Intervenção por Ocasião do Lançamento do Livro “O potencial do mar português: uma análise estratégica” Exmo. Sr. Tenente-General Xavier Matias, Diretor do Instituto de Estudos Superiores Militares Sr. Professor Pedro Borges Graça Exmos. Senhores Almirantes Exmos. Senhores Oficiais Generais Subdiretores do IESM Senhores Oficiais / Caros Camaradas Senhores Convidados Minhas senhoras e meus senhores. Gostaria de começar por agradecer a disponibilidade da Direção do IESM para proceder à publicação do livro que hoje é dado à estampa, bem como o permanente apoio ao longo de todo este processo. Neste particular, merece uma referência especial o entusiasmo e a vontade de bem-fazer colocados pelo Centro de Investigação em Segurança e Defesa do IESM no desenvolvimento deste projeto, pois sem o seu apoio não teria sido possível estarmos aqui hoje. A edição de livros resultantes da investigação desenvolvida por investigadores do CISDI é um dos objetivos do IESM, pelo que a publicação do presente livro, no âmbito da Coleção ARES, constitui um contributo para a divulgação do conhecimento no mundo académico. No decurso do caminho que conduziu ao lançamento deste livro foi fundamental o apoio e incentivo do Professor Pedro Borges Graça, orientador da minha dissertação de mestrado e da tese de doutoramento que me encontro neste momento a desenvolver, que com a sua perseverança em passar sempre das vãs palavras aos atos concretos, me lançou o desafio que hoje chega a bom porto. Neste momento, é também da mais elementar justiça reconhecer publicamente a permanente disponibilidade e apoio da Estrutura de Missão para a Extensão da Plataforma Continental. Sem a sua cooperação, traduzida no esclarecimento de assuntos essenciais e na cedência de dados, não teria sido possível realizar este trabalho com o rigor necessário. Gostaria ainda de deixar uma palavra de agradecimento à Editora Fronteira do Caos, pela sua permanente disponibilidade para corresponder às diversas solicitações que lhe foram sendo efetuadas durante a edição do livro. 1 Este livro tem por base a dissertação desenvolvida no âmbito do Mestrado em Estratégia efetuado no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas. Constitui-se ainda como um dos resultados da investigação realizada no âmbito do projeto de investigação “A Extensão da Plataforma Continental Portuguesa: Implicações Estratégicas para a Tomada de Decisão”, projeto financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia e que resulta de uma parceria entre o Centro de Administração e Políticas Públicas do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, a Marinha Portuguesa e a ESRI Portugal. Naturalmente que a minha condição de Oficial de Marinha não é indiferente à motivação que conduziu à realização desta investigação, mas ela resulta, sobretudo, de uma profunda convicção acerca da importância do mar no futuro de Portugal, enquanto fator de desenvolvimento económico e social do país. A geopolítica ensina-nos a olhar para a geografia e a procurar identificar de que forma esta poderá influenciar as relações de Poder que se estabelecem numa determinada região. A natureza arquipelágica de algumas parcelas do território nacional e a localização geográfica do território continental, situado na extremidade sudoeste da Península Ibérica, fazendo fronteira a norte e a leste com a Espanha, único vizinho terrestre e com uma dimensão territorial cerca de cinco vezes superior, e a sul e a oeste com o Atlântico, um vasto oceano sobre o qual se encontra debruçado, torna a presença do mar incontornável na história de Portugal, e dá sentido à afirmação que a relação secular de Portugal com o mar é uma contingência geográfica. Este posicionamento confere-lhe uma situação periférica em relação ao espaço europeu mas, simultaneamente, uma posição de centralidade, se considerado o espaço euroatlântico. A geografia moldou o passado, condiciona o presente e certamente influenciará o futuro do país. No passado, o mar foi o meio que permitiu a afirmação internacional do país, assumindo-se como a via por onde circularam, em diferentes períodos, as especiarias provenientes do Oriente, o ouro do Brasil e as matérias-primas de África, riquezas que se revelaram fundamentais para o desenvolvimento de um país de escassos recursos, como é o caso de Portugal. Com o fim do império, Portugal encerrou um ciclo estratégico que havia iniciado no reinado de D. Dinis, através do desenvolvimento da marinha e do comércio marítimo. O mar, que até esse momento se havia constituído como um elemento de coesão nacional, foi relegado para segundo plano nas opões estratégicas portuguesas. 2 Para este afastamento muito terá contribuído o facto de o mar ter sido um elemento de propaganda do Estado Novo, pelo que a necessidade de estabelecer uma rutura com o sistema político até então vigente, ditou o seu afastamento do pensamento estratégico nacional. Por outro lado, o processo de descolonização determinou o fim de mercados protegidos, nas antigas colónias, para atividades tão importantes para a economia do mar quanto o transporte marítimo e os serviços associados, daqui resultando uma diminuição do peso deste setor da economia no conjunto da economia nacional. Em 1986, a adesão à então Comunidade Económica Europeia, hoje União Europeia, veio acentuar a alteração dos interesses geopolíticos e geoestratégicos nacionais, tendo a Europa substituído o Atlântico como polo de atração das políticas portuguesas. Esta deriva estratégica assume contornos que contrariam tudo o que o passado de Portugal, e a natureza eminentemente marítima e atlântica, aconselham. O caráter marítimo do país encontra-se refletido nas teorias desenvolvidas por alguns dos principais teorizadores geopolíticos clássicos e contemporâneos, que sistematicamente o posicionam no rol de Estados pertencentes ao mundo marítimo. De facto, Halford Mackinder, na sua primeira teoria, desenvolvida em 1904 e intitulada “The Geographical Pivot of History”, localiza Portugal no denominado “Crescente Interior”, região que era parte continental e parte oceânica, e que compreendia o Norte de África, o Médio Oriente, a orla marítima asiática e toda a Europa até ao Volga, excetuando as ilhas britânicas que pertenciam ao “Crescente Exterior”. Esta região desenvolvia-se em torno da “Área Pivô”, que correspondia grosso modo à Rússia, potência continental considerada o eixo de uma grande zona geradora de Poder, com caraterísticas que a poderiam conduzir à liderança do mundo. A única forma de conter a potência continental passava pela concertação de esforços entre o “Crescente Interior” e o “Crescente Exterior”, que se devia concretizar no quadro de uma aliança entre estes dois espaços. Deste modo, de acordo com o preconizado por Mackinder, Portugal encontrava-se inserido numa região que deveria privilegiar o seu relacionamento com o mundo marítimo, de modo a salvaguardar devidamente os interesses próprios. Posteriormente, em 1919, na obra “Democratic Ideals and Reality”, Mackinder posicionou o país na região das “European Coastlands”, enquanto no artigo “The Round World and the Winning of the Peace”, publicado, em 1943, na revista Foreign Affairs, localizou Portugal na bacia do “Midland Ocean”, que compreende os Estados ribeirinhos do Atlântico Norte. 3 Por sua vez, Nicholas Spykman incluiu Portugal no “Rimland”, que corresponde com poucas alterações ao “Crescente Interior” de Mackinder, enquanto Saul Cohen, que divide o mundo em regiões geoestratégicas e as subdivide em regiões geopolíticas, coloca Portugal na região geoestratégica do “Mundo Marítimo Dependente do Comércio” e na região geopolítica “Europa Marítima e Magrebe”. Pertencendo todas estas regiões ao mundo marítimo, as teorias desenvolvidas por estes geopolíticos vêm conferir sustentabilidade ao argumento daqueles que defendem que Portugal é uma nação marítima e que, como tal, predestinam ao mar um papel fundamental no desenvolvimento do país. Se no passado o mar foi um ativo estratégico essencialmente por se constituir como uma via facilitadora das trocas comerciais e culturais, na atualidade pode tornar-se numa fonte de recursos de primeira grandeza, fruto do progresso em diversas áreas do conhecimento e do desenvolvimento tecnológico entretanto verificado, que torna possível a sua exploração a profundidades cada vez maiores. Este facto não será alheio ao novo ciclo de aproximação ao mar que se verifica em Portugal, podendo-se considerar que o marco que estabelece o início da inflexão no caminho até então seguido foi a ratificação, em 1997, da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, bem como a realização, no ano seguinte, da Expo 98, cujo tema central foi “Os oceanos: um património para o futuro”. Seguiu-se a constituição da Comissão Estratégica dos Oceanos, a criação da Estrutura de Missão para os Assuntos do Mar e o estabelecimento da Estrutura de Missão para a Extensão da Plataforma Continental, projeto crucial e decisivo para o regresso de Portugal ao mar. Foi ainda instituída uma Estratégia Nacional para o Mar, instrumento fundamental para que o mar seja percecionado como um ativo económico, estratégico e político. Como contributos da sociedade civil para tornar o mar num desígnio nacional podemos apontar, entre outros, o estudo do saudoso professor Ernâni Lopes sobre o hypercluster da economia do mar, a criação da Associação Oceano XXI e o surgimento do Fórum Empresarial da Economia do Mar. Porém, neste retorno ao mar, Portugal não está sozinho e terá de enfrentar a concorrência de outros Estados. Subjacente a este movimento está o progressivo esgotamento dos recursos naturais em terra, e o acentuado desenvolvimento científico e tecnológico, que torna possível o acesso a recursos minerais, energéticos e biogenéticos marinhos, que até recentemente se encontravam inacessíveis. 4 Esta questão torna-se ainda mais relevante se for tido em consideração que, independentemente do que sabemos e aproveitamos do mar na atualidade, apenas se conhece uma ínfima parte dos seus recursos. Por outro lado, o valor dos oceanos não pode ser visto apenas na perspetiva dos seus usos atuais, mas entrando em consideração com óticas de utilização futuras, que irão sendo identificadas e esclarecidas à medida que a investigação sobre o mar for sendo aprofundada. Conforme refere o Almirante Silva Ribeiro, a coberto de uma retórica igualitária, que procuram fundamentar em princípios do Direito Internacional Marítimo, os Estados mais poderosos tentam impedir que se concretizem mais restrições à liberdade dos mares e à exploração dos seus recursos naturais. Como dispõem de superioridade científica, tecnológica e financeira, apenas os países mais desenvolvidos têm capacidade de exploração efetiva dos recursos marinhos, pelo que é do seu interesse que se mantenha um regime aberto de acesso ao mar e que não se estabeleçam novas fronteiras marítimas. Está-se a assistir, no mar, ao sucedido em África no século XIX, o que se constitui como um motivo de reflexão para Portugal, caso se deseje evitar perdas de soberania idênticas às ocorridas na sequência da Conferência de Berlim. Nos momentos áureos da sua história, Portugal voltou-se para o mar, o seu maior e mais duradouro ativo estratégico, conseguindo obter através dele os recursos indispensáveis à sua subsistência enquanto nação soberana. Nessa época, o país teve a capacidade de associar a técnica ao conhecimento e a arte de articular os objetivos, os meios e os métodos, de modo a alcançar os fins teleológicos e estratégicos do Estado. Num mundo em acelerada mudança política, económica, cultural e social, a atual conjuntura adversa que o país enfrenta leva a que se questione o modelo de desenvolvimento até agora seguido. Nestas circunstâncias, importa ter a ousadia de pensar o futuro, refletindo sobre o posicionamento estratégico de Portugal neste mundo em transformação, e sobre vias alternativas de desenvolvimento sustentado do país, cientes que neste processo, o mar terá certamente uma função importante a desempenhar. Contudo, neste regresso ao mar não é expetável que se verifiquem resultados imediatos ou de curto prazo. Estamos perante um processo longo, sendo necessário continuar a trilhar o caminho que ainda falta percorrer com determinação e perseverança. Para que se consigam resultados palpáveis a médio e a longo prazo, é fundamental criar um consenso político favorável e mobilizar a sociedade civil, 5 esperando-se que este livro se constitua como um modesto contributo para este desígnio. Tornar o mar num fator de desenvolvimento do país, exige conhecimento científico e tecnológico, recursos financeiros, visão e sentido estratégico. Deste modo é necessário atuar ao nível da capacidade para conhecer e da aquisição de competências para explorar, de forma sustentada, o mar português, de modo a que não nos tornemos em meros usufrutuários de um espaço que é nosso. Importa ainda atuar ao nível da capacidade para proteger o imenso oceano sob jurisdição ou soberania portuguesa, pois, como sabemos, nas Relações Internacionais o vazio não existe, sendo o espaço ocupado sempre pelos mais capazes e pelos que veem mais longe. São estes os fatores que poderão ajudar a contrabalançar o reduzido peso económico e político de Portugal no mundo, assim haja vontade, arte e saber. A todos, muito obrigado pela V/ presença. Disse. 6