UFRJ PARA UMA DISTINÇÃO ENTRE RADICAL E PREFIXO: será não-composto um composto ou um derivado? Pâmella Alves Pereira Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de PósGraduação em Lingüística, Faculdade de Letras, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Lingüística. Orientador: Prof. Doutor Maria Carlota Amaral Paixão Rosa Rio de Janeiro Janeiro de 2006 PARA UMA DISTINÇÃO ENTRE RADICAL E PREFIXO: será não-composto um composto ou um derivado? Pâmella Alves Pereira Orientador: Prof. Doutor Maria Carlota Amaral Paixão Rosa Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Lingüística, Faculdade de Letras, da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Lingüística. Aprovada por: _________________________________________________ Presidente, Prof. Doutor Maria Carlota Amaral Paixão Rosa __________________________________________ Prof. Doutor Violeta Virgínia Rodrigues __________________________________________ Prof. Doutor Humberto Peixoto Menezes __________________________________________ Prof. Doutor Afrânio Gonçalves Barbosa __________________________________________ Prof. Doutor Myrian Azevedo de Freitas Rio de Janeiro Janeiro de 2006 Pereira, Pâmella Alves. Para uma distinção entre radical e prefixo: será não-composto um composto ou um derivado / Pâmella Alves Pereira. - Rio de Janeiro: UFRJ/ Programa de Pós-Graduação em Lingüística, 2006. xi, 80f.: il.; 31 cm. Orientador: Maria Carlota Amaral Paixão Rosa Dissertação (mestrado) – UFRJ/ Faculdade de Letras/ Programa de Pós-Graduação em Lingüística, 2006. Referências Bibliográficas: f78-80. . 1. Morfologia. 2. Estrutura interna da palavra. I. Rosa, Maria Carlota Amaral Paixão. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Programa de Pós-Graduação em Lingüística. III. Para uma distinção entre radical e prefixo: será não-composto um composto ou um derivado? RESUMO PARA UMA DISTINÇÃO ENTRE RADICAL E PREFIXO: será não-composto um composto ou um derivado? Pâmella Alves Pereira Orientador: Prof. Doutor Maria Carlota Amaral Paixão Rosa Resumo da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Lingüística, Faculdade de Letras, da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Lingüística. Este trabalho propõe uma distinção entre os processos morfológicos de derivação prefixal e composição, seguindo a proposta teórica de Matthews (1991) para a caracterização da estrutura interna do lexema. Para isso foram analisados os elementos mal, não e contra, em exemplos como MALFERIDO, NÃO-ALINHADO E CONTRAREVOLUÇÃO. Em princípio, a julgar apenas pelas definições encontráveis na literatura, distinguir ambos os processos não seria tarefa das mais difíceis. No entanto, entre gramáticos e lingüistas não há consenso em relação à distinção entre prefixação e composição, uma vez que elementos como não, mal e contra, quando em exemplos como os citados anteriormente, são considerados, por vezes, parte de formações derivadas, e outras vezes são tidos como parte de formações compostas. Os resultados da análise de formações com os elementos negativos mal, não e contra mostraram que argumentos de âmbitos fonológico e semântico não foram suficientes para distinguir composição e derivação prefixal. Em termos morfológicos, tais formas foram classificadas como radicais, e não prefixos. As palavras MALFERIDO, NÃO-ALINHADO e CONTRA-REVOLUÇÃO foram analisadas como formações compostas, e não como derivadas. Palavras-chave: radical; prefixo; composição; derivação Rio de Janeiro Janeiro de 2006 ABSTRACT FOR A DISTINCTION BETWEEN WORD AND PREFIX: Is não-composto a compound or a derived? Pâmella Alves Pereira Orientador: Prof. Doutor Maria Carlota Amaral Paixão Rosa Abstract da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-graduação em Lingüística, Faculdade de Letras, da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Lingüística. This work proposes a distinction between the morphological processes of prefixal derivation and compounding, following Matthews’ (1991) theoretical proposal for characterization of the internal structure of lexeme. For that, the elements mal, não and contra were analysed in examples as MALFERIDO, NÃO-ALINHADo and CONTRAREVOLUÇÃO. At first, judging just by definitions found in literature, distinguishing both processes would not be so difficult.However, among grammarians and linguists there is not consensus in relation to the distinction between prefixation and compounding, once that elements as não, mal and contra, when in examples as those above-mentioned, are considered, sometimes, part of derived formations, and other times they are considered part of compound formations. The result of the analysis of formations with the negative elements mal, não and contra has shown that phonological and semantical arguments were not enough to distinguish compounding and prefixal derivation. In morphological terms, those elements were classified as words, and not as prefixes. MALFERIDO, NÃO-ALINHADO and CONTRA-REVOLUÇÃO were analysed as compounds, and not as derived. Key-words: word; prefix; compounding; derivation Rio de Janeiro Janeiro de 2006 À minha família AGRADECIMENTOS - à professora Maria Carlota Rosa, orientadora deste trabalho, pelos conhecimentos e capacidade demonstrados. - aos professores Violeta Virgínia Rodrigues, Afrânio Gonçalves Barbosa, Humberto Peixoto Menezes e Myrian Azevedo de Freitas por terem aceito fazer parte da banca que julgou essa dissertação. - a todos os professores do Departamento de Lingüística pelos conhecimentos transmitidos. - à minha família, pelo apoio demonstrado em todos os sentidos para a conclusão da dissertação. SUMÁRIO CAPÍTULO 1 – APRESENTAÇÃO DO PROBLEMA 1.1 – Introdução 1.2 – A controvérsia da prefixação 1.2.1 – Prefixação como derivação 1.2.1.1 – Said Ali ([1931]1966) 1.2.1.2 – Rocha Lima (1957) 1.2.1.3 – E. Bechara (1966) 1.2.1.4 – Cunha & Cintra (2001) 1.2.1.5 – M. Basílio (1989) 1.2.2 – Prefixação nem sempre é derivação 1.2.2.1 – Eduardo Carlos Pereira ([1918]1940) 1.2.2.2 – A proposta de Mattoso Câmara Jr. (1976; 1977) 1.3 – Prefixação e Composição 1.4 – Prefixos e radicais 1.5 - Justificativa CAPÍTULO 2 –FUNDAMENTAÇÃO E METODOLOGIA 2.1 – Introdução 2.2 – A estrutura interna do lexema 2.3 – A noção de processo gramatical 2.3.1 – Composição 2.3.2 – Prefixação 2.4 – O corpus 2.5 – Metodologia CAPÍTULO 3 – ANÁLISE DE DADOS 3.1 – Introdução 3.2 – Análise fonológica 3.2.1 – O acento 3.2.1.1 – O acento primário e o acento secundário 3.3 – A interação entre palavra fonológica e palavra morfológica 3.4 – Análise morfológica e semântica 3.4.1 – mal 3.4.2 – não 3.4.3 – contra 3.5 – Considerações finais CONCLUSÃO APÊNDICE BIBLIOGRAFIA CAPÍTULO 1 APRESENTAÇÃO DO PROBLEMA 1.1 – Introdução Este trabalho retoma uma questão controversa no estudo da morfologia, no âmbito da estrutura e da formação de palavras: a distinção entre derivação prefixal e composição. Em outras palavras, busca-se aqui diferenciar formações prefixais de formações compostas, uma vez que ambas levam em conta, em última análise, a noção de um radical que é modificado, embora por processos morfológicos distintos. O objetivo deste trabalho é duplo, portanto: por um lado, compreender o uso dos termos radical e prefixo na morfologia baseada em lexemas; de outro caracterizar composição face à derivação nessa proposta teórica. Considera-se aqui a caracterização da estrutura interna de lexema conforme proposta de Matthews (1991). Matthews (1991: 82) caracteriza a composição como um processo de formação de um lexema a partir da reunião de dois ou mais lexemas simples, ao passo que a derivação, ou melhor, a formação de palavras (Matthews, 1991: 61), é caracterizada como um processo que forma lexemas mais complexos do que aqueles de que se formaram (Matthews, 1991: 37). Os dados para a discussão do tema neste trabalho são formas portuguesas com não, mal e contra, em exemplos como NÃO-SIMÉTRICO, MALCONTENTE Apresentação do problema e CONTRA- 10 EMBOSCADA. 1 As formações com não, mal e contra são apresentadas na literatura ora como compostos, ora como derivados por prefixo, como aponta Alves (1993: 383). Entre gramáticos e lingüistas da língua portuguesa não há consenso em relação à distinção entre prefixação e composição para parte dos dados aqui focalizados, uma vez que elementos como não, mal e contra, em exemplos como MALCONTENTE NÃO-SIMÉTRICO, e CONTRA-EMBOSCADA, são considerados, por vezes, parte de formações derivadas, e outras vezes são tidos como parte de formações compostas ____ e acrescenta-se aqui: sejam ou não classificados como prefixos. O trabalho encontra-se organizado como se segue: No próximo capítulo, encontra-se a fundamentação teórica, apresentando o modelo que será adotado neste estudo. Em seguida, uma apresentação dos processos gramaticais, em especial os processos de derivação prefixal e de composição. E, ainda neste capítulo, é feita a apresentação do corpus e a demonstração da metodologia utilizada. O capítulo 3 compreenderá a análise dos dados. Nessa parte, são levantadas discussões fonológicas, morfológicas e semânticas a partir das palavras que compõem o corpus. E, por fim, a conclusão a respeito do estudo, mostrando que argumentos de âmbitos fonológico e semântico não são suficientes para distinguir composição e derivação prefixal. Em termos morfológicos, tais formas são classificadas como radicais, e não como prefixos. Sendo assim, palavras em que entrem antepostas as formas mal, não e contra são analisadas como formações compostas, e não como derivadas. 1 os lexemas, conforme propõe Matthews (1991 : 26), são grafados com todas as letras em maiúsculas, diferindo-os de radicais e de morfemas. Apresentação do problema 11 1.2 – A controvérsia da prefixação no português Said Ali ([1931]1966: 249-64), Rocha Lima (1957: 179-217), Bechara (1966: 214-37), Cunha & Cintra (2001: 83-88) e Basílio (1989 : 26-35) classificam os prefixos como elementos formadores de unidades lexicais derivadas; Câmara Jr. (1977: 76/92) e Pereira ([1918]1940: 188), ao contrário, preferem incluir as formações prefixais no âmbito da composição. O Quadro 1 a seguir, resume as posições desses autores (ênfase acrescentada). Apresentação do problema 12 Apresentação do problema Bechara Rocha Lima Said Ali “Derivação consiste em formar palavras de outra “A composição consiste na criação de uma palavra primitiva por meio de afixos. Os afixos se dividem, nova composta por meio de duas ou mais outras em português, em prefixos (se vêm antes do radical) cuja significação depende das que encerram as suas ou sufixos (se vêm depois).” (1966 : 216) componentes.” (1966 : 215) “Composição é o processo pelo qual se cria uma palavra pela reunião de duas ou mais palavras de existência independente na Língua, de tal sorte que estas percam sua significação própria e passem a formar um todo com significação nova.” (1957 : 179) “Chama-se palavra composta a toda combinação de vocábulos que serve de nome especial para certo gênero de seres, ou com que se exprime algum conceito novo, diferenciando do sentido primitivo dos elementos componentes.” (1966 : 258) “A derivação (...) toma palavras existentes e lhes acrescenta certos elementos formativos com que adquirem sentido novo, referido contudo ao significado da palavra primitiva. Postos estes elementos no fim do vocábulo derivante (geralmente com a supressão prévia da terminação deste) chamamse sufixos, e o processo de formação toma o nome particular de derivação sufixal. Elementos formativos existem diferentes destes, que se colocam antes da palavra derivante, e se chamam prefixos; tal processo é o da derivação prefixal.” (1996 : 229) “Derivação é processo pelo qual de uma palavra se formam outras, por meio de agregação de certos elementos que lhe alteram o sentido – referido sempre, contudo, à significação da palavra primitiva. Tais elementos se chamam prefixos ou sufixos, segundo se coloquem antes ou depois de palavra derivante.” (1957 : 179) Definição de composição Definição de derivação Autores (Quadro 1) 13 Apresentação do problema 14 Basílio Cunha & Cintra Autores Definição de composição “O processo de derivação se caracteriza pela junção de um afixo (sufixo ou prefixo) a uma base para a formação de uma palavra. Assim, dizemos que uma palavra é derivada quando ela se constitui de uma base e um afixo. Por exemplo, as formas retratista (retrato + ista), livreiro (livro + eiro), (...) reler (re + ler) e predispor (pre + dispor) são