MUDANÇA CLIMÁTICA: UM OBJETO HÍBRIDO NA GESTÃO DA NATUREZA E DA SOCIEDADE? UMA ABORDAGEM A PARTIR DA TEORIA ATOR-REDE DE BRUNO LATOUR Patricia Benedita Aparecida Braga1 RESUMO: o presente trabalho busca refletir a mudança climática como um objeto híbrido, dentro da Teoria Ator-Rede (TAR) de Bruno Latour, cuja principal característica é procurar por diferenças, que neste específico trabalho concentra-se nas argumentações científicas dos cientistas do Painel e os adjetivados “céticos, dentre de uma rede heterógena, aberta, composta de atores humanos e nãohumanos. Por fim, debate-se a concepção moderna de gestão da natureza (cientistas) e da sociedade (políticos), e a construção do Parlamento das coisas, cuja particularidade é a mediação. Em decorrência da escolha teórica, não há um método a ser seguido, mas uma teoria que tem como principais noções, a simetria (explicativa), a tradução, o ator (res) e a rede. PALAVRAS-CHAVE: mudança climática, ciência do clima, Teoria Ator-Rede (TAR) Introdução A camada de ozônio era uma parte integrante de nossos meios ambientes – no primeiro sentido da palavra – enquanto estava infinitamente distante do ato prático de apertar um aerossol; ela tornou-se agora uma parte de nosso meio ambiente – no segundo sentido -, porque não podemos mais apertar um aerossol sem nos inquietarmos com a influência assim exercida. (LATOUR, 1994, p. 92). As reflexões que envolvem a temática climática e/ou ambiental fazem parte dos denominados “temas novos”2 nas ciências humanas. Estes temas não são relativamente recentes, mas refletem a inserção de debates que existiram ao longo de 1 Professora da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS); email:[email protected]; mestre em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Londrina (UEL), em 2012. 2 Além das discussões ambientais e/ou climáticas, fazem parte dos denominados temas novos as questões de direitos humanos, gênero e diversidade, narcotráfico, intervenções humanitárias, terrorismo, dentre outros (ALVES, 2001). 1 séculos3, mas que foram suprimidos por outras discussões, como a política, a economia, a cultura e a bélica, esta última, principalmente a partir da segunda metade do século XX. Neste sentido, a exaltação destes novos temas nas agendas e ações da academia, em âmbito governamental e privado datam um período histórico mundial único, cujo evento simbólico é a queda do muro de Berlim. Este período, tem como marco histórico, o ano de 1989, que pode ser compreendido como a vitória do liberalismo, do capitalismo e das democracias ocidentais em relação ao socialismo e aos ideais marxistas, de acordo com, aqueles que escaparam do leninismo. (LATOUR, 1994). Latour em seu livro Jamais Fomos Modernos de 1994 alerta que, este triunfo Ocidental liberal durou pouco, pois no mesmo ano, em distintas cidades europeias, ocorreram conferências que refletiram sobre o estado do planeta em termos mundiais, o que novamente simbolizou de algum modo o fim do capitalismo. Contudo, esta ideia de Latour (1994) deve ser posta em questão, pois a ruptura pode ser simbolizada, mas depende da estabilização de fatos, para tornar-se evidente, efetiva. Em vez de, fim, as conferências poderiam ser pensadas como a fragmentação de princípios que permeiam e dão sustentação ao modelo econômico e político atual (moderno), pautado na infinitude e na dominação total da natureza (apartada da cultura), o capitalismo. A fim de, fundamentar sua teoria, Latour (1994, p. 16) expõe que “ao tentar desviar a exploração do homem pelo homem para uma exploração da natureza pelo homem, o capitalismo multiplicou indefinidamente as duas”, as multidões que deveriam ser salvas se tornaram famintas e as naturezas que deveriam ser dominadas de modo absoluto nos dominam de modo global. Logo, ao nos interrogarmos, se deveríamos ou não, ter-nos ausentado das tentativas de acabar com a exploração do homem pelo homem ou de sermos mestres e donos da natureza, surge a questão, se somos pré-modernos, modernos ou pós-modernos? E, por conseguinte, ao observarmos o ano de 1989 e sua dupla falência de modo simétrico, observamos o passado de modo distinto e isto leva a interrogação: algum dia fomos modernos? 3 MARTÍNEZ ALIER, j. O Ecologismo dos pobres: conflitos ambientais e linguagens de valoração. São Paulo: Contexto, 2007, p. 89-118. 2 Ser “moderno” designa dois conjuntos de práticas diferentes que, para permanecerem eficazes, devem permanecer distintas, mas que recentemente deixaram de ser. O primeiro grupo de práticas cria, por “tradução”, misturas entre gêneros de seres completamente novos, híbridos de natureza e cultura. O segundo gera por “purificação”, duas zonas ontológicas diferentes, a dos humanos e a dos nãohumanos. Um depende do outro para existir, o segundo depende do primeiro, para as práticas de purificação não serem supérfluas e vazias e o primeiro depende do segundo, para que o trabalho de tradução não seja limitado e interditado. O primeiro denomina-se rede, o segundo crítica. De acordo com Latour (1994, p. 16): o primeiro conectaria em uma cadeia contínua da alta atmosfera, as estratégias científicas e industriais, as preocupações dos chefes de Estado, as angústias dos ecologistas; o segundo estabeleceria uma partição entre um mundo natural que sempre esteve aqui, uma sociedade com interesses e questões previsíveis e estáveis, e um discurso independente tanto da referência quanto da sociedade. Esta distinção nos faz modernos, fundamentados no projeto da purificação