universidade federal do paraná luciano prado corrêa o

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ
LUCIANO PRADO CORRÊA
O PRINCIPADO DO IMPERADOR CLÁUDIO SEGUNDO OS RELATOS DE
SÊNECA, SUETONIO E TÁCITO (SÉCULO I d.C.)
Curitiba
2007
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ
LUCIANO PRADO CORRÊA
O PRINCIPADO DO IMPERADOR CLÁUDIO SEGUNDO OS RELATOS DE
SÊNECA, SUETONIO E TÁCITO (SÉCULO I d.C.).
Monografia à disciplina Prática de Ensino e
Estágio
Supervisionado
em
Pesquisa
Histórica, como requisito parcial à conclusão
do Curso de História, Setor de Ciências
Humanas Letras e Artes, Universidade
Federal do Paraná.
Orientador: Prof.º Dr. Renan Frighetto
Curitiba
2007
AGRADECIMENTOS
A Deus, meu sol e escudo. Aquele que satisfaz os anseios do meu coração
contempla e cumpre todos os meus sonhos.
À minha esposa, Bárbara Raquel, por ser minha inspiração para seguir adiante e
pela cumplicidade de propósitos sem precedentes.
Ao meu filho, Vinícius, por tornar a minha vida ainda mais feliz.
Aos meus pais e familiares por todas as palavras de incentivo.
À minha igreja e meu pastor pelas orações, paciência e respaldo durante esta etapa
de minha vida.
Aos meus colegas Osvaldo e Sandra Mara por todo o companheirismo, trabalhos em
grupo e lealdade. Entramos neste curso e nos tornamos colegas, sairemos dele
como verdadeiros amigos.
Aos excelentes professores que conheci e tive a honra de desfrutar de seus
conhecimentos e amizade.
Ao professor Renan Frigheto pelas aulas que me fizeram descobrir o contentamento
em estudar a antiguidade e por toda orientação na confecção deste trabalho.
RESUMO
Principado foi o modelo político estabelecido em Roma por Otávio Augusto. Tibério
Cláudio Druso foi o quarto imperador romano e ascendeu ao governo do império aos
cinqüenta anos de idade Exerceu anteriormente alguns poucos cargos públicos. Foi
imperador durante catorze anos. Um homem dedicado aos estudos liberais e às
questões de Estado. O imperador Cláudio marcou seu governo com
empreendimentos que visavam a melhoria das condições de vida na capital e no
restante do império. Construiu estradas, aquedutos e canais de escoamentos. Foi
um administrador preocupado com a provisão de alimentos para a população. Foi
um imperador criticado pelo excesso de influência de suas esposas durante seu
governo. Seu matrimônio com Messalina foi marcado pelos escândalos promovidos
pela esposa, uma mulher adúltera e corrupta. Posteriormente, Cláudio casou-se com
sua sobrinha Agripina. Um casamento considerado por muitos como incestuoso e
imoral. Esta imperatriz revelou-se uma mulher interesseira e corrupta. Dos três
autores, em que foi pesquisada a vida de Cláudio, apenas o filósofo Sêneca, foi
contemporâneo deste imperador. Os demais escritores, Tácito e Suetonio fizeram
suas narrativas mais de meio século depois do governo de Cláudio. O diálogo com
os autores que escreveram sobre a vida do imperador Cláudio, permite conclusões,
todavia faz-se necessária a compreensão de suas fontes, tempo histórico, ambiente
político, interesses pessoais e método adotado em suas descrições. Este viés
interpretativo nos remete a uma idéia de causalidade e efeito.
Palavras-chave: principado, interesses pessoais, adoção
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO......................................................................................
1 O PRINCIPADO.....................................................................................
1.1 O PRINCEPS AUGUSTO...................................................................
1.2 OS SUCESSORES DE AUGUSTO....................................................
1.3 O PRINCIPADO DE CLÁUDIO...........................................................
1.3.1 A família de Cláudio.........................................................................
1.3.2 A administração de Cláudio.............................................................
2 AS FONTES..........................................................................................
2.1 PERFIS BIOGRÁFICOS.....................................................................
2.1.1 Suetonio...........................................................................................
2.1.2 Sêneca.............................................................................................
2.1.3 Tácito...............................................................................................
2.2 O PERFIL DAS OBRAS......................................................................
2.2.1 A Vida dos Doze Césares................................................................
2.2.2 Consolação a Políbio.......................................................................
2.2.3 A Apoloquintose do Divino Cláudio..................................................
2.2.4 Os Annales......................................................................................
3 VISÕES HISTORIOGRÁFICAS............................................................
3.1 FONTES DOS AUTORES..................................................................
3.2 CONTEXTO TEMPORAL, POLÍTICO E SOCIAL...............................
3.3 MÉTODOS..........................................................................................
CONCLUSAO...........................................................................................
FONTES HISTÓRICAS............................................................................
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS........................................................
6
8
10
11
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22
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36
39
43
45
46
INTRODUÇÃO
Este trabalho de conclusão de curso visa uma reflexão sobre o governo do
imperador Cláudio, segundo os relatos de Suetonio em sua obra A vida dos Doze
Césares, de Tácito nos Annales e de Sêneca na Consolação a Políbio e na
Apocoloquintose do Divino Cláudio,
O imperador romano Tibério Cláudio Druso, sobrinho-neto de Augusto dirigiu o
império entre os anos 41 d.C. e 54 d.C. –
e foi o quarto príncipe de Roma.
Rodeados de intrigas os imperadores viviam o exercício de um poder praticamente
ilimitado.
A produção historiográfica sobre os imperadores está pautada em
especificidades intelectuais, sociais e temporais, bem como nos diferentes
interesses dos que a produziram. As obras de Suetonio, Tácito e Sêneca nos
apresentam elementos que proporcionam, sob diferentes olhares, uma compreensão
do período histórico romano chamado principado, e particularmente sobre o governo
de Cláudio.
O interesse pelo principado do imperador Cláudio deveu-se, essencialmente a
pouca expressão historiográfica sobre ele, principalmente se comparado a seu
antecessor Calígula e seu sucessor Nero. Por vezes, até mesmo Messalina, a
primeira esposa de Cláudio, é mais relembrada que o próprio Imperador e sua
administração.
O primeiro capítulo aborda a elaboração e consolidação do Principado bem
como o governo inaugural de Otávio. O objetivo é compreender o que representava
a figura do imperador, seus poderes, titulações e o conjunto de expectativas que
recaía sobre o príncipe.
Há ainda neste capítulo a recuperação, de alguns momentos específicos dos
antecessores de Cláudio, o objetivo é entender os limites que estes impuseram ao
novo sistema político. Conceitos políticos como adoção e aclamação também são
abordados deste trabalho.
Finalmente,
neste
primeiro
capítulo,
há
uma
descrição,
baseada,
principalmente no que há em comum nas fontes, sobre o governo de Cláudio. Foram
contemplados os aspectos administrativos, familiares e suas relações com as
instituições originárias da república e que coexistiram durante o principado.
No segundo capítulo, o objetivo central foi entender as fontes sobre o
imperador Cláudio. Para este propósito foram estudados os perfis dos autores e de
suas obras, buscando entender o contexto social e político vivido por cada um deles.
Tal contextualização permitiu a compreensão dos interesses dos autores e suas
visões sobre o império e o imperador.
No terceiro capítulo há uma reflexão sobre o conteúdo das obras. A partir de
questões
como
estrutura,
cronologia
e
método
foi
possível
depreender
convergências e divergências nas narrativas sobre o principado de Cláudio. As
fontes que subsidiaram os autores também foram relevantes para esta pesquisa.
A partir da compreensão das particularidades de cada uma das narrativas é
possível obter uma melhor reflexão sobre os diferentes perfis, elaborados pelos
autores, mesmo quando estes falam sobre o mesmo personagem.
Meu objetivo nesta pesquisa não foi apresentar uma idéia monolítica sobre o
principado de Cláudio, mas perceber, a partir deste imperador, a importância de uma
visão crítica sobre as fontes que nos apresentam o mundo antigo, e neste caso
especial a Roma Imperial.
1 O PRINCIPADO
Foi denominado como Principado, o sistema político e de governo
estabelecido no império romano após o fim da República e seu modelo oligárquico
de poder. A dissolução do último triunvirato, composto por Marco Antonio, Marco
Lépido e Otávio, marcou a inauguração do novo governo em Roma, agora sob o
comando de Otávio.
É importante salientar que os conceitos atuais de império e imperador são
compreensões originárias do século XIX, portanto desconhecidas do mundo romano.
Para os romanos o conceito de império não era, necessariamente, pautado num
domínio territorial, todavia significava simplesmente uma esfera de detenção de
poder.
A característica principal do novo modelo de governo estava na sujeição da
totalidade do império romano, províncias e instituições, a um único mandatário,
neste caso o imperador. Um processo pautado em guerras internas foi empreendido
conduzindo assim o império à transformação do poder oligárquico, onde alguns
mandam, para um monárquico.
Para refletir sobre o Principado é preciso compreender os conceitos de poder
e política que estavam estabelecidos na Roma republicana. Na república, os órgãos
que dirigiam a vida política romana eram as magistraturas, o senado e as
assembléias do povo. Estas instituições foram, gradativamente, sendo destituídas
em suas alçadas deliberativas e transformadas em instâncias apenas simbólicas. O
novo cenário político apresentado instituía órgãos de administração e burocráticos
submissos ao príncipe.
Na estrutura republicana romana a base do poder estava sobre o corpo
senatorial, composto essencialmente por cidadãos de uma superioridade política
gerada no direito dos ancestrais e também em suas condições financeiras. O
senado era vitalício e hereditário. A alçada senatorial possuía, por exemplo, o direito
de conceder, por tempo limitado, poderes a cônsules para a defesa da ordem
institucional.
As magistraturas estavam distribuídas em diferentes instâncias e atribuições.
Os magistrados eram eleitos e seus mandatos não eram vitalícios. Possuíam o
poder executivo na república, desde questões organizacionais, financeiras e também
nas religiosas. Esta descentralização de alçadas e jurisdições apresenta um quadro
político pautado na ausência de um poder central, de duração ilimitada e sucessão
hereditária.
O Principado mudou a configuração política republicana, mas manteve a
idealização de grandeza romana. Uma nova transição de poder a ser vivenciada por
aquela sociedade e, conforme observa Claude Nicolet, “toda a história do povo
romano descreve, talvez de forma exemplar e única, todas as hipóteses possíveis da
política” 1.
Esta afirmação está sustentada nas mutações vivenciadas, ao longo da
história romana. O poder, durante a república, esteve nas mãos de generais,
posteriormente em diferentes triunviratos, seguindo-se a isto houve a instauração da
ditadura de Júlio César e finalmente, o principado, a partir deste o estabelecimento
dos imperadores.
Contrapondo a afirmação de Nicolet, Finley
2
defende que a política deve ser
entendida como, um conjunto de deliberações, em variáveis grupamentos, onde
sejam possíveis decisões que vão além da mera consulta. Para ele o conceito de
política, no período imperial romano, seria incompatível, pois, embora existissem
discussões a decisão final recairia sempre nas mãos do imperador.
Há algumas considerações importantes a serem consideradas para explicar a
mudança de modelo político em Roma. Diferentes opiniões, apontam que a ânsia
popular pelo fim das guerras civis, a ausência de condições administrativas pelo
modelo em vigor, enfim caminhos abertos para a inserção de um novo governo.
De acordo com Frighetto3, a instauração do Principado, com o fortalecimento
de um poder pessoal, foi, também, fruto do desgaste das instituições políticas
republicanas, preparadas para governar num território limitado, porém inviáveis para
atuarem na complexidade estabelecida dentro de um território tão vasto, tanto nas
questões culturais como também nas políticas.
1
NICOLET, Claude. O cidadão e o político. In:______ O homem romano: Editorial Presença, 1990.
p. 21
2
3
FINLEY, Moses. A política no mundo antigo. Rio de Janeiro: Zahar Editora, 1985.
FRIGHETTO, Renan. Algumas considerações sobre o poder político na Antiguidade Clássica e na
Antiguidade Tardia. Buenos Aires, 2004.
1.1 O PRINCEPS AUGUSTO
Para se estabelecer a transformação de modelo governamental, da república
ao principado, foi preciso semear e justificar motivos que legitimassem o poder nas
mãos de um indivíduo e não mais num corpo burocrático composto de inúmeras
funções
e
disposições.
Otávio
conseguiu
catalisar
em
si
estas
causas,
essencialmente sob a bandeira da ordenação social e da implantação da paz no
império. Pierre Lévêque afirma que: “tal concentração de poderes é o cúmulo da
evolução dos espíritos, farto dos horrores da guerra civil” 4.
As fontes clássicas apresentam este primeiro imperador como seu modelo
ideal de governante. É possível identificar tal fato, tanto nas biografias de Suetônio,
quanto nos conceitos filosóficos de Sêneca ou nas crônicas de Tácito. O
descendente legítimo de Julio César, Otávio Augusto é construído como referência
para uma sociedade que deveria ser restituída de valores morais, jurídicos,
econômicos e religiosos.
O poder exercido de forma pessoal e individual por Otávio, concomitante à
presença de instituições outrora existentes era modelar. Um verdadeiro líder para os
romanos, capaz de promover reformas que revitalizariam um ideal republicano. Um
restaurador, por exemplo, do número de senadores e do papel desta instância de
poder. Um poder personalista, mas altruísta. Somente alguém provido de tantas
adjetivações virtuosas seria digno de tão elevada centralização para comandar o
império.
Cônsul, procônsul sobre o Ocidente, direito de vida e de morte, direitos
tribunícios e por conseqüência intocável. No campo religioso foi Pontifex Maximus.
Recebeu também o título excepcional de princeps, o primeiro cidadão, designação
que o constitui como Senhor do Estado. É ainda intitulado como pai da pátria,
príncipe do Senado, Imperator que agora deixa de ser um general vencedor e passa
a governante do império e Augustus, que quer dizer acima de todos os homens,
alguém de natureza sagrada.
4
LÉVÊQUE, P. Impérios e Barbáries do século III a.C. ao século I d.C. Dom Quixote, Lisboa,
1979. p. 141
A descrição das fontes revela que César Augusto recebeu títulos republicanos
para o exercício de um poder que não possuía características republicanas. O
Principado foi consolidando-se e Otávio, munido de tantos poderes passa a
reorganização do império. Foram implantadas novas funções e estas munidas de um
poder totalmente vinculado ao príncipe.
O imperador Otávio Augusto impõe ao seu governo características de cunho
retificador e com vistas ao controle social. Ordenou as finanças do império, restituiu
o padrão religioso politeísta romano, promoveu reformas administrativas que
atingiram tanto a cidade quanto as províncias. No campo externo teve uma postura
defensiva, valendo-se da diplomacia e do reforço junto às fronteiras. Desconsiderou
os escravos e diminuiu as libertações, atendeu as camadas populares da cidade
através da distribuição de comida e promoção de espetáculos. Apoiou-se nos ricos
associando-os à administração do Estado, principalmente privilegiando os
senadores e os membros da ordem eqüestre.
Otávio adotou uma postura bastante ortodoxa em assuntos de governo.
Cuidou da justiça, propondo e restabelecendo leis. Tratava pessoalmente dos
negócios das províncias e outorgando aos procônsules o governo de algumas das
mais importantes.
Todo este poder impunha ao imperador um papel de domínio e
responsabilidade. Houve em Augusto o estabelecimento do que seria o poder de um
imperador, todavia não foram propostos limites a esta centralização. Cada novo
imperador impunha o ambiente político e social de acordo com suas idéias e
interesses.
O poder centralizado pressupõe a ausência do contraditório. Partindo desta
ótica, o que se assistiu no Principado foi o uso da força para suprir a ausência de
unanimidade de cada imperador. Uma rede complexa de intrigas, apoios e
interesses de instituições e indivíduos, corroborava para a permanência ou
destituição dos imperadores romanos.
1.2 OS SUCESSORES DE AUGUSTO
Embora o poder imperial romano tenha sido marcado pela presença de
diferentes dinastias, a sucessão imperial não estava, necessariamente, pautada na
hereditariedade, ou num processo dinástico, mas na adoção (adoptio), nos títulos
excepcionais ou ainda a aclamação das tropas legionárias (aclamatio). Cada
imperador poderia adotar um afilhado político e esta adoção tinha um poder
simbólico fundamental na decisão de quem seria o futuro imperador de Roma.
Os sucessores de César Augusto intercalaram ações que, ora concentravam
e ora descentralizavam o poder. Os imperadores são apresentados, principalmente
na obra de Suetônio, A Vida dos Doze Césares, como indivíduos que,
aparentemente, começavam bem seus governos, mas com o exacerbado poder nas
mãos acabavam ultrapassando todas as referências de limites e perdiam os valores
esperados em um princeps.
Tibério Nero César, sucessor de Otavio, chegou ao poder imperial através da
adoção do imperador. Suetônio defende que tal adoção ocorreu devido à falta de
opções para Augusto5, que também adotara a Germânico, e este detinha o apoio de
suas legiões para tornar-se o novo imperador. Tácito, embora trabalhe num método
diferente de Suetônio, também revela que havia mais apoio a Germânico para a
sucessão imperial que a Tibério.
Todas as facções foram esvaziadas e Germânico, posteriormente foi
encaminhado para longe de Roma e acabou morrendo 6. Um advento marca o longo
reinado de Tibério, que durou vinte e três anos, a inauguração de um das maiores
manifestações religiosas da humanidade, o cristianismo.
Tibério promoveu algumas ações descentralizadoras, transmitindo ao senado
o direito de eleger magistrados. Cuidou da segurança do império contra sedições,
submeteu a Ilíria7 ao Império romano. Foi hábil administrador tratou cuidadosamente
das finanças do Estado. Suetônio afirma que o imperador fez cortes de despesas
com jogos e espetáculo. Incentivava a economia até na alimentação dando ele
mesmo o exemplo através, por exemplo, do aproveitamento em seus banquetes de
5
Suetônio, Vida de los Doce Césares, III.
6
Tácito, Anales, III.
7
Território que se estende entre a Itália, Nórica, Trácia, Macedônia e também entre o Danúbio e
Golfo do Mar Adriático.
comidas que já haviam sido servidas anteriormente e não totalmente consumidas8.
Com este tipo de atitude conseguiu elevar os recursos do império.
Foi um imperador que tratou com indiferença honrarias e títulos. Um exemplo
disto foi narrado por Tácito quando o senado recebe uma proposta de Solo Cornélio
Dolabela para promover celebrações ao imperador em seu retorno de uma de suas
incursões próximas à cidade para por fim a uma sedição. Tibério então, declara em
carta ao senado, que não almejava em sua velhice vãs recompensas 9.
Teve importantes ações junto às províncias romanas e, embora preferisse
uma postura moderada, interferiu em práticas cultuais dos povos subjugados a
Roma. Na seqüência da morte de seus filhos, Germânico e Druso, transferiu-se de
Roma para Campânia e conforme descreve Suetônio, promoveu atrocidades
diversas e fora de quaisquer limites.
O sucessor, adotado por Tibério, foi seu sobrinho Caio César. Havia
expectativas esperançosas por parte dos que outrora almejaram o império sob
Germânico, seu pai. Cresceu entre as tropas romanas e desde a infância recebeu o
pseudônimo de Calígula. Amante das artes buscava com avidez a popularidade.
Concluiu obras que Tibério começara na cidade e concedeu aos magistrados livre
jurisdição, e isto representava uma divisão de poder.
Sobre Calígula a descrição de Suetônio é bastante emblemática na divisão
virtude e vício, quando diz: “As narrações até agora foram a respeito de um príncipe.
A partir daqui falarei de um monstro”
10
. Constituiu-se num imperador de extrema
violência e desprezo a conceitos morais, sociais e econômicos. Agregou a si o
desejo de ser venerado como deus. Esbanjou os recursos financeiros do império e
para arrecadar criou tributos impensáveis e desonestos. Transformou seu cavalo em
senador e objeto de veneração. Acabou assassinado por um pretoriano e não deixou
um sucessor.
Por aquilo que pode ser visto na condução que os sucessores de Augusto
deram ao império, poderíamos depreender que existia em Roma um caminho aberto
para o retorno ao sistema oligárquico de poder, a república. Os governos dos
sucessores de César Augusto já haviam sido suficientes para a compreensão dos
8
Suetônio, Vida de los Doce Césares, III.
9
Tácito, Anales, III, 47.
10
Suetônio, Vida de los Doce Césares, IV, 22.
riscos de um poder irrestrito nas mãos de um príncipe. Os imperadores Tibério e
Calígula municiaram os que eram contra o sistema vigente.
O ambiente criado após o assassinato de Calígula foi de instabilidade e
incertezas. Estava em jogo todo o império e suas conquistas. A apologia de retorno
à república não encontrou voz em meio às legiões romanas, talvez por estarem
acostumadas ao poder personalista dos generais. A escolha de um sucessor que
não representaria riscos para o Principado pareceu o mais propício.
1.3 O PRINCIPADO DE CLÁUDIO
É possível resumir a história dos imperadores romanos, anteriores a
ascensão de Cláudio ao poder, principalmente conforme as idealizações de
Suetonio da seguinte maneira, César Augusto como o líder ideal, pacificador e
realizador de obras. Tibério como fruto da ausência de alguém melhor para a
sucessão de Otávio. Caio Calígula, um governante que iniciou sua carreira como um
verdadeiro príncipe e que se transformou em um completo insano, megalomaníaco e
imoral.
As experiências iniciais do Principado parecem ter deixado um legado
ambíguo para justificar-se a manutenção deste modelo político. Após a morte de
Calígula, certamente, os políticos que almejavam um retorno à oligarquia senatorial
viam neste vazio de poder uma excelente oportunidade para uma radical mudança
na estrutura do Estado.
A sucessão de Caio Calígula foi arquitetada e realizada com a participação
das legiões romanas. A aclamatio, que significa a aclamação das tropas, ocorreu de
forma rápida e surpreendente, principalmente pelo imperador escolhido. O sucessor
de Caio Calígula foi seu tio Tibério Cláudio Druso.
A sucessão imperial foi construída mediante um conjunto de fatores expostos
por Suetonio, entre eles a ausência de agilidade por parte do senado e dos
cônsules, bem como um pretenso clamor popular, ansiando por um novo soberano.
Destaca-se também a fidelidade das legiões, adquirida a peso de ouro por Cláudio.
A ascensão do novo imperador tornou-se irrevogável.
Sobrinho-neto de Otávio Augusto e herdeiro deste apenas em terceiro grau,
Cláudio fora até então um sujeito de pouca expressão na corte e no senado, suas
opiniões não eram as últimas a serem ouvidas e por conseqüência não eram
consideradas. O fato de ser tio de Calígula também lhe causou perigos uma vez que
o louco príncipe matara diversos familiares e Cláudio vivia sob esta ameaça.
Possuía problemas físicos, era manco, gago e passava a imagem de alguém
desajeito. Dentro do contexto familiar era desprezado até pela própria mãe.
Cláudio ascendeu ao governo do império aos cinqüenta anos de idade, após o
exercício de alguns poucos cargos públicos. Foi imperador durante catorze anos.
Revelou-se um governante de características bastante paradoxais, alguns o
consideravam
fraco,
face
às
influências
de
auxiliares
que
o
cercavam,
principalmente alguns libertos, todavia a forma como este exterminava seus
adversários revelam uma firmeza bastante contundente.
Administrou de modo centralizador e ampliou o império com uma capacidade
não prevista. Possuía características de alguém honesto e zeloso no cumprimento
de suas funções. Um homem dedicado aos estudos liberais e das questões do
Estado. Eloqüente e dado à erudição. Dominava também o grego e neste idioma
escreveu diversas obras históricas.
Das acusações que pesam sobre Cláudio, uma das principais diz respeito ao
uso desmedido da pena capital para punir desafetos. Exerceu o poder, em muitos
momentos, conforme afirma Suetonio, com ações próprias de alguém “cruel e
sanguinário por natureza”
11
. Matou muitos de seus pretensos desafetos sem
esboçar pudor algum, inclusive senadores e cavaleiros. As fontes apresentam fatos
que reforçam a imagem de Cláudio como alguém instável e muitas vezes de ações
que não possuíam a menor isenção ou impessoalidade.
Aquele que outrora dava sinais de ser alguém sem a menor dignidade, iniciou
seu governo com atos de ordenação ao caos oriundo do assassínio de Calígula.
Puniu aos que fizeram parte do processo de conjuração ao antigo imperador.
Posteriormente, adotou posturas de uma pretensa humildade e sensatez junto às
instâncias de poder já existentes dentro do império. Seu perfil, certamente muito
11
Suetonio, Vida de los Doce Césares, V, 34.
diferente de Calígula, lhe proporcionou conquistas internas importantes, entre elas “o
favor e amor do povo” 12, conforme explicita Suetonio.
1.3.1 A família de Cláudio
Uma das críticas a Cláudio diz respeito ao excesso de influência exercida
pelas suas esposas durante seu governo. Passou por quatro casamentos e teve
filhos em todos eles. Seus dois últimos matrimônios mereceram maior destaque nas
fontes, principalmente pela duração e desdobramentos no império.
De seu casamento com a prima Messalina teve dois filhos, Otávia e
Germânico. Uma esposa bastante controversa, corrupta e extremamente dedicada
às suas aventuras adúlteras, principalmente com Caio Sílio, um amante que recebia
de Messalina, conforme afirma Tácito, “a fortuna, servos, libertos e os luxos do
príncipe”
13
. Um relacionamento que não se preocupava com a discrição. Cláudio,
dedicado aos seus afazeres nada percebia e ainda corroborava com os atos da
imperatriz ao condenar sumariamente aqueles que não atendessem os rompantes
da mesma.
O adultério de Messalina com Sílio foi se constituindo numa verdadeira
conjuração. O amante de Messalina chegou a propor um casamento com a
imperatriz e a posterior adoção de Britânico, filho de Cláudio.
Pretensamente,
imaginava que poderia ascender ao poder no lugar do imperador, Messalina, todavia
não acolheu tal intenção de Sílio.
Tácito afirma que a influência de Messalina era tão grande sobre o imperador
que os servidores do palácio temiam a ausência de atitude punitiva por Cláudio com
ela, mesmo que esta confessasse seus erros
14
. Quando o imperador tomou ciência
da gravidade da situação passou a temer pela sua condição e em alguns momentos
chegou a questionar se ainda seria o senhor do império ou se o perderia para Sílio
12
Suetonio, Vida de los Doce Césares, V, 12.
13
Tácito, Annales, XI, 12
14
Tácito, Annales, XI, 28.
como perdera a esposa. Cláudio tomou a decisão pela execução da esposa sob o
temor de cair novamente em suas seduções.
Após todo o desgaste do casamento de Cláudio com Messalina o imperador,
conforme afirma Suetonio, declarou que não se casaria novamente e que caso algo
de diferente disto lhe ocorresse ele “se mataria com as próprias mãos”
15
. A
mudança de intenções do príncipe ocorreu quando este resolveu casar-se com
Agripina. A nova esposa do imperador era também sua sobrinha e para evitar
acusações de incesto, conseguiu no senado a proposição de uma lei que permitiria
tal modalidade de matrimônio. Mesmo com tal acerto legal, o casamento com a
sobrinha Agripina permaneceu para as fontes como moralmente ilícito, ilegítimo e
incestuoso.
O casamento de Cláudio com Agripina foi decisivo para a seqüência do
Principado. Agripina, mãe de Nero, de modo obstinado, traçou um caminho para
deixar de ser esposa de um imperador e tornar-se mãe de outro. Para alcançar suas
intenções, através da influência de um liberto, Palas, conseguiu que Cláudio
adotasse seu filho Nero e o casasse com sua filha Otávia. Por sua força trouxe de
volta a Roma o filósofo e senador Sêneca do exílio na Córsega para que este fosse
o responsável pela educação daquele que seria o futuro imperador.
As fontes apresentam Agripina como uma imperatriz extremamente ambiciosa
e pouco sincera, Tácito afirma que havia nela um “afã desmedido por ouro sob o
pretexto de proporcionar recursos a aquele reinado”
16
. De fato, Agripina foi uma
mulher capaz de suscitar o ódio em seus inimigos pela força exercida na corte
romana. Para o pleno atendimento de seus interesses, pessoas tinham seus bens
confiscados ou eram mortas sob acusações falsas.
Agripina é adjetivada por Tácito como uma mulher terrível em seus ódios,
cheia de falsidades e maquinações. Afirma que o imperador era conduzido a “ações
desumanas face aos manejos da imperatriz” 17. Suetonio preconiza que o imperador,
no final de sua vida, cansado das maquinações de Agripina, sinalizava haver se
arrependido de seu casamento, principalmente por suas articulações para impedir
que Cláudio declarasse Britânico como seu herdeiro e não Nero.
15
Suetonio, Vida de los Doce Césares, V, 26.
16
Tácito, Annales, XII, 7.
17
Tácito. Annales, XII, 59.
Um envenenamento, como causa da morte de Cláudio, é transmitido pelas
fontes como uma certeza. A forma como o veneno lhe foi ministrado e quem
ministrou passa ao campo das elucubrações. Suetonio é evasivo e Tácito é
categórico ao acusar a imperatriz Agripina e sobre isto diz: “estava decidida ao
crime” 18.
A distância entre o dia da morte de Cláudio e o seu efetivo anúncio, onde,
imediatamente o novo imperador é apresentado, traz também à baila muitas
especulações. A sucessão caminhava para que Britânico fosse inserido no
testamento de Cláudio como o novo senhor de Roma e isto, efetivamente não foi o
que aconteceu.
1.3.2 A administração Cláudio.
O imperador Cláudio marcou seu governo com empreendimentos que
visavam a melhoria das condições de vida em Roma e no restante do império.
Construiu estradas para facilitar o acesso às províncias, terminou o aqueduto que
houvera sido iniciado por Calígula e que recebeu o nome de Claudiano além deste
construiu outro que foi chamado de Anio Novus. Conseguiu canalizar duas fontes de
águas para a cidade. Fez abrir um túnel numa montanha para escoar o Lago Fucino
em suas enchentes. Construiu também o porto de Óstia.
Foi um governante preocupado com o abastecimento de alimentos para a
população da cidade. Fomentou o comércio através de subsídios para aqueles
comerciantes que sofressem reveses durante os invernos e incentivou a construção
de navios.
Cláudio era um homem pouco afeito a honrarias e titulações, mas gostava de
participar de eventos que exaltassem a grandeza de Roma e por conseqüência seu
imperador. Presidia pessoalmente muitos espetáculos, com a simulação de grandes
combates, muitos destes compostos de gladiadores ou ainda de animais vindos dos
mais distantes locais.
18
Tácito. Annales, XII, 66.
Quanto à aplicação da justiça no império o imperador Cláudio é apresentado
nas fontes como alguém que a “exercia pessoalmente”
19
. É duramente criticado por
seus veredictos, ordenados sem a devida isenção esperada. Sêneca em sua obra
Apoloquintose do Divino Cláudio narra um pretenso diálogo de Augusto com os
deuses e neste condenando Cláudio pela sua prática de executar pessoas ao seu
interesse, sem processo ou defesa
20
.
Suetonio corrobora tal afirmação sobre a postura do imperador ao afirmar,
que este promovia os julgamentos mediante seus sentimentos pessoais e tinha uma
tendência a se pronunciar rapidamente a favor dos presentes em detrimento aos
ausentes.
Mesmo sob tal crítica é possível depreender que Cláudio enxergava em si o
responsável pela organização das práticas judiciais no império e o detentor de uma
total e irrestrita imparcialidade. Desta forma, sua relação com as magistraturas foi
exercida, em alguns momentos, desautorizando suas ações e elaborando novas
decisões.
Cláudio promoveu o retorno da dignidade senatorial perdida durante o
governo de Calígula, mas as ações de governo em si eram centralizadas no
príncipe. É possível refletir sobre a postura de Cláudio com o corpo senatorial
romano pelo viés administrativo e pelos acordos corruptos. No quesito administrativo
Cláudio promoveu a descentralização administrativa repassando ao senado o
comando das províncias da Acácia e também da Macedônia. Em outras questões
agregou a si funções outrora senatoriais como o direto de concessão de licenças.
O senado já vivenciava, desde a instauração do Principado, um papel de
homologador das intenções e propostas dos príncipes. Esta prática foi reafirmada no
governo de Cláudio quando este, por exemplo, através de suborno
21
, e da ação de
um de seus libertos conseguiu a autorização para casar-se com Agripina. O que
deveria ser uma obediência do imperador ao senado não passava de uma armação
de bastidores.
O senado romano, durante o principado, tornou-se uma instância de diálogos
e debates de cunho simbólico e sem alçada de decisão no âmbito executivo, exceto
19
Suetonio, Vida de los Doce Césares, V,14.
20
Sêneca, A Apoloquintose do Divino Cláudio, X, 1.
21
Suetonio, Vida de los Doce Césares, V, 26.
por alguns temas divididos por Cláudio com esta assembléia como, por exemplo, a
autorização para o retorno de exilados a Roma. Mesmo nestas condições os
detentores do direito de serem parte desta aristocracia julgavam esta casa como
uma seleta agremiação de cidadãos superiores.
Em face desta realidade surgiu, durante o Principado de Cláudio, uma
celeuma no senado quando nobres gauleses apresentaram sua intenção de terem
admitidos em cargos públicos em Roma e também comporem o corpo senatorial.
Cláudio deu parecer favorável a esta demanda e a petição foi aceita.
Uma relevante crítica das fontes ao governo de Cláudio diz respeito à
influência exercida por alguns libertos sobre o imperador, entre eles Políbio, Narciso,
Palas e Calisto. É possível perceber no reinado de Cláudio o estabelecimento de um
corpo burocrático não composto pelos aristocratas. O imperador honrou seus
libertos com riquezas e com éditos senatoriais. Eram conselheiros que atuavam de
questões de Estado a questões pessoais. Suetonio chega a afirmar sobre isto que
Cláudio “não exerceu o papel de imperador, mas o de um criado” 22.
De fato, há no período uma ascendência econômica desta camada social, e
em especial os servidores da casa imperial tornaram-se ricos, principalmente pela
corrupção. Há que se perceber também que em pontos bastante decisivos para o
império alguns dos libertos se destacaram em seu papel junto ao príncipe. Como
exemplo o processo que culminou na morte de Messalina. Narciso, Calisto e Palas,
durante o período em que Cláudio esteve em Óstia, se empenharam em por fim ao
adultério de Messalina com Sílio, todavia não lograram êxito.
Narciso, secretário do imperador, que anteriormente fora aliado da imperatriz
em muitos eventos, foi aquele que pessoalmente denunciou os adultérios de
Messalina, conforme afirma Tácito, provocou nele o temor de perder o império,
chegando inclusive a propor que por um dia o mando militar fosse transferido a um
de seus libertos. Finalmente, por sua ordem, como quem fala em nome do
imperador, Messalina foi executada e este liberto recebeu por suas ações as
honrarias da questura.
Outro liberto de importante influência sobre o imperador Cláudio foi Políbio,
que se tornou seu professor. De origem grega, este conselheiro era responsável
pela transmissão ao imperador de memoriais e petições oriundas de todas as partes
22
Suetonio., Vida de los Doce Césares, V, 29.
do império. Seria uma espécie de filtro para as correspondências que pretendiam
receber favores do príncipe. Um cargo de grande projeção dentro do Estado e que
deveria viver à sombra da bajulação de uns e do ódio dos que não eram atendidos.
Para os escravos as suas atitudes foram positivas e representaram uma
transformação na ordem constituída. Decretou uma lei que tornava livres os
escravos que fossem abandonados por seus senhores quando doentes. Outro item
desta lei era imposição de julgamento por homicídio todo aquele que matasse seu
escravo ao invés de libertá-lo quando este não lhe fosse mais útil.
No âmbito militar promoveu reformas na ordem dos cavaleiros e lhe
estabeleceu um soldo. Manteve as legiões em plenas condições nas fronteiras do
império. Em suas expedições militares, além de anexar a Trácia, o imperador
Cláudio invadiu e dominou a Britânia, território que, desde Julio César, fora
sublevado e nenhum imperador houvera restituído. Esta foi uma das grandes
marcas de seu governo e a isto Suetonio chamou de “a glória de um triunfo
completo” 23.
O governo de Cláudio não foi longo, principalmente se comparado ao governo
de Augusto ou Tibério. Sua biografia é carregada de um teor depreciativo, embora
suas ações administrativas no império e na capital sejam dignas de nota. Um
governante subjugado a ações próprias de uma espécie de ingenuidade, num
ambiente enxertado de cobiças e ódios, o poder.
23
Suetonio. Vida de los Doce Césares, V, 17.
2 AS FONTES
2.1 PERFIS BIOGRÁFICOS
Dos três autores que escreveram sobre a vida de Cláudio e compuseram o
arcabouço de fontes para esta pesquisa, Sêneca, Tácito e Suetonio, apenas o
filósofo Sêneca foi contemporâneo do imperador. Os demais fizeram suas narrativas
mais de meio século depois do governo de Cláudio. Certamente a presença de
Sêneca nos desdobramentos do império sob Cláudio torna sua descrição biográfica
mais ampla e detalhada.
2.1.1 Suetonio
Caio Suetonio Tranqüilo nasceu aproximadamente no ano 69 da era cristã, o
local de seu nascimento é impreciso, mas há indicações que tenha sido Roma,
embora sua família seja originária do norte da África. As poucas informações sobre a
vida de Suetonio revelam que seu pai foi um oficial do exército e pertencente à
ordem dos cavaleiros. Aqueles que pertenciam à ordem eqüestre estavam
constituídos como um grupo de acesso às camadas sociais mais elevadas no
contexto social romano e às funções burocráticas dentro do império.
Suetonio tornou-se advogado e no ambiente senatorial adquiriu grande
destaque. Ingressou na carreira militar para servir como tribuno junto das legiões na
Britânia, mas permaneceu pouco tempo na função. Foi um interessado estudioso da
história romana e dos costumes deste povo.
Como escritor produziu uma grande quantidade de obras, a maioria delas foi
perdida. Seus textos abrangiam biografias de personagens pitorescos, observações
sobre costumes da vida cotidiana em Roma, desde vestuário, passando pelos
espetáculos, até questões específicas da vida burocrática do império, dedicou-se
também ao registro de especificidades de outras culturas.
Exerceu cargos de relevância e de significativa proximidade a dois
imperadores, Trajano e posteriormente Adriano. Durante o principado de Trajano foi
o auxiliar que encaminhava as leituras que o imperador precisava para compor sua
política administrativa, uma espécie de conselheiro cultural. Foi também o
responsável pelas bibliotecas imperiais. Serviu na corte do imperador Adriano como
secretário das correspondências do imperador.
Sua participação no ambiente restrito da corte do imperador Adriano foi
encerrada devido a um pretenso desagrado do príncipe pela forma como seu
secretário e também um dos comandantes da guarda pretoriana, Septício Claro se
relacionavam e tratavam a imperatriz Sabina. Não há registros conhecidos sobre a
data e contexto da morte do biógrafo.
2.1.2 Sêneca
Lucio Aneu Sêneca, natural de Córdoba na Espanha, nascido entre os anos 4
a 13 da era cristã, durante o reinado de César Augusto. Seu pai era pertencente à
ordem dos cavaleiros. A carreira intelectual de Sêneca teve início ao migrar para
Roma com a família, a partir de seu gosto pela filosofia, acabou se inserindo,
inicialmente no estoicismo
24
. Posteriormente fez uma viagem ao Egito e adquiriu
conhecimentos físicos que fizeram parte de seu tratado Questões Naturais.
Na escalada rumo à celebridade foi inserido, ainda no governo de Tibério, a
oratória. Sua capacidade e eloqüência o fizeram se distinguir no fórum romano.
Durante o principado de Calígula, a carreira e o próprio Sêneca, passaram a sofrer
perigos. Plutarco chega a afirmar que o imperador “teve inveja da glória literária de
Sêneca”
25
. Por conta desta situação com o príncipe Sêneca abandonou o uso da
tribuna.
24
O estoicismo foi uma escola filosófica helenística, fundada por Zenao de Cicium (336-263 a.C.) e
se propunha a oferecer um modo de vida pautada na austeridade física e moral, bem como a
resistência humana frente aos males e sofrimentos do mundo.
25
PLUTARCO. As vidas dos homens ilustres, V.
Ao longo de sua carreira, além de filósofo e senador, foi também dramaturgo
e exerceu o cargo de questor durante o primeiro ano do principado de Cláudio. Tal
função exigia do servidor a probidade suficiente para lidar com o erário público. Foi
um pensador voltado a escrever sobre o ideal de conduta para os governantes.
Por uma articulação da imperatriz Messalina, e de alguns influentes libertos
que trabalhavam junto do imperador Cláudio, Sêneca foi acusado de uma relação
adúltera com a princesa Julia Lívia, filha de Germânico e irmã de Calígula. A pena
de morte poderia ter lhe sido imposta pelo senado, mas por ação do imperador,
Sêneca foi exilado na ilha de Córsega. A princesa também acabou exilada por
vontade e ação de Messalina.
Durante o exílio, a esposa de Sêneca e um de seus filhos morreram. Compôs
nos anos de exílio tratados de consolação, chamadas de Cartas Consolatórias. O
exílio era uma das maiores aflições para os romanos. Todo exilado se tornava
possuidor de uma cidadania incompleta, ou seja, perdia a possibilidade de ocupar
funções públicas e alterar os destinos do império.
Sêneca encarou o exílio, afastamento de suas funções públicas, sob
concepções estóicas, de caráter universal. Nesta linha o filosofo preconiza que toda
a lamentação não passa de inutilidade, afinal todas as coisas seriam dirigidas pela
natureza e tudo chega a um fim. O estoicismo atendia aos anseios da aristocracia
romana, que almejava a implantação da república romana como uma Cosmópolis.
Sua volta a Roma aconteceu através da ação da nova esposa de Cláudio, a
imperatriz Agripina. Com o especial interesse em alçar seu filho Nero à condição de
sucessor de Cláudio, a princesa percebeu que deveria vencer obstáculos e preparar
o filho para tal missão. Além de destituir Britânico, filho de Cláudio seria também
preciso dar a Nero a devida educação para que este chegasse ao poder.
Sêneca é então convocado de volta a Roma para assumir as funções de
pretor
26
. A função pública dada a Sêneca era apenas o pano de fundo para a
verdadeira intenção de Agripina, dar-lhe a missão especial de cuidar pessoalmente
da educação do jovem Domício Nero, transferindo-lhe conceitos filosóficos e de
Estado.
Sêneca acompanhou Nero desde que este tinha onze anos de idade. De
professor, tornou-se parte do corpo diretivo do império quando o aluno foi feito
26
Os pretores administravam a justiça em Roma
imperador e ao longo de oito anos foi o condutor dos negócios de gabinete do
príncipe. Possuía um amplo leque de responsabilidades nas questões burocráticas
imperiais. Redigia os discursos que seriam lidos pelo príncipe no senado, cartas
circulares, nomeações, éditos e mantinha sob sua alçada toda ordenação da casa
imperial.
Casou-se uma segunda vez, agora com uma jovem de nome Paulina.
Desempenhou suas funções na corte junto do prefeito da cidade, Burro. Após a
morte de Agripina, percebeu que todo o ensino, conselhos e sabedoria passados ao
príncipe iam, gradativamente, se tornando exíguos, devido, principalmente, a
ausência de moderação no caráter de Nero e sua entrega aos privilégios de sua
vontade soberana.
A vida de Sêneca esteve pautada nas funções de Estado e no preço que isto
custava. Sua eloqüência e capacidade literária que o fizeram tão admirável também
lhe causaram grandes sofrimentos, tanto no exílio quanto em Roma. Nascido
durante o governo de Augusto, sua vida transitou pelo reinado de quatro
imperadores, ora por sua capacidade filosófica, ora por sua eloqüência, ou ainda
pela capacidade de cuidar dos negócios do Estado.
Pela mão de uma das esposas do imperador Cláudio, Messalina, foi
conduzido ao exílio, pelos atos de outra esposa, Agripina, foi trazido de volta à
capital do império. O final de sua vida foi marcado por ilações sobre um pretenso
enriquecimento ilícito. Morreu sob acusação de traição ao imperador que ajudara a
formar, numa conjuração da qual não fez parte, mas acabou sendo envolvido.
2.1.3 Tácito
Cornélio Tácito nasceu no inicio do principado de Nero, aproximadamente
entre os anos 55 e 57 d.C. Tácito começou a efetivamente desenvolver seus
talentos literários e sua carreira política após o fim dos quinze anos do principado do
Domiciano, no ano 96 d.C. último imperador da dinastia dos Flávios.
Foi um jurista de alta capacidade e destacado por sua oratória. Na burocracia
imperial exerceu as funções que compunham a magistratura, foi questor, pretor, e
também senador. Chegou a ser cônsul e proconsul na província da Ásia entre os
anos 112 e 114 d.C.
Era um político inserido no círculo de relacionamentos do imperador Trajano,
apoiava o poder centralizado, todavia possuía características próprias de um
defensor da república. Avesso à idéia de tirania, era um crítico aos devaneios
cometidos pelos imperadores. Defendia que o principado poderia ser compatível
com a preservação da liberdade, bem como com o modelo de sucessão não
pautado na hereditariedade.
Sua obra revela características de um escritor que, embora cívico e aplicado à
idealizações morais, era pouco interessado em narrar acontecimentos bélicos e de
cunho expansionista, dedica sua atenção a questões relacionadas a vida na capital
do império.
Tácito possuía características de alguém que acredita firmemente na
superioridade romana frente a outros povos. Sua postura no que se refere as
camadas populares, escravos e libertos é pautada num discurso depreciativo. Sua
especial dedicação é com os povos oriundos das províncias que foram integrados ao
senado romano.
O conjunto das obras de Tácito é bastante amplo e eclético. Há que se
destacar além dos Annales, os livros A vida de Julio Agrícola, uma homenagem ao
seu sogro, Germânia, uma narrativa sobre a vida e a cultura dos povos germânicos,
Histórias, onde está registrado o período imperial posterior ao reinado de Nero,
chegando até o final da trajetória de Domiciano.
2.2 O PERFIL DAS OBRAS
Conhecer alguns aspectos relevantes da biografia de escritores da
antiguidade traz esclarecimentos que ampliam o leque de interpretações de suas
obras. Seus filtros pessoais, seus círculos sociais e políticos e também a distância
cronológica entre o autor e o personagem descrito compõem um arcabouço de
sistemas, métodos e intenções dos escritores.
De modo geral é possível depreender que os autores acima apresentados
compunham a camada aristocrática romana. Mesmo em diferentes momentos
históricos foram detentores de funções públicas, pertencentes ao senado e
profundamente inseridos no interior das esferas de poder dentro do império.
2.2.1 A vida dos Doze Césares
A principal obra de Suetonio foi o conjunto de biografias A Vida dos Doze
Césares. Marcou a historiografia ao apresentar a imagem de uma Roma imperial
carregada de corrupções, vícios e violências. O período histórico contemplado tem
sua gênese em Julio César, e segue descrevendo a biografia dos onze primeiros
detentores do poder imperial.
São retratados aspectos, de forma sistemática, do contexto pessoal de cada
imperador, são contemplados os antecedentes familiares, fatos anteriores à chegada
de cada um destes ao poder e os atos como imperador, acentuando em muitos
momentos o declínio de cada príncipe.
O método utilizado por Suetonio é típico dos biógrafos da antiguidade, assim,
o quadro estabelecido por ele é pautado na contraposição entre vício e virtude.
Passa a idéia de uma ruptura na postura dos príncipes, onde até uma etapa da vida
tinham um proceder ou caráter e a partir de um fato ou momento histórico são
transformados completamente.
Descreve, resumidamente, assuntos que poderiam ter importância dentro do
contexto burocrático e administrativo do império. Questões relevantes são
apresentadas com poucas palavras, um exemplo é a narrativa da morte de Sêneca,
preceptor do jovem Nero e importante servidor dentro da máquina burocrática
imperial. Suetonio limita-se a dizer que o imperador mandou Sêneca suicidar-se.
Há temas então, que não cabem na seleção de temas escolhida pelo biógrafo
em sua obra. Seu propósito é discorrer sobre a personalidade dos imperadores,
principalmente em seus atos escandalosos. Aparentemente, algumas narrativas não
exerceriam no leitor o devido torpor esperado por Suetonio, principalmente se
comparadas a algumas narrativas carregadas de teor escandaloso e até erótico. Em
meio a tantas insanidades principescas é importante salientar que, para Suetonio, o
ideal de governante era Otávio Augusto.
O diferencial na obra de Suetonio pode estar no acesso deste às variadas
fontes. Além de testemunhos anônimos, sua função na corte lhe permitiu conhecer
arquivos, correspondências e documentação imperial, todo este leque material e
suas características como escritor abriram as portas para que este transformasse
em público o que outrora era privado.
2.2.2 Consolação a Políbio
A consolação era uma forma de composição literária utilizada pelos gregos e
absorvida e desenvolvida pelos filósofos, inclusive os romanos. O propósito era o
uso da retórica para convencer seus leitores a superarem seus sofrimentos e
misérias. Os maiores flagelos que poderiam atingir a vida dos romanos eram as
doenças, a velhice, a pobreza, o exílio e a morte. Diante destas circunstâncias os
consoladores se aplicavam ao seu trabalho.
A consolação a Políbio foi escrita, possivelmente, no final do ano 43 d.C.
ainda durante o exílio de Sêneca na Córsega. A morte do irmão de Políbio e a dor
vivida por este membro da corte imperial foi a motivação primária para a elaboração
deste tratado consolatório de Sêneca.
Políbio era um liberto de origem grega, de bastante relevância na corte de
Cláudio, sua responsabilidade era receber as petições, memoriais e requerimentos
que chegavam ao imperador e decidir pelo encaminhamento destas ou não ao
príncipe.
Políbio era, inegavelmente, homem de influência no corpo burocrático imperial
e certamente muito assediado por todos que tinham interesse em deliberações do
imperador. Diante deste quadro é possível depreender que Sêneca entendia que
suas alusões ao imperador, quando narradas a Políbio, chegariam ao conhecimento
do príncipe.
Nesta obra o filósofo agrega dois propósitos, consolar Políbio e tentar
alcançar o favor de Cláudio para finalmente sair do exílio. Há um cunho bajulador,
capaz de envaidecer o imperador. A
maneira como Sêneca cita o César e
apresenta os eventos nos quais ele estaria envolvido revelam um governante digno
de ser senhor do mundo. A conquista da Bretanha é celebrada como um triunfo
digno da tradição familiar do imperador.
Há citações que adjetivam Cláudio como a uma divindade e cuja existência
justificaria a continuidade da vida de Políbio e de todos os cidadãos romanos. César
é apresentado como modelo a ser seguido e alguém que esta acima das fragilidades
humanas.
2.2.3 A Apocoloquintose do Divino Cláudio
Extremamente diferentes são as adjetivações ao imperador apresentadas na
Carta Consolatória a Políbio, em relação às que compõem o discurso fúnebre A
Apocoloquintose do Divino Cláudio, ambas as obras de autoria de Sêneca. O leitor
desavisado poderia pensar que se tratava de personagens diferentes, aliás,
totalmente diferentes.
O imperador morto não representava mais problema tão pouco solução para
os anseios do filósofo, outrora exilado e necessitado dos favores de Cláudio. Agora
Sêneca compunha a corte como professor do novo senhor de Roma. Através de
uma obra literária Sêneca apresenta um Cláudio indigno de tornar-se deus ao lado
de imperadores como Otávio Augusto.
Sêneca tenta impingir ao relato o status de verdade, afirma logo na gênese do
texto que os fatos que seriam expostos estavam por ele sendo transmitidos à
história 27. Defeitos de Cláudio são apontados com a fluidez de alguém que buscava,
através da deterioração da imagem do imperador falecido, exaltar as virtudes do
sucessor que ora assumia o trono.
O termo apocoloquintose é objeto de diferentes interpretações, todavia é
indiscutível que a expressão foi apropriada por Sêneca para ridicularizar o imperador
e fazer a antítese ao termo apoteose que significa a transformação do homem em
deus. A linguagem está carregada de um tom satírico e vingativo.
A Apoloquintose do Divino Cláudio narra a chegada do príncipe ao mundo dos
deuses para assumir seu lugar naquele panteão. Levanta-se uma pretensa
discussão entre os deuses, contado entre eles o imperador Augusto, para
reconhecer ou não a divindade de Cláudio. Embora não seja um tratado religioso há
uma mistura complexa e alguns momentos bastante irônicos de personagens reais e
míticos.
No contexto deste julgamento mítico, Sêneca expõe a biografia de Cláudio
sob o viés de seu repúdio ao imperador que falecera. A partir de fatos que, aos olhos
27
Sêneca, A Apocoloquintose do Divino Cláudio, I, 1.
de Sêneca, marcaram negativamente a trajetória do imperador, o mesmo é execrado
por seus defeitos físicos, hábitos fisiológicos, glutonaria e licenciosidade. A fúria das
palavras é tal que o autor chega a nominar o imperador de “idiota” diversas vezes.
Há
acusações
ainda
mais
contundentes
no
discurso
de
Sêneca,
principalmente quando se refere aos julgamentos ilícitos e injustos por parte do
imperador, que se apressava em julgar e pendia geralmente para atender aos
interesses do que estivesse presente em detrimento dos ausentes.
O escárnio adentra as questões morais e familiares. Messalina é relembrada
por seus casos adúlteros, todavia Agripina não é citada nominalmente. Por fim, há
um destaque bastante relevante a todos os assassinatos feitos sob orientação de
Cláudio. A quantidade de senadores e cavaleiros mortos é feita literalmente
28
. A
comparação com Calígula visa conduzir a imagem de Cláudio ao mesmo patamar de
um imperador que ficou para a história romana como um desequilibrado, imoral e
criminoso.
2.2.4 Os Annales
Os Annales não chegaram completos para a historiografia contemporânea.
Muitas partes foram perdidas. O trecho conhecido contém apenas a descrição de
parte do reinado de Tibério, o reinado de Calígula perdeu-se totalmente, o
principado de Cláudio é apresentado a partir do sexto ano deste imperador e o
governo de Nero é quase todo coberto, foi também perdida a conclusão da obra.
A obra está composta como um conjunto de crônicas, escritas entre os anos
110 a 120 d.C. - composta por uma seqüência linear, narrando ano a ano dos
acontecimentos ocorridos na dinastia Júlio-Cláudia. Devido à distância cronológica
do autor em relação aos seus escritos Tácito precisou recorrer a fontes como
documentos oficiais, a obra perdida de Plínio, o velho, crônicas de Fábio Máximo,
testemunhos de pessoas anônimas e também atas senatoriais.
28
As fontes revelam que Cláudio matou trinta e cinco senadores e trezentos cavaleiros.
A escritora Maria Giuia afirma que os textos de Tácito “compõem um sistema
complexo de circulação, informação e opinião”
possível
depreender
que
Tácito,
quando
29
. A partir desta concepção é
escrevia,
emitia
suas
opiniões,
reconhecendo sua influência sobre a opinião pública de seu tempo.
Tácito fazia a seleção de suas informações pautada em seus valores e
critérios. Os Annales são, ao mesmo tempo, crônicas e reflexões sobre mais de
meio século de poder dos imperadores. O perfil político de Tácito é ambíguo, afinal
apoiava o poder centralizado, mas negava o modelo de sucessão dinástica.
Os Annales narram acontecimentos e também apresentam discursos que
modelavam a vida política do império. Um exemplo foi a retransmissão do discurso
proferido por Cláudio para defender a inserção de nobres gauleses ao senado e
funções públicas no império
30
.
Se gasta em narrar acontecimentos que seriam parte dos desdobramentos
políticos e administrativos no império, inclusive alguns debates no senado. Seu viés
é político, de teor moralista e em sua proposta a narrativa desloca-se da mera
compreensão pessoal ou escandalosa, mesmo em casos em que haveria espaço
para tal.
A discussão sobre a imparcialidade da obra de Tácito pode apresentar
opiniões contraditórias, todavia não há dúvidas quanto ao teor crítico na linguagem
do autor quando este apresenta as corrupções e os acordos inconvenientes que
perduravam no império, tanto na casa imperial quanto no senado.
São apresentados de forma bastante clara os nomes dos envolvidos no
contexto das dos eventos narrados. É uma obra que leva o leitor a compreender os
acontecimentos do período através de uma cadeia de processos. As causas e as
conseqüências dos atos, tanto dos imperadores quanto daqueles que o cercam.
29
GIUIA. M. A. Soriografia, informazione política, construzione della memória. Il caso del processo
piosoniano (20 d. C.). In: ______ Semanas de Estudios Romanos, vol. XII. Valparaiso: PUC, 2004.
p. 143.
30
Tácito, Anales, XI, 24.
3 VISÕES HISTORIOGRÁFICAS
A inserção da história no contexto acadêmico, no século XIX, propunha uma
área de conhecimento hermética, dogmática e pautada na simples narrativa de
fatos. Os acontecimentos considerados oficiais delineavam a história, geralmente,
militar ou política. Os historiadores eram retransmissores do que as fontes
apresentavam e não interpretes das mesmas.
Houve, progressivamente, a necessidade de implantar modelos interpretativos
para a história. Interpretações que pudessem ser pautadas em diferentes conceitos,
bases teóricas e métodos. A partir destas opções ampliou-se a interação e o diálogo
com as fontes pelos historiadores.
Nesta nova perspectiva, originária da primeira metade do século XX, os
historiadores compreendem-se como leitores e intérpretes do passado. Cada
pesquisador reconhece que a história, a partir de sua interpretação, passa a ser
construída de maneira bem específica, de acordo com a visão e os filtros do próprio
historiador.
Para Keith Jenkins a história, no âmbito teórico, constitui-se a partir de uma
série de discursos sobre o mundo31. Neste viés depreende-se que papel do
historiador é produzir discursos sobre o passado, ou seja, construí-lo. A história,
como uma construção, é um modelo interpretativo, pautado na análise das fontes e
na credibilidade das mesmas. Corroborando com a idéia de construções
historiográficas, Nelson Marcelino afirma que “não há uma única história” 32.
Esta maneira de entender o estudo e a escrita da história não está centrada
na discussão sobre a verdade, mas pressupõe que toda compreensão histórica é
passiva de questionamentos e reformulações. A interpretação de uma fonte é tentar
assimilar não necessariamente o que se disse, mas o que se quis dizer.
A pesquisa histórica, a partir de uma única fonte, já permite uma diversidade
de interpretações e conclusões. Quando há mais de uma fonte o historiador se
31
32
JENKINS, K. “O que é a história”. In:______ A história repensada. São Paulo: Contexto, 2004. p.23
MARCELLINO, Nelson. A história como ciência humana. In:______ Introdução às Ciências Sociais.
Campinas: Papirus, 1987. p. 4.
obriga a compreender que há, também mais de uma história, ou mais de uma
construção.
O desafio do pesquisador, diante de mais de uma fonte sobre o mesmo
objeto, é promover os mesmos questionamentos sobre as variadas obras e buscar
promover um diálogo entre as mesmas para tentar atingir as conclusões que busca.
Cabe aqui a seguinte afirmação de Marrou “O historiador deve conseguir lançar
sobre o passado esse olhar racional que compreende, capta e explica” 33.
As fontes sobre a vida dos primeiros imperadores, distam de nós
aproximadamente vinte séculos. Trazer à baila este passado requer, além dos
embasamentos teóricos e metodológicos, a análise contextual e biográfica daqueles
que nos proporcionaram as fontes primárias.
Este é o caso específico do imperador Cláudio, sua vida foi pesquisada neste
trabalho em quatro fontes, escritas por três diferentes autores. Para tornar possível o
diálogo com estes autores foi necessária uma reflexão sobre, suas fontes, tempo
histórico, ambiente político, interesses pessoais de cada escritor e método adotado
para suas descrições. Este viés interpretativo nos remete a uma idéia de
causalidade e efeito.
A partir destas condicionantes foi possível compreender, de forma mais
coerente, as diferenças pontuais, presentes nas quatro obras, quer seja dentro de
um contexto amplo, quanto de fatos específicos. Essencialmente, em alguns
momentos, as fontes se complementam e cooperam na formação do quadro total,
mas há circunstâncias em que estas apresentam mais confusões e dúvidas que
esclarecimentos.
Um notório exemplo desta ausência de consenso das fontes é a descrição da
morte do imperador Cláudio. Paira sobre Agripina o ônus do assassinato do
soberano, tanto para Suetonio quanto para Tácito, todavia o primeiro prefere,
apenas levantar suspeitas e afirmar o seguinte: ”Não há alguém que duvide do fato
de ele ter morrido envenenado. A dúvida recai, porém, no que se refere ao lugar ou
à pessoa que lhe tenha ministrado o veneno” 34.
33
MARROU, H.I., A história como conhecimento. In:______ Sobre o conhecimento histórico. Rio de
Janeiro: Zahar Editores, 1978.
34
Suetônio, Vida de los Doce Césares, V, 44.
Suetonio, portanto, não fecha questão quanto à autoria do envenenamento
por parte de Agripina, prefere se ater à narração do ambiente desconfortável e de
mentiras que foi criado devido à procrastinação da corte em comunicar que Cláudio
havia morrido.
Tácito, por sua vez, em sua dissertação afirma que a ausência de Narciso,
liberto de confiança do imperador, foi suficiente para que a imperatriz, tomada pelo
medo de represálias por parte do príncipe e a conseqüente destituição de seu filho
Nero, passasse, não somente arquitetar, mas executar a morte do marido.
3.1 FONTES DOS AUTORES
As fontes são as ferramentas fundamentais para o exercício do historiador.
Para se discutir de forma eficaz as descrições que cada autor fez sobre o mesmo
personagem é preciso analisar as fontes dos autores. A partir desta análise é
possível compreender, por exemplo, o motivo de alguns temas não serem
abordados por todos.
Tácito e Suetonio promoveram suas pesquisas em fontes variadas, inclusive
orais. Suetonio, por exemplo, em alguns momentos, apresentam suas fontes de
forma bastante evasiva, com expressões como: “através de pessoas antigas tomei
conhecimento”
35
, diz também “de acordo com o que se conta”
36
, ou ainda “outros
narram” 37, em todas estas citações o autor omite o nome dos que lhes contaram os
fatos.
Inicialmente, podemos compreender estas fontes como pessoas que foram
contemporâneas a determinados fatos abordados pelo biógrafo, Tácito também faz
uso de testemunhos anônimos, todavia há que se perceber certo clima de
prevaricação nestas menções a terceiros, bem como a pretensão de lançar mais
dúvidas que certezas sobre os eventos narrados.
35
Suetônio, Vida de los Doce Césares, V, 15.
36
Suetônio, Vida de los Doce Césares, V, 37.
37
Suetônio, Vida de los Doce Césares, V, 44.
Documentos oficiais como, atas senatoriais, correspondências e arquivos
imperiais, também fazem parte do arcabouço de fontes de Tácito e Suetonio. A
perspectiva da documentação histórica pertencente ao senado está vinculada às
ações de cada príncipe em relação a esta instituição. Sob este olhar é fica possível
compreender as razões para que um quadro tão negativo fosse elaborado para
alguns imperadores e positivo para outros.
Calígula, certamente, não ficou para as crônicas históricas do senado como
um bom imperador, suas atitudes para com os senadores foram vexatórias e de
profundo escárnio, um bom exemplo ocorreu quando este intentou fazer de seu
cavalo um membro do corpo senatorial. Em contrapartida, a figura de Augusto ficou
idealizada como alguém que reconhecia a importância do senado romano e seus
membros.
Sêneca é um caso bastante distinto em relação ao uso de fontes, afinal, em
certa medida, ele é a própria fonte de suas obras. Partes de seus relatos foram
inspiradas naquilo que o próprio filósofo vivera, mas é inegável que muitas de suas
asseverações foram frutos de suas interações no ambiente da corte e,
principalmente, senatorial após o seu retorno do exílio. Ouvia e certamente
registrava que melhor se encaixava a suas em questões pessoais.
A reconquista da Britania, por Cláudio, foi um evento histórico narrado pelos
Suetonio e Sêneca, infelizmente em Tácito a narração deste acontecimento deve
estar contida nos volumes perdidos da obra. Especificamente, em Suetonio esta
expedição de Cláudio é retratada como um jogo teatral e de vaidades do imperador,
ele diz: “Somente uma única expedição foi realizada por ele e, assim mesmo, de
pouca importância”
38
. As fontes de Suetonio, certamente assim retrataram
campanha militar do príncipe.
Sêneca, em contrapartida, aborda tal evento como um grande êxito para
Roma. O filósofo descreve ainda do exílio este fato histórico em uma de suas
consolações
39
. Ouvira falar deste empreendimento de Cláudio e seus resultados,
estava distante da capital do império, mas estava vivenciando o ambiente criado em
torno da vitória de Cláudio.
38
Suetônio, Vida de los Doce Césares, V, 17.
39
Sêneca, Carta consolatória a Políbio.
Estas diferentes abordagens não significam, necessariamente, ausência de
um mínimo rigor histórico, mas simplesmente perspectivas pessoais de cada autor.
Tácito é um autor que tem por característica a seleção de seus temas, com vistas a
imprimir, também a sua opinião, desta forma o procedimento de seleção de fontes
seguia a mesma lógica.
3.2 CONTEXTO TEMPORAL, POLÍTICO E PESSOAL.
Suetonio, Sêneca e Tácito foram autores, como qualquer outro, que
produziam suas obras sob a influência do seu próprio tempo histórico. Esta
afirmação está sustentada na liberdade de escrita que cada um deles teve para
publicar suas narrativas. É o estabelecimento de um binômio, cronologia e detentor
do poder, estes dois pontos nevrálgicos determinavam o teor das obras.
A defesa do sistema de governo estabelecido e, principalmente do governante
estabelecido no poder, corroborou para a linha de pensamento descritivo e crítico
dos autores. Neste aspecto, é necessário, também, considerar o ambiente político
em que as obras foram escritas, afinal estes autores compunham o mundo
aristocrático romano e viviam à roda dos que detinham o poder, inclusive dos
imperadores.
Sêneca, quando escreveu a Apoloquintose teve autorização para desancar e
expor ao vitupério o imperador falecido. A principal causa desta liberdade literária foi
sua inserção na corte do sucessor do príncipe, Nero, desta forma os desagravos a
Cláudio, além de não serem considerados como ofensivos, tornaram-se bastante
interessantes ao propósito de consolidar o novo imperador como o governante ideal
para Roma.
Algo semelhante é preconizado em Tácito. Seus Annales foram escritos após
o fim da dinastia dos Flávios, considerada por este como tirânica. Com o advento de
uma nova linhagem de imperadores o jurista viu-se liberado para escrever sobre os
acontecimentos vivenciados pelos príncipes do passado, considerando, claro,
Trajano, soberano que lhe era contemporâneo, como ideal.
Suetonio fez pública sua obra A Vida dos Doze Césares posteriormente ao
ano 120 d.C. – sua proposta, de uma história essencialmente pautada na vida
pessoal dos imperadores, só foi possível pela ausência de cerceamento a um
tratado que tinha também a característica do entretenimento.
A observação da longa trajetória de Otávio Augusto, narrada de forma positiva
por Suetonio, revela, mais do que a idealização deste primeiro imperador como
governante ideal, mas a defesa do modelo de governo vigente, o principado. Este
fortalecimento do modelo político e a inspiração do Panegírico de Trajano, de Plínio,
o jovem, abrem a porta da liberdade literária vivenciada na obra de Suetonio.
Observar a data da produção de cada uma das obras e refletir sobre elas é,
também, um exercício imprescindível. Suetonio e Tácito são autores que escreveram
nos primeiros anos do segundo século da era cristã. Uma época em que o
Principado já estava totalmente consolidado como sistema de governo. Ultrapassara
desdobramentos
significativos
inclusive,
mudanças
dinásticas,
crises,
transformações econômicas e sociais dentro do império.
Sêneca, em contrapartida, narra fatos que lhe são contemporâneos.
Acontecimentos que influenciaram a sua própria história de vida. Sêneca viveu sob a
égide de cinco imperadores. Nasceu no principado de Augusto, iniciou sua carreira
senatorial durante o reino de Tibério, foi perseguido e ameaçado de morte por
Calígula, exilado e repatriado por Cláudio e finalmente professor de Nero, que foi
também o responsável pelo seu suicídio.
A distância cronológica entre o fato e a narrativa permitiu a Suetonio e a
Tácito, a livre utilização de uma abordagem crítica e moralista sobre acontecimentos
que envolviam o imperador. O casamento de Cláudio com Agripina, sua sobrinha é
claramente tratado, pelos autores do segundo século, como um casamento imoral,
incestuoso e que foi liberado pelo senado através de uma lei forjada sob suborno e
arranjos de libertos que trabalhavam na corte.
Sêneca, todavia mesmo em meio a uma pesada crítica ao imperador na
Apocoloquintose, faz uma citação, numa linguagem figurada, própria da obra, que
nos remete a fatos próprios da vida conjugal de Cláudio “este sujeito quer subir à
cátedra? Não sabe o que acontece no seu tálamo”
40
. Esta é uma crítica ao
casamento com Agripina, todavia Sêneca, que fora libertado do exílio por força da
mãe de Nero, omite o nome da imperatriz.
40
Sêneca, A Apocoloquintose do Divino Cláudio, VIII, 2.
A junção das obras que discutiram o principado de Cláudio nos apresenta um
quadro mais completo sobre este imperador. A complexidade própria do exercício de
um poder deveras grandioso é retratada com nuances que demonstram
particularidades tanto negativas quanto positivas sobre o imperador e sua
administração.
O filtro dos interesses pessoais nos legaria um imperador completamente
diferente caso a descrição de Sêneca na Carta Consolatória a Políbio fosse a única
disponível. O imperador é chamado, de forma recorrente, como César, trazendo a
baila a idealização de um líder guerreiro e vencedor.
Apresenta também, em contraposição a um príncipe combativo, a figura de
alguém benevolente, afirma ao destinatário de sua carta, Políbio: “Não te é lícito
chorar para que possas ouvir a muitos que choram – e desejam obter misericórdia
do mais brando dos Césares” 41. Neste momento Sêneca indiretamente coloca-se na
posição daquele que chora e anseia pela misericórdia do imperador.
O imperador é apresentado nesta dissertação de Sêneca como um homem
leal, bondoso, altruísta, intelectual e incansável na dedicação ao bem comum e ao
trabalho. Num momento de elevada bajulação ao príncipe diz: “se as lagrimas
brotarem em teus olhos, dirige-os a César, eles se secarão ante o aspecto daquela
imensa e célebre divindade” 42.
A questão da divindade é bastante emblemática no que tange aos
imperadores romanos, uma verdadeira conquista póstuma. Augusto, considerado
digno de ser divino é mencionado por Sêneca, como referência para Cláudio, sobre
isto preconiza: “Que ele possa igualar-se ao divino Augusto nos atos e ultrapassá-lo
nos anos!” 43.
A mais simples leitura da Apoloquintose do Divino Cláudio, onde a idéia da
divindade do imperador é execrada por Sêneca, quando comparada à descrição de
Cláudio como divino na Carta Consolatória a Políbio, é suficiente para revelar o
caráter pouco sincero da adjetivação elaborada por Sêneca durante o exílio na
Córsega.
41
Sêneca, Carta Consolatória a Políbio. VI, 5.
42
Sêneca, Carta Consolatória a Políbio. XII, 3.
43
Sêneca, Carta Consolatória a Políbio. XII, 5.
Todos os predicados impingidos a Cláudio pelo exilado Sêneca estão, por
assim dizer, carregados de um interesse ímpar, para o filósofo, retornar a Roma e ter
sua condição de cidadão totalmente restaurada. Ele revela, em tom de desabafo:
“Escrevi estas coisas como pude, com a alma já gasta e enfraquecida por uma longa
ociosidade”
44
. O ideal estóico, de fazer o sofrimento submergir frente as suas
convicções, foi colocado à margem na elaboração desta carta de Sêneca.
3.3 MÉTODOS
Os métodos para a escrita da história estão, portanto, sujeitos a uma
variedade de filtros pessoais de cada autor. Vida pregressa, família, condição social,
ideologia, enfim muitas particularidades afetam o discurso do historiador. O método
é o caminho que cada escritor escolhe, mediante seus objetivos, para a execução de
sua obra.
Sêneca, suetonio e Tácito trabalharam com métodos diferentes e as
características de suas obras apresentam tais diferenças. Sêneca trabalha numa
perspectiva filosófica e até poética, Suetonio faz uso de uma linguagem caricata e
Tácito preocupa-se com o teor político e de Estado em suas narrativas. Cada autor
apresenta suas particularidades no que tange a estrutura, ao conteúdo e ao estilo de
escrita.
Suetonio se apresenta como um autor preocupado em retratar a vida pessoal
dos imperadores, assim, seu discurso se prende ao lado mais humano dos
biografados. Apresentar a humanidade de cada imperador significa revelar defeitos
que o colocariam na condição de igualdade a qualquer cidadão romano. Todavia
Suetonio não faz disto um discurso crítico, apenas se propõe a descrever os
acontecimentos.
Outra característica da obra de Suetonio é sua completa despreocupação
com a cronologia das obras. Ocupa-se em descrições, inclusive físicas e fisiológicas
do biografado, sobre Cláudio diz: “Possuidor de uma bela fisionomia e de belos
44
Sêneca, Carta Consolatória a Políbio. XVIII, 9.
cabelos brancos – seus joelhos eram pouco sólidos”45. Discorre também sobre as
frágeis condições de saúde do imperador.
O fato de Suetonio tratar de especificidades físicas dos imperadores não
significa que não há valor na obra, ao contrário são relevantes dados para a
compreensão, inclusive do ambiente social e cultural do período. Suas narrações
também são fundamentais para compor nossos conhecimentos sobre os costumes
da sociedade em questão.
Algumas questões relevantes no âmbito político e social são tratadas sem a
devida relevância que poderiam possuir, mas para Suetonio a guerra e a política
não são mais importantes que a vida privada dos imperadores. Ele não se atém a
assuntos públicos, apenas ao imperador e seus atos. Em síntese, uma escolha
metodológica.
Sêneca trata o imperador Cláudio, conforme já foi dito, numa dicotomia
explícita, seus escritos preconizam apenas um aspecto de sua vida, ora é alguém
que só tem virtudes, merecedor dos maiores elogios, como as elucubrações
apresentadas na consolação ao liberto Políbio, ora só defeitos e aberrações, como
está posto no tratado fúnebre A apoloquintose do Divino Cláudio.
Giusepina Gramático afirma que Cláudio não seria merecedor de uma
descrição tão contundente, e questiona Sêneca e seu exagero, “Razões artísticas
próprias deste gênero literário a que a obra pertence, o rancor alimentado por um
ódio que ultrapassa todos os limites”46. De fato, os demais autores também
apresentam críticas sérias a Cláudio, mas nada se compara à descrição elaborada
pelo magoado Sêneca.
Mesmo em sua linguagem literária diferenciada Sêneca também se atém a
questões íntimas de Cláudio, até mesmo fisiológicas, cita, pretensamente, as
derradeiras palavras do imperador em vida da seguinte maneira: “depois de haver
soltado um som mais alto que de costume, pela parte do corpo que se exprimia de
modo mais eloqüente foi esta: Acho que me sujei” 47.
45
Suetônio, Vida de los Doce Césares,
46
GRAMMATICO, G. Silencio y furor em la apokolokynthosis de Sêneca.
In:______ Revista
Semanas de Estúdios Romanos, volume IX. Instituto de história da Universidad Católica de
Valparaiso, 1989. p. 99
47
Sêneca, A Apocoloquintose do Divino Cláudio, IV, 3.
A mágoa permeou as palavras contundentes e de teor altamente marcado
pela destituição de qualquer valor, não no imperador, mas no homem Cláudio. É
questionável a importância dada, por um autor tão preparado como Sêneca, a uma
personalidade, Cláudio, que ele tenta provar, com tanta veemência, ser alguém
indigno da condição de imperador e cuja morte fez retornar ao império a verdadeira
felicidade.
Tácito, finalmente, é um autor preocupado em narrativas de cunho político.
Neste aspecto é possível encontrar em sua obra um antagonismo em relação ao
estilo de Suetonio. Tácito trata acontecimentos que poderiam ser circunscritos a uma
esfera pessoal, como questões de Estado.
Diferentemente de Suetonio, que não se alonga sobre os adultérios de
Messalina, Tácito, não somente discorre longa e detalhadamente sobre tal tema,
mas trata a questão e seus desfechos com uma abordagem crítica. Faz questão de
mencionar o nome dos que estão envolvidos nas questões.
Os casamentos de Cláudio com Messalina e Agripina são apresentados
sempre pelo viés dos perigos que representavam para a segurança do império.
Neste sentido, após a morte de Messalina, expõe sua compreensão sobre o que
significava para o imperador o casamento, “homem pouco acostumado a vida
celibatária e inclinado a desejar ser dominado por uma esposa”48.
Gramático afirma que “o Cláudio descrito por Tácito é muito semelhante ao de
Suetonio e de Sêneca na Apocoloquintose”
49
. Certamente, esta afirmação está
relacionada à dicotomia vício e virtude explicitada em Suetonio e no viés totalmente
escarnecedor de Sêneca.
Nesta mesma compreensão, Claude Nicolet defende que alguns dos grandes
autores romanos, inclusive, Suetonio e Tácito, são autores de tendência
moralizadora e esta tradição aproxima o conteúdo de suas descrições, sobre isto
afirma: “o civismo, mesmo negativo, está presente quem em Tácito, quer em
Suetonio” 50.
48
Tácito, Anales, XII, 1.
49
Ibid 16, p. 95
50
NICOLET, Claude. “O cidadão e o político”. In:______ O homem Romano: Editorial Presença,
1990. p. 22
Tácito impõe ao seu próprio texto um teor crítico. Menciona os fatos e aponta
as falhas, faz valer sua opinião sobre o evento. Quando menciona, por exemplo,
que Cláudio estaria cometendo crimes, preconiza que esta violência do imperador
era fruto da influência de sua esposa Agripina.
Sobre Agripina e seus atos o autor não se exime da possibilidade de opinar
sobre a imperatriz e suas intenções, diz Tácito: “Seu afã desmedido de ouro se
dissimulava sob o pretexto de proporcionar recursos ao reino” 51. Além desta citação,
há outros momentos onde Tácito faz duras críticas a postura da esposa do
imperador.
O trabalho de Tácito pretende oferecer uma versão oficial para os
acontecimentos. A estrutura de suas narrativas é centrada numa seqüência
cronológica, detalhando o nome dos envolvidos em cada evento e fazendo,
inclusive, o uso de discursos proferidos no senado.
Finalmente é possível identificar, nas crônicas de Tácito, um Cláudio
vivenciando cotidianamente os reveses da função que lhe foi outorgada pelas
legiões. Rodeado de libertos, más esposas, pessoas interesseiras e um senado
cheio de contradições. Tácito é um autor que, por trabalhar ano após ano, faz o leitor
perceber os eventos, não como rupturas, mas como processos.
51
Tácito, Anales, XII, 7.
CONCLUSÃO
As pesquisas sobre mundo clássico e, essencialmente sobre o Império
Romano, têm se mostrado bastante interessantes, principalmente pela condição de
transformar um trabalho, que poderia ser apenas biográfico, em uma discussão
profunda sobre aquela sociedade e suas compreensões de mundo.
É uma reflexão elaborada, essencialmente, na leitura e interpretação das
fontes. Ficou patente nestes documentos o espaço para o contraditório e para novos
questionamentos sobre o imperador Cláudio. A idéia simplista de um príncipe tolo e
até imbecil é vencida quando há uma análise depurada dos diferentes contextos que
inspiravam as narrativas de cada escritor.
Mesmo inserido num recorte temporal pequeno, o principado de Cláudio
apresentou uma ampla gama de possibilidades de estudos e aprofundamentos. As
relações interpessoais, por exemplo, são deveras instigantes e podem ser
pesquisadas em diferentes perspectivas.
Não é possível, de forma hermética, preconizar que Cláudio tenha sido um
imperador melhor para Roma do que os afamados Nero ou Calígula, todavia é viável
e coerente perceber que a historiografia pode se ater mais ao estudo deste príncipe,
bem como das conseqüências de sua administração.
No início deste trabalho havia uma expectativa em compreender as causas da
elevação ao poder imperial de um senador pouco representativo dentro da corte. A
posição das tropas aclamando Cláudio foi ágil e decisiva. A imagem de um Cláudio
tolo e insignificante foi logo, gradativamente, sendo substituída por um governante
conciliador, culto e intensamente interessado em cumprir suas funções como Senhor
de Roma.
Um homem fraco e vacilante, esta era a principal acusação sobre o imperador
Cláudio, todavia o que se extrai ao final da pesquisa é que sua proximidade e ações
para com as camadas mais pobres da sociedade romana lhe valeram mais adjetivos
negativos do que positivos.
Um imperador que contrariou os interesses de donos de escravos e se rodeou
de libertos para gerir a burocracia imperial. Não foi também recebida como
unanimidade sua defesa a inserção de nobres gauleses ao senado e finalmente seu
casamento com a sobrinha Agripina.
Evidentemente, Cláudio não foi apenas um homem injustiçado por aqueles
que construíram sua história. Há indícios nas fontes que tornam pertinentes as
suspeitas de pouca perspicácia na postura do príncipe. Sua lentidão em resolver a
situação de Messalina e também sua falta de atitude para com os desmandos
obstinados de Agripina afetam sua reputação.
Uma ambigüidade se apresenta na biografia deste imperador. Foi inteligente e
capaz nas questões administrativas, promovendo peculiares e relevantes obras para
o império, todavia seu próprio patrimônio era exíguo para sua função, isto fruto do
verdadeiro roubo que lhe impingiam alguns daqueles que o cercavam.
Ao final desta pesquisa, a essência que pode ser extraída sobre Cláudio é
que este é um imperador cuja história é bastante interessante para novos estudos.
Uma
biografia
elaborada
pela
necessidade
de
valorização
do
soberano
contemporâneo ao biógrafo.
Tácito, um homem contrário à tirania e ao regime dinástico, mas interessado
em preservar sua proximidade com seu próprio monarca. Suetonio um escritor
atento a fatos de relevância duvidosa, uma linguagem própria para apresentar uma
história dos costumes e por fim Sêneca, um ideólogo do soberano ideal, ansioso por
ver em seu aluno, Nero, alguém digno de ser chamado imperador. Além disto, um
homem marcado pelo rancor e que externou tal marca em suas palavras contra
Cláudio.
FONTES HISTÓRICAS
SÊNECA. Consolação a Políbio. Tradução Cleonice F. M. Van Raij. Campinas:
Editora Pontes, 1992.
SÊNECA. A Apoloquintose do Divino Cláudio. Tradução: Giulio Davide Leoni.
Campinas: Editora Pontes, 1992.
SUETONIO. Vidas de los Doce Césares. Tradução: Rosa M. Cubas. Editorial
Gredos, Madri, 1992.
TÁCITO. Anales. Tradução: José Moralejo. Editorial Gredos, Madri, 1992.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Paulo, 1980.
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Lucius Sêneca. Dissertação de Mestrado. UFPR: Curitiba, 2001.
FINLEY, Moses. A política no mundo antigo. Rio de Janeiro: Zahar Editora, 1985.
FRIGHETTO, Renan. Algumas considerações sobre o poder político na
Antiguidade Clássica e na Antiguidade Tardia. Buenos Aires, 2004.
GRAMMATICO, Giuseppina. Silencio y furor em la apokolokynthosis de Sêneca.
In:______ Revista Semanas de Estúdios Romanos, volume IX. Instituto de história
da Universidad Católica de Valparaiso, 1989.
JENKINS, K. “O que é a história”. In: ______ A história repensada. São Paulo:
Contexto, 2004.
LÉVÊQUE, Pierre. Impérios e barbáries do século III a.C. ao século I d.C.
Publicações Dom Quixote: Lisboa, 1979.
MARCELLINO, Nelson. A história como ciência humana. In:______ Introdução às
ciências sociais. Campinas: Papirus, 1987. p. 3-8.
MORALEJO, José. Introducción. In: Anales: Editorial Gredos, Madri, 1979.
NICOLET, Claude. “O cidadão e o político”. In:______ O homem romano: Editorial
Presença, 1990.
RAIJ, Cleonice F.M.V. As cartas consolatórias de Sêneca. Campinas: Editora
Pontes, 1992.
VERGER, ANTONIO. Introducción general. In:______ Vidas de los doce Césares:
Editorial Gredos, Madri, 1992.
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