilateral ou bilateral, com variedade no grau da perda e com alta proporção de progressão da audição, sendo, portanto crucial o acompanhamento audiológico desses pacientes (Follow-up). Além da bateria de exames audiológicos necessários para a conclusão do diagnóstico, faz-se importante também a pesquisa etiológica, que muitas vezes não é realizada ou é inconclusiva. Conhecer o agente etiológico, síndrome ou alteração genética permitirá a previsão do prognóstico da perda auditiva, favorecendo o tratamento e o aconselhamento genético e familiar. Estudos que relacionaram o desenvolvimento da linguagem e a etiologia da perda auditiva unilateral não encontraram relação definida. (Kiese-Himmel, 2002, Lieu, 2004 e Niedzielski et al., 2006) Desde a década de 60, de acordo com Kiese-Himmel (2002), estudiosos preocupamse com o impacto da perda auditiva unilateral em crianças e adultos. Estudos desta época verificaram que a perda auditiva unilateral tinha um impacto reduzido no desenvolvimento de linguagem da criança, sendo a principal habilidade auditiva prejudicada a localização sonora devido à perda do efeito sombra na audição binaural. Estudos justificavam a reduzida dificuldade na linguagem devido à presença da audição normal na orelha contralateral. Entretanto, vários outros estudos a partir dos anos 80 e 90 passaram a sugerir que uma proporção significativamente maior de crianças com perda auditiva unilateral poderiam ter problemas de reconhecimento de fala e déficits educacionais e comportamentais, comparadas a crianças ouvintes. Lieu, (2004) refere que os pacientes com perda auditiva unilateral relatam dificuldades em várias situações de escuta. Uma meta-análise recentemente publicada das conseqüências de perda auditiva unilateral, nas crianças, mostrou uma elevada taxa dificuldades de percepção auditiva no ambiente escolar, havendo necessidade de auxílio educacional adicional. O autor ainda ressalta que o diagnóstico tardio da perda auditiva unilateral pode resultar no atraso da fala e da linguagem, devido à falta de estimulação auditiva em uma orelha durante o período critico para maturação do Sistema Nervoso Auditivo Central. Uma meta-análise publicada por Lieu (2004), sugere que uma proporção significante de crianças com perda auditiva unilateral apresentam dificuldades escolares. Devido à perda auditiva unilateral, essas crianças necessitam de um sinal maior de fala na presença de ruído na comparação com crianças ouvintes, colocando-as em desvantagem na escola, onde a relação sinal / ruído é menor e o ruído da sala de aula pode mascarar a voz do professor. Embora a audição normal esteja presente na orelha contralateral, a perda de audição unilateral nega as vantagens da audição binaural (eliminação do efeito sombra da cabeça e localização sonora). Estudos revelam que a perda auditiva unilateral tem uma influência significativa nas habilidades intelectuais das crianças (Niedzielski et al., 2006). Kiese – Himmel (2002) reforça que a maioria das perdas auditivas unilaterais é diagnosticada tardiamente, após o período de alfabetização, acarretando prejuízo no desenvolvimento de linguagem e acadêmico. Considerando o impacto da perda auditiva unilateral no desenvolvimento de linguagem destas crianças, alguns estudos apontam atraso significante no desenvolvimento da linguagem oral e escrita quando comparado com crianças ouvintes, sendo os casos de perda auditiva congênita os mais prejudicados (Madden et al., 2005). Kiese – Himmel (2002) relata que a idade média das primeiras palavras em crianças com perdas unilaterais não ocorrem tardiamente, no entanto a média de idade de aquisição da união de dois vocábulos ocorre com 5 meses de atraso quando comparado com crianças ouvintes. Um estudo