magazine 01.2010 O Caminho faz andando A raça Aberdeen-Angus e o seu Futuro em Portugal Paulo Costa Secretário Técnico do Livro Genealógico Português da Raça Bovina Aberdeen-Angus I PARTE O valor da raça A introdução de uma raça de carne, para a selecção em linha pura, deve ter como principal objectivo a exploração das suas aptidões naturais, optimizando-as para a melhoria da produção e da qualidade da carne - amplificar o mercado e/ou criar um segmento diferenciador. Neste artigo tentarei expor as razões subjacentes à constituição do Livro Genealógico Português da Raça Bovina Aberdeen-Angus em Portugal, com sede na Região AutóFoto: Cortesia da Rosemead Angus noma dos Açores, que adiciona assim uma opção às demais raças exóticas exploradas no país, assim como contar um pouco do A forma de sentirmos menos as alterações ocorridas a percurso já percorrido e o caminho que deve ser seguido. nível global, nomeadamente a instabilidade do preço dos Desde a minha altura de estudante universitário que a cereais, é na redução dos custos. Isso passa pelo correcraça Aberdeen-Angus me cativou pelas suas características, to maneio da pastagem e de forragem conservada, pela em particular a famosa qualidade da sua carne, produzida melhoria da eficiência nutricional e reprodutiva dos nosprincipalmente à base de forragem. Não entendia portan- sos rebanhos e por fornecer carne de elevada qualidade, to, porque razão o seu uso era sobretudo em cruzamento adequando o tipo de animal que melhor possa preencher industrial em gado leiteiro (i.e. Holstein-Friesian) com o estes requisitos. critério da elevada facilidade de parto. Neste contexto a raça Aberdeen-Angus tem vindo a afirTalvez possa ser explicado por um lado, pela força das mar-se cada vez mais como uma opção. políticas de mercado da União Europeia que eram centradas no incentivo à intensificação da produção, conseguida Maximizar o valor da vaca aleitante pelo uso de raças tardias que se tornaram muito popuNormalmente o produtor de carne dá maior enfoque à lares, também em território Nacional (e.g. Limousine), e produção (e.g. peso ao abate ou classificação da carcaça) por outro, para satisfazer a procura de carne mais magra e menos valor à rentabilidade da exploração. O chavão na quando comparadas com as raças precoces ou ditas Bri- produção de carne é “produzir um vitelo saudável a cada tânicas (e.g. Aberdeen-Angus). Outro factor poderá ser 365 dias”. Para isso a vaca aleitante deve cumprir a sua de ordem histórica, uma vez que a disseminação da raça tarefa pois, os encargos para a sua manutenção são elevaaconteceu em primeiro lugar nas colónias Britânicas (e.g. dos. Austrália) e só depois nos países do Norte da Europa e por Muitas vezes a Aberdeen-Angus é apelidada como a isso com pouca tradição no Sul. “raça da vaca mãe” e constitui em linha pura ou em F1 (i.e. No caso dos Açores, talvez por arrasto ou pelo facto AngusxHereford) a mais utilizada nos principais países do mercado Açoriano se ter centrado, durante muitos produtores do mundo, quer cruza com raças precoces anos, na expedição massiva de gado vivo devido à falta (mercados que diferenciam a palatibilidade da carne) ou de condições de abate que pudesse gerar comercialização com raças tardias para potenciar o vigor híbrido. em carcaça/peças em mercados exteriores. Assim, nunca A fêmea Aberdeen-Angus tem uma estrutura média, é houve espaço, ou melhor, incentivo para selecção de raças rústica, tem precocidade sexual, boa capacidade aleitante precoces. e temperamento dócil. Vacas de médio porte têm menores 51 P.V.) permite que este tenha muito vigor e logo capacidade de se “fazer à vida”. Com a vaca Angus, a longevidade associada à fertilidade e à capacidade aleitante, representa, no final da sua vida produtiva, mais vitelos por fêmea e maior produto (i.e. kg de carne) por hectare. RWAngus - Mértola custos de manutenção e maior longevidade. O início da reprodução dá-se por volta dos 15 meses para que o parto ocorra aos 24 meses. Uma vez que o anestro após o parto (i.e. período entre o parto e o novo cio) é curto e a taxa de prenhez elevada, consegue-se facilmente cumprir o objectivo de criar um de 1 vitelo/ano/vaca. Para além disso, a elevada facilidade de parto diminui os custos de mão-de-obra e veterinários e aumenta a taxa de sobrevivência do vitelo. A selecção genética da raça sempre tem tido a preocupação de balancear a capacidade aleitante e o desenvolvimento muscular e é por isso a razão de serem boas produtoras de leite. Adicionalmente, o baixo peso do vitelo ao nascimento (peso médio de 35kg Netherton - Escócia 52 Toiro Angus – maneio fácil e padronização da produção A padronização e a regularidade da oferta de animais para o abate, a tipificação das carcaças e da qualidade da carne, são exigências correntes do mercado, quer para os produtores, quer para os operadores comerciais. Nesta lógica, a preponderância das características da raça Aberdeen-Angus facilitam esta tarefa. O gene mocho dominante e a docilidade de temperamento facilitam o maneio animal e a redução da mãode-obra. A sua precocidade (i.e. início da deposição de gordura) permite o abate de animais jovens com pesos de carcaça de maior valorização no mercado (i.e. 241 a 280kg) com adequado acabamento, sem contudo intensificar o uso de suplemento, permitindo ao produtor lotes homogéneos e ao mercado a padronizarão da qualidade das carcaças e, potencialmente, diminuir a variabilidade da palatibilidade da carne. Por último, isto por ser a primeira característica na sua escolha, a facilidade de parto. Quem utiliza genética Angus (toiro de cobrição ou inseminação artificial) tem normalmente, um objectivo pessoal complementar: dormir descansado na época de partos! Os problemas na altura do parto não resultam apenas na perda do vitelo e/ou da mãe, mas também das complicações resultantes que requerem mão-de-obra e cuidados veterinários e que normalmente comprometem a performance reprodutiva e a capacidade aleitante, que no caso das explorações leiteiras tem um impacto importante na magazine redução do rendimento. Qualidade da Carne – denominador comum A qualidade da carne Angus é, sem dúvida, a característica que mais lhe dá notoriedade. Mesmo um consumidor dos meios urbanos que não tenha qualquer ligação à agropecuária relaciona a palavra ANGUS com QUALIDADE. Este facto é um claro estímulo para quem está a jusante do processo (i.e. produtores e operadores) e a principal razão da multiplicidade de programas de certificação com base na genética Angus existentes em todo o mundo. Por exemplo, no Canadá 9 dos 17 programas de certificação são com base nesta raça. O programa Certified Angus Beef da American Angus Association comercializou em 2009 mais de 300.000 toneladas de carne. O Reino Unido e a Irlanda têm desenvolvido o seu mercado em torno da raça Aberdeen-Angus, nomeadamente na optimização do cruzamento industrial, em particular nas raças leiteiras, o que valoriza os F1 e incrementa a disponibilidade de animais para o abate. No caso da República da Irlanda a procura de novos mercados no exterior veio encontrar consumo em Portugal, já existindo com regularidade carne Angus nas prateleiras de uma conhecida cadeia Nacional. Nos países da América do Sul, os principais concorrentes dos produtores Europeus, a raça Angus tem trazido, pela sua eficiência no regime extensivo, mais valias ao sector, reiterando a capacidade iminentemente exportadora do Mercosul. Na Argentina, 80% da genética de carne é Angus e no Brasil no Estado do Rio Grande do Sul, pelo seu clima temperado, é o ponto de referência da raça no país. Do outro lado do mundo, a Nova Zelândia e a Austrália possuem programas com vista, não só o abastecimento doméstico, mas também os aliciantes mercados Coreano e Japonês. No caso particular da Nova Zelândia, a selecção 01.2010 genética é baseada na capacidade de produzir carne de elevada qualidade 100% à base de erva. É notável que o programa de melhoramento consiga hoje, fornecer um índice genético para a produção de carne exclusivamente à base de erva, para além dos habituais índices para o cruzamento industrial ou para a reposição do efectivo aleitante. A carne Angus tem esta reputação imutável devido à precocidade da raça, o que significa elevada deposição de gordura subcutânea e intramuscular. Deste modo a infiltração de gordura na carne (i.e. marmoreado) resulta numa maior satisfação no seu consumo, pelo sabor que encerra e a sucolência que incita. A carne é tida como sendo muito tenra o que poderá dever-se a dois factores. O primeiro, relacionado com a uniformidade e espessura de gordura de cobertura das carcaças que tendo um efeito isolante poderá levar a um arrefecimento gradual nas primeiras 24h após o abate e assim impedir ou reduzir o efeito do encurtamento da fibras musculares induzido pelo frio. Em segundo lugar, providenciar uma melhor maturação da carne se a isso for sujeita a carcaça ou partes desta. Antes de prosseguir, darei algumas notas sobre maturação da carne. Segundo os especialistas, todas as carcaças de bovinos deveriam ser sujeitas a um período de maturação (ambiente com refrigeração e humidade controladas) de forma a diminuir a variabilidade da tenrura da carne e da palatibilidade no geral. Normalmente, a bibliografia refere que o processo de maturação de carcaças de bovinos deve situar-se entre os 7 e os 14 dias. A maturação das carcaças é um processo muito antigo que visa “deixar” a carne se tornar mais tenra e desenvolver mais sabor/aroma. Quando a carne é mantida num ambiente refrigerado algunas enzimas têm a capacidade de serem activadas e degradarem proteínas do músculo, tornando a fibras menos “densas” e assim a carne mais tenra. As duas enzimas mais importantes são a calpaína; que torna a carne macia; e a calpastatina que tem um efeito de inibição da primeira. Deste modo, quanto menos activa a calpastatina maior a tenrura da carne. Diversos trabalhos realizados nos EUA, Austrália e Argentina sobre o genoma bovino, revelam que a raça Aberdeen-Angus apresenta uma boa frequência dos genes que intervêm na síntese da calpaína quando comparada com outras raças de carne. Deste modo, existindo um maior estudo sobre indivíduos cuja repetibilidade dos genes seja elevada, irá constituir mais uma ferramenta na selecção de reprodutores e amplificar de forma decisiva o valor da raça na produção de carne de elevada qualidade. (continua na pag 57) 53