mudança climática: um objeto híbrido na gestão da natureza e da

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MUDANÇA CLIMÁTICA: UM OBJETO HÍBRIDO NA GESTÃO DA
NATUREZA E DA SOCIEDADE? UMA ABORDAGEM A PARTIR
DA TEORIA ATOR-REDE DE BRUNO LATOUR
Patricia Benedita Aparecida Braga1
RESUMO: o presente trabalho busca refletir a mudança climática como um objeto
híbrido, dentro da Teoria Ator-Rede (TAR) de Bruno Latour, cuja principal
característica é procurar por diferenças, que neste específico trabalho concentra-se
nas argumentações científicas dos cientistas do Painel e os adjetivados “céticos,
dentre de uma rede heterógena, aberta, composta de atores humanos e nãohumanos. Por fim, debate-se a concepção moderna de gestão da natureza (cientistas)
e da sociedade (políticos), e a construção do Parlamento das coisas, cuja
particularidade é a mediação. Em decorrência da escolha teórica, não há um método a
ser seguido, mas uma teoria que tem como principais noções, a simetria (explicativa),
a tradução, o ator (res) e a rede.
PALAVRAS-CHAVE: mudança climática, ciência do clima, Teoria Ator-Rede (TAR)
Introdução
A camada de ozônio era uma parte integrante de nossos meios
ambientes – no primeiro sentido da palavra – enquanto estava
infinitamente distante do ato prático de apertar um aerossol; ela
tornou-se agora uma parte de nosso meio ambiente – no segundo
sentido -, porque não podemos mais apertar um aerossol sem nos
inquietarmos com a influência assim exercida. (LATOUR, 1994, p.
92).
As reflexões que envolvem a temática climática e/ou ambiental fazem parte
dos denominados “temas novos”2 nas ciências humanas. Estes temas não são
relativamente recentes, mas refletem a inserção de debates que existiram ao longo de
1
Professora da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS);
email:[email protected]; mestre em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de
Londrina (UEL), em 2012.
2
Além das discussões ambientais e/ou climáticas, fazem parte dos denominados temas novos
as questões de direitos humanos, gênero e diversidade, narcotráfico, intervenções
humanitárias, terrorismo, dentre outros (ALVES, 2001).
1
séculos3, mas que foram suprimidos por outras discussões, como a política, a
economia, a cultura e a bélica, esta última, principalmente a partir da segunda metade
do século XX. Neste sentido, a exaltação destes novos temas nas agendas e ações da
academia, em âmbito governamental e privado datam um período histórico mundial
único, cujo evento simbólico é a queda do muro de Berlim.
Este período, tem como marco histórico, o ano de 1989, que pode ser
compreendido como a vitória do liberalismo, do capitalismo e das democracias
ocidentais em relação ao socialismo e aos ideais marxistas, de acordo com, aqueles
que escaparam do leninismo. (LATOUR, 1994).
Latour em seu livro Jamais Fomos Modernos de 1994 alerta que, este
triunfo Ocidental liberal durou pouco, pois no mesmo ano, em distintas cidades
europeias, ocorreram conferências que refletiram sobre o estado do planeta em
termos mundiais, o que novamente simbolizou de algum modo o fim do capitalismo.
Contudo, esta ideia de Latour (1994) deve ser posta em questão, pois a ruptura pode
ser simbolizada, mas depende da estabilização de fatos, para tornar-se evidente,
efetiva. Em vez de, fim, as conferências poderiam ser pensadas como a fragmentação
de princípios que permeiam e dão sustentação ao modelo econômico e político atual
(moderno), pautado na infinitude e na dominação total da natureza (apartada da
cultura), o capitalismo.
A fim de, fundamentar sua teoria, Latour (1994, p. 16) expõe que “ao tentar
desviar a exploração do homem pelo homem para uma exploração da natureza pelo
homem, o capitalismo multiplicou indefinidamente as duas”, as multidões que
deveriam ser salvas se tornaram famintas e as naturezas que deveriam ser dominadas
de modo absoluto nos dominam de modo global. Logo, ao nos interrogarmos, se
deveríamos ou não, ter-nos ausentado das tentativas de acabar com a exploração do
homem pelo homem ou de sermos mestres e donos da natureza, surge a questão, se
somos pré-modernos, modernos ou pós-modernos? E, por conseguinte, ao
observarmos o ano de 1989 e sua dupla falência de modo simétrico, observamos o
passado de modo distinto e isto leva a interrogação: algum dia fomos modernos?
3
MARTÍNEZ ALIER, j. O Ecologismo dos pobres: conflitos ambientais e linguagens de
valoração. São Paulo: Contexto, 2007, p. 89-118.
2
Ser “moderno” designa dois conjuntos de práticas diferentes que, para
permanecerem eficazes, devem permanecer distintas, mas que recentemente
deixaram de ser. O primeiro grupo de práticas cria, por “tradução”, misturas entre
gêneros de seres completamente novos, híbridos de natureza e cultura. O segundo
gera por “purificação”, duas zonas ontológicas diferentes, a dos humanos e a dos nãohumanos. Um depende do outro para existir, o segundo depende do primeiro, para as
práticas de purificação não serem supérfluas e vazias e o primeiro depende do
segundo, para que o trabalho de tradução não seja limitado e interditado. O primeiro
denomina-se rede, o segundo crítica.
