UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSO” PROJETO VEZ DO MESTRE TRANSTORNO BIPOLAR E FAMÍLIA Autora: Eliane da Silva Nalin de Souza Orientador: Prof. Henrique Pereira Niterói - RJ Julho/2004 2 UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSO” PROJETO VEZ DO MESTRE TRANSTORNO BIPOLAR E FAMÍLIA Apresentação de monografia à Universidade Cândido Mendes como condição prévia para a conclusão do Curso de Pós-graduação “Lato Sensu” em Terapia de Família Autora: Eliane da Silva Nalin de Souza 3 AGRADECIMENTOS A Deus. A meu orientador Henrique Pereira, meus professores e colegas de graduação e pós-graduação que me estimularam no exercício da pesquisa. As minhas filhas e a minha amiga Sônia pelo incentivo aos estudos. E a todos que direta ou indiretamente contribuíram para esta realização. 4 DEDICATÓRIA Dedico a minha mãe, meus filhos e meu marido. 5 RESUMO O Transtorno do Humor Bipolar (antigamente denominado de Psicose Maníaco Depressiva) é um transtorno mental que se insere nas classificações psiquiátricas como um transtorno de humor. Caracteriza-se por apresentar ciclos recorrentes de manias (euforia), de depressão ou mistos (episódios nos quais há mistura de mania e depressão). Estes ciclos podem ocorrer em variados graus de apresentação, intensidade e duração ao longo da vida. Existem quatro tipos de Transtorno do Humor Bipolar: Bipolar Tipo I, Bipolar Tipo II, Estado Misto e Ciclotimia. Pesquisas mais recentes têm apontado várias causas para o Transtorno do Humor Bipolar. Entretanto, sabe-se que existe um papel primordial da transmissão genética para o desenvolvimento deste transtorno. Assim, é bastante comum ocorrerem vários casos na mesma família. Estes casos podem variar desde formas graves de apresentações, apresentações de comorbidade, histórias de suicídios ou de tentativas de suicídios na família, até apresentações ditas subsindromicas. Portanto, existe um substrato biológico nos portadores de Transtorno do Humor Bipolar que é fundamental. Sobre este substrato biológico podem ocorrer inúmeras outras causas como estressores vitais, psicológicos, sociais, entre outros. O Transtorno Bipolar é visto como um distúrbio que se espalha no seio familiar, com um poder desestruturante não apenas para o doente, como também para aqueles que o cercam mais intimamente. Enquanto um membro familiar padecer de bipolaridade, todos, de alguma forma, estarão implicados em seus efeitos. Quanto ao tratamento do transtorno bipolar, é necessário a combinação da farmacoterapia com intervenções psicoterapêuticas adequadamente conduzidas. Quando administrado isoladamente, o 6 tratamento farmacológico não apresenta resultados satisfatórios, comprovando a necessidade e os benefícios de intervenções do tipo psicossocial. A Psicoterapia vem em auxílio à família com o objetivo de melhor orientá-la na forma de lidar com o paciente Bipolar, como também em reestruturar-se diante dos conflitos. 7 METODOLOGIA Este trabalho apresenta o transtorno de humor bipolar ( psicopatologia caracterizada por uma composição de episódios maníacos e depressivos ) apontando suas especificidades, diferenças em relação a outros transtornos de humor e os tratamentos indicados – com enfoque à terapia familiar. A partir de dados coletados de livros e sites referentes ao assunto, serão investigadas algumas questões, são elas: · O que são transtornos de humor? · Quais são as causas possíveis do transtorno de humor bipolar? · Como o indivíduo que apresenta transtorno de humor bipolar afeta a família? · Como a Terapia Familiar pode ajudar no tratamento do transtorno de humor bipolar? 8 SUMÁRIO INTRODUÇÃO 9 CAPÍTULO I 11 O TRANSTORNO BIPOLAR 11 CAPÍTULO II 22 A INFLUÊNCIA DA FAMÍLIA NO COMPORTAMENTO DA PESSOA COM TRANSTORNO BIPOLAR 22 CAPÍTULO III 31 O TRATAMENTO DO TRANSTORNO BIPOLAR 31 CONCLUSÃO 38 BIBLIOGRAFIA 39 ÍNDICE 41 ANEXOS 43 9 INTRODUÇÃO Os sintomas de depressão e mania existem há séculos, e Hipócrates já havia descrito pacientes com melancolia, atribuindo-lhes causa biológica. Entretanto, somente a partir do século XIX ficou claro que depressão e mania representavam dois estágios de uma mesma doença, o transtorno bipolar. Apesar de o comportamento maníaco-depressivo ser conhecido há muitos anos, predomina ainda hoje, na nossa sociedade, uma visão preconceituosa em relação ao fenômeno do transtorno bipolar, acarretando na marginalização afetiva e social de um grande número de pessoas que necessitam de ajuda neste sentido. Acolher e cuidar das pessoas que adoecem mentalmente com gravidade, se torna um grande desafio para a nossa sociedade que não se encontra preparada para tal. O universo dos familiares de pacientes com transtorno bipolar é afetado. Carente de informação qualificada, perdida, isolada e desestruturada emocionalmente, a família não sabe como lidar com o transtorno, prejudicando assim seu relacionamento e de modo mais ou menos consciente se sente culpada, buscando no passado eventuais erros, explicações e sentidos para amenizar seu sofrimento. Essa percepção negativa acarreta danos a auto-estima e autoconfiança das pessoas envolvidas. Com isso, os familiares precisam de ajuda no sentido de ampliar a capacidade de resistir e crescer nessa situação tão adversa. É de grande importância enfrentar o desafio de tornar mais leve o peso das grandes frustrações e transformar a dor em matéria-prima de aprendizado, combustível para os processos de desenvolvimento. Conhecer melhor o diagnóstico, as causas e o tratamento permite aos pacientes a 10 oportunidade de restaurar sua própria vida, na família, com os amigos, no trabalho e nos estudos. 