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SÓCRATES E O MÉTODO MAIÊUTICO
TADA, Elton V. S.([email protected])- Cesumari
CAZAVECHIA, William R. ([email protected]) - Cesumarii
Resumo
Sócrates, antigo filósofo grego, mesmo sem nada escrever, nos deixou um interessante legado
filosófico. Mediante a pesquisa bibliográfica e leitura de textos da obra platônica (Teeteto)
procuramos estabelecer o que Sócrates chamou de Maiêutica. Podemos datar a vida de Sócrates de
470 a.C. à 399 a.C., período no qual se deram diversas mudanças no seu modo de pensar e a
construção de sua filosofia. Será no final de sua vida que focaremos nosso trabalho. Visto sem
novas perspectivas de pensamento afirmativo, Sócrates mostra sua nova fase, que tem como
finalidade o “parir do saber”, a maiêutica, ou a arte da velha parteira. Sócrates narra a Teeteto que
as velhas parteiras que um dia engendraram, foram ativas na sua juventude e capazes de parir.
Quando velhas, a única coisa que a mulher pode fazer é ajudar outras que, estando ainda jovens,
podem engendrar. Sócrates se considera um parteiro, no entanto, não alguém que fizesse o parto do
corpo, mas sim da alma. Podemos perceber nesse momento, que Sócrates cria um método de
ensino, o qual se dá de forma a buscar retirar da própria pessoa que está aprendendo, a resposta para
seus questionamentos. Dessa forma, o antigo filósofo não ensina como fruto de exaustiva pesquisa e
trabalho. Antes, ele mesmo não transmite conhecimento, e sim gera o mesmo. Sócrates não se
posiciona diante seus discípulos como o detentor do conhecimento, mas como um facilitador que
proporcionava a eles alcançar o conhecimento que, segundo ele, já estava no seu interior. Portanto,
vemos na maiêutica socrática um método de ensino no qual o educador não é visto como a “fonte” a
ser bebida pelo aluno, pelo contrário, ele é aquele que ajuda o aluno a gerar sua autonomia enquanto
homem, cidadão e discente.
Palavras-chaves: Sócrates – Maiêutica – Método Pedagógico
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Introdução
Através dessa pesquisa, objetivamos entender a maiêutica socrática como exemplo de
educação e de relacionamento entre educador e aluno. Ao fazermos isso, não estamos,
desprevenidamente, lendo a filosofia socrática de modo descontextualizada, pois sabemos qual era
seu contexto histórico e como se configurava esse processo pedagógico narrado nesse trabalho.
Sócrates, já no final de sua vida, chega a conclusão que ele não deve ser mais que
facilitador, um intermediário, que ajuda com que as idéias concernentes aos aluno venham à tona.
Ele valoriza o aluno e sua capacidade, no entanto, não o faz por conhecer o potencial de seus
seguidores, antes, por respeitar a dignidade e capacidade do ser humano. Entretanto, há muito que
se cuidar nesse processo, que não é de modo algum simples, e que será melhor detalhado
posteriormente.
Para entendermos a maiêutica socrática, ou seja, o método de ensino que Sócrates se
utilizava, é estritamente necessário que saibamos um pouco sobre sua história, para que não
façamos, de modo precipitado, uma leitura incorreta do mesmo. Além disso, a teoria maiêutica de
Sócrates é como que um resultado das diversas experiências que ele viveu, e, por isso, se torna
essencial conhecermos sua vida.
De fato, Sócrates passa por diversas mudanças em sua vida, desde sua juventude até sua
morte, e o desenvolvimento de suas idéias se dá de modo contínuo, e muito ligado com fatos da
vida do filósofo, como encontros e desencontros, que geram a diferenciação e desenvolvimento das
teorias que o tornaram respeitado.
A vida de Sócrates
Podemos datar a vida de Sócrates de 470 a.C. a 399 a.C., período conhecido como o século
de “ouro” na cidade de Atenas (VICENTINO, 2001, p.57), fato tal que faz muito sentido com
relação a como se deu a vida desse grande filósofo. Podemos compreender nesse momento de
democracia ateniense, a base para a dialética socrática, pois, justamente nesse período deu-se a
valorização do diálogo, da opinião do outro, ou seja, foi justamente nesse período que surgiram os
grandes oradores e a exaltação da retórica, o que fez com que Sócrates e sua dialética estivessem
bem localizados (CHAUÍ, 2002, p.136 ss.).
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Sócrates teve berço pobre, e assim se manteve durante toda sua vida, nunca aceitou dinheiro
de seus seguidores e admiradores e era extremamente simples quanto ao viver e vestir. Andava
pelas ruas de Atenas descalço, tanto no frio quanto no calor (BENOIT, 2006, p.21). Sócrates teve
três filhos, a saber, Lamprocles, Menexeno e Sofronisco. Inicialmente foi casado com a indócil
Xantipa, mas posteriormente foi casado também com Mirto, e isso se comprova no diálogo Fédon
no qual ele se despede de suas “mulheres” (gunaikas) (CHAUÍ, 2002, p.178).
Segundo Benoit (2006, p.22) Sócrates foi um cidadão exemplar, mesmo com suas severas
queixas quanto às leis que regiam a democracia ateniense. Como prova disso, podemos citar sua
brilhante participação nas campanhas bélicas atenienses, nas quais ele ficou muito conhecido por
sua destreza e lealdade.
De fato, para nós é de complicado teor a análise de Sócrates pela ausência de obras de sua
autoria, Sócrates nada escreveu. Quanto a isso, devemos a três personagens, inicialmente, a validade
do estudo de Sócrates, a saber, Aristófanes, Xenofonte e Platão.
Aristófanes era escritor de comédia, e representou Sócrates na sua obra “as nuvens” que data
de 423 a.c., e trata, comicamente, de Sócrates como um falso sábio seguido por muitos. Como logo
se percebe, o teor da narração de Aristófanes é semelhante às acusações daqueles que julgavam a
Sócrates em 399 a.c.. Por isso, considerar Sócrates pela visão de Aristófanes é como conhecer sua
história através daqueles que o condenaram à morte.
Através de Xenofonte podemos conhecer um Sócrates totalmente diferente. Primeiramente
Xenofonte foi discípulo e admirador de Sócrates e não escrevia nem com intenções filosóficas,
como fez platão, nem com intenções sarcásticas, como fez Aristófanes. Antes se resguardava a
contar histórias sobre Sócrates, e ressaltava a integridade de sua vida como cidadão e sua moral
exemplar. Xenofonte narra isso em vários de seus trabalhos, e o faz de maneira simples, sem entrar
em pormenores quanto às teorias Socráticas. De Xenofonte podemos extrair um Sócrates histórico e
bom, com boas ações e bons ideais. Todavia, Xenofonte não acompanhou os últimos dias de
Sócrates e por isso fica uma lacuna importante em sua obra (CHAUÍ, 2002, p.183).
Finalmente podemos ver como foi a visão platônica de Sócrates. Platão, sem dúvidas, foi o
maior apologéta de Sócrates. Platão considerava Sócrates como sendo o homem mais justo que ele
conhecera. Ele escreveu muito sobre Sócrates. Dos 29 diálogos de Platão 27 falam de Sócrates e em
quase todos ele é o personagem condutor da discussão. Portanto, é a partir de Platão que
chegaremos ao nosso conceito de Sócrates, pois é nele que podemos ver os relatos mais fiéis sobre o
antigo filósofo (BENOIT, 2006, p. 32).
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Para iniciarmos nossa análise do Sócrates platônico devemos entender que, apesar da
preponderância dos escritos platônicos tais obras foram recheadas com informações sensíveis, com
ocasiões e fatos, portanto devemos seguir as palavras que de fato constroem os diálogos e não a
tradição posterior de suas interpretações. Inicialmente, segundo o diálogo Fédon, Sócrates possuía
um grande interesse em investigar a “causa” (aitia)iii, e assim se aproximava muito do fisiólogosiv.
No entanto, entrou em crise ao saber que quanto mais estudava tais assuntos mais aumentavam suas
dúvidas e as teorias da fisiologia não o satisfazia. Nesse período lhe chegou ao conhecimento a
teoria de Anaxágoras, cujo, a inteligência ou o espírito (nous) teria sido o ordenador e causa de
todas as coisas. A princípio, Sócrates se entusiasmou com tal teoria, no entanto, logo começou a ir
contra a mesma, pois dizia que não podia ser um “espírito exterior” a causa de tudo.
Depois dessa decepção e ainda muito jovem Sócrates inicia sua formulação da tese do
mundo das idéias. No entanto, algo acontece que influi em toda sua vida futura, pois sempre se
lembraria de tal feito. Por ocasião de visita à Atenas, Parmênides de Eléia e seu discípulo Zenão
conhecem Sócrates, e o jovem de aproximadamente 20 anos apresenta aos experientes filósofos sua
teoria. Nesse momento eles começam a interrogá-lo sobre diversas coisas, sobretudo sobre a
impossibilidade da unificação da idéia do ser, o que iria contra a tese do mundo das idéias. No final
do diálogo, Parmênides encurrala Sócrates que se reconhece incapaz de explicar todos os conceitos
relacionados ao mundo das idéias (Parmênides, 131b-131e, in Diálogos).
Depois de tão chocante experiência Sócrates não podia fazer nada além de silenciar, pois
estava convencido que nada, de fato, sabia. Portanto, a partir daí surge um período no qual Sócrates
vive sua aporia, durante dez anos não participa de diálogos e permanece em silêncio. Somente mais
tarde durante a narração da Apologia por Platão é que se torna conhecido o que aconteceu nesse
período.
Chega a Sócrates a notícia de que um velho amigo, Querofonte, havia perguntado a Pythia
(Pu[tia, sacerdotisa que falava pelos deuses), se havia algum homem mais sábio do que Sócrates e
que sua resposta havia sido negativa. A partir de então aumentou para Sócrates a sua confusão, pois
ele não entendia qual era o sentido da palavra da profetiza. Somente após longa reflexão conseguiu
entender o que significavam aquelas palavras. O que acontecia era que nenhum outro homem sabia
verdadeiramente de algo, no entanto se julgavam sábios, enquanto isso,Sócrates, ao menos, tinha a
convicção de que nada sabia, o que o tornava o homem mais sábio de todos. Desse modo, as
revelações délficas tiraram Sócrates do porão silencioso que Parmênides havia o condenado.
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Com a descoberta do “saber que não se sabe”, Sócrates recomeça a falar, no entanto
paulatinamente. O seu contato com a sacerdotisa Diotima vem ajudar no amadurecimento da seu
discurso. Só a partir desse encontro Sócrates entende o conteúdo afirmativo do saber que não se
sabe.
Diotima fala a Sócrates revelações de Eros (o amor), e lhe ensina “as coisas do amor”. Mais
do que isso, Diotima lhe diz que Eros, assim como o saber que não se sabe é um intermediário. Eros
se apresenta como um intermediário entre o mundo divino e o mundo dos mortais. Assim, podemos
entender que o saber que não se sabe é um intermediário entre o mundo tangível e o mundo das
idéias, o que fez com que Sócrates tivesse nova vontade de dialogar e mostrar sua teoria do mundo
das idéias. Nesse período, Sócrates tinha cerca de 36 anos e, na tentativa de vencer dentro de si o
fantasma do velho Parmênides, recomeça a revelar seu saber.
A partir de agora os diálogos de Sócrates não são mais como antes, quando ele se
apresentava como um menino em busca de razões e causas. Agora Sócrates já sabe o que sabe e
caminha na direção da disseminação dessa idéia e na busca de “belos corpos”. Iniciam-se os
diálogos com os Sofistas e com os Jovens que o admiram por sua sabedoria e muitas vezes se
apaixonam por ele (JERPHAGNON, 1992, p.23).
Os sofistas ficaram desconcertados diante de tão complexa construção socrática e muito se
contradiziam na tentativa de refutá-lo. Sócrates, que era considerado por muitos um sofista, foi de
encontro aos mesmos criticando a superficialidade de sua retórica sem conteúdo, e com isso ganhou
muitos inimigos (REALE, 1990, p.101).
Só que para Sócrates destruir o pensamento daqueles que se diziam sábios e colocá-los
contradições ele também abriu mão de seu conteúdo positivo, pois seus diálogos tinham intenção
apenas de confrontar os sofistas. Essa fase também é marcada pela sedução de Sócrates. Ele procura
corpos belos, os seduz e ensina os jovens algo sobre a sedução como no diálogo Lysis, que é como
um manual de sedução (BENOIT, 2006, p.45).
Um bom exemplo de jovem belo seduzido por Sócrates é Alcebíades, filho da aristocracia
ateniense muito corajoso e talentoso. No diálogo com Alcebíades, que mais tarde se destacou na
história grega, Sócrates introduz um novo elemento no seu discurso, a saber, o “conhece-te a si
mesmo” (O primeiro Alcebíades, 132d-133c, in Diálogos).
Sócrates julga necessário a busca pelo auto-conhecimento pois, a partir dessa busca o
indivíduo culminará no conhecer sobre o que é de fato o “ser em si do homem”. Por isso, podemos
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chegar à compreensão de “alma” de Sócrates, que seria o homem fora de seus atributos acidentais e
sua hombridade material.
Mais adiante, após delongada analogia, Sócrates conclui que uma alma deve estar em
contato com outra alma para que possa se conhecer, pois é necessário algo externo a si próprio para
que reflita aquilo que é de fato o seu ser.
Nesse momento podemos perceber um grande salto na filosofia socrática, pois há a inserção
de um saber afirmativo em sua temática, e não apenas o “saber que não se sabe”. Podemos
comprovar isso nos próximos diálogos de Sócrates como “Górgias”, provavelmente em 427 a.C.,
em podemos, nitidamente, notar um “novo Sócrates”, um Sócrates que não se importa mais apenas
com a negação do saber externo a ele, agora ele compartilha de um saber afirmativo que lhe dá
subsídios para diálogos que desconstroem uma idéia mas tratam de afirmar outra.
Como outra conseqüência desse momento conheceremos um Sócrates intolerante com seus
interlocutores, pois ele considera que tudo que não possui um “um saber de si mesmo”não tem
razão de ser. Além disso, ele vai além, dizendo que a retórica é uma empeiria (empeiria), algo sem
rigor, que não pode ser considerado nem episteme (episte/me) nem mesmo uma arte tékne (te[kne),
na verdade ele considera a retórica como sendo uma adulação (kolakei?a).
Agora nos resta uma dúvida. Não irá Sócrates criticar a política que era tão influenciada pela
sofística e pela retórica? Podemos entender que era cedo ainda para um dever-ser político. Surge
para Sócrates outro grande problema quando ele tenta buscar as verdades além do próprio saber-desi, e para tal explicação ele recorre a saberes míticos. Diz ele, que a alma é imortal e que o homem
pode se recordar de fatos e saberes de outra vida, o que faz com que a verdade não se destrua e
acabe no nada da morte. Essa é a teoria da reminiscência, que apesar do seu caráter mítico faz
sentido no contexto (CHAUÍ, 2002, p. 195).
Ainda outra questão faz-nos refletir muito sobre a ascensão do saber socrático. Poderiam
outros homens participar desse saber? Com essa questão surgi uma nova crise para Sócrates que se
sente sem testemunhas para o seu saber e tenta refletir sobre quais tem sido as conseqüências do
mesmo.
A alegoria da caverna narrada no diálogo “A República” vem de encontro com essa fase e
nos leva a entendermos que Sócrates propõe ao filósofo uma ação participativa na elaboração de sua
dialética objetivando a libertação daqueles que ainda não tiveram a compreensão do mundo das
idéias. Pois, assim como narra o mito, aquele que teve o conhecimento de algo exterior deve
proporcionar a quem não teve a oportunidade de conhece-lo por via dialética, o que é, a princípio
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uma trabalhosa investida, mas que tende a ser boa e aproveitável. Após tão bela reflexão Sócrates
chega a propor um modelo de “cidade padrão”, que seria íntegra em moral e grandiosa em beleza e
saber (Platão, A República in Pensadores).
No entanto, ainda no livro “A República” podemos ver Glauco suplicando a Sócrates que
lhe diga o que é de fato sua Idéia de Bem, e isso nos leva a entender uma nova frustração da parte
de Sócrates que não consegue, ainda que com muito esforço, conceber tal idéia.
Novamente, verificamos que apesar de toda evolução do pensamento socrático, ele volta a
uma indeterminação. E essa indeterminação o acompanhará Sócrates em seus últimos dias.
A Maiêutica
Visto sem novas perspectivas de pensamento afirmativo, Sócrates mostra sua nova fase, que
tem como finalidade o “parir do saber”, a maiêutica, ou a arte da velha parteira.
Sobre a maiêutica, a arte de “parir o saber”, podemos ver a bela narração que Sócrates faz ao
jovem Teeteto no famoso diálogo narrado por Platão, que é conhecido pelo nome do rapaz.
Logo no começo do diálogo Teeteto Sócrates dá sua definição de maiêutica, e faz isso
porque afirma que algo dentro da alma do jovem Teeteto está querendo vir à luz. Nesse momento
Teeteto faz um gracejo, e diz a Sócrates que só pode dizer algo sobre aquilo que sente, afirmando
assim não sentir nada em sua alma que pareça querer nascer. Sócrates começa então a explicar o
que afirmava ele estar acontecendo com o jovem Teeteto.
Segundo Sócrates, assim como sua mãe fora uma famosa parteira ele também praticava
semelhante arte. A diferença principal que Sócrates expõe é que, sua mãe praticava o parir do
corpo, ao passo que ele, o da alma. Não que ele queria dizer que havia um nascer constante de
novas almas a partir de outras, longe disso, para o filósofo, os frutos da alma são o saber, e é isso
que ele pretende fazer, ajudar jovens a parir o saber que sai de sua alma, pois, segundo Sócrates é na
alma que reside todo o saber pertinente ao ser humano (REALE, 1990, p.99). Além disso, cabe
dizer que, já tangendo o conceito do “mundo das idéias” socrático, podemos ver que, para ele, o
saber que há no ser humano já existe em sua alma desde antes do seu nascimento, já lhe é certo e
completo. Com isso, o parir do saber não é mais do que o relembrar, trazer a tona aquilo que já
pertence ao indivíduo desde de sua “vida” extra corporal, ou seja, o saber já é pertencente ao
homem, ele apenas vem a memória através da maiêutica (JERPHAGNOM, 1992, p.23). De modo
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nenhum, podemos afirmar Sócrates como sendo um místico, o que ele faz é colocar o homem em
seu devido lugar. O homem não é Deus, e nem mesmo a medida de todas as coisas. Ou seja,
segundo seu modo de pensar, o homem era apenas uma parte do todo, e era subordinado ao Deus
que era a inteligência ordenadora (REALE, 1990, p. 92).
Entretanto, voltando ao tema principal da maiêutica, reflitamos sobre o diálogo Teeteto. Para
que o Jovem entendesse o que ele queria dizer, Sócrates explanou sobre a arte das parteiras.
Sobre as parteiras, Sócrates disse que cabe às mulheres que um dia conceberam, e que,
todavia hoje não mais possuem tal capacidade a arte de parir. Segundo ele, isso se dá sobre
ordenança da deusa Ártemis, que ainda no momento de seu parto ajudou sua mãe a parir seu irmão,
Apolo. Ártemis, que nunca havia parido, era quem concedia às mulheres a capacidade de executar
a arte de parteira. Todavia, como o ser humano é muito fraco, segundo Sócrates nos narra, somente
as mulheres que já haviam um dia parido poderiam ajudar no parto de outra, pois é necessário que
quem esteja realizando o parto saiba mais sobre isso, ou melhor, seja mais experiente do que a
grávida. Já nesse aspecto, podemos ver os primeiros pontos da analogia socrática, pois, o que ele
quer dizer, é que, quem ajuda no parir do saber deve ter mais experiência do que quem está parindo,
ou seja, é necessário que já tenha superado esta fase, para que, com certeza daquilo que já fez possa
ajudar quem ainda está em tal atividade (BENOIT, 2006, p.75).
As semelhanças entre a arte da velha parteira e do parir do saber não acabam por aí. Um
próximo ponto importante da analogia Sócrates apresenta através de uma pergunta que possui
resposta negativa de Teeteto. Sócrates pergunta se o rapaz sabe que as parteiras são famosas por
serem também casamenteiras. Diante da ignorância do rapaz ele o ensina que são, e ainda acresce
dizendo que o que elas se orgulham mais de fazer é arranjar o casório do que cortar o cordão
umbilical. Isso se dá porque, segundo nos mostra o antigo filósofo, há apenas uma arte encarregada
do plantar, cuidar e colher os frutos. Não há duas artes nas quais cabe a uma plantar e a outra
colher. Por isso, Sócrates afirma que, se uma parteira colhe o fruto, que é a criança, se sente muito
mais orgulhosa de tê-lo plantado. Isso também se compara com a alma e o saber. Se pode-se dizer
que, através da maiêutica o filósofo colhia o fruto da alma de alguém, que era o saber de algo,
quanto mais se sentiria ele honrado por ser responsável pela arte completa, ou seja, por ter também
plantado a semente na alma fértil. Esse é, segundo o filósofo, uma das partes essenciais da arte que
ele tenta explicar ao jovem, pois, com a experiência de quem já pariu pode se ter melhores
possibilidades de procriação a partir de um casamento bem feito.
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Todavia, após todas as semelhanças, Sócrates aponta uma diferença notável entre a parteira
e ele. Essa diferença faz com que ele afirme que a arte que ele exerce é em muito superior a da
parteira. Nas palavras do próprio filósofo (Teeteto VII p.8 in Diálogos):
Eis aí a função das parteiras; muito inferior à minha. Em verdade não acontece às
mulheres parirem algumas vezes falsos filhos e outras vezes verdadeiros, de difícil
distinção...porém, a grande superioridade da minha arte consiste na arte de
conhecer de pronto se o que a alma dos jovens está na iminência de conceber é
alguma quimera e falsidade ou fruto legítimo e verdadeiro.
Essa diferença consiste no seguinte: a parteira não precisa distinguir se o fruto do parto é
realmente uma criança, ou se é alguma outra coisa. Pelo contrário, o filósofo, tem que saber separar
os conhecimentos verdadeiros dos falsos, daqueles que não são mais do que um engano. Sobre isso,
Sócrates afirma que, muitas vezes jovens se frustraram com ele, diante do parir do seu saber ouve a
desilusão e a repreensão do parteiro, que dizia que aquilo não passava de uma falsidade, uma ilusão,
e não era verdadeiramente o fruto esperado da alma. Nesse saber separar entre o que é ou não o
verdadeiro fruto da alma que Sócrates conclui estar à parte mais árdua do trabalho de sua arte, e por
isso, ele afirma ser ela superior a arte de sua mãe. Diante dessa grande dificuldade da arte de parir o
saber, logo afirma-se que, quem nunca engendrou, não pode também ajudar no parte de outras
pessoas, pois, há muitas dificuldades e não poucos detalhes a serem vistos ante um parto, e por isso,
segundo Sócrates um ser humano que nunca engendrou é ignorante demais para ajudar e presidir
outros partos.
Agora, outro saliente detalhe nos resta, que não pode ser de modo algum aqui omitido. Por
que Sócrates afirma que apenas quem não pari mais tem a capacidade de presidir outros partos?
Pelo simples fato de que: somente quem não engendra mais tem suas idéias fixas. Ou seja, enquanto
você está na atividade de engendrar, ora você pode pensar algo e depois defini-lo de modo
diferente, pois cada novo parto gera uma nova experiência e reflexão. Por isso, somente quem já
encerrou suas atividades férteis é que pode ajudar outros em suas atividades, pois somente eles já
terminaram sua experiência e já sabem o que fazer em determinada situação. Não que sua idéia seja
completa e perfeita, todavia o seu conceito é terminado, e não permite que haja contradições em
momentos cruciais do parto. Ou seja, as atitudes do homem que vive em sociedade devem ser
ponderadas, e, especialmente nesse caso, é necessário a cautela de alguém que saiba muito para
presidir o parto (JERPHAGNOM, 1992, p.24).
A partir dessas breves diretrizes já traçadas, podemos entender como se deu o método de
ensino socrático. Contextualizando-o, seria como que, o professor não tivesse papel maior do que o
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de ajudar o aluno na concepção do saber. Isso não pelo fato de ser o próprio professor o “pai”
daquele saber, mas antes, por ele possuir a arte de casamenteiro, ou sejas, de dar as coordenadas
corretas para que houvesse a concepção de algum saber.
Mesmo não sendo o professor “pai” daquele saber ele exerce grande responsabilidade sobre
o mesmo, pois foi ele quem o acompanhou desde a concepção até o parto. Além disso, o momento
exato do “parto” do saber é importantíssimo, ao passo que, somente alguém muito bem qualificado
pode exercê-lo. Por isso, ninguém ainda esteja em atividade reprodutiva, ou seja, ninguém que
ainda esteja incerto sobre o que é de fato um parto, pode auxiliar o mesmo, de modo que, quem
nunca construiu um saber dessa forma também não pode auxiliar outras pessoas. Não é suficiente o
saber que se transmite nesse caso. É necessário que quem ajuda outra pessoa no engendrar do saber
tenha vivido aquela experiência, pois, segundo Sócrates, o ser humano é fraco demais para fazer
algo que não tenha vivido. Além do mais, para discernir aquilo que é de fato um saber positivo, e
aquilo que não é mais do que falsidade, é necessária grande experiência, e é justamente nisso que
deve consistir o papel elementar do educar ao modelo socrático.
É evidente que essa relação “Parteiro versus Partuinte” não se dá apenas na relação “Mestre
versus Aluno”. Todavia, Sócrates narra a Teeteto como se dá a maiêutica num caso bem definido:
Teeteto está prestes a formular seu conceito de conhecimento. Devemos lembrar que Sócrates
trabalhava com “definições de essências”, e esse é o momento específico do parir (MARÍAS, 1987,
p.62). Exatamente por isso, essa relação assemelha-se mais com a relação “mestre versus aluno” do
que com qualquer outro tipo de relação.
Considerações finais
A educação, refletida sob o olhar da maiêutica, faz-nos pensar principalmente sobre o real
papel do educador. Não que desconsideremos a teoria do saber que Sócrates ensina ao jovem
Teeteto, antes, julgamos mais interessante para esse trabalho entender o método utilizado para tanto.
Sabemos que o ato de educar não pode se dar de maneira desnorteada, pelo contrário, deve obedecer
a métodos que o auxiliem. Desse modo, o filósofo grego já nos legal tal contribuição há mais de
vinte séculos.
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Portanto, vemos na maiêutica socrática um método de ensino no qual o educador não é visto
como a “fonte” a ser bebida pelo aluno, pelo contrário, ele é aquele que ajuda o aluno a gerar sua
autonomia enquanto homem, cidadão e discente.
Derradeiramente podemos entender que as narrativas de Platão nos levam ao conhecimento
de Sócrates, de sua história e de como se deu a construção de sua filosofia. Após a sua morte foram
muito que lhe deram atenção e analisaram cuidadosamente sua filosofia, tanto para construí-la
quanto para criticá-la.
Aquilo que de fato Sócrates foi pode ser muito discutido. Talvez há quem ainda o considere
um sofista. O que é certo é que a cada desconstrução através da dialética negativa podemos lembrar
da bela filosofia Socrática e de sua morte como conseqüência da mesma, assim poderemos criticá-lo
ou admirá-lo, mas sem dúvidas a história sempre será justa em lembrar de tão grandiosa
personagem.
Referências bibliográficas:
CHAUÍ, Marilena. Introdução à história da filosofia. 2.ed. São Paulo: Companhia das letras, 2002
JERPHAGNON, Lucien. História das grandes filosofias.1.ed. São Paulo: Martins Fontes, 1992.
MARIÁS, Julián. História da filosofia. 8.ed. Porto: Souza & Almeida, 1987.
PLATÃO. Diálogos; seleção de texto de José Américo Motta Pessanha – 5. ed. – São Paulo: Nova
cultural, 1991. – (Os Pensadores)
REALE, Geovane. História da filosofia antiga. São Paulo: Paulus, 1990
VERNANT, Jean Pierre. Mito e Pensamento entre os gregos. 2.ed. São Paulo: Paz e terra.
VICENTINO, C.; DORIGO, G. História geral e do Brasil – 1 ed. – São Paulo: Scipione, 2003.
i
Acadêmico do segundo ano do curso de teologia do Cesumar e realiza pesquisa pelo programa de iniciação científica
(ICC).
ii
Acadêmico do terceiro ano do curso de teologia no Cesumar e realiza pesquisa pelo programa de bolsa para iniciação
científica (PROBIC)
iii
De acordo com Chauí (2002, p.493), causa pode ser entendida em quatro sentidos. A saber, o jurídico: “ser causa é
responder por alguma coisa”; sentido lógico: “ a razão ou explicação de alguma conseqüência ou de uma conclusão”;
sentido físico: “a origem a um efeito”; e, sentido ético/político: “motivo pelo qual uma ação é realizada”.
iv
Referimos-nos fisiólogos aos filósofos que pertenceram ao “período chamado naturalista, caracterizado, pelo
problema da physis, ou seja, pelo problema cosmo-ontológico (jônicos, pitagóricos, eleátas, pluralistas)” (REALE,
1990, p.35).
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