crítica, mesmo que este se desenvolva por meio da proliferação dos híbridos, mas se, desviarmos nossa atenção simultaneamente para o trabalho de purificação e de hibridização deixamos instantaneamente de ser modernos. O futuro muda e o passado também, pois constatamos que os dois conjuntos de práticas operaram juntos no período histórico em que se encerra. Quando mais nos proibimos de pensar os híbridos, mais cruzamentos ocorrem, eis o paradoxo dos modernos. (LATOUR, 1994, p. 16-17). Logo, a fim de, “reduzir a marcha, curvar e regular a proliferação dos monstros através da representação oficial de sua existência”, o presente trabalho busca pensar simetricamente a mudança climática como um objeto híbrido e o fundamento moderno de neutralidade da ciência do clima, dentro de uma rede sóciotécnica. Logo, em decorrência disto, buscar-se refletir sobre a problemática divisão moderna, da gestão da natureza, própria dos cientistas e a gestão da sociedade, própria dos políticos, a partir de um corte temporal que reflete a dupla falência do ano de 1989, em termos latourianos. Mudança climática, um objeto híbrido? 3 Na página quatro do jornal, leio que as campanhas de medidas sobre a Antártida vão mal este ano: o buraco na camada de ozônio aumentou perigosamente. Lendo um pouco mais adiante, passo dos químicos que lidam com a alta atmosfera para os executivos da Atochem e Monsanto, que estão modificando suas linhas de produção para substituir os inocentes clorofluorcarbonetos, acusados de crime contra a ecosfera. Alguns parágrafos à frente, é a vez dos chefes de Estado dos grandes países industrializados se meterem com química, refrigeradores, aerossóis e gases inertes. Contudo, na parte debaixo da coluna, vejo que os meteorologistas não concordam mais com os químicos e falam de variações cíclicas. Subitamente, os industriais não sabem o que fazer. Será preciso esperar? Já é tarde demais? Mais abaixo, os países do Terceiro Mundo e os ecologistas metem sua colher e falam de tratados internacionais, direito das gerações futuras, direito ao desenvolvimento e moratórias. (...) As proporções, as questões, as durações, os atores não são comparáveis e, no entanto, estão todos envolvidos na mesma história. (LATOUR, 1994, p. 7). Ao refletir se a mudança climática é um objeto híbrido (um “monstro”) ou não, deve-se observar se este está em vias de construção na rede ou já estabilizado, transformado em verdade. Neste sentido, o presente artigo ancorado na Teoria AtorRede (TAR), de Bruno Latour, busca refletir sobre as construções efetuadas por um coletivo de humanos e não-humanos em relação a mudança climática, dentro de uma rede composta de inúmeros enredos, dentro e fora do laboratório. O exemplo que se segue é uma tentativa ilustrativa de pensar a rede de modo aberta e heterogênea, ancorada na simetria e na simultaneidade da natureza e da cultura. Comecemos pelos objetos que são recolhidos para a identificação, que são, desde porções de água retiradas de diferentes partes dos oceanos, a gases da alta troposfera e estratosfera, anéis de tronco de árvores, amostras de gelo de distintas profundidades, dentre muitos outros. Passemos a identificação destes objetos recolhidos, classificação por meio de métodos e instrumentos elaborados para a extração destes objetos; em seguida, aos técnicos que operam estas ações e as instruções que lhes foram dirigidas por cientistas para a coleta e análise dos materiais; consequentemente os cientistas destas especialidades (ciências) e os processos de seleção destes; os livros, universidades, professores e comunidade acadêmica que criaram a ideia de como se fazer pesquisa; os financiadores públicos e privados destas pesquisas; os economistas que remodelam a perspectiva da infinitude dos recursos naturais, próprio de um modo moderno capitalista à ideia de algo sustentável, remediável, sem alteração do sistema; os políticos que realizam e remodelam suas ações com o discurso de mitigar ou de criar adaptação aos que sofrem com os 4 eventos climáticos; os humanos e não-humanos que padecem com a intensidade e frequência dos fenômenos advindos da mudança climática (corais e populações ribeirinhas); os ecologistas e ambientalistas que querem preservar o habitat para as gerações futuras; os partidos políticos que aderem aos valores verdes; as redes de telecomunicação que divulgam a ideia de sustentabilidade como algo bom para o coletivo; as remodelações de signos e significados em torno da temática, promovidas por diversas instituições; a criação de crenças pautadas na exaltação da natureza em decorrência de ações destruidoras provocadas pelo homem; a culpabilização dos indivíduos, e, assim infinitamente. Logo, decorrente do pragmatismo que permeia as pesquisas acadêmicas, o presente artigo, faz um recorte analítico desta heterógena rede que envolve o objeto, que neste caso são os resultados de estudos científicos que buscam a comprovação da existência ou não da mudança climática, decorrente ou intensificada por ações antropogênicas. Contudo, cabe expor que não será possível no atual momento descrever simetricamente todos os atores envolvidos, em termos latourianos. A intenção é apresentar os argumentos de alguns cientistas em ação, aqueles que estão em prática, realizando ações (atividades) científicas, com o objetivo de criar suas caixas pretas em torno da temática controversa, principalmente no Brasil. A fim de, procurar as diferenças científicas na rede sócio-técnica, não há possibilidade de tematizar a mudança climática sem realizar menção ao Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) criado no ano de 1988 por duas agências da Organização das Nações Unidas (ONU), o Programa para o Meio Ambiente (PNUMA) e a Organização Meteorológica Mundial (OMM), cuja função é a de apresentar ao mundo informações científicas sobre estado atual da mudança climática (ou seja, de acordo com os formuladores deste Painel a mudança climática é uma caixa preta, uma verdade sobre a qual se fundamenta outras ações) e seus potenciais impactos ambientais e socioeconômicos. (IPCC, 2014; TILIO NETO, 2009). De acordo com o site oficial do Painel, este é aberto a todos os países membros da ONU e da OMM, composto no atual momento por cerca de 2500 cientistas de 195 países, ou seja, aqueles que estão de acordo com a política realizada pela instituição tem o direito de apresentar uma Verdade Científica aos formuladores de política do mundo. Logo, em termos latourianos (2000, 2001) não é a ciência que se universaliza, mas a rede que se estende a grandes proporções para 5 estabilizar seus enunciados, sem referência àqueles que o produziram, assim como ao processo de sua produção, semelhante ao jogo de rugby. Para ter uma ideia do trabalho de alguém que queira estabelecer um fato, é preciso imaginar a cadeia de milhares de pessoas necessárias para transformar a primeira afirmação numa caixa-preta e o ponto em que cada uma delas pode ou não, de maneira imprevisível, transmitir a informação, modifica-la, alterá-la ou transformá-la em artefato. (LATOUR, 2000, p. 171). No Brasil, um dos “grandes” experts da temática ciência e clima é Carlos Afonso Nobre, membro do IPCC, representante titular do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCT), secretário executivo da Rede Brasileira de Pesquisas e Mudanças Climáticas Globais (Rede Clima), coordenador executivo do programa FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa de São Paulo) de Pesquisa em Mudanças Climáticas Globais, presidente do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas (PBMC). (FAPESP, 2013; PBMC, 2013). Portanto, um porta-voz que traduz outros atores (humanos e não humanos) em uma única vontade, pois não existe razão sem negociação, e, é desta prática política que advém o poder da Ciência, no sentido de parecer, mas não ser, apolítica (neutra), mera representante da natureza. (LATOUR, 2000). Francisco Mendonça, doutor em Geografia, professor titular do Departamento de Geografia e Coordenador do Curso de Doutorado Interdisciplinar em Meio Ambiente e Desenvolvimento da Universidade Federal do Paraná (UFPR), no artigo Aquecimento global e saúde: uma perspectiva geográfica – notas introdutórias, de 2005, retorna às ideias de escala temporal propostas por Nieuwolt e McGregor4 para apresentar as escalas temporais de medição da mudança climática, uma de longa duração, superior a 20 000 anos e outra de curta duração, de 100 a 20 000 anos. Nesta medição inclui-se também a variabilidade climática, que é a medida de década a década e de ano a ano. Em decorrência desta medição, os cientistas que a usam, afirmam que a origem da mudança climática pode estar relacionada a causas externas, fatores internos e às atividades humanas. As causas externas da mudança climática podem estar relacionadas a mudanças na órbita do planeta (variação de radiação). Já os fatores internos podem estar relacionados a mudanças na circulação oceânica (temperatura, salinidade e movimento das correntes marinhas), na composição de gases (principalmente CO2, 4 MCGREGOR, G. R. NIEUWOLT, S. Tropical climatology – an introduction to the climates of the low latitudes. 2. ed. Chichester/England: John Wiley and Sons, 1998. 6 CH4 e O3) na atmosfera, assim como, nas camadas geográficas (movimento de placas tectônicas, isostasia continentes-oceanos, atividade vulcânica etc.).Dentre os fatores internos, pode haver os relacionados a atividades humanas, como a queima de combustíveis fósseis, lançamento de gases de efeito estufa, desmatamento e modificação climática em escala regional e global, relacionado ao modelo industrial econômico vigente, cuja medição ancora-se na escala temporal curta, a de 100 a 20 000 anos. A suposição científica de que, alguns fatores internos, podem estar relacionados a ações antropogênicas sugere que os malefícios climáticos existentes podem ser decorrentes do modelo de industrialização atual, cujo fundamento pauta-se na cegueira dos grandes interesses industriais, pervertidos pela busca do ganho, e insensíveis à grande compreensão do mundo tal como as outras culturas nos mostram, escolhendo sempre a solução mais dispendiosa e mais devastadora (LATOUR, 1994, p. 105 apud GUATTARI, 1989), ou seja, baseia-se na pressuposição de que é possível conhecer as consequências, antes de ter conhecimento das causas. (LATOUR, 1994). De modo distinto da Ciência acabada (aquela com C maiúsculo) com suas caixas pretas, ou seja, com suas discussões encerradas, portanto, tomadas como indubitáveis, como por exemplo, a dupla hélice do DNA ou o buraco na camada de ozônio, os fatores internos e externos que influenciam a mudança climática fazem parte da ciência em construção (ou pesquisa), na qual os diversos atores por meio de traduções (invenção de um elo que antes não existia e que de algum modo muda os elementos imbrincados) buscam criar pontos de estabilização por meio de práticas científicas, conjugação de interesses e uma grande mobilização de aliados humanos e não-humanos. Tilio Neto, cientista