De acordo com Latour (1994, p. 16):
o primeiro conectaria em uma cadeia contínua da alta atmosfera, as
estratégias científicas e industriais, as preocupações dos chefes de
Estado, as angústias dos ecologistas; o segundo estabeleceria uma
partição entre um mundo natural que sempre esteve aqui, uma
sociedade com interesses e questões previsíveis e estáveis, e um
discurso independente tanto da referência quanto da sociedade.
Esta distinção nos faz modernos, fundamentados no projeto da purificação
crítica, mesmo que este se desenvolva por meio da proliferação dos híbridos, mas se,
desviarmos nossa atenção simultaneamente para o trabalho de purificação e de
hibridização deixamos instantaneamente de ser modernos. O futuro muda e o passado
também, pois constatamos que os dois conjuntos de práticas operaram juntos no
período histórico em que se encerra. Quando mais nos proibimos de pensar os
híbridos, mais cruzamentos ocorrem, eis o paradoxo dos modernos. (LATOUR, 1994,
p. 16-17).
Logo, a fim de, “reduzir a marcha, curvar e regular a proliferação dos
monstros através da representação oficial de sua existência”, o presente trabalho
busca pensar simetricamente a mudança climática como um objeto híbrido e o
fundamento moderno de neutralidade da ciência do clima, dentro de uma rede sóciotécnica. Logo, em decorrência disto, buscar-se refletir sobre a problemática divisão
moderna, da gestão da natureza, própria dos cientistas e a gestão da sociedade,
própria dos políticos, a partir de um corte temporal que reflete a dupla falência do ano
de 1989, em termos latourianos.
Mudança climática, um objeto híbrido?
3
Na página quatro do jornal, leio que as campanhas de medidas sobre
a Antártida vão mal este ano: o buraco na camada de ozônio
aumentou perigosamente. Lendo um pouco mais adiante, passo dos
químicos que lidam com a alta atmosfera para os executivos da
Atochem e Monsanto, que estão modificando suas linhas de
produção para substituir os inocentes clorofluorcarbonetos, acusados
de crime contra a ecosfera. Alguns parágrafos à frente, é a vez dos
chefes de Estado dos grandes países industrializados se meterem
com química, refrigeradores, aerossóis e gases inertes. Contudo, na
parte debaixo da coluna, vejo que os meteorologistas não concordam
mais com os químicos e falam de variações cíclicas. Subitamente, os
industriais não sabem o que fazer. Será preciso esperar? Já é tarde
demais? Mais abaixo, os países do Terceiro Mundo e os ecologistas
metem sua colher e falam de tratados internacionais, direito das
gerações futuras, direito ao desenvolvimento e moratórias. (...) As
proporções, as questões, as durações, os atores não são
comparáveis e, no entanto, estão todos envolvidos na mesma
história. (LATOUR, 1994, p. 7).
Ao refletir se a mudança climática é um objeto híbrido (um “monstro”) ou
não, deve-se observar se este está em vias de construção na rede ou já estabilizado,
transformado em verdade. Neste sentido, o presente artigo ancorado na Teoria AtorRede (TAR), de Bruno Latour, busca refletir sobre as construções efetuadas por um
coletivo de humanos e não-humanos em relação a mudança climática, dentro de uma
rede composta de inúmeros enredos, dentro e fora do laboratório.
O exemplo que se segue é uma tentativa ilustrativa de pensar a rede de
modo aberta e heterogênea, ancorada na simetria e na simultaneidade da natureza e
da cultura.
Comecemos pelos objetos que são recolhidos para a identificação, que
são, desde porções de água retiradas de diferentes partes dos oceanos, a gases da
alta troposfera e estratosfera, anéis de tronco de árvores, amostras de gelo de
distintas profundidades, dentre muitos outros. Passemos a identificação destes objetos
recolhidos, classificação por meio de métodos e instrumentos elaborados para a
extração destes objetos; em seguida, aos técnicos que operam estas ações e as
instruções que lhes foram dirigidas por cientistas para a coleta e análise dos materiais;
consequentemente os cientistas destas especialidades (ciências) e os processos de
seleção destes; os livros, universidades, professores e comunidade acadêmica que
criaram a ideia de como se fazer pesquisa; os financiadores públicos e privados
destas pesquisas; os economistas que remodelam a perspectiva da infinitude dos
recursos naturais, próprio de um modo moderno capitalista à ideia de algo sustentável,
remediável, sem alteração do sistema; os políticos que realizam e remodelam suas
ações com o discurso de mitigar ou de criar adaptação aos que sofrem com os
4
eventos climáticos; os humanos e não-humanos que padecem com a intensidade e
frequência dos fenômenos advindos da mudança climática (corais e populações
ribeirinhas); os ecologistas e ambientalistas que querem preservar o habitat para as
gerações futuras; os partidos políticos que aderem aos valores verdes; as redes de
telecomunicação que divulgam a ideia de sustentabilidade como algo bom para o
coletivo; as remodelações de signos e significados em torno da temática, promovidas
por diversas instituições; a criação de crenças pautadas na exaltação da natureza em
decorrência de ações destruidoras provocadas pelo homem; a culpabilização dos
indivíduos, e, assim infinitamente.
Logo, decorrente do pragmatismo que permeia as pesquisas acadêmicas,
o presente artigo, faz um recorte analítico desta heterógena rede que envolve o objeto,
que neste caso são os resultados de estudos científicos que buscam a comprovação
da existência ou não da mudança climática, decorrente ou intensificada por ações
antropogênicas. Contudo, cabe expor que não será possível no atual momento
descrever simetricamente todos os atores envolvidos, em termos latourianos. A
intenção é apresentar os argumentos de alguns cientistas em ação, aqueles que estão
em prática, realizando ações (atividades) científicas, com o objetivo de criar suas
caixas pretas em torno da temática controversa, principalmente no Brasil.
A fim de, procurar as diferenças científicas na rede sócio-técnica, não há
possibilidade de tematizar a mudança climática sem realizar menção ao Painel
Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) criado no ano de 1988 por
duas agências da Organização das Nações Unidas (ONU), o Programa para o Meio
Ambiente (PNUMA) e a Organização Meteorológica Mundial (OMM), cuja função é a
de apresentar ao mundo informações científicas sobre estado atual da mudança
climática (ou seja, de acordo com os formuladores deste Painel a mudança climática é
uma caixa preta, uma verdade sobre a qual se fundamenta outras ações) e seus
potenciais impactos ambientais e socioeconômicos. (IPCC, 2014; TILIO NETO, 2009).
De acordo com o site oficial do Painel, este é aberto a todos os países
membros da ONU e da OMM, composto no atual momento por cerca de 2500
cientistas de 195 países, ou seja, aqueles que estão de acordo com a política
realizada pela instituição tem o direito de apresentar uma Verdade Científica aos
formuladores de política do mundo. Logo, em termos latourianos (2000, 2001) não é a
ciência que se universaliza, mas a rede que se estende a grandes proporções para
5
estabilizar seus enunciados, sem referência àqueles que o produziram, assim como ao
processo de sua produção, semelhante ao jogo de rugby.
Para ter uma ideia do trabalho de alguém que queira estabelecer um
fato, é preciso imaginar a cadeia de milhares de pessoas necessárias
para transformar a primeira afirmação numa caixa-preta e o ponto em
que cada uma delas pode ou não, de maneira imprevisível, transmitir
a informação, modifica-la, alterá-la ou transformá-la em artefato.
(LATOUR, 2000, p. 171).
No Brasil, um dos “grandes” experts da temática ciência e clima é Carlos
Afonso Nobre, membro do IPCC, representante titular do Ministério da Ciência,
Tecnologia e Inovação (MCT), secretário executivo da Rede Brasileira de Pesquisas e
Mudanças Climáticas Globais (Rede Clima), coordenador executivo do programa
FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa de São Paulo) de Pesquisa em Mudanças
Climáticas Globais, presidente do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas (PBMC).
(FAPESP, 2013; PBMC, 2013). Portanto, um porta-voz que traduz outros atores
(humanos e não humanos) em uma única vontade, pois não existe razão sem
negociação, e, é desta prática política que advém o poder da Ciência, no sentido de
parecer, mas não ser, apolítica (neutra), mera representante da natureza. (LATOUR,
2000).
Francisco
Mendonça,
doutor
em
Geografia,
professor
titular
do
Departamento de Geografia e Coordenador do Curso de Doutorado Interdisciplinar em
Meio Ambiente e Desenvolvimento da Universidade Federal do Paraná (UFPR), no
artigo Aquecimento global e saúde: uma perspectiva geográfica – notas introdutórias,
de 2005, retorna às ideias de escala temporal propostas por Nieuwolt e McGregor4
para apresentar as escalas temporais de medição da mudança climática, uma de
longa duração, superior a 20 000 anos e outra de curta duração, de 100 a 20 000
anos. Nesta medição inclui-se também a variabilidade climática, que é a medida de
década a década e de ano a ano. Em decorrência desta medição, os cientistas que a
usam, afirmam que a origem da mudança climática pode estar relacionada a causas
externas, fatores internos e às atividades humanas.
As causas externas da mudança climática podem estar relacionadas a
mudanças na órbita do planeta (variação de radiação). Já os fatores internos podem
estar relacionados a mudanças na circulação oceânica (temperatura, salinidade e
movimento das correntes marinhas), na composição de gases (principalmente CO2,
4
MCGREGOR, G. R. NIEUWOLT, S. Tropical climatology – an introduction to the climates of
the low latitudes. 2. ed. Chichester/England: John Wiley and Sons, 1998.
6
CH4 e O3) na atmosfera, assim como, nas camadas geográficas (movimento de
placas tectônicas, isostasia continentes-oceanos, atividade vulcânica etc.).Dentre os
fatores internos, pode haver os relacionados a atividades humanas, como a queima de
combustíveis fósseis, lançamento de gases de efeito estufa, desmatamento e
modificação climática em escala regional e global, relacionado ao modelo industrial
econômico vigente, cuja medição ancora-se na escala temporal curta, a de 100 a 20
000 anos.
A suposição científica de que, alguns fatores internos, podem estar
relacionados a ações antropogênicas sugere que os malefícios climáticos existentes
podem ser decorrentes do modelo de industrialização atual, cujo fundamento pauta-se
na cegueira dos grandes interesses industriais, pervertidos pela busca do ganho, e
insensíveis à grande compreensão do mundo tal como as outras culturas nos
mostram, escolhendo sempre a solução mais dispendiosa e mais devastadora
(LATOUR, 1994, p. 105 apud GUATTARI, 1989), ou seja, baseia-se na pressuposição
de que é possível conhecer as consequências, antes de ter conhecimento das causas.
(LATOUR, 1994).
De modo distinto da Ciência acabada (aquela com C maiúsculo) com suas
caixas pretas, ou seja, com suas discussões encerradas, portanto, tomadas como
indubitáveis, como por exemplo, a dupla hélice do DNA ou o buraco na camada de
ozônio, os fatores internos e externos que influenciam a mudança climática fazem
parte da ciência em construção (ou pesquisa), na qual os diversos atores por meio de
traduções (invenção de um elo que antes não existia e que de algum modo muda os
elementos imbrincados) buscam criar pontos de estabilização por meio de práticas
científicas, conjugação de interesses e uma grande mobilização de aliados humanos e
não-humanos.
Tilio Neto, cientista político, pesquisador do Núcleo de Pesquisa sobre o
Pacífico e a Amazônia (NPPA), do Programa San Tiago Dantas, membro do Grupo de
Pesquisa Geografia Política e Meio Ambiente (GEOPO) do Laboratório de Geografia
Política da Universidade de São Paulo, afirma em seu livro Ecopolítica das Mudanças
Climáticas: o IPCC e o Ecologismo dos Pobres de 2009, que os relatórios emitidos
pelo IPCC constatam que os padrões de evaporação e precipitação foram afetados
pelo aquecimento global. As precipitações elevaram-se por todo o globo; secas mais
longas e intensas ocorreram em distintas áreas desde 1970, principalmente nas
regiões tropicais e subtropicais. As circulações atmosférica e oceânica foram
7
igualmente afetadas: no Atlântico Norte, a ocorrência de ciclones tropicais aumentou
em 80% entre os anos de 1970 a 2005. No caso das temperaturas nos últimos
cinquenta anos, dias frios e geadas se tornaram menos frequentes, enquanto dias
quentes e ondas de calor se tornaram mais comum.
Diante disto, pode-se observar que não é a experiência em si que constitui
o problema, mas o seu caráter local, particular, fracionário, que neste específico caso
é emitido pelos cientistas do Painel e legitimado por políticos que compõem a ONU,
como chefes de Estado.
De acordo com os prognósticos do IPCC em relação ao aquecimento
global e seus possíveis efeitos para as próximas duas décadas, a temperatura
aumentará 0,2°C, mesmo que a concentração de gases de efeito estufa permaneça
igual aos níveis do ano 2000. (TILIO NETO, 2009, p. 97). Neste ponto, poderíamos
nos perguntar, como a ciência moderna que pressupõe comprovação empírica e
experimentação, principalmente nas áreas denominadas hard (ciências naturais e
exatas) podem concordar e legitimar um prognóstico para o futuro, um futuro quem
nem existe e que pode não vir a existir?
O respaldo a esta questão ancora-se na possibilidade de observar
cenários futuros criados por computadores hipercomplexos nos centros de pesquisa
do IPCC, por meio de um banco de dados que contém de modo universal as
classificações de acordo com as especialidades. Um dos cenários criados demonstra
que em 2100 o forçamento radiativo (que impele a mudanças no clima) mesmo que
esteja estabilizado, fará com que o mundo esquente mais 0,5°C até 2200, e a
expansão térmica continuará elevar o nível dos mares por séculos (pelo menos entre
30 a 80 cm até 2300. As emissões humanas de CO2, passadas e futuras, continuarão
a aquecer o planeta e a elevar o nível dos mares por mais de um milênio, dado o
tempo necessário para a remoção desse gás na atmosfera. (TILIO NETO, 2009).
Esta rede sócio-técnica que envolve os laboratórios, os instrumentos de
medição, os atores humanos e não-humanos, assim como o seu entorno cria cenários
catastróficos, como a diminuição do gelo marinho no Ártico e na Antártida, redução
dos Alpes suíços em um quarto por volta de 2050, ondas de calor, precipitações
elevadas, secas, enchentes, ciclones tropicais, chuvas fortes, acidificação dos
oceanos, extinção de corais e de espécies marinhas, extinção de espécies animais e
vegetais, elevação da produtividade agrícola em áreas de altas latitudes e diminuição
8
de produção em áreas de baixa latitude, salinização de reservatórios de água doce,
dentre outros. (TILIO NETO, 2009, p. 98).
No sentido moderno, de cisão entre natureza/cultura as alterações
“naturais”/biológicas podem modificar de modo catastrófico a política dos homens
(cultura). Segundo Leggett em seu livro Aquecimento global – o relatório do
Greenpeace, de 1992, haverá uma expansão volumétrica das águas dos oceanos,
devido a elevação da temperatura do mar entre 1,4°C a 5,8°C, entre 1990 a 2100,
associada ao degelo parcial das geleiras e calotas polares que resultará na elevação
do nível dos mares de 0,4 a 1,5m; isso implicará a realocação de uma grande parcela
de pessoas que residem atualmente nas regiões costeiras. Assim como a escassez de
alimentos e de água, o que pode gerar um aumento no número de deslocamentos
humanos, migrações forçadas e conflitos entre povos e nações. (MENDONÇA, 2003).
Fica clarividente em termos latourianos (2000) que todos os atores
(actantes - em sentido relacional – humanos e não-humanos) envolvidos na rede
fazem algo com a caixa-preta, não a transmitem de modo puro, mas acrescentam
elementos seus ao modificarem o argumento, fortalecendo-os e incorporando-os à
novos contextos. E é neste sentido que pode-se observar outras afirmativas científicas
sobre a mudança climática. Os pesquisadores envolvidos nestas argumentações
afirmam que há uma farsa do aquecimento global, e, por conseguinte, não há
comprovação que demonstre a existência da relação entre a ação humana e a
mudança climática. Para esses cientistas, não há evidências factuais que permitam
atribuir às atividades humanas, principalmente o uso de combustíveis fósseis,
quaisquer elevações anormais de temperaturas, aumento do nível do mar, retração
das geleiras e outras alterações climáticas significativas.
