3. A Oferta de Moeda e a Política Monetária

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3. A Oferta de Moeda e a Política Monetária
3.1. As Operações do Banco Central e a Base Monetária
3.2. O Multiplicador da Moeda e a Oferta de Moeda
3.3. A Oferta Monetária e a Restrição Orçamentária Governamental
3.4. O Equilíbrio no Mercado Monetário
3.5. A Política Monetária
3.6. A Moeda e as Taxas de Câmbio e de Juros
Anexo: O Papel da Política Monetária (Milton Friedman)
3.1. As Operações do Banco Central e a Base Monetária
Os três tipos de operações mais comuns usados pelas autoridades monetárias para alterar
o estoque da base monetária são operações de open market, operações de redesconto e
operações de câmbio.
As Operações de Open Market
As transações dos bancos centrais de compra e venda de títulos no mercado aberto são
conhecidas como operações de open market. A compra de instrumentos financeiros pelo
banco central, no seu papel de autoridade monetária, resulta num aumento da base
monetária em poder do público. O motivo deve ser claro: o banco (central) compra os ativos
com moeda, que então é colocada em circulação. Por outro lado, uma venda de títulos feita
pelos bancos gera uma redução na base monetária. (Sachs & Larrain, p.286)
A Janela de Redesconto
Outra forma pela qual o banco central pode influir na oferta monetária são os empréstimos
aos bancos. A taxa de juros utilizada é conhecida como a taxa de redesconto. Os bancos
privados usam essa opção de crédito para dois propósitos diferentes: (1) ajustar as suas
reservas de dinheiro para o caso de ficarem abaixo do nível desejado ou exigido pelas
regulamentações do banco central e (2) para obter fundos que o banco possa emprestar
aos clientes, se as condições de mercado forem favoráveis para isso. As operações de
redesconto levam a alterações na oferta de moeda. Um empréstimo por meio da janela de
redesconto produz um aumento na base monetária no mesmo valor do empréstimo. Para
aumentar seu controle sobre a base monetária, o banco central, às vezes, usa a política do
open market para compensar os efeitos monetários das suas operações pela janela de
redesconto. (Sachs & Larrain, p.292)
As Operações de Câmbio
O banco central também influi na oferta monetária quando compra e vende ativos em
moeda externa. No caso mais simples, o banco central compra ou vende moeda estrangeira
em troca de moeda nacional. Em outros casos, o banco central compra ou vende um ativo
remunerado em moeda estrangeira, normalmente um título do Tesouro de outra nação.
Assim como nas operações de open market, essas transações têm efeito direto sobre a
quantidade de moeda em circulação na economia. (Sachs & Larrain, p.294)
Uma Equação Fundamental das Alterações no Estoque Monetário
Agora, podemos deduzir uma equação para as variações no estoque de base monetária.
Seja Dg o estoque de títulos governamentais em poder do banco central; B*C o estoque de
reservas estrangeiras; e LC o estoque de empréstimos concedidos aos bancos por meio da
janela de redesconto. Além disso, E é a taxa de câmbio, medida em unidades de moeda
nacional por unidade de moeda estrangeira, de modo que E(B*C) é igual ao valor das
reservas estrangeiras em moeda nacional. Portanto, podemos escrever as alterações na
base monetária como:
(Mh - Mh-1) = (DgC - DgC-1) + E(B*C - B*C-1) + (LC - LC-1)
Traduzindo, qualquer alteração no estoque de base monetária é um resultado de uma ou
mais das seguintes causas: aumento (ou declínio) da dívida governamental em poder do
banco central, um aumento (ou queda) no estoque de reservas internacionais, e uma
alteração no valor do crédito fornecido aos bancos comerciais pela janela de redesconto.
(Sachs & Larrain, p.296)
3.2. O Multiplicador da Moeda e a Oferta de Moeda
Agora, dado o nível de Mh (base monetária), precisamos ver como M1 é determinado. Isso
nos leva à atuação do banco central, do setor bancário e dos agentes privados na
determinação da oferta monetária. A base monetária é formada pela soma de todo o
dinheiro (papel-moeda e moedas metálicas) em circulação na economia (MC) e das
reservas bancárias (R). Essa relação é expressa pela equação:
Mh = MC + R
As reservas ( R ) são compostas por depósitos mantidos no banco central, mais os valores
monetários que os bancos mantém em caixa.
Agora, vamos pensar num balanço simples de um banco comercial. Este banco recebe
depósitos e concede empréstimos ao público em geral. Uma fração dos depósitos é mantida
como reservas ( R ). Essa fração entre reservas e depósitos é designada como rd = (R/D) e,
portanto, R = rdD. Essa proporção é definida pelo banco central, que estipula as reservas
necessárias que o banco deve ter como fração da sua base de depósitos. Além delas, o
banco pode optar por manter reservas adicionais no banco central para ter maior liquidez e
para evitar que fique abaixo da proporção exigida se houver uma variação inesperada da
base de depósitos.
A oferta de moeda, agora ampliada para M1, é a soma da moeda em circulação (MC) e dos
depósitos à vista em poder do sistema bancário (Dv). Por essa definição, podemos escrever
a oferta de moeda como:
M1 = MC + Dv
Então, qual é a relação entre a oferta monetária (M1) e a base monetária (Mh)? Em
especial, como um determinado estoque de base monetária pode sustentar um valor mais
alto de M1? A explicação é o processo de criação de moeda pelo sistema bancário e a
preferência do público quanto aos vários instrumentos financeiros.
Para simplificar a análise, vamos restringir as opções que as empresas privadas e as
pessoas têm para deter dinheiro: só podem mantê-lo em seu poder ou nos depósitos à vista.
Indicamos a proporção entre dinheiro e depósitos como cd , isto é, (cd = MC/Dv) ou Mc =
cdDv.
Ao mesmo tempo, os bancos detêm uma certa fração dos depósitos como reservas, tanto
por causa das exigências legais como também porque querem ter liquidez suficiente para
atender às necessidades dos clientes. Vamos chamar a proporção entre reservas e
depósitos de rd , isto é, (rd = R/Dv).
Para deduzir a expressão do multiplicador monetário, vamos dividir a equação (M1 = MC + +
Dv) pela (Mh = MC + R) e depois dividiremos o numerador e o denominador da expressão
resultante pelo valor dos depósitos à vista, Dv:
M1
(MC + Dv) (MC/Dv + Dv/Dv) (cd + 1)
---- = --------------- = ----------------------- = -------------
Mh
(MC + R)
Onde:
(MC/Dv + R/Dv)
(cd + rd)
cd = Mc / Dv
Rd = R / Dv
Numa forma ligeiramente diferente, temos:
(cd + 1)
M1 = ------------ . Mh = .Mh
(cd + rd)
onde:  = (cd + 1) / (cd + rd)
A equação anterior mostra que a oferta monetária é um múltiplo do estoque de base
monetária, e o fator de proporcionalidade é dado por , o multiplicador monetário. (Sachs &
Larrain, p.298)
Exemplo:
Cd = 0,07
rd = 0,45
Mh = $ 100.000
M1 = ?
M1 = (0,07 + 1) / (0,07 + 0,45) Mh = 1,07/ 0,52 Mh = 2,06 (100.000) = 206.000
3.3. A Oferta Monetária e a Restrição Orçamentária Governamental
Quando o orçamento governamental está em déficit, o Tesouro levanta dinheiro para pagar
as contas do governo emitindo títulos. Quem são os compradores potenciais desses títulos?
Em essência, há quatro tipos de compradores: estrangeiros (do setor privado ou público),
famílias e empresas, o sistema bancário doméstico e o banco central da nação. Em muitas
economias, o banco central é o principal comprador de títulos do Tesouro e, também, o
financiador mais automático. A compra de dívida pública pelo banco central geralmente é
chamada monetização do déficit público.
A compra de títulos do Tesouro pelo banco central, em essência, permite que o governo
adquira bens e serviços simplesmente imprimindo dinheiro. Na realidade, a dívida que o
Tesouro tem para com o banco central não precisa ser paga; ela representa apenas um
direito de uma parte do governo em relação a outra. Portanto, o efeito final é que o governo
gera um déficit orçamentário, que paga aumentando a oferta de moeda em poder da
população. Como sai barato imprimir dinheiro, o governo pode obter bens e serviços a custo
direto baixo. A monetização do déficit orçamentário geralmente traz inflação. Portanto, o
governo financia essencialmente sua compra de bens e serviços por meio de uma taxa
inflacionária.
Agora, vamos analisar a idéia da monetização do déficit mais formalmente. A restrição
orçamentária do governo pode ser expressa como:
Dg - Dg-1 = P(G + Ig - T) + iDg-1
O termo do lado esquerdo (Dg - Dg-1) é a variação da dívida governamental entre o período
atual e o anterior. Também é o montante de títulos do Tesouro que precisam ser vendidos
para cobrir a diferença entre despesas e receitas do lado direito da equação.
Lembre-se de que os títulos do Tesouro podem ficar em poder da população, interna e
externa, e do banco central. Portanto, um aumento da dívida governamental tem dois
componentes: um aumento da dívida do Tesouro para com o público (DgP - DgP-1) e um
aumento do estoque da dívida com o banco central (DgC - DgC-1), isto é:
(Dg – Dg-1) = (Dgp – Dgp-1) + (Dgc – Dgp-1)
Portanto, a variação da dívida mantida pelo banco central é igual à variação total da dívida
menos a variação da dívida em poder do público:
(DgC - DgC-1) = (Dg - Dg-1) - (DgP - DgP-1)
Agora, podemos combinar a equação anterior com a equação (Mh - Mh-1) = (DgC - DgC-1) +
E(B*C - B*C-1) + (LC - LC-1), que descreve a variação da base monetária. Ignorando a janela
de redesconto, sabemos desta equação que:
(Mh - Mh-1) = (DgC - DgC-1) + E(B*C - B*C-1)
Então, substituindo a expressão (DgC - DgC-1) na equação anterior e alterando a expressão
resultante, encontramos:
(Mh - Mh-1) = (Dg - Dg-1) - (DgP - DgP-1) + E(B*C - B*C-1)
(Dg - Dg-1) = (Mh - Mh-1) + (DgP - DgP-1) - E(B*C - B*C-1)
A equação anterior é muito importante. Ela nos diz que, essencialmente, existem três modos
de financiar um déficit orçamentário, (Dg - Dg-1):
(1) por meio de uma aumento da base monetária, (Mh - Mh-1);
(2) por meio de um aumento de títulos do Tesouro em poder da população, (DgP - DgP-1);
(3) por meio de uma redução de reservas em moeda estrangeira no banco central,
E(B*C - B*C-1).
