Resposta imunológica contra vírus

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Resposta imunológica contra vírus
9
Luiz Carlos Kreutz
1 Introdução.................................................................................3
2 Resposta imune inata.................................................................3
2.1 Células dendríticas (DCs)........................................................................4
2.1.1 Interação entre as DCs e células NK.....................................................5
2.2 Células natural killer (NK).....................................................................5
2.3 Interferon tipo I (IFN-I).........................................................................6
2.4 Sistema complemento........................................................................7
3 Resposta imune adquirida......................................................8
3.1 O papel das DCs na estimulação do sistema imune específico...............9
3.2 As DCs e a estimulação de linfócitos T...................................................10
3.2.1 Estimulação de linfócitos Th..............................................................11
3.2.2 Estimulação de linfócitos Tc − resposta imune celular.......................11
3.3 Resposta imune humoral............................................................14
3.3.1 Reconhecimento de antígenos pelos linfócitos B e produção de imunoglobulinas.............................................................................................................15
3.4 As imunoglobulinas na defesa antiviral....................................17
3.4.1 Mecanismos de ação das imunoglobulinas...............................17
3.5 O papel das respostas celular e humoral na imunidade antiviral...........19
4 Resposta imune primária e secundária/memória imunológica.....20
5 Mecanismos virais de evasão da resposta imune.........................21
5.1 Infecções latentes no sistema nervoso central (SNC).................................22
5.2 Variações antigênicas......................................................................22
5.3 Indução de tolerância.......................................................................22
5.4 Integração do material genético viral no genoma do hospedeiro...............23
2
5.5 Infecção de sítios imunologicamente privilegiados....................................23
5.6 Interferência com funções do sistema imunológico.............................23
6 Considerações finais........................................................24
7 Bibliografia consultada........................................................24
Capítulo 9
3
Resposta imunológica contra vírus
1 Introdução
A imunidade ou resistência do hospedeiro
contra infecções víricas depende da atuação integrada da resposta imune inata e da resposta
imune adquirida. Os mecanismos envolvidos na
resposta imune inata atuam imediatamente após o
contato do hospedeiro com os antígenos virais,
não possuem capacidade de discriminação entre
os vírus e não necessitam de exposição prévia para
serem desencadeados. Os mecanismos envolvidos
na resposta imune adquirida, por sua vez, desenvolvem-se sequencialmente e de forma mais lenta e
sincronizada, resultando na indução de células e
moléculas efetoras, que irão combater o agente, e
de células de memória, que possuem vida longa e
que serão mais rápida e efetivamente reestimuladas
em exposições subsequentes ao mesmo agente.
A divisão entre a resposta imune inata e adquirida não é absoluta, e essas duas formas de
resposta estão interligadas, atuando conjuntamente
no combate aos agentes agressores. Os principais
protagonistas da conexão entre essas respostas são
as células dendríticas (dendritic cells, DCs). Essas
células circulam pelos tecidos periféricos e são
dotadas de uma grande capacidade de reconhecer
os mais variados tipos de micro-organismos. Após
reconhecimento e captura desses micro-organismos,
as DCs se dirigem aos órgãos linfoides secundários,
onde estimulam as células linfoides, que são os
principais protagonistas da resposta imune específica. Além disso, as infecções víricas estimulam
uma intrincada rede de informações químicas e
celulares que visam maximizar o mecanismo imunológico mais efetivo contra a maioria dos vírus:
os linfócitos T citotóxicos (Tc).
Os componentes da imunidade inata são ativados precocemente após a infecção e se encarregam
de limitar e restringir a replicação viral até que os
mecanismos da resposta imune adquirida tenham
sido desencadeados. Na resposta inata contra vírus,
atuam principalmente as DCs, o interferon do tipo I
(IFN-I), células natural killer (NK) e os componentes
ativos do sistema complemento. A resposta imune
adquirida é mediada por células (linfócitos T) e por
moléculas circulantes (anticorpos), produzidas por
células derivadas dos linfócitos B.
2 Resposta imune inata
A resposta imune inata (também denominada natural ou inespecífica) é mediada por células
e moléculas. Previamente à estimulação dessa
resposta, mecanismos naturais de proteção contra
a penetração de patógenos, como a pele, os pelos,
o muco, enzimas, peptídeos antivirais e antibacterianos (defensinas e catelicidinas) representam
as barreiras iniciais contra os agentes infecciosos.
A ausência ou disfunção desses mecanismos provavelmente resultaria em aumento da frequência
e severidade das infecções. Embora sejam consideradas componentes da imunidade inata, essas
barreiras não serão abordadas nessa revisão. Aqui,
será dado enfoque aos mecanismos imunológicos
naturais que efetivamente participam da imunidade
antiviral e, principalmente, que cooperam com a
ativação da resposta imune específica.
A resposta imune inata é assim denominada
em razão de algumas características peculiares,
tais como: a) atua imediatamente após o contato
com o agente; b) não discrimina diferentes tipos de
4
antígenos; c) atua com intensidade relativamente
constante; e d) não possui memória. É questionável
se, agindo isoladamente, a resposta inata seria capaz
de erradicar uma infecção vírica estabelecida. No
entanto, os seus mecanismos efetores se constituem em obstáculos importantes, que retardam a
progressão do processo infeccioso, controlando-o
temporariamente e, assim, permitindo o desenvolvimento da imunidade específica. Os principais
componentes da resposta inata contra vírus são
representados pelas DCs, IFN-I, sistema complemento e células NK. Esses mecanismos são desencadeados sequencialmente após a infecção vírica
e antecedem o desenvolvimento dos mecanismos
específicos (Figura 9.1).
2.1 Células dendríticas (DCs)
As DCs constituem uma população heterogênea de células que diferem entre si em relação
à origem, localização, expressão de receptores
e habilidade na apresentação de antígenos. As
DCs que se originam de progenitores mieloides
da medula óssea são semelhantes aos monócitos
e são denominadas de DCs mieloides (mDCs). As
DCs que se originam dos progenitores linfoides
são denominadas de DCs plasmacitoides (pDCs) e
se assemelham aos plasmócitos. As mDCs são encontradas em quase todos os tecidos e órgãos, com
exceção do cérebro, dos olhos e dos testículos. São
especialmente abundantes nos linfonodos, na pele
e em tecidos subjacentes a superfícies mucosas,
locais frequentes de penetração de agentes virais.
As células de Langerhans (LC), por exemplo,
estão localizadas na epiderme; DCs intersticiais
estão localizadas na derme, nas mucosas e em
tecidos periféricos. As mDCs desempenham a
importante função de apresentar antígenos aos
linfócitos T e transferir antígenos aos linfócitos B,
eventos que se constituem no principal elo entre
a imunidade inata e a imunidade adquirida. As
pDCs, por sua vez, encontram-se principalmente
nos órgãos linfoides, como a medula óssea, timo,
baço, tonsilas e linfonodos e são as principais
células produtoras de IFN-I durante as infecções
Capítulo 9
virais, participando ativamente da estimulação
das células NK.
A capacidade das células do sistema imune
natural, principalmente das DCs, em reconhecer
componentes microbianos depende de componentes
inerentes aos micro-organismos e componentes
inerentes às células. Os micro-organismos possuem
um “padrão molecular” peculiar, genericamente
denominado de Padrão Molecular Associado aos
Patógenos (PAMP) que se constitui em uma espécie de “código de barras” dos micro-organismos,
pelo qual poderá ser identificado pelas células do
sistema imune natural. Por outro lado, as células
do sistema imune natural possuem a capacidade
de decifrar esse “código de barras”, por meio de
receptores específicos, denominados, de forma
geral, de Receptores de Reconhecimento Padrão
(PRRs). Os principais tipos de PRRs das células
dendríticas são denominados TLRs (Toll-like receptors), RLRs (retinoic acid-inducible gene I [RIG]-like
receptors) e NLRs (nucleotide oligomerization domain
[NOD]-like receptors). Os vírus presentes no meio
extracelular são reconhecidos pelos PRRs presentes
na membrana das células imunológicas. Por outro
lado, durante a infecção das células, os componentes virais gerados no ambiente intracelular (RNA
de fita simples, RNA de fita dupla, DNA com padrão CpG) são reconhecidos por PRRs presentes
em organelas intracelulares, principalmente os
endolisossomos.
A detecção dos componentes virais pelos PRRs
é um pré-requisito para a ativação das DCs, as quais
ativam, rapidamente, uma cascata de sinais intracelulares que culmina com a produção de interferon
tipo I (IFN- I), citocinas e quimiocinas e estimula a
expressão de diversos correceptores (CD40, CD80,
CD86) e moléculas do complexo de histocompatibilidade principal (MHC). A produção de IFN-I é
de fundamental importância para iniciar um estado
de resistência antiviral (item 2.3), e a expressão de
moléculas correceptoras é necessária para a etapa
subsequente da defesa antiviral, que é o transporte
dos antígenos virais até os órgãos imunológicos
secundários, principalmente linfonodos, onde os
antígenos virais serão transferidos para os linfóci-
5
Resposta imunológica contra vírus
tos B, os quais, juntamente com as DCs, irão fazer,
então, a apresentação desses antígenos aos linfócitos
T. O papel das DCs na apresentação de antígenos
e estimulação do sistema imune específico será
discutido separadamente mais adiante (item 3.1).
2.1.1 Interação entre as DCs e células NK
As interações entre DCs e células NK são
mediadas por componentes solúveis e contato
direto e contribuem para a ativação tanto das
DCs quanto das células NK. O IFN-I produzido
pelas DCs é essencial para a ativação das células
NK, particularmente na indução da capacidade
citotóxica. Outras citocinas derivadas das DCs,
como as IL-12 e IL-18, estimulam as células NK
a também produzir IFN-I; e a IL-15 derivada das
DCs estimula a proliferação e sobrevivência das
células NK.
Por outro lado, a ativação das DCs pelas
células NK depende de contato direto, da proporção NK:DCs e de citocinas, como o fator de
necrose tumoral alfa (TNF-a). Células NK pré-ativadas por IL-2 são potentes estimuladoras das
DCs, agindo tanto de forma isolada quanto em
sinergismo com estímulos inflamatórios, como
os lipopolissacarídeos (LPS). A interação entre
as células NK e DCs parece ocorrer nos locais da
infecção, onde existem DCs imaturas residentes
e para onde migram as células NK em resposta
a estímulos inflamatórios. Essa interação pode
ocorrer também nos linfonodos e em outros órgãos
linfoides secundários, para onde as DCs migram
após capturar antígenos nos tecidos periféricos.
Células NK são importantes para controlar o início
da infecção por micro-organismos intracelulares,
como demonstrado a seguir.
É importante observar que, além da necessidade recíproca de interação, DCs e células NK
compartilham importantes funções antivirais.
Estudos recentes identificaram DCs com atividade
citotóxica similar àquela das células NK. Além
disso, foram identificadas células NK que produzem moléculas coestimulatórias e capacidade de
apresentar antígenos associados ao MHC.
2.2 Células natural killer (NK)
As células NK são derivadas de progenitores
linfoides da medula óssea e foram assim denominadas em razão de sua capacidade de destruir
células tumorais e células infectadas por vírus
na ausência de um reconhecimento antígeno-específico. Constituem o que se convencionou
chamar de terceira população de linfócitos (linfócitos
B, T e células NK). Por não possuírem marcadores
específicos de linfócitos B ou de linfócitos T, foram
inicialmente chamadas de células nulas (null cells).
As células NK estão presentes principalmente nos
tecidos linfoides periféricos e atuam de forma
direta, destruindo células infectadas, e de forma
indireta, pela secreção de citocinas. A atividade das
células NK precede a ativação da resposta imune
específica. A destruição de células infectadas por
vírus é realizada inicialmente pelas células NK e,
posteriormente, pelos linfócitos Tc.
A capacidade das células NK em distinguir
células infectadas de células não-infectadas está
relacionada com a presença de receptores inibidores da destruição (killing inhibitory receptors = KIR)
na sua superfície. Esses receptores reconhecem as
moléculas do complexo de histocompatibilidade
principal do tipo I (MHC-I), que estão presentes
na superfície de, virtualmente, todas as células do
organismo. A ligação dos KIR em moléculas do
MHC-I inibe a ação das células NK. No entanto,
a expressão do MHC-I está geralmente reduzida em células infectadas por vírus e em células
tumorais. Dessa forma, utilizando os receptores
KIR, as células NK podem detectar se uma célula
está expressando moléculas do MHC-I em níveis
normais. No caso da expressão das moléculas de
MHC-I estar reduzida, essa célula torna-se alvo
de destruição pelas células NK.
O mecanismo utilizado pelas células NK para
destruir as células-alvo é semelhante ao utilizado
pelos linfócitos Tc. O contato com a célula infectada
estimula as NK a liberarem substâncias chamadas
perforinas no meio extracelular. As perforinas são
proteínas semelhantes aos componentes C5-C9
do complemento e produzem pequenos poros na
6
membrana plasmática da célula-alvo. As células
NK liberam então as granzimas, que penetram
por esses poros e induzem a morte celular por
apoptose.
Durante a resposta inata, as células NK destroem células infectadas independentemente do
reconhecimento de antígenos específicos. No curso
da resposta imune específica e após a produção
de anticorpos antivirais, as células NK também
podem participar da destruição de células infectadas. Nesse caso, anticorpos produzidos contra
antígenos virais se ligam em antígenos virais
presentes na superfície das células infectadas.
Essa ligação facilita o seu reconhecimento pelas
células NK, pois estas possuem receptores para a
porção Fc das imunoglobulinas. Essa atividade é
denominada citotoxicidade celular dependente de
anticorpos (antibody dependent cellular cytotoxicity,
ADCC) e também pode ser mediada por outras
células que possuem receptores para a porção Fc
(macrófagos, neutrófilos e eosinófilos).
Além de destruir células infectadas por vírus,
as células NK contribuem para a defesa antiviral
pela secreção de várias citocinas, incluindo o IFN-I.
Elas também têm um importante papel no controle
imediato de infecções virais. No entanto, estudos
recentes indicam que a atividade das células NK se
prolonga por várias semanas e, em alguns casos,
até meses após a infecção. Mais importante ainda,
a atividade citotóxica das células NK pode ser
transferida de um indivíduo para outro e, nestes
novos indivíduos, pode ser reestimulada, sugerindo uma capacidade de “memória” imunológica
similar àquela observada nos linfócitos B e T.
2.3 Interferon tipo I (IFN-I)
A detecção de componentes virais (PAMPs)
por meio dos PRR das células imunes, principalmente das DCs, estimula uma cascata de eventos
intracelulares que resulta na produção de moléculas antivirais. Entre essas moléculas, destaca-se
o IFN-I. O termo “interferon” denota a capacidade dessa molécula em interferir na replicação
viral. O IFN-I compreende dois tipos principais:
Capítulo 9
interferon alfa (IFN-a) e interferon beta (IFN-b).
Vários vírus são potentes indutores de IFN-I, e a
sua indução é derivada da produção de RNA de
fita dupla no interior da célula durante a replicação viral. Qualquer célula nucleada é capaz de
produzir IFN-I em resposta a uma infecção por
vírus, mas evidências recentes indicam que as DCs
plasmacitoides (pDCs) representam a principal
fonte dessa citocina.
O IFN-I produzido por células infectadas
é secretado no meio extracelular e se distribui
localmente, interagindo com as células vizinhas
e induzindo um estado de resistência antiviral.
Essa interação é mediada por receptores específicos na superfície celular, que estão amplamente
distribuídos nos tecidos. A ligação do IFN-I aos
receptores celulares desencadeia uma série de
reações intracelulares que levam à expressão da
enzima 2’-5’-adenilato sintetase. Essa enzima sintetiza oligômeros de adenina (oligo-A), que, por
sua vez, ativam a endorribonuclease L (RNAse
L). A ativação da RNAse L resulta na degradação
de mRNA celulares e virais. Além disso, o IFN-I
promove a ativação da enzima proteína quinase R
(PKR), que fosforila e inativa o fator de iniciação
da tradução (elongation initiation factor 2 - eIF-2).
Com isso, a tradução de mRNAs celulares e virais
também fica inibida. Outro grupo de IFN-I induz
um estado antiviral pela indução das proteínas
Mx, que também contribuem para a inibição da
síntese proteica celular. Dessa forma, o IFN-I induz
a inibição da síntese de proteínas na célula-alvo,
tornando-a um meio impróprio para a replicação
viral, uma vez que os vírus dependem integralmente da maquinaria celular de síntese proteica
para a sua replicação.
O IFN-I atua também como fator de sobrevivência para as DCs, promove o desenvolvimento,
maturação e atividade microbiocida dos macrófagos
e ativa as células NK, que, por sua vez, interagem
sinergisticamente com as DCs.
Além de seu papel na imunidade inata, o
IFN-I possui um papel importante no desenvolvimento da imunidade específica, por meio de
diferentes mecanismos, tais como: a) indução da
Resposta imunológica contra vírus
expressão de moléculas do MHC-I pelas células,
o que favorece o processamento e a apresentação
de antígenos endógenos (e virais); b) ativação das
DCs, produzindo um aumento da expressão de
receptores e produção de citocinas; c) estimulação da sobrevivência e proliferação de linfócitos
T de memória; d) estimulação da produção de
interferon gama (IFN-g) pelas DCs e linfócitos T;
e e) participação direta e indireta na diferenciação e atividade dos linfócitos B. Os mecanismos
de ativação e as atividades desempenhadas pelo
IFN-I na resposta imune às infecções víricas estão
ilustrados na figura 9.2.
2.4 Sistema complemento
O sistema complemento é composto por um
conjunto de proteínas presentes no plasma sanguíneo na forma inativa. Essas proteínas podem
ser ativadas pela presença de complexos imunes,
formados pela ligação de imunoglobulinas com
antígenos (via clássica de ativação), pela deposição
espontânea do componente C3b do complemento
na superfície de micro-organismos (via alternativa)
7
ou devido à ligação com proteínas que se ligam à
manose (via da lecitina). A ativação do complemento por qualquer uma dessas vias resulta em uma
cascata de ativação sequencial, com a formação de
moléculas intermediárias que possuem diversas
atividades biológicas, principalmente ligadas à
ativação do processo inflamatório. Dentre as funções dos componentes ativados do complemento,
destacam-se: opsonização; quimiotaxia e ativação de
neutrófilos e outras células inflamatórias; degranulação de mastócitos com consequente vasodilatação
e aumento da permeabilidade capilar e formação
do complexo de ataque à membrana (membrane
attack complex, MAC), formado pela associação dos
componentes C5-9 que se inserem na membrana
de células infectadas ou no envelope de vírions,
resultando na sua destruição.
O componente mais importante do complemento é denominado C3, que, a partir da ativação
da cascata, é clivado de forma contínua e espontânea, gerando os produtos C3a e C3b. Uma vez
produzido, o C3b se deposita em superfícies que
não possuam ácido siálico, como o envelope de
diversos vírus, e, assim, desencadeia a cascata de
8
ativação do complemento, que culmina com a formação do MAC e com a destruição dos vírions. A
presença de ácido siálico na superfície das células
animais (e eventualmente em algumas bactérias
e fungos) torna-as resistentes ao complemento,
pois inibe a ligação de alguns componentes que
dão continuidade à cascata e posterior formação
do MAC. O papel do sistema do complemento no
controle de infecções víricas é mais importante durante a viremia ou durante o processo inflamatório,
quando ocorre extravasamento dos componentes do
sistema do complemento até o local da inflamação.
Uma representação dos mecanismos componentes da resposta imune inata, em resposta às
infecções víricas, está apresentada na figura 9.3
Capítulo 9
3 Resposta imune adquirida
Os mecanismos imunológicos específicos
contra as infecções víricas são desencadeados
após a estimulação direta ou indireta dos linfócitos T e B pelos antígenos virais e possuem
como características principais: especificidade
(cada linfócito reconhece apenas um determinante antigênico), diversidade (capacidade
da população de células de reconhecer uma
grande variedade de antígenos) e memória imunológica (capacidade de produzir uma resposta
qualitativa e quantitativamente diferente em
exposições subsequentes a um determinado
antígeno). Além disso, a resposta imune espe-
9
Resposta imunológica contra vírus
cífica se caracteriza pela tolerância a antígenos
do próprio organismo.
De acordo com os mecanismos efetores, a
resposta imune específica pode ser dividida em
celular e humoral. A resposta celular é mediada
pelos linfócitos T auxiliares (T helper ou Th) e
linfócitos T citotóxicos (Tc). A resposta humoral
é mediada pelos anticorpos produzidos pelos
plasmócitos, que são células derivadas dos linfócitos B. Embora sejam tratados separadamente
com fins didáticos, os mecanismos envolvidos
nessas duas respostas são complementares e
atuam conjuntamente no combate às infecções.
A importância relativa desses mecanismos, no
entanto, varia entre os diferentes vírus, de acordo
com a sua biologia. Para alguns vírus, a resposta mediada por linfócitos Tc é fundamental na
erradicação da infecção; para outros, a resposta
humoral desempenha um papel mais importante
na proteção. O conhecimento dos mecanismos
específicos envolvidos na resposta imunológica
contra cada vírus em particular é fundamental
para a elaboração de vacinas.
A etapa inicial da resposta imunológica específica é o reconhecimento de antígenos pelos
linfócitos Th, Tc e B. Em resposta ao contato com
o antígeno, os linfócitos Th secretam várias citocinas, que estimulam a atividade de outras células
envolvidas na resposta imunológica. Os linfócitos
Tc reconhecem e destroem células infectadas por
vírus e também secretam algumas citocinas. Estimulados pelo contato com o antígeno, os linfócitos
B proliferam e se diferenciam em plasmócitos, os
quais produzem anticorpos.
A capacidade de distinguir antígenos
próprios de antígenos não-próprios (neste caso, os
antígenos virais) se constitui no evento central
da resposta imune adquirida. Antígenos não-próprios devem ser reconhecidos como tal, e o
seu reconhecimento deve induzir uma resposta
que resulte na sua eliminação e/ou inativação.
Por outro lado, os antígenos próprios devem ser
igualmente reconhecidos, porém devem ser tolerados. Ou seja, antígenos do próprio organismo
não devem estimular uma resposta imunológica.
3.1 O papel das DCs na estimulação do
sistema imune específico
As DCs constituem o principal elo entre a
imunidade natural e a imunidade específica. A
importância das DCs na resposta imune específica
deve-se a diversos fatores: a) as DCs encontram-se nos principais locais de penetração dos vírus
e também nos linfonodos e em outros tecidos linfoides secundários. Consequentemente, o contato
dos vírus ou de suas proteínas (PAMPs) com os
receptores (PRRs) das DCs é praticamente inevitável
e é fundamental para dar início à estimulação das
próprias DCs e fazer com que processem adequadamente os antígenos virais e os apresentem às
diferentes populações de linfócitos; b) as DC são
capazes de processar esses antígenos e associá-los
às moléculas do MHC. Os antígenos virais capturados no exterior das células, também denominados
antígenos exógenos, são processados e unidos ao
MHC-II e apresentados aos linfócitos Th, enquanto
que os antígenos virais produzidos dentro das
células dentríticas, denominados de antígenos endógenos, são unidos ao MHC-I e apresentados aos
linfócitos Tc. Além disso, existe também a possibilidade de ocorrer, em determinadas situações não
bem definidas ainda, o processo de cross-priming,
ou seja, antígenos exógenos serem associados ao
MHC-I, resultando também na ativação de linfócitos Tc; c) as DCs podem migrar dos locais de
penetração dos antígenos até os órgãos linfoides,
onde se concentram os linfócitos, e lhes apresentar
os antígenos microbianos associados ao MHC em
um ambiente repleto de estímulos secundários,
como citocinas e correceptores; d) as DCs podem
fornecer os estímulos secundários, na forma de
citocinas e moléculas correceptoras, para a ativação
integral das diferentes populações de linfócitos; e)
as DCs possuem prolongamentos citoplasmáticos
denominados dendritos, que aumentam a sua superfície, facilitando, com isso, a interação com as
demais células do sistema imunológico; f) as DCs
são capazes de capturar e armazenar antígenos em
pequenas esferas na sua superfície, denominadas
icossomos. Dessa forma, as DCs podem oferecer e
10
transferir antígenos para outras DCs, para macrófagos e mesmo para os linfócitos B.
Além de se constituir no evento central da
imunidade adquirida, o reconhecimento de antígeno e a consequente estimulação de populações
de linfócitos T e B representam a etapa inicial da
resposta imunológica específica. O desfecho da
resposta imune antiviral depende, portanto, da
natureza da interação entre as DCs e os antígenos
virais e do mecanismo de apresentação desses
antígenos aos linfócitos. Os mecanismos de pro-
Capítulo 9
cessamento e apresentação de antígenos pelas DCs
e estimulação da resposta imune específica serão
discutidos a seguir.
As interações entre as DCs e as células envolvidas na resposta imune adquirida estão ilustradas
na figura 9.4.
3.2 As DCs e a estimulação de linfócitos T
O reconhecimento de antígenos pelos linfócitos T é complexo e requer que o antígeno seja
11
Resposta imunológica contra vírus
previamente processado e apresentado por células que apresentem antígenos (APCs), as quais
disponibilizam o antígeno viral em um contexto
favorável para reconhecimento pelos linfócitos.
Os linfócitos T não são capazes de responder a
antígenos em sua forma nativa, solúvel ou não, e
somente são estimulados por antígenos proteicos
(timo dependentes). Dependendo da sua origem e
da forma como são processadas, as proteínas virais
podem ser reconhecidas pelos linfócitos Th, pelos
Tc ou por ambos. A forma de reconhecimento de
antígenos por esses dois tipos de linfócitos, no
entanto, é diferente e depende basicamente da
associação desse antígeno com as moléculas do
MHC presentes nas APCs.
3.2.1 Estimulação de linfócitos Th
Os linfócitos Th reconhecem antígenos virais
por meio de receptores de membrana, denominados
TCRs (T cell receptors), juntamente com a molécula
acessória CD4. Por isso, são também chamados de
linfócitos T CD4+.
Para que um antígeno proteico seja reconhecido pelo complexo TCR+CD4 e estimule o
linfócito Th, esse antígeno deve ser previamente
processado e apresentado de forma adequada
por APCs, preferencialmente por DCs. Conforme
indicado anteriormente, nas superfícies corporais
ou locais de infecção viral, as DCs, por meio de
seus PRR, reconhecem os PAMPs e iniciam sua
internalização, por endocitose ou fagocitose, e
clivagem enzimática nos fagolisossomos, resultando em peptídeos de 12 a 16 aminoácidos, os
quais são então conjugados com moléculas do
MHC-II. Os complexos MHC-II + peptídeo são
então transportados até a superfície celular, onde
ficam expostos à espera do reconhecimento pelos
linfócitos Th. Simultaneamente, as APCs secretam
citocinas, expressam moléculas correceptoras e
migram para os linfonodos. Vírions e proteínas
virais liberados pelas células infectadas no meio
extracelular após a lise celular, por se encontrarem
no meio extracelular, são considerados antígenos
exógenos e apresentados no contexto do MHC-II.
Nos linfonodos, o complexo peptídeo viral
+ MHC-II é reconhecido por meio do TCR/CD4
presente nos linfócitos Th. Citocinas e moléculas
correceptoras produzidas pelas DCs contribuem
para a estimulação dos linfócitos Th.
É importante ressaltar que, nos linfonodos,
por meio de seus prolongamentos citoplasmáticos
e icossomos, as DCs podem transferir antígenos
aos linfócitos B. Estes, por sua vez, podem processar esses antígenos e apresentá-los, associados
ao MHC-II, aos linfócitos Th. Assim, os linfócitos
Th previamente estimulados pelas DCs podem
reconhecer o complexo MHC-II na superfície dos
linfócitos B e induzir sua proliferação e diferenciação, resultando em plasmócitos secretores de
anticorpos e em células de memória. A estimulação
induzida pelos linfócitos Th é mediada pela secreção de citocinas. A subpopulação de linfócitos Th1
secreta predominantemente TNF-a, IFN-I, IL-2 e
IL-12 e estimula preferencialmente uma resposta
imune do tipo celular (linfócitos Tc, DCs, células
NK e macrófagos), enquanto que a subpopulação
de linfócitos Th2 secreta IL-4, IL-5, IL-6, IL-10 e
IL-13 e estimula preferencialmente uma resposta
imune humoral. Essas citocinas possuem papel
importante na ativação, proliferação e diferenciação
de linfócitos B e secreção de anticorpos. Ou seja,
as citocinas produzidas pelos Th em resposta ao
antígeno estimulam tanto a resposta celular quanto
a resposta humoral. O balanço entre as respostas do
tipo Th1 e Th2 depende da biologia de cada vírus
e de suas interações com o sistema imunológico.
Além das DCs e linfócitos B, macrófagos, células interdigitantes, células NK e mesmo neutrófilos
podem apresentar antígenos pela via exógena.
A via exógena de apresentação de antígenos aos
linfócitos Th está representada esquematicamente
na figura 9.5.
3.2.2 Estimulação de linfócitos
Tc − resposta imune celular
Os linfócitos Tc reconhecem proteínas virais
por meio dos TCRs, juntamente com a molécula
acessória CD8. Por isso, essas células são também
12
chamadas de linfócitos T CD8+. Para que as proteínas virais sejam reconhecidas pelos receptores
TCR+CD8 e estimulem os linfócitos Tc, também
devem ser adequadamente processadas e apresentadas. No entanto, essa forma de processamento e
apresentação ocorre preferencialmente com proteínas sintetizadas no interior das células, durante a
infecção, e não com proteínas capturadas no meio
extracelular. Por isso, essa via de apresentação de
antígeno é denominada endógena.
A estimulação dos linfócitos Tc também
depende preferencialmente das DCs. Nesse caso,
Capítulo 9
as DCs, por possuírem inúmeros receptores em
sua superfície e estarem naturalmente presentes nos principais sítios de infecção viral, são
passíveis de sofrerem infecções virais. Nesses
casos, as proteínas virais produzidas em seu
interior, durante o ciclo de replicação viral, são
clivadas enzimaticamente em peptídeos de 8 a
12 aminoácidos e conjugadas com moléculas do
MHC-I. Os complexos MHC-I + peptídeos virais
são transportados até a superfície celular, onde
ficam expostos. Esse mecanismo de processamento proteico é um processo fisiológico e resulta
Resposta imunológica contra vírus
também na apresentação de fragmentos de proteínas celulares. No entanto, apenas os peptídeos
resultantes da clivagem das proteínas virais são
capazes de estimular os linfócitos Tc. As DCs contendo os complexos MHC-I + peptídeo migram
para os linfonodos, onde serão reconhecidas por
meio do TCR/CD8 presente nos linfócitos Tc.
Citocinas e moléculas correceptoras produzidas
pelas DCs contribuem para a estimulação dos
linfócitos Tc. É importante observar que linfócitos Th e linfócitos Tc podem ser estimulados
simultaneamente pelas DCs e que as citocinas
secretadas por linfócitos Th também contribuem
13
para a ativação dos linfócitos Tc. Linfócitos Tc
assim estimulados estão aptos a deixar os linfonodos e a circular pelo organismo à procura
de complexos MHC-I + peptídeo viral idênticos
àqueles que induziram sua ativação e destruir
as células infectadas. Dessa forma, os linfócitos
Tc darão continuidade ao trabalho realizado até
então pelas células NK. Os linfócitos Tc farão a
lise de células infectadas por vírus, só que, agora,
de forma mais eficaz e específica.
No organismo, virtualmente, todas as células
nucleadas – com exceção dos neurônios – expressam o MHC-I. Quando infectadas por vírus, essas
14
células processam proteínas virais e associam os
peptídeos resultantes ao MCH-I para transporte
e exposição na superfície celular, tornando-se,
assim, alvos da atividade lítica dos linfócitos Tc
previamente estimulados pelas DCs.
Tanto as proteínas estruturais como as não-estruturais produzidas durante a replicação
viral podem ser processadas e apresentadas aos
linfócitos Tc. A via endógena de apresentação
de antígenos aos linfócitos Tc está representada
esquematicamente na figura 9.6.
A função principal dos Tc na resposta antiviral
é a destruição de células infectadas por vírus. Para
muitas infecções víricas, a resposta mediada pelos
Tc representa a forma mais eficiente de combate e
erradicação da infecção. Os complexos peptídeo-MHC-I são reconhecidos exclusivamente pelo
TCR e CD8 dos linfócitos Tc. Após a sua ativação
pelas DCs, os linfócitos tornam-se competentes
para destruir as células que apresentem o mesmo
complexo peptídeo-MHC-I que induziu a sua
estimulação. Esses complexos serão encontrados
nas células que albergam o vírus infectante. Os
linfócitos Tc ativados e capazes de destruir células infectadas são denominados CTLs (cytotoxic T
lymphocytes). Ao entrar em contato com a célula
infectada, os linfócitos Tc aderem a ela por meio
do complexo TCR/CD8 e de outras moléculas de
superfície. Essas interações resultam na reorganização do citoesqueleto, polarizando o linfócito
Tc com o objetivo de descarregar o seu arsenal
citotóxico sobre a célula infectada. Entre os componentes citotóxicos dos linfócitos Tc, encontram-se as perforinas, que possuem a capacidade de
induzir a formação de poros na célula-alvo. Os
linfócitos Tc também secretam as granzimas, que
penetram nas células através dos poros e ativam
mecanismos intracelulares que culminam com a
morte programada da célula (apoptose). Posteriormente, o linfócito Tc desprende-se da célula e
parte em busca de novas células-alvo, característica
que lhe confere o codinome de serial killer entre as
células do sistema imunológico. O mecanismo de
destruição celular pelos linfócitos Tc é similar ao
desencadeado pelas células NK.
Capítulo 9
3.2.2.1 Importância dos linfócitos Tc na
imunidade antiviral
Células infectadas por vírus podem produzir
milhões de novas partículas virais em um período
de poucas horas. A disseminação dos vírions entre as células ocorre pela liberação de partículas
virais no meio extracelular ou pela transmissão
direta dos vírions entre células. A transmissão
direta entre células minimiza a possibilidade de
um encontro indesejado dos vírions com as células e moléculas do sistema imunológico. Nesse
caso, as únicas defesas das células infectadas são
a produção de IFN-I e a apresentação dos antígenos virais associados ao MHC-I. Dessa forma,
a presença do vírus no interior das células pode
ser detectada pelas células vizinhas (via IFN-I) e
pelos linfócitos Tc.
A estratégia do organismo em utilizar
os linfócitos Tc para destruir precocemente
células infectadas é muito apropriada, pois é
preferível destruir pequenas fábricas de vírions
a tentar inativar milhões de partículas víricas
disseminadas no organismo e com o potencial
de infectar novas células. O processamento e
apresentação de proteínas virais aos linfócitos
Tc em fases iniciais da infecção permite ao
hospedeiro identificar e destruir as células
infectadas antes do início da produção da
progênie viral. No entanto, alguns vírus desenvolveram estratégias para evitar ou retardar
o reconhecimento de células infectadas, a fim
de assegurar a conclusão do ciclo replicativo
e a liberação de progênie viral.
3.3 Resposta imune humoral
A resposta imune humoral é mediada por
imunoglobulinas (anticorpos). As imunoglobulinas são formas solúveis do receptor dos linfócitos
B (BCR) produzidas por plasmócitos, os quais
resultam da proliferação e diferenciação de linfócitos B maduros presentes nos órgãos linfoides
secundários.
Resposta imunológica contra vírus
3.3.1 Reconhecimento de antígenos pelos
linfócitos B e produção de imunoglobulinas
Os linfócitos B maduros (ou virgens) originam-se dos progenitores linfoides presentes na
medula óssea. Os linfócitos B possuem receptores
de membrana denominados BCRs (B cell receptors)
por meio dos quais reconhecem os mais variados
tipos de antígenos. Os BCRs são moléculas de imunoglobulinas das classes IgD e IgM que possuem
uma região altamente variável, capaz de se ligar
a uma variedade muito grande de determinantes
antigênicos. Os BCRs podem se ligar a antígenos de
qualquer natureza química, tanto proteínas, carboidratos, lipídios, como outras macromoléculas. Ou
seja, os linfócitos B podem reconhecer e responder
a antígenos proteicos e não-proteicos, desde que
estes possuam regiões complementares às regiões
variáveis dos seus BCRs. Isso faz com que os linfócitos B reconheçam antígenos na sua forma nativa,
solúvel ou não, sem a necessidade de processamento
prévio. No caso dos vírus, os principais antígenos
reconhecidos pelos linfócitos B são as proteínas de
superfície dos vírions, devido à sua localização e
acessibilidade aos BCRs. Linfócitos B não migram
para os tecidos em busca dos antígenos; portanto,
o contato do antígeno viral com o BCR depende do
transporte desses antígenos até os tecidos linfoides
secundários, onde se concentram os linfócitos e o
ambiente é favorável à estimulação dos mesmos.
Os antígenos virais chegam até os linfócitos B pelo
sistema de drenagem linfática ou carreados por
DCs, as quais, por meio de seus prolongamentos
citoplasmáticos e capacidade de armazenar antígenos em pequenas esferas (icossomos), podem
facilmente transferir antígenos aos linfócitos B.
Assim, os linfócitos B, por meio de seus BCRs, têm
a oportunidade de também reconhecer os antígenos
invasores e iniciar a resposta imune humoral, que
será mediada pelas imunoglobulinas.
Proteínas virais inseridas em membranas
celulares, além de proteínas virais secretadas pelas
células infectadas, também podem estimular os
linfócitos B. Antígenos de natureza não-proteica
podem estimular os linfócitos B independentemente
15
da presença de linfócitos Th e são denominados
de antígeno timo-independente. Por outro lado,
antígenos proteicos (timo-dependentes) são processados pelos linfócitos B e unidos às moléculas
de MHC classe II para posterior apresentação aos
linfócitos Th. Nesse caso, os linfócitos B atuam
como APCs, Comforme descrito para as DCs.
A resposta específica humoral é mediada pelas
imunoglobulinas (Igs), popularmente conhecidas
como anticorpos. As Igs são produzidas e secretadas pelos plasmócitos, que são células originadas
da proliferação e diferenciação dos linfócitos B em
resposta a antígenos. As Igs apresentam cinco classes
principais, com estrutura e funções diferentes: IgG,
IgM, IgA, IgE e IgD. Imunoglobulinas das classes
IgM e IgD são também encontradas na superfície dos
linfócitos B, onde servem de receptores (BCRs) para
o reconhecimento de antígenos por essas células.
Devido aos mecanismos de diversidade e
especificidade, cada linfócito B e a sua progênie
possuem BCRs idênticos entre si e, assim, possuem a capacidade para reconhecer um único
determinante antigênico. Felizmente, o organismo
possui bilhões de linfócitos B com BCRs diferentes
e, por isso, capazes de reconhecer e responder a
uma variedade virtualmente infinita de antígenos.
A capacidade de reconhecimento de antígenos
pelos linfócitos B depende exclusivamente do
BCR; consequentemente, os linfócitos B podem
reconhecer antígenos solúveis e também antígenos
não-proteicos, ou seja, os linfócitos B reconhecem os
antígenos em sua forma nativa, sem a necessidade
de processamento e apresentação prévios, como
ocorre com os linfócitos T.
A ativação dos linfócitos B depende da sua
interação com os antígenos virais (via BCR) e da
ação de citocinas secretadas pelos linfócitos Th,
também em resposta ao reconhecimento do antígeno. As DCs desempenham um papel fundamental
nesse processo, pois podem transferir antígenos
aos linfócitos B por meio dos icossomos e, simultaneamente, apresentar antígenos aos linfócitos
Th (Figuras 9.4 e 9.7).
Por outro lado, os linfócitos B, após reconhecerem um antígeno, podem interagir diretamente com
16
os linfócitos Th, em um processo de estimulação
recíproca. É importante ressaltar que os linfócitos
B, além de secretarem imunoglobulinas, também
são excelentes APCs, ou seja, podem apresentar
Capítulo 9
antígenos, associados ao MHC-II, aos linfócitos Th.
As citocinas produzidas pelos Th, juntamente com
o reconhecimento do antígeno pelo BCR, resultam
em estimulação, proliferação e diferenciação dos
17
Resposta imunológica contra vírus
linfócitos B em plasmócitos, células secretoras de
anticorpos. As DCs também podem fornecer citocinas importantes para uma adequada estimulação
dos linfócitos B.
O contato com o antígeno e as citocinas produzidas pelos Th estimulam os linfócitos B a se
multiplicarem de forma rápida e abundante. As
células resultantes dessa proliferação podem
ter dois destinos: a grande maioria se diferencia
em plasmócitos, e uma minoria se diferencia em
células de memória. Os plasmócitos possuem
vida relativamente curta; as células de memória
possuem vida longa. Tanto os BCRs presentes na
membrana dos linfócitos B de memória como as
imunoglobulinas secretadas pelos plasmócitos
possuem a mesma especificidade dos BCRs do
linfócito B que lhes deu origem. A estimulação e
proliferação dos linfócitos B ocorrem nos órgãos
linfoides secundários, sobretudo nos linfonodos.
Os anticorpos produzidos são secretados no meio
extracelular e, através dos vasos eferentes, podem
ter acesso à corrente sanguínea e, posteriormente,
aos tecidos. As etapas de reconhecimento do antígeno, ativação, proliferação e diferenciação dos
linfócitos B estão ilustradas esquematicamente
na figura 9.7.
Os principais locais de produção de anticorpos
pelos plasmócitos são os centros germinativos dos
linfonodos e as regiões equivalentes dos outros
órgãos linfoides secundários. As Igs estão presentes
nos fluidos do organismo (plasma sanguíneo, saliva, lágrima, urina, colostro/leite, muco, secreções,
líquido céfalo-raquidiano e líquido sinovial) e são
capazes de se ligar especificamente no determinante
antigênico que induziu a sua formação. Para várias
infecções virais, a quantidade de Igs específicas presentes no soro sanguíneo pode ser correlacionada
com proteção. Por isso, esse parâmetro é utilizado
para o monitoramento dos prováveis níveis de
proteção e da necessidade de novas imunizações.
Considerando-se que a resistência antiviral deve-se, em grande parte, à atividade dos linfócitos Tc
(que efetivamente destroem células infectadas), a
quantificação dos anticorpos não pode ser considerada o indicador único de proteção. No entanto,
a sorologia é muito utilizada para se avaliar os
níveis de imunidade como um todo, visto que os
métodos para detectar e quantificar a função de
linfócitos T são de difícil aplicação.
3.4 As imunoglobulinas na defesa antiviral
As Igs possuem várias atividades biológicas
que potencialmente podem estar envolvidas na
resposta antiviral. Algumas dessas atividades já
foram demonstradas in vivo e a sua participação
na resposta antiviral parece ser inquestionável;
outras somente foram demonstradas inequivocadamente in vitro e/ou possuem um papel
controverso na resposta imunológica contra os
vírus. A seguir, são listadas as principais atividades antivirais dos anticorpos (as atividades dos
anticorpos na defesa contra vírus estão ilustradas
na Figura 9.8):
– neutralização: a interação dos vírions com
os receptores celulares para o início da infecção
é mediada por regiões específicas das proteínas
de superfície dos vírions (antirreceptores). Anticorpos produzidos contra essas regiões possuem
a capacidade de se ligar aos vírions e impedir a
A importância dos anticorpos na imunidade
antiviral tem sido muito discutida e parece variar
de acordo com a biologia do vírus e também com
o estágio da infecção (infecção primária versus
reinfecção). Como os anticorpos aparecem apenas
tardiamente durante a infecção primária, acredita-se
que desempenhem um papel secundário na erradicação dessa infecção. O papel principal nesses casos
seria assumido pelos linfócitos Tc. Os anticorpos
teriam participação mais efetiva na proteção em
casos de reinfecção, quando atuariam limitando e
restringindo a penetração e disseminação do vírus
no organismo. Além dessa diferença, a importância
relativa dos anticorpos e da imunidade celular
variam de acordo com a biologia e interações de
cada vírus com o hospedeiro.
3.4.1 Mecanismos de ação das
imunoglobulinas
18
interação com os receptores celulares, neutralizando a sua infectividade. Esses anticorpos são
denominados genericamente de neutralizantes e
constituem uma parcela do total de anticorpos
produzidos contra os vírus. Anticorpos com
atividade neutralizante são direcionados contra
proteínas de superfície dos vírions. A neutralização de partículas virais pode ocorrer por Igs da
classe IgA, presente nas mucosas e em secreções;
ou por IgM e IgG, presentes no plasma sanguíneo.
Um dos desafios da vacinologia é a indução de
proteção sólida nas mucosas, pela estimulação de
IgA com capacidade de neutralizar as partículas
víricas nos locais mais frequentes de penetração
viral (sistema respiratório, digestório e reprodutivo) e, assim, impedir a instalação da infecção.
A neutralização da infectividade é o mecanismo
mais direto de ação dos anticorpos contra vírus
e, talvez, o mais importante;
– aglutinação: as IgM e IgG possuem a capacidade de aglutinar partículas virais e, com
isso, facilitar a sua remoção mediada pelo sistema
complemento e por células fagocíticas;
– opsonização: o revestimento de partículas
víricas por moléculas de imunoglobulinas (IgM e
IgG) facilita a ligação e remoção dessas partículas
pelas células fagocíticas, via receptores para a
porção Fc das Igs. A ativação do sistema do complemento também gera fragmentos capazes de
opsonização viral (C3b);
– ativação do complemento: a ligação das
Igs aos antígenos resulta em alterações tridimensionais na sua região Fc, expondo sítios de
ligação para o componente C1 do complemento,
iniciando a sua ativação em cascata. O resultado é
a estimulação de vários mecanismos da imunidade
inata (vasodilatação, aumento da permeabilidade
capilar, quimiotaxia para fagócitos, entre outros)
e a formação do MAC (complexo de ataque a
membranas) sobre a superfície dos vírions, o que
pode resultar na inativação da infectividade dos
vírus envelopados. A ligação de anticorpos em
proteínas virais inseridas na membrana de células
infectadas pode ativar o complemento e levar à
formação do MAC. Com isso, a célula infectada
Capítulo 9
pode sofrer lise osmótica. Esse mecanismo pode
também ocorrer com bactérias;
– citotoxicidade mediada por células dependente de anticorpos (ADCC): durante a replicação
de alguns vírus, certas proteínas virais podem ser
inseridas na membrana plasmática das células
infectadas. Anticorpos específicos, produzidos
contra essas proteínas, se ligam a elas na superfície celular. Com isso, a célula infectada fica
recoberta por Igs e se torna alvo para algumas
células do sistema imunológico que possuem
receptores para a porção Fc das Igs (células NK
e neutrófilos), resultando na destruição da célula
infectada. Embora a ADCC tenha sido amplamente
demonstrada in vitro, a sua importância in vivo
ainda é desconhecida;
– outras atividades dos anticorpos: embora
as Igs desempenhem funções benéficas para a
manutenção da integridade e funcionalidade do
organismo, pelo combate a agentes infecciosos
potencialmente nocivos, eventualmente podem
participar de processos que são prejudiciais ao
hospedeiro. A presença de grande quantidade de
antígenos no plasma sanguíneo pode levar à formação disseminada de complexos antígeno-anticorpo.
Esses complexos geralmente são removidos pelas
células fagocíticas. No entanto, quando estão em
excesso, depositam-se no endotélio vascular e,
frequentemente, estão relacionados a quadros
imunopatológicos. O revestimento de vírions
com Igs sem atividade neutralizante pode, ao
invés de neutralizá-los, potencializar a sua infectividade. Essas Igs são reconhecidas por células
que possuem receptores para a porção Fc (monócitos e macrófagos), resultando na internalização
eficiente de vírions recobertos com anticorpos,
facilitando a infecção dessas células, ou seja, os
anticorpos aumentam a eficiência de penetração
desses vírions. Esse mecanismo é denominado
Antibody Dependent Enhancement (ADE) e tem
sido descrito para vários vírus, dentre os quais o
vírus da dengue, o coronavírus felino e o vírus da
imunodeficiência humana (HIV). O papel da ADE
na patogenia dessas doenças, no entanto, ainda é
tema de debates.
Resposta imunológica contra vírus
3.5 O papel das respostas celular e humoral
na imunidade antiviral
Os avanços no estudo da imunologia antiviral
têm resultado na emergência de importantes componentes e mecanismos anteriormente relegados
a papéis secundários na resposta imune, como as
DCs e células NK, além de suas subpopulações,
como as DCs com atividade similar às células NK,
denominadas de NKDCs (natural killer dendritic
19
cells); células NK com funções similares às DCs,
denominadas DCs exterminadoras (killers) produtoras de IFN (IKDCs = IFN-producing killer DCs);
células NK com capacidade de apresentar antígenos
associados ao MHC classe II; e, finalmente, células
NK de memória. No entanto, o papel exato de cada
componente na intrincada cadeia de relações celulares e moleculares que resultam na eliminação
de uma determinada infecção vírica ainda não está
satisfatoriamente esclarecido. O esclarecimento
20
desses mecanismos depende do entendimento
detalhado da biologia e da patogenia de cada
infecção e das interações peculiares de cada vírus
com o sistema imunológico. No entanto, pode-se
afirmar que os linfócitos Tc são fundamentais na
erradicação da infecção primária, pela destruição
das células infectadas. Os anticorpos não teriam
grande participação no combate à infecção primária,
pois aparecem tardiamente no curso da infecção.
Seriam de fundamental importância por ocasião
de uma reexposição ao agente, prevenindo e/
ou limitando a infecção através de neutralização
viral e de outros mecanismos que restringiriam a
disseminação do vírus no organismo. Caberia aos
linfócitos Th o papel de coordenar e moderar as
duas respostas (humoral, mediada por linfócitos B;
e celular, mediada por linfócitos Tc) pela secreção
de citocinas.
4 Resposta imune primária e
secundária/memória imunológica
Os linfócitos possuem um período de vida
relativamente curto após a sua produção a partir
dos progenitores linfoides na medula óssea. No
entanto, a sua sobrevivência pode ser prolongada
desde que encontrem o antígeno que os estimule
a proliferar e se diferenciar. Ou seja, os linfócitos
que não encontram o antígeno que os estimule a
proliferar possuem vida curta; aqueles que encontram o antígeno complementar ao seu BCR têm a
sua vida prolongada. Dessa forma, a presença de
antígenos específicos no organismo literalmente
resgata os linfócitos da morte, estimulando-os a
proliferar e se diferenciar, gerando uma resposta
imune, denominada resposta primária. O principal
evento da resposta primária é a expansão dos
clones de linfócitos que possuem receptores para
os antígenos introduzidos pela primeira vez no
organismo. Porém, a maioria das células originadas pela expansão clonal se diferenciará em
células de vida curta, os plasmócitos, que exercem
a sua função de secreção de Igs e sobrevivem por
algumas semanas ou meses. Felizmente, após a
expansão clonal, uma fração pequena dos linfócitos
Capítulo 9
estimulados não se diferencia em plasmócitos, e
sim em células de memória. Estas mantêm a capacidade de reconhecimento do mesmo antígeno
que as estimulou (pois possuem os BCRs com
especificidade idêntica aos da célula original) e
sobrevivem no organismo por um longo tempo.
As células de memória habitam a medula óssea e
circulam pelo organismo. Ao encontrarem o mesmo
antígeno que as estimulou previamente (vírions
ou proteínas virais), essas células respondem rapidamente, produzindo uma resposta proliferativa
e de diferenciação rápida e intensa. Essa resposta
é denominada resposta imune secundária. Embora
mais estudados em linfócitos B, pela facilidade de
quantificação dos anticorpos, os eventos envolvidos
na resposta primária e secundária provavelmente
ocorrem de forma semelhante com os linfócitos
T. A resposta primária a um determinado vírus
pode resultar de infecção natural ou de vacinação
e prepara o sistema imunológico para responder e
montar uma resposta secundária caso ocorra uma
exposição subsequente ao mesmo agente.
A memória imunológica de linfócitos B e T
é diferente. A produção contínua de anticorpos
específicos tem sido detectada várias décadas após
a infecção por alguns vírus. Como a vida média
dos anticorpos no organismo é de poucas semanas, ocorre uma produção contínua de anticorpos,
para que os níveis sejam mantidos. Uma possível
explicação para esse fato é que linfócitos B de
memória seriam constantemente reestimulados
a se diferenciar em plasmócitos secretores de Igs,
pois os plasmócitos possuem vida curta. O contato frequente com o antígeno – e as consequentes
reestimulações – pode decorrer da reexposição ao
próprio micro-organismo ou resultar de reatividade
cruzada com antígenos semelhantes, próprios ou
heterólogos. Além disso, as DCs possuem a capacidade de armazenar antígenos em seus dendritos
por períodos prolongados e liberá-los lentamente
para os linfócitos de memória, provocando a sua
reestimulação contínua. Isso poderia proporcionar
uma estimulação prolongada não somente dos
linfócitos de memória, mas também de linfócitos
que ainda não haviam sido estimulados (naive ou
21
Resposta imunológica contra vírus
virgens). Estes, ao chegarem aos órgãos linfoides,
encontrariam com o antígeno pela primeira vez,
gerando novamente uma resposta imune primária
e, consequentemente, a produção de mais linfócitos
de memória.
Ao contrário da fase efetora da resposta humoral – cuja produção de anticorpos pode persistir
por longo período –, a fase efetora da resposta
celular é de curta duração. A presença prolongada
de linfócitos Th e Tc efetores seria deletéria para o
organismo, pois a secreção persistente de citocinas e
a atividade citolítica continuada poderiam resultar
em imunopatologia. Após a fase efetora, as células
T de memória são encontradas com frequência
mais alta e podem responder com mais rapidez
e eficiência a estímulos antigênicos secundários.
A rapidez e eficiência com que as células T de
memória se deslocam para os sítios de infecção e
respondem a estímulos secundários faz com que
não seja necessária a preexistência de células efetoras para gerar uma resposta protetora.
Uma das questões fundamentais na resposta
imune está relacionada com os mecanismos que
garantem a sobrevivência e manutenção das células
T e B de memória. A estabilidade da memória dos
linfócitos Tc, por exemplo, é mantida por divisões
celulares lentas e contínuas. As células B de memória podem ser mantidas por estimulações paralelas,
ou seja, por citocinas produzidas pelas células Th
e DCs em resposta a outros antígenos. No entanto,
embora a medula óssea apresente o ambiente ideal
para a manutenção, replicação e sobrevivência
dessas células, acredita-se que a reexposição e o
contato com o antígeno sejam importantes para a
manutenção das células B de memória. Com isso,
as reestimulações contribuiriam para a reposição
das células secretoras de Igs e a consequente manutenção dos níveis de anticorpos circulantes.
O conhecimento dos eventos que ocorrem durante a resposta primária e secundária é fundamental para o entendimento das bases imunológicas da
proteção induzida por vacinas. A vacinação induz
uma resposta primária, com a consequente expansão de clones de linfócitos B e T específicos para
os antígenos vacinais. Com isso, são produzidos
plasmócitos e linfócitos T efetores, que possuem
vida curta, e, principalmente, células B e T de
memória, que possuem vida longa e são capazes
de responder ao mesmo padrão antigênico que
induziu a sua proliferação. A infecção subsequente
de um animal vacinado irá induzir uma resposta
secundária, com estimulação e proliferação muito
mais rápida e intensa de linfócitos T e B, pois o
número dessas células específicas para o antígeno
agora é muito maior, resultado da expansão clonal
da resposta primária induzida no momento da
vacinação. Essa infecção resulta em estimulação
dos linfócitos de memória, que proliferam e se
diferenciam em células efetoras, a exemplo do que
ocorreu na resposta primária, porém com muito
maior eficiência e rapidez. O resultado é a produção de linfócitos Th e Tc efetores e de plasmócitos
secretores de anticorpos, que se encarregam de
combater o vírus invasor.
A possibilidade de uma resposta imune secundária também tem sido recentemente investigada
em células NK. Em modelos murinos, a “memória”
imunológica das células NK para determinados vírus pode ser transferida para animais não infectados
ou ser preferencialmente estimulada em animais
previamente infectados em comparação com células NK não-estimuladas (naive). Parece que, uma
vez ativadas, as células NK, ou pelo menos uma
subpopulação delas, têm a capacidade de manter
um imprint do antígeno e ser preferencialmente
reestimuladas em um encontro subsequente.
5 Mecanismos virais de evasão da
resposta imune
A ocorrência contínua de doenças virais
somente é possível devido ao sucesso desses
micro-organismos em produzir infecções, resistir
ou escapar dos mecanismos antivirais do hospedeiro e se disseminar para outros hospedeiros
suscetíveis. Hospedeiros imunes impedem ou
limitam a progressão da infecção, o que reduz
drasticamente a possibilidade de transmissão do
vírus para outros animais. Dezenas ou centenas
de milhares de anos de coexistência, além da ra-
22
pidez com que os vírus se multiplicam e evoluem
geneticamente, permitiram o desenvolvimento de
estratégias que lhes permitem evitar ou resistir
às defesas do hospedeiro, causando infecções
produtivas, agudas ou crônicas e garantindo
a sua manutenção e perpetuação na natureza.
Dentre os mecanismos utilizados pelos vírus
para compatibilizar a sua existência e perpetuação, apesar dos mecanismos imunológicos do
hospedeiro, destacam-se os seguintes: infecções
latentes no sistema nervoso central, variações
antigênicas, indução de tolerância, integração
do material genético viral no genoma do hospedeiro, infecção de sítios imunologicamente
privilegiados e interferência com funções do
sistema imunológico.
5.1 Infecções latentes no sistema nervoso
central (SNC)
O estabelecimento de infecções latentes é um
eficiente mecanismo de perpetuação no hospedeiro,
utilizado pelos vírus da família Herpesviridae. A fase
de latência, que se segue à infecção aguda, é caracterizada pela presença do genoma viral na forma
não-replicativa em neurônios, sem síntese proteica
ou produção de progênie viral. Como consequência, a infecção desses neurônios não é detectada
pelo sistema imunológico, e essas células podem
manter o material genético viral indefinidamente.
No entanto, sob determinadas circunstâncias, geralmente associadas com estresse, ocorre a reativação
e a retomada da replicação viral nos neurônios
infectados. Os vírions produzidos migram pelos
axônios de volta aos locais de replicação primária,
de onde são excretados, podendo infectar outros
hospedeiros. O estabelecimento e reativação de
infecções latentes, portanto, constituem-se em estratégias dos herpesvírus para escapar do sistema
imunológico e garantir a sua perpetuação no hospedeiro e na população. Infecções latentes ocorrem
com os herpesvírus bovino tipos 1 e 5 (BoHV-1 e 5),
herpesvírus suíno (doença de Aujeszky), herpesvírus
felino tipo 1 (FHV-1), herpesvírus equino tipos 1 e
4 (EHV-1 e 4), entre outros.
Capítulo 9
5.2 Variações antigênicas
Alterações na sequência de aminoácidos
de determinantes antigênicos em proteínas de
superfície dos vírions permitem o escape da neutralização por anticorpos e são uma estratégia
muito utilizada pelos vírus, principalmente os
vírus com material genético constituído por RNA.
Essas alterações surgem como resultado dos erros
cometidos pela enzima RNA polimerase viral
durante a replicação do genoma. Como consequência, aminoácidos diferentes são frequentemente
incorporados durante a síntese das proteínas virais,
alterando a sua sequência e estrutura, podendo
resultar no não-reconhecimento pelos anticorpos
produzidos contra os epitopos originais. Vírions
com alterações antigênicas podem, assim, escapar
da resposta imune existente naquele momento
no hospedeiro, principalmente da imunidade
humoral, e infectar novas células. A presença
desses novos determinantes antigênicos elicitará a
síntese de anticorpos com uma nova especificidade.
Porém, novas variações poderão ser posteriormente produzidas e novamente alguns variantes
podem escapar da neutralização. Essas variações
antigênicas discretas, geralmente associadas com
a acumulação de mutações em ponto, são denominadas genericamente de antigenic drift e têm sido
bem caracterizadas nos vírus da influenza, embora
ocorram também em outros vírus. Alterações antigênicas mais drásticas ocorrem quando os vírus da
influenza trocam entre si os genes que codificam
as proteínas do envelope (HA e NA), resultando
em vírus antigenicamente muito diferentes dos
parentais. Esse mecanismo é denominado antigenic shift e tem sido implicados no surgimento de
vírus de maior patogenicidade, responsáveis por
epidemias de grandes proporções.
5.3 Indução de tolerância
Em condições normais, o sistema imunológico possui tolerância, ou seja, não reage contra os
antígenos do próprio organismo. Ocasionalmente,
o sistema imunológico pode se tornar tolerante
23
Resposta imunológica contra vírus
também a antígenos estranhos, contra os quais
deveria produzir uma resposta. Um exemplo é o
que ocorre quando fetos bovinos são infectados
por cepas não-citopáticas do vírus da diarreia
viral bovina (BVDV) entre os 40 e 120 dias de
gestação. Nessa fase, o sistema imunológico
do feto ainda está imaturo e não reconhece os
antígenos virais como estranhos. Com isso, não
ocorre a estimulação e proliferação de linfócitos
B e T e, como consequência, o feto fica incapaz
de montar uma resposta contra o vírus. Os fetos imunotolerantes nascem persistentemente
infectados (PI) pelo BVDV e excretam o vírus
continuamente em secreções e excreções. Os
animais PI se constituem no ponto-chave da epidemiologia do BVDV, pois são fontes contínuas
de vírus para os outros animais. Essa condição só
é possível pela tolerância do sistema imunológico
aos antígenos virais.
5.4 Integração do material genético viral no
genoma do hospedeiro
Os vírus da família Retroviridae podem persistir no hospedeiro durante toda a sua vida,
mesmo na presença da resposta imune. O mecanismo de persistência resulta de dois aspectos da
biologia desses vírus: a) possuem a capacidade de
inserir cópias do seu genoma nos cromossomos
das células hospedeiras e b) possuem a enzima
denominada transcriptase reversa, responsável
pela transcrição reversa do genoma (RNA para
DNA), mas que não corrige os seus próprios
erros. Com isso, a cada ciclo são produzidas
populações de vírus compostas por indivíduos com pequenas diferenças genéticas entre si
(quasiespecies). A inserção do material genético
viral garante que a infecção seja permanente, e
as alterações antigênicas que resultam de cada
ciclo de replicação viral asseguram que alguns
vírions produzidos possam escapar da resposta
imune para infectar novas células. Dentre as
infecções por retrovírus animais, destacam-se a
anemia infecciosa equina e a imunodeficiência
felina, entre outras.
5.5 Infecção de sítios imunologicamente
privilegiados
Os tecidos e órgãos aos quais os componentes
do sistema imunológico não possuem acesso imediato e irrestrito são denominados genericamente
sítios de privilégio. Os neurônios do SNC, por
exemplo, não expressam de forma constitutiva as
moléculas do MHC-I, o que dificulta o reconhecimento da infecção celular e a ação dos linfócitos Tc.
Consequentemente, os vírus que infectam neurônios
são privilegiados, pois as células hospedeiras não
denunciam a sua presença. Por outro lado, a falta
de expressão de moléculas do MHC-I pode ser
considerada um mecanismo de proteção, evitando
a destruição de células tão importantes. Da mesma
forma, a barreira hematoencefálica restringe o
acesso de algumas células imunológicas ao SNC.
São também considerados sítios de privilégio as
células da epiderme (onde ocorrem infecções pelos
vírus da papilomatose), as células germinativas
das gônadas (onde pode ocorrer a infecção pelo
vírus da síndrome reprodutiva e respiratória dos
suínos, PRRSV), retina, células dos túbulos renais
(utilizadas pelos hantavírus e arenavírus) e tecidos
fetais (diversos vírus).
5.6 Interferência com funções do sistema
imunológico
Os estudos sobre as relações vírus-célula e
sobre a biologia dos vírus permitiram elucidar
vários mecanismos utilizados pelos vírus para
subverter o sistema imunológico, por meio da
interferência com a função das células e moléculas
imunológicas. Essa interferência frequentemente
leva a deficiências na resposta imunológica, consequências denominadas genericamente de imunossupressão. Cada vírus utiliza uma estratégia
específica, dependendo da sua biologia, o que
torna impraticável enumerá-las aqui. No entanto,
como mecanismos gerais, citam-se: a) destruição,
inibição ou indução da maturação das DCs, o
que altera o padrão de secreção de citocinas e de
expressão de receptores nas DCs, resultando em
24
prejuízo nas suas relações com as demais células
do sistema imunológico, principalmente os linfócitos T; b) destruição ou alteração das funções dos
linfócitos T; c) interferência com a apresentação
de antígenos, inibindo a ação das proteínas TAP1 e TAP-2 e inibição da formação do complexo
peptídeo-MHC-I no retículo endoplasmático (RE);
d) produção de proteínas que inibem a função das
citocinas; e) produção de proteínas que protegem
a célula infectada da ação do IFN-I e do TNF-a; e
f) infecção dos linfócitos B, induzindo alteração
na secreção de imunoglobulinas.
6 Considerações finais
É inquestionável o avanço no entendimento
dos mecanismos imunológicos estimulados durante
as infecções víricas. Os imunologistas aprendem
imunologia com os vírus, cujas interações com o
sistema imunológico são repletas de estratégias para
driblar ou conviver com os mecanismos imunológicos e, assim, perpetuarem-se nas espécies animais.
Observando a trajetória desses micro-organismos e
de suas complexas interações celulares e moleculares, percebe-se o quanto ainda há para descobrir em
relação aos mecanismos imunológicos protetores.
Tanto é verdade que o surgimento do HIV renovou
o interesse dos pesquisadores pela imunologia. A
partir de então, o descobrimento de novas infecções
e o desafio de vencer velhos conhecidos fez da
imunologia uma das áreas do conhecimento que
mais rapidamente acumula informações.
Paralelamente aos avanços no conhecimento
das interações dos vírus com o sistema imunológico – e dos mecanismos utilizados por esses
agentes para se perpetuarem no hospedeiro –,
surgem importantes linhas de pesquisa na área
de desenvolvimento de vacinas. Um dos maiores
avanços dos últimos anos foi a elucidação do papel
central das DCs na resposta às infecções virais.
Essas células se constituem no principal elo entre
mecanismos imunológicos naturais e específicos.
Juntamente com a descoberta da importância das
DCs e suas subpopulações, e da existência agora
inequívoca de memória imunológica nas células
Capítulo 9
NK, novos questionamentos direcionam as investigações futuras que deverão elucidar de forma
mais apurada as fases iniciais da infecção viral,
as subpopulações celulares e suas características
moleculares e seus produtos de secreção. Além
disso, desvendar os mecanismos envolvidos no
processo de “cross-primmig” poderia revolucionar a vacinologia e maximizar a resposta imune,
buscando uma imunização efetiva contra a maioria
dos agentes virais.
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