Dentre estes cientistas pode-se citar Fred Singer, Dennis Avery, Patrick
Michaels, Bjorn Lomborg, Christopher Booker e Richard North, os quais fundamentam
suas argumentações de modo distinto dos cientistas do Painel, mas possuem uma
indagação comum, a construção do consenso científico do IPCC e a indústria que
cresceu em torno deste consenso. (GIDDENS, 2010.)
Geraldo Lino, geólogo brasileiro, em seu artigo “Alguns fatos básicos sobre
mudanças climáticas”, publicado em 2010, na revista OIKOS, afirma que os
prognósticos divulgados pelos pesquisadores do IPCC servem de respaldo para a
adoção de uma agenda global de “descarbonização” da economia mundial, desviando
9
as atenções das verdadeiras emergências globais, como os problemas de
infraestrutura básica, saneamento, energia moderna e outros requisitos de uma
“sociedade civilizada”.
Nesse sentido, Lino (2010), assim como Luiz Moulion (2011) argumentam
que há distorções na apresentação dos relatórios a opinião pública mundial, a
começar pela descaracterização de princípios básicos da atividade científica. O autor
afirma que o denominado “consenso” apresentado pelos cientistas do Painel não tem
sentido quando relacionado à ciência, por não se fundamentar em prevalências
numéricas, mas em um compromisso permanente com a redução das imperfeições do
conhecimento e dos fenômenos universais, pois uma única descoberta divergente, na
história das ciências, é motivo suficiente para obrigar a uma reavaliação dos fatos
científicos.
Lino (2010) critica o uso do adjetivo cético para os cientistas que não
consideram a responsabilidade humana como o fator preponderante na origem da
mudança climática; o autor defende que “o ceticismo organizado e vigilante, bem como
uma abertura as novas ideias, são essenciais para se precaver contra a intrusão de
dogmas ou tendências coletivas nos resultados científicos”.
Para alguns pesquisadores, adjetivados “céticos” pelos cientistas do
Painel, dentre eles Lino (2010), a mudança climática é observada como um estado
natural do clima ao longo de toda a história geológica da Terra. Nos últimos 2,5
milhões de anos, no período Quaternário, surgiu o Homo, ao qual pertence toda a
nossa espécie. Esse período é caracterizado por rápidas e drásticas variações
climáticas, com períodos glaciais prevalecentes em 90% dele e períodos interglaciais
mais quentes. Toda a civilização conhecida existe dentro do período interglacial
denominado Holoceno, cujo início se deu há cerca de 12.000 anos e é o menos
quente de todos os últimos períodos interglaciais.
Lino argumenta que (2010, p. 179):
As transições entre períodos glaciais têm sido relativamente rápidas,
até mesmo na escala humana. A passagem para condições glaciais
pode levar algumas poucas centenas de anos, mas já ocorreu em
menos de um século. As transições glacial-interglacial costumam ser
mais rápidas, como ocorreu com o advento do Holoceno, quando as
temperaturas subiram 6-8°C em menos de 100 anos, sendo que
metade deste aquecimento (3-4°C) pode ter ocorrido em apenas duas
décadas. Em latitudes mais altas, já registraram elevações de 1015°C em menos de oito décadas. Essas taxas de variação são muito
10
maiores que a irrisória elevação de 0,8°C observada entre meados do
século XIX e o final do século XX.
A elevação do nível do mar desde o auge da última glaciação registrou um
aumento de 120m, no período entre 18.000 a 6.000 anos atrás, o que representa uma
taxa de elevação da ordem de 1 metro por século – muito maior que os cerca de 0,2m
registrados desde 1870.
Para os “céticos”, as variações observadas desde meados do século XIX
encontram-se dentro das faixas de variações naturais da dinâmica climática da Terra,
ou seja, não há evidência concreta da interferência da ação humana no clima em
escala global. Lino (2010) baseia-se em Marcel Leroux, no livro “Global Warming: the
erring ways of Climatology”, de 2005, para expor que a hipótese, de que o
aquecimento global esta relacionado aos gases de efeito estufa, nunca foi
demonstrada, pois não existe prova tangível.
De acordo com essa articulação teórica, o CO2 atmosférico é o “gás da
vida”, pois dele depende toda a fotossíntese das plantas, que formam a base das
cadeias alimentares da biosfera. As concentrações de CO2 superiores às atuais são
benéficas para a vegetação, assim como para o restante da biosfera, inclusive para a
vida humana. O Quaternário é um dos períodos de menor concentração de CO2
registrado na história geológica da Terra, somente na transição do CarboníferoPermiano, há cerca de 300 milhões de anos, houve tão pouco CO2 na atmosfera
como no Quaternário.
Outra premissa errônea, segundo Lino (2010), é que o aumento das
concentrações de CO2 acarretaria na elevação da temperatura, pois em toda história
geológica da Terra as curvas que representam a temperatura e as concentrações de
CO2 não mostram uma correlação em si; as temperaturas têm mudado antes do CO2.
Portanto,
Quando a atmosfera e os oceanos se aquecem, estes liberam CO2 (a
solubilidade do gás na água do mar é inversamente proporcional às
temperaturas), o que estimula o crescimento da vegetação terrestre;
a vegetação absorve o CO2 e incorpora o carbono em raízes e
troncos maiores e mais carbono é sequestrado nos solos. O intervalo
se deve ao prazo necessário para a liberação do CO2 dissolvido nos
oceanos (LINO, 2010, p. 181).
