OFICINAS DE APROVEITAMENTO MÁXIMO DE ALIMENTOS: CONTRIBUIÇÕES PARA A RE-EDUCAÇÃO ALIMENTAR DA COMUNIDADE UNIVERSITÁRIA RESUMO A estruturação e funcionamento da sociedade atual têm determinado um ritmo acelerado e uma cultura consumista ao nosso cotidiano, implicando na deterioração da qualidade da alimentação, da saúde, das relações familiares e das tradições culturais das populações em geral. O Projeto “Aproveitamento Máximo De Alimentos” constitui uma intervenção educativa desenvolvido pelo Programa USP Recicla em parceria com a Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP – USP). Desenvolve um programa de educação ambiental e nutricional que estimula menor desperdício de materiais e o resgate da alimentação saudável, aproveitando os nutrientes contidos em partes do alimento que em geral são descartados. Utilizou-se de questionários para analisar as contribuições das oficinas para a concepção de fatores relacionados à alimentação saudável entre os participantes, a fim de se definir os benefícios que as oficinas podem trazer para o aprendizado de cada um. Concluiu-se que esse projeto contribui para a sensibilização dos participantes frente à diminuição de resíduos sólidos, amplia a percepção de que saúde pessoal se relaciona com alimentação e meio ambiente, e estimula o interesse para a adoção de práticas alimentares mais saudáveis. Projetos educativos de caráter interdisciplinar contribuem para a difusão da cultura do respeito ao meio ambiente na sociedade. 1. Aspectos Gerais 1 1.1 Por que se preocupar com Alimentação Saudável e Fim do Desperdício? A alimentação tem se tornado um tema de interesse da maioria das pessoas principalmente nesses últimos tempos, em que se observa um aumento na ocorrência de distúrbios associados à nutrição. Os excessos na alimentação respondem pelos casos de colesterol elevado, hipertensão e obesidade até mesmo em crianças, o que acaba por causar maiores problemas à saúde conforme o avançar da idade. Um estudo avaliativo dos fatores de risco para doenças crônicas revelou diferença significativa entre homens e mulheres, sendo mais freqüente neles o consumo insuficiente de frutas e hortaliças, o consumo excessivo de bebidas alcoólicas e o excesso de peso, e nelas o sedentarismo e a hipertensão.17 A falta de nutrientes também é prejudicial, podendo ser exemplificada pela osteoporose16 e pela desnutrição protéico-calórica.16 No campus da USP de Ribeirão Preto, é cada vez mais freqüente encontrar casos de distúrbios associados à nutrição entre os funcionários. Seja pela má alimentação, pela falta de prática de exercícios físicos e/ou também por fatores hereditários, é comum se deparar com casos que vão desde sobrepeso até graus maiores de obesidade, associados à hipertensão, dislipidemias e diabetes tipo II. Por isso é interessante direcionar também a essas pessoas um trabalho de Educação Nutricional como este oferecido pelo projeto das Oficinas de Alimentos. Também é preciso lembrar o grave problema do desperdício de alimentos, que faz do lixo brasileiro um dos mais “ricos” do mundo. Vale destacar que o desperdício se caracteriza por qualquer alimento em boas condições fisiológicas que é desviado do consumo para o lixo, como ocorrem nas sobras de refeições nos pratos em domicílios e restaurantes, no aproveitamento parcial de frutos, raízes e folhas, no descarte de produtos in natura com boas condições físicas, no caso de vencimento do prazo de validade estipulado 2 e até mesmo na falta de formas alternativas de aproveitamento. Especificamente no caso das hortaliças, estudos constataram que as perdas pós-colheita são em média 35%, chegando a atingir até 40% no Brasil, enquanto que nos Estados Unidos não passam de 10%.24 Apesar de a fome ser um problema social no país, a cultura brasileira ainda desconhece técnicas para o aproveitamento integral dos alimentos, bem como sua importância. Especialmente o Brasil, onde a terra é rica em variedades de frutas, verduras e legumes, e ainda somando-se o clima favorável e os cuidados com a conservação do solo, são fatores que permitem às plantas crescerem saudáveis e nutritivas em todas as suas partes: folhas, caules, frutas, sementes e raízes. 1.2 Alimentação, Saúde e Educação Ambiental. Mais do que informações, é fundamental a sensibilização das pessoas para o cuidado com a própria alimentação e saúde. Embora muitos conheçam os males proporcionados pela excessiva ingestão de alimentos ricos em gordura saturada, gordura trans e colesterol, ainda assim continuam a alimentar-se de forma inadequada com esses alimentos. Também é cada vez mais freqüente o consumo de produtos enlatados e industrializados, que possuem o acréscimo de muitas substâncias, como nitritos e outros tipos de aditivos químicos, como espessantes, adoçantes e aromatizantes, cujos efeitos não são muito bem conhecidos a longo prazo para a saúde humana; sem esquecer também o número crescente de produtos contendo agrotóxicos que vão parar nas prateleiras dos supermercados. Há de se considerar outros aspectos, além de informação, que interferem fortemente nos hábitos alimentares de cada família. Os fatores determinantes do comportamento alimentar de um indivíduo podem ser tanto inatos, a exemplo dos aspectos biológicos, como adquiridos, a exemplo dos aspectos culturais e psicológicos.8,11,18,21 As evidências 3 biológicos referem-se ao sistema regulatório de ingestão de energia de cada indivíduo que interfere na quantidade e qualidade da alimentação, à preferências naturais de sabor e textura dos diferentes alimentos e à algumas predisposições, como neofobias e neofilias, a tendência em rejeitar sabores amargos e a tendência em apreciar o sal nos alimentos.8 As evidências culturais e psicológicas referem-se ao grau de fome, à quantidade de alimentos disponíveis, à situação social, à apropriação da situação para comer, às normas sociais que podem definir os tipos de alimentos que se deve consumir em cada refeição, ao tempo disponível para se alimentar, às atividades paralelas desenvolvidas durante o ato de alimentar-se, à memória no sentido da pessoa se lembrar do que comeu e até mesmo ao marketing influenciando o comportamento alimentar.11,18,21 Além desses aspectos variantes presentes na educação nutricional,5 também existem na educação ambiental outras idéias que vão além do que se geralmente postula. É certo que a maior função da educação ambiental esteja relacionada ao despertar da consciência ecológica da sociedade, trabalhando-se na sensibilização de principalmente crianças e jovens, ou seja, as futuras gerações, para a compreensão da problemática ambiental e a importância da aquisição de novos comportamentos e atitudes, contribuindo para a formação de novos cidadãos. Porém, é preciso ir além disso, e lembrar a situação problemática atual no mundo todo no que se refere ao uso dos recursos naturais, valorizando-se ações de enfrentamento para o tempo presente, junto aos usuários contemporâneos desses recursos. Para isso, deve-se levar em consideração que a análise do meio ambiente requer múltiplas e complexas relações, envolvendo aspectos ecológicos, psicológicos, legais, políticos, sociais, econômicos, científicos, culturais e éticos, que permitem dessa forma o exercício da cidadania. A educação ambiental consiste num conjunto de posturas, idéias e práticas que referendam as relações bastante fortes entre 4 ações educativas, condições sociais específicas e transformação da realidade (vida, sujeitos, sociedade e ideologias).14 E é a partir desse conjunto de ações que a redução efetiva das perdas e desperdícios deve ser alcançada, a partir de um esforço conjunto da sociedade, governo e instituições na implementação de instrumentos e meios para se atingir este objetivo social. Esse trabalho já vêm sendo feito desde as Conferências sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento de Estocolmo em 1972, até outras mais recentes como o Programa Federal “Fome-Zero” implantado no governo Lula em 2003, e outros programas integrantes, como “Bolsa Família” e o “Banco de Alimentos”. Por um lado está a educação nutricional5 desenvolvendo o conhecimento a respeito dos hábitos alimentares e seus determinantes, e por outro está a educação ambiental13 tendo como princípio rever a relação do ser humano e da sociedade com a natureza. Juntas, permitem o envolvimento de cada indivíduo com a preparação de um alimento saudável, tanto para seu próprio corpo, quanto para o meio ambiente. 1.3 A utilização integral do alimento. As fontes alimentares habitualmente consumidas de vitaminas, minerais e fibras podem ser exemplificadas pelas polpas das frutas e por algumas partes de certos vegetais e legumes. Além destes itens alimentares, tais nutrientes também são encontrados amplamente nos talos e cascas de alimentos, que têm-se por hábito descartar. Muitas vezes, o teor de alguns nutrientes na casca e nos talos é ainda maior do que na polpa do respectivo alimento, conforme foi possível observar em alguns estudos com frutas, que evidenciaram maiores concentrações nas cascas em relação às respectivas polpas para alguns nutrientes, principalmente fibras, potássio, cálcio e magnésio. 12 2. O Projeto 5 2.1 Apresentação do Projeto: O projeto “Oficinas de Aproveitamento Máximo de Alimentos e Qualidade de Vida – resgatando o cuidado com a alimentação, a cultura do não desperdício e receitas da culinária regional” desenvolve um programa de Educação Ambiental14 e Nutricional5 que estimula o aproveitamento máximo de materiais e o resgate da alimentação saudável por meio de oficinas educativas. Dessa forma, pretende contribuir tanto para a formação ambiental de seus participantes, trabalhando conceitos de sustentabilidade sócio-ambiental e minimização de resíduos (redução do consumo, reutilização e reciclagem de materiais) na fonte geradora, como também para a educação nutricional, estimulando a adoção de pequenos hábitos como determinantes para conduzir à alimentação saudável. Dessa forma, esse projeto fornece uma seqüência de oficinas, as quais têm como base o aproveitamento máximo de alimentos, como sobras, talos, folhas e cascas que normalmente seriam descartadas, sendo usadas na confecção de receitas originais e avaliadas nutricionalmente. São oferecidas receitas saudáveis, econômicas e criativas. Cada oficina conta com o apoio de material didático elaborado especialmente para conter aspectos relacionados à nutrição e as receitas desenvolvidas durante o encontro. Para isso, conta com a participação de funcionários e integrantes da comunidade USP de Ribeirão Preto. Este projeto é coordenado pelo USP Recicla em parceria com a Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo. 2.2 Método das Oficinas Cada oficina conta com a participação de no máximo 25 pessoas. São realizadas na sede do USP Recicla / CECAE23, na varanda da casa, onde a cozinha é montada num espaço aberto, limpo e rodeado de árvores, e têm a duração de, no máximo, 4 horas. Após breve apresentação do projeto e de seus responsáveis, os participantes são convidados a 6 prenderem os cabelos e lavarem as mãos, pois eles mesmos serão os responsáveis pela manipulação dos alimentos e preparo das receitas. Cada oficina conta com duas preparações diferentes, uma salgada e uma doce, que obrigatoriamente inclui cascas, ou talos ou sobras de alimentos diversos entre os ingredientes. Após terminadas as preparações, cada participante recebe um material didático contendo assuntos relacionados à alimentação saudável, técnicas para diminuição do desperdício e as receitas desenvolvidas, iniciando-se nesse instante uma discussão acerca desses aspectos, a fim de torná-los mais claros e práticos e retirar ao máximo mitos relacionados à alimentação. Durante todo o tempo, o grupo sente liberdade de fazer quaisquer perguntas e esclarecer eventuais dúvidas. Logo a seguir, cada participante degusta cada uma das preparações feitas por eles mesmos, para conferir o sabor e sua aceitação. Ao final de cada oficina, os participantes respondem a questionários pré-elaborados especificamente para esse projeto e semiestruturados, contendo questões abertas e de múltipla escolha. As perguntas foram formuladas para se obter informações tanto avaliativas do impacto das oficinas nos hábitos de seus participantes, como para melhorar a organização das oficinas, visando o maior aprimoramento da metodologia utilizada. O formato das oficinas foi planejado para que as próprias pessoas participantes pudessem realizar a preparação da receita, ao contrário do que seria esperado, ou seja, de apenas observarem a preparação. A manipulação dos alimentos pelas próprias pessoas demonstra a possibilidade e a praticidade de reprodução das receitas em suas próprias casas, além do aprendizado se tornar mais fácil, pois a teoria aliada à prática já se demonstrou um método comprovadamente eficaz. Além disso, todo o trabalho foi realizado em grupo, promovendo uma maior integração e troca de experiências entre as pessoas. 6 7 3. Resultados obtidos pela análise dos Questionários Após a realização de três oficinas com diferentes públicos e em diferentes datas, porém com as mesmas receitas e os mesmos temas em discussão, obteve-se um total de 50 questionários. Os questionários foram analisados conjuntamente, e os resultados são apresentados na forma de porcentagem do total de respostas dadas pelos participantes. Uma das questões abertas solicitava aos participantes que comentassem três assuntos os quais melhor tivessem aprendido durante a oficina. Dentre todas as respostas obtidas, foram possíveis montar categorias diferentes dos principais temas apontados, a seguir apresentadas: 3.1 Alimentação saudável e o equilíbrio Esse foi o tema mais amplamente citado pelos participantes, correspondendo a 68,6% das respostas. Dentro de alimentação saudável, destacam-se as questões relacionadas aos mitos retirados em relação aos carboidratos e outros nutrientes, a importância do consumo regular de fibras e a diminuição da ingestão de gorduras e açúcares. Também houve demonstração de um bom entendimento a respeito da relação do aproveitamento de alimentos com alimentação saudável, explicado pela presença de nutrientes essenciais nas cascas e talos de alimentos. 3.2 Utilização integral dos alimentos Uma vez entendida bem a importância das fibras, vitaminas e minerais na alimentação diária, foi de fácil conscientização dos participantes o aproveitamento máximo dos alimentos, já que cascas de frutas e legumes e talos de verduras contêm esses nutrientes. Daí este assunto ser o segundo melhor citado, correspondente a 60% das respostas. As pessoas demonstraram interesse em reproduzir as receitas da oficina entre os familiares e amigos, o que contribui para o maior estímulo a essas práticas. 8 3.3 Técnicas de conservação Durante a oficina, as técnicas para melhor conservar os alimentos a fim de evitar sua degradação e conseqüente perda foram de grande interesse dos participantes, e correspondeu a 34,3% das respostas. Houve até o pedido de uma oficina exclusiva sobre este tema. 3.4 Redução do desperdício Citado por 22,9% das respostas, o desperdício foi bastante referido por dois motivos: um seria pelo maior aproveitamento de todos os nutrientes do alimento e outro seria pela maior economia, uma vez que se aumentaria o rendimento dos alimentos. Maior enfoque foi dado também no princípio dos “3 R´s” do USP Recicla22, ou seja, Reduzir, Reutilizar e Reciclar, tanto alimentos como materiais. 3.5 Receitas 20% das respostas destacaram especificamente as receitas como um grande aprendizado, uma vez que se surpreenderam com a transformação do sabor. Por exemplo, uma receita que utilizava a casca da melancia foi inicialmente reprovada por alguns participantes por estes relatarem não gostarem da fruta, mas após degustarem a receita, perceberam a grande transformação do sabor, aprovando o resultado final. As pessoas se referiram às receitas como rápidas, baratas e fáceis, e demonstraram interesse em incluir esse novo costume nos seus hábitos alimentares. Numa outra questão de múltipla escolha que perguntava a respeito do sabor final das receitas, deveria-se classificá-las como “delicioso”, “bom”, “indiferente” ou “ruim”. Para a Receita Salgada, que utilizava a casca da melancia no arroz, 60% respondeu “delicioso” e 28,6% “bom”. Para a receita doce, que utilizava a casca da manga no sorvete, 77,1% respondeu “delicioso” e 5,7% “bom”. Para as duas receitas, não houve respostas 9 assinaladas como “indiferente” ou “ruim”, podendo-se conferir o alto grau de aceitação principalmente do sorvete com casca de manga. Numa outra questão de múltipla escolha que perguntava a respeito da forma de condução da oficina, 60% respondeu “ótimo” e 31,4% “bom”, o que demonstra também a satisfação das pessoas em relação às oficinas. Também quando questionadas se gostariam de participar de uma nova oficina de alimentos, todas as respostas foram afirmativas. Avaliou-se também numa questão de múltipla escolha se entre os participantes já havia algum conhecimento a respeito do aproveitamento máximo de alimentos antes de conhecerem a oficina. 25,7% relataram já conhecerem a respeito do tema e já prepararem refeições desse tipo, e a grande maioria, 51,4%, relataram já conhecerem o tema, mas que não tinham o costume de preparar refeições dessa forma. Uma menor parte, 11,4%, relataram não terem conhecimento nenhum a respeito do aproveitamento de alimentos antes da oficina. Observa-se muito comumente entre as pessoas o conhecimento a respeito da importância em se aproveitar os alimentos ao máximo, porém mesmo entre essas pessoas não há grande aderência a essas práticas como um hábito no preparo das refeições diárias. Isso pode ser explicado pela influência de fatores sociais, psicológicos, antropológicos e fisiológicos nas práticas alimentares de cada indivíduo.8,11,18,21 Ou seja, diversas crenças, culturas, experiências individuais e fatores biológicos guiam de diferentes formas o comportamento alimentar. Finalmente, foi pesquisado, através de uma questão aberta, o que poderia ser mudado nas práticas alimentares de cada um a partir da participação na oficina. 48,6% relataram que passariam a aproveitar todas as partes dos alimentos por também possuírem nutrientes importantes. 8,6% relataram que passariam a equilibrar melhor as refeições, 10 evitando os excessos, e que ensinariam aos familiares a importância do aproveitamento máximo. 5,7% relataram que incluiriam o arroz integral e o leite desnatado e que diminuiriam a ingestão de açúcares e gorduras. E finalmente 2,9% relataram que incluiriam essas novas medidas caso os outros moradores da residência concordassem, e que seria importante para diminuir o lixo. 4. Considerações Finais O tema de aproveitamento máximo de alimentos inclui frentes na educação tanto ambiental14 quanto nutricional5. Abordar esse tema contribuiu para a conscientização e sensibilização da comunidade universitária para a diminuição da utilização dos recursos ambientais, ampliou a percepção de que saúde pessoal se relaciona com alimentação e meio ambiente, e estimulou o interesse para a adoção de práticas alimentares mais saudáveis. A participação em projetos que ofereçam educação multidisciplinar, como as oficinas de alimentos, colabora para a difusão da cultura do respeito ao meio ambiente e à saúde nas esferas individual e coletiva da sociedade. 5. Referências Bibliográficas 1. 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