longitudinal realizado no Colorado acompanhou 15 lactentes com perda auditiva unilateral durante 1 ano. Resultados demonstraram que 27% deles tiveram atraso significante de linguagem (Lieu, 2004). Estudos de Kimura (1961) mostraram a prevalência da percepção verbal de acordo com o lado da perda auditiva analisada. Assim sendo, crianças com perda auditiva à direita (envolvendo hemisfério cerebral esquerdo) apresentaram dificuldades de âmbito verbal, já aquelas com perda auditiva à esquerda (hemisfério cerebral direito) apresentaram alterações não verbais. Estudos recentes realizados por Niedzielski et al., (2006) apresentaram resultados semelhantes aos descritos acima. Ainda com relação às diferenças entre os lados da perda auditiva, Schmithorst (2005) utilizou imagens de ressonância magnética funcional (fMRI) com estimulação auditiva por meio de tons puros de 8 pacientes com perda auditiva unilateral. Resultados indicam que indivíduos com perda auditiva unilateral à esquerda apresentaram maior ativação do córtex auditivo primário direito, enquanto que indivíduos com perda auditiva unilateral à direita exibiram maior ativação no giro frontal inferior esquerdo imediatamente anterior ao córtex auditivo. Dessa forma, houve diferenças na reorganização cortical em indivíduos com perda auditiva à direita e esquerda. A habilidade de compensação da perda auditiva depende muito do tratamento adotado, pois segundo Schmithorst (2005) determinada estratégia pode nutrir ou dificultar a reorganização funcional auditiva e de linguagem. Além da preocupação com o diagnóstico precoce, as dificuldades apresentadas pelas crianças com perda auditiva unilateral levaram diversos autores a voltarem-se para a investigação de recursos a serem utilizados para minimizar esse impacto da perda auditiva. As opções de intervenções relatadas nos estudos analisados em casos de crianças com perda auditiva unilateral incluem o sistema de freqüência modulada (FM) e a amplificação, seja ela: convencional por meio do aparelho de amplificação sonora individual (AASI), por condução óssea ou com auxílio do sistema CROSS. Kenworthy et al. (1990) e Updike (1994) concluíram que o uso do sistema FM produziu bons resultados de reconhecimento de fala em crianças com idades entre 2 e 17 anos nas condições testadas (silêncio e ruído). Estudo realizado por Hol et al. (2005) com pacientes adultos com perda auditiva unilateral neurossensorial, avaliou os benefícios do AASI por condução óssea com uso sistema CROSS. Durante esse estudo longitudinal, todos os pacientes apresentaram bons resultados para os testes de fala com e sem ruído competitivo. Outra opção de intervenção estudada por Niparko et al. (2003) diz respeito à realização do implante coclear. Foram comparados os pacientes adultos com perda auditiva neurossensorial unilateral com implante coclear e com uso de AASI associado ao sistema CROSS. Os resultados foram baixo desempenho de ambos quanto à localização da fonte sonora, entretanto, os pacientes com AASI associado ao sistema CROSS apresentaram melhora no reconhecimento de fala com ou sem a presença de ruído e na discriminação auditiva. Segundo estudos realizados por Priwin et al (2007), uma malformação congênita da orelha externa e ou média unilateral associada a uma perda auditiva condutiva, resulta na função subdesenvolvida da audição nos termos de processamento do sinal no lado afetado. Os pacientes relataram um grau elevado de dificuldades auditivas, principalmente na questão da localização sonora. Portanto o tratamento preconizado vai desde a cirurgia de reconstrução do conduto auditivo externo (se possível) associado a amplificação, principalmente com um AASI por condução óssea. Considerando que a perda auditiva unilateral pode