11 CAPÍTULO I TRANSTORNO BIPOLAR 12 1.1– Transtornos do Humor Transtornos do humor (ou afetivos) são enfermidades em que existe uma alteração do humor, da energia (ânimo) e do jeito de sentir, pensar e comportar-se. Acontecem como crises únicas ou cíclicas, oscilando ao longo da vida. Podem ser episódios de depressão ou de mania. Na fase da depressão, a pessoa sente tristeza exagerada e desânimo e, na mania, um aumento da energia e euforia patológica, Cassidy e cols. nos falam sobre isso: “A euforia, ou alegria patológica, assim como a elação ou expansão do eu constituem a base da síndrome maníaca. Além disso, é fundamental, e quase sempre presente, a aceleração de todas as funções psíquicas (taquipsiquismo), manifestando-se como agitação psicomotora, exaltação, logorréia e pensamento acelerado” (Dalgalarrondo, 2000: 194). A maioria dos pacientes que apresentam transtorno do humor sofre apenas de depressão(ões) e alguns também têm manias. O termo mania não significa “mania de fazer alguma coisa” ou algum tique – é simplesmente o nome dado para a fase de euforia do transtorno maníaco-depressiva. Às vezes, surgem sintomas depressivos e maníacos simultaneamente, os chamados estados mistos. Os sintomas de euforia e depressão podem variar de um paciente a outro e no mesmo paciente, ao longo do tempo, muitas vezes confundindo-o e seus familiares. 1.2– Subtipos dos Transtornos do Humor Os transtornos do humor podem ter freqüência, gravidade e duração variáveis. Podem acontecer ao longo da vida dentro de um curso unipolar ou 13 bipolar. No unipolar, só ocorrem depressões e, no bipolar, depressão e mania. A distinção entre as formas unipolares e bipolares da enfermidade maníaco-depressiva foi descrita pela primeira vez por Leonhard (1957) e validada por Angst (1966), Perris (1966) e Winokur y cols. (1969). De acordo com a 4ª Edição do Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais editado pela Associação Psiquiátrica Americana (DSM-IV) os Transtornos de Humor possuem dois grandes subtipos: Transtornos Depressivos (Depressão Unipolar) e Transtornos Bipolares (antigamente denominados por Kraepelin (1896) de Psicose Maníaco-depressiva). 1.3- Transtorno do Humor Bipolar É um transtorno no qual ocorrem alterações do humor, caracterizando-se por períodos de um quadro depressivo, que se alternam com períodos de quadros opostos, isto é, a pessoa se sente eufórica (mania). Tanto o período de depressão quanto da mania podem durar semanas, meses ou anos. A observação de que a grande maioria das pessoas que apresentavam episódios maníacos também desenvolviam episódios depressivos, levou à designação deste transtorno como loucura circular, ciclofrenia, e depois psicose maníaco-depressiva. Atualmente, ele é melhor classificado como transtorno bipolar, para salientar seu caráter de alternância entre dois pólos (maníaco ou hipomaníaco e depressivo). O episódio maníaco é a chave para o diagnóstico do transtorno bipolar. Pacientes que só têm manias são raros e contam como bipolares, porque costumam desenvolver depressão mais cedo ou mais tarde. Basta uma única fase de hipomania ou mania, precedida ou não de qualquer tipo de depressão para diagnosticar transtorno do humor bipolar. Se o episódio depressivo é visto em primeiro lugar, deve-se investigar se é doença bipolar usando-se os critérios das disponíveis (DSM-IV e CID-10). classificações psiquiátricas atualmente 14 1.3.1- Tipos de Transtorno Bipolar O DSM-IV aborda melhor a classificação dos transtornos bipolares, classificando-os em quatro categorias: · Transtorno Bipolar Tipo I – Períodos de mania (euforia) com humor elevado e expansivo, grave o suficiente para causar prejuízo nas relações sociais, podendo necessitar de hospitalização, contrapostos por períodos de humor deprimido, sentimentos de desvalia, desprazer, desmotivação, alterações do sono, apetite, entre outros. Geralmente, o estado maníaco dura dias ou pelo menos uma semana, e períodos de depressão de semanas à meses. · Transtorno Bipolar Tipo II – Períodos de hipomania, em que também ocorre estado de humor elevado e agressivo, mas de forma mais suave. Um episódio de tipo hipomania, ao contrário da mania, não chega a ser suficientemente grave para causar prejuízo em atividades de trabalho ou vida social. · Transtorno Bipolar Misto – Períodos mistos, em que no mesmo dia haveria alternâncias entre depressão e mania. Em poucas horas a pessoa pode chorar, ficar triste, com sentimentos de desvalia e desprazer e, no momento seguinte, estar eufórica, sentindo-se capaz de tudo, falante e agressiva. · Transtornos Ciclotímicos – Períodos em que haveria uma alteração crônica e flutuante do humor marcada por numerosos períodos com sintomas maníacos e numerosos sintomas depressivos que se alterariam. Contudo, não seriam suficientemente graves nem ocorreriam em quantidade suficiente para se ter certeza de se tratar de depressão e mania. Isto é, pode ser facilmente confundida com o jeito de ser da pessoa, “instável”, cheio de altos e baixos e freqüentemente antecede sintomas depressivos e eufóricos. 15 Se a depressão, a mania ou o estado misto estiverem acompanhados de alucinações (sentir, ver ou ouvir algo que não existe) ou delírios (pensar algo irreal, como achar-se culpado de coisas que não fez, que está sendo perseguido, que possui poderes especiais, etc.), trata-se do subtipo psicótico. 1.3.2- Causas do Transtorno Bipolar Desconhecem-se as causas exatas do transtorno bipolar, mas aparentemente, existem fatores determinantes. Atualmente, de acordo com o modelo de vulnerabilidade do estresse proposto por Zubin e Spring (1977), aceita-se a idéia de que as influências ambientais, genéticas e biológicas representam um papel fundamental no transtorno bipolar, sendo o fator genético o componente mais forte. Kraepelin percebeu que, em 80% de seus pacientes com psicose maníaco-depressiva, existia uma predisposição familiar para a enfermidade, e sua agregação familiar se comprovou cientificamente em estudos independentes de Angst (McNeil, 1987) e Perris (Jacobsen e Kinney,1980) em 1966. Existe uma interação complexa entre fatores ambientais e internos com graus variáveis de vulnerabilidade genética. Inúmeros estresses podem desencadear ou mesmo manter as primeiras crises. Dificuldades financeiras, doença na família, perda de uma pessoa importante, uso de drogas, de inibidores de apetite, parto, etc. podem desencadear a doença em pessoas predispostas. É muito comum a pessoa atribuir a acontecimentos importantes, a problemas financeiros, profissionais ou sócio-familiares as razões para entrar em depressão ou (hipo)mania. É mais comum ainda que ao menos parte desses problemas seja conseqüência dos sintomas iniciais da doença, que se agravam a partir daí. 16 1.4– Como acontece a depressão Pensando na influência da bioquímica sobre o estado afetivo das pessoas, a medicina começou a suspeitar ser muito provável a existência de substâncias químicas que atuam no metabolismo cerebral capazes de proporcionar o conhecimento estado dos depressivo. Isso neurotransmissores resultou, e atualmente, neuroreceptores, no muito relacionados à atividade cerebral. Alguns desses neurotransmissores, notadamente a serotonina, noradrenalina e dopamina, estão muito relacionados ao estado afetivo das pessoas. Assim sendo, hoje em dia é mais correto acreditar que o deprimido não é apenas uma pessoa triste. Aliás, alguns deprimidos nem tristes ficam. É mais acertado acreditar nos deprimidos como pessoas que apresentam um transtorno da afetividade, concomitante ou proporcionado por uma alteração nos neurotransmissores e neuroreceptores. Uma importante questão médica, relacionada ao tempo de tratamento para esses pacientes emocionalmente problemáticos, é saber se eles são deprimidos ou se estão deprimidos. Estar deprimido significa estar passando por uma fase depressiva, estar apresentando um episódio depressivo, normalmente único na vida e, freqüentemente, de natureza reativa, ou seja, em resposta a algum evento de vida: seja um excesso de estressores, alguma mudança importante na vida, doença orgânica, uso de medicamentos depressores, etc. Por outro lado, a pessoa pode ser deprimida. Neste caso, seria portadora de um Transtorno Afetivo do tipo Distimia ou de um Transtorno Depressivo Recorrente ou ainda Transtorno Bipolar. 1.4.1 – Sintomas da Depressão O individuo em geral fica quieto, distante e triste. Apresenta uma inibição das atividades e pode chegar até a inércia total, apresentando 17 inclusive lentidão psicomotora. A capacidade física fica comprometida, pois o indivíduo sente um cansaço constante. O humor é melancólico e a autoestima rebaixada. O indivíduo tem sentimentos de inferioridade. Em geral é uma pessoa pessimista e desesperançada. Há muito pouco interesse pelas coisas em geral, e o prazer pela realização dos objetivos de vida, que antes eram agradáveis, desaparece. Na medida em que o processo torna-se mais grave, o sujeito evita estabelecer laços afetivos de qualquer natureza. Seu interesse pelo ambiente e pelas pessoas de quem gostava diminui, o que contribui para um aumento do isolamento familiar e social. Em geral o indivíduo vê as coisas do passado com culpa, chamando para si a responsabilidade pelos erros e fracassos da sua vida e daqueles que o cercam. A culpa e a auto-recriminação, são constantes. Lamentos são freqüentes e a irritabilidade, mais forte, também acontece devido a uma diminuição da paciência. No dia a dia há sérias dificuldades para adormecer. Quando consegue dormir, entretanto, o indivíduo dorme mal e de forma agitada. Ao amanhecer, há uma inquietação que o impede de levantar-se, mas ele não consegue ficar na cama. Mas o oposto também pode ocorrer, ou seja, sono em demasia. Essa é uma forma de fugir da realidade. Há uma diminuição do apetite, com perda acentuada de peso ou, como no sono, ocorre o oposto, há um ganho excessivo de peso. Há também uma redução na imunidade, o que predispõe o indivíduo a doenças. Geralmente a depressão deixa a imunidade diminuída. A libido ou, desejo sexual, fica reduzida. O indivíduo afasta-se da companheira(o). Surge o pensamento ansioso, com idéias fixas e circulares que incomodam o indivíduo e agravam seu estado. Tais formas de pensamento, também incomodam aquelas pessoas que os cercam. 18 Em alguns casos, a depressão pode estar mascarada por uma doença física, que é conseqüência da própria depressão, como por exemplo, úlcera, infarto, gastrite, dores reumáticas e tantas outras doenças de ordem psicossomática. Alguns casos de depressão se caracterizam por dores vagas e difusas pelo corpo ou cabeça. Os exames laboratoriais apresentam resultados normais, o que pode despertar angústias persecutórias de que o paciente está padecendo de algum mal incurável. Juntamente com tudo isso, surge o pânico que agrava ainda mais o quadro. A ansiedade compromete a memória e causa ainda mais aflição, criando fantasias de doenças mentais degenerativas. A situação fica realmente grave quando o indivíduo entra naquele estado de apatia, onde não consegue sentir nem alegria, nem tristeza ("sensação da falta de sentimentos"). Durante a depressão, é comum a presença de ideação suicída. Tais idéias não se concretizam porque o indivíduo não sente que tem energia suficiente para efetivar seus intentos. Tais idéias podem surgir diretamente ou na forma de fantasias persistentes de acidentes ou doenças. Mas, na medida em que o quadro se agrava, pode acontecer que o paciente realmente venha a realizar o suicídio. 1.4.2 – Diferenças entre a Depressão e uma Tristeza Normal: Sentimentos de alegria, tristeza, “fossa”, angústia ou luto fazem parte da vida. O deprimido percebe a diferença entre uma tristeza normal, que já sentiu antes, e a tristeza da depressão, que significa sofrimento constante, que passa, mas retorna sem aviso prévio. A angústia reativa, devido a problemas situacionais, resolve-se com a solução das dificuldades. Quem tem uma depressão reativa consegue resolver os problemas e não os torna maiores do que são. Se estiver estressado ou muito cansado, vai aproveitar bem suas férias. O deprimido aumenta as suas dificuldades, tem uma sensação de incapacidade e não consegue mais solucionar seus problemas – ou vê 19 problemas onde não existem. Complica sua vida e torna-se muito sensível a tudo. Se sair de férias para descansar, leva a depressão junto. 1.5– Sintomas da Mania: O indivíduo que está na fase maníaca, geralmente, é uma pessoa agradável, disposto e excessivamente alegre. Junto a essa elevação do humor, observamos outros sintomas, como uma elevação exagerada da auto-estima, sentimentos de grandiosidade que podem chegar a uma manifestação delirante de grandeza, onde o individuo sente-se uma pessoa muito especial. Em muitas situações o indivíduo considera-se uma pessoa dotada de poderes e capacidades especiais. Não há limites a serem respeitados, ou barreiras que impeçam qualquer ação. Em geral, há uma perda da consciência a respeito de sua própria condição patológica, o que faz com que se tornem pessoas socialmente inconvenientes. Segundo Arateo (1856: 272): “Se a mania vem associada à alegria, o paciente rirá, jogará, dançará noite e dia e irá ao mercado coroado como o vencedor de uma grande guerra... As idéias dos pacientes são infinitas... crêem que são expertos em astronomia, filosofia e poesia.” Ao contrário da depressão, as atividades são aceleradas e até mesmo caóticas. Há uma evidente sensação de onipotência, que acaba por torná-los aborrecidos e, ao mesmo tempo, perigosos. Não conseguem considerar a opinião dos demais. Eles sabem tudo, se metem em tudo, sabem fazer qualquer coisa, resolvem todos os problemas e têm as melhores idéias. Não é fácil para um indivíduo, em estado maníaco, aceitar opiniões ou conselhos de quem quer que seja. Nessa fase, esse tipo de paciente fala ininterruptamente. Mas de forma semelhante ao que ocorre na fase de depressão, ainda que de 20 maneira diametralmente oposta, as idéias ocorrem rapidamente, a ponto deles não conseguirem concluir o que começaram. A diferença é que na mania, o indivíduo fica emendando uma idéia não concluída em outra diferente e assim, sucessivamente. A semelhança está apenas no fato de perder as idéias. Como a percepção está mais aguçada, há um aumento para a percepção de estímulos externos que podem levá-los freqüentemente a distrair-se com acontecimentos e detalhes insignificantes, e que são alheios à conversa em andamento. Esses pacientes, quando estão na fase maníaca, apresentam reflexão acelerada, interesse por tudo, excesso de otimismo e uma grande facilidade nos contatos sociais. Os prejuízos sociais e econômicos de uma fase Maníaca podem ser devastadores, não só para o paciente, como também para seus familiares. Em geral, esses pacientes dormem pouco e apesar disso, acordam bem dispostos. Conseguem executar muitas tarefas ao mesmo tempo e também aquelas tarefas que haviam sido deixadas de lado durante o período depressivo. Diferente do estado encontrado na fase depressiva, o paciente em fase maníaca, não sente que está doente e nem que pode ficar doente. Esse é um aspecto que pode dificultar a busca e a realização do tratamento. Como na depressão, nem todos os sintomas precisam estar presentes para que o médico faça o diagnóstico. 1.6– Hipomania: Na hipomania, o grau de aceleração psíquica é menor que na mania. É comum aparecer antes ou depois de uma depressão e durar alguns dias. Os sintomas são os mesmos, de menor gravidade, e a pessoa não tem sintomas psicóticos. O humor geralmente é irritável e a pessoa torna-se 21 provocativa (achando sempre que os outros a provocam). O aumento de energia pode ser produtivo, mas a pessoa se dispersa mais e perde mais tempo com detalhes. Pode ter menos necessidade de dormir, tornar-se exageradamente otimista, segura de si, arrogante, enfim, sentir-se acima dos outros. Aumentam as idéias, os planos, os gastos, a libido. Como na mania, a pessoa justifica toda a alteração do comportamento atribuindo-a a circunstâncias da vida, mas por ser menos séria, freqüentemente não é diagnosticada. 22 CAPÍTULO II A INFLUÊNCIA DA FAMÍLIA NO COMPORTAMENTO DA PESSOA COM TRANSTORNO BIPOLAR 23 2.1- Relacionamento Familiar Na sociedade moderna amar e cuidar dos filhos tornou-se uma tarefa extremamente complexa e difícil. São muitas as exigências e os deveres a que os pais estão submetidos no que diz respeito à educação e à formação das crianças até a vida de adulta. Pais e mães precisam estar constantemente informados e atentos aos mínimos detalhes, dos menores desvios que envolvam o desenvolvimento emocional, escolar, sexual, esportivo e das habilidades sociais de seus filhos. Em nossos dias, a família tem assumido a responsabilidade por qualquer anormalidade que possa romper com a expectativa de criar filhos fortes, saudáveis, preparados para o mercado de trabalho e para viver em comunidade. Concentrados em si mesmas, as pessoas têm se mostrado inseguras e impotentes para resolver dificuldades domésticas, e freqüentemente apelam para especialistas em sua tentativa de buscar sentidos e respostas para o seu sofrimento. Os pais jamais estão seguros de seus sentimentos e de como agir em relação a seus filhos. Nunca sabem se estão agindo corretamente. Essa situação de insegurança e desconforto incide sobre a maioria dos pais e agrava-se drasticamente com o surgimento de um descontrole emocional, como por exemplo, o transtorno bipolar, em um membro da família. O adoecimento representa, para a maioria das pessoas, um forte abalo, causando uma grande ruptura na trajetória existencial. O Transtorno Bipolar gera muita tensão, estimula sentimentos de impotência e vitimização, alimenta amarguras. Nos casos em que a gravidade do quadro é maior, a duração dos sintomas se prolonga por muito tempo, os respectivos fracassos sociais dos pacientes, as dificuldades de comunicação e interação, os freqüentes insucessos nos tratamentos 24 produzem mais frustrações e desespero e são um convite para um progressivo isolamento de vida comunitária. Suas próprias vidas ficam esvaziadas muito aquém de suas possibilidades existenciais. A vivência de catástrofes desestrutura as formas habituais de lidar com as situações do cotidiano. Muitos familiares não estão preparados para enfrentar os problemas, não sabem como agir. Encarando as dificuldades, essas pessoas mergulham na turbulência de suas dúvidas e conflitos. 2.1.1- Funções da Família Esquematicamente, poderíamos dividir as funções da família em “biológicas”, “psicológicas”, e “sociais”; tais funções, no entanto, dificilmente podem ser estudadas separadamente, já que estão intimamente relacionadas e confundem-se umas com as outras, quer nas origens como no destino das estruturas familiares ao longo do processo civilizatório. Não obstante, há certas peculiaridades dessas funções que merecem ser destacadas para caracterizar com maior clareza e precisão o locus da família como matriz responsável pela manutenção da espécie e como agente processador das mudanças inerentes à evolução humana, quer no âmbito individual como coletivo. Do ponto de vista biológico, não é a função reprodutiva – como a uma primeira e apressada vista poder-se-ia pensar – a tarefa primordial da família, mas no assegurar-se a sobrevivência dos novos seres através dos cuidados. Em resumo, a função biológica da família é a de garantir não a “reprodução” e sim a “sobrevivência” da espécie através dos cuidados ministrados aos recém-nascidos. 25 Quanto às funções psicossociais, sabe-se que o alimento afetivo é tão indispensável para sobrevivência do ser humano quanto o são o oxigênio que ele respira ou a água e os nutrientes orgânicos que ingere. Sem o afeto ministrado pelos pais ou seus sub-rogados o ser humano não desabrocha, permanece fechado em uma espécie de concha psíquica. A importância dessa nutrição afetiva foi objeto dos estudos pioneiros de Spitz que, a partir de 1935, em Viena, observou e registrou em filmes as reações dos recém-nascidos a situações de privação afetiva. Poder-se-ia assim dizer que uma primeira e fundamental função psíquica da família é prover o alimento afetivo indispensável à sobrevivência emocional dos recém-nascidos. Esse alimento, contudo, é igualmente indispensável para a manutenção da homeostase psíquica dos demais componentes da família e não apenas dos bebês, razão pela qual deverão seus membros dele se prover reciprocamente através de mecanismos de interação afetiva. Outra conspícua função psíquica da família é servir de continente para as ansiedades existenciais dos seres humanos durante seu processo evolutivo. A superação das chamadas “crises vitais” ao longo do périplo existencial de cada indivíduo é indubitavelmente favorecida por um adequado suporte familiar à desestabilização que tais crises acarretam. Também tangenciando a esfera pedagógica está outra das funções psicológicas da família, qual seja, a de pronunciar o ambiente adequado para a aprendizagem empírica que baliza o processo cognitivo do ser humano, bem como facilitar o intercâmbio de informações com o universo circunjacente. Assim, as funções da família estariam sendo esboçadas segundo o pressuposto de que do ambiente familiar depende certo tipo de evolução do 26 indivíduo e que aos pais (ou seus substitutos) cabe preencher os requisitos necessários ao bom desempenho físico e emocional de seus filhos. 2.1.2- O Sentimento de Culpa na Relação Pais e Filhos A geração dos pais de hoje, ao que parece, erigiu a culpabilidade como sua principal conselheira. E a culpa é má conselheira. Não conhecemos qualquer benefício que o sentimento de culpa tenha trazido aos seres humanos. O de responsabilidade, sim. Mas, sentir-se responsável é diferente de sentir-se culpado. Assumirmos responsabilidade por nossos atos e intenções diante dos filhos é diverso de nos sentirmos culpados por tudo que lhes aconteça. Qualquer relação humana é uma via de dois sentidos. Não há culpados num casamento que não dá certo: há, isto sim, dois seres com responsabilidades compartidas numa relação que não funcionou. Assim ocorre no relacionamento entre pais e filhos: nossos filhos são seres com identidade própria, o que quer dizer com vontade própria também. Desde muito pequenos têm uma cota de livre-arbítrio que foge a nosso controle e manipulação. Não podemos nos responsabilizar por todos os seus atos, pensamentos ou modo de sentir. São unidades autônomas, ainda que sujeitas à dependência dos pais. Talvez a geração dos pais de hoje seja tão cheia de culpas porque a que lhes antecedeu fez da culpabilidade o elemento primordial da formação do caráter filial, assim como institucionalizou a hipocrisia na relação dentro do casamento. Livrar-se da culpa e da hipocrisia é, provavelmente, a grande tarefa da atual geração de pais na espiral da evolução humana e consiste num verdadeiro processo de mutação psíquica – o salto quântico que nos projetará para melhores condições de relacionamento humano no futuro. 27 Em suma, pensamos que ao se declararem culpados pelo que está acontecendo aos filhos, ou até pelo que lhes possa acontecer no futuro, em nada os pais estão ajudando os filhos nas suas agruras evolutivas, cuja responsabilidade é dos próprios filhos tanto quanto dos pais e da sociedade. Da própria vida, enfim, com todas as vicissitudes que lhe são inerentes. A culpa paralisa. Pais culpados geralmente deixam de funcionar como adequados recipientes para as ansiedades dos filhos; acabam por incrementar suas sensações de confusão e desamparo ante às dificuldades de seu momento evolutivo. Culpa, voltamos a afirmar, é má conselheira na relação entre pais e filhos. Não cria nada de construtivo, apenas maltrata quem a sofre. 2.2- A Carga Experimentada pelos Familiares É evidente que o transtorno bipolar incide no funcionamento familiar. Cada episódio do transtorno é um acontecimento estressante tanto para o paciente como para os que o rodeiam; com cada recaída o equilíbrio familiar se vê alterado e requer novas estratégias de afrontamento. É freqüente que, ante um primeiro episódio, tanto o paciente como seus familiares, manifestem reações de negação, ira, ambivalência e ansiedade (Goodwin e Jamison, 1990). A presença de uma pessoa com Transtorno Bipolar produz um impacto nos outros membros da família. Os familiares estão sobrecarregados por demandas que envolvem a função de acompanhar seus membros comprometidos e cuidar deles. O conceito de sobrecarga familiar foi desenvolvido para definir a que os familiares estão submetidos e o quanto à convivência com um paciente representa um peso material, subjetivo, organizativo e social. Em geral, os pacientes apresentam grandes obstáculos para produzir economicamente, o 28 que implica uma situação de dependência da família. São altos os custos, principalmente com medicação e tratamento. Do ponto de vista emocional, o estresse, as vivências de instabilidade e insegurança, os conflitos freqüentes nas relações fazem parte do cotidiano dessas pessoas. Nas relações sociais, motivados pela vergonha, cansaço ou frustração, é comum observar familiares se distanciarem das atividades sociais. O conhecimento desse quadro de sobrecarga por parte dos profissionais de saúde sugere que as intervenções terapêuticas levem em consideração essa realidade. Ajudar os familiares na interação e na gestão da vida cotidiana dos pacientes alivia o peso dos encargos, facilita o processo de estabelecimento de uma cooperação, diminui os fatores estressantes ativadores de situações de crise, estimula a criação de possibilidades participativas, melhorando a qualidade de vida de todas as pessoas envolvidas. Existe uma importância em relação às intervenções do tipo psicoeducativo, que pretendem instruir os familiares sobre a enfermidade e orientá-los sobre as formas de afrontamento da mesma. A intervenção permite melhorar o curso da enfermidade do paciente, assim como prevenir os efeitos adversos que a carga pode gerar na saúde mental dos familiares (Fadden e cols., 1987; Goldstein, 1996). 2.3- A importância da família Na verdade, a família é atingida como um todo quando um de seus membros apresenta transtorno bipolar. E não é raro que surjam dificuldades entre o paciente e o seu cônjuge, seus filhos e seus próprios pais. O surgimento de pensamentos negativos, a tristeza e a falta de esperança podem, inclusive, retardar o tratamento. Nesse sentido, a família pode incentivar a pessoa, acompanhá-la nas consultas e conscientizá-la de que 29 os resultados podem demorar algum tempo, mas que serão positivos. A família deve saber que o transtorno não surge por culpa da pessoa e que observar os sintomas, discutir as emoções e as dificuldades podem ajudar muito no tratamento. A evolução e a recuperação do indivíduo com ranstorno bipolar dependem muito do apoio e compreensão de seus familiares. 2.4- Como a Família e os Amigos Podem Ajudar O tratamento medicamentoso é essencial, mas não suficiente. O transtorno do humor bipolar possui expressões psicológicas e sociais, com repercussões na escola, no trabalho e na família. Uma das formas de minimizar seus efeitos é obter suporte da rede social e em especial da rede familiar. A família é o principal cuidador do paciente e deve-se buscar, com esta, uma firme parceria através da difusão de informações quanto ao diagnóstico, tratamento e evolução da doença. Desta forma, a família se instrumentalizará melhor, sentindo-se mais capacitada para, junto com o paciente, buscar maior eficácia no enfrentamento do transtorno. É importante ressaltar que, apesar disso, cada novo episódio representa um novo desafio porque nele interferem problemas de natureza individuais, bem como as características e peculiaridades de cada família diante das questões que lhe cabem resolver. Muitos pacientes apresentam diminuição da sua auto-estima, tendência ao isolamento ou excessiva exposição, dificuldade de identificar os sintomas, limitações para retomar atividades ou de assumir novos papéis na sua vida. Frente a estes fatores, as famílias são encorajadas a: · Proporcionar uma atmosfera amistosa, com estímulos adequados e com estrutura e limites claros; · Ajudar o paciente a manter o medicamento na dose prescrita pelo psiquiatra; 30 · Estimulá-lo a comunicar ao médico quando as medicações estiverem causando efeitos colaterais; · Auxiliá-lo a identificar sinais de recaída; · Comunicar imediatamente ao médico idéias de suicídio ou de desesperança; · Buscar entender a diferença entre jeito de ser (característicos de cada pessoa) e sintomas; · Evitar tomar atitudes que reforcem a discriminação e o preconceito; · Estimular o retorno do paciente às atividades da família (lazer, rotinas domésticas, festas) evitando demasiadas exigências ou superproteção; · Reforçar o paciente a retomar sua vida ocupacional, social e afetiva; · Evitar que a doença do paciente domine o ambiente familiar. Evitar, portanto, que todas as decisões e planos familiares ocorram baseadas apenas no que o paciente precise, deseje ou tolere. 31 CAPÍTULO III O TRATAMENTO DO TRANSTORNO BIPOLAR 32 3.1 – Como Tratar o Transtorno Bipolar O aparecimento do transtorno bipolar deve-se a uma combinação de fatores, em que aspectos biopsicossociais desempenham papel importante no desencadeamento da doença. Assim sendo, tratamentos medicamentosos, orientações sobre a doença e orientação psicológica estão indicados. O segredo está no encontro da combinação ideal para cada paciente. 3.2 – Orientação Psicoeducacional Para o sucesso do tratamento, é preciso esclarecer ao paciente e aos familiares sobre os sintomas da doença, suas causas, como ela pode seguir durante a vida da pessoa, quais os riscos, que atitudes tomar durante a depressão e na mania, como se preparar para as recorrências e assim por diante. Alguns aspectos são fundamentais. Em primeiro lugar, será tratado o diagnóstico de transtorno bipolar, não apenas sintomas depressivos ou eufóricos. Levando em consideração que a doença é para a vida toda, podendo hibernar por meses ou anos, o tratamento deve ser planejado para atender as necessidades a curto, médio e longo prazos. Na orientação acerca da doença, também deve ser abordado o preconceito. Resolver dúvidas ajuda a diminuí-lo, mas só o tempo poderá eliminá-lo de vez. Infelizmente, pacientes e familiares sofrem durante anos, acumulando ressentimentos, queda do poder aquisitivo e atraso na formação antes da aceitação do diagnóstico e do tratamento. Outra questão a ser aprendida é como lidar com uma nova crise. Cuidar da decepção, da frustração, da desesperança e, além disso, prevenir conseqüências prejudiciais são fundamentais na recuperação. 33 3.3 – Tratamento Medicamentoso Existem vários tipos de substâncias usadas no tratamento do transtorno bipolar, dependendo do estado em que o paciente se encontra: estabilizadores do humor, antidepressivos, antipsicóticos e tranqüilizantes. Estabilizadores do humor são os remédios mais importantes e devem ser usados a partir do diagnóstico de transtorno bipolar. Controlam o processo de ciclagem de um episódio a outro, reduzindo a quantidade de depressões e (hipo)manias e a gravidade delas. Variam entre si no efeito antidepressivo e antimaníaco. Antidepressivos são o tratamento indicado para as depressões. No paciente com transtorno do humor bipolar, o médico primeiro introduz o estabilizador do humor e, se não melhorar, associa um antidepressivo. Essa cautela reduz o risco de ciclagem para euforia que os antidepressivos podem desencadear. Se isso acontecer, demorará mais para controlar a doença a longo prazo. Antipsicóticos são medicamentos de efeito antimaníaco e antipsicótico. Podem ser usados durante um episódio de depressão, mania ou estado misto se houver sintomas psicóticos. Tanqüilizantes representam substâncias com ação hipnótica ou tranqüilizante, que devem ser usados temporariamente, enquanto os estabilizadores do humor não fizeram efeito. 3.4 – Tratamentos Psicológicos O tratamento medicamentoso é básico, mas o transtorno bipolar não é meramente um problema bioquímico, mas também psicológico e social. Entrar em contato com os sintomas do transtorno bipolar causa sofrimento e pode ser traumatizante para o paciente e para a família. O medo de como 34 isso vai afetar sua vida, o preconceito e a aceitação do diagnóstico requerem atenção psicológica. Para aceitar, é necessário conhecer o transtorno a ponto de diferenciar seus pensamentos e sentimentos e tomar decisões baseadas em conhecimento e não em emoções, como medo ou raiva da doença. Tratamentos psicológicos procuram fornecer boas informações, orientação e motivação em um ambiente de apoio e confidencial. A falta de aderência terapêutica facilita a ocorrência e intensificação dos episódios afetivos, sendo observado o aumento da vulnerabilidade para as recaídas (Post e cols., 1984; Coryell e cols., 1995). Diversos autores sugerem que as diferentes fases da enfermidade requerem distintas estratégias terapêuticas (Miklowitz, 1996; Miklowitz e cols., 1996; Miklowitz e Goldstein, 1997; Swartz e Frank). A partir dessa perspectiva, a fase aguda se centraria em construir uma aliança terapêutica que ofereça suporte e contenção perante as reações emocionais derivadas da ocorrência do episódio. Na fase de estabilização se trabalharia a adaptação e afrontamento da família perante os sintomas residuais e a realidade psicossocial do paciente depois do episódio; a psicoeducação ocuparia um papel fundamental, destacando a importância de um tratamento farmacológico continuado. Na fase de manutenção a família precisaria de suporte para enfrentar seus temores perante o futuro da enfermidade e suas conseqüências. Há vários tipos, dependendo da necessidade específica de cada paciente, como psicoterapia individual ou grupal, terapia familiar ou conjugal e orientação psicoeducacional, como mencionado anteriormente. 3.5- Terapia de Família A terapia familiar moderna, originada do trabalho pioneiro de Nathan Ackerman, é um método de tratamento das relações familiares. Isto significa que não se vai tratar o indivíduo na família e sim o grupo familiar como um todo. Todos os membros da família estão inter-relacionados, de modo que 35 uma parte da família não pode ser isolada do resto. A estrutura e a organização familiar, portanto, devem ser encaradas como uma unidade, sendo importantes para determinar o comportamento dos membros individuais da família. Por vezes, quando um indivíduo apresenta um problema este pode ter tido origem num conjunto de relações familiares deficitárias e afetar todos os outros membros. Se tratarmos apenas a pessoa que manifestou o problema deixaremos de tratar todos os outros afetados pela mesma dificuldade. Estudos realizados por Miklowitz (1988) estabelecem relações entre determinadas atitudes familiares e a evolução do transtorno. Isto faz da terapia familiar um excelente aliado do tratamento psicoterápico individual. Na maioria das situações, verifica-se que os primeiros contatos entre os terapeutas e os familiares se dão em entrevistas individuais. Em geral, nesses encontros individualizados, as pessoas se sentem mais desinibidas e menos constrangidas para abordar os problemas. Essas entrevistas individuais podem se manter assim por todo o trabalho terapêutico. No entanto, a oferta de participação num grupo de familiares têm se mostrado um valioso instrumento capaz de dinamizar o cuidado. Na avaliação de inúmeras experiências o trabalho em grupo revelou-se uma tecnologia efetiva e eficiente para expandir o potencial terapêutico. Quando um familiar procura um profissional de saúde mental para tratar de seu parente, surge a oportunidade de que este profissional possa acolher o sofrimento não somente da pessoa adoecida, mas também do familiar que o acompanha. Abrem-se as portas para um pedido de ajuda e suporte para enfrentar as dificuldades no relacionamento. O trabalho de psicoterapia é um processo que visa reabilitar e desenvolver novas atividades e comportamentos nos pacientes, mas também nos familiares de maneira a enfrentar movimentos inovadores de produção de trocas afetivas e de sociabilidade. Modificar expectativas negativas, combater o pessimismo, estimular a participação e o 36 envolvimento dos familiares e pacientes, ganhou um novo estatuto terapêutico e reabilitativo. Mudar expectativas implica um processo altamente complexo e difícil, visa desenvolver estratégias de envolvimento da família no tratamento com o paciente. Em inúmeras situações os familiares se apresentam com expectativas muito pessimistas em relação à possibilidade de melhora do quadro. Após alguns fracassos, desiludidos, não acreditam na transformação de uma realidade que se mantêm insatisfatória por períodos tão longos. A reversão dessas expectativas é fundamental em qualquer projeto de cuidado. Esse é um momento delicado e fundamental. Os familiares precisam de muita compreensão, pois ainda são freqüentes os preconceitos em relação a eles. São muitas as dúvidas e os questionamentos sobre as doenças e seus tratamentos. A falta de informações detalhadas acerca da ação dos fármacos e de seus possíveis efeitos colaterais, a falta de explicação sobre o significado de um determinado diagnóstico e dos motivos dos procedimentos terapêuticos, fazem com que os familiares se sintam sozinhos e impotentes para compreender suas vivências. Diante desse quadro se vê a necessidade de se dedicar mais atenção e de cuidado em relação a esses familiares. Isso implica um olhar que possa identificar a realidade dos familiares e buscar formas de ajudá-los, estratégias que possam ser utilizadas para facilitar o processo de mudança de valores, significados e expectativas. É preciso cuidar da família. O individualismo reinante, muitas vezes impede que atentemos para ela. A necessária atuação do terapeuta permite dedicar tempo e atenção reconhecimento e consideração. a família, conferindo-lhe importância, 37 3.5.1 - Objetivos da intervenção familiar A intervenção familiar pretende dotar as famílias de uma série de conhecimentos que permitam melhorar sua compreensão da enfermidade, assim como facilitar certas mudanças em suas atitudes e condutas. A informação permite a prevenção de recaídas mediante a diminuição de fatores de risco (abandono da medicação, irregularidade de hábitos e estresse) e a identificação e tratamento precoce dos sintomas, com o qual se evita a piora do episódio e conseqüentemente a hospitalização. A informação contribui também para a desestigmatização do transtorno e uma melhora na qualidade de vida de todos os seus membros. Um programa de intervenção familiar a pacientes proposto por Haas y cols. (1988) tem como objetivos: a aceitação da natureza da enfermidade junto à compreensão do episódio, a identificação de possíveis fatores desencadeantes do episódio, a identificação de possíveis estressores futuros internos e externos a família, a detecção de interações familiares que possam produzir estresse no paciente, o planejamento de estratégias que permitam afrontar e/ou minimizar os estressores futuros, e a aceitação, por parte do paciente e da família, da necessidade de tratamento continuado depois da hospitalização. A consciência da enfermidade e a necessidade de tratamento a longo prazo são fatores chave para o cumprimento da medicação e para a melhora do curso da enfermidade. 38 CONCLUSÃO Durante décadas encontrou-se dificuldade na realização do diagnóstico do transtorno bipolar. O interesse de estudiosos e pesquisadores possibilitou uma visão mais esclarecedora sobre este assunto. Baseada nestes estudos, essa leitura procurou abordar aspectos sobre o comportamento maníaco-depressivo, suas causas, seus efeitos, bem como suas implicações no relacionamento familiar. A psicoeducação proporciona ao paciente uma base teórica e prática para a compreensão e aceitação da enfermidade, colaborando de forma ativa com o tratamento médico. É evidente que tanto os pacientes que sofrem um transtorno bipolar como seus familiares devem beneficiar-se da terapia de família. A combinação de intervenção familiar e tratamento farmacológico provavelmente reduz o número de recaídas e hospitalizações, favorecendo a estabilização emocional e a adaptação familiar e social do paciente. Um maior esclarecimento sobre o transtorno bipolar associado a um tratamento mais adequado permitirá aos pacientes e seus familiares desfrutar de uma melhor qualidade de vida, assim como estimular os profissionais da área de saúde a aprofundar seu conhecimento sobre este transtorno do humor. 39 BIBLIOGRAFIA AKISKAL, H. S. The Bipolar Spectrum: New Concepts In Classification And Diagnosis. Washington, DC: Amencan Psychiatric Press, 1983; 271-292. BARBOSA, I.R.B. Um olhar sobre a Terapia de Família. http://www.saudenainternet.com.br/colunadoleitor/colunadoleitor_10.shtml. 2003 BOURGEOIS. Transtornos Bipolares Del Estado de Animo. Editora Massonsalvat – 1997 CÂMARA, F. P. Transtornos Bipolares na Prática. http://www.polbr.med.br/arquivo/artigo1102.htm. 2002. DALGALARRONDO, Paulo.Psicopatologia e Semiologia dos Transtornos Mentais. Porto Alegre: Artmed, 2000. GILLIÉRON, E. As Psicoterapias Breves. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1986. HAUBERT, A. R. 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Bipolar - Transtornos relacionados por semelhança ou classificação. 2003. 41 ÍNDICE INTRODUÇÃO 9 CAPÍTULO I 11 O TRANSTORNO BIPOLAR 11 1.1 – Transtornos do Humor 12 1.2 – Subtipos do Transtorno do Humor 12 1.3 – Transtorno do Humor Bipolar 13 1.3.1- Tipos de Transtorno Bipolar 14 1.3.2- Causas do Transtorno Bipolar 15 1.4- Como Acontece a Depressão 16 1.4.1- Sintomas da Depressão 16 1.4.2- Diferenças entre a Depressão e uma Tristeza Normal 18 1.5- Sintomas da Mania 19 1.6- Hipomania 20 CAPÍTULO II 22 A INFLUÊNCIA DA FAMÍLIA NO COMPORTAMENTO DA PESSOA COM TRANSTORNO BIPOLAR 22 2.1 – Relacionamento Familiar 23 2.1.1- Funções da Família 24 2.1.2- O Sentimento de Culpa na Relação Pais e Filhos 26 2.2 – A Carga Experimentada pelos Familiares 27 2.3 – A importância da Família 28 2.4 – Como a Família e os Amigos podem Ajudar 29 CAPÍTULO III 31 O TRATAMENTO DO TRANSTORNO BIPOLAR 31 3.1- Como Tratar o Transtorno Bipolar 32 3.2- Orientação Psicoeducacional 32 3.3- Tratamento Medicamentoso 33 3.4- Tratamentos Psicológicos 33 3.5- Terapia de Família 34 3.5.1- Objetivos da Intervenção Familiar CONCLUSÃO 37 38 42 BIBLIOGRAFIA 39 ÍNDICE 41 ANEXOS 43 43 ANEXOS 44 45 46 FOLHA DE AVALIAÇÃO UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PROJETO A VEZ DO MESTRE Pós-graduação “Lato Sensu” Título da Monografia:Transtorno Bipolar e Família Data de Entrega: ____________________________________________ Avaliado por:______________________________ Grau: ____________ Rio de Janeiro(RJ), ___ de _________ de 200_. Coordenador do Curso