formas derivadas: em todas verificamos a estruturação base + afixo, que se concretiza em base + sufixo (como em retratista) ou em prefixo + base ( como em reler).” (1989 : 26) “O processo de composição se caracteriza pela junção de uma base a outra para a formação de uma palavra. Assim, dizemos que uma base é composta sempre que esta apresenta duas bases. Por exemplo, palavras como guarda-chuva (guarda + chuva), luso-brasileiro (luso + brasileiro), sociolingüístico (sócio + lingüístico) e agricultura (agri + cultura) são compostas, isto é, formadas pela junção de duas bases, sejam estas formas presas – isto é, formas que dependem de outras para sua ocorrência, como agri- em agricultura – ou livres, como chuva, brasileiro, e assim por diante.” (1989 : 27) “A composição, já sabemos, consiste em formar uma nova palavra pela união de dois ou mais radicais. A “Denominam-se [palavras] derivadas as que se palavra composta representa sempre uma idéia única e formam de outras palavras da língua mediante o autônoma, muitas vezes dissociada das noções acréscimo ao seu radical de um prefixo ou um expressas pelos seus componentes. Assim, criadosufixo.” (2001 : 82) mudo é o nome de um móvel; mil-folhas, o de um doce (...)” (2001 : 105) Definição de derivação Apresentação do problema 15 Câmara Jr Pereira . “Composição: Formação de uma palavra pela reunião de outras, cuja significação se completa para formar uma significação nova. Os vocábulos que entram na composição podem apresentar-se numa forma variante daquela que figura como forma livre, por morfofonêmica (fruti- em vez de fruto em fruticultura), ou podem só aparecer na língua como formas presas em compostos (-fero em frutífero, agr- e –cola em agrícola). Deste último tipo são os prefixos, quando não coincidem com preposições na língua.” (1977 : 76) “Composição é o processo pelo qual se formam palavras novas com a união de dois ou mais elementos, como p. ex.: re + fazer, couve + flor, água + ardente = refazer, couve-flor, aguardente.” (1940 : 187) “Derivação, em geral, é o processo pelo qual de umas palavras se originam outras chamadas DERIVADAS. Em relação a estas chamam-se aquelas PRIMITIVAS. Há dois processos de derivação: 1º DERIVAÇÃO PRÓPRIA, 2º DERIVAÇÃO IMPRÓPRIA. A DERIVAÇÃO PRÓPRIA faz-se por meio de sufixos que, aglutinados ao tema das palavras primitivas, lhes modificam a significação, determinando-a, p. ex.: guerr + ear, guerr + eiro, guerr + ilha. (...) Chama-se DERIVAÇÃO IMPRÓPRIA a mudança que sofre uma palavra no sentido ou na categoria gramatical sem intervenção de sufixos. ” (1940 : 177-186) “Estruturação de um vocábulo, na base de outro, por meio de um morfema que não corresponde a um vocábulo e introduz no semantema uma idéia acessória que não muda a significação fundamental. Em português, os morfemas segmentais nestas condições são os que se pospõem ao semantema e entram pois na classe de sufixo. Os que se antepõem ao semantema, na classe de prefixo, salvo nos derivados parassintéticos, correspondem a preposições, portuguesas ou latinas, e alteram fundamentalmente a significação do semantema; são por isso incluídos de preferência no processo da composição, embora muitos gramáticos incluam sufixos e prefixos na derivação, que passa a ser sufixal e prefixal. (...)” (1977 : 92) Definição de composição Definição de derivação Autores As gramáticas de Said Ali ([1931]1966), Rocha Lima (1957), Bechara (1966) Cunha & Cintra (2001) e de Pereira ([1918]1940) fizeram parte do ensino descritivo do português durante todo o século XX. Elas são representativas das gramáticas escolares do português, as quais tratam a morfologia de maneira mais independente em relação à sintaxe. Na gramática de Said Ali, por exemplo, foi adicionada à segunda edição (1931) uma parte apenas tratando da formação de palavras. Na de Bechara (1966) há duas partes: “estudo das construções” e “estudo das formas”, em que esta constituiu a morfologia e aquela a sintaxe. Da mesma forma organiza-se a gramática de Rocha Lima (1957). Em ambas, a estrutura dos vocábulos e a formação de palavras são tópicos pertencentes à morfologia. Em Cunha & Cintra, no entanto, a morfologia e a sintaxe se fundem no que se denomina morfo-sintaxe, entretanto a estrutura e formação de palavras são estudadas num capítulo à parte. Pereira (1918]1940) apresenta uma divisão em lexicologia e sintaxe, esta responsável pelo “estudo das palavras combinadas para a expressão do pensamento” e aquela responsável pelo “estudo das palavras isoladas, consideradas em si.” Na lexicologia estão inseridos os estudos morfológicos, entre eles a etimologia, em que se tratam a derivação e a composição. Em Said Ali ([1931]1966), Rocha Lima (1957), Bechara (1966) e Cunha &. Cintra (2001), a prefixação é definida como um processo de derivação que consiste na formação de palavras pelo acréscimo de um prefixo. Ver Quadro 1. Nessas gramáticas, os prefixos são definidos como morfemas que se antepõem ao radical, atribuindo-lhe uma idéia acessória. Foi, ainda, apresentado o caráter independente dos prefixos, quando tais gramáticos afirmam que eles originam-se, em geral, de advérbios ou de preposições que têm ou tiveram vida autônoma na língua. Quanto ao processo de composição, percebeu-se uma uniformidade nos conceitos trazidos em tais gramáticas. Apresentação do problema 16 Todas consideram a composição a reunião de dois radicais em que é desfeito o significado de cada um para dar lugar a um novo significado, único e autônomo, à palavra composta. Pereira ([1918]1940), no entanto, apresenta uma proposta diferente das gramáticas citadas, ao trazer a prefixação entre os tipos de composição. Quanto aos lingüistas Basílio (1989) e Câmara Jr., é de grande importância para um estudo sobre a distinção entre radical e prefixo a apresentação das postulações desses autores a respeito de derivação prefixal e de composição, visto que são lingüistas respeitados e influentes nos estudos da língua. Como pode ser observado no Quadro 1, Basílio (1989) classifica as formações com prefixo como formações derivadas, consoante ao que Said Ali ([1931]1966), Rocha Lima (1957), Bechara (1966) e Cunha & Cintra (2001) apresentam, ao passo que Câmara Jr (1977), assim como o gramático Pereira ([1918]1940), prefere incluir as formações prefixais no âmbito da composição. Em virtude dessa divergência nos estudos da língua quanto à classificação da prefixação, é necessário, então, expor e comparar argumentos de âmbito lingüístico e gramatical defendidos por esses autores. Nesse sentido, no tópico a seguir, será feito um panorama do tratamento dado aos prefixos e ao processo de composição pela tradição gramatical do português e pelos lingüistas Basílio e Câmara Jr., tendo como foco principal a questão da controvérsia da prefixação. Logo após, o Quadro 2 apresenta uma síntese dessa revisão bibliográfica. 1.2.1 - Prefixação como derivação 1.2.1.1 – Sail Ali ([1931]1966) Apresentação do problema 17 Said Ali considera plausível, a princípio, a análise que exclui a prefixação do processo de derivação quando considera partículas usadas como vocábulos independentes na língua, mas, para o gramático, esse fato não sustenta a proposta ao se analisar elementos formativos do tipo dis-, re-, in-, pré-, ob- que não são usados como palavras isoladas, mas apenas atrelados a um radical, como em INFELIZ, PRÉ-VESTIBULAR, OBSTÁCULO. DISTENDER, REFAZER, Embora alguns desses elementos já tenham sido preposições ou advérbios no passado, este argumento torna-se inválido, a não ser que, nesse mesmo sentido, sejam também analisados alguns sufixos que, claramente, já foram usados como palavras independentes, como por exemplo o sufixo –mente. Em latim só se usaram dizeres como fera mente, bona mente (ou feramente, bonamente, pois se pronunciariam ligando as palavras), em que se combinava o substantivo com qualificativos adequados à sua significação. Desse uso, a palavra MENTE perdeu a significação e valor de substantivo e passou a funcionar como sufixo criador de advérbios, como RAPIDAMENTE, RECENTEMENTE, FEROZMENTE. Deste modo, desapareceria por completo o conceito de derivação. 1.2.1.2 – Rocha Lima (1957) O gramático, no capítulo sobre formação de palavras, apresenta os processos de derivação e composição, e inclui no primeiro a prefixação e a sufixação, no entanto o autor cita a seguinte postulação de Said Ali ([1931]1966): “Mas os prefixos são, na maior parte, preposições e advérbios, isto é, vocábulos de existência independente, combináveis com outras palavras, equivale isto a dizer que não está bem demarcada a fronteira entre a derivação prefixal e a composição” (Said Ali, 1966 : 229) Apresentação do problema 18 Em seguida, Rocha Lima apresenta autores que consideram a prefixação um tipo de composição e outros autores que preferem incluí-la entre as formações derivadas, tal como ele segue em sua gramática. 1.2.2.3 – Bechara (1966) Evanildo Bechara apresenta a prefixação como derivação, juntamente com a sufixação e menciona o fato de que, “Ao contrário dos sufixos, que assumem valor morfológico, os prefixos têm mais força significativa, podem aparecer como formas livres e não servem, como aqueles, para determinar uma nova classe de vocábulos.” (1966 : 206) De fato, como afirma o gramático, os prefixos assumem, num primeiro momento, a função de adicionar um significado à palavra, e não de determinar uma classe gramatical, como os sufixos. No entanto, há casos em que um morfema anteposto a uma base forma uma palavra que pode apresentar função diferente da categoria gramatical da palavra de base, como no exemplo apresentado por Alves (1993 : 390) “hoje, no Japão, quer dizer uma situação diferente daquele Japão pré-guerra, né?”. O substantivo GUERRA, ao receber o prefixo pré-, passa a adquirir uma função adjetiva, como pode ser visto na frase acima. Assim como ocorre em ANTIÁCIDO: ANTIÁCIDO (adjetivo) prefixo anti- + ÁCIDO (substantivo) Apresentação do problema 19 1.2.1.4 - Cunha & Cintra (2001) Cunha & Cintra (2001 : 84) a princípio afirmam que “a rigor, poderíamos até discernir as formações em que entram prefixos que são meras partículas, sem existência própria no idioma (como des- em desfazer, ou reem repor), daquelas de que participam elementos prefixais que costumam funcionar também como palavras independentes (assim: contra- em contradizer, entre- em entreabrir). No primeiro caso haveria DERIVAÇÃO; no segundo, seria justo falar-se em COMPOSIÇÃO." Em seguida, porém, eles preferem não fazer essa distinção e consideram toda e qualquer formação com prefixos um processo de derivação, e como justificativa para adotar essa posição ele afirma que "nem sempre é fácil estabelecer tal diferença" (2001 : 84). Tendo em vista que se trata de uma gramática escolar, entende-se que não é intenção de tais gramáticos resolver todas as questões da língua. 