ocasionar dificuldades relacionadas à privação sensorial, habilidades auditivas e de linguagem, o presente estudo objetivou verificar o desempenho funcional da audição e da linguagem em crianças com perda auditiva unilateral congênita com e sem uso de AASI. MÉTODO: - Sujeitos Os sujeitos estudados foram sete crianças de idade entre 4 e 7 anos de ambos os sexos, atendidos na Associação de Pais e Amigos dos Deficientes Auditivos de Sorocaba (APADAS). Como critério de seleção foram incluídos no estudo somente as crianças com diagnóstico audiológico de perda auditiva unilateral neurossensorial ou condutiva permanente pré-lingual. No quadro 1 encontra-se a descrição dos sujeitos analisados. Criança Etiologia DA NS Prof Plana OE DA NS Leve (4KHz) Idade do Diagnóstico (meses) Não definida 46 Não ~~ Sim Audição normal DA Cd Mod Asc mal formação 67 Não ~~ Não 13/9/2001 Audição normal DA NS Prof Plana Caxumba (?) 52 Sim 12 Não 3/4/2002 DA Cd. Mod. Asc Audição normal Microtia OD 1 Sim 12 Sim 21/6/2001 Audição normal DA NS Mod Desc Não definida 68 Sim 4 Sim D.N. OD 01 9/1/2003 02 9/1/2001 03 04 05 Uso de AASI Idade Auditiva (meses) Reabilitação 06 12/5/2001 Audição normal DA NS Prof Desc Bulbo Jugular > 62 Sim 12 Sim 07 12/11/2000 Audição normal DA NS Prof Plana Caxumba 61 Sim 7 Sim Quadro 1: descrição dos sujeitos analisados. - Procedimentos Foi realizado um levantamento no prontuário de cada paciente com análise do histórico clínico, dados audiológicos e respostas de três questionários de avaliação funcional da audição e linguagem, utilizando escalas validadas internacionalmente: ITMais, MUSS e Tabelas de desenvolvimento de audição, fala, linguagem e comunicação para crianças deficientes auditivas e seus pais. 1. IT-MAIS: Adaptado de “Infant-Toldler: Meaningful Auditory Integration Scale IT-MAIS” (OSBERENG; ROBBINS; ZIMMERMAN PHILIPS, 1997) CASTIQUINI, E.A.T. & BEVILACQUA, M.C., 1998). 2. MUSS: Adaptado de “Meaningful use de speech scales”. (ROBINS, A.M. e OSBERGER, M.). 3. Tabelas de desenvolvimento de audição, fala, linguagem e comunicação para crianças deficientes auditivas e seus pais: LING, A.H., Washington DC, AG Bell, 1991. RESULTADOS: Foram analisados prontuários de 7 crianças diagnosticadas com perda auditiva unilateral. A idade média dessa população foi de 5 anos (4a7m – 7a). Dessas crianças, 6 eram do sexo masculino e 1 do sexo feminino. Das 7 crianças analisadas somente 2 não fazem uso de AASI (1 com perda auditiva neurossensorial profunda e 1 com perda auditiva condutiva moderada) e 1 dentre as 5 que utilizam amplificação, faz uso de AASI com vibrador ósseo e apresenta perda auditiva condutiva moderada devido a agenesia de conduto auditivo externo. Na figura 1 estão ilustrados os tipos de perdas auditivas por orelha com e sem uso de AASI. 7 6 5 4 3 2 1 0 NS com AASI 4 NS sem AASI 1 1 OD 1 OE Cond com AASI Cond sem AASI Figura 1: Tipo de perda auditiva e uso de amplificação sonora por orelha acometida. Os graus das perdas auditivas variaram de moderado a profundo, conforme descrição da figura 2. 7 6 5 4 3 2 1 0 Moderado 3 Profundo 1 1 1 NS com AASI NS sem AASI 1 Cond com AASI Cond sem AASI Figura 2: Grau das perdas auditivas de acordo com seu tipo. Com relação à etiologia das perdas auditivas encontramos; agenesia de conduto auditivo externo, má formação, aumento do bulbo jugular, caxumba e causas não definidas, as quais encontram-se ilustradas na figura 3, de acordo com o tipo de perda auditiva e uso ou não de AASI. 7 6 5 4 3 2 1 0 Agenesia do CAE Má formação 2 1 1 1 1 1 Aumento do bulbo jugular Caxumba NS com AASI NS sem AASI Cond com Cond sem AASI AASI Não definida Figura 3: Etiologia das perdas auditivas. A criança com agenesia do conduto auditivo externo teve seu diagnóstico da perda auditiva precocemente, logo após seu nascimento, já as demais foram diagnosticadas com idade média de 4 anos e 8 meses (2a 11m – 6a). As 5 crianças que fazem uso de AASI apresentam média de idade auditiva de 8 meses, sendo que o menor tempo de uso é de 4 meses e o maior de 1 ano. Somente 2 crianças não freqüentam terapia fonoaudiológica (Figura 4). 