político, pesquisador do Núcleo de Pesquisa sobre o Pacífico e a Amazônia (NPPA), do Programa San Tiago Dantas, membro do Grupo de Pesquisa Geografia Política e Meio Ambiente (GEOPO) do Laboratório de Geografia Política da Universidade de São Paulo, afirma em seu livro Ecopolítica das Mudanças Climáticas: o IPCC e o Ecologismo dos Pobres de 2009, que os relatórios emitidos pelo IPCC constatam que os padrões de evaporação e precipitação foram afetados pelo aquecimento global. As precipitações elevaram-se por todo o globo; secas mais longas e intensas ocorreram em distintas áreas desde 1970, principalmente nas regiões tropicais e subtropicais. As circulações atmosférica e oceânica foram 7 igualmente afetadas: no Atlântico Norte, a ocorrência de ciclones tropicais aumentou em 80% entre os anos de 1970 a 2005. No caso das temperaturas nos últimos cinquenta anos, dias frios e geadas se tornaram menos frequentes, enquanto dias quentes e ondas de calor se tornaram mais comum. Diante disto, pode-se observar que não é a experiência em si que constitui o problema, mas o seu caráter local, particular, fracionário, que neste específico caso é emitido pelos cientistas do Painel e legitimado por políticos que compõem a ONU, como chefes de Estado. De acordo com os prognósticos do IPCC em relação ao aquecimento global e seus possíveis efeitos para as próximas duas décadas, a temperatura aumentará 0,2°C, mesmo que a concentração de gases de efeito estufa permaneça igual aos níveis do ano 2000. (TILIO NETO, 2009, p. 97). Neste ponto, poderíamos nos perguntar, como a ciência moderna que pressupõe comprovação empírica e experimentação, principalmente nas áreas denominadas hard (ciências naturais e exatas) podem concordar e legitimar um prognóstico para o futuro, um futuro quem nem existe e que pode não vir a existir? O respaldo a esta questão ancora-se na possibilidade de observar cenários futuros criados por computadores hipercomplexos nos centros de pesquisa do IPCC, por meio de um banco de dados que contém de modo universal as classificações de acordo com as especialidades. Um dos cenários criados demonstra que em 2100 o forçamento radiativo (que impele a mudanças no clima) mesmo que esteja estabilizado, fará com que o mundo esquente mais 0,5°C até 2200, e a expansão térmica continuará elevar o nível dos mares por séculos (pelo menos entre 30 a 80 cm até 2300. As emissões humanas de CO2, passadas e futuras, continuarão a aquecer o planeta e a elevar o nível dos mares por mais de um milênio, dado o tempo necessário para a remoção desse gás na atmosfera. (TILIO NETO, 2009). Esta rede sócio-técnica que envolve os laboratórios, os instrumentos de medição, os atores humanos e não-humanos, assim como o seu entorno cria cenários catastróficos, como a diminuição do gelo marinho no Ártico e na Antártida, redução dos Alpes suíços em um quarto por volta de 2050, ondas de calor, precipitações elevadas, secas, enchentes, ciclones tropicais, chuvas fortes, acidificação dos oceanos, extinção de corais e de espécies marinhas, extinção de espécies animais e vegetais, elevação da produtividade agrícola em áreas de altas latitudes e diminuição 8 de produção em áreas de baixa latitude, salinização de reservatórios de água doce, dentre outros. (TILIO NETO, 2009, p. 98). No sentido moderno, de cisão entre natureza/cultura as alterações “naturais”/biológicas podem modificar de modo catastrófico a política dos homens (cultura). Segundo Leggett em seu livro Aquecimento global – o relatório do Greenpeace, de 1992, haverá uma expansão volumétrica das águas dos oceanos, devido a elevação da temperatura do mar entre 1,4°C a 5,8°C, entre 1990 a 2100, associada ao degelo parcial das geleiras e calotas polares que resultará na elevação do nível dos mares de 0,4 a 1,5m; isso implicará a realocação de uma grande parcela de pessoas que residem atualmente nas regiões costeiras. Assim como a escassez de alimentos e de água, o que pode gerar um aumento no número de deslocamentos humanos, migrações forçadas e conflitos entre povos e nações. (MENDONÇA, 2003). Fica clarividente em termos latourianos (2000) que todos os atores (actantes - em sentido relacional – humanos e não-humanos) envolvidos na rede fazem algo com a caixa-preta, não a transmitem de modo puro, mas acrescentam elementos seus ao modificarem o argumento, fortalecendo-os e incorporando-os à novos contextos. E é neste sentido que pode-se observar outras afirmativas científicas sobre a mudança climática. Os pesquisadores envolvidos nestas argumentações afirmam que há uma farsa do aquecimento global, e, por conseguinte, não há comprovação que demonstre a existência da relação entre a ação humana e a mudança climática. Para esses cientistas, não há evidências factuais que permitam atribuir às atividades humanas, principalmente o uso de combustíveis fósseis, quaisquer elevações anormais de temperaturas, aumento do nível do mar, retração das geleiras e outras alterações climáticas significativas. Dentre estes cientistas pode-se citar Fred Singer, Dennis Avery, Patrick Michaels, Bjorn Lomborg, Christopher Booker e Richard North, os quais fundamentam suas argumentações de modo distinto dos cientistas do Painel, mas possuem uma indagação comum, a construção do consenso científico do IPCC e a indústria que cresceu em torno deste consenso. (GIDDENS, 2010.) Geraldo Lino, geólogo brasileiro, em seu artigo “Alguns fatos básicos sobre mudanças climáticas”, publicado em 2010, na revista OIKOS, afirma que os prognósticos