Em resumo, o governo pode “imprimir dinheiro”, tomar empréstimos e reduzir as reservas
externas.
Devemos notar, rapidamente, alguns resultados desta conclusão. O Tesouro começa a
financiar seu déficit apenas tomando empréstimos. Mas, à medida em que o banco central
compra títulos do Tesouro, na realidade o governo está financiando seu próprio déficit,
aumentando a oferta monetária. Se o banco central subseqüentemente vender moeda
estrangeira para compensar o aumento da oferta monetária, na realidade estará financiando
seu próprio déficit reduzindo as reservas em moeda externa. Em essência, não é suficiente
analisar como o Tesouro financia o déficit - sempre o faz por meio de títulos. Também
precisamos saber quem os compra e quais são as políticas monetárias acionadas.
Nas nações com alta inflação, o público tipicamente não compra novas dívidas
governamentais e o banco central geralmente tem um nível baixo de reservas. O governo,
portanto, não tem outra opção a não ser financiar o déficit mediante a emissão de dinheiro,
(Mh - Mh-1). (Sachs & Larrain, p.307). Observação: a única forma de, em países de alta
inflação, o público adquirir títulos do governo é estes serem indexados à inflação. Ex. a
ORTN de 1964 e seus sucedâneos, criados no Brasil quando este optou em conviver com a
inflação, em lugar da estabilidade.
3.4. O Equilíbrio no Mercado Monetário
No equilíbrio, a oferta de moeda deve ser igual à demanda por moeda. Podemos expressar
o equilíbrio como:
MD = Pf(i, Y) =  Mh = MS
MS
P
MD
A
P0
MD
M
Lembre-se de que a demanda por moeda é uma demanda por saldos reais. Portanto, é
proporcional ao nível de preços ou, em outras palavras, um aumento em P gera um
aumento na mesma proporção em MD. Por outro lado, a oferta monetária que deduzimos é
uma oferta da base monetária nominal. Assim, é conveniente representar o equilíbrio do
mercado monetário num gráfico (com moeda nominal no eixo vertical).
Em nosso esquema simples, a oferta monetária é representada como uma reta vertical,
porque independe do nível de preços. A demanda por moeda, por sua vez, é uma reta que
começa na origem. A reta significa que o valor real dos saldos monetários desejados
permanece inalterado quando há variação de preços. Pode parecer estranho que uma curva
da demanda seja crescente, mas lembre-se de que estamos descrevendo a demanda por
moeda, e preços mais altos significam maior demanda por saldos monetários nominais.
Naturalmente, ao descrever a demanda por moeda estamos supondo que a taxa de juros e
o nível de renda são constantes. As variações de i e Y deslocariam a curva da demanda por
moeda. O ponto de equilíbrio é A, a intersecção das duas retas. Em A, a demanda por
moeda é igual à oferta de moeda. Veja que o ponto A também determina o nível de preços
de equilíbrio.
Vamos supor que o banco central faz uma compra de títulos no mercado aberto, o que
acarreta um aumento da base monetária. No nível inicial de preços, taxa de juros e renda,
haveria um excesso de oferta de moeda. Como o mercado voltaria ao equilíbrio? A
resposta, na realidade, é muito complexa, porque se poderia chegar ao novo equilíbrio pelo
menos de quatro modos: (1) um aumento nos preços, o que elevaria a demanda até ficar
igual à oferta; (2) uma queda na taxa de juros, que também elevaria a demanda reduzindo a
velocidade de circulação da moeda; (3) um aumento na renda, que elevaria a demanda por
moeda; ou (4) uma queda endógena da oferta de moeda, que traria a oferta de volta ao
equilíbrio anterior. Finalmente, poderia ocorrer alguma combinação desses acontecimentos,
com resultados mistos, uma parte elevando a demanda por moeda e outra reduzindo a
oferta ao nível original. (Sachs & Larrain, p.310)
3.5. A Política Monetária
A política monetária pode ser definida como o controle da oferta de moeda e das taxas de
juros, no sentido de que sejam atingidos os objetivos da política econômica global do
governo. Esta definiçäo admite, implicitamente, que as autoridades monetárias podem
exercer o controle da oferta de moeda, sendo esta dada como variável exógena. Admite,
ainda, que o conceito de moeda, objeto do controle oficial, seja operacionalizável, isto é, a
adoçäo de um conceito de moeda que possa ser submetido ao controle de um organismo
central. Por mais acentuada que possa ser a tendência monetarista da política econômica,
esta interage com as políticas fical, de rendas e cambial. A política fiscal é constituída pelas
diferentes formas de tributaçäo e de dispêndios do governo. A política de rendas é
constituída pelos controles diretos exercidos sobre as remuneraçöes dos fatores (salários,
depreciaçöes, royalties, lucros e dividendos) e sobre os preços dos produtos finais e
intermediários. A política cambial é constituída pela administraçäo da taxa de câmbio e pelo
controle das operaçöes cambiais.
Instrumentos de Política Monetária
a) fixaçäo da taxa de reservas;
b) realizaçäo de operaçöes de redesconto ou empréstimos de liquidez;
c) realizaçäo de operaçöes de mercado aberto;
d) controle e seleçäo do crédito;
Objetivos da Política Monetária
1. promoçäo do crescimento ou do desenvolvimento econômico;
2. promoçäo do mais alto nível possível de emprego e manutençäo de sua estabilidade;
3. estabilidade dos preços;
4. equilíbrio nas transaçöes econômicas com o exterior (uma taxa de câmbio adequada);
Portanto, entre as metas fundamentais ou finais da política macroeconômica, normalmente
incluem-se a estabilidade dos preços e da taxa de câmbio, o crescimento do emprego e da
renda e a consecução de um equilíbrio razoável das transações com os demais países.
Para alcançar essas metas, as autoridades do país recorrem a diferentes políticas, entre
estas a política monetária.
Nos modelos teóricos mais utilizados nos países desenvolvidos, considera-se que a política
monetária exerce controle integral sobre todos os agregados monetários do país, ou seja, os
agregados monetários são considerados como instrumentos da política monetária.
Nos países em desenvolvimento, a política monetária nem sempre tem uma meta específica
de controle sobre os agregados monetários. Por exemplo, o principal objetivo da política
monetária de alguns países, especialmente dos países da América Latina, vinha sendo o
financiamento do déficit do setor público. Observa-se, entretanto, que esta subordinação da
política monetária à política orçamentária não se limitou aos países latino-americanos. Os
bancos centrais da maioria dos países, inclusive os desenvolvidos, foram criados
fundamentalmente como “bancos de Estado” ou lhes foram outorgados privilégios de
emissão de notas, em troca de sua transformação em bancos centrais. Isto ocorreu inclusive
com o Banco da Inglaterra. Goodhart, C. (1988).
Esta subordinação da política monetária à política orçamentária não leva em conta a
importância que a variação dos agregados monetários e da disponibilidade de crédito tem
sobre a demanda agregada, nem tampouco os prejuízos ocasionados pelo alto nível de
inflação ou a exclusão, pelo setor público, do acesso do setor privado ao crédito. Entretanto,
nos últimos anos, o papel da política monetária tem mudado muito nos países em
desenvolvimento, pois um número crescente destes países vem reconhecendo os enormes
prejuízos que podem advir de uma taxa de inflação alta e da exclusão do setor privado. O
crescimento tem que ser visto pelo lado da economia real.
3.6. A Moeda e as Taxas de Câmbio e de Juros
Até aqui, ao analisar o mercado monetário isolado do resto da economia, só pudemos falar
sobre um equilíbrio parcial, sem considerar os efeitos do mercado monetário sobre as outras
partes da economia. A fim de analisar a repercussão da política monetária sobre a
economia, precisaremos fazer uma análise geral do equilíbrio.
Vamos continuar adotando um modelo clássico muito simples, em que a produção sempre
está em pleno emprego. Em geral, também vamos supor que o capital tem movimentação
livre e, portanto, que a taxa interna de juros é igual à externa, que a economia produz um
único bem que pode ser importado e exportado a um preço internacional constante, P*.
Com a análise da demanda e da oferta de moeda e com um pouco da teoria geral do
equilíbrio, poderemos compreender melhor como a taxa cambial, o nível de preços e a
oferta monetária são determinados levando-se em conta todos os mercados. (Sachs &
Larrain, p.319)
3.6.1. Os Arranjos de Câmbio
As Operações de um Regime Cambial Fixo
Num sistema cambial fixo, o banco central fixa o preço da moeda nacional em rrelação a
uma moeda estrangeira. Esse preço fixo, às vezes, é chamado paridade da moeda.
Entretanto, em certos casos, a paridade tem pouco significado econômico, porque, mesmo
havendo um valor cambial oficial, não se consegue vender ou comprar a moeda por esse
valor. Por exemplo, quando o banco central não quer, ou não pode, converter dólares em
moeda local ao preço cotado. Neste caso, dizemos que a moeda é inconversível. Contudo,
a maior parte da nossa análise restringe-se ao caso da moeda conversível, em que a taxa
cambial fixada é de fato o preço ao qual a moeda nacional pode ser convertida em moeda
estrangeira.
O termo “taxa cambial fixa” geralmente é usado para simbolizar uma série de preços
inalteráveis entre moedas, sem possibilidade de variação. Uma “taxa cambial ancorada”
indica que o preço da moeda é definido pelo banco central, mas pode ser alterado se as
circunstâncias exigirem.
Em geral, a taxa de câmbio é definida como o número de unidades em moeda doméstica
necessário para adquirir uma unidade em moeda estrangeira.