7 6 5 4 3 2 1 0 Reabilitação 3 Sem reabilitação 1 1 NS com AASI 1 NS sem AASI 1 Cond com Cond sem AASI ASSI Figura 4: Crianças que freqüentam reabilitação com e sem o uso de AASI. A análise das respostas do questionário de avaliação funcional de linguagem ITMAIS das 5 crianças que fazem uso de AASI encontra-se na figura 5. 7 6 5 4 3 2 1 0 100% de aumento da frequencia e quantidade de fala 75% de aumento da frequencia e quantidade de fala 2 1 NS prof com AASI 1 NS mod com AASI 1 Cond mod com ASSI Sem modificações na frequencia e quantidade de fala Figura 5: Modificações da freqüência e quantidade de fala das crianças com uso de AASI. Todas as crianças analisadas produzem seqüências silábicas que podem ser reconhecidas como fala e 2 ( com perda auditiva neurossensorial profunda sem AASI e 1 com perda auditiva neurossensorial espontaneamente ao seu nome moderada com AASI) delas respondem freqüentemente, de forma consistente, em ambiente silencioso. Já em situações com ruído de fundo as respostas das crianças analisadas estão descritas na figura 6. 7 6 5 Nunca 4 Ocasionalmente 3 Frequetemente 2 1 1 1 1 1 1 1 Sempre 1 0 NS prof com NS prof sem NS mod com AASI AASI AASI Cond mod com ASSI Cond mod sem AASI Figura 6: Freqüência com que as crianças respondem quando chamadas pelo nome na presença de ruído de fundo. No que diz respeito à resposta auditiva espontânea aos sons ambientais e sinais auditivos familiares, 100% das crianças sempre responde consistentemente a eles. Em ambientes não familiares somente 1 criança com perda auditiva neurossensorial profunda usuária de AASI não responde para os sinais auditivos. Outros itens questionados neste protocolo dizem respeito à habilidade de discriminação auditiva entre 2 falantes, diferenciação auditiva entre estímulo de fala e não fala e associação entre a entonação da voz do falante e o significado da mensagem. Nesses itens 100% das crianças apresentam respostas positivas e consistentes. No protocolo de avaliação funcional da audição e linguagem MUSS, encontramos respostas de que todas as 7 crianças cujos prontuários foram analisados, sempre se comunicam espontaneamente utilizando a linguagem oral durante as interações comunicativas num contexto familiar ou durante contato social com pessoas ouvintes, utilizando variações de intensidade, duração e freqüência (traços supra-segmentares) de acordo com o contexto e a mensagem a ser passada. A figura 7 refere-se ao uso de gestos ou de linguagem oral para atrair a atenção dos ouvintes. 7 6 5 4 3 2 1 0 Fala + Gestos 3 1 1 1 1 Apenas linguagem oral todo tempo Frequetemente usa a fala NS prof com AASI NS prof sem AASI NS mod com AASI Cond mod com ASSI Cond mod sem AASI Figura 7: Uso de gestos e/ou linguagem oral. No caso de conteúdos que não sejam do conhecimento da criança, apenas 1 criança com perda auditiva neurossensorial profunda sem AASI utiliza a linguagem oral em 75% do tempo, sendo que o restante sempre usa espontaneamente somente a linguagem oral. Supondo que sua fala não fosse compreendida por pessoas familiarizadas ou não à criança, todas elas utilizariam somente, e a todo o momento, estratégias orais de comunicação sem o uso de gestos associados para se fazer entender. Verificou-se na análise desses questionários que somente 1 criança com perda auditiva neurossensorial profunda com AASI utiliza em 75% do tempo somente a linguagem oral ao se comunicar com pessoas com quem não tenham familiaridade para obter o que desejam. Na figura 8 pode-se observar a freqüência de compreensão da fala das crianças por um adulto não familiar. 