INSUFICIÊNCIA RENAL CRÔNICA: UM OLHAR DA PSICOLOGIA HOSPITALAR Bianca Callegari*, Vanessa Schiavon** Ana Paula Pacheco Moraes Maturana*** RESUMO O diagnóstico da insuficiência renal crônica representa várias alterações na vida do paciente e de sua família. O tratamento da doença implica em uma rotina monótona e invasiva, capaz de gerar alterações físicas e psicológicas. O objetivo deste trabalho se pauta em conhecer as principais contribuições do psicólogo junto aos pacientes em tratamento. Trata-se de uma pesquisa de caráter bibliográfico; para tanto, procedeu-se a uma busca em periódicos indexados em bancos de teses e dissertações, bem como em Bibliotecas Virtuais em Psicologia e Saúde (BVS-psi). Os resultados permitiram uma reflexão sobre o impacto da doença/tratamento. Constatou-se que o psicólogo em conjunto com a equipe multidisciplinar e o apoio familiar e social são bases para o fortalecimento e reestruturação do paciente. Palavras-chave: Psicologia Hospitalar. Insuficiência Renal Crônica. Hemodiálise. ABSTRACT The diagnosis of chronic renal failure represents several changes in the life of the patient and his family. Treatment of the disease involves a monotonous and invasive routine capable of generating physical and psychological changes. The objective of this study is to meet the main contributions of the psychologist with patients in treatment. It is a survey of bibliographical character; for that, we proceeded to a search of journals indexed in databases of theses and dissertations, as well as Virtual Libraries in Psychology and Health (VHL-psi). The results allowed a reflection on the impact of disease / treatment. It was found that the psychologist in conjunction with the multidisciplinary team and family and social support are bases for strengthening and restructuring of the patient. Keywords: Health Psychology. Chronic Renal Failure. Hemodialysis. * Psicóloga. Faculdades Integradas de Jaú. ** Psicóloga. Faculdades Integradas de Jaú. *** Psicóloga, Mestre em Psicologia do Desenvolvimento e Aprendizagem UNESP, Doutoranda em Educação Especial, UFSCAR. Docente do Curso de Psicologia das Faculdades Integradas de Jaú. 1 INTRODUÇÃO A história da psicologia hospitalar no Brasil tem seu início na década de 50. Segundo Almeida (2007), Mathilde Neder foi uma das grandes pioneiras que exerceu e expandiu a profissão. Desse modo, a psicologia foi se constituindo uma área reconhecida não somente como saber, mas como prática e meio de produção científica. No caminho de sua estruturação, a psicologia hospitalar ganhou forças e passou a ser aceita e divulgada, garantindo um novo modelo de atuação aos profissionais. Ao longo dos anos, tornou-se nítida a evolução que essa área obteve, ganhando espaços nos cursos de graduação, em eventos, publicações e consequentemente, fazendo com que ocorressem mudanças na postura médica diante do paciente e sua patologia, reconhecendo os aspectos emocionais do mesmo e constituindo desse modo, a humanização dentro dos hospitais. Toda enfermidade remete a alguma alteração na vida do paciente. Em especial, o diagnóstico de uma doença crônica representa várias alterações tanto na vida do paciente quanto de sua família, como mudanças de rotinas, costumes e alterações físicas e psicológicas (CAIUBY; KARAM, 2010). A insuficiência renal crônica, por ser uma patologia com altos índices de morbidade e mortalidade, tem se tornado um problema de saúde pública que merece atenção. A insuficiência renal crônica pode ser compreendida por uma lesão nos rins e uma consequente perda progressiva e irreversível da atividade desses órgãos. Dependendo do grau da evolução, os rins podem não mais conseguir manter a homeostase do organismo, acarretando sérios prejuízos à saúde do indivíduo (SOCIEDADE BRASILEIRA DE NEFROLOGIA, 2014b). Essa patologia não possui uma cura total, porém, é possível ser tratada através de alguns recursos, sendo eles: o tratamento conservador, a diálise peritoneal, a hemodiálise ou transplante renal, que podem, em maior ou menor escala garantir uma qualidade de vida satisfatória ao indivíduo. Tais tratamentos são essenciais para a melhora e manutenção da saúde do paciente, porém podem ser bastante dolorosos, monótonos e incisivos. De acordo com Nakao (2014) em sua dissertação, os procedimentos dialíticos são capazes de interferir significativamente na rotina dos pacientes, pois oferecem sérias restrições que englobam tanto prejuízos à alimentação e ao consumo de líquidos, quanto importantes alterações psicossociais e emocionais. As causas se originam, por vezes, das várias perdas sofridas pelo paciente, como a perda da saúde, de identidade, das condições de trabalho, de autodomínio, ou mesmo pelo medo do desconhecido. Ainda, devido às grandes dificuldades enfrentadas, o paciente pode desenvolver dependência familiar, alterando também sua autonomia e própria autoimagem. Outras complicações psiquiátricas podem surgir durante o período de tratamento, como reações com sintomas de depressão e ansiedade, além de distorções da imagem e integridade corporal, de importância dentro da sociedade, atrasos no desenvolvimento (no caso de crianças), disfunções sexuais, e síndromes psico-orgânicas. O tratamento geralmente é caracterizado como um processo bastante invasivo, tanto para o paciente quanto para sua família. Em sua dissertação, Simone (2011), defende que o paciente renal crônico luta para entender e aceitar sua doença, procurando compreender a origem e seu tratamento. Diante desses motivos, a tendência da Psicologia e das ciências da saúde é compreender as limitações do tratamento e olhar para o paciente dentro de uma perspectiva que integre as esferas biológica, psicológica e social, como uma forma de minimizar o sofrimento do processo saúde-doença. O psicólogo que atua no hospital trabalha com o paciente que a todo instante procura resgatar sua essência, e muitas vezes, busca justificativas para seu estado de saúde. Em sua pesquisa sobre a atuação do psicólogo junto ao paciente renal crônico, Farias (2012), afirma que cabe ao profissional, portanto, buscar entender o que está envolvido na queixa do paciente com uma visão ampla do caso, auxiliando o paciente no enfrentamento desse processo, bem como oferecendo suporte à família e à equipe de saúde. Em geral, as doenças crônicas são responsáveis por forte influência sobre o desenvolvimento e as reações do paciente, da família e de seus grupos sociais. Estratégias de enfrentamento dessas doenças possuem um papel importante de equilíbrio entre o processo sujeito-saúde-doença. Estudos apontam que as práticas de enfrentamento mais comuns entre os pacientes hospitalizados estão relacionadas ao suporte social, a família, as práticas religiosas/pensamentos fantasiosos, a autonomia, aos recursos culturais e materiais, valores, crenças e habilidades sociais de cada indivíduo (BERTOLIN, 2007; FARIA; SEIDL, 2005; MADEIRO et al., 2010; NUNES et al., 2013; RAVAGNANI; DOMINGOS; MIYAZAKI, 2007; SCHWARTZ et al., 2009; ZIMMERMANN; CARVALHO; MARI, 2004). Desse modo, a intervenção do psicólogo poderá estar pautada a esses recursos, reforçando de maneira positiva o modo de encarar o tratamento e as dificuldades encontradas no decorrer do processo. Em resumo, a atuação do psicólogo hospitalar não se pauta somente em bases teóricas, ela acontece em seu cotidiano com o contato com cada paciente, a cada visita e intervenção feita. Ainda há muito a se fazer pelo avanço do psicólogo nessa área de atuação, porém, é nítido o benefício que sua atuação oferece aos pacientes e aos envolvidos no tratamento. 2 A HISTÓRIA DA PSICOLOGIA HOSPITALAR NO BRASIL Durante muitos anos, quando a psicologia ainda não havia se constituído como uma ciência e profissão, a atenção dirigida aos pacientes hospitalizados era de cunho religioso, praticada por freiras que auxiliavam os profissionais da saúde dentro dos hospitais e sempre estavam dispostas a escutar as angústias e tristezas dos enfermos como uma forma de apoio e conforto (BARROS; SILVA, 2006). A história e o reconhecimento da psicologia hospitalar começam a ser desenhados em 1818, no Hospital McLean em Massachussets. Profissionais com objetivos em comum, incluindo psicólogos, formaram a primeira equipe multidisciplinar e, neste mesmo local, foi fundado em 1904, um laboratório de psicologia que teve como intuito desenvolver pesquisas sobre a nova área que estava surgindo (BRUSCATO, 2004). No Brasil, o psicólogo junto à psiquiatria teve seu início quando os primeiros serviços de Higiene Mental foram consolidados na década de 30. Juntos, tinham como meta novas propostas e alternativas de internação psiquiátrica, firmando assim, seu trabalho dentro das instituições de saúde (ALMEIDA, 2007). De acordo com Lhullier (2003), a partir dessa época, há uma maior preocupação em integrar os saberes médicos e psicológicos. Nesse momento, a psicologia ganha forma e passa a ser considerada uma área do saber independente da medicina, entretanto, apontada como mais eficaz quando vinculada a esta última. Na década de 50, Mathilde Neder, pioneira na área hospitalar, desenvolveu seu trabalho na Clínica Ortopédica e Traumatológica da Universidade de São Paulo (USP), com a função de preparar pacientes que seriam submetidos a cirurgias de coluna, bem como acompanhá-los em suas recuperações. Esse foi um dos primeiros relatos sobre a inserção do psicólogo dentro do âmbito da saúde (ALMEIDA, 2007). Cabe ressaltar que o marco do início da atuação em psicologia hospitalar ocorreu antes mesmo da regulamentação da profissão do psicólogo no Brasil. Silva (2006), explica que até então os profissionais que atuavam com práticas psicológicas eram graduados em outras áreas das ciências humanas, podendo complementar sua formação com aprimoramentos em Psicologia, como cursos de especialização ou estágios. Também considerada pioneira da área hospitalar, Bellkis W. R. Lamosa registrou outro marco na história da psicologia a partir da implantação do Serviço de Psicologia do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (SILVA, 2006). Com essa inovação, Lamosa inseriu na graduação em psicologia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo o curso de Atuação do Psicólogo em Hospitais. Esse foi o primeiro curso de psicologia hospitalar no país oferecido em uma graduação (ANGERAMI-CAMON, 2009). Logo após a expansão e reconhecimento da necessidade do psicólogo dentro do contexto hospitalar, vários profissionais da área começaram a desenvolver e implantar trabalhos nas instituições de saúde, comprovando a relevância do exercício da profissão (ANGERAMI-CAMON, 2009). Ao longo dos anos, é nítida a evolução que a psicologia hospitalar obteve. Ganhou espaços em eventos e publicações e fez com que ocorressem mudanças na postura médica diante do paciente e sua patologia, reconhecendo os aspectos emocionais do mesmo e contribuindo para a humanização dentro dos hospitais. Com sua notoriedade, ocorreu o surgimento cada vez maior na graduação de cursos que abordassem a realidade hospitalar, possibilitando aos futuros psicólogos o conhecimento de mais uma área de importante atuação. Através do exercício desenvolvido, o próprio psicólogo nota o quão valioso é seu trabalho e especialmente sua palavra, pois é através dela que pode ocorrer o alívio de um longo sofrimento, o ressurgimento da esperança e principalmente o auxílio para a cura. Conforme aponta Angerami-Camon (2009, p. 138): “[...] A psicologia hospitalar transforma tanto a realidade institucional como a realidade interior do próprio psicólogo”. Ainda existem muitas batalhas pela frente e muito trabalho a ser feito, explorado e divulgado. Entretanto, não se pode deixar de comemorar o surgimento, reconhecimento e expansão da área, fruto das habilidades e do comprometimento que os profissionais têm apresentado com o belo exercício da psicologia. 3 A ATUAÇÃO DO PSICÓLOGO NO CONTEXTO HOSPITALAR O trabalho do psicólogo dentro do ambiente hospitalar ainda é algo recente. Sua inserção teve como meta integrar a equipe de saúde, juntamente com os demais profissionais atuantes nesse contexto, para suprir a necessidade de tornar esse ambiente mais humanizado. Desse modo, o paciente começaria a ser visto não somente como um corpo enfermo, mas como um ser visto em sua totalidade, dotado de sentimentos e fragilidades (GARCIA, 2004). Conforme Campos (1995) ressalta, em sua atuação, o profissional de psicologia deve proporcionar ao paciente, no momento de sua permanência no hospital, o alívio de seu sofrimento, deixando o mesmo falar sobre si, a doença, a família, seus medos e angústias, enfim, prestar assistência, apoio e suporte para que ocorra a minimização do sofrimento e a clarificação de seus sentimentos. Essa escuta poderá acontecer tanto individualmente com o paciente, quanto em grupo. A humanização no atendimento realizado pelo psicólogo tem o intuito de auxiliar os pacientes e familiares, através de um processo de escuta e acolhimento. Como exemplo dessa prática, pode ser citada a importância de chamar as pessoas e principalmente o paciente pelo seu nome, fornecer informações adequadas, evitar visitas ao leito que lesem a privacidade dos pacientes; dentre outras (ANGERAMICAMON, 2009). Na situação de hospitalização, é imprescindível que os atendimentos feitos pelo psicólogo sejam realizados com dedicação e como se fossem únicos, não esperando uma nova oportunidade de conversa com o paciente, pois poderá ocorrer a alta. Além disso, o trabalho deverá ser focal . Por se trabalhar com questões delicadas sobre a vida, é comum que a palavra “morte” esteja presente em várias situações no ambiente hospitalar. É difícil falar sobre esse acontecimento, como explica Campos (1995, p. 64-65), “[...] a morte é temida e vista como um tabu, como algo que nem se deve comentar [...]”. Frente a esse assunto, o psicólogo muitas vezes é chamado para explicar e expor a situação da doença ao paciente e seus familiares e em algumas delas, é necessário falar sobre a morte, não ocultando essa possibilidade. De acordo com as demandas, o papel assumido pelo psicólogo no contexto hospitalar é ativo e real, e não apenas interpretativo. Seu exercício acontece em nível de comunicação, sendo de grande importância a troca de conhecimentos, experiências e aprendizados com toda a equipe, para que o profissional esteja mais bem preparado para compreender os fenômenos decorrentes de todo processo que o paciente enfrenta (CANTARELLI, 2009). Atualmente, ainda é vista a relutância em aceitar o psicólogo dentro dos hospitais, até mesmo por questões financeiras, porém é inaceitável negar a contribuição e o alívio que o mesmo traz aos pacientes quando sua atuação tem como foco a minimização do sofrimento provocado pela hospitalização (ANGERAMICAMON, 2009). As doenças crônicas originam um estado patológico no indivíduo que pode ser caracterizado por apresentar incapacidade residual, alterações patológicas incuráveis, períodos longos de reabilitação e cuidados extremos no decorrer da vida (SANTOS; SEBASTIANI, 1996). Dessa forma, o indivíduo que recebe a notícia de ser portador de Insuficiência Renal Crônica passa muitas vezes a apresentar seus recursos emocionais de forma alterada, pois o diagnóstico da doença não apresenta uma perspectiva de cura para esses casos (CESARINO; CASAGRANDE, 1998). Para tanto, o acompanhamento psicológico é essencial para o paciente, sua família e todos os envolvidos na hospitalização e no processo saúde-doença. 4 A INSUFICIÊNCIA RENAL CRÔNICA E SEUS EFEITOS O sistema urinário é composto por um conjunto de órgãos responsáveis pela regulação de líquidos e sais minerais dentro do corpo. Em especial, este sistema é capaz de produzir, armazenar e eliminar a urina. O organismo humano com funcionamento normal possui dois rins situados no espaço retroperitoneal, ou seja, na parede posterior do abdômen, e em ambos os lados da coluna vertebral. Cada rim de uma pessoa adulta pesa em média cerca de 150 a 160 gramas, tem o tamanho aproximado de uma mão fechada e possui a forma de um feijão (GUYTON; HALL, 2006; RIELLA, 1980). Os rins, por se tratarem de órgãos vitais, possuem importantes funções dentro do organismo. Essencialmente, estes órgãos são responsáveis por quatro funções básicas (SOCIEDADE BRASILEIRA DE NEFROLOGIA, 2014a): (1) eliminação de toxinas do sangue por um sistema de filtração, (2) regulação da formação do sangue e da produção dos glóbulos vermelhos, (3) regulação da pressão sanguínea, (4) controle do equilíbrio químico e de líquidos do corpo. O rim é o órgão responsável pela filtração do sangue transportado através das artérias renais. Após circular pelos rins e ser filtrado, o sangue retorna à veia cava abdominal através das veias renais (SOCIEDADE BRASILEIRA DE NEFROLOGIA, 2014a). Ainda sobre a estrutura, os rins são formados por milhares de unidades funcionais microscópicas chamadas de néfrons, cerca de um milhão por rim, podendo ser definido como a unidade estrutural e funcional do rim, pois ele é responsável pela formação da urina. Com o surgimento de lesões, doenças ou mesmo o envelhecimento, o rim pode perder grande parte de néfrons e comprometer, assim, o funcionamento do órgão. É nesse momento que começam a surgir as doenças renais que podem variar desde lesões leves até a insuficiência renal aguda e crônica, momento em que grande parte do rim já está comprometido. Quando os rins atingem o estágio da insuficiência renal crônica, passa a ser necessária a adesão de tratamentos que ajudem os rins a cumprir suas funções (GUYTON; HALL, 2006). A insuficiência renal crônica se origina basicamente por uma incapacidade em manter a homeostase interna devido a perda de um grande número de néfrons funcionais. Diversas são as patologias que acometem as funções do rim, sendo que algumas comprometem a função renal rapidamente e outras o fazem de maneira mais lenta, porém, ambas agem de forma progressiva e irreversível (RIELLA, 1980). Por possuir a característica de ser lenta e progressiva, a insuficiência renal crônica, por muitas vezes, mantém o paciente assintomático até que estes tenham perdido cerca de 50% de suas funções renais. Quando o rim se torna mais debilitado, ou seja, possui menos de 10% da sua função normal, faz-se necessária a intervenção de outros métodos de tratamento, como o processo de diálise ou o transplante renal (SOCIEDADE BRASILEIRA DE NEFROLOGIA, 2014b). De acordo com o Censo de Diálise de 2013 da Sociedade Brasileira de Nefrologia (2014d), estima-se que no Brasil cerca de 100.397 pacientes encontramse em tratamento dialítico por ano e devido ao elevado índice de morbidade e mortalidade, a doença renal vem sendo considerada um problema de saúde pública. 5 ESTRATÉGIAS DE ENFRENTAMENTO As doenças crônicas são responsáveis por forte influência sobre o desenvolvimento e as reações do paciente, da família e de seus grupos sociais. Estratégias de enfrentamento dessas doenças têm papel de equilíbrio entre o processo sujeito-saúde-doença (RAVAGNANI; DOMINGOS; MIYAZAKI, 2007). De acordo com Abrunheiro (2005), o suporte social tem sido o aspecto mais destacado ao se falar de meios de enfrentamento em conceitos relacionados à Psicologia da Saúde. Isso porque tal domínio é capaz de diminuir situações de estresse e até inibir o desenvolvimento de outras doenças, além de proporcionar resultados positivos para a recuperação do paciente. As atenções voltadas à terapêutica e à qualidade de vida dos pacientes renais crônicos são recentes e originam-se da constatação de que recuperações mais rápidas e efetivas são resultados de um bem estar físico e mental, lazer, autonomia, preservação de esperança e senso de utilidade dos pacientes (MARTINS; CESARINO, 2005). Moraes (2012), em sua dissertação de mestrado, destaca a importância dos autores Lazarus e Folkman a respeito do tema “estratégias de enfrentamento” (coping). Segundo a autora, a partir da intenção de medir o coping e criar uma medida padrão para uso em pesquisas, Lazarus e Folkman criaram o “Ways of Coping Checklist”, um instrumento favorável ao trabalho de pesquisadores da área e que oferece vantagens por alguns motivos, tais como: é capaz de aferir o coping em uma situação específica; pode ser utilizado tanto para análise intra-individual quanto para análise de comparação; é considerado de fácil aplicação pelos autores. Lazarus e Folkman, 1984 (apud Moraes, 2012) definem o coping como uma forma individual pela qual são representadas as diferentes reações das pessoas frente ao stress, sendo estas determinadas por questões pessoais, situacionais e pelos recursos disponíveis. O conceito de se buscar um ajustamento psicológico frente a situações adversas remete à teoria de Viktor Frankl, a logoterapia, que propõe a busca de sentido na vida, também conhecida como “terapia do sentido”. Tal denominação é dada a partir da concepção de que a motivação primária do ser humano é a busca pelo sentido da vida (FRANKL, 1985). Nessa perspectiva, o autor aponta que encontrar sentido em meio a momentos de dor e sofrimento é de extrema importância, pois permite superar a adversidade da melhor forma possível, bem como dar-lhe valor e ressignificação. Tais experiências têm caráter positivo a partir do momento que permite que a pessoa cresça em sua dimensão mais profunda: dar sentido à sua dor. Diante de uma doença crônica, é possível que se encontre sentido inclusive na morte. A irreversibilidade da morte faz com que o homem oriente-se para aproveitar oportunidades, satisfazer desejos e aproveitar seu tempo de vida, garantindo uma melhora em seu bem-estar e na satisfação de dever cumprido (MOREIRA; HOLANDA, 2010). A doença crônica influencia a pessoa a refletir sobre a própria existência e, de certo modo, questionar suas crenças e religiosidades (SCHWARTZ et al., 2009). De acordo com Kübler-Ross (2011), é comum que frente a perdas significativas apareçam estágios de negação, raiva, barganha, aceitação e esperança, como busca por justificativas para a situação e como forma de tentar compreendê-la. O suporte social, a família, a fé/espiritualidade, autonomia, aceitação, entre outros, constituem o grande campo de estratégias de enfrentamento utilizadas por pacientes hospitalizados para amenizar o sofrimento da doença. Entretanto, maiores estratégias por parte das equipes de saúde devem ser utilizadas para detectar essas demandas e utilizá-las em possíveis intervenções, garantindo a promoção de um atendimento integral. A participação do psicólogo nesse contexto é de fundamental importância, pois considera um olhar humanizado ao paciente, ao seu sofrimento e sua subjetividade. Como Resende et. al. (2007, p.93) pontuam: “O atendimento psicológico auxilia a quebrar tabus e preconceitos, além de incentivar as pessoas a desenvolverem suas capacidades, levando-as a verem a doença sob outros ângulos”. 6 RESULTADOS E DISCUSSÃO Foram realizadas pesquisas de artigos online sobre o tema em periódicos indexados nas bases da Biblioteca Virtual em Psicologia e Saúde (BVS-psi) e do Scientific Electronic Library Online (SciELO) com os descritores "insuficiência renal crônica", "psicologia hospitalar", "hemodiálise". Inicialmente não foram encontrados artigos para a pesquisa. Para tanto, recorreu-se a buscas no banco de teses da CAPES a partir dos descritores “psicologia hospitalar” e “doença renal crônica”, onde foram encontrados 282 registros sobre o assunto. A partir de uma busca avançada nos programas de psicologia, foram encontradas cinco dissertações, um artigo e uma tese sobre o assunto. Dos resultados encontrados, foram escolhidas cinco dissertações e um artigo para a discussão deste trabalho. Os critérios para a seleção foram: o tema abordado, o ano de publicação (2004-2014), e a atuação e contribuição do psicólogo junto ao paciente renal. De acordo com os autores pesquisados, as conclusões sobre seus escritos em relação ao tema proposto foram: deve-se dar uma maior atenção ao cuidador/família do paciente; trabalhar com intervenções psicoeducativas; criar grupos com famílias que auxiliem em um melhor apoio e enfrentamento de todo o processo; esclarecer desmistificar os significados atribuídos pelo paciente à doença; necessidade de maior produção científica referente ao assunto; trabalhar com a questão do significado atribuído à morte e às perdas; importância da relação médico-paciente; qualidade no tratamento atribuído ao paciente; perspectivas de futuro do paciente; abordar questões referentes ao transplante caso seja um desejo do paciente e o incentivo a adesão ao tratamento. 7 CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao concluir este estudo, foi possível notar as implicações resultantes da descoberta da Insuficiência Renal Crônica (IRC) na vida do paciente e de seus familiares, e os principais impactos causados não somente em seu estado físico, mas principalmente emocional. Verificou-se que o papel do psicólogo se faz fundamental no contexto hospitalar e em casos de doenças crônicas. O trabalho do profissional de psicologia precisa ser diretivo e contínuo, oferecendo respaldo e apoio necessário desde a descoberta da doença até os processos pós-cirúrgicos, como nos casos de transplante. Do mesmo modo, a família necessita de cuidado e atenção dos profissionais da saúde. O conjunto harmonioso entre paciente, família e equipe multidisciplinar é a chave para a boa evolução do tratamento. O cuidado com a saúde mental do paciente se faz primordial para que o bemestar e a qualidade de vida se instalem. Para tanto, a psicoterapia tem fundamental importância, pois têm o intuito de auxiliar os pacientes estimulando-os em seus potenciais, modificando a visão sobre a doença, bem como apresentando outros pontos importantes de reflexão que merecem ser valorizados. A escuta e o acolhimento são primordiais em qualquer momento do tratamento, e somam mais pontos positivos a partir do momento que auxiliam os pacientes a ressignificar o momento em que estão passando. Ao longo do trabalho, pôde-se constatar que a função desempenhada pelo psicólogo é de suporte à pessoa e à família que, muitas vezes, pode não estar aceitando a situação e buscando justificativas para a doença. Esse suporte coloca o psicólogo como profissional capaz de ter a visão do paciente como um todo, um ser biopsicossocial, e o auxilia com a clarificação de seus sentimentos. A necessidade de um profissional da saúde que saiba como entender e compreender o sofrimento do outro se torna indiscutível no âmbito hospitalar. Ainda que o psicólogo enfrente algumas dificuldades em ser aceito nessa área de atuação, muitas vezes pelo seu custo, é nítida a necessidade de seu trabalho junto ao hospital. Para tanto, a capacitação se faz necessária para um bom respaldo teórico e técnico do profissional. Ainda assim, a troca de experiências é essencial, além da divulgação de materiais atualizados capazes de nortear os novos profissionais e contribuir para que a atuação nessa área seja mais valorizada e reconhecida. REFERÊNCIAS ABRUNHEIRO, L. M. M. A satisfação com o suporte social e a qualidade de vida no doente após o transplante hepático. O Portal dos Psicólogos., Portugal, 2005. Disponível em: <http://www.psicologia.pt/artigos/textos/A0255.pdf>. Acesso em: 08 jun. 2014. ALMEIDA, R. A. Histórico da Psicologia Hospitalar, 2007. Disponível em <http://www.scielo.br/pdf/rbci/v4n56e5.pdf>. Acesso em: 04 Dez 2013. ANGERAMI-CAMON, V. A. Tendências em Psicologia Hospitalar. 1ª. ed. São Paulo: Cengage Learning. 2009. 195p. BARROS, M. N. S.; SILVA, M. V. O. A História da Psicologia Hospitalar. Psicologia Ciência e Profissão – Diálogos, São Paulo, v. 4, p. 19-25, dez. 2006. 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