SEMINÁRIO INTERNACIONAL ENLAÇANDO SEXUALIDADES Educação, Saúde, Movimentos Sociais, Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos 20 a 31 de Julho de 2009 Salvador - BA A SEXUALIDADE DO CASAL NO PROCESSO GRAVÍDICO-PUERPERAL: UM OLHAR DA SAÚDE OBSTÉTRICA NO MUNDO CONTEMPORÂNEO Cristina Portela da Mota1 Ricardo José Oliveira Moutta2 Sandra Maria Oliveira Caixeiro-Brandão3 INTRODUÇÃO A sexualidade é um aspecto importante na vida do indivíduo, envolvendo dimensões interdependentes e inter-relacionadas, como: biológica, psicológica e sócio-cultural. Dessa forma, mitos, antigos tabus e determinadas discriminações estendem-se por gerações, deixando subsídios importantes passarem despercebidos. MacCary (1978, p.243) diz que: A palavra mito vem do grego (mythos) e significa “fábula”. Os mitos têm função social importante e expressam aquilo em que determinados grupos querem acreditar. Por sua vez, a sexualidade na gestação se modifica por diversos motivos: alterações corporais, preconceitos da mulher, do parceiro e dos familiares, despreparo dos profissionais de saúde com relação a orientações sobre sexualidade durante o pré-natal, medo de afetar o feto durante o ato sexual, insegurança em relação à auto-estima, e por inúmeras outras causas que deveriam ser discutidas mais abertamente pelos casais, até mesmo antes de engravidarem. Batista et al (2004) diz que “a influencia da gestação na sexualidade feminina é uma realidade na vida da mulher, sendo necessário, portanto, uma orientação direcionada para esse aspecto da vida da gestante durante a consulta pré-natal”. Na gestação, o corpo da mulher sofre diversas transformações para se adaptar a uma nova vida que cresce dentro dele, tais como: ganho de peso, alterações hormonais, alterações cardíacas, alterações respiratórias e ainda envolvem mudanças emocionais. Estas alterações terão grande impacto na vida familiar, profissional e sexual da mulher. O desejo sexual poderá estar diminuído, principalmente no início da gestação quando há mais náuseas, tonturas e ansiedades. A freqüência das relações sexuais também poderá ser menor e a lubrificação vaginal estará alterada. Kaplan (1983) “propôs uma nova concepção da resposta sexual humana em três fases – o desejo, a excitação e o orgasmo”. O desejo sexual é inerente aos seres humanos e emana uma energia, que acontece de maneira natural. A sexualidade no ciclo gravídico-puerperal é fenômeno estritamente humano, pois no reino animal são raros os casos de cópulas envolvendo uma fêmea grávida ou amamentando. Melo e 1 Mestre em Enfermagem pela UNIRIO. Professora Assistente do Departamento Materno-Infantil e Psiquiátrico da Universidade Federal Fluminense. 2 Mestre em Enfermagem pela UERJ. Professor do Departamento Materno-Infantil da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. 3 Mestre em Enfermagem pela UERJ. Professora da UNIVERSO. 1 SEMINÁRIO INTERNACIONAL ENLAÇANDO SEXUALIDADES Educação, Saúde, Movimentos Sociais, Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos 20 a 31 de Julho de 2009 Salvador - BA Santana (2005) apontam que “sexualidade está associada ao prazer e à expressão corporal, sentimental e cultural”. A fêmea obedece em seu comportamento sexual exclusivamente seus instintos de perpetuação da espécie, influenciada por seus hormônios. Esses hormônios a transformam em um ser voltado exclusivamente para sua prole. O macho pode ser aceito nas cercanias de seu habitat, mas não é objeto de desejo. Não há interesses bioquímicos, culturais, conveniências sociais ou afetivas que a levem ao ato sexual. O sexo para a fêmea já teve sua função (reprodução) e somente voltará a ter quando ela estiver novamente no cio, em época de reprodução, após a amamentação. Na mulher, os fatores culturais influenciaram os hormônios e a neurofisiologia de