7 6 5 4 3 2 1 0 Frequentemente 3 1 NS prof com AASI NS prof sem AASI 1 NS mod com AASI 1 Cond mod com ASSI Sempre 1 Cond mod sem AASI Figura 8: Freqüência de compreensão da fala das crianças por um adulto não familiar. Outro protocolo de avaliação funcional utilizado foi o de “Tabelas de desenvolvimento de audição, fala, linguagem e comunicação para crianças deficientes auditivas e seus pais”, no qual as 5 crianças que faziam uso de AASI relataram manipular espontaneamente seu aparelho fazendo os ajustes necessários (liga/desliga, volume, microfone....) sempre que preciso. Quatro dessas se opunham ao uso do aparelho, no entanto não o rejeitava fortemente. Nos itens relacionados a discriminação auditiva somente 2 pacientes, ambos com perda auditiva neurossensorial profunda, sendo 1 usuário de AASI e 1 sem uso de AASI, relataram nesse protocolo de avaliação, dificuldades em lembrar e repetir sentenças de 5, 7 ou 10 palavras, sendo que essa mesma criança com perda auditiva profunda não usuária de AASI referiu dificuldade em discriminar palavras que contenham diferentes vogais com mesma consoante inicial ou final e frases similares. Na investigação sobre compreensão e expressão de linguagem somente 2 crianças com perda auditiva neurossensorial profunda, sendo 1 usuário de AASI e 1 sem uso de AASI, apresentaram dificuldade quanto a compreensão de 50 a 100 palavras sem ajuda. Duas crianças com perda auditiva neurossensorial, uma profunda e uma moderada apresentaram dificuldade em compreender linguagem complexa. No item sobre expressão de sentenças estruturadas, 2 crianças relataram dificuldades. Somente 1 criança que apresenta perda auditiva neurossensorial profunda sem uso de AASI relatou dificuldade em contar histórias a partir de figuras. Foram analisadas as respostas quanto a estrutura das sentenças das crianças e observou-se que 3 delas (2 com perda auditiva neurossensorial profunda, sendo 1 usuário de AASI e 1 que não faz uso; e 1 com perda auditiva condutiva moderada usuário de AASI) apresentavam dificuldades no uso de plural. Duas crianças com perda auditiva neurossensorial profunda, sendo 1 usuária de AASI e outra que não faz uso e 1 com perda auditiva neurossensorial profunda com uso de AASI, relataram dificuldade no uso de frases elaboradas. Foi observado em uma criança que não fazia uso de AASI com perda auditiva neurossensorial profunda, inadequação no uso de preposições, pronomes, frases com substantivo e verbo, conjugações verbais, verbos auxiliares e variações nas formas de perguntas. DISCUSSÃO: Este capítulo confrontará os resultados do presente estudo com os achados da literatura. Crianças com perda auditiva unilateral apresentam freqüentemente dificuldades escolares, comportamentais e atraso no desenvolvimento de fala e linguagem (Kenworthy, et al, 1990, Lieu, 2004, Kiese-Himmel, 2002). E segundo Niedzielski (2006), existe diferença no desenvolvimento funcional de audição e linguagem de acordo com o lado da perda auditiva, sendo que perda auditiva a direita envolve dificuldades verbais e a esquerda não verbais. Na análise dos prontuários de 7 crianças com perda auditiva unilateral, conforme a figura 1, 2 delas apresentaram perda auditiva na orelha direita, sendo que 1 delas tinha perda auditiva neurossensorial profunda e não fazia uso de AASI, a outra era usuária de AASI por condução óssea e apresentava perda auditiva condutiva moderada. A criança com perda auditiva neurossensorial profunda do lado direito freqüenta terapia fonoaudiológica (figura4), no entanto apresentou nos questionários de avaliação funcional dificuldade de discriminação, compreensão e expressão de linguagem. Já a outra criança com perda auditiva moderada e usuária de AASI, apresentou somente déficits na estrutura gramatical de frases elaboradas. Entre as crianças analisadas 2 não apresentavam etiologia definida, conforme figura 3. Devido à configuração da perda auditiva de uma dessas crianças usuária de AASI, com rebaixamento neurossensorial dos limiares a partir de 2000Hz, e queixas somente com relação à compreensão de fala com ruído competitivo, seu diagnóstico da perda auditiva unilateral só foi realizado aos 5 anos e 10 meses. Já a outra criança sem etiologia definida com perda auditiva neurossensorial profunda e sem uso de AASI teve seu diagnóstico realizado com 3 anos 11 meses. A pesquisa etiológica muitas vezes não é realizada, ou seus resultados são inconclusivos, sendo assim não é possível estabelecer relações definidas entre desenvolvimento de linguagem e a etiologia da perda auditiva unilateral (Kiese-Himmel, 2002, Lieu, 2004 e Niedzielski et al, 2006). Somente 1 criança teve o diagnóstico da perda auditiva realizado ao nascimento, pois tinha como etiologia da perda auditiva condutiva unilateral devido a agenesia do conduto auditivo externo. No entanto só passou a fazer uso de AASI por condução óssea há 1 ano e suas queixas referem-se somente a dificuldades de expressão de linguagem. As demais crianças analisadas tiveram seu diagnóstico audiológico realizado tardiamente (média de 4 anos e 8 meses) e traziam queixas de trocas de sons na fala, dificuldades de localização sonora e de compreensão de linguagem, dados semelhantes aos encontrados no estudo realizado por Lieu (2004), no qual refere que o diagnóstico tardio da perda auditiva unilateral pode resultar em atraso de fala e linguagem, devido à falta de estimulação auditiva em uma orelha, durante o período crítico para maturação do Sistema Nervoso Auditivo Central. Atualmente com o aumento de programas de Saúde Auditiva Neonatal o diagnóstico de perda auditiva vem ocorrendo cada vez mais cedo, possibilitando a intervenção precoce, cuja justificativa está na plasticidade neural, que consiste na reorganização dos mapas corticais para que áreas próximas passem a exercer a função da área lesada. Essa reorganização do sistema auditivo atinge seu apogeu nos primeiros meses de vida da criança, desenvolvendo vias auditivas para transmissão da informação acústica, favorecendo a melhora da integridade das pistas acústicas no período de aquisição de linguagem da criança. (Boéchat, 2004). A habilidade de compensação da perda auditiva depende muito do tratamento adotado, pois determinada estratégia pode nutrir ou dificultar a reorganização funcional auditiva e de linguagem (Schmithorst, 2005). Como o diagnóstico da maioria das crianças analisadas ocorreu tardiamente, a escolha da intervenção também foi tardia. Do grupo estudado 5 crianças fazem uso de AASI (com média de 8 meses de uso), sendo que 1 delas utiliza AASI por condução óssea por apresentar agenesia do conduto auditivo externo do lado da perda auditiva condutiva, como mostra a figura 1. Na análise dos protocolos de avaliação funcional de audição e linguagem, foi observada diferença no que diz respeito à compreensão de fala em ambientes com e sem a presença de ruído de fundo. Em ambiente silencioso 5 crianças respondem consistentemente sempre que chamadas, são elas: criança 2 (perda auditiva condutiva moderada sem uso de AASI), criança 3 (perda auditiva neurossensorial profunda com AASI), criança 4 (perda auditiva condutiva moderada com AASI), criança 6 (perda auditiva neurossensorial profunda com AASI) e criança 7 (perda auditiva neurossensorial profunda com AASI), conforme tabela 1. Já em situações