11
De acordo com o Lino (2010), os modelos de circulação geral (MGC)
elaborados por supercomputadores em nada representa o mundo real, pois estão
longe de simular adequadamente a dinâmica climática, haja vista que, o clima é um
sistema complexo, caótico e não linear, portanto, não pode de ser reduzido com
precisão a sistemas de equações.
De forma simplificada, um MCG típico divide a atmosfera em “caixas”
de centenas ou alguns milhares de quilômetros de comprimento,
algumas centenas de quilômetros de largura e algumas dezenas de
quilômetros de altura, e tenta quantificar e simular a evolução de
energia e os seus reflexos nos parâmetros climáticos, dentro das
“caixas” e entre elas. Como cada “caixa” abarca vários graus de
latitude e longitude e uma multiplicidade de ambientes físicos e
biológicos (tipo de superfície, relevo, cobertura vegetal etc.), pode-se
imaginar a complexidade do processo, que não pode proporcionar
senão uma aproximação grosseira do mundo real. Não por acaso, as
discrepâncias entre os modelos e as observações costumam ser
consideráveis, mesmo quando eles são rodados “para trás”, para
tentar explicar o comportamento do clima. Nenhum deles, por
exemplo, antecipou que o ciclo de aquecimento iniciado por volta de
1975 se encerraria em 1998 e que, desde então, as temperaturas se
estabilizaram e começariam a diminuir, como vem ocorrendo. (LINO,
2010, p. 182).
Em sistemas complexos como o do clima, sensível a variações mínimas de
fatores
causais,
a
parametrização
(congruência
homogênea,
feita
pelos
pesquisadores) é uma fonte pouco confiável, pois a mudança nos resultados das
variações de temperatura no início do século XXI, de 1,5 - 5,8°C, em 2001 e 1,1 6,4°C, em 2007, seria um exemplo disto. Os modelos climáticos constituem
ferramentas úteis para pesquisas teóricas, mas não podem servir de dados para a
formulação de políticas (LINO, 2010).
Segundo
Lino
(2010),
o
“aquecimentismo”,
desenvolvido
pelos
pesquisadores do IPCC, surgiu com o movimento ambientalista internacional, iniciado
nas décadas de 1950-1960 no século XX, principalmente nos países angloamericanos. O “aquecimentismo” se converteu em uma indústria que movimenta
valores da ordem das centenas de bilhões de dólares por ano, envolvendo verbas
públicas e privadas para pesquisas científicas e tecnológicas, incentivos fiscais para
tecnologias de “baixo carbono”, campanhas de ONGs e propagandísticas, lobbies
parlamentares e o florescente mercado de créditos de carbono, que movimentou 130
bilhões de dólares em 2009 e possui a estimativa de chegar a dois trilhões de dólares
em 2014, convertendo-se no maior mercado de commodities do mundo.
12
Logo, ao observar as argumentações científicas dos cientistas do Painel e
dos “céticos”, sem levar em conta as inúmeras subdivisões existentes dentro desta
repartição, unicamente apresentada para exemplificar a diferença de argumentação,
constata-se que os fatos científicos são construídos, mas não podem ser reduzidos ao
social, pois é povoado por objetos mobilizados para construí-lo. (LATOUR, 1998).
Neste sentido, o terreno das controvérsias sobre o perigo potencial da mudança
climática possui como primeira controvérsia científica a argumentação de que a
mudança climática é decorrente ou intensificada por fatores antropogênicos,
relacionados principalmente ao modelo industrial existente nos últimos três séculos e a
segunda controvérsia sugere que a relação existente entre ações antropogênicas e a
mudança climática não é algo constatado cientificamente, pois o período de medição
ancora-se na escala temporal de curta duração e que os índices de CO2 são baixos se
comparados aos períodos longos.
O problema da moderna divisão natureza/cultura e o Parlamento da Coisas
Por mais distintos que sejam os posicionamentos dos cientistas do clima,
ao longo das últimas duas décadas (1990/2000) pode-se observar que, como qualquer
linha teórica nas Ciências Modernas, cada grupo com seus subgrupos, se diferenciam
em método e resultado; o que Latour (2004) acredita ser equívoco, pois é necessário
repolitizar a ciência, a fim de, acabar com a cisão ciência e política, visto que, a
separação pressupõe uma Ciência pura e perfeita, apartada do mundo humano.
De acordo com a Teoria Ator-Rede, cujas principais noções são as de
simetria, tradução, ator e rede, devemos pensar e tratar a realidade ao invés de
interpretá-la a partir de grandes divisões (natureza/cultura) levando em conta a
hibridização, pois esta revela as tramas que envolvem a ciência, a política, a
economia, o direito, a religião, a técnica e a ficção. (LATOUR, 1994). Neste sentido,
pensar a mudança climática como um objeto híbrido não significa que ela é apenas um
meio a ser investigado, mas devido o seu sentido relacional, evidência as distintas
tramas que a envolvem, independentemente de onde quer que estas nos levem.
O meio de transporte que liga uma trama a outra é a noção de tradução ou
rede, que significa modificar objetivos, desejos, atores. É o modo pelo qual, os atores
humanos (agenciadores) e não-humanos (agenciados) realizam traduções, ou seja,
transladam concepções distintas de interesses e canalizam atores para diferentes
direções. (LATOUR, 1994, 1998, 2004). Neste sentido, objetos são amostras,
13
agregados, cujo sentido, função e influência só podem ser compreendidos se
reconstruir seus limites, isto é, a rede pela qual estes se constituem enquanto
elemento. Portanto, é necessário investigar o modo como os atores traçam os limites e
as divisões e a maneira pela qual eles são constrangidos a renegociá-los.
Neste sentido, ao observar a rede que envolve a mudança climática,
constata-se que o trabalho dos cientistas influência os aspectos internos da
comunidade científica e os aspectos externos da sociedade a qual pertence (contexto),
logo, a natureza e a sociedade devem ser explicadas a partir de um quadro simétrico
ou explicativo comum, como argumenta Latour, no livro Políticas da natureza, de 2004
por meio da construção de uma Nova Constituição que leve em conta as
naturezas/culturas.
De acordo com Latour (1994, 2000, 2004) a separação tradicional
existente na Constituição Moderna, entre gestão da natureza (cientistas) e gestão da
sociedade
(políticos)
é
incapaz
de
apresentar
suportes
aos
fenômenos
contemporâneos, como o buraco na camada de ozônio, as células troncos, as plantas
geneticamente modificadas, as ovelhas clonadas e a mudança climática, pois a
tentativa moderna de purificação dos domínios da natureza e da cultura fracassou e
isto pode ser ilustrado com o aumento significativo dos híbridos, que não são nem
naturais nem sociais.
A crise ecológica proíbe a pretensão de sermos modernos e o projeto para
a Nova Constituição traz em seu âmago a tentativa de igualizar todas as
naturezas/culturas, distintamente da crença social moderna que acredita que a
natureza é seu ambiente, no sentido de complementar, e que por este único aspecto
ela se difere de todas as outras culturas, a ponto de não ser ela mesma uma cultura.
(LATOUR, 1998). E caso optemos por pelo qualitativo de não sermos modernos,
perdemos igualmente o recurso da crítica, primordialmente a crítica dos ecologistas
políticos, de denúncia do mundo moderno (às técnicas, indústria, consumo) em nome
de um modo mais orgânico, mas respeitoso de gerir os ecossistemas, pois somos
incapazes de saber se o meio ambiente irá se quebrar com a menor queda, ou se,
pelo contrário, é suficientemente forte para assimilar todos os golpes.
O meio ambiente é um evento histórico recente, que nós construímos,
como todo evento, testando-o. No século XVII a natureza era mecânica, unificada pela
universalidade das leis que a regiam e pela amplitude do trabalho humano de
14
conquista que se abria diante dos impérios. A está ciência, muitas ciências foram
acrescidas, as quais postularam novos atores e novas relações, para que a natureza
se tornasse, para alguns, a única biosfera. Devido a isto, hoje, a debilidade faz parte
do debate público, que permanece a-histórico, ou seja, não consegue perceber que os
fatos relacionados ao clima não existiram desde sempre e não foram moldados por um
único ator. (LATOUR, 1998).
Aqueles que tomasse os números anuais sobre o desaparecimento
do ozônio atmosférico sem considerar os cientistas que o afirmam, o
instrumento que permite sua medição, a calibração do instrumento
que o certifica, a profissão que assegura a credibilidade de seu autor,
as instituições científicas que ponderam suas opiniões, estaria com
isso impedindo-se de compreender seja o movimento dos fatos seja o
das sociedades (LATOUR, 1998, p.116- 117).
De acordo com a perspectiva latouriana (1998), os fatos científicos são
construções coletivas, postas por meio de alianças entre atores humanos e nãohumanos em uma complexa rede, na qual há muito tempo deixou de existir uma
representação pura destes. Neste sentido, as baleias ameaçadas, o Reno poluído, as
florestas sacrificadas, o ozônio atacado, o Yellowstone destruído não falam
diretamente no coletivo (naturezas/culturas), mas indiretamente (ministérios). Os
coletivos percebem que é necessário, portanto, mudar a natureza da sociedade, da
política, da moral, do direito, a fim de, efetuar esse retorno de todos os exteriores no
interior, pois hoje a cadeia de interesses vincula todos, desde o ozônio da alta
atmosfera, a química, os químicos do ozônio, as grandes companhias de CFC, os
fabricantes de geladeiras e os chefes de Estado.
Esta multiplicação intensa e não regulada dos híbridos decorrentes das
pesquisas científicas de modo geral, e de maneira restrita das pesquisas
biotecnológicas, faz com que haja, uma incerteza generalizada, posta principalmente
pelas crises ecológicas e pelas crises epistemológicas. Neste sentido, Latour (2004)
propõe uma reestruturação radical, fundamentada na inserção dos novos híbridos na
instituição democrática, por meio de uma Constituição não moderna, cuja democracia
é estendida aos não-humanos (Parlamento das coisas), pois parafraseando Serres
(1990), a antiga Constituição neutraliza a democracia, e, por conseguinte, interrompe o
debate público.
Para o Parlamento das coisas (República) ser definido precisa-se duvidar
da dupla representação, dos cientistas e dos políticos. Neste Parlamento não há mais
verdades nuas ou cidadãos nus. Os mediadores dispõe de todo o espaço. As
15
naturezas estão presentes, mas com seus representantes, os cientistas que falam em
seu nome (experts). As sociedades também encontram-se no recinto, mas com os
objetos (humanos e não-humanos) que as sustentam desde sempre. A importância
não esta no assunto que se aborde, mas que todos falem sobre o quase-objeto que
criaram
juntos,
este
objeto-discurso-natureza-sociedade
cujas
características
assustam a todos e cuja rede se estende da geladeira à Antártida, passando pela
química, pelo direito, pelo Estado, pela economia e pelos satélites. Do imbróglio as
redes que não possuíam lugar, mas que devem possuir agora todo o espaço, pois são
eles que precisam ser representados. (LATOUR, 1994, p. 142).