1.2.1.5 – Basílio (1989) Segundo Basílio (1989 : 26), o processo de derivação se caracteriza pela junção de um afixo (sufixo ou prefixo) a uma base para a formação de uma palavra. Assim, são formações compostas algo como reler (re + ler) e predispor (pre + dispor). Para a lingüista, a derivação prefixal se estrutura a partir de um prefixo + uma base. Essa base é, em geral, uma forma livre. Para Basílio (1989 : 29), a derivação envolve um afixo, que é um elemento estável, com função sintática ou semântica predeterminada. Segundo a autora, “os prefixos nunca mudam a classe da palavra a que se adicionam. (...) De fato, a prefixação é utilizada para a formação de palavras quando queremos, a partir do significado de uma palavra, formar outra semanticamente relacionada, que Apresentação do problema 20 apresente uma diferença semântica específica em relação à palavra-base.” (1989 : 9). Nesse sentido, Basílio apresenta exemplos como o prefixo pré-, que indica anterioridade ADOLESCÊNCIA, em PRÉ-FABRICADO, PRÉ-DISSEMINADO, PRÉ-VESTIBULAR, etc; o prefixo re-, que indica repetição em RELEMBRAR, RETOMAR, RECOMEÇAR. PRÉ- REFAZER, RELER, Em todos os casos, a palavra que se forma mantém uma relação semântica fixa com a palavra-base. A composição, por outro lado, envolve a junção de uma base a outra base, não havendo elementos fixos. Essas bases são elementos semânticos de existência independente no léxico que se juntam para formar apenas um elemento lexical. O significado de um composto é, freqüentemente, desligado do significado de seus componentes. Como exemplos, Basílio apresenta que “em compostos do tipo substantivo + substantivo, o primeiro substantivo funciona como núcleo da construção e o segundo como modificador ou especificador: sofácama, peixe-espada, couve-flor; em composições de substantivo + adjetivo, o núcleo é o substantivo e o modificador é o adjetivo, independente da ordem de ocorrência: obra-prima, livre-arbítrio, caixa-alta, belas-artes. Ainda, em composições verbo + substantivo, o substantivo tem função análoga à de objeto do verbo: guarda-roupa, mata-mosquito, porta-bandeira.” (1989 : 29,30) 1.2.2 - Prefixação nem sempre é derivação 1.2.2.1 – Pereira (([1918]1940) Segundo Pereira ([1918]1940) : 188), a composição é um processo de formação de palavras a partir de dois elementos. Estes podem ser: Apresentação do problema 21 1) um prefixo e uma palavra (prefixação) INQUIETO (in- + QUIETO) MALTRATAR (mal- + TRATAR) 2) duas palavras que conservam, cada uma, a grafia e a prosódia (justaposição) PASSATEMPO (PASSA + TEMPO) COUVE-FLOR (COUVE + FLOR) 3) duas palavras com a perda da autonomia prosódica (aglutinação) AGUARDENTE (ÁGUA + ARDENTE) FIDALGO (FILHO + de + ALGO) O prefixo é definido como o afixo que se antepõe ao tema para modificar sua significação. Segundo o gramático, como todo composto apresenta um elemento principal (o determinado) e um elemento acessório (o determinante), numa formação prefixal, o prefixo é o determinante, o qual acrescenta uma idéia acessória à palavra simples, e esta é o elemento determinado. Os prefixos, conforme Pereira ([1918]1940 : 188) classifica, podem ser: expletivos (quando não acrescentam significado ao tema, como em aem ALEVANTAR = LEVANTAR; ACURVAR = CURVAR) inexpletivos (quando acrescentam uma idéia acessória à palavra a que se agrega, como o prefixo re- em REFORMAR; in- em INVERDADE) separáveis (quando o prefixo pode também aparecer na língua de maneira independente, isto é, sem está compondo outra palavra, exemplos: COMPOR, CONTRADIZER, MALDIZER; com, contra e mal são partículas que se usam na frase sem ser em composição de palavras). Apresentação do problema 22 inseparáveis (quando o prefixo só aparece na composição de palavras, como por exemplo INVERDADE e CIRCUNDAR; os prefixos in- e circum- não aparecem isolados na frase). O autor afirma, ainda, que são compostos perfeitos aqueles formados por prefixação e por aglutinação, visto que, em ambos, “os elementos componentes se fundem não só na forma, mas também na idéia, para expressarem um conceito único, uma única imagem.” (1940 : 197) Observa-se, portanto, que todo composto apresenta um elemento determinante e outro determinado. Embora, segundo Pereira ([1918]1940), um prefixo seja sempre o elemento determinante de uma composição, há aqueles prefixos (prefixos expletivos) que não acrescentam significado algum ao tema. Este tipo de prefixo não é nem o elemento determinante, nem o elemento determinado na formação. 1.2.2.2 – A proposta de Câmara Jr. (1976; 1977) Para a criação de novas palavras, Câmara Jr. (1976 : 221) propõe dois mecanismos distintos: a composição e a derivação. Esta constitui um processo em que se formam palavras por acréscimo de sufixos, e aquela se caracteriza, basicamente, pela “associação significativa e formal de duas palavras, e daí resulta uma palavra nova, em que se combinam as significações das que a constituem.” A composição mais comum do ponto de vista formal, segundo o lingüista, é aquela em que dois nomes se combinam sem a perda de fonemas. Trata-se de uma justaposição em que há dois vocábulos fonológicos, isto é, cada elemento da formação mantém seu acento. São desse tipo de composição os exemplos: Apresentação do problema 23 OBRA-PRIMA MESTRE-ESCOLA BEIJA-FLOR (substantivo + adjetivo) (substantivo + substantivo) (verbo + substantivo) Câmara Jr. apresenta também, a respeito da composição, que a maior tendência na língua é para a formação de apenas um vocábulo fonológico, nesse sentido tem-se a união de duas palavras com a perda de fonemas, ou seja, a aglutinação. Como exemplo, o lingüista apresenta: PLANALTO AGUARDENTE (plano + alto) (água + ardente) O lingüista propõe, entretanto, que o genuíno mecanismo da composição em português é a prefixação. O prefixo é definido por Câmara Jr. como “o afixo que vem na parte inicial do vocábulo” (1977 : 315) e é a variante presa das preposições. O lingüista considera três casos para a identificação dos prefixos: 1º) quando o prefixo é acrescentado a um radical que é uma forma livre. Exemplo: PREDIZER. 2º) quando o prefixo é acrescentado a um radical que é uma forma livre numa estrutura variante. Exemplo: PERMITIR, cf. METER. 3º) quando o prefixo é acrescentado a um radical que, embora seja apenas forma presa na língua, aparece com prefixos diferentes. Exemplo: COLISÃO, ELISÃO. Apresentação do problema 24 Câmara Jr. sustenta a proposta da inclusão das formações com prefixos entre os processos de composição com dois argumentos. Um diz respeito ao fato dos prefixos serem variantes presas das preposições. As preposições sofreram grande redução do latim vulgar, logo no português, com isso a diferença que havia entre prefixos e preposições passou a ser menos visível. Muitas preposições desaparecem e passaram a funcionar como prefixos. O outro argumento refere-se à alteração da significação do semantema. “O prefixo, como partícula adverbial em essência, modifica a significação primitiva, nela introduzindo a sua significação adverbial” (1976 : 227). A derivação, ao contrário, segundo o lingüista, se estrutura por meio de um afixo (sufixo) que apenas introduz no semantema uma idéia acessória que não muda a significação fundamental. Assim, segundo Câmara Jr., o sistema de prefixação em português pode ser dividido em três grupos de partículas: 1º - as que também funcionam como preposições, 2º - as que são variantes (em forma erudita) das preposições, 3º - as que são exclusivamente prefixos. Após esse panorama do tratamento dado aos prefixos e ao processo de composição pela tradição gramatical e pelos lingüistas Basílio e Câmara Jr., o quadro 2, a seguir, apresenta uma síntese dessa revisão bibliográfica. Apresentação do problema 25 JUSTIFICATIVA Segundo o gramático, a prefixação deve ser considerada um processo de derivação pelo fato de elementos formativos como dis-, re-, in-, pré- não serem formas livres na língua, portanto, não há como classificar formações como díspar, refazer, infeliz, pretônico como compostos. Além disso, o gramático rebate o argumento de que estas formas já foram preposições ou advérbios no passando, apresentando o fato de que elementos claramente identificados como sufixos, como –mente por exemplo, já foram usados como forma livre na língua. O autor cita que muitos autores consideram a prefixação caso de composição, mas que existem outros que a incluem entre os processos normais de derivação. O gramático apenas afirma, então, adotar o critério da prefixação como tipo de derivação. Bechara apresenta que os prefixos assumem um valor significativo que empresta ao radical um novo sentido, patenteando, assim, a sua natureza de elemento mórfico de significação externa subsidiária. O autor menciona que, por este motivo, algumas gramáticas antigas e autores modernos classificam a prefixação como um tipo de composição, mas ele não adota essa análise. INTERPRETAÇÃO DA PREFIXAÇÃO Prefixação como derivação Prefixação como derivação Prefixação como derivação AUTOR Sail Ali ([1931]1966) Rocha Lima (1957) Bechara (1966) (Quadro 2) Apresentação do problema 26 Apresentação do problema 27 Prefixação como derivação Prefixação como derivação Cunha & Cintra (2001) Basílio (1989) INTERPRETAÇÃO DA PREFIXAÇÃO AUTOR Segundo Basílio, o processo de prefixação é um caso de derivação, visto que envolve uma estrutura que consiste em um afixo + uma base, sendo esse afixo um elemento estável e com função semântica determinada, como o prefixo pre- em pre-fabricado, que indica a idéia de anterioridade; e o prefixo re-, em reler, que indica a idéia de repetição. Para a lingüista, a derivação prefixal é diferente da composição, pois esta envolve a junção de duas bases e não há elementos fixos. O autor chega a considerar que contra-, em contradizer, e entre-, em entreabrir, possam fazer parte de uma composição, e não de uma derivação. Mas prefere não adotar essa análise por não ser fácil estabelecer a diferença entre um processo e outro. E afirma, ainda, que os prefixos, assim como os sufixos, formam novas palavras que conservam via de regra uma relação de sentido com o radical derivante. JUSTIFICATIVA Apresentação do problema 28 Prefixação como composição Prefixação como composição Pereira ([1918]1940) Câmara Jr. (1976; 1977) Segundo o gramático, a prefixação constitui um tipo de composição, na medida em que este processo é responsável pela formação de palavras a partir da união de dois ou mais elementos, sendo um determinante e o outro determinado. O prefixo é o determinante que acrescenta uma idéia acessória ao tema. A prefixação não se trata, portanto, de uma derivação, já que neste processo o afixo se junta ao tema para modificar a significação deste. Segundo o lingüista, o prefixo é a variante presa das preposições e cria uma nova significação externa para a palavra a que se adjunge. Não pode ser derivação, porque esta, segundo Câmara Jr., não muda a significação fundamental da palavra. JUSTIFICATIVA INTERPRETAÇÃO DA PREFIXAÇÃO AUTOR Pereira ([1918]1940) e Câmara Jr. (1976;1977) apresentam argumentos semelhantes e se prendem à questão semântica da prefixação (o prefixo modifica a significação da base a que se adjunge) que é parecida com a composição. Said Ali (1931]1966), Rocha Lima (1957), Bechara (1966) e Cunha & Cintra (2001) chegam a citar o argumento apresentado por outros autores como Pereira e Câmara Jr., mas, por fim, optam pela análise da prefixação como tipo de derivação e não apresentam, de fato, argumentos de base morfológica para justificar essa análise. Por outro lado, o critério apresentado por Basílio (1989) a respeito da caracterização do prefixo como elemento fixo na formação justifica bem a inclusão da prefixação entre os tipos de derivação. 1.3 – Prefixação e Composição Uma derivação prefixal constitui-se na formação de uma palavra por meio de um prefixo que se antepõe a um lexema (Matthews, 1991: 61) ou a uma palavra (Laroca, 1994:84) ou base (Bauer, 1983:216) ou radical (Cunha & Cintra, 2001:79) _______ e esta indefinição do elemento nuclear para a caracterização da formação já faz antever os problemas de classificação _____, acrescentando-lhe um significado acessório (vide Alves, 1992:101; Cunha & Cintra, 2001:80) (1) a. PRÉ-HISTÓRIA pré prefixo b. PRETÔNICA préprefixo HISTÓRIA lexema/palavra radical base TÔNICA lexema/palavra radical base Apresentação do problema 29 Em (1) acima, o prefixo pré- vem agregado aos lexemas ou palavras (ou às bases, ou aos radicais) HISTÓRIA e TÔNICA, respectivamente, atribuindo-lhes a idéia de anterioridade em relação ao ponto de referência neles levado em conta. Tanto num quanto noutro exemplo há a expansão do radical pelo prefixo. Uma composição, por sua vez, é a formação de uma palavra a partir da reunião de mais de um radical (Sapir, 1921: 71), ou palavra (Fabb, 1998: 66), ou base (Basílio, 1989:29), como ilustrado em (2), a seguir. (2) a. BEIJA-FLOR BEIJA + FLOR radical radical base base palavra palavra significado: Pequena e formosa ave americana, da família dos troquilídeos. (Ferreira, 1986) b. LIQUEFAZER liqüe- + FAZER radical preso base palavra radical base palavra significado: reduzir a líquido; derreter. (Ferreira, 1986) Em geral, tomando por base sua fonologia, os compostos são classificados em dois tipos, ilustrados em (2) acima. O item (2a) ilustra um composto formado pela justaposição de dois elementos que funcionam, cada um, de maneira independente na língua. São formas livres, segundo a definição de Bloomfield (1926: 27), que se juntaram para formar uma nova palavra, uma vez que BEIJA-FLOR é o nome popular de um pássaro. Em (2b), há um composto a partir da união de uma forma livre (fazer) e de Apresentação do problema 30 uma forma presa, liqüe-. Trata-se de um composto por aglutinação, que se caracteriza por juntar dois radicais com a perda de fonemas. Tendo em vista aspectos semânticos, como apresentam Cunha & Cintra (2001 : 106), um composto se estrutura a partir de um elemento determinado, que contém a idéia geral, e de um elemento determinante, que encerra a noção particular. Assim, MANGA-ROSA é um composto em que MANGA é o determinado e ROSA, o determinante. Fabb (1998 : 66) afirma que a composição ocorre por processos de caráter semântico, incluindo a metonímia, como em REDHEAD, que significa uma pessoa que tem cabelo vermelho. Ainda segundo este autor, há muitas possibilidades de relações semânticas entre as partes de um composto, assim como há entre as partes de uma sentença, mas diferentemente de uma sentença, em um composto, as relações de caso, preposições e posições estruturais não são válidas para esclarecer a relação semântica. Justaposição e aglutinação, no entanto, ao focalizarem aspectos fonológicos, são termos que podem ser aplicados também às formações por prefixação. É o que faz Câmara Jr (1976:228). Segundo o lingüista, o prefixo pode-se estruturar, fonologicamente, como uma ou mais sílabas átonas no início do vocábulo (aglutinação), ou pode apresentar um acento secundário na estrutura do vocábulo (justaposição). A distinção entre composição e prefixação também não é tão simples mesmo que se lance mão de critérios semânticos. Considera-se que o radical contém o significado principal da palavra, e o prefixo acrescenta ao radical uma idéia acessória. Conforme destaca Basílio (1974 : 90), na análise de uma palavra nem sempre é simples distinguir o que é principal e o que é acessório. Em mesas, por exemplo, não há dúvida de que mesa contém o significado básico, enquanto -s apresenta um significado acessório. Já em cigarreira, equivalente a ‘caixa para cigarros’, o significado principal Apresentação do problema 31 estaria no sufixo, que levaria à idéia do continente, ou no radical, que remeteria ao conteúdo? Quando se está diante de elementos como in-, des- e a- em INFELIZ, DESLEAL e AMORAL, LEAL e parece evidente que tais elementos acrescentam a idéia de negação a MORAL FELIZ, e também que nestas palavras está a idéia principal. No tocante a in-, des- e a- , trata-se de formas átonas que funcionam na língua apenas quando conectadas a um radical, isto é, são prefixos. Por outro lado, não é muito claro se será o caso de se analisar a estrutura de uma palavra como CONTRA-REVOLUÇÃO como constituída de um ou de dois radicais. Não é muito claro se o elemento contra-, nesse exemplo, poderia ser um radical ou um prefixo. Há um acento em contra-, que permite a percepção de independência dos dois elementos na formação. 1.4 – Prefixos e radicais Nas formações DESNECESSÁRIO, ANORMAL, INFELIZ, os prefixos des-, a- e in- apresentam a idéia “não tem as características de”, significado este que nega a idéia expressa pelas bases adjetivas NECESSÁRIO, NORMAL e FELIZ, respectivamente. Os prefixos apresentam, portanto, um significado lexical, assim como o radical. Quando, então, um elemento deve ser classificado como radical e quando deve ser considerado prefixo? De acordo com a definição de Bloomfield (1926: 27) para forma livre e forma presa, os afixos encontram-se entre as formas presas que, diferentemente das formas livres, não funcionam como comunicação suficiente, isto é, funcionam apenas quando associados a outro elemento. O prefixo seria, portanto, um constituinte de Apresentação do problema 32 palavras. O radical, por sua vez, poderia ser uma forma livre indecomponível 2 , como FLOR (em 2a), ou não, como BEIJA (também em 2a), ou ainda uma forma presa, como liqüe- (em 2b). Os afixos, os prefixos dentre eles, são definidos, basicamente, em relação à sua posição face a um radical. A composição tem o caráter dúbio de ser caracterizada com o resultado da união de radicais, ou da união de prefixos e radicais. Falta definir radical/raiz/base. Câmara Jr. (1977: 205), ao definir radical como “a parte lexical de vocábulo, que se opõe à parte correspondente à flexão externa, a que se liga ou não pelo índice temático”, afirma que esta parte lexical pode ser primária, isto é, quando o vocábulo é primitivo, apresentando a raiz e mais a possibilidade de flexão, e também pode ser secundária, ou seja, quando o radical é expandido por afixos. O elemento préapresenta-se no exemplo (1b), aqui repetido por conveniência, (1) b. PRETÔNICA préprefixo TÔNICA lexema/palavra radical base como sílaba átona no início da palavra e é tido, sem dúvida, como um prefixo, ainda que em (1a) ele possua um acento secundário e seja justaposto ao radical/raiz/base histórico. 1.5 – Justificativa O tema deste trabalho justifica-se teoricamente porque retoma a questão da controvérsia da prefixação, focalizando a fronteira entre radical e prefixo, isto é, trata de 2 Indecomponível caso não se leve em conta a proposta de morfema zero. Apresentação do problema 33 noções que são fundamentais para o estudo do lexema. Os conceitos de radical e prefixo são básicos para se estabelecer a diferenciação de processos morfológicos e para a teoria lingüística é fundamental haver a distinção entre um processo e outro, na medida em que línguas vivas, como o português, aumentam seu vocabulário a partir de mecanismos gramaticais como derivação e composição, e estabelecer a diferença entre um mecanismo e outro é bastante relevante para o entendimento de cada um. Justifica-se o recorte imposto aos dados para este estudo: as formas selecionadas, não-, mal- e contra- têm todas, de algum modo, a idéia de negação. Apresentam-se como formas livres na língua e como constituintes de palavras. Tal fato encontra-se na base da questão central deste trabalho, isto é, a diferença entre radical e prefixo: as formas não, mal e contra ora são tidas como radicais, ora são analisadas como prefixos. Ao proceder a esse recorte, a discussão da teoria passa a ter de revisar análises prévias, propostas para o português. Metodologicamente, como este trabalho não está voltado para questões relacionadas com a produtividade ou com a freqüência de dados, foi possível recorrer apenas ao dicionário para a coleta do corpus. E, na medida em que se propõe tratar de questões a respeito da estrutura da palavra, acredita-se, numa perspectiva prática, que este estudo possa ser aplicado, por exemplo, no ensino de línguas. A questão abordada neste trabalho pode ser levada para a sala de aula, preferencialmente de nível médio ou superior, e avaliada pelos alunos, levando-os, a partir de suas próprias percepções, a estabelecer a definição e a distinção de processos morfológicos como derivação prefixal e composição. Apresentação do problema 34 CAPÍTULO 2 FUNDAMENTAÇÃO E METOLODOGIA 2.1 – Introdução Os objetivos deste capítulo são, primeiramente, expor a fundamentação teórica do trabalho, que está centrado na caracterização da estrutura interna do lexema, em acordo com Matthews (1991); em segundo lugar, tratar da prefixação e da composição como dois modos possíveis de formalizar a relação entre o que se considera um conceito básico e um conceito secundário do radical (Sapir, 1921:67), em outras palavras, focalizar a prefixação e a composição como modos pelos quais as gramáticas das línguas expressam as relações entre diferentes tipos de significados; em terceiro lugar, apresentar o corpus e justificá-lo; e, por fim, descrever a metodologia utilizada no desenvolvimento deste trabalho. 2.2 – A estrutura interna do lexema Estudar a diferença entre um composto e um derivado por prefixo pressupõe lidar com questões que dizem respeito à estrutura interna da palavra. Dentre as propostas de análise, aqui se toma a de Matthews (1974; 1991), porque foi ela a fonte Fundamentação e metodologia 35 das propostas de morfologia baseada em palavras que começaram a surgir na década de 1990, em contraposição à morfologia baseada em morfemas. Matthews (1991 : 24-36) propõe três noções diferentes para o termo palavra. A primeira (ou sentido 1, na s,ua exposição) está relacionada à idéia de uma palavra descrita “em termos de unidades fonológicas: sílabas e, em última análise, letras ou fonemas, considerados como seus primitivos ou elementos mínimos” (Mathews, 1991: 24). Nesse sentido, Matthews (1991: 30-31) substitui palavra por forma de palavra. Caso se considere a noção de palavra nesse primeiro sentido e as formas tenho e tinha, por exemplo, tem-se, então, duas formas de palavras, porque cada uma reúne conjuntos diferentes de fonemas; assim sendo, enquanto elemento caracterizado fonologicamente, nenhuma das duas é classificada como Verbo ou qualquer outra classe (Matthews 1991: 31) e tampouco tem significado. A noção de homonímia leva em conta a forma de palavra. Tenho e tinha são, no entanto, formas da mesma palavra TER. Esta noção abstrata de palavra, o sentido 2 de Matthews (1991: 26), ele a denomina lexema, grafado em caixa-alta, convenção proposta por Matthews e que vem sendo adotada na morfologia. Assim, as palavras amo, amas, ama, amamos são formas do lexema AMAR, como bicicleta e bicicletas são formas do lexema BICICLETA. E chega-se à terceira noção para o termo palavra na proposta de Matthews, para a qual ele reserva o termo palavra. Se forma de palavra analisa a unidade em termos de elementos mínimos fonológicos (ou ortográficos), palavra no terceiro sentido de Matthews leva em conta o nível gramatical, ou primeira articulação (Matthews, 1991: 29). Cada forma do lexema AMAR (amo, amas, ama, amamos etc) é uma forma de palavra distinta, mas também uma palavra gramatical distinta: diferem entre si em Número/ Pessoa, Tempo/ Modo. Fundamentação e metodologia 36 Bicicleta e bicicletas são, respectivamente, Singular e Plural de BICICLETA, que é um Nome. Por essa razão, embora reconheça três significados distintos para o termo palavra, Matthews (1991: 30) mantém a distinção terminológica para, de um lado, os sentidos 1 e 3 (a que se refere indistintamente, a não ser que seja necessário fazer a distinção, como palavra) e, de outro, o sentido 2, a que se refere como lexema. Em termos de sua estrutura, um lexema pode ser simples ou complexo. O lexema simples, conforme define Matthews (1991: 37), é aquele cuja estrutura não pode ser analisada em mais elementos morfológicos, como, por exemplo, o Adjetivo LEAL. O lexema é complexo na medida em que pode ser analisado em mais de um elemento morfológico, como DESLEAL, relacionado ao lexema simples LEAL. Por sua vez, DESLEAL é um lexema complexo que se relaciona a outro lexema, mais complexo, que é DESLEALDADE. simples Um composto, como por exemplo COUVE e o lexema simples FLOR. COUVE-FLOR, Por outro lado, compreende o lexema TERCEIRO-MUNDISTA relaciona-se a dois lexemas complexos. A composição e a formação de palavras por prefixos pertencem, portanto, segundo Matthews (1991: 37), respectivamente, a uma área da morfologia que diz respeito às relações entre um lexema complexo e dois ou mais lexemas simples ou mais simples; e à relação entre um lexema complexo e um lexema simples ou mais simples. Faz-se necessário, portanto, compreender essas relações, bem como o que se entende por lexema e como ele se estrutura. Matthews (1991: 63) analisa lexemas complexos como DIVERSION, derivados, respectivamente, de GENERATE e DIVERT, GENERATION ou como derivações em que há um elemento final –ion, que se liga a um radical. Em termos notacionais, tem-se (3.1) [X]V → [X + ‘[jən]]N Fundamentação e metodologia 37 A notação em (3.1) indica que Nomes em –ion derivados de verbos, representados pela variável X na regra, são formações potenciais em inglês. Por esse elemento fazer parte de uma formação lexical, ele é denominado formativo lexical. GENERATION deriva de GENERATE e é uma relação entre lexemas, visto que ambas as formas entram como palavras no dicionário. Por outro lado, Matthews diferencia esse processo daquele que ocorre entre as formas corajoso, corajosa, corajosos, corajosas, por exemplo. O Adjetivo CORAJOSO assume diferentes formas de palavra, na dependência de propriedades ou traços morfossintáticos específicos (Matthews, 1991: 40). (3.2) Feminino → X + [a] Singular X A No caso de corajosa, o elemento [a] determina o traço feminino, isto é, trata-se de um formativo flexional que se aplica ao radical /koRaʒozu/. Raiz, como define Mathews (1991: 64), “é a forma que subjaz, no mínimo, um paradigma ou um paradigma parcial, e é ela mesma morfologicamente simples”. Nesse sentido, a raiz coraj- está presente nas formas corajosa, corajosas, por exemplo, com o acréscimo do formativo lexical –oso e dos formativos flexionais -a e -s. Como foi dito, uma forma como corajoso está na base do paradigma do adjetivo corajoso, mas esta forma, por si só, não é simples, mas complexa, na medida em que podemos fragmentá-la em duas outras formas menores: coraj- e –oso. Trata-se, por esse motivo, não de uma raiz, mas de um radical. O radical é também uma forma Fundamentação e metodologia 38 que serve como base para um paradigma ou parte de um paradigma, mas, diferentemente da raiz, pode ser dividido em formas menores. Assim corajoso associase à raiz coraj-, que também pode ser um radical. E corajosamente associa-se ao radical corajoso. 2.3 – A noção de processo gramatical Os processos gramaticais determinam padrões formais que exprimem funções diversas na língua. São métodos formais presentes nas gramáticas das línguas e que, através dos quais, é possível ampliar e renovar seu léxico em função das palavras já existentes. Segundo Sapir (1921: 69), esses processos [a]grupam-se em seis tipos principais: ordem vocabular; composição; afixação, que abrange o uso de prefixos, sufixos e infixos; modificação interna do elemento radical ou gramatical em referência quer a uma vogal, quer a uma consoante; reduplicação; e diferenças de acentuação, sejam elas dinâmicas (intensidade), sejam tônicas (altura, também clamada ‘tom’ e entoação). Há ainda processos quantitativos especiais quais o alongamento ou a abreviação de vogais e a geminação de consoantes, mas que podem ser consideradas como subtipos especiais do processo de modificação interna. Também Anderson (1985) aborda os processos gramaticais. Voltado, porém, para a flexão, Anderson procura demonstrar que flexão e derivação não se distinguem em termos de processos gramaticais, e afirma que a “ [d]erivation cannot be separeted from inflection in terms of their formal realizaton, since none of the grammatical processes of prefixation, vowel change, etc. which appear in grammar are confined to one or the other domain” (1985: 162). Quando levanta os processos gramaticais relevantes para a morfologia flexional, Anderson apresenta os processos arrolados por Sapir, exceto ordem vocabular Fundamentação e metodologia 39 e composição. Interessa para Anderson, na verdade, distinguir as categorias gramaticais, tais como Número ou Tempo, e os processos que as realizam. Está em discussão nesse trabalho a distinção entre derivação prefixal e composição, isto é, a diferença entre dois métodos formais que várias línguas do mundo dispõem “para indicar a relação de um conceito secundário com o conceito básico do radical.” (Sapir, 1921:67). Nesse sentido, segue a descrição, primeiramente, da composição e então da prefixação como processos gramaticais. 2.3.1 – Composição A composição é definida por Sapir (1921: 71) como “a união em uma só palavra de dois ou mais elementos radicais”. O lingüista usa para exemplo de composição a formação em inglês TYPEWRITER (‘datilógrafo’), que apresenta um significado que difere tanto do vocábulo TYPE (‘tipo de impressão’), quanto do vocábulo WRITER (‘escritor’), que a compõem. Além disso, a unidade formada por esses dois elementos pode ser ainda confirmada pela presença de apenas um acento primário, na primeira sílaba, e por poder receber sufixos como o –s de plural (typewriter/ typewriters). Uma composição deste tipo no português é ilustrada com exemplos como SEGUNDA-FEIRA ou BEIJA-FLOR. Trata-se, no primeiro exemplo, do nome de um dia da semana, formado pelas palavras SEGUNDA e FEIRA. E, no segundo exemplo, do nome de um pássaro, formado pelos vocábulos BEIJA e FLOR. Nesses exemplos, também há apenas um acento primário na sílaba –fei- de SEGUNDA-FEIRA, e no termo flor de BEIJAFLOR, é importante ressaltar, porém, a presença de um acento secundário na sílaba –gun- de SEGUNDA-FEIRA e na sílaba bei- de BEIJA-FLOR. Fundamentação e metodologia 40 Sapir mostra ainda que a composição, um processo aparentemente simples, não é universal. O nutka, por exemplo, é incapaz de composição tal como ele define este processo. Nessa língua, uma palavra como “quando, segundo dizem, ele ficou ausente por quatro dias” (Sapir, 1921: 73) que se poderia imaginar que haveria de ter, pelo menos, três elementos radicais, relacionados, cada um, aos conceitos de “ausente”, “quatro” e “dia”, é formada apenas por um radical, acrescido de sufixos que apresentam “significação quase tão concreta quanto a do próprio radical” (Sapir, 1921: 73). Estes sufixos são assim classificados pelo fato de estarem agregados ao núcleo da palavra e de não funcionarem isoladamente na língua. Em última análise, este é o mesmo argumento que leva Margarida Basílio (1974) a deixar de lado o significado na distinção entre raiz e afixo. Isto porque a língua portuguesa apresenta, também, formações em que o afixo traz significado lexical tão concreto quanto ao do radical. Margarida Basílio (1974 : 90) apresenta como exemplo a palavra CIGARREIRA, estruturada a partir do radical (cigarr-) mais o sufixo –eira: tal sufixo carrega o significado principal da palavra, se a compreendermos como equivalente a “caixa para cigarros”. Existe, conforme Sapir (1921: 73), uma grande variedade de tipos de composição, que dependem da função, da natureza dos componentes e da sua ordem. A composição, em muitas línguas, apresenta o que o lingüista chama de função delimitadora (Sapir, 1921: 73), isto é, um elemento da formação recebe qualificação mais exata pelo contato com os outros elementos componentes; já em outras, a função é a de representar relações gramaticais, como sujeito e objeto (Sapir, 1921: 73). A variedade de tipos de composição depende, em segundo lugar, da natureza dos componentes de uma composição: nome com nome, verbo com verbo, nome com Fundamentação e metodologia 41 verbo, advérbio com verbo e assim por diante. Há certas línguas que admitem todos ou quase todos os tipos de elementos, e há outras línguas que não permitem determinadas composições. E, por último, a ordem da composição varia conforma a língua. Em inglês, por exemplo, o elemento que qualifica é sempre anteposto. Em outras línguas, no entanto, esse elemento é posposto. No português é possível apresentar composições de diferentes tipos. Cunha & Cintra (2001; 106-7) listam como os elementos da composição as seguintes classes gramaticais: 1. substantivo + substantivo: MANGA-ROSA PORCO-ESPINHO TAMANDUÁ-BANDEIRA 2. substantivo + preposição + substantivo: CHAPÉU-DE-SOL MÃE-D’ÁGUA PAI DE FAMÍLIA 3. substantivo + adjetivo: AMOR-PERFEITO (adjetivo posposto ao substantivo) BELAS-ARTES (adjetivo anteposto ao substantivo) 4. adjetivo + adjetivo: AZUL-MARINHO LUSO-BRASILEIRO TRAGICÔMICO 5. numeral + substantivo: MIL-FOLHAS SEGUNDA-FEIRA TRIGÊMEO Fundamentação e metodologia 42 6. pronome + substantivo: MEU-BEM NOSSA-AMIZADE NOSSO SENHOR 7. verbo + substantivo: BEIJA-FLOR GUARDA-ROUPA PASSATEMPO 8. verbo + verbo: CORRE-CORRE PERDE-GUANHA VAIVÉM 9. advérbio + adjetivo: BEM-BOM NÃO-EUCLIDIANA SEMPRE-VIVA 10. advérbio (ou adjetivo em função adverbial) + verbo: BEM-AVENTURAR MALDIZER VANGLORIAR-SE Segundo Cunha & Cintra acima, formações como ALINHADO MAL-HUMORADO e NÃO- estariam entre os compostos, visto que se trata da união de advérbio e adjetivo. Quanto à questão semântica de determinante (elemento que contém a noção particular) e determinado (elemento que contém a idéia geral) nos compostos, a língua portuguesa apresenta tanto casos em que o determinado está anteposto ao determinante, como por exemplo ESCOLA-MODELO (ESCOLA é o termo determinado e MODELO é o termo determinante), quanto o inverso, isto é, casos em que o determinado está posposto ao determinante, como em MÃE-PÁTRIA (MÃE é o termo determinante e PÁTRIA o determinado). Fundamentação e metodologia 43 2.3.2 – Prefixação A afixação é o processo mais freqüente nas línguas do mundo, mais freqüente que todos os outros em conjunto (Sapir, 1921: 74). Este processo gramatical caracterizase pela adição de algum afixo ao radical (Sapir, 1921: 74; Anderson, 1985 : 166). Esse elemento pode estar antes do radical, no meio ou depois dele, sendo denominado em acordo com a posição, respectivamente, prefixo, infixo ou sufixo. Os prefixos, porém, perdem para os sufixos: há línguas que usam apenas dos sufixos, excluindo por completo a prefixação. Em algumas línguas, segundo Sapir (1921: 75), prefixos e sufixos têm funções diferentes: cabe aos prefixos a função de expressar idéias que delimitam a significação concreta do radical; quanto aos sufixos, têm a função de relacionar o vocábulo ao restante da sentença. Para ilustrar, o lingüista apresenta uma forma latina como remittebantur, que significa “eram mandados de volta” (Sapir,1921 : 75): O prefixo re-, “de volta” apenas qualifica, até certo ponto, a significação inerente ao radical mitt-, “mandar”, ao passo que os sufixos –eba-, -nt- e –ur transmitem noções menos concretas, mais estritamente formais, de tempo, pessoa, pluralidade e passividade. Por outro lado, há línguas, como as do grupo banto da África e as línguas athabaskan da América do Norte, em que os elementos de sentido gramatical apresentam-se como prefixos, e não como sufixos. Estes, por outro lado, “constituem uma classe relativamente dispensável” (Sapir, 1921, : 75). O lingüista exemplifica um verbo hupa te-s-e-ya-te ‘irei’, em que os prefixos trazem informações que, ligadas ao radical, constituem a unidade do vocábulo, restando ao sufixo acrescentar uma informação que não é mais necessária ao equilíbrio formal da palavra. Fundamentação e metodologia 44 Essa oposição entre prefixo e sufixo não é constante. Sapir (1921 : 76) afirma que “na maioria das línguas que utilizam os dois tipos de afixação, cada grupo tem ambas as funções, a de delimitação e a de expressão formal ou relaciona.” No português, os prefixos modificam o sentido do radical a que se adjungem. Assim, a idéia transmitida pelo radical feliz é modificada pelo acréscimo do prefixo in(INFELIZ). Trata-se de um processo de criação de novos vocábulos, assim como a composição. E os prefixos não apresentam, no português, a função de relacionar o vocábulo ao restante da frase. Em outras palavras, não indicam as marcas flexionais. O que diferencia a composição da prefixação, portanto, é o fato de a primeira apresentar a união de elementos radicais, isto é, estabelecer a relação de um lexema complexo e dois ou mais lexemas simples ou mais simples, e de a segunda se estruturar a partir de um afixo mais um radical, ou seja, estabelecer a relação de um lexema complexo e um lexema simples ou mais simples. A forma derivada por prefixo estrutura-se, portanto, a partir de um formativo lexical (o prefixo) mais um lexema, sendo que este pode ser simples ou complexo. No português, no entanto, o afixo, isto é, o formativo lexical, pode se apresentar como forma presa ou como forma livre. Nesse sentido, para caracterizar o método formal em CONTRA-REVOLUÇÃO, MAL-AMADO e NÃO-ALINHADO é preciso determinar se as formas contra, mal e não podem ser classificadas como afixos ou são estritamente radicais. Como já foi mencionado anteriormente neste capítulo, Cunha & Cintra (2001) classificam formações com mal e não como compostos, visto que classificam tais formas como radicais. As formações com contra, no entanto, são tidas como prefixação (Cunha & Cintra, 2001: 85). Se o contra, além de ser uma palavra independente na Fundamentação e metodologia 45 língua, ocorre também, indubitavelmente, como radical em CONTRÁRIO, o que determina, então, a classificação do contra como prefixo, e de mal e não como radicais em tal gramática? 2.4 – O corpus Este trabalho centra-se na noção de negação para desenvolver o estudo dos conceitos de composição e de derivação por prefixação. Deixam-se de fora formações com des- ou in-, que nunca aparecem sozinhos como enunciado. Dentre os elementos para a negação em português o recorte que este trabalho faz focaliza apenas aqueles elementos que se apresentam na língua ora como formas livres, ora como constituintes de palavras. Nesse sentido, estão presentes no corpus deste estudo formações que entrem mal, não e contra, como MAL-AMADO, NÃO-ALINHADO e CONTRA-REVOLUÇÃO. J. Payne (1985), T. Payne (1997) e Aronoff & Fuhrhop (2002) apresentam que a negação na morfologia derivacional é representada a partir de elementos que carregam a idéia negativa de contrário, como em contraditório, como nos exemplos MAL-ARRUMADO, MAL-ENGRAÇADO e a idéia negativa de e NÃO-FICÇÃO. No exemplo MAL- ARRUMADO a idéia negativa de contrário está relacionada ao fato de que MAL- ARRUMADO é o contrário de arrumando, mas nem tudo que não está arrumado é MAL- ARRUMADO, visto que também existe algo como DESARRUMADO. Já a idéia negativa de contraditório está presente numa relação de exclusão entre dois termos, como ocorre entre FICÇÃO MAL-ENGRAÇADO e ENGRAÇADO ou entre NÃO- e FICÇÃO. Como ressalta Payne (1985: I, 241), Fundamentação e metodologia 46 One important distinction is that negative derivational morphemes can create either contradictory or contrary terms; contradictory terms are mutually exclusive, like smoker and non-smoker, whereas contrary terms represent opposite poles along a given dimension and leave room for other possiblities in the area between them, as for instance with intelligent and unintelligent. É importante ressaltar que as formas mal, não e contra em exemplos como MAL-AMADO, NÃO-ALINHADO e CONTRA-REVOLUÇÃO, não ocorrem em número considerável em jornais e revistas para estabelecer o estudo proposto. Por essa razão, o corpus foi extraído de um dicionário da língua portuguesa e não de jornais ou outras fontes. Este trabalho considera a análise de palavras existentes na língua que possuam as formas iniciais mal, não e contra, e não está voltado para índices de freqüência com que elas ocorrem em textos. Para um estudo que se interessa pela estrutura do lexema, e não pela produtividade de determinadas formas, o dicionário apresenta um gama de exemplos que são suficientes para a análise pretendida. 2.5 – Metodologia Este trabalho conta com um corpus de 182 palavras retiradas do dicionário Ferreira (1986) 3 e encontram-se no apêndice listadas e separadas em três grupos. No 1º grupo estão as formações que entrem o elemento contra, como CONTRA-ABERTURA e CONTRA-ATACAR. CONTRA-REVOLUÇÃO, O 2º grupo compreende as formações com o elemento mal anteposto, como MAL-AGRADECIDO, MALDIGNO e MALFELIZ. E no 3º grupo encontram-se palavras formadas a partir da anteposição do elemento não, como por exemplo NÃO-ALINHADO, NÃO-FICÇÃO e NÃO-ILUMINADO. 3 Conhecido popularmente como Dicionário Aurélio Fundamentação e metodologia 47 O dicionário Ferreira (1986) foi escolhido porque se trata de uma fonte ampla e respeitada dos vocábulos da língua portuguesa e forneceu uma gama de exemplos suficientes para análise pretendida. Essa lista de palavras foi montada com o intuito de se conseguir um número amplo de exemplos que ilustrem os mais diferentes tipos de formações com mal, não e contra. Com isso, pode-se fazer um estudo mais amplo, abrangendo análises de palavras ora bastante comuns no dia-a-dia de falantes do português, ora pouco ou até mesmo nunca vistas. O capítulo seguinte apresenta, então, essa análise dos dados listados (ver apêndice). Essa análise segue critérios fonológicos, morfológicos e semânticos e busca estabelecer a distinção entre radical e prefixo, composição e derivação. Fundamentação e metodologia 48 CAPÍTULO 3 ANÁLISE DE DADOS 3.1 – Introdução O presente capítulo apresenta análises no âmbito fonológico, morfológico e semântico das formações com mal, não e contra em exemplos como ALINHADO e CONTRA-REVOLUÇÃO MALFELIZ, NÃO- e tem como objetivo verificar as diferenças e semelhanças no âmbito fonológico entre palavras derivadas por prefixos e palavras compostas, tendo em vista suas características prosódicas, em especial a questão do acento; analisar, também, a estrutura interna dos vocábulos do corpus selecionado, verificar o método gramatical que se realiza em cada formação e, assim, estabelecer a diferença entre radical e prefixo. O capítulo será divido em seções, nas quais serão analisadas as formas mal, não e contra nos exemplos que compõem o corpus. Primeiramente essa análise colocará em evidência a questão do acento primário e a identificação da palavra fonológica segundo propostas da fonologia não linear, e também apresentará uma discussão a respeito do acento secundário. Em seguida será apresentada a interação entre palavra fonológica e palavra morfológica. Num terceiro momento a discussão centra-se em questões morfológicas e semânticas, apresentando as análises necessárias para o objetivo do capítulo. Análise de dados 49 3.2 – Análise fonológica 3.2.1 – O acento As teorias fonológicas são dividias em fonologia linear e fonologia não linear. Dentre as teorias fonológicas não-lineares está a Fonologia Métrica. O acento, segundo a Fonologia Métrica, é uma propriedade da sílaba, e somente esta pode ser portadora do acento primário, ou seja, do acento mais forte de uma palavra (Hernandorena, 1996 : 74-79). Como o objetivo da análise fonológica é verificar a questão do acento em formações prefixais e em formações compostas no português, esse modelo teórico fornece informações pertinentes, na medida em que analisa o acento não como um traço de uma vogal, como considera o modelo gerativo de Chomsky & Halle (1968), mas como uma proeminência que nasce da relação entre os elementos prosódicos: sílaba ( σ ), pé ( Σ ), palavra fonológica ( ω ), e essa relação segue a seguinte hierarquia: (4) Palavra pé + ω pé sílaba forte + sílaba fraca Σ σ Para se saber o algoritmo acentual das palavras é preciso, portanto, saber como se dá a organização de suas sílabas em pés métricos e qual a posição do elemento dominante. Análise de dados 50 Como propõem Liberman e Prince (1977), para a atribuição do acento com base na relação entre constituintes prosódicos, utiliza-se um diagrama de “árvore” e também uma “grade métrica”. A “grade métrica” é constituída por linhas ou níveis em que as vogais são numeradas. Como ilustra o diagrama (5) a seguir, na 1ª linha todas as vogais da palavra INTERESSE são numeradas da esquerda para a direita; na 2ª linha a numeração continua e somente as sílabas mais proeminentes recebem números; e na 3ª linha apenas a sílaba mais forte da palavra recebe número, constituindo, assim, a grade. O diagrama (6) traz a representação proposta por Halle e Vergnaud (1987), com o uso de asteriscos para indicar as sílabas proeminentes e parênteses para limitar os pés e a palavra fonológica. (5) (6) IN TE RES SE 1 2 3 5 6 IN TE RES SE 4 (* ·) (* ·) ( * ) 7 Já a “árvore” é estabelecida a partir de sílabas que formam pés, sempre binários, rotulados em termos de forte (“s” – strong) e fraco (“w” – weak), sendo o elemento sempre rotulado forte o portador do acento primário. Observe no esquema (7) que o acento primário da palavra INTERESSE é atribuído à sílaba –res- por ser a única dominada exclusivamente por nós fortes. Análise de dados 51 (7) S W ω S S W IN TE Σ S W RES SE σ Neste esquema de “árvore”, a estrutura interna da palavra pode ser representada em dois níveis: no primeiro, as sílabas são agrupadas em constituintes cujo elemento à esquerda é o mais forte; no segundo nível os constituintes são organizados numa árvore ramificante com cabeça à direita. Segue, então, esquemas com as palavras CONTRAGOLPE, CONTRA-ARGUMENTO, MALAZADO, MAL-COMPORTADO, NÃO-VERBAL e NÃO-LINEAR, com o intuito de verificar a posição do acento principal desses vocábulos. (8) (9) CON TRA GOL PE CON TRA 1 2 3 4 1 2 5 6 7 AR 3 GU MEN TO 4 5 6 8 9 7 (11) (10) MAL 1 6 10 A ZA DO 2 4 5 7 8 MAL COM 1 6 2 POR 3 TA DO 4 5 7 8 Análise de dados 52 (12) NÃO 1 (13) VER BAL 2 3 1 5 5 4 NÃO LI NE AR 2 3 4 6 6 7 Para que uma forma seja considerada uma palavra fonológica (ω) é preciso que ela apresente pés métricos isoladamente e que não possua mais que um acento primário, ou seja, um acento principal (Nespor & Vogel,1986). Sendo assim, as palavras CONTRAGOLPE, CONTRA-ARGUMENTO, MALAZADO, MAL-COMPORTADO, NÃO-VERBAL NÃO-LINEAR e acima esquematizadas são, cada uma, uma palavra fonológica. A palavra CONTRAGOLPE apresenta o acento primário, ou seja, o acento principal na sílaba –tem- e, na palavra CONTRA-ARGUMENTO, o acento principal recai sobre a sílaba –men, no entanto ambas as palavras são formadas a partir da anteposição do elemento contra que constitui um pé métrico isoladamente, pois se trata de um troqueu silábico, isto é, um pé métrico dissílabo com cabeça à esquerda. Esse fato determina que a forma contra seja considerada uma palavra fonológica. Nesse sentido podem ser analisadas as palavras NÃO-VERBAL de MALCRIADO, MAL-ASSOMBRO, e NÃO-LINEAR. Todas são palavras fonológicas, estando o acento principal MAL-AZADO na sílaba –za-, na palavra encontra-se na sílaba –ta- e nas formações MAL-COMPORTADO NÃO-VERBAL e o acento primário NÃO-LINEAR os acentos recaem, respectivamente, na sílaba –bal e na sílaba –ar. E, assim como o elemento contra pode ser analisado como uma palavra fonológica, as formas mal e não também podem. Embora sejam palavras monossílabas, ambas são denominadas troqueu mórico, em outras palavras, são sílabas longas, com duas moras, que formam um pé métrico isoladamente com cabeça à esquerda. Análise de dados 53 Em contrapartida, os prefixos des-, in- e a- em exemplos como e INCOMPLETO ANORMALIDADE DESCUIDADO, são monossilábicos e não apresentam acento, o que permite caracterizá-los como sílabas átonas afixados à esquerda de uma base. Observe o esquema (14) a seguir: (14) ω ω σ des- (prefixo) CUIDADO (base) w Veja em (14) que o prefixo des- é uma sílaba pretônica que se alinha à esquerda de uma base, formando uma única palavra fonológica com a mesma. O nó mais baixo da árvore mostra que, juntos, esses dois elementos formam um único vocábulo morfológico (w). E tendo o acento como definidor da palavra fonológica, verifica-se que a base já era uma palavra fonológica antes da afixação, uma vez que o acento já está atribuído, e o prefixo em nada altera o padrão acentual. Ao se esquematizar a estrutura de formações por composição, é possível verificar o seguinte: (15) (16) GUARDA-CHUVA TERÇA-FEIRA 1 2 3 4 1 2 3 4 5 5 6 7 6 7 Análise de dados 54 As palavras GUARDA-CHUVA e TERÇA-FEIRA constituem, cada uma, um único vocábulo fonológico ao apresentarem um acento principal, respectivamente, sobre as sílabas –chu- e –fei-, embora seja possível analisar cada membro desses compostos como uma palavra fonológica distinta. 3.2.1.1 – Acento primário e o acento secundário O acento, em português, apresenta certas regularidades, tais como: ¾ o acento só pode incidir sobre uma das três últimas sílabas; ¾ a grande maioria das palavras do português tem o acento na penúltima sílaba; ¾ quando a palavra for terminada por consoante, o acento marcado, especial, é o paroxítono e o menos marcado é o oxítono. Outro fato que deve ser levado em consideração a respeito do acento e que merece especial atenção neste estudo é a interferência dos processos de formação de palavras na posição do acento. Quando um sufixo derivacional se acrescenta a uma palavra, normalmente a palavra nova tem o acento em uma sílaba diferente daquela que recebia o acento na palavra primitiva como em (17). Por outro lado, não há mudança de acento quando ocorre prefixação ou quando há formações compostas, como em (18). Análise de dados 55 (17) (18) ÁRVORE > ARVOREDO INTELIGENTE > SUPERINTELIGENTE POLÍCIA > POLICIAL CASCA + GROSSA > CASCA-GROSSA Além do acento primário, que corresponde ao acento mais forte de uma palavra, há também o acento secundário, que é aquele relativamente menos forte que o acento primário. Em (18), há exemplos de formação prefixal e palavra composta que apresentam, além do acento primário, um acento menos forte que, embora não seja o acento principal da palavra, não pode ser descartado. Trata-se de um acento primário que é preservado em tais formações como acento secundário. Nas palavras compostas, os acentos primários de cada membro são mantidos, assim como em algumas formações prefixais (RECÉM-CASADO, SUPERESTRUTURA, PRÉSILÁBICO) em que o prefixo possui um acento próprio, da mesma maneira o acento presente nos elementos mal, não e contra são preservados como acento secundário quando em formações como MAL-AMADO, NÃO-ALINHADO e CONTRA-REVOLUÇÃO, independente de se considerar tais elementos radicais ou prefixos. Quanto aos prefixos não acentuados como des-, in-, a- , o seu comportamento é típico de um afixo sem acento próprio, apenas anteposto à esquerda de uma base e funcionando como uma sílaba pretônica. 3.3 – A interação entre palavra fonológica e palavra morfológica Segundo Câmara Jr. (1976 : 38), “o vocábulo fonológico é uma entidade prosódica, caracterizada por um acento e dois graus de tonicidade possíveis, antes e depois do acento. Corresponde no plano mórfico à forma livre de Bloomfield.” Análise de dados 56 Essa forma livre é também denominada vocábulo formal ou palavra morfológica (Câmara Jr., 1971 : 37). A palavra morfológica é um conceito que diz respeito aos Nomes, Adjetivos, Verbos e às palavras funcionais (como denomina Câmara Jr.) como preposição, conjunção e determinantes. Palavra fonológica, por seu turno, refere-se à distinção entre palavras com acento e sem acento. Para identificar a palavra fonológica, Câmara Jr. (1971 : 35) propõe uma pauta prosódica delineada em termos de algarismos. O lingüista indica os números 3 e 2 para acentos fortes, 1 para a pretônica e 0 para átonas após o acento.Um vocábulo fonológico será identificado pela presença das tonicidades 2 ou 3. Assim, uma palavra fonológica pode ser identificada como em (19) abaixo: (19) INTERESSE 1 1 3 0 No português, a palavra fonológica pode ser menor, igual ou maior que a palavra morfológica. Em (19) temos a correspondência exata entre uma e outra, no entanto a palavra fonológica pode ser menor que a palavra morfológica quando estamos diante de seqüências como fala-se ou o livro, em que dois morfos formam uma só palavra prosódica. E é maior em compostos por justaposição, por exemplo, em que dois vocábulos fonológicos passam a constituir um só vocábulo formal. (Câmara Jr., 1971 : 36). Justaposição é definida por Câmara Jr. (1977 : 151) como “a reunião de duas formas lingüísticas num vocábulo mórfico, quando, ao contrário da aglutinação, cada forma se conserva como um vocábulo fonético distinto, em virtude da pauta acentual.” Análise de dados 57 Os prefixos, por exemplo, se comportam ora como palavra independente, ora como uma típica forma presa. Observando os exemplos abaixo, verifica-se que em (20), os prefixos des-, in-, pre- e pos- comportam-se como sílabas pretônicas da palavra, isto é, juntam-se à palavra seguinte, formando com ela uma só palavra fonológica. Já em (21), os prefixos pre-, pos, anti- e recém- mostram-se autônomos, como se fossem membros de um composto. (20) DESALINHAR INFELIZ 111 3 1 13 (21) PRÉ-VESTIBULAR 2 1 1 1 3 PÓS-GUERRA 2 3 0 PREFIXO POSPOSIÇÃO 1 30 1 113 ANTIDERRAPANTE 20 1 1 3 0 RECÉM-NASCIDO 1 2 1 3 0 A palavra composta por justaposição, formações prefixais como em (21) e formações com mal, não e contra como REVOLUÇÃO MAL-AMADO, NÃO-ALINHADO e CONTRA- são semelhantes no sentido de que cada membro do composto é um domínio do pé que projeta seu acento individual, assim como o prefixo e o radical a que ele se agrega e as formas mal, não e contra e a base a que elas se juntam. Em outras palavras, são dois vocábulos fonológicos constituindo um só vocábulo formal. (22) GUARDA-CHUVA PÓS-GUERRA 2 0 3 0 2 3 0 CONTRA-REFORMA 2 0 13 0 NÃO-ALINHADO 2 11 3 0 MAL-CUIDADO 2 Análise de dados 13 0 58 3.4 – Análise morfológica e semântica 3.4.1 – Mal No dicionário Ferreira (1986), encontram-se 53 palavras iniciadas pela forma mal, e esta carregando uma idéia negativa (ver apêndice). Esse elemento mal é classificado por Pereira ([1918]1940 : 194) como prefixo que traz a idéia de mau êxito. O gramático cita, entre outros exemplos, as palavras (23) a. MALTRATAR b. MALFAZER c. MALQUISTO d. MALDIZER O elemento mal nos exemplos (23a-d) é anteposto aos lexemas TRATAR, FAZER, QUISTO e DIZER, adicionando uma nova informação à informação básica desses lexemas mais simples. As formações MALTRATAR, MALFAZER, MALQUISTO, MALDIZER não estabelece, a partir da anteposição do elemento mal, uma relação de oposição ou contradição com as palavras TRATAR, FAZER, QUISTO e DIZER, mas apenas acrescenta uma informação que especifica o significado dessas palavras. Assim, MALTRATAR não é o oposto de TRATAR, mas é o mesmo que tratar mal, tratar com violência. MALDIZER não é o contrário de DIZER, mas dizer mal, blasfemar, por esse motivo, tais palavras não se encontram listadas no apêndice. Ao se considerar, no entanto, os exemplos que compõem o corpus deste trabalho Análise de dados 59 (24) a) MAL-AMADO b) MALFELIZ c) MAL-ENGRAÇADO verifica-se que a relação de sentido entre o elemento mal e a palavra a que ele se adjunge é diferente, uma vez que se pode afirmar que MAL-AMADO é aquele que se diz irrealizado, não correspondido no amor; ENGRAÇADO MALFELIZ é o que não é feliz e MAL- é o mesmo que não ser engraçado. O mal nas formações de (24a-c) apresenta a idéia negativa de contrário em MAL-AMADO e de contraditório em MALFELIZ e MAL-ENGRAÇADO , conforme propõem J. Payne (1985), T. Payne (1997) e Aronoff & Fuhrhop (2002). Verifica-se, nesses casos, que a posição do elemento mal é fixa, isto é, a inversão amado mal, infeliz mal e engraçado mal não é aceita. Em exemplos como (23a-d) citados por Pereira ([1918]1940 : 194) é possível distinguir uma relação de determinante e determinado em que o elemento mal carrega sempre a idéia subordinada, determinante da palavra. Trata-se da idéia acessória que autores como Alves (1992:101) e Cunha & Cintra (2001:80), por exemplo, defendem a respeito do prefixo numa derivação prefixal. Por outro lado, em formações como as presentes nos exemplos (24a-c) o elemento mal carrega o significado principal da palavra, enquanto AMADO, FELIZ e ENGRAÇADO apresentam uma significação secundária. Conforme apresenta Basílio (1974 : 90), na análise de uma palavra, distinguir o que é radical e o que é afixo não é simples ao se considerar, apenas, a questão do significado principal e do significado acessório. Num estudo sobre gramaticalização, Martelotta (2004 : 113) afirma que o elemento mal pode ocorrer como prefixo quando ele se antepõe a particípios e adjetivos Análise de dados 60 e, mais raramente, verbos. Nesses casos, a posição do mal é relativamente fixa, o que possibilita o advérbio de modo a ser reanalisado como prefixo. Sendo assim, nos exemplos apresentados por Pereira ([1918]1940) (23) a) MALTRATAR b) MALFAZER c) MALQUISTO d) MALDIZER a ordem pode ser invertida (tratar mal, fazer mal, quisto mal, dizer mal). Já nas formações em que o mal apresenta uma idéia negativa de oposição ou contradição, essa ordem é mais fixa, ou seja, não se aceita inversões como amado mal, feliz mal e engraçado mal. Na verdade o que torna difícil a classificação das formações com mal é, principalmente, o fato de que esta palavra é assim definida no dicionário Ferreira (1986) mal¹ [Do lat. Malu]. S. m. 1. Aquilo que é nocivo, prejudicial, mau; aquilo que prejudica ou fere: Não deseje mal ao próximo; “Maldita sejas pelo Ideal perdido! / Pelo mal que fizeste sem querer! / Pelo amor que morreu sem ter nascido!” (Olavo Bilac, Poesias, p. 221) 2. Aquilo que se opõe ao bem, à virtude, à probidade, à honra. (...) [Pl.: males. Antôn. : bem] mal² [ Do lat. Male.] Adv. 1. De modo mau, irregular, ou diferente do que devia ser: Os negócios vão mal. 2. De modo imperfeito; erradamente, desacertadamente, incorretamente: falar, escrever mal. 3. De maneira que não satisfaz o gosto ou vontade, ou a necessidade: Jantou mal; Dormiu mal. 4. Rudemente, duramente: O delegado tratou-os mal. 5. De maneira desfavorável ou ofensiva: Falou mal de todos. 6. Pouco, escassamente: verdades mal sabidas. 7. A custo; dificilmente, dificultosamente: Abatidíssimo, mal conseguia dar alguns passos. 8. Contra a virtude, o bem, a justiça, o direito, a probidade, a moral, as boas normas: julgar mal; pensar mal; portar-se mal. 9. Rapidamente: apenas; de leve; Mal provou a comida. 10. Nunca, jamais: Mal pensava que o doente escapasse. 11. Gravemente enfermo: O interno está mal. Análise de dados 61 12. Em desavença; em desacordo: Vive mal com os homens por amor de Deus. [ Antôn.: bem] (...) Trata-se de uma palavra que pode ser classificada ora como substantivo, ora como advérbio, ou seja, é um lexema, segundo Matthews (1991). Nesse sentido, a forma de palavra males refere-se ao lexema simples MAL, que pode se estruturar como lexema complexo, como por exemplo MALÉFICO, MALÍCIA, MALINIDADE. Formações como DESLEAL, INFELIZ e AMORAL são, indubitavelmente, prefixais. Des-, in- e a- são elementos que compõem a estrutura de lexemas complexos. Já as formações MALCONFIAR, MALCHEIROSO e MALDISPOSTO se estruturam a partir de um lexema simples (MAL) mais um outro lexema que pode ser simples (CONFIAR) ou complexo (CHEIROSO). Essa estrutura refere-se ao que Matthews (1991 : 37) afirma ser a estrutura das formações compostas, visto que cada formação nesses exemplos apresenta a relação entre um lexema complexo com dois lexemas simples ou mais simples. 3.4.2 – Não Na lista de formações com mal, não e contra (ver apêndice) as formações com não são em menor número, apresentando 31 palavras em que o elemento não se antepõe a uma base. Segundo Alves (1992;1993), essas formações compreendem o paradigma dos prefixos negativos do português, ao negar o sentido expresso por uma base adjetiva ou substantiva. Análise de dados 62 (25) base substantiva a) NÃO-AGRESSÃO b) NÃO-ALINHAMENTO c) NÃO-INTERVENÇÃO (26) base adjetiva a) NÃO-ILUMINADO b) NÃO-VERBAL c) NÃO-LINEAR A autora classifica as formações com não como derivação, ao considerar o não um prefixo e adotar a noção de derivação prefixal. Segundo Alves (1992 : 101), o não deve ser analisado como prefixo derivacional porque constitui um morfema fixo e recorrente, já consolidado na língua como elemento de formação de palavra. Assim, o não tem o mesmo valor de elementos como des-, dis- e in- em exemplos como DESLEAL, DISSEMELHANTE e INCULTO, em que des-, dis- e in- negam o sentido de LEAL, SEMELHANTE e CULTO. No entanto, no “Dicionário de affixos e desinências”, de Carlos Góes (1938), o não é definido como um “elemento vernáculo de composição” (Góes, 1938:135). E, de acordo com o dicionário Aurélio (1986), a palavra não é definida como um advérbio na língua: não. [Do lat. Non.] Adv. 1. Exprime negação. (...). Ao se considerar que Cunha & Cintra (2001 : 106-7) apresentam entre as classes gramaticais dos elementos de um composto advérbio mais adjetivo e advérbio Análise de dados 63 mais verbo, pode-se, então, incluir formações como as dos exemplos (26) entre as formações compostas. Mas tendo em vista essa informação dada pelos gramáticos, as palavras dos exemplos (25) formadas por um advérbio (NÃO) mais um substantivo não são classificadas como palavras compostas. Independente da classe gramatical das palavras a que o elemento não se agrega, a relação entre os lexemas (27) a) NÃO-GOVERNAMENTAL – NÃO + GOVERNAMENTAL b) NÃO-MILITAR – NÃO + MILITAR c) NÃO-VIOLÊNCIA – NÃO + VIOLÊNCIA é a mesma relação existente numa composição, conforme apresenta Matthews (1991 : 37), ou seja, um lexema complexo que se relaciona à dois lexemas simples ou mais simples. É importante considerar, ainda, formações como (28) NÃO-ME-DEIXES (29) NÃO-EU Em (28) a palavra se estrutura a partir do NÃO, mais um pronome, mais um verbo. A união desses vocábulos forma uma palavra que significa o nome de uma erva. Em (29) a palavra NÃO-EU, formada a partir da junção do advérbio NÃO e o pronome EU, apresenta como significado algo de caráter filosófico, como o mundo externo; a realidade objetiva. Ambos os exemplos apresentam um significado que se dissocia do Análise de dados 64 significado de cada membro da palavra. Nesse sentido, tais formações são consideradas palavras compostas, tendo em vista a idéia presente em Cunha & Cintra (2001 : 105). 3.4.3 – Contra A palavra CONTRA é assim definida pelo dicionário Ferreira (1986): Contra. prep. 1. Em oposição a; em luta com. 2. em contradição com. 3. em direção oposta à de. 4. Recebendo em troca. 5. Em direção a s.m. 6. Obstáculo. 7. Contestação, objeção. Trata-se, portanto, de uma preposição que pode fazer parte de um processo de formação de palavras ao ser anteposto a outra palavra, assim como as palavras NÃO. MAL e No dicionário pesquisado foram encontradas 99 palavras antecedidas pelo elemento contra, e este carregando a idéia negativa de oposição ou contradição. (30) a) CONTRA-ATAQUE b) CONTRA-REVOLUÇÃO c) CONTRADIZER No “Dicionário de affixos e desinências”, de Carlos Góes (1938:44) encontrase: CONTRA – prefixo vernáculo, exprime: a) Superioridade: contrabaixo (voz de tom mais grave que a do baixo); b) Inferioridade: contra-almirante (oficial de parente imediatamente inferior a do almirante); contramestre (abaixo do gerente); c) Porção, aumento: contraponto (audição harmoniosa e afinada de muitas vozes ou instrumentos); Análise de dados 65 d) Oposição: contradizer, contramarca, contraquente, seu homônimo, controverso. Alves (1992:107) apresenta o contra como morfema que se antepõe a bases substantivas, adjetivas e verbais e classifica tais formações como derivação prefixal. (31) bases substantivas a) CONTRA-REVOLUÇÃO b) CONTRAPLANO c) CONTRAMÃO d) CONTRA-INDICAÇÃO e) CONTRA-GOLPE (32) bases adjetivas a) CONTRAPRODUCENTE b) CONTRANATURAL (33) bases verbais a) CONTRADIZER b) CONTRA-ARGUMENTAR c) CONTRAPOR d) CONTRA-FAZER Nos exemplos (31), (32) e (33) acima, o elemento contra é anteposto a bases substantivas, adjetivas e verbais, respectivamente, e carrega consigo a idéia de “contrário a”. Assim, CONTRADIZER CONTRA-REVOLUÇÃO é uma revolução contrária à anterior; é dizer algo contrário ao que foi dito anteriormente; CONTRAPRODUCENTE é aquilo que prova o contrário daquilo que se pretendia ou aquilo cujo resultado é contrário ao que se esperava. Análise de dados 66 Na gramática de Cunha & Cintra (2001:85), o contra também aparece entre os prefixos de origem latina com sentido de oposição ou de ação conjunta. As formações com tal elemento, segundo os gramáticos, são formações derivadas. Por outro lado, na proposta de Câmara Jr. (1977) e Eduardo Carlos Pereira (1940), embora o contra seja classificado como prefixo por estes autores, as formações com tal elemento são tidas como formações compostas. Segundo a definição de Câmara Jr. (1977) para prefixo, este é uma variante presa das preposições, então o contra é um prefixo quando presente em compostos como os exemplos (30) a (33) acima. Margarida Basílio (1974 : 93) considera, também, formações como CONTRACENAR, CONTRAPOR etc. como composição e não como derivação prefixal. Segundo a autora, um composto caracteriza-se por apresentar dois núcleos. O núcleo é o elemento central básico de uma construção morfológica. Contrário a ele estão os elementos periféricos. Dessa forma, uma palavra como será o núcleo e –ção a periferia; e na palavra RACIONALIZAÇÃO, RACIONAL, racionaliza- racion- será o núcleo e –al a periferia. O núcleo mínimo, portanto, será também a raiz da palavra. Ao definir raiz, Margarida Basílio apresenta que “Em geral, a raiz é definida como parte da palavra que contém o significado lexical ou o significado principal da palavra” (Basílio, 1974: 89). Nesse sentido, a autora afirma que em formações como CONTRACENAR, CONTRAPOR etc, o contra poderia ser considerado não-raiz, já que, como preposição, teria um significado gramatical. Mas, comparando formas como CONTRÁRIO e OPOSTO, Margarida Basílio afirma não haver motivo para considerar a existência de raiz na segunda, e não considerar a existência de raiz na primeira. Análise de dados 67 Então, segundo Margarida Basílio (1974 : 93-4), se o elemento contra é uma forma livre na língua e pode ocorrer como raiz em construções como CONTRÁRIO, ele deve ser considerado, então, membro de um composto, e não um prefixo. 3.5 – Considerações finais Dada as análises acima, conclui-se que as palavras que apresentam os elementos mal, não e contra antepostos, se classificadas como prefixais, em nada diferem, do ponto de vista fonológico, das formações compostas como GUARDA-CHUVA e BEIJA-FLOR: todas apresentam duas palavras fonológicas. Por outro lado, as formações com des-, in- e a-, como por exemplo DESLEAL, INFELIZ e AMORAL, caracterizam-se como uma palavra fonológica, apresentando apenas um acento primário, e os elementos des-, in- e a- juntam-se como sílaba átona do início da palavra. Há, ainda, as formas anti-, pré-, pós- em exemplos como PRÉ-APROVADO, PÓS-GRADUAÇÃO ANTIINFLAMATÓRIO, que, assim como os elementos mal, não e contra, apresentam um acento próprio quando antepostas à uma base. Contudo, quando os gramáticos apresentam a problemática da prefixação, eles não citam essas formas anti-, pré- e pós-, visto que são formas presas, assim como des-, in- e a-, e são facilmente identificadas como prefixos.. Na abordagem morfológica e semântica, verificou-se que a derivação prefixal e a composição são processos de formações de palavras que têm, primordialmente, uma função semântica, e não sintática, ou seja, são processos que preenchem, em primeira análise, necessidades semânticas de nomeação, e não utilizam o sentido de uma palavra já existente em uma outra classe gramatical, como ocorre na derivação sufixal. Embora Análise de dados 68 uma formação com prefixo possa mudar a classe gramatical do vocábulo, este não é um fato comum e nem a função primeira das formações prefixais. Nesse sentido, as formações prefixais e as compostas são semelhantes e distinguir uma da outra não é uma tarefa fácil. Quando se analisam as formas mal, não e contra em exemplos como MAL-AMADO, NÃO-ALINHADO, CONTRA-REVOLUÇÃO e se considera a autonomia (no nível morfológico) desses elementos, chega-se a um resultado ambíguo, pois ora tais formas são analisadas como prefixos, ora são depreendidas como radicais membros de um composto. Ao se estabelecer essa distinção em termos semânticos não se chega a um resultado satisfatório. Mas ao se analisar as palavras do corpus tendo em vista a noção de lexema e de formação de palavras trazida por Matthews (1991), a conclusão a que se chega é que as formações em questão, segundo a proposta de tal lingüista, são formações compostas.Trata-se de um tipo especial de composição em que os elementos mal, não e contra são fixos na posição anterior. Análise de dados 69 CONCLUSÃO O objetivo deste trabalho centrou-se na retomada da questão da diferença entre radical e prefixo, considerando as formas mal, não e contra em exemplos como LIGADO, NÃO-EUCLIDIANO, MAL-GALANTE, MAL-SISUDO, CONTRAFLOREADO, ORDEM. e NÃO- CONTRA- Gramáticos e lingüistas divergem quanto à classificação de tais formações. Uns as consideram derivações prefixais, classificando, portanto, os elementos mal, não e contra como prefixos. Outros as têm como composição, sendo tais formas, nessa visão, analisadas como radicais nos exemplos do corpus deste trabalho. O prefixo é semelhante ao radical quando se considera o significado lexical que ambos apresentam. A diferença entre um e outro fica evidente no momento em que se têm formações como PRÉ-HISTÓRICO, INFELIZ, DESFEITO, em que os prefixos são facilmente identificados como formas as presas pré-, in- e des-, e os radicais são a parte lexical de cada vocábulo, aqui, expandidos pelos prefixos. Essa diferença, no entanto, anula-se quando o termo anteposto não é uma forma presa, mas uma palavra livre na língua, como mal, não e contra. Das análises feitas, podem-se estabelecer as seguintes conclusões: 1ª) Em se tratando da pauta acentual entre formações com mal, não e contra em MALQUERIDO, NÃO-NULO e CONTRACORRENTE, indubitavelmente prefixais (DESFAZER, comparada às formações INFELIZ, ANTI-ATAQUE, PRÉ-VESTIBULAR) e, ainda, às formações compostas, verificou-se: a) As formações com mal, não e contra assemelham-se às formações compostas por justaposição com dois membros, no sentido de que os dois tipos de processos morfológicos apresentam um acento Conclusão 70 primário (presente numa sílaba do segundo membro nos compostos e numa sílaba da palavra a que as formas mal, não e contra se juntam) e preservam, também, um acento secundário (este presente numa sílaba do primeiro membro das formações compostas e, nas formações com mal, não e contra, o acento secundário recai exatamente sobre tais elementos). b) As formações com mal, não e contra também são semelhantes às formações prefixais como GRADUAÇÃO c) PRÉ-VESTIBULAR, ANTIATAQUE, PÓS- em que há a presença de prefixos acentuados. Já as formações com prefixos não acentuados como INFELIZ e AMORAL DESLEAL, não apresentam o acento secundário como em formações com mal, não e contra em exemplos como MALQUERIDO, NÃO-NULO e CONTRACORRENTE. Esse critério fonológico, portanto, não foi suficiente para se classificar as formações com mal, não e contra em análise como prefixais ou compostas. 2ª) O critério semântico também não foi suficiente, uma vez que os elementos mal, não e contra classificados seja como radicais, seja como prefixos em SUCEDIDO, NÃO-AGRESSÃO e CONTRA-REVOLUÇÃO, MAL- apresentam, numa classificação ou noutra, uma função semântica de nomeação e acrescentam um significado à base a que se adjungem. 3ª) Morfologicamente formações como MALSORTEADO, MALGRADO, NÃO- ENGAJADO, NÃO-CONSERVATIVO, CONTRA-ESTÍMULO e CONTRA-COSTA foram analisadas como palavras compostas. Segundo Matthews (1991), uma composição se estrutura a partir da junção de um lexema a outro lexema. MAL, NÃO e CONTRA são lexemas Conclusão 71 simples, logo, palavras como MAL-AMADO, NÃO-ALINHADO, CONTRA-REVOLUÇÃO estruturam-se a partir da junção de dois lexemas, ou seja, são formações compostas, e não derivadas. Nesse sentido os elementos mal, não e contra são classificados como radicais, e não como prefixos. Assim, após o resultado das análises e retomando o título deste trabalho, a palavra NÃO-COMPOSTO é uma composição, formada a partir da junção das palavras NÃO e COMPOSTO. Não se trata, portanto, de uma derivação prefixal, visto que o elemento não, aqui, não é entendido como morfema, mas como um radical. Conclusão 72 APÊNDICE 1. Formações com contra: 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31 32 33 34 35 CONTRA-ABERTURA CONTRA-ALÍSIO CONTRA-ARGUMENTO CONTRA-ARRAZOADO CONTRA-ARRAZOAR CONTRA-ARRESTAR CONTRA-ATACANTE CONTRA-ATACAR CONTRA-ATAQUE CONTRA-AVISO CONTRABANDA CONTRABATERIA CONTRABRACEAR CONTRACEPÇÃO CONTRACEPTIVO CONTRACORRENTE CONTRACOSTA CONTRACULTURA CONTRACURVA CONTRADIÇÃO CONTRADITA CONTRADITADO CONTRADITAR CONTRADITÁVEL CONTRADITO CONTRADITOR CONTRADITÓRIO CONTRADIZER CONTRA-EMBOSCADA CONTRA-ENCOSTA CONTRA-ESCRITURA CONTRA-ESPIONAGEM CONTRA-ESTIMULAR CONTRA-ESTÍMULO CONTRA-EXEMPLO Apêndice 73 36 37 38 39 40 41 42 43 44 45 46 47 48 49 50 51 52 53 54 55 56 57 58 59 60 61 62 63 64 65 66 67 68 69 70 71 72 73 74 75 76 77 CONTRAFLOREADO CONTRAFUGA CONTRAGOLPE CONTRAGOSTO CONTRAGUERRILHA CONTRA-IMPELIR CONTRA-INDICAÇÃO CONTRA-INDICADO CONTRA-INDICAR CONTRA-INFORMAÇÃO CONTRALUZ CONTRAMANDADO CONTRAMANDAR CONTRAMANIFESTAÇÃO CONTRAMÃO CONTRAMARCHA CONTRAMARCHAR CONTRAMARÉ CONTRAMOVIMENTO CONTRANATURAL CONTRANATURALIDADE CONTRA-OFENSIVA CONTRA-OFERTA CONTRA-OFERTAR CONTRA-OITAVA CONTRA-ORDEM CONTRA-ORDENAR CONTRAPALA CONTRAPARTIDA CONTRAPASSANTES CONTRAPASSO CONTRAPEÇONHA CONTRAPELO CONTRAPOR CONTRAPOSIÇÃO CONTRAPOSTO CONTRAPRESSÃO CONTRAPRODUCENTE CONTRAPRODUZIR CONTRAPROPAGANDA CONTRAPROPOR CONTRAPROPOSTA Apêndice 74 78 79 80 81 82 83 84 85 86 87 88 89 90 91 92 93 94 95 96 97 98 99 CONTRAPROTESTO CONTRAPROVA CONTRAPROVAR CONTRA-RAMPA CONTRA-REFORMA CONTRA-REPTO CONTRA-REVOLUÇÃO CONTRA-REVOLUCIONÁRIO CONTRA-ROTURA CONTRA-RUPTURA CONTRA-SELAR CONTRA-SELO CONTRA-SENSO CONTRA-SIGNIFICAÇÃO CONTRATORPEDEIRO CONTRAVALOR CONTRAVENENO CONTRAVERSÃO CONTRAVERTER CONTRAVIA CONTRAVIR CONTRAVOLTA 2. Formações com mal 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 MAL-AFEIÇOADO MAL-AFORTUNADO MAL-AGRADECIDO MAL-AJAMBRADO MAL-AJEITADO MAL-AMADA MAL-AMANHADO MAL-APANHADO MAL-APESSOADO MAL-APRESENTADO MAL-ARRANJADO MAL-ARRUMADO MAL-AVENTURADO MAL-AVINDO MAL-AVISADO MAL-AZADO MALCHEIROSO MALCOMPORTADO MALCONCEITUADO Apêndice 75 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31 32 33 34 35 36 37 38 39 40 41 42 43 44 45 46 47 48 49 50 51 52 53 MALCONDUZIDO MALCONFIAR MALCONFORMADO MALCONSERVADO MALCONTENTADIÇO MALCONTENTE MALCUIDADO MALDIGNO MALDISPOSTO MALDITOSO MAL-ENGRAÇADO MAL-ENSINADO MAL-ENTENDIDO MALFELIZ MALGALANTE MALGOSTOSO MALGRADADO MALGRADO MAL-HUMORADO MALJEITOSO MALMANDADO MALPROPÍCIO MALPROPORCIONADO MALQUERIDO MALQUISTAR MAQUISTO MALSÃO MALSATISFEITO MALSEGURO MALSISUDO MALSOFRIDO MALSORTEADO MALSUCEDIDO MALTRABALHADO 3. Formações com não: 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 NÃO-AGRESSÃO NÃO-ALINHADO NÃO-ALINHAMENTO NÃO-BELIGERÂNCIA NÃO-COMBATENTE NÃO-CONFORMISMO NÃO-CONFORMISTA NÃO-CONSERVATIVO NÃO-CONTRADIÇÃO NÃO-ENGAJADO Apêndice 76 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 NÃO-ENGAJAMENTO NÃO-ESSENCIAL NÃO-EUCLIDIANO NÃO-FICÇÃO NÃO-HOLÔNOMO NÃO-ILUMINADO NÃO-INTERVENÇÃO NÃO-INTERVENCIONISTA NÃO-LIGADO NÃO-LINEAR NÃO-LOCALIZADO NÃO-NULO NÃO-PARTICIPANTE NÃO-PERIÓDICO NÃO-SATURADO NÃO-SER NÃO-SIMÉTRICO NÃO-SINGULAR NÃO-VERBAL NÃO-VICIADO Apêndice 77 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALI, Said. 1966 Gramática Histórica da língua portuguesa. São Paulo: Melhoramentos. 375 p. ALVES, Ieda Maria, 1992. Prefixos negativos do português falado. In: ILARI, Rodolfo (org.) 1992. Gramática do português falado, vol II. Campinas: UNICAMP. 752 p. 101-109 _______________ 1993. Formações prefixais no português falado. In: CASTILHO, Ataliba Teixeira de (org.) 1993. Gramática do português falado, vol. 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