Medicina sexual Revisão sobre a eficácia do preservativo em relação à proteção contra doenças sexualmente transmissíveis e gestação Atílio Brisighelli NetoI Angela Covre de AraújoII Marisa Petruscelli DoherII Melina de Arruda HaddadII Universidade São Francisco, Bragança Paulista, São Paulo INTRODUÇÃO O homem, ao longo de sua história, criou diversos métodos para aumentar a liberdade sexual sem consequências indesejadas como doenças sexualmente transmissíveis e gestação. Por isso, após diversas tentativas de desvincular relação sexual de procriação, bem como de doenças, foi criado o preservativo de látex, produzido a partir de 1880 e popularizado a partir da década de 1930 principalmente nos Estados Unidos. Muitos médicos da época tinham sua ideologia mais fundamentada na ordem moral do que em evidências científicas, por isso tentaram banir o uso dos métodos de contracepção alegando causar esterilidade e ninfomania nas mulheres, além de deterioração mental, palpitação e amnésia nos homens, bem como câncer e tendências suicidas em ambos os sexos. Entretanto, tais teorias não impediram o sucesso do preservativo na sociedade. Nas décadas seguintes, porém, esse método caiu em desuso devido ao advento da pílula anticoncepcional na década de 60.1 A Organização Mundial da Saúde alerta que se os preservativos estiverem corretamente desenhados, com elasticidade e força adequadas, uniformes e livres de perfurações, reduzem significativamente o risco de transmissão de patógenos durante a relação sexual. Entretanto, não são perfeitos. Os preservativos feitos de látex podem variar de acordo com o lote e diferenças na tecnologia de fabricação, resultando em considerável variação na sua qualidade.2 O preservativo não é uma barreira completamente eficaz contra pequenos vírus. Diversas pesquisas realizadas com o bacteriófago phi chi 174 (ATCC13706-B1) mostraram que os preservativos são permeáveis a esses pequenos vírus: A) Sierra e cols. demonstraram, por meio de um trabalho realizado com um sistema de pressurização, que 4 em 60 preservativos de I II polyolephin e 1 em 20 preservativos de látex foram permeáveis ao vírus phi chi 174.3 B). Lytle e cols. testaram preservativos de látex e de membrana natural, demonstrando que 3 de 60 amostras de preservativos de látex foram permeáveis ao vírus phi chi 174, e 13 em 19 amostras de preservativos de membrana natural permitiram a passagem deste vírus.4,5 Vale lembrar que o vírus phi chi 174 tem 27 nm de diâmetro e, portanto, se não penetra os preservativos, a grande maioria dos vírus humanos provavelmente não penetra.5 Além disso, os testes de qualidade utilizados para verificar a eficácia dos preservativos são realizados em condições “ideais” e não simulam as condições de uma relação sexual real, como o impacto, a fricção, o fluido vaginal e o meio anal.6 O preservativo também tem sua eficácia diminuída pelo fato de não cobrir toda a região perineal, fazendo com que a base do pênis, a sínfise púbica e/ou a coxa, que são áreas banhadas por secreções, fiquem desprotegidas durante a relação sexual, favorecendo a transmissão de sífilis, papilomavírus e do vírus do herpes simplex.6 . Há que se considerar a dificuldade em cumprir as exigências quanto ao transporte e armazenamento dos preservativos. Os preservativos transportados por caminhões ficam expostos ao calor durante vários dias, o que afeta sua integridade, podendo contribuir para diminuição de sua eficácia.3 Além desses fatores, existem problemas durante sua utilização, pois muitos se rompem ou escorregam durante o ato sexual porque a maioria das pessoas não está familiarizada com seu uso correto por falta de informação e treinamento adequados. Diversos trabalhos relatam tais problemas, entre eles está um levantamento que sugeriu que dois terços dos casais que usassem preservativos durante um ano experimentariam rompimento desse dispositivo.6 Professor e mestre da Disciplina de Ginecologia e Obstetrícia da Universidade São Francisco, Bragança Paulista, São Paulo, Brasil. Acadêmica do curso de Medicina da Universidade São Francisco, Bragança Paulista, São Paulo, Brasil. Diagn Tratamento. 2009;14(3):123-5. 124 Revisão sobre a eficácia do preservativo em relação à proteção contra doenças sexualmente transmissíveis e gestação Tabela 1. Base de dados, estratégia de busca e resultados dos artigos levantados Base de dados PubMed Estratégia de busca “condom” AND “efficacy” Lilacs (Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde) SciELO (Scientific Eletronic Library Online) Cochrane BVS “preservativo”AND“história” “preservativo masculino” AND “gravidez” “condom” AND “efficacy” Resultados 1 Revisão sistemática 1 Relato de caso 491 Artigos 5 Revisões sistemáticas 1 Revisão narrativa 40 Revisões sistemáticas 257 Ensaios controlados Outros estudos relatam que jovens, na maioria adolescentes, necessitam de mais informações sobre a maneira correta de utilização do preservativo bem como sobre a prevenção de doenças sexualmente transmissíveis, observando que os jovens que participam de diálogos e discussões sobre o tema “sexualidade” se comprometem de forma mais ativa com a utilização do preservativo e se protegem melhor contra doenças e gravidez indesejada.7,8 Parte dos jovens desconhece seus direitos sobre como obter preservativos gratuitamente nos postos de saúde, dificultando seu uso rotineiro. Foi observado que o acesso sem custo ao preservativo incentiva o jovem a utilizar a camisinha. Porém, apesar do fornecimento gratuito, no Brasil o preservativo ainda é pouco utilizado pelos jovens. Segundo dados do Ministério da Saúde, os menores índices de uso encontram-se entre 15 e 19 anos.9 permeabilidad viral de los condones de membrana de poliolefina al bacteriófago phi chi 174” de Sierra e cols.3 Lytle e cols.,4 em “An in vitro evaluation of condoms as barriers to a small virus. Sex Transm Dis” e “A simple method to test condoms for penetration by viruses. Appl Environ Microbiol”,5 demonstraram que alguns preservativos foram permeáveis ao mesmo vírus (phi chi 174), mostrando diferenças significativas entre os preservativos de látex e de membrana natural. Brasil. Ministério da Saúde,9 em “Comportamento sexual da população brasileira e percepções do HIV/Aids”, abordou a falta de conhecimento em relação ao uso correto do preservativo, por causa da educação sexual falha, falta de informações e dificuldade em conseguir preservativos, pois muitos cidadãos não têm conhecimento sobre sua distribuição gratuita pelo governo. OBJETIVO Realizar uma revisão da literatura sobre a efetividade do uso de preservativos na proteção de doenças sexualmente transmissíveis e gravidez. DISCUSSÃO E CONCLUSÃO O homem, ao longo de toda a sua história, inventou diversas formas de combater as doenças sexualmente transmissíveis e evitar a gravidez indesejada, criando métodos de proteção individual que permitissem maior liberdade sexual, embora nem sempre tenham sido bem recebidos pela sociedade em geral. Constata-se que, apesar de haver diversas possibilidades de ocorrerem falhas na fabricação, armazenamento, transporte e teste de qualidade do preservativo, este continua sendo a melhor opção para combater a disseminação de doenças sexualmente transmissíveis. O desconhecimento em relação à utilização correta do preservativo impede seu uso adequado, expondo o usuário aos riscos de contrair doenças e também de ocorrer uma gravidez não desejada. Por isso, recomenda-se a divulgação constante pelos meios de comunicação de informações sobre comportamento sexual, maneira correta de utilização do preservativo, prevenção de doenças sexualmente transmissíveis, noções de higiene pessoal e métodos contraceptivos. Preconiza-se também informar de maneira clara e objetiva os direitos dos cidadãos sobre os serviços de saúde disponíveis a todos, que conta com profissionais de saúde capacitados na abordagem das doenças sexualmente transmissíveis, podendo ou não contar com estrutura laboratorial de acordo com a necessidade, promovendo a assistência clínica e o tratamento adequado de enfermidades, sua prevenção e fornecimento de preservativos. MÉTODO Foi realizada busca por publicações científicas na literatura médica nas bases de dados SciELO (Scientific Eletronic Library Online), Lilacs (Literatura Latino-americana e do Caribe em Ciências de Saúde), Biblioteca Cochrane e PubMed, além de busca manual de teses, referências em artigos e citações. Na busca nas bases de dados citadas foram utilizadas as palavraschave e os respectivos termos MeSH (Medical Subject Headings): preservativo masculino AND doença sexualmente transmissível AND prevenção. RESULTADOS Foram encontrados 46 revisões sistemáticas, um relato de caso, uma revisão narrativa e 257 ensaios controlados (Tabela 1). Após análise da literatura, observou-se falha no controle de qualidade dos preservativos, desde sua confecção, bem como transporte, armazenamento e testes de qualidade segundo a Organização Mundial de Saúde.2 Além disso, alguns trabalhos sugeriram que os poros contidos nos preservativos são permeáveis a alguns vírus como o phi chi 174, que possui diâmetro maior do que diversos vírus que colonizam humanos, como no trabalho “Determinación de la Diagn Tratamento. 2009;14(3):123-5. Atílio Brisighelli Neto | Angela Covre de Araújo | Marisa Petruscelli Doher | Melina de Arruda Haddad INFORMAÇÕES Endereço para correspondência: Angela Covre de Araujo Rua Serra do Japi, 320 — Apto 34 Bloco C Tatuapé — São Paulo (SP) CEP 03309-000 Tel. (11) 2092-7084 Cel. (11) 9594-9154 E-mail: [email protected] Fontes de fomento: nenhuma declarada Conflitos de interesse: nenhum REFERÊNCIAS 1. Rubio Lotvin B. Historia del condón o preservativo, también llamado profiláctico [A history of the condom]. An Méd Asoc Méd Hosp ABC. 1994;39(4):166-7. 2. World Health Organization. Effectiveness of male latex condoms in protecting against pregnancy and sexually transmitted infections. Disponível em: http://www.who.int/mediacentre/factsheets/fs243/en/. Acessado em 2009 (29 set). 3. Sierra OE, Gaona de Hernández MA, Rey GJ. Determinación de la permeabilidad viral de los condones de membrana de poliolefina al bacteriófago FX174 [Permeability to FX174 bacteriophages in polyolephin membrane condoms]. Biomédica (Bogotá). 2005;25(4):603-8. 4. Lytle CD, Routson LB, Seaborn GB, Dixon LG, Bushar HF, Cyr WH. An in vitro evaluation of condoms as barriers to a small virus. Sex Transm Dis. 1997;24(3):161-4. 5. Lytle CD, Routson LB, Cyr WH. A simple method to test condoms for penetration by viruses. Appl Environ Microbiol. 1992;58(9):3180-2. 6. Walker R. O preservativo masculino de borracha na luta contra DST/AIDS. In: Parker R, Galvão J, editores. Seminário: o impacto sócio-econômico da epidemia de HIV/AIDS-anais. Rio de Janeiro: Universidade do Rio de Janeiro. Instituto de Medicina Social; 1995. p. 24-30. 7. Halpern-Felsher BL, Kropp RY, Boyer CB, Tschann JM, Ellen JM. Adolescents’ self-efficacy to communicate about sex: its role in condom attitudes, commitment, and use. Adolescence. 2004;39(155):443-56. 8. Parkers A, Henderson M, Wight D. Do sexual health services encourage teenagers to use condoms? A longitudinal study. J Fam Plann Reprod Health Care. 2005;31(4):271-80. 9. Brasil. Ministério da Saúde. Comportamento sexual da população brasileira e percepções do HIV/Aids. Brasília: Ministério da Saúde; 2000. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/168comporamento.pdf. Acessado em 2009 (29 set). Data de entrada: 11/3/2008 Data da última modificação: 5/10/2009 Data de aceitação: 5/10/2009 RESUMO DIDÁTICO 1. O homem, na tentativa de aumentar sua liberdade sexual, criou o preservativo, que até hoje ainda é o melhor método para evitar doenças sexualmente transmissíveis e, ao mesmo tempo, gravidez indesejada. 2. Apesar de o preservativo ser o melhor método para evitar doenças sexualmente transmissíveis, há estudos que comprovam que seus poros são permeáveis a alguns vírus. 3. As formas de produção, transporte, armazenamento e utilização dos preservativos influenciam sua qualidade bem como na probabilidade de falha na proteção contra doenças sexualmente transmissíveis. 4. Estudos mostram que, durante um ano de utilização do preservativo, até dois terços dos casais experimentariam pelo menos uma vez o rompimento desse dispositivo por falha na técnica de utilização. 5. As medidas de aperfeiçoamento na educação sexual facilitam o conhecimento sobre os diversos métodos anticoncepcionais, sobre o preservativo e seu uso adequado. Diagn Tratamento. 2009;14(3):123-5. 125