divulgados pelos pesquisadores do IPCC servem de respaldo para a adoção de uma agenda global de “descarbonização” da economia mundial, desviando 9 as atenções das verdadeiras emergências globais, como os problemas de infraestrutura básica, saneamento, energia moderna e outros requisitos de uma “sociedade civilizada”. Nesse sentido, Lino (2010), assim como Luiz Moulion (2011) argumentam que há distorções na apresentação dos relatórios a opinião pública mundial, a começar pela descaracterização de princípios básicos da atividade científica. O autor afirma que o denominado “consenso” apresentado pelos cientistas do Painel não tem sentido quando relacionado à ciência, por não se fundamentar em prevalências numéricas, mas em um compromisso permanente com a redução das imperfeições do conhecimento e dos fenômenos universais, pois uma única descoberta divergente, na história das ciências, é motivo suficiente para obrigar a uma reavaliação dos fatos científicos. Lino (2010) critica o uso do adjetivo cético para os cientistas que não consideram a responsabilidade humana como o fator preponderante na origem da mudança climática; o autor defende que “o ceticismo organizado e vigilante, bem como uma abertura as novas ideias, são essenciais para se precaver contra a intrusão de dogmas ou tendências coletivas nos resultados científicos”. Para alguns pesquisadores, adjetivados “céticos” pelos cientistas do Painel, dentre eles Lino (2010), a mudança climática é observada como um estado natural do clima ao longo de toda a história geológica da Terra. Nos últimos 2,5 milhões de anos, no período Quaternário, surgiu o Homo, ao qual pertence toda a nossa espécie. Esse período é caracterizado por rápidas e drásticas variações climáticas, com períodos glaciais prevalecentes em 90% dele e períodos interglaciais mais quentes. Toda a civilização conhecida existe dentro do período interglacial denominado Holoceno, cujo início se deu há cerca de 12.000 anos e é o menos quente de todos os últimos períodos interglaciais. Lino argumenta que (2010, p. 179): As transições entre períodos glaciais têm sido relativamente rápidas, até mesmo na escala humana. A passagem para condições glaciais pode levar algumas poucas centenas de anos, mas já ocorreu em menos de um século. As transições glacial-interglacial costumam ser mais rápidas, como ocorreu com o advento do Holoceno, quando as temperaturas subiram 6-8°C em menos de 100 anos, sendo que metade deste aquecimento (3-4°C) pode ter ocorrido em apenas duas décadas. Em latitudes mais altas, já registraram elevações de 1015°C em menos de oito décadas. Essas taxas de variação são muito 10 maiores que a irrisória elevação de 0,8°C observada entre meados do século XIX e o final do século XX. A elevação do nível do mar desde o auge da última glaciação registrou um aumento de 120m, no período entre 18.000 a 6.000 anos atrás, o que representa uma taxa de elevação da ordem de 1 metro por século – muito maior que os cerca de 0,2m registrados desde 1870. Para os “céticos”, as variações observadas desde meados do século XIX encontram-se dentro das faixas de variações naturais da dinâmica climática da Terra, ou seja, não há evidência concreta da interferência da ação humana no clima em escala global. Lino (2010) baseia-se em Marcel Leroux, no livro “Global Warming: the erring ways of Climatology”, de 2005, para expor que a hipótese, de que o aquecimento global esta relacionado aos gases de efeito estufa, nunca foi demonstrada, pois não existe prova tangível. De acordo com essa articulação teórica, o CO2 atmosférico é o “gás da vida”, pois dele depende toda a fotossíntese das plantas, que formam a base das cadeias alimentares da biosfera. As concentrações de CO2 superiores às atuais são benéficas para a vegetação, assim como para o restante da biosfera, inclusive para a vida humana. O Quaternário é um dos períodos de menor concentração de CO2 registrado na história geológica da Terra, somente na transição do CarboníferoPermiano, há cerca de 300 milhões de anos, houve tão pouco CO2 na atmosfera como no Quaternário. Outra premissa errônea, segundo Lino (2010), é que o aumento das concentrações de CO2 acarretaria na elevação da temperatura, pois em toda história geológica da Terra as curvas que representam a temperatura e as concentrações de CO2 não mostram uma correlação em si; as temperaturas têm mudado antes do CO2. Portanto, Quando a atmosfera e os oceanos se aquecem, estes liberam CO2 (a solubilidade do gás na água do mar é inversamente proporcional às temperaturas), o que estimula o crescimento da vegetação terrestre; a vegetação absorve o CO2 e incorpora o carbono em raízes e troncos maiores e mais carbono é sequestrado nos solos. O intervalo se deve ao prazo necessário para a liberação do CO2 dissolvido nos oceanos (LINO, 2010, p. 181). 11 De acordo com o Lino (2010), os modelos de circulação geral (MGC) elaborados por supercomputadores em nada representa o mundo real, pois estão longe de simular adequadamente a dinâmica climática, haja vista que, o clima é um sistema complexo, caótico e não linear, portanto, não pode de ser reduzido com precisão a sistemas de equações. De forma simplificada, um MCG típico divide a atmosfera em “caixas” de centenas ou alguns milhares de quilômetros de comprimento, algumas centenas de quilômetros de largura e algumas dezenas de quilômetros de altura, e tenta quantificar e simular a evolução de energia e os seus reflexos nos parâmetros climáticos, dentro das “caixas” e entre elas. Como cada “caixa” abarca vários graus de latitude e longitude e uma multiplicidade de ambientes físicos e biológicos (tipo de superfície, relevo, cobertura vegetal etc.), pode-se imaginar a complexidade do processo, que não pode proporcionar senão uma aproximação grosseira do mundo real. Não por acaso, as discrepâncias entre os modelos e as observações costumam ser consideráveis, mesmo quando eles são rodados “para trás”, para tentar explicar o comportamento do clima. Nenhum deles, por exemplo, antecipou que o ciclo de aquecimento iniciado por volta de 1975 se encerraria em 1998 e que, desde então, as temperaturas se estabilizaram e começariam a diminuir, como vem ocorrendo. (LINO, 2010, p. 182). Em sistemas complexos como o do clima, sensível a variações mínimas de fatores causais, a parametrização (congruência homogênea, feita pelos pesquisadores) é uma fonte pouco confiável, pois a mudança nos resultados das variações de temperatura no início do século XXI, de 1,5 - 5,8°C, em 2001 e 1,1 6,4°C, em 2007, seria um exemplo disto. Os modelos climáticos constituem ferramentas úteis para pesquisas teóricas, mas não podem servir de dados para a formulação de políticas (LINO, 2010). Segundo Lino (2010), o “aquecimentismo”, desenvolvido pelos pesquisadores do IPCC, surgiu com o movimento ambientalista internacional, iniciado nas décadas de 1950-1960 no século XX, principalmente nos países angloamericanos. O “aquecimentismo” se converteu em uma indústria que movimenta valores da ordem das centenas de bilhões de dólares por ano, envolvendo verbas públicas e privadas para pesquisas científicas e tecnológicas, incentivos fiscais para tecnologias de “baixo carbono”, campanhas de ONGs e propagandísticas, lobbies parlamentares e o florescente mercado de créditos de carbono, que movimentou 130 bilhões de dólares em 2009 e possui a estimativa de chegar a dois trilhões de dólares em 2014, convertendo-se no maior mercado de commodities do mundo. 12 Logo, ao observar as argumentações científicas dos cientistas do Painel e dos “céticos”, sem levar em conta as inúmeras subdivisões existentes dentro desta repartição, unicamente apresentada para exemplificar a diferença de argumentação, constata-se que os fatos científicos são construídos, mas não podem ser reduzidos ao social, pois é povoado por objetos mobilizados para construí-lo. (LATOUR, 1998). Neste sentido, o terreno das controvérsias sobre o perigo potencial da mudança climática possui como primeira controvérsia científica a argumentação de que a mudança climática é decorrente ou intensificada por fatores antropogênicos, relacionados principalmente ao modelo industrial existente nos últimos três séculos e a segunda controvérsia sugere que a relação existente entre ações antropogênicas e a mudança climática não é algo constatado cientificamente, pois o período de medição ancora-se na escala temporal de curta duração e que os índices de CO2 são baixos se comparados aos períodos longos. O problema da moderna divisão natureza/cultura e o Parlamento da Coisas Por mais distintos que sejam os posicionamentos dos cientistas do clima, ao longo das últimas duas décadas (1990/2000) pode-se observar que, como qualquer linha teórica nas Ciências Modernas, cada grupo com seus subgrupos, se diferenciam em método e resultado; o que Latour (2004) acredita ser equívoco, pois é necessário repolitizar a ciência, a fim de, acabar com a cisão ciência e política, visto que, a separação pressupõe uma Ciência pura e perfeita, apartada do mundo humano. De acordo com a Teoria Ator-Rede, cujas principais noções são as de simetria, tradução, ator e rede, devemos pensar e tratar a realidade ao invés de interpretá-la a partir de grandes divisões (natureza/cultura) levando em conta a hibridização, pois esta revela as tramas que envolvem a ciência, a política, a economia, o direito, a religião, a técnica e a ficção. (LATOUR, 1994). Neste sentido, pensar a mudança climática como um objeto híbrido não significa que ela é apenas um meio a ser investigado, mas devido o seu sentido relacional, evidência as distintas tramas que a envolvem, independentemente de onde quer que estas nos levem. O meio de transporte que liga uma trama a outra é a noção de tradução ou rede, que significa modificar objetivos, desejos, atores. É o modo pelo qual, os atores humanos (agenciadores) e não-humanos (agenciados) realizam traduções, ou seja, transladam concepções distintas de interesses e canalizam atores para diferentes direções. (LATOUR, 1994, 1998, 2004). Neste sentido, objetos são amostras, 13 agregados, cujo sentido, função e influência só podem ser compreendidos se reconstruir seus limites, isto é, a rede pela qual estes se constituem enquanto elemento. Portanto, é necessário investigar o modo como os atores traçam os limites e as divisões e a maneira pela qual eles são constrangidos a renegociá-los. Neste sentido, ao observar a rede que envolve a mudança climática, constata-se que o trabalho dos cientistas influência os aspectos internos da comunidade científica e os aspectos externos da sociedade a qual pertence (contexto), logo, a natureza e a sociedade devem ser explicadas a partir de um quadro simétrico ou explicativo comum, como argumenta Latour, no livro Políticas da natureza, de 2004 por meio da construção de uma Nova Constituição que leve em conta as naturezas/culturas. De acordo com Latour (1994, 2000, 2004) a separação tradicional existente na Constituição Moderna, entre gestão da natureza (cientistas) e gestão da sociedade (políticos) é incapaz de apresentar suportes aos fenômenos contemporâneos, como o buraco na camada de ozônio, as células troncos, as plantas geneticamente modificadas, as ovelhas clonadas e a mudança climática, pois a tentativa moderna de purificação dos domínios da natureza e da cultura fracassou e isto pode ser ilustrado com o aumento significativo dos híbridos, que não são nem naturais nem sociais. A crise ecológica proíbe a pretensão de sermos modernos e o projeto para a Nova Constituição traz em seu âmago a tentativa de igualizar todas as naturezas/culturas, distintamente da crença social moderna que acredita que a natureza é seu ambiente, no sentido de complementar, e que por este único aspecto ela se difere de todas as outras culturas, a ponto de não ser ela mesma uma cultura. (LATOUR, 1998). E caso optemos por pelo qualitativo de não sermos modernos, perdemos igualmente o recurso da crítica, primordialmente a crítica dos ecologistas políticos, de denúncia do mundo moderno (às técnicas, indústria, consumo) em nome de um modo mais orgânico, mas respeitoso de gerir os ecossistemas, pois somos incapazes de saber se o meio ambiente irá se quebrar com a menor queda, ou se, pelo contrário, é suficientemente forte para assimilar todos os golpes. O meio ambiente é um evento histórico recente, que nós construímos, como todo evento, testando-o. No século XVII a natureza era mecânica, unificada pela universalidade das leis que a regiam e pela amplitude do trabalho humano de 14 conquista que se abria diante dos impérios. A está ciência, muitas ciências foram acrescidas, as quais postularam novos atores e novas relações, para que a natureza se tornasse, para alguns, a única biosfera. Devido a isto, hoje, a debilidade faz parte do debate público, que permanece a-histórico, ou seja, não consegue perceber que os fatos relacionados ao clima não existiram desde sempre e não foram moldados por um único ator. (LATOUR, 1998). Aqueles que tomasse os números anuais sobre o desaparecimento do ozônio atmosférico sem considerar os cientistas que o afirmam, o instrumento que permite sua medição, a calibração do instrumento que o certifica, a profissão que assegura a credibilidade de seu autor, as instituições científicas que ponderam suas opiniões, estaria com isso impedindo-se de compreender seja o movimento dos fatos seja o das sociedades (LATOUR, 1998, p.116- 117). De acordo com a perspectiva latouriana (1998), os fatos científicos são construções coletivas, postas por meio de alianças entre atores humanos e nãohumanos em uma complexa rede, na qual há muito tempo deixou de existir uma representação pura destes. Neste sentido, as baleias ameaçadas, o Reno poluído, as florestas sacrificadas, o ozônio atacado, o Yellowstone destruído não falam diretamente no coletivo (naturezas/culturas), mas indiretamente (ministérios). Os coletivos percebem que é necessário, portanto, mudar a natureza da sociedade, da política, da moral, do direito, a fim de, efetuar esse retorno de todos os exteriores no interior, pois hoje a cadeia de interesses vincula todos, desde o ozônio da alta atmosfera, a química, os químicos do ozônio, as grandes companhias de CFC, os fabricantes de geladeiras e os chefes de Estado. Esta multiplicação intensa e não regulada dos híbridos decorrentes das pesquisas científicas de modo geral, e de maneira restrita das pesquisas biotecnológicas, faz com que haja, uma incerteza generalizada, posta principalmente pelas crises ecológicas e pelas crises epistemológicas. Neste sentido, Latour (2004) propõe uma reestruturação radical, fundamentada na inserção dos novos híbridos na instituição democrática, por meio de uma Constituição não moderna, cuja democracia é estendida aos não-humanos (Parlamento das coisas), pois parafraseando Serres (1990), a antiga Constituição neutraliza a democracia, e, por conseguinte, interrompe o debate público. Para o Parlamento das coisas (República) ser definido precisa-se duvidar da dupla representação, dos cientistas e dos políticos. Neste Parlamento não há mais verdades nuas ou cidadãos nus. Os mediadores dispõe de todo o espaço. As 15 naturezas estão presentes, mas com seus representantes, os cientistas que falam em seu nome (experts). As sociedades também encontram-se no recinto, mas com os objetos (humanos e não-humanos) que as sustentam desde sempre. A importância não esta no assunto que se aborde, mas que todos falem sobre o quase-objeto que criaram juntos, este objeto-discurso-natureza-sociedade cujas características assustam a todos e cuja rede se estende da geladeira à Antártida, passando pela química, pelo direito, pelo Estado, pela economia e pelos satélites. Do imbróglio as redes que não possuíam lugar, mas que devem possuir agora todo o espaço, pois são eles que precisam ser representados. (LATOUR, 1994, p. 142). Metade da nossa política é feita nas ciências e nas técnicas. A outra metade da natureza se faz na sociedade. Se reunirmos as duas, a política renasce. (...) Se não mudarmos o Parlamento, não seremos capazes de absorver as outras culturas que não mais podemos dominar, e seremos eternamente incapazes de acolher este meio ambiente que não podemos mais controlar. Cabe a nós mudar nossas formas de mudar. (LATOUR, 1994, p. 142-143). A fim de resolver o duplo problema da representação5, Latour (2004) sugere uma mesma assembleia composta de humanos e não-humanos, cuja ocorrência se dá por uma série de divisões relacionadas as suas capacidades, na qual a primeira ação deve ser a de redistribuir as palavras entre os distintos atores, inserindo a dúvida em relação aos seus porta-vozes (experts); em seguida redistribuir a capacidade de agir como ator social, e, por fim, definir os atores pela “realidade” e pela “recalcitrância” (inflexibilidade). No lugar da batalha entre ciência e política, que dividiam entre si domínios da realidade ou de defesa contra a intromissão de um ao outro, Latour (1998, p. 153161) propõe o trabalho conjunto na articulação de um mesmo coletivo, definindo uma lista em sentido crescente de associações (preposições) entre atores humanos e nãohumanos. O abandono da Ciência em detrimento das ciências, concebidas como socialização dos não-humanos e o abandono da política da Caverna pela política pautada na composição progressiva do bom mundo comum é proposto por Latour (2004) ou seja, o melhor dos mundos. 5 Em termos epistemológicos, de como obter uma representação precisa da realidade exterior, e em termos pautados na Filosofia Política em relação ao modo de um mandatário representar de modo fiel os que lhe delegaram poder (LATOUR, 2004, p. 143-144). 16 Considerações Parciais Diante da dupla falência exposta por Latour (1994) – dominação total da natureza e emancipação do homem pelo homem -, os modernos, que separam de modo puro a natureza e a cultura, passam a questionar, se um dia foram modernos, e esta interrogação marca o crescente surgimento de objetos híbridos, que não são nem sociais, nem naturais, e, na maioria das vezes, são decorrentes de pesquisas científicas e biotecnológicas. A reflexão, se um dia fomos modernos, modifica o passado, e, por conseguinte, muda o futuro e o presente, pois se não somos mais modernos, devemos questionar a divisão existente entre gestão da natureza, realizada pelos cientistas e a gestão da sociedade, realizada pelos políticos, pois esta divisão implica a existência de uma Ciência pura (laboratorial) apartada da realidade social e uma sociedade isenta de fatos científicos. De acordo com Latour (1997b) a TAR não pode ser denominada como uma teoria do social, do sujeito ou da natureza, pois o que deve estar em evidência é a produção das diferenças e não um quadro de referência, no qual se inserem os fatos e suas conexões, mas a possibilidade de seguir a produção das diferenças. Logo, a TAR é um método para observar a construção e a fabricação de fatos. Neste sentido, a categoria ator pode ser compreendido como tudo o que produz efeito (humanos e não-humanos – actantes) na rede, entendida como uma série composta de distintos elementos conectados, agenciados (semelhante à ideia de rizoma defendida por Guattari e Deleuze), sem ponto fixo, aberta, cujo elemento constitutivo é o nó, que evidencia as trans-formações. Em decorrência desta teoria, o fato científico é compreendido como uma construção coletiva realizada por meio de alianças, dispositivos, agenciamentos e interesses contraditórios entre os atores, que buscam estabilizar seus fatos com a intenção de torná-los inegáveis pela comunidade científica (caixas-pretas). Contudo, cabe lembrar que, os fatos não são levados em conta no momento da publicação de artigos ou relatórios finais, como por exemplo, os relatórios emitidos pelos cientistas que compõem o Painel ou pelos cientistas contrários aos resultados emitidos pelo IPCC. 17 O presente artigo, pautado na Teoria Ator-Rede buscou tematizar a mudança climática como um objeto híbrido, ou seja, que comporta em si, naturezas/culturas, portanto, nem totalmente social, nem totalmente natural, produzido coletivamente, por meio de alianças entre atores humanos e não-humanos, dentre eles, instrumentos, escalas de medição, computadores, bancos de dados, políticos, economistas, jornalistas, cientistas, técnicos, relatórios e muitos outros. Em seguida buscou evidenciar a produção das diferenças relacionadas a mudança climática, ora tendo sua origem associada a fatores antropogênicos, ora relacionada a fatores “naturais” (dinâmica externa e interna do planeta), assim como a rede dentro e fora dos laboratórios que dá sustentação e tenta modifica-la. Consequente de um número cada vez maior de híbridos, dentre eles a mudança climática, Latour (2004) propõe o Parlamentos das coisas (República), composto de humanos e não-humanos, de modo distinto, da moderna concepção de gestão da natureza e de política, cuja principal característica é a mediação. Obviamente que as formulações teóricas de Bruno Latour possuem críticas. Uma delas é que há pontos de mutação conceitual, expressos principalmente nas obras Jamais Fomos Modernos (1994) e Políticas da Natureza: como fazer ciência na democracia (2004), mas o autor é inovador dentro das teorias epistemológicas, filosóficas e sociológicas da ciência, no sentido que traz para dentro de suas análises o modo simétrico de considerar humanos e não-humanos na rede. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALVES, J. A.. A. Relações internacionais e temas sociais: A década das conferências. Brasília: IBRI, 2001. FAPESP – FUNDAÇÃO DE AMPARO À PESQUISA DO ESTADO DE SÃO PAULO. Agência FAPESP. Disponível em: <http://agencia.fapesp.br/17816>. Acesso em: 20 set. de 2013. GIDDENS, A. A política da mudança climática. Rio de Janeiro: Zahar, 2010. GUATTARI, F. Les trois écologies. Paris:Galilée, 1989. IPCC. Policymakers summary. In: HOUGHTON, J. T. (Ed.). Climate Change: the IPCC scientific assessment; report prepared for IPCC by Working Group 1. 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