Como se define uma determinada taxa de câmbio num sistema de câmbio fixo? Um certo
país, que, vamos convencionar, é o doméstico, pode definir uma taxa de câmbio
“ancorando” o valor da sua moeda no valor da moeda de outra nação, e depois se dispõe a
comprar e vender a moeda estrangeira à taxa escolhida. Ou, então, as nações cujas
moedas vão estar relacionadas fazem um arranjo. A âncora unilateral é típica nas nações
em desenvolvimento, que fixam o valor da moeda nacional em relação à moeda de uma
nação industrializada. Neste caso, a primeira nação assume total responsabilidade de
manter a taxa cambial no valor com o qual se comprometeu.
Em outros casos, a taxa de câmbio fixa é uma responsabilidade compartilhada pelas nações
envolvidas. Chamamos esse sistema de arranjo cambial cooperativo (...). Esse tipo de
arranjo é característico de economias médias e grandes, como as dez nações da Europa
Ocidental integrantes do mecanismo cambial do Sistema Monetário Europeu no final de
1990. (Sachs & Larrain, p.328)
As Operações de um Regime de Taxas Flexíveis de Câmbio
Num regime cambial flexível, ou flutuante, a autoridade monetária não tem compromisso
algum para apoiar uma determinada taxa. Todas as flutuações na demanda e na oferta de
moeda estrangeira se acomodam por meio da alteração de preço da moeda estrangeira em
relação à nacional. O banco central define a oferta monetária sem se comprometer com
uma taxa cambial específica e, depois, permite que ela flutue em resposta aos distúrbios
econômicos.
Se o banco central não intervir de modo algum no mercado cambial, comprando ou
vendendo moeda estrangeira, dizemos que a moeda nacional tem uma flutuação limpa. As
nações que operam com taxas flexíveis freqüentemente tentam influenciar o valor da sua
moeda realizando operações no câmbio de moeda estrangeira. Isso é chamado flutuação
suja.
Neste ponto, precisamos definir uma terminologia que nos ajudará a analisar a taxa cambial.
E é o preço da moeda estrangeira, medida como o número de unidades de moeda nacional
que pode ser adquirida por unidade da moeda estrangeira (ou número de unidades de
moeda nacional necessário para adquirir uma unidade da moeda estrangeira). Um aumento
de E é chamado desvalorização da moeda se ocorrer num sistema de câmbio fixo, e
depreciação se ocorrer num sistema de câmbio flutuante. Da mesma forma, uma queda de
E é chamada valorização num sistema de câmbio fixo e apreciação num sistema de câmbio
flutuante. (Sachs & Larrain, p.329)
3.6.2. A Base de um Modelo de Equilíbrio Geral
Quando tivermos um modelo teórico da economia que determine o valor de equilíbrio do
nível de preços (P), da taxa cambial (E) e da quantidade de moeda (M), ele será usado para
avaliar as conseqüências de determinadas políticas sobre estas variáveis.
Começaremos introduzindo dois fatores no modelo do equilíbrio geral: a paridade do poder
de compra e a paridade dos juros. Estes conceitos nos permitem relacionar os preços e as
taxas de juros internos ao preços e taxas de juros internacionais. (Sachs & Larrain, p.328)
A Paridade do Poder de Compra
A paridade do poder de compra, ou PPC, é um conceito antigo, cuja origem remonta à
escola de Salamanca, na Espanha, no século XVI, e ao trabalho de Gerrard de Malynes, na
Inglaterra, no início do século XVII. Mas só foi na segunda década do nosso século que o
economista sueco Gustav Cassel cristalizou este conceito e o popularizou. Desde então, o
nome de Cassel está associado à PPC.
A idéia em que o conceito se baseia é a lei do preço único, ou seja, que qualquer
mercadoria num mercado integrado tem um único preço. Se supusermos que um mercado
interno e um mercado estrangeiro estão suficientemente integrados (ou seja, uma série de
mercadorias pode ser facilmente comercializada entre os dois mercados), a lei do preço
único diz que o preço destes produtos deve ser o mesmo nos dois países. Mas aí surge uma
complicação: um mesmo produto terá um preço na moeda nacional no país produtor e um
preço na moeda do país comprador. Pela lei do preço único, os dois preços devem ser
iguais quando expressos numa moeda comum. Portanto, para aplicar esta lei precisamos de
uma taxa de câmbio para converter a moeda estrangeira em nacional, e vice-versa.
Suponha que o preço da mercadoria no país comprador seja P*. Quando o preço for
expresso em moeda nacional, o preço será simplesmente P* multiplicado pela taxa cambial.
A lei do preço único afirma que o preço interno P deve ser igual a EP*:
P = EP*
Portanto, se o ouro na Alemanha custa 700 marcos a onça, e a taxa cambial é de 3 francos
franceses por marco alemão, o preço em francos do ouro na Alemanha, evidentemente, é
de 2.100 francos por onça:
2.100 francos/onça = 3 francos/marco x 700 marcos/onça.
A hipótese da lei do preço único é que, se houver comércio livre de ouro entre Alemanha e
França, o preço do ouro na França também será de 2.100 francos por onça.
Arbitragem é o processo que garante que a lei do preço único vai ocorrer. Suponha que o
preço do ouro na França seja 2.500 francos. Haveria uma oportunidade de obter lucro
importando-se ouro da Alemanha para que fosse vendido na França. A concorrência entre
os importandores baixaria o preço para 2.100 francos. Ou, então, os franceses não
comprariam o ouro na França porque seria mais barato comprá-lo no exterior.
Como a lei do preço único deve poder vigorar em todas as mercadorias do comércio
internacional, também deve vigorar para o índice de preços interno (P), que é uma média
ponderada dos preços das mercadorias isoladas. E este deve ser igual ao índice de preços
mundial (P*) vezes a taxa cambial (E).
Contudo, (a PPC), como muitas outras hipóteses, simplifica demais a realidade. A relação
apresentada só é válida em algumas condições irreais, como:
(1) não há barreiras naturais ao comércio, como de transporte e seguros;
(2) não há barreiras artificiais ao comércio, como tarifas e cotas;
(3) todos os produtos são comercializados internacionalmente; e
(4) os índices domésticos e estrangeiros incluem os mesmos produtos e a mesma
ponderação.
(Sachs & Larrain, p.331)
Uma medida de competitividade geral de uma nação no mercado internacional (por
exemplo, o interesse pelos produtos que exporta em comparação com os de outros países)
é o preço dos seus produtos em comparação com opreço destes produtos nas nações
concorrentes. O termo “taxa real de câmbio”, às vezes, é aplicada à taxa e = EP*/P.
Quando e aumenta, os produtos estrangeiros ficam mais caros que os nacionais e, neste
caso, falamos de uma depreciação na taxa de real de câmbio; por outro lado, quando e cai,
falamos de uma apreciação da taxa real de câmbio. É claro que a hipótese básica de PPC é
que e seja constante ou, pelo menos, quase constante, no decorrer do tempo. (Sachs &
Larrain, p.332)
A Arbitragem Internacional de Juros
A arbitragem deve garantir que a taxa de juros sobre títulos nos Estados Unidos e sobre
títulos franceses seja igual, supondo-se que não haja barreiras ao comércio internacional de
ativos financeiros. Se, por exemplo, o ativo francês oferecer maior taxa de retorno, todos os
investidores vão querer adquiri-lo, reduzindo desta forma a taxa de juros francesa e
elevando a taxa de juros dos Estados Unidos. Portanto, num tipo de lei de preço único para
ativos financeiros, podemos afirmar que:
(1 + i) = (E+1/E) (1 + i*)
Esta expressão pode ser reescrita como a seguinte aproximação:
i = i* + (E+1 - E) / E
Isto porque: (E+1 /E)(1+ i*) é igual a: 1+ i* + (E+1 - E)/E + i*[(E+1 - E)/E]. Como i*[(E+1 - E)/E
geralmente corresponde a valores pequenos, seu produto é muito pequeno e pode ser
ignorado. Portanto, temos que: 1 + i = 1 + i* + (E+1 - E)/E ou i = I* + (E+1 - E)/E.
A equação i = i* + (E+1 - E) / E, mostra uma relação extremamente importante, chamada
arbitragem dos juros.
Na equação i = i* + (E+1 - E) / E vemos que a taxa de juros interna deve ser igual à externa
mais a taxa de depreciação da taxa cambial. Naturalmente, os controles de capital podem
destruir a relação anterior. (Sachs & Larrain, p.336)
3.6.3. O Equilíbrio Geral de Preços, Taxa de Câmbio e Moeda
Agora, estamos prontos para reunir as três relações básicas que acabamos de analisar,
para ver como se atinge o equilíbrio nesta economia. Vimos que a condição de equilíbrio no
mercado monetário pode ser escrita como:
MD = PY/V(i) = M
Aqui, M é a oferta de moeda. A demanda por moeda MD é dada por PY/V(i), onde V(i) é a
velocidade da moeda e, por hipótese, é uma função crescente da taxa de juros.
Para chegarmos a uma caracterização total do equilíbrio, precisamos acrescentar duas
relações. Uma é a paridade do poder de compra, (...), P = EP*. A outra é a arbitragem os
juros que acabamos de deduzir na equação i = i* + (E+1 - E) / E. Por enquanto, vamos nos
limitar a uma condição de equilíbrio em que os preços, a taxa cambial e as outras variáveis
permanecem constantes, de modo que E = E+1. Neste caso, a equação anterior fica
reduzida a sua forma mais simples, em que as taxas de juros interna e externa são iguais:
i = i*
Como a taxa interna de juros é igual à taxa mundial i* (que, por definição, é fixa), a
velocidade da moeda, que depende da taxa de juros, também é fixa.
Agora, vamos juntar todas as peças, encontrando uma relação simples entre oferta
monetária e taxa cambial. Usando o equilíbrio do mercado monetário da equação MD =
PY/V(i) = M, a paridade do poder de compra da equação P = EP* e a expressão simplificada
de arbitragem de juros (i = i*), encontramos a seguinte relação básica:
MV(i*) = EP*Y
A relação entre M e E é mostrada na figura seguinte. Note que, quando E aumenta, a
demanda por moeda M também aumenta. Uma depreciação (ou seja, um aumento) de E
leva a um aumento dos preços internos e, portanto, a maior demanda por saldos
monetários.
MD
E
ângulo = V(i*)/P*Y
M
Figura - A relação de equilíbrio entre M e E.
A equação MV(i*) = EP*Y pode ser usada para descrever M como função de E, ou de E
como função de M. No primeiro caso, temos M = (EP*Y)/V(i*). No segundo caso, E =
[(MV(i*)]/(P*Y). O lado pelo qual queremos ver a equação MV(i*) = EP*Y depende do tipo de
sistema cambial administrado pelo banco central.
Se a taxa cambial for fixada pelo banco central, a equação MV(i*) = EP*Y deve ser reescrita
na forma que mostra M como função do nível de E escolhido pelo banco central:
M = (EP*Y) / V(i*)
Com a taxa fixa de câmbio, o estoque de moeda da economia se ajusta automaticamente,
ou endogenamente, de modo que a equação anterior se mantém para o valor de E
escolhido pelo banco central. Vamos ver como isto acontece na próxima seção. Por outro
lado, se a taxa de câmbio for flexível, a equação MV(i*) = EP*Y deve ser reescrita na forma
que mostra o nível de E consistente com o nível de M escolhido pelo banco central:
E = [M(V(i*)] / P*Y
Em resumo, se a taxa de câmbio for fixada pelo banco central, E passa a ser uma variável
exógena na equação M = (EP*Y) / V(i*), ou seja, E é determinado por fatores externos ao
modelo (neste caso, pelas preferências políticas do banco central). M, por outro lado, é uma
variável endógena, determinada pelas condições de equilíbrio na economia. Se a taxa de
câmbio flutua, E é uma variável endógena na equação E = [M(V(i*)] / P*Y e M passa a ser
uma variável exógena. (Sachs & Larrain, p.338)
3.6.3. A Política Monetária sob Diferentes Regimes Cambiais
Há diferentes maneiras de ajustar os mercados monetários nas economias com diferentes
regimes cambiais. Numa economia fechada ou numa economia com taxas de câmbio
flexíveis, as autoridades monetárias podem exercer uma influência considerável sobre a
determinação do montante nominal de liquidez da economia, mas, nas economias abertas,
com taxas de câmbio fixas (ou muito pouco flexíveis), as autoridades monetárias
praticamente não exercem qualquer influência sobre o montante nominal de liquidez da
economia, pois este é determinado pelo comportamento do público. Portanto, nas
economias abertas, tanto o montante real, quanto o montante nominal de liquidez são
determinados pelo público, pois este ajusta sua demanda à oferta de agregados monetários
através do balanço de pagamentos.
Nas economias abertas com taxas de câmbio fixas, as autoridades monetárias não têm
influência alguma sobre os agregados monetários, mas podem controlar a expansão do
crédito interno. Além disso, cada vez que a expansão do crédito interno (determinada pelas
autoridades monetárias) difere da expansão da demanda de agregados monetários
(determinada pelo público), ocorrem variações no balanço de pagamentos (e/ou no nível de
preços), que produzem os ajustes necessários para equilibrar o mercado monetário.
Nessas condições, para se obter um determinado saldo do balanço de pagamentos e um
determinado nível de demanda agregada, é preciso partir de um nível específico de crédito
interno. Conseqüentemente, esse nível específico de crédito interno representa a meta por
meio da qual é possível controlar a demanda agregada e o balanço de pagamentos. Esta
relação entre o crédito interno e o balanço de pagamentos constitui a essência da chamada
“abordagem monetária do balanço de pagamentos”. (FMI)
Quando o banco central faz uma compra de títulos no mercado aberto, sabemos que
inicialmente o estoque da base monetária aumenta, com:
Mh - Mh-1 = DgC - DgC-1
O lado direito desta expressão, o aumento da dívida governamental em poder do banco
central, mede o tamanho da operação no mercado aberto. A base monetária inicialmente
aumento no mesmo valor da compra de títulos. Mas as famílias verificam que têm mais
dinheiro do que desejam manter a essa taxa de juros, a esses preços e a esse nível de
renda. Portanto, tentarão converter parte do dinheiro excedente em outras formas de
riqueza, B e B*. Mas a demanda por B não consegue absorver a moeda doméstica
excedente, porque a compra de B pelas famílias com excesso de dinheiro simplesmente vai
produzir um excedente em dinheiro para as famílias que venderam os títulos. As variações
na taxa de juros também não poderão absorver o excedente na oferta monetária porque a
arbitragem internacional faz com que i seja igual i*.
Portanto, o excedente na oferta de moeda leva, ao menos parcialmente, a um aumento de
demanda por B*, o ativo estrangeiro.1 As famílias tentam comprar moeda estrangeira com a
moeda nacional para comprar os títulos estrangeiros. Desta forma, o excedente da oferta de
moeda começa a elevar o preço da moeda estrangeira, ou seja, M maior gera uma
depreciação incipiente da taxa de câmbio. Agora vamos ver o que acontece, primeiro com
taxas cambiais fixas e, depois, com taxas flutuantes. (Sachs & Larrain, p.339)
Taxas Cambiais Fixas
Como E é constante num regime de taxa fixa de câmbio, o banco central vai estar disposto
a intervir no mercado para evitar que E sofra uma depreciação. Em especial, o banco central
vai vender reservas em moeda estrangeira para evitar que o preço da moeda estrangeira
suba (ou seja, que E seja depreciado). A venda de reservas ao público faz com que o
estoque da base monetária caia, e o aumento na oferta monetária decorrente da operação
original de mercado aberto é reabsorvido. No entanto, enquanto M continuar maior do que
antes da operação no mercado aberto, a oferta maior de moeda vai continuar. O banco
central vai precisar ficar vendendo reservas até M voltar ao nível inicial. Portanto, se o banco
central realizou a compra no mercado aberto com o objetivo de aumentar a oferta
monetária, não o atingiu.2
No final, o banco central perde em reservas exatamente o valor do aumento original da
oferta monetária. Encontramos:
E(B*C - B*C-1) = - (DgC - DgC-1)
Quando a poeira baixar, o balancete do banco central vai mostrar menos reservas
estrangeiras, compensadas exatamente pelo valor do aumento de títulos internos, e o valor
total do ativo permanece inalterado. A quantidade de moeda, por outro lado, continua a
mesma:
Mh - Mh-1 = DgC - DgC-1 + E(B*C - B*C-1) = 0
No prazo muito curto, a taxa interna de juros pode cair em comparação com as taxas externas, mas isto levaria
rapidamente a um deslocamento da demanda para o ativo estrangeiro, reduzindo o pr eço do título nacional (e, portanto,
aumentando a taxa interna de juros) até que i = i* seja restaurado.
A idéia de que uma expansão monetária se traduz numa perda de reservas cambiais é um resultado básico da abordagem
monetária ao balanço de pagamentos, um esquema que remonta ao trabalho de David Hume no século XVIII.
Essa observação nos leva a um resultado verdadeiramente notável: num regime de taxa
cambial fixa com movimentação livre de capital, o banco central não consegue afetar a
quantidade de moeda. Qualquer tentativa, como, por exemplo, por meio de uma operação
no mercado aberto, dá origem somente a uma perda de reservas internacionais. Portanto, o
estoque monetário é endógeno, e não é controlável pelo banco central. (Sachs & Larrain,
p.340)
Taxas Cambiais Flexíveis
Num regime de taxas flexíveis de câmbio, o governo não intervém quando há depreciação
na taxa de câmbio. À medida em que a depreciação continua, os preços internos vão
aumentando na mesma proporção, de acordo com a paridade do poder de compra (ou seja,
a depreciação aumenta o preço em moeda nacional dos produtos estrangeiros, o que
também aumenta o preço interno dos produtos nacionais). Por sua vez, o aumento de preço
corrige o excesso de oferta de moeda, reduzindo a sua quantidade real. Repare que, como
M/P fica mais alto depois da compra no mercado aberto, continua havendo um excesso de
oferta monetária, e isto continua a empurrar a taxa cambial e os preços para cima. Num
certo ponto, os preços vão ser aumentados na mesma proporção do aumento no estoque
monetário, de modo que M/P terá voltado ao nível inicial. Portanto, o excedente de oferta
monetária é resolvido por meio de um aumento nos preços internos, e os saldos monetários
reais voltam ao nível original antes da operação no mercado aberto. Neste caso, a moeda e
os preços aumentaram na mesma proporção.
Podemos resumir a análise feita até aqui: com taxas de câmbio fixas, o estoque monetário é
endógeno e a taxa de câmbio é exógena. Com taxas flexíveis, ocorre o inverso: a taxa
cambial é a variável endógena e o estoque de moeda é exógeno. (Sachs & Larrain, p.341)
3.6.5. As Metas Monetárias nas Economias com Taxas de Câmbio Flexíveis
Com o desaparecimento das taxas de câmbio fixas, os países puderam controlar a oferta
monetária e começaram a utilizar metas intermediárias mais relacionadas com o mercado
interno. A seguir são examinadas as variáveis que estão sob o controle das autoridades
monetárias e as que não estão. Este exame pode explicar o motivo pelo qual algumas
variáveis importantes, como as taxas de juros e o nível de preços, não são metas
apropriadas de política monetária. Depois são discutidos alguns aspectos do uso dos
agregados monetários como metas ou objetivos intermediários de política monetária.
Finalmente, são examinados os efeitos das inovações financeiras e a integração mundial
dos mercados financeiros com as metas adequadas de política monetária.
Variáveis controláveis e variáveis não-controláveis
Alguns modelos monetários de tradição keynesiana para países industrializados supõem
que as autoridades monetárias possam controlar a taxa de juros. Supõem, outrossim, que
as variações da taxa de juros afetam de forma previsível o investimento e o consumo
(poupança) e, portanto, a renda monetária. Embora a taxa de juros seja de fato uma variável
muito importante, que influi sobre a despesa e a renda, estas últimas dependem também
das expectativas a respeito das variações futuras, inclusive das variações das taxas de
juros. Além do mais, não é certo que as autoridades monetárias possam controlar a taxa de
juros, exceto a prazo muito curto. É provável, além disso, que as medidas tomadas para
controlar a taxa de juros desestabilizem a economia.
