em PDF - Pós-graduação em Linguística

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UFRJ
PARA UMA DISTINÇÃO ENTRE RADICAL E PREFIXO:
será não-composto um composto ou um derivado?
Pâmella Alves Pereira
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de PósGraduação em Lingüística, Faculdade de Letras, da
Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos
requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em
Lingüística.
Orientador: Prof. Doutor Maria Carlota Amaral Paixão Rosa
Rio de Janeiro
Janeiro de 2006
PARA UMA DISTINÇÃO ENTRE RADICAL E PREFIXO:
será não-composto um composto ou um derivado?
Pâmella Alves Pereira
Orientador: Prof. Doutor Maria Carlota Amaral Paixão Rosa
Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em
Lingüística, Faculdade de Letras, da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ,
como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Lingüística.
Aprovada por:
_________________________________________________
Presidente, Prof. Doutor Maria Carlota Amaral Paixão Rosa
__________________________________________
Prof. Doutor Violeta Virgínia Rodrigues
__________________________________________
Prof. Doutor Humberto Peixoto Menezes
__________________________________________
Prof. Doutor Afrânio Gonçalves Barbosa
__________________________________________
Prof. Doutor Myrian Azevedo de Freitas
Rio de Janeiro
Janeiro de 2006
Pereira, Pâmella Alves.
Para uma distinção entre radical e prefixo: será não-composto
um composto ou um derivado / Pâmella Alves Pereira. - Rio de
Janeiro: UFRJ/ Programa de Pós-Graduação em Lingüística, 2006.
xi, 80f.: il.; 31 cm.
Orientador: Maria Carlota Amaral Paixão Rosa
Dissertação (mestrado) – UFRJ/ Faculdade de Letras/
Programa de Pós-Graduação em Lingüística, 2006.
Referências Bibliográficas: f78-80. .
1. Morfologia. 2. Estrutura interna da palavra. I. Rosa, Maria
Carlota Amaral Paixão. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro,
Programa de Pós-Graduação em Lingüística. III. Para uma
distinção entre radical e prefixo: será não-composto um composto
ou um derivado?
RESUMO
PARA UMA DISTINÇÃO ENTRE RADICAL E PREFIXO:
será não-composto um composto ou um derivado?
Pâmella Alves Pereira
Orientador: Prof. Doutor Maria Carlota Amaral Paixão Rosa
Resumo da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação
em Lingüística, Faculdade de Letras, da Universidade Federal do Rio de Janeiro –
UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em
Lingüística.
Este trabalho propõe uma distinção entre os processos morfológicos de
derivação prefixal e composição, seguindo a proposta teórica de Matthews (1991) para a
caracterização da estrutura interna do lexema. Para isso foram analisados os elementos
mal, não e contra, em exemplos como MALFERIDO, NÃO-ALINHADO E CONTRAREVOLUÇÃO.
Em princípio, a julgar apenas pelas definições encontráveis na literatura,
distinguir ambos os processos não seria tarefa das mais difíceis. No entanto, entre
gramáticos e lingüistas não há consenso em relação à distinção entre prefixação e
composição, uma vez que elementos como não, mal e contra, quando em exemplos
como os citados anteriormente, são considerados, por vezes, parte de formações
derivadas, e outras vezes são tidos como parte de formações compostas.
Os resultados da análise de formações com os elementos negativos mal, não e
contra mostraram que argumentos de âmbitos fonológico e semântico não foram
suficientes para distinguir composição e derivação prefixal. Em termos morfológicos,
tais formas foram classificadas como radicais, e não prefixos. As palavras MALFERIDO,
NÃO-ALINHADO e CONTRA-REVOLUÇÃO foram analisadas como formações compostas, e
não como derivadas.
Palavras-chave: radical; prefixo; composição; derivação
Rio de Janeiro
Janeiro de 2006
ABSTRACT
FOR A DISTINCTION BETWEEN WORD AND PREFIX:
Is não-composto a compound or a derived?
Pâmella Alves Pereira
Orientador: Prof. Doutor Maria Carlota Amaral Paixão Rosa
Abstract da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-graduação
em Lingüística, Faculdade de Letras, da Universidade Federal do Rio de Janeiro –
UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em
Lingüística.