tal forma que sexo no período gestatório/puerperal não é uma exceção. Também não ocorre sem suas próprias e interessantes particularidades quando comparadas com uma fêmea animal, sendo no entanto, diferentes até mesmo de uma fêmea humana não grávida. Desta forma, a sexualidade ativa do casal não precisa ser interrompida no momento da gravidez e do puerpério, visto que não é apenas com a penetração que se atinge o orgasmo. Há várias maneiras de se obter prazer e cada parceiro pode usar de criatividade e jogos de sedução para que se mantenha viva esta chama tão importante na vida conjugal e tão benéfica nesta fase. METODOLOGIA Trata-se de uma abordagem metodológica qualitativa-descritiva; tipo revisão bibliográfica. A revisão bibliográfica abrangeu toda a bibliografia já publicada em relação ao tema de estudo, desde publicações avulsas, sites, jornais, jornais, revistas, livros textos, dissertações, monografias e teses, compreendidas entre os anos de 2000 a 2007, inclusive os anos citados. Na análise dos dados, percebemos que a sexualidade humana implica necessariamente no envolvimento de quatro dimensões: afetividade, emoção, comunicação e prazer. É uma forma de expressão manifestada de acordo com a idade, o gênero, os costumes, as normas e os valores. HISTÓRIA DA SEXUALIDADE NO MUNDO OCIDENTAL Na Pré-história (anterior a 3500 a.C.), havia uma sociedade de parceria. As mulheres mais velhas chefiavam o clã, administravam e distribuíam frutos da terra que pertenciam a todo o grupo. Elas representavam as deusas na Terra, ligadas à fertilidade. Essas esculturas demonstram como os antigos cultuavam suas deusas, e como as fêmeas eram respeitadas, guardiãs dos mistérios da vida, reforçando essa estrutura social entre homens e mulheres. As escavações realizadas após a Segunda Guerra mundial indicam que a transição do papel feminino à mera procriação aconteceu com a expansão dos Kurgos, povo das estepes que invadiu a Europa em 5000-4000a.C. Eles dominavam o metal e utilizavam armas de alta tecnologia para 2 SEMINÁRIO INTERNACIONAL ENLAÇANDO SEXUALIDADES Educação, Saúde, Movimentos Sociais, Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos 20 a 31 de Julho de 2009 Salvador - BA a época. Estes, de origem religiosa monoteísta, mais tarde constituiriam a base da repressão sexual. O que unia esses nômades de diferentes regiões era a ideologia de dominação masculina e violenta. Eles foram a origem do sistema patriarcal, que até os dias atuais oprime a sociedade de uma forma geral. Esse sistema é uma organização social baseada no poder do pai; as mulheres são consideradas inferiores aos homens e subordinadas a estes. O homem não tinha conhecimentos quanto à participação na procriação; pensava-se que a vida pré-natal começava nas águas, nas pedras, nas árvores ou nas grutas, no coração da terra-mãe, antes de serem introduzidas por um sopro no ventre de sua mãe. A dominação iniciou quando os antepassados se deram conta de que eram fundamentais para reprodução. Provavelmente isso aconteceu frente à observação dos animais domésticos. Houve mudanças, a mente humana foi remodelada e a cultura dominada pelo homem, autoritária e violenta, acabou sendo vista de forma normal e adequada, como se fosse característica de todos os sistemas humanos. De acordo com Lins e Braga (2005), “os estudos sobre as posições de acasalamento levam a crer que apenas os primeiros humanos praticaram o coito face a face. A sensualidade, o ângulo de penetração e a resposta dos terminais nervosos conduzem a uma experiência diversa dos animais”. Na Antigüidade, continua a submissão feminina, porém a idéia era de aprisionar não só o corpo, mas também a mente da esposa. O homem ficou obcecado pela certeza de paternidade, afinal, não lhe agradava a idéia de deixar herança para o filho de outro. Com o advento do capitalismo, surgem concepções de sexo e sexualidade como bens de consumo, quando a liberação das práticas sexuais coincide com a automatização do trabalho e a explosão demográfica, deixa de haver lugar para a repressão ou para o sexo procriativo. Costa (2003:24) aponta que “o sexo é aceito na forma de amor conjugal e familiar, ligado exclusivamente à procriação”. O desejo do homem, no entanto, continua colocado acima dos das mulheres, vistas como “objetos” de prazer ou reprodução. Permanece uma relação de desigualdade sexual entre o homem e a mulher, quando as relações de poder e submissão permeiam o relacionamento social. Após o advento da pílula anticoncepcional e do movimento feminista, o controle da reprodução vinha a ser exclusivamente da mulher. Dessa forma, o sistema patriarcal começou a perder suas bases e a sexualidade começou a ser mais discutida por vários meios de comunicação, a sociedade passou a se familiarizar com atitudes antes não aceitas. O comportamento sexual evolui e começa a apontar novos caminhos; as fronteiras entre o feminino e o masculino se dissolvem. Cada vez mais, o homem e a mulher compartilham dos mesmos interesses e atividades, no que diz respeito ao amor, casamento e sexo, surgindo novas formas de pensar e viver. Segundo Berentein (2001), “a sexualidade humana é composta por um universo de comportamentos complexos, hábitos e modelos de atividades sexuais que fazem com que as funções do sistema nervoso central (SNC) humano sejam integradas aos genitais, o que o torna singular na natureza”. 3 SEMINÁRIO INTERNACIONAL ENLAÇANDO SEXUALIDADES Educação, Saúde, Movimentos Sociais, Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos 20 a 31 de Julho de 2009 Salvador - BA O sexo genético, através dos cromossomos XY para o homem e XX para a mulher, os hormônios inerentes a cada um e as respectivas genitálias não são os únicos fatores que encerram o termo sexualidade humana. Esta transcende a genitalidade e, para exercê-la plenamente, é necessário maturidade, diálogo, estabilidade emocional e existencial, na intimidade e no amor do casal. A relação sexual, sendo o mais íntimo dos atos, estabelece, através desse contato, a possibilidade de inovar e renovar o relacionamento, pois o prazer aumenta à medida que as pessoas se entregam à relação sem medo ou preconceitos. Portanto, o sexo é normal, faz parte da existência e, apesar de sócio-culturalmente existirem proibições que surgem por meio de tabus, regras impostas pela sociedade em geral. Ele jamais deixará de acontecer, pois sua falta pode causar danos à pessoa, culpa e até problemas nesse âmbito. A VIVÊNCIA SEXUAL NA GESTAÇÃO Para o casal, a gestação é um período de adaptações em todos os sentidos: físico, emocional, existencial e também sexual. A sexualidade, durante essa fase, sofre algumas mudanças, pois, a partir do momento em que a mulher entra no período gestacional, iniciará um processo de desenvolvimento que conduzirá a várias transformações orgânicas expressivas em nível biopsicossocial. O crescimento abdominal, a sensibilidade mamária, náuseas, vômitos e a menor lubrificação são alterações orgânicas que as mulheres sofrem durante a gestação e que podem influir na vida sexual do casal por gerarem desconforto. Segundo Suplicy (1993), “à medida que a gravidez avança, e a barriga da mãe cresce, o casal tem que experimentar posições mais confortáveis; adaptando-se as novas posições, pode tornar gratificante o sexo”. O ser humano surge, biológica e fisiologicamente, no útero materno. O espaço de tempo em que o feto se desenvolve compõe o instrumental básico que lhe dá condições de empreender o seu processo de autonomia após o nascimento. Nesse período, já se estabelece uma relação interpessoal fundamental entre o filho e a mãe, produzindo trocas não só fisiológicas, mas também afetivas. É através das figuras parentais que esse caminho é determinante nos aspectos do comportamento do filho, como também se estabelece uma diretriz psicológica, organizando formas de comunicação ao longo da vida. 4 SEMINÁRIO INTERNACIONAL ENLAÇANDO SEXUALIDADES Educação, Saúde, Movimentos Sociais, Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos 20 a 31 de Julho de 2009 Salvador - BA A sexualidade dependerá, entre outros motivos, de como a gestante se percebe, se avalia e se valoriza nessa fase. Alguns fatores podem influenciar no desempenho sexual masculino, um deles é a estética da mulher. Dependendo da preferência do companheiro, as alterações na estética corporal da mulher servem como desestímulo à sua libido. Muito embora por amor e respeito algo possa ser dito em sentido contrário, na realidade, a perda de atrativos sexuais da mulher, que passa a não corresponder ao modelo social de “sexualmente atraente”, é importante fator negativo sobre o desempenho sexual masculino. A atividade sexual durante a gestação é bastante importante, na qual nem o homem nem a mulher perdem o desejo sexual durante o processo gestacional. Suplicy (1993) afirma que “muitos homens se sentem enciumados ou abandonados com a gravidez, e a sensação de exclusão pode ser aumentada se existir uma menor atividade sexual”. A sexualidade é mediada por múltiplas estruturas do sistema nervoso central, incluindo os lobos frontais, o córtex límbico e o hipotálamo, sendo que alterações estruturais ou funcionais destes locais podem causar disfunção sexual. Portanto, a vida sexual do casal inquestionavelmente enfrentará mudanças ao longo da gestação e do puerpério, mudanças essas que podem contribuir para o crescimento e o amadurecimento na relação desse casal. O nascimento de um filho é motivo de alegria e amor incondicional, entretanto a vida a dois não deve ser esquecida, e este casal precisa resgatá-la. CONCLUSÃO A sexualidade humana implica necessariamente no envolvimento de quatro dimensões: afetividade, emoção, comunicação e prazer. É uma forma de expressão manifestada de acordo com a idade, o gênero, os costumes, as normas e os valores. O ciclo sexual humano, por sua vez, é constituído por componentes neocorticais que o influenciam fora da gestação. A libido é instintiva e bioquimicamente influenciada por hormônios sexuais e neurotransmissores. Sexualmente, a gestação poderia ser um dos melhores momentos da vida da mulher, pois devido a vasocongestão genital torna-se mais rápida a lubrificação e mais fácil à ocorrência de orgasmos. Os receios irreais provêm da falta de conhecimento relativo às alterações decorrentes da gestação e do nascimento de um ser. Assim se faz necessário informar com clareza todo processo de 5 SEMINÁRIO INTERNACIONAL ENLAÇANDO SEXUALIDADES Educação, Saúde, Movimentos Sociais, Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos 20 a 31 de Julho de 2009 Salvador - BA mudanças para que, preparados e amadurecidos, possam desempenhar seus papéis com a confiança e a tranqüilidade requeridas pelo momento. REFERÊNCIAS BERENTEIN, Eliezer. A inteligência Hormonal da Mulher. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001. BRANDÃO, Junito de Souza. Mitologia Grega. Rio de Janeiro: Vozes, 1993. COSTA, Rogério da Silva Martins da. Sexualidade: Repressão e Pecado. Revista: Saúde, Sexo e Educação, v.33, set-out-nov-dez, Rio de Janeiro, 2003. KAPLAN, H.S. Enciclopédia básica de educação sexual. Rio de Janeiro: Record, 1983. LINS, Regina Navarro; BRAGA, Flávio. O Livro de Ouro do Sexo. Rio de Janeiro: Ediouro, 2005. MACCARY, J.L. Mitos e Crendices Sexuais. São Paulo: Editora Manole, 1978. MELO, Andréa Silene Alves Ferreira; SANTANA, Judith Sena da Silva. 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