Metade da nossa política é feita nas ciências e nas técnicas. A outra
metade da natureza se faz na sociedade. Se reunirmos as duas, a
política renasce. (...) Se não mudarmos o Parlamento, não seremos
capazes de absorver as outras culturas que não mais podemos
dominar, e seremos eternamente incapazes de acolher este meio
ambiente que não podemos mais controlar. Cabe a nós mudar
nossas formas de mudar. (LATOUR, 1994, p. 142-143).
A fim de resolver o duplo problema da representação5, Latour (2004)
sugere uma mesma assembleia composta de humanos e não-humanos, cuja
ocorrência se dá por uma série de divisões relacionadas as suas capacidades, na qual
a primeira ação deve ser a de redistribuir as palavras entre os distintos atores,
inserindo a dúvida em relação aos seus porta-vozes (experts); em seguida redistribuir
a capacidade de agir como ator social, e, por fim, definir os atores pela “realidade” e
pela “recalcitrância” (inflexibilidade).
No lugar da batalha entre ciência e política, que dividiam entre si domínios
da realidade ou de defesa contra a intromissão de um ao outro, Latour (1998, p. 153161) propõe o trabalho conjunto na articulação de um mesmo coletivo, definindo uma
lista em sentido crescente de associações (preposições) entre atores humanos e nãohumanos.
O abandono da Ciência em detrimento das ciências, concebidas como
socialização dos não-humanos e o abandono da política da Caverna pela política
pautada na composição progressiva do bom mundo comum é proposto por Latour
(2004) ou seja, o melhor dos mundos.
5
Em termos epistemológicos, de como obter uma representação precisa da realidade exterior,
e em termos pautados na Filosofia Política em relação ao modo de um mandatário representar
de modo fiel os que lhe delegaram poder (LATOUR, 2004, p. 143-144).
16
Considerações Parciais
Diante da dupla falência exposta por Latour (1994) – dominação total da
natureza e emancipação do homem pelo homem -, os modernos, que separam de
modo puro a natureza e a cultura, passam a questionar, se um dia foram modernos, e
esta interrogação marca o crescente surgimento de objetos híbridos, que não são nem
sociais, nem naturais, e, na maioria das vezes, são decorrentes de pesquisas
científicas e biotecnológicas.
A reflexão, se um dia fomos modernos, modifica o passado, e, por
conseguinte, muda o futuro e o presente, pois se não somos mais modernos, devemos
questionar a divisão existente entre gestão da natureza, realizada pelos cientistas e a
gestão da sociedade, realizada pelos políticos, pois esta divisão implica a existência
de uma Ciência pura (laboratorial) apartada da realidade social e uma sociedade
isenta de fatos científicos.
De acordo com Latour (1997b) a TAR não pode ser denominada como
uma teoria do social, do sujeito ou da natureza, pois o que deve estar em evidência é
a produção das diferenças e não um quadro de referência, no qual se inserem os fatos
e suas conexões, mas a possibilidade de seguir a produção das diferenças. Logo, a
TAR é um método para observar a construção e a fabricação de fatos. Neste sentido,
a categoria ator pode ser compreendido como tudo o que produz efeito (humanos e
não-humanos – actantes) na rede, entendida como uma série composta de distintos
elementos conectados, agenciados (semelhante à ideia de rizoma defendida por
Guattari e Deleuze), sem ponto fixo, aberta, cujo elemento constitutivo é o nó, que
evidencia as trans-formações.
Em decorrência desta teoria, o fato científico é compreendido como uma
construção coletiva realizada por meio de alianças, dispositivos, agenciamentos e
interesses contraditórios entre os atores, que buscam estabilizar seus fatos com a
intenção de torná-los inegáveis pela comunidade científica (caixas-pretas). Contudo,
cabe lembrar que, os fatos não são levados em conta no momento da publicação de
artigos ou relatórios finais, como por exemplo, os relatórios emitidos pelos cientistas
que compõem o Painel ou pelos cientistas contrários aos resultados emitidos pelo
IPCC.
17
O presente artigo, pautado na Teoria Ator-Rede buscou tematizar a
mudança climática como um objeto híbrido, ou seja, que comporta em si,
naturezas/culturas, portanto, nem totalmente social, nem totalmente natural, produzido
coletivamente, por meio de alianças entre atores humanos e não-humanos, dentre
eles, instrumentos, escalas de medição, computadores, bancos de dados, políticos,
economistas, jornalistas, cientistas, técnicos, relatórios e muitos outros. Em seguida
buscou evidenciar a produção das diferenças relacionadas a mudança climática, ora
tendo sua origem associada a fatores antropogênicos, ora relacionada a fatores
“naturais” (dinâmica externa e interna do planeta), assim como a rede dentro e fora
dos laboratórios que dá sustentação e tenta modifica-la.
Consequente de um número cada vez maior de híbridos, dentre eles a
mudança climática, Latour (2004) propõe o Parlamentos das coisas (República),
composto de humanos e não-humanos, de modo distinto, da moderna concepção de
gestão da natureza e de política, cuja principal característica é a mediação.
Obviamente que as formulações teóricas de Bruno Latour possuem
críticas. Uma delas é que há pontos de mutação conceitual, expressos principalmente
nas obras Jamais Fomos Modernos (1994) e Políticas da Natureza: como fazer ciência
na democracia (2004), mas o autor é inovador dentro das teorias epistemológicas,
filosóficas e sociológicas da ciência, no sentido que traz para dentro de suas análises
o modo simétrico de considerar humanos e não-humanos na rede.
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