This work proposes a distinction between the morphological processes of
prefixal derivation and compounding, following Matthews’ (1991) theoretical proposal
for characterization of the internal structure of lexeme. For that, the elements mal, não
and contra were analysed in examples as MALFERIDO, NÃO-ALINHADo and CONTRAREVOLUÇÃO.
At first, judging just by definitions found in literature, distinguishing both
processes would not be so difficult.However, among grammarians and linguists there is
not consensus in relation to the distinction between prefixation and compounding, once
that elements as não, mal and contra, when in examples as those above-mentioned, are
considered, sometimes, part of derived formations, and other times they are considered
part of compound formations.
The result of the analysis of formations with the negative elements mal, não and
contra has shown that phonological and semantical arguments were not enough to
distinguish compounding and prefixal derivation. In morphological terms, those
elements were classified as words, and not as prefixes. MALFERIDO, NÃO-ALINHADO and
CONTRA-REVOLUÇÃO were analysed as compounds, and not as derived.
Key-words: word; prefix; compounding; derivation
Rio de Janeiro
Janeiro de 2006
À minha família
AGRADECIMENTOS
-
à professora Maria Carlota Rosa, orientadora deste trabalho, pelos conhecimentos e
capacidade demonstrados.
-
aos professores Violeta Virgínia Rodrigues, Afrânio Gonçalves Barbosa, Humberto
Peixoto Menezes e Myrian Azevedo de Freitas por terem aceito fazer parte da banca
que julgou essa dissertação.
-
a todos os professores do Departamento de Lingüística pelos conhecimentos
transmitidos.
-
à minha família, pelo apoio demonstrado em todos os sentidos para a conclusão da
dissertação.
SUMÁRIO
CAPÍTULO 1 – APRESENTAÇÃO DO PROBLEMA
1.1 – Introdução
1.2 – A controvérsia da prefixação
1.2.1
– Prefixação como derivação
1.2.1.1 – Said Ali ([1931]1966)
1.2.1.2 – Rocha Lima (1957)
1.2.1.3 – E. Bechara (1966)
1.2.1.4 – Cunha & Cintra (2001)
1.2.1.5 – M. Basílio (1989)
1.2.2
– Prefixação nem sempre é derivação
1.2.2.1 – Eduardo Carlos Pereira ([1918]1940)
1.2.2.2 – A proposta de Mattoso Câmara Jr. (1976; 1977)
1.3 – Prefixação e Composição
1.4 – Prefixos e radicais
1.5 - Justificativa
CAPÍTULO 2 –FUNDAMENTAÇÃO E METODOLOGIA
2.1 – Introdução
2.2 – A estrutura interna do lexema
2.3 – A noção de processo gramatical
2.3.1
– Composição
2.3.2
– Prefixação
2.4 – O corpus
2.5 – Metodologia
CAPÍTULO 3 – ANÁLISE DE DADOS
3.1 – Introdução
3.2 – Análise fonológica
3.2.1 – O acento
3.2.1.1 – O acento primário e o acento secundário
3.3 – A interação entre palavra fonológica e palavra morfológica
3.4 – Análise morfológica e semântica
3.4.1 – mal
3.4.2 – não
3.4.3 – contra
3.5 – Considerações finais
CONCLUSÃO
APÊNDICE
BIBLIOGRAFIA
CAPÍTULO
1
APRESENTAÇÃO DO PROBLEMA
1.1 – Introdução
Este trabalho retoma uma questão controversa no estudo da morfologia, no
âmbito da estrutura e da formação de palavras: a distinção entre derivação prefixal e
composição. Em outras palavras, busca-se aqui diferenciar formações prefixais de
formações compostas, uma vez que ambas levam em conta, em última análise, a noção
de um radical que é modificado, embora por processos morfológicos distintos. O
objetivo deste trabalho é duplo, portanto: por um lado, compreender o uso dos termos
radical e prefixo na morfologia baseada em lexemas; de outro caracterizar composição
face à derivação nessa proposta teórica.
Considera-se aqui a caracterização da estrutura interna de lexema conforme
proposta de Matthews (1991). Matthews (1991: 82) caracteriza a composição como um
processo de formação de um lexema a partir da reunião de dois ou mais lexemas
simples, ao passo que a derivação, ou melhor, a formação de palavras (Matthews, 1991:
61), é caracterizada como um processo que forma lexemas mais complexos do que
aqueles de que se formaram (Matthews, 1991: 37).