com ruído de fundo somente 2 respondem ao seu nome na primeira vez que chamadas (1 com perda auditiva neurossensorial profunda com AASI e 1 com perda auditiva condutiva moderada com AASI), 1 responde freqüentemente (perda auditiva neurossensorial profunda com AASI), 3 ocasionalmente (1 com perda auditiva neurossensorial profunda com AASI, 1 com perda auditiva neurossensorial profunda sem AASI e outra com perda auditiva condutiva moderada sem AASI); e 1 outra com perda auditiva neurossensorial moderada com AASI nunca responde quando chamada na presença de ruído competitivo. Essa diferença de respostas piores em ambientes com presença de ruído também foi encontrada por Priwin (2007), quando estudou 57 sujeitos de 3 a 80 anos com malformação congênita unilateral associada à perda auditiva condutiva profunda. Apesar de vários estudos (Kiese-Himmel, 2002 e Lieu, 2004) relacionarem a perda auditiva unilateral com atraso de desenvolvimento de linguagem, dificuldade no reconhecimento de fala e déficits educacionais; observamos que as crianças com perda auditiva unilateral fazendo uso de AASI, apresentaram bons resultados quanto à compreensão de linguagem e quanto à estrutura gramatical. Apenas 1 criança sem uso de AASI e com perda auditiva profunda neurossensorial do lado direito, apresentou respostas negativas tanto na compreensão da linguagem quanto na estrutura gramatical. Essa mesma criança que não faz uso de AASI relata dificuldade em discriminar palavras e frases similares, condizendo com resultados apresentados por Niparko, et al. (2003), o qual aponta os benefícios do uso de AASI como sendo favorável na melhora da discriminação auditiva em pacientes com perda auditiva unilateral, ressaltando a importância da seleção e adaptação adequadas para cada caso. As 5 crianças que faziam uso de AASI (quadro 1) relataram manipulá-lo espontaneamente e 4 delas (crianças 3, 5, 6 e 7) se opunham ao uso do aparelho, no entanto não o rejeitava fortemente. De acordo com relatos dos responsáveis pelas crianças analisadas, não é observada diferença significativa das mesmas com ou sem o uso do AASI quanto à freqüência e quantidade de fala, conforme ilustrado na figura 5. Teoricamente esperava-se que a avaliação funcional de audição e linguagem fosse significativamente melhor nas 5 crianças usuárias de AASI, no entanto, seus resultados não diferem significativamente do grupo em geral. Todas as crianças utilizam linguagem oral e se comunicam por meio desta espontaneamente no contexto familiar ou social (figura 7), fazendo uso de traços supra-segmentares como variações de intensidade, entonação, duração e freqüência. Este fato pode ser justificado pelo pouco tempo de uso do AASI por essas 5 crianças (de 4 meses a 1 ano de uso). Sendo assim, é necessário dar continuidade a esse estudo observando as mudanças de comportamento auditivo das crianças com AASI com o decorrer do tempo de uso. CONCLUSÃO: Os resultados deste estudo demonstram que o diagnóstico das perdas auditivas unilaterais ainda é tardio, interferindo na definição da etiologia, na intervenção e no desenvolvimento das crianças. Assim, é fundamental que os programas de triagem auditiva identifiquem as perdas unilaterais e que sejam acompanhadas quanto ao desenvolvimento de audição e linguagem e a necessidade de intervenção. Apesar da casuística pequena e diversidade de tipo e grau de perda observou-se boa adesão ao uso da amplificação e à terapia fonoaudiológica para reabilitação auditiva. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: Boéchat, EM, Plasticidade e Amplificação. In: Ferreira, LP, Lopes, DB & Limongi, SCO, “Tratado de Fonoaudiologia”. São Paulo: Roca, 2004, cap.47, p 604-616. 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