Impossibilidade de controlar a taxa de juros a longo prazo
A impossibilidade de controlar a taxa de juros a longo prazo e a possibilidade de que as
tentativas de fazê-lo desestabilizem a economia, se devem a que os efeitos a curto prazo da
política monetária sobre as taxas de juros diferem dos efeitos a prazo médio. Por exemplo, a
prazo muito curto, um aumento imprevisto da oferta monetária cria um excesso de oferta de
dinheiro, que tende a reduzir a taxa de juros. Este é o efeito de “liquidez”, fundamental na
teoria keynesiana.
Não obstante, a curto e médio prazos, as variações resultantes dos gastos afetarão a renda
real e os preços. Este efeito de renda fará com que a procura de dinheiro aumente,
desaparecendo com isto o excesso anterior de oferta e as taxas de juros tenderão a retornar
ao seu nível inicial.
Se o público começasse a prever o aumento da oferta monetária e os aumentos resultantes
de preços, também preveria a subida das taxas de juros. Este último efeito de “expectativas”
ou “efeito de Fisher”, explica porque, contrariamente ao que postula a doutrina keynesiana
ortodoxa, os países com altas taxas de crescimento da oferta monetária, como por exemplo
a Argentina e o Brasil, têm taxas de juros muito altas, enquanto os países com baixas taxas
de crescimento da oferta monetária, como por exemplo a Suiça, têm taxas de juros baixas.
Os três efeitos acima também explicam o motivo pelo qual os países não podem
estabelecer metas para as taxas de juros, salvo por um prazo muito curto, porque, se o
fizerem, serão obrigados a aumentar a oferta monetária acima do previsto, o que, além de
contraproducente a médio prazo, teria consequências desestabilizadoras.
Nem a taxa de desemprego, nem a taxa de inflação, podem ser metas de política monetária.
Em primeiro lugar, as autoridades monetárias não controlam diretamente a taxa de
desemprego nem a taxa de inflação, porque as variações dessas taxas dependem das
mudanças de múltiplas variáveis e não somente das modificações da política monetária. Em
segundo lugar, os efeitos das modificações da política monetária sobre essas duas taxas
não são previsíveis, porque ocorrem com defasagens longas e variáveis, segundo as
expectativas do público sobre a inflação, a produção, a taxa de câmbio etc.
Os agregados monetários como metas intermediárias de política monetária
Nas décadas de setenta e oitenta, muitos países começaram a utilizar os agregados
monetários como meta apropriada da política monetária. Em primeiro lugar, os agregados
monetários estão sob controle direto das autoridades monetárias nos países com taxas de
câmbio flexíveis. Isto é, ao modificar a base monetária (e outros instrumentos), as
autoridades podem neutralizar os efeitos de mudanças inesperadas de comportamento dos
agentes econômicos, para conseguir o valor nominal desejado do agregado monetário
(evidentemente, não podem controlar o valor real desses agregados, nem do crédito real).
Em segundo lugar, existe uma grande quantidade de dados empíricos que sugerem a
existência de uma procura estável dos agregados monetários e, portanto, de relações
previsíveis entre os agregados monetários e a renda nominal. Obviamente, ninguém pode
prever se estas relações serão estáveis a prazo muito curto, pois isto também depende da
evolução de variáveis reais, “perturbações reais”, que afetam a taxa de juros e/ou os gastos
do setor privado, e das expectativas dos agentes econômicos. Mas, supõe-se, que esses
efeitos se equilibram dentro de um ano ou de vários anos.
Dada esta relação entre a renda nominal (ou o PIB nominal) e algum agregado monetário, o
que se busca mediante a seleção de um agregado monetário como meta intermediária é a
obtenção dos níveis desejados de renda nominal (PIB) a prazo médio. Isto é, a seleção de
um agregado monetário como meta intermediária não é um fim em si mesmo, mas um meio
de atingir um fim.
Em terceiro lugar, hipóteses novas, como a das “expectativas racionais”, colocaram em
dúvida o mérito da estratégia anterior das autoridades monetárias, de “remar contra a maré”,
ou seja, de procurar estabilizar as taxas de juros, a taxa de desemprego etc. Se as
expectativas são “racionais”, no sentido de que se baseavam nas melhores teorias e
informações existentes, os esforços das autoridades monetárias para mudar essas
expectativas estavam fadados ao fracasso.
Consequentemente, as autoridades monetárias de muitos países industrializados, em vez
de empenharem-se em modificar as expectativas, começaram a anunciar os valores que
pretendiam para os agregados monetários, resumindo assim, adequadamente, sua política.
O principal objetivo era facilitar o processo de decisão e aumentar a confiança do setor
privado, já que esta política reduzia a possibilidade de decisões errôneas baseadas em
expectativas incorretas. No Quadro são apresentados alguns dos agregados monetários
adotados para indicar a política monetária, em países selecionados.
Agregados Monetários Selecionados como Metas Intermediárias em Oito Países
Industrializados
País
Agregado Monetário
Alemanha
Base monetária (dinheiro primário) (1)
Canadá
M1
(2)
Estados Unidos
M1, M2, M3
(3)
França
M3
(4)
Itália
Crédito interno
Japão
M2 + Certificados de depósito
Reino Unido
Base monetária, M3
Suiça
Base monetária, M1
(1) Definida como a soma da moeda em circulação mais reservas obrigatórias
(2) Até 1981
(3) M1 foi abandonado como meta intermediária em 1987
(4) M3 inclui M2 mais os certificados de depósito, mais títulos de curto prazo emitidos pelo
sistema financeiro. Antes de 1986, a meta era o crédito interno, como na Itália.
Evolução recente dos agregados monetários como metas de política monetária
Nos últimos anos, as circunstâncias obrigaram vários países industrializados a modificar
suas metas intermediárias de política monetária. Os Estados Unidos abandonaram sua
meta de M1 em 1987, o Canadá suspendeu a adoção de metas monetárias em 1981 e a
Alemanha substituiu sua meta anterior por um novo M3, que inclui moeda em circulação,
depósitos à vista, depósitos a prazo de menos de 4 anos e depósito de poupança
institucional.
Os principais motivos destas modificações foram as inovações baseadas em avanços
técnicos e as novas normas regulamentares, que eliminariam algumas das vantagens de se
ater a uma meta anunciada de um agregado monetário como objetivo da política monetária.
Em especial, o progresso tecnológico nas áreas de comunicação e registro de transações
(computadores etc) diminuiram o custo das transações financeiras. Esta redução dos custos
das transações incentivou a criação de novos instrumentos financeiros e o aparecimento de
novos intermediários financeiros. Isto, por sua vez, levou à desregulamentação dos
intermediários e ao fortalecimento da concorrência, à inovação e ao aumento da eficiência
dos mercados financeiros.
Um efeito imediato destas inovações foi um maior grau de substituição entre os vários tipos
de ativos financeiros. Nos Estados Unidos, por exemplo, os depósitos em conta corrente,
que agora pagam juros, cresceram rapidamente, às expensas de outros tipos de depósitos.
Por isto, a relação entre M1 e a renda é completamente distinta da relação anterior.
Outra mudança estrutural do mercado financeiro foi a estreita integração dos mercados
financeiros internacionais, especialmente nos países industrializados. Esta integração se
deveu, em parte, à queda do custo das transações e à desregulamentação dos mercados
nacionais, com a qual se procurou aumentar a concorrência internacional.
Outro fator da modificação das metas monetárias - talvez o mais importante - foi o
surgimento de substanciais flutuações das taxas de câmbio. Estas flutuações levaram as
autoridades monetárias de muitos países industrializados a dar maior importância ao
equilíbrio externo, em detrimento dos objetivos internos. Efetivamente, o empenho dos
países do G-7 em reduzir a instabilidade das taxas de câmbio fez com que esta taxa
voltasse a se converter numa meta importante da política dos grandes países
industrializados, que suplanta, quando necessário, as metas monetárias.
Não obstante, mesmo com todas estas mudanças imprevistas e perturbações, poucos
países abandonaram a política de anunciar o nível desejado de crescimento dos agregados
monetários como meta intermediária de política monetária. Muitos economistas e
autoridades nacionais crêem que um enfoque nitidamente discricionário debilitaria a
confiança do público. Em alguns países, as autoridades monetárias complementaram as
metas monetárias com algumas medidas discricionárias, numa tentativa de suavizar as
repercussões de mudanças imprevistas e de outras perturbações.
3.6.6. Política Monetária e Desenvolvimento Econômico
A percepção da função que a política monetária desempenha no desenvolvimento
econômico mudou durante as duas últimas décadas. Nas décadas de cinquenta e sessenta,
alguns países - especialmente os do Cone Sul - adotaram uma estratégia monetária de
estimular os gastos, baseando-se na idéia de que o aumento da demanda agregada
aumentaria a produção. Esta idéia supunha um excesso generalizado de capacidade na
economia, um tanto semelhante à situação dos países industrializados durante a Grande
Depressão. A inflação resultante era considerada uma consequência inevitável do processo
de desenvolvimento.
Esta estratégia correspondia à escola “estruturalista” e não se estendia a outros países, que
temiam o alto custo da inflação. A outra estratégia para evitar a inflação propugnava a
disciplina monetária. É a estratégia da escola “monetarista”, que os estruturalistas tachavam
de “anti-crescimento”.
A experiência dos países que adotaram políticas monetárias expansionistas durante os anos
cinquenta e sessenta convenceu as autoridades de que a expansão inflacionária dos
agregados monetários nominais reduz o crescimento, em lugar de fomentá-lo. Ao mesmo
tempo, as novas proposições teóricas e os estudos empíricos produziram outra estratégia
monetária para aumentar o crescimento econômico.
A nova estratégia insistia em que a intermediação financeira promovia o aumento da
poupança real e a eficiência do investimento. As idéias básicas desta abordagem são as
seguintes:
i) a intermediação bancária aumenta os recursos financeiros;
ii) os recursos financeiros representam poupança transferível e a produtividade desta
poupança pode aumentar se, em vez de ser reinvestida nas unidades com superavit de
recursos, ela for transferida para as unidades que têm projetos produtivos;
iii) os recursos financeiros que contam são os recursos financeiros reais, determinados pelo
público; não obstante, as autoridades monetárias podem influir no volume de recursos
financeiros reais, modificando a “qualidade” dos ativos monetários disponíveis;
iv) numa situação de concorrência e ausência relativa de distorções, o uso de recursos
financeiros pelos agentes econômicos será mais eficiente.
A adoção desta estratégia produziu mudanças importantes na organização do sistema
financeiro de alguns países, as denominadas “reformas financeiras”. Em termos mais gerais,
o estímulo ao crescimento econômico converteu-se num objetivo a mais da política
econômica num número maior de países. Para alcançar estes objetivos, os países
reformaram seus sistemas de controle monetário, desde os controles diretos - sobre a
expansão do crédito dos vários bancos ou sobre a taxa de juros - aos instrumentos de
mercado.
Referências Bibliográficas
Friedman, Milton (1968). O papel da política monetária. In Shapiro (1978), Análise
Macroeconômica - Leituras selecionadas. Ed. Atlas.
Fundo Monetário Internacional, Instituto do FMI, Política de Taxa de Juros e Reforma
Financeira (apostila).
Sachs, Jeffrey D. e Larrain, Felipe B. Macroeconomia, Makron Books, São Paulo, 1995.
ANEXO - Resumo de Texto
O Papel da Política Monetária (Milton Friedman)
Nota: Reimpresso do American Economic Review (março de 1968), pp. 1-17, com
permissão do autor e do editor. Milton Friedman é professor catedrático da Universidade de
Chicago. Discurso presidencial, feito na 80a. Conferência Anual da American Economic
Association, Washington, D.C., 29 de dezembro de 1967.
Existe ampla concordância a respeito dos objetivos principais da política econômica: taxa
elevada de emprego, preços estáveis e crescimento rápido. Há menos acordo quanto a que
esses objetivos sejam mutuamente compatíveis, ou que o sejam aqueles que os consideram
incompatíveis, quanto aos termos em que poderão e deverão ser substituídos um pelo
outro; há muito menos concordância a respeito do papel que os vários instrumentos de
política poderão e deverão desempenhar para a realização das diversas metas.
Meu tema para esta noite será o papel de um dos instrumentos: a política monetária. Com o
que ela poderá contribuir e como deverá ser conduzida a fim de contribuir ao máximo? As
opiniões sobre essas questões variaram amplamente. No primeiro rojão de entusiasmo
sobre o recém-criado Sistema de Reserva Federal, muitos observadores atribuíram a
relativa estabilidade dos anos 20 à capacidade do Sistema de promover uma sintonia
precisa para se empregar um termo moderno adequado. Foi largamente aceito que havia
chegado uma nova era, em que os ciclos econômicos se haviam tornado obsoletos, em
virtude dos avanços da tecnologia monetária. (…) A Grande Contração destruiu essa atitude
ingênua. As opiniões transportaram-se para o outro extremo. A política monetária era uma
corda. Poder-se-ia puxá-la a fim de estancar a inflação, mas não se poderia empurrá-la para
interromper a recessão. Alguém poderia levar um cavalo para beber água, mas não o
poderia forçar a bebê-la.
Keynes ofereceu simultaneamente uma explicação para a impotência presumida da política
monetária em estancar a depressão, uma interpretação não-monetária da depressão e uma
alternativa à política monetária, para fazer frente à depressão, e sua oferta foi avidamente
aceita. Se a preferência pela liquidez for absoluta ou quase absoluta, como Keynes
acreditava ser provável em épocas de elevado desemprego, as taxas de juros não poderão
ser reduzidas pelas medidas monetárias. Se o investimento e o consumo forem pouco
afetados pelas taxas de juros, como Hansen e muitos dos outros discípulos norteamericanos de Keynes acreditavam, as taxas de juros mais baixas, mesmo que pudessem
ser alcançadas, resolveräo muito pouco.
(…) A retraçäo posta em movimento sob este ponto de vista, por meio de um colapso do
investimento ou por uma escassez das oportunidades de investimento ou uma parcimônia
teimosa, näo poderia, argumentava-se, ser estancada por medidas monetárias. Mas havia
uma alternativa disponível: a política fiscal. O dispêndio governamental poderia compensar
o investimento privado insuficiente. As reduçöes dos tributos poderiam minar a parcimônia
teimosa.
A larga aceitaçäo desses pontos de vista no seio dos economistas significava que, por duas
décadas, a política monetária seria considerada por todos, menos uns poucos espíritos
reacionários, como tendo-se tornado obsoleta, em virtude do novo conhecimento
econômico. A moeda näo tinha importância. Seu único papel era aquele desprezível de
manter baixas as taxas de juros, a fim de auxiliar o dispêndio governamental a manter um
alto nível de procura agregada.
Essas visöes produziram uma adoçäo generalizada de políticas, que receberam um choque
rude quando essas políticas falharam de país para país, quando os bancos centrais, um
após o outro, foram forçados a abandonar a pretensäo de que poderiam manter
indefinidamente a taxa de juros a um nível baixo.
A inflaçäo, estimulada pelas políticas de moeda barata, e näo a depressäo de pós-guerra
amplamente anunciada, foi que se tornou o assunto do dia. O resultado foi o início de um
ressurgimento da crença na potência da política monetária.
O renascimento da crença na potência da política monetária foi também amparado por uma
reavaliaçäo do papel que a moeda havia desempenhado de 1929 a 1933. Keynes e a
maioria de outros economistas acreditavam que a Grande Depressäo nos Estados Unidos
ocorreu apesar das políticas expansionistas agressivas por parte das autoridades
monetárias, que haviam feito de tudo e, no entanto, näo foi suficiente. Estudos recentes
demonstraram que os fatos säo exatamente o inverso: as autoridades monetárias dos
Estados Unidos seguiram políticas altamente deflacionárias. A quantidade de moeda nos
Estados Unidos havia caído em um terço no decorrer da retraçäo. E ... caiu porque o
Sistema de Reserva Federal forçou ou permitiu uma reduçäo profunda na base monetária,
porque falhou em exercer as responsabilidades a ele atribuídas na Lei da Reserva Federal,
de fornecer liquidez ao sistema bancário. A Grande Depressäo é uma testemunha trágica do
poder da política monetária, e näo uma prova de sua impotência, como Keynes e muitos de
seus contemporâneos acreditavam.
Desacostumado como sou em denegrir a importância da moeda, realçarei, portanto, como
primeira tarefa, o que a política monetária näo poderá fazer. Depois, tentarei delinear o que
poderá realizar e como poderá dar sua contribuiçäo da melhor maneira ao estado atual de
nosso conhecimento ou ignorância.
A - O Que a Política Monetária Näo Poderá Fazer.
Do universo infinito da negaçäo, selecionei duas limitaçöes da política monetária a serem
discutidas:
(1) näo poderá determinar as taxas de juros em mais que períodos bastante limitados; e
(2) näo poderá determinar a taxa de desemprego em mais que períodos bastante
limitados.
(…)
1. Determinaçäo da Taxa de Juros
Esta limitaçäo provém de um aspecto sobremodo mal compreendido da relaçäo entre a
moeda e as taxas de juros. Imaginemos que o governo decida manter baixas as taxas de
juros. Como tentará fazer isso? Naturalmente adquirindo títulos mobiliários. Isso eleva seus
preços e reduz seus retornos. No processo, também aumenta a quantidade de reservas
disponíveis aos bancos, daí a soma de crédito bancário e, finalmente, o montante total de
moeda. É por isso que os bancos centrais em particular e a comunidade financeira de modo
mais amplo, geralmente acreditam que um aumento na quantidade de moeda tenderá a
diminuir a taxa de juros. Os economistas acadêmicos aceitam a mesma conclusäo, mas por
diferentes razöes. Vêem na funçäo preferência pela liquidez uma inclinaçäo negativa. Como
poderäo as pessoas ser induzidas a guardar uma soma maior de moeda? Somente
baixando a taxa de juros.
Ambos estäo corretos, até certo ponto. O impacto inicial de se aumentar a quantidade
de moeda a uma taxa mais rápida do que aquela em que estava aumentando será a
reduçäo das taxas de juros, em um período, a um ponto mais baixo do que seria de outra
forma. Mas isso é somente o começo do processo, e näo o fim. A taxa mais rápida do
crescimento monetário estimulará o dispêndio, quer através do impacto sobre o
investimento das taxas de juros mais baixas do mercado, quer por intermédio do impacto
sobre os outros dispêndios...Mas as despesas de um homem seräo a renda de outro. A
renda crescente elevará a funçäo preferência pela liquidez e a procura de
empréstimos; poderá também elevar os preços, o que reduziria a verdadeira
quantidade de moeda.
Esses três efeitos inverteräo a pressäo decrescente inicial sobre as taxas de juros de
uma maneira bastante imediata, digamos em pouco menos que um ano. Juntos, tenderäo,
após um intervalo mais ou menos longo, digamos um ou dois anos, a fazer com que a taxa
de juros retorne ao nível que de outro modo teria tido. Na verdade, a tendência da economia
de exagerar provavelmente elevará temporariamente a taxa de juros além daquele nível,
pondo em movimento um processo cíclico de ajustamento.
Um quarto efeito, caso venha a funcionar, irá mais longe e significará, realmente, que
uma taxa mais alta de expansäo monetária corresponderá a nível mais alto, e näo
mais baixo, de taxa de juros...Imaginemos que a taxa mais alta de crescimento monetário
produza preços em ascensäo e que o público venha a esperar que os preços continuem a
subir. Os tomadores de empréstimos estaräo dispostos a pagar e os emprestadores, entäo,
exigiräo taxa de juros mais elevadas, como Irving Fisher salientou décadas atrás. Esse
efeito de expectativas de preços é de lento desenvolvimento e demora também para
desaparecer.
Esses efeitos subsequentes explicam porque todas as tentativas para manter as taxas
de juros a um nível baixo forçaram a autoridade monetária a se engajar em sucessivas
e cada vez maiores aquisiçöes no "open market". Explicam porque, historicamente, as
elevadas e crescentes taxas de juros nominais têm sido associadas com o crescimento
rápido da quantidade da moeda, como no Brasil ou no Chile e nos Estados Unidos, em
anos recentes, e porque taxas de juros baixas e decrescentes têm sido associadas com o
crescimento lento na quantidade de moeda, como na Suíça de agora ou nos Estados
Unidos de 1929 a 1933. Como uma matéria empírica, as taxas de juros baixas säo um sinal
de que a política monetária tem sido apertada, no sentido em que a quantidade de moeda
cresceu lentamente; taxas de juros altas säo um indício de que a política monetária tem sido
fácil, no sentido em que a quantidade de moeda cresceu rapidamente. Os fatos mais
amplos da experiência correm exatamente na direçäo oposta àquela em que a
comunidade financeira e os economistas acadêmicos acreditavam fosse verdadeira.
Paradoxalmente, a autoridade monetária poderia assegurar taxas baixas de juros nominais,
mas, para fazê-lo, teria que iniciar pelo que parece ser a direção oposta, empenhando-se
numa política monetária deflacionária. De forma semelhante, poderia assegurar taxas altas
de juros nominais, empenhando-se numa política inflacionária e aceitando um movimento
temporário das taxas de juros na direçäo oposta.
Essas consideraçöes näo apenas explicam porque a política monetária näo poderá
determinar as taxas de juros, mas também porque as taxas de juros säo um indicador täo
enganoso do fato de a política monetária ser "apertada" ou "fácil". Para isso, será muito
melhor observar a taxa de mudança da quantidade de moeda.
2. Emprego como um Critério da Política Econômica
A segunda limitaçäo que desejo analisar vai mais contra a natureza do pensamento
corrente. O crescimento monetário, como é largamente considerado, tenderá a estimular o
emprego, e a retraçäo monetária a retardar o emprego. Por que, entäo, näo poderá a
autoridade monetária adotar uma meta para o emprego ou desemprego, digamos de
3% de desemprego? Retrair ou näo a moeda, conforme o desemprego seja menor ou
maior que a meta?
(…)
Graças a Wicksell, estamos todos a par do conceito de uma taxa de juros "natural" e
da possibilidade de uma discrepância entre a taxa "natural" e a de "mercado". A
análise precedente das taxas de juros poderá ser traduzida, de forma razoavelmente direta,
em termos Wicksellianos. A autoridade monetária poderá tornar a taxa de mercado menor
que a taxa natural apenas pela inflaçäo. Poderá tornar a taxa de mercado maior que a
natural apenas pela deflaçäo. Acrescentamos somente uma sugestäo a Wicksell: a
distinçäo de Irving Fisher entre a taxa de juros nominal e a real. Deixemos que a
autoridade monetária mantenha a taxa nominal de mercado, por um tempo, abaixo da taxa
natural, por meio da inflaçäo. Isso, por sua vez, elevará a própria taxa nominal natural, täo
logo as antecipaçöes da inflaçäo se tornem generalizadas, exigindo, assim, uma inflaçäo
ainda mais rápida para manter baixa a taxa de mercado.
Essa análise possui sua contrapartida no mercado de emprego. Em qualquer
momento no tempo, haverá algum nível de desemprego que possua a propriedade de
ser consistente com o equilíbrio na estrutura das taxas de salários reais. Naquele nivel
de desemprego, as taxas de salários reais tenderäo, em média, a crescer a uma taxa
secular "normal", isto é, a uma taxa que poderá ser indefinidamente mantida enquanto a
formaçäo de capital, os melhoramentos tecnológicos, etc permanecerem em suas
tendências de longo prazo. Um nível mais baixo de desemprego é uma indicaçäo de que
existe uma procura excessiva por trabalho, que produzirá uma pressäo ascendente sobre as
taxas de salários reais. Um nível mais alto de desemprego é uma indicaçäo de que existe
uma oferta excessiva de trabalho, que produzirá uma pressäo decrescente sobre as taxas
de salários reais.
A "taxa natural de desemprego", em outras palavras, é o nível que seria preparado pelo
sistema walrasiano de equaçöes de equilíbrio geral, desde que nelas estivessem incluídas
as características estruturais reais do trabalho e dos mercados de bens, inclusive as
imperfeiçöes dos mercados, as variaçöes conjunturais nas procuras e ofertas, o custo de
coletar informaçöes sobre vagas de empregos e disponibilidades do trabalho, os custos da
mobilidade e assim por diante.
Reconhecemos a semelhança íntima entre essa demonstraçäo e a famosa curva de
Phillips. A análise de Phillips a respeito da relaçäo entre o desemprego e a mudança de
salários é merecidamente celebrada como uma contribuiçäo importante e original. Mas,
infelizmente, contém um defeito básico: a falha em distinguir entre os salários nominais e
os reais, da mesma forma que a análise de Wicksell falhou em distinguir entre as taxas de
juros nominais e as taxas de juros reais. Implicitamente, Phillips escreveu seu artigo para
um mundo em que todos antecipassem que os preços nominais seriam estáveis e em que
aquela antecipaçäo permanecesse estável e imutável, näo importando o que acontecesse
com os preços e salários reais. Suponhamos, em contraste, que todos antecipassem que os
preços subiriam a uma taxa de mais de 75% ao ano, como os brasileiros o fizeram há
alguns anos atrás. Entäo os salários deveriam aumentar a uma taxa igual àquela,
simplesmente para manter imutáveis salários reais. Uma oferta excessiva de trabalho será
refletida num crescimento menos rápido dos salários nominais do que os preços
antecipados, e näo num declínio absoluto dos salários. Quando o Brasil embarcou numa
política para reduzir a taxa de aumento de preços e teve êxito em reduzir o aumento dos
preços a aproximadamente 45% ao ano, houve um aumento inicial agudo do desemprego,
porque, sob a influência de antecipaçöes anteriores, os salários continuavam a subir a um
ritmo que era maior que a nova taxa de aumento dos preços, embora menor que antes.
Esse é o resultado experimentado e esperado de todas as tentativas para reduzir a taxa de
inflaçäo abaixo daquela largamente antecipada.
Para evitar incompreensöes, deixem-me enfatizar que, usando o termo taxa "natural" de
desemprego, näo quero sugerir que seja imutável e inalterável. Pelo contrário, muitas das
características de mercado que determinam seu nível säo realizadas pelo homem e pela
política econômica. Emprego o termo "natural" pela mesma razäo de Wicksell: para
tentar separar as forças reais das forças monetárias.
Vamos pressupor que a autoridade monetária tente determinar a taxa de "mercado" do
desemprego, a um nível abaixo da taxa "natural". Suponhamos, hipoteticamente, que
considere 3% como o objetivo de taxa, e que a taxa "natural" seja maior que 3%.
Suponhamos, também, que iniciemos numa época em que os preços sejam estáveis e em
que o desemprego seja maior que 3%. Consequentemente, a autoridade monetária
aumentará a taxa de crescimento monetário. Isso será expansionista. Tornando as
disponibilidades monetárias nominais mais altas que as pessoas desejarem, isso tenderá,
incialmente, a reduzir as taxas de juros, e dessa e de outras formas, estimulará o dispêndio.
A renda e o dispêndio começaräo a aumentar.
Para começar, muita ou a maior parte do aumento de renda assumirá a forma de um
aumento da produçäo e do emprego, e näo dos preços. As pessoas esperavam que os
preços fossem estáveis e os preços e os salários foram programados para algum tempo no
futuro, naquela base. Leva tempo para as pessoas se ajustarem a um novo estágio de
procura. Os produtores tenderäo a reagir à expansäo inicial da procura agregada por meio
do aumento da produçäo, os empregados através de um trabalho mais longo e os
desempregados aceitando empregos agora oferecidos a salários nominais anteriores.
Isso descreve somente os efeitos iniciais. Em virtude de os preços de venda dos
produtos tipicamente reagirem a um aumento näo antecipado da procura nominal de modo
mais rápido que os preços dos fatores de produçäo, os salários reais recebidos teräo caído,
(...) , já que os empregados implicitamente avaliaram os salários oferecidos ao nível de
preços mais antigos. Mas o declínio ex post dos salários reais logo afetará as antecipaçöes.
Os empregados começaräo a ponderar sobre os preços crescentes das coisas que
adquirem, e a exigir maiores salários nominais para o futuro. O desemprego do "mercado"
será mais baixo que o nível "natural". Há uma procura excessiva por trabalho, no sentido em
que os salários reais tenderäo a crescer na direçäo de seu nível inicial.
Apesar de a taxa maior de crescimento monetário continuar, o aumento dos salários
reais inverterá o declínio do desemprego, e depois levará a um aumento, que tenderá
a repor o desemprego no seu nível anterior. A fim de manter o desemprego em seu nível
de 3%, a autoridade monetária teria de elevar ainda mais o crescimento monetário. Como
no caso da taxa de juros, a taxa de "mercado" de desemprego poderá ser mantida abaixo
da taxa "natural" apenas pela inflaçäo e, também como no caso da taxa de juros, apenas
pela aceleraçäo da inflaçäo. Inversamente, imaginemos que a autoridade monetária escolha
um objetivo de taxa de desemprego que esteja acima da taxa natural, e que seja levada a
produzir uma deflaçäo e, até mesmo, uma deflaçäo acelerada.
E se a autoridade monetária escolher a taxa "natural", seja de juros ou de desemprego,
como seu objetivo? Um dos problemas será que näo poderá saber qual seja a taxa
"natural". Infelizmente, ainda näo descobrimos qualquer método que possa estimar precisa
e prontamente a taxa natural, seja de juros ou de desemprego. E a taxa "natural", por si só,
mudará de tempos em tempos.
(…) Uma taxa de inflaçäo crescente poderá reduzir o desemprego, uma taxa elevada
näo o fará.
Para se declarar a conclusäo geral de modo ainda diferente, a autoridade monetária
controlará as quantidades nominais, e diretamente a quantidade de suas próprias
obrigaçöes. Em princípio, poderá empregar esse controle para determinar uma quantidade
nominal, uma taxa de câmbio, o nível de preços, o nível nominal da Renda Nacional, a
quantidade de moeda de uma ou de outra definiçäo, a taxa de mudança numa quantidade
nominal ou a taxa de crescimento da quantidade de moeda. Näo poderá utilizar seus
controles sobre as quantidades nominais a fim de determinar a quantidade real, a taxa
de juros real, a taxa de desemprego, o nível da Renda Nacional real, a quantidade real
de moeda, a taxa de crescimento da Renda Nacional real ou a taxa de crescimento da
quantidade real de moeda.
B - O Que a Política Monetária Poderá Fazer
A política monetária näo poderá determinar essas magnitudes reais a níveis prédeterminados. Mas a política monetária poderá e terá efeitos importantes sobre essas
magnitudes. De modo algum um é inconsistente com o outro.
Meus próprios estudos sobre a história monetária tornaram-me extremamente complacente
com o comentário muitas vezes citado, maltratado e largamente incompreendido de John
Stuart Mill: "Näo poderá (...) haver uma coisa mais intrinsecamente insignificante na
economia de uma sociedade que a moeda, exceto no caráter de um dispositivo para se
poupar tempo e trabalho. É uma máquina para se realizar alguma coisa de forma rápida e
cômoda, que, de qualquer forma, seria feita sem ela, embora menos rápida e
comodamente: e, como muitos outros tipos de maquinaria, apenas exercerá uma influência
distinta e independente por si própria quando estiver descontrolada".
Realmente, a moeda é apenas uma máquina, mas é uma máquina extraordinariamente
eficiente. Sem ela, näo teríamos começado a alcançar o surpreendente crescimento em
produçäo e nível de vida que temos experimentado nos últimos dois séculos; nem mesmo
teríamos conseguido sem aquelas outras maravilhosas máquinas que se espalham pelo
interior de nosso país e que nos permitem, na maior parte, simplesmente realizar mais
eficientemente o que poderia ser feito sem elas a um custo täo grande em termos de
trabalho.
Mas a moeda apresenta um aspecto que essas máquinas näo compartilham. Em
virtude de ser täo penetrante, quando se descontrolar, introduzirá um deslocamento violento
no funcionamento de todas as outras máquinas. A Grande Depressäo é o exemplo mais
dramático, mas näo o único. Todas as outras retraçöes deste país, ou têm sido produzidas
pela desordem monetária ou bastante exacerbadas pela desordem monetária. Todas as
grandes inflaçöes foram produzidas pela expansäo monetária, principalmente para fazer
frente às exigências superiores da guerra, que forçaram à criaçäo de moeda a fim de
complementar a tributaçäo explícita.
A primeira e a principal liçäo que a história nos ensina sobre o que a política monetária
poderá fazer, sendo uma liçäo da mais profunda importância, é que a política monetária
poderá impedir a própria moeda de se tornar uma fonte principal do distúrbio econômico.
Há, portanto, uma tarefa positiva e importante para a autoridade monetária: a de sugerir
melhorias na máquina, que reduziräo as possibilidades de ela se descontrolar e de utilizar
seus próprios poderes a fim de se manter numa condiçäo de bom funcionamento.
Outra coisa que a política monetária poderá fazer é providenciar um fundo estável para a
economia e manter a máquina bem lubrificada, para continuar com a analogia de Mill. A
realizaçäo da primeira tarefa será uma grande contribuiçäo para esse objetivo, mas há mais
coisas ainda. Nosso sistema econômico funcionará melhor quando os produtores,
consumidores, empregadores e empregados puderem prosseguir com plena confiança em
que o nível médio de preços se comportará, no futuro, de uma maneira conhecida,
preferivelmente que venha a ser altamente estável.
Numa época anterior, contava-se com o padräo-ouro para fornecer confiança na
estabilidade monetária futura. Em seu apogeu, serviu razoavelmente bem àquela funçäo.
Claramente näo o faz mais, já que säo raros os países do mundo que estäo preparados
para deixar o padräo-ouro reinar livremente, sendo que existem razöes bastante
persuasivas para os países näo o fazerem.
Finalmente, a política monetária poderá contribuir para a neutralizaçäo dos principais
distúrbios do sistema econômico, que surgem de outras fontes. Se, como agora, um
orçamento federal explosivo ameaçar a ocorrência de deficits sem precedentes, a política
monetária poderá manter sob controle quaisquer perigos inflacionários, através de uma taxa
mais lenta de crescimento monetário do que de outra forma seria desejável. Isso significará,
temporariamente, taxas mais altas de juros do que de outra forma ( a fim de propiciar ao
governo tomar emprestado somas necessárias para financiar o déficit), mas, impedindo a
aceleraçäo da inflaçäo, poderá muito bem significar tanto preços mais reduzidos como taxas
de juros nominais mais baixas dentro de um prazo maior.
Mostrei este ponto agora no fim e o declarei em termos restritos ... porque acredito que a
potencialidade da política monetária em neutralizar as outras forças que compöem a
instabilidade seja mais limitada que comumente se acredita. Simplesmente näo
sabemos o suficiente para reconhecer os distúrbios menores quando ocorrerem, ou para
prever quais seräo seus efeitos com qualquer grau de precisäo ou que política monetária
será exigida para neutralizar seus efeitos. A experiência sugere que o caminho da sabedoria
é o emprego da política monetária explicitamente para neutralizar os outros distúrbios, e
somente quando eles mostrarem um perigo claro e presente.
C - Como Deverá ser Conduzida a Política Monetária ?
Esta, sem dúvida, näo é a ocasiäo para apresentar um detalhado "Programa Para
Estabilidade Monetária". Restringir-me-ei aqui a duas principais exigências para a
política monetária, que se seguem diretamente da discussäo precedente.
A primeira exigência é a de que a autoridade monetária deve guiar-se pelas
magnitudes que poderá controlar e näo por aquelas que näo poderá controlar.
(…)
Das várias magnitudes alternativas que poderá considerar, os guias mais atraentes para a
política säo as taxas de câmbio, o nível de preços, como definido por algum índice, e a
quantidade de um total monetário, moeda corrente mais os depósitos à vista ajustados, ou
esse total mais os depósitos a prazo dos bancos comerciais, ou um total mais amplo.
Para os Estados Unidos, especificamente, as taxas de câmbio säo um guia
indesejável. Poderá valer à pena exigir que o grosso da economia se ajuste à infima
percentagem constituída do comércio exterior, se isso garantisse a ausência de
irresponsabilidade monetária, como poderia acontecer sob um verdadeiro padräo-ouro. Mas
quase näo valerá à pena fazê-lo simplesmente para se adaptar à média de quaisquer
políticas monetárias que as autoridades monetárias do resto do mundo adotarem. É muito
melhor deixar o mercado, através de taxas de câmbio flexíveis, ajustar às condiçöes
mundiais os 5%, mais ou menos, de nossos recursos devotados ao comércio internacional,
deixando que a política monetária promova o uso eficaz dos 95%.
Dos três guias relacionados, o nível de preços é, claramente, o mais importante, por direito
próprio. As outras coisas sendo idênticas, seria uma alternativa muito melhor, como muitos
economistas afirmaram no passado. Mas as outras coisas näo säo as mesmas. O elo entre
as açöes políticas da autoridade monetária e o nível de preços, embora inegavelmente
presente, é mais indireto que o elo entre as políticas da autoridade e quaisquer dos diversos
totais monetários. Além do mais, as açöes levam mais tempo para afetar o nível de preços
que para afetar os totais monetários e tanto o intervalo de tempo como a magnitude do
efeito variaräo com as circunstâncias. Como resultado, näo poderemos prever com
segurança exatamente que efeito uma açäo monetária específica terá sobre o nível de
preços, e, igualmente importante, exatamente quando apresentará esse efeito. A tentativa
de controlar diretamente o nível de preços, portanto, tornará provavelmente a política
monetária uma fonte de distúrbio econômico, em virtude de falsas paradas e partidas.
Consequentemente, acredito que um total monetário seja o melhor guia ou critério
imediato atualmente disponível para a política monetária, e acredito que seja muito mais
importante escolher um total específico que näo escolher nenhum.
Uma segunda exigência para a política monetária é que a autoridade monetária evite
oscilaçöes bruscas na política. No passado, as autoridades monetárias movimentaram-se
na direçäo errada, como no episódio da Grande Depressäo, que já mencionei. Mais
frequentemente elas se movimentaram na direçäo correta, embora geralmente tarde
demais, porém erraram em se movimentar para longe demais. Tarde demais e
demasiadamente tem sido a regra geral.
A razäo para a propensäo ao exagero parece clara: o fracasso das autoridades
monetárias em permitir a ocorrência de um tempo de demora entre suas açöes e os efeitos
subsequentes sobre a economia. Elas tendem a determinar suas açöes pelas condiçöes do
momento, mas suas açöes iräo afetar a economia somente seis, doze ou quinze meses
mais tarde. Daí sentirem-se compelidos a frear ou acelerar, conforme o caso, e de forma
violenta.
Minha própria receita ainda é que a autoridade monetária vá até o fim para evitar tais
deslocamentos, por meio da adoçäo pública de uma política para a obtençäo de uma
taxa de crescimento constante num total monetário especificado. A exata taxa de
crescimento, assim como o preciso total monetário, seräo menos importantes que a adoçäo
de uma taxa declarada e conhecida. Eu mesmo tenho defendido uma taxa que, em média,
alcança uma grosseira estabilidade dos níveis de preços dos produtos finais, que estimei em
aproximadamente 3% a 5% para a taxa de crescimento anual da moeda, mais todos os
depósitos dos bancos comerciais, ou uma taxa de crescimento ligeiramente menor para a
moeda mais os depósitos à vista.
(…)
Pela autodeterminaçäo e posterior manutençäo de um curso firme, a autoridade monetária
poderia fornecer uma importante contribuiçäo à promoçäo da estabilidade econômica.
Tornando aquele curso em um crescimento constante mas moderado do montante de
moeda, faria uma importante contribuição para evitar tanto a inflação como a deflação dos
preços. Outras forças ainda afetariam a economia, exigiriam mudanças e ajustamentos e
trariam distúrbios ao ritmo equilibrado de nossas maneiras. Mas o crescimento monetário
constante produziria um clima monetário favorável ao funcionamento eficaz daquelas
forças básicas do empreendimento, da engenhosidade, da invenção, do trabalho
árduo e da poupança, que são os verdadeiros trampolins para o crescimento
econômico. É o máximo que podemos pedir da política monetária, em nosso atual
estágio de conhecimento. Mas esse máximo está, claramente, ao nosso alcance, e é o
bastante.
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