Os dados para a discussão do tema neste trabalho são formas portuguesas com
não, mal e contra, em exemplos como
NÃO-SIMÉTRICO, MALCONTENTE
Apresentação do problema
e
CONTRA-
10
EMBOSCADA.
1
As formações com não, mal e contra são apresentadas na literatura ora
como compostos, ora como derivados por prefixo, como aponta Alves (1993: 383).
Entre gramáticos e lingüistas da língua portuguesa não há consenso em relação à
distinção entre prefixação e composição para parte dos dados aqui focalizados, uma vez
que elementos como não, mal e contra, em exemplos como
MALCONTENTE
NÃO-SIMÉTRICO,
e CONTRA-EMBOSCADA, são considerados, por vezes, parte de formações
derivadas, e outras vezes são tidos como parte de formações compostas
____
e
acrescenta-se aqui: sejam ou não classificados como prefixos.
O trabalho encontra-se organizado como se segue:
No próximo capítulo, encontra-se a fundamentação teórica, apresentando o
modelo que será adotado neste estudo. Em seguida, uma apresentação dos processos
gramaticais, em especial os processos de derivação prefixal e de composição. E, ainda
neste capítulo, é feita a apresentação do corpus e a demonstração da metodologia
utilizada.
O capítulo 3 compreenderá a análise dos dados. Nessa parte, são levantadas
discussões fonológicas, morfológicas e semânticas a partir das palavras que compõem o
corpus.
E, por fim, a conclusão a respeito do estudo, mostrando que argumentos de
âmbitos fonológico e semântico não são suficientes para distinguir composição e
derivação prefixal. Em termos morfológicos, tais formas são classificadas como
radicais, e não como prefixos. Sendo assim, palavras em que entrem antepostas as
formas mal, não e contra são analisadas como formações compostas, e não como
derivadas.
1
os lexemas, conforme propõe Matthews (1991 : 26), são grafados com todas as letras em maiúsculas,
diferindo-os de radicais e de morfemas.
Apresentação do problema
11
1.2 – A controvérsia da prefixação no português
Said Ali ([1931]1966: 249-64), Rocha Lima (1957: 179-217), Bechara (1966:
214-37), Cunha & Cintra (2001: 83-88) e Basílio (1989 : 26-35) classificam os prefixos
como elementos formadores de unidades lexicais derivadas; Câmara Jr. (1977: 76/92) e
Pereira ([1918]1940: 188), ao contrário, preferem incluir as formações prefixais no
âmbito da composição. O Quadro 1 a seguir, resume as posições desses autores (ênfase
acrescentada).
Apresentação do problema
12
Apresentação do problema
Bechara
Rocha Lima
Said Ali
“Derivação consiste em formar palavras de outra
“A composição consiste na criação de uma palavra
primitiva por meio de afixos. Os afixos se dividem,
nova composta por meio de duas ou mais outras
em português, em prefixos (se vêm antes do radical)
cuja significação depende das que encerram as suas
ou sufixos (se vêm depois).” (1966 : 216)
componentes.” (1966 : 215)
“Composição é o processo pelo qual se cria uma
palavra pela reunião de duas ou mais palavras de
existência independente na Língua, de tal sorte que
estas percam sua significação própria e passem a
formar um todo com significação nova.” (1957 : 179)
“Chama-se palavra composta a toda combinação de
vocábulos que serve de nome especial para certo
gênero de seres, ou com que se exprime algum
conceito novo, diferenciando do sentido primitivo dos
elementos componentes.”
(1966 : 258)
“A derivação (...) toma palavras existentes e lhes
acrescenta certos elementos formativos com que
adquirem sentido novo, referido contudo ao
significado da palavra primitiva. Postos estes
elementos no fim do vocábulo derivante (geralmente
com a supressão prévia da terminação deste) chamamse sufixos, e o processo de formação toma o nome
particular de derivação sufixal.
Elementos formativos existem diferentes destes, que
se colocam antes da palavra derivante, e se chamam
prefixos; tal processo é o da derivação prefixal.”
(1996 : 229)
“Derivação é processo pelo qual de uma palavra se
formam outras, por meio de agregação de certos
elementos que lhe alteram o sentido – referido sempre,
contudo, à significação da palavra primitiva. Tais
elementos se chamam prefixos ou sufixos, segundo se
coloquem antes ou depois de palavra derivante.”
(1957 : 179)
Definição de composição
Definição de derivação
Autores
(Quadro 1)
13
Apresentação do problema
14
Basílio
Cunha & Cintra
Autores
Definição de composição
“O processo de derivação se caracteriza pela junção
de um afixo (sufixo ou prefixo) a uma base para a
formação de uma palavra. Assim, dizemos que uma
palavra é derivada quando ela se constitui de uma base
e um afixo.
Por exemplo, as formas retratista (retrato + ista),
livreiro (livro + eiro), (...) reler (re + ler) e predispor
(pre + dispor) são formas derivadas: em todas
verificamos a estruturação base + afixo, que se
concretiza em base + sufixo (como em retratista) ou
em prefixo + base ( como em reler).” (1989 : 26)
“O processo de composição se caracteriza pela
junção de uma base a outra para a formação de
uma palavra. Assim, dizemos que uma base é
composta sempre que esta apresenta duas bases. Por
exemplo, palavras como guarda-chuva (guarda +
chuva), luso-brasileiro (luso + brasileiro),
sociolingüístico (sócio + lingüístico) e agricultura
(agri + cultura) são compostas, isto é, formadas pela
junção de duas bases, sejam estas formas presas –
isto é, formas que dependem de outras para sua
ocorrência, como agri- em agricultura – ou livres,
como chuva, brasileiro, e assim por diante.” (1989 :
27)
“A composição, já sabemos, consiste em formar uma
nova palavra pela união de dois ou mais radicais. A
“Denominam-se [palavras] derivadas as que se palavra composta representa sempre uma idéia única e
formam de outras palavras da língua mediante o autônoma, muitas vezes dissociada das noções
acréscimo ao seu radical de um prefixo ou um expressas pelos seus componentes. Assim, criadosufixo.” (2001 : 82)
mudo é o nome de um móvel; mil-folhas, o de um
doce (...)” (2001 : 105)
Definição de derivação
Apresentação do problema
15
Câmara Jr
Pereira
. “Composição: Formação de uma palavra pela reunião de
outras, cuja significação se completa para formar uma
significação nova.
Os vocábulos que entram na composição podem
apresentar-se numa forma variante daquela que figura
como forma livre, por morfofonêmica (fruti- em vez de
fruto em fruticultura), ou podem só aparecer na língua
como formas presas em compostos (-fero em frutífero,
agr- e –cola em agrícola). Deste último tipo são os
prefixos, quando não coincidem com preposições na
língua.” (1977 : 76)
“Composição é o processo pelo qual se formam palavras
novas com a união de dois ou mais elementos, como p.
ex.: re + fazer, couve + flor, água + ardente = refazer,
couve-flor, aguardente.” (1940 : 187)
“Derivação, em geral, é o processo pelo qual de umas
palavras se originam outras chamadas DERIVADAS. Em
relação a estas chamam-se aquelas PRIMITIVAS.
Há dois processos de derivação: 1º DERIVAÇÃO
PRÓPRIA, 2º DERIVAÇÃO IMPRÓPRIA.
A DERIVAÇÃO PRÓPRIA faz-se por meio de sufixos que,
aglutinados ao tema das palavras primitivas, lhes
modificam a significação, determinando-a, p. ex.: guerr +
ear, guerr + eiro, guerr + ilha.
(...)
Chama-se DERIVAÇÃO IMPRÓPRIA a mudança que sofre
uma palavra no sentido ou na categoria gramatical sem
intervenção de sufixos. ” (1940 : 177-186)
“Estruturação de um vocábulo, na base de outro, por meio
de um morfema que não corresponde a um vocábulo e
introduz no semantema uma idéia acessória que não
muda a significação fundamental. Em português, os
morfemas segmentais nestas condições são os que se
pospõem ao semantema e entram pois na classe de
sufixo. Os que se antepõem ao semantema, na classe de
prefixo, salvo nos derivados parassintéticos, correspondem
a preposições, portuguesas ou latinas, e alteram
fundamentalmente a significação do semantema; são
por isso incluídos de preferência no processo da
composição, embora muitos gramáticos incluam sufixos e
prefixos na derivação, que passa a ser sufixal e prefixal.
(...)” (1977 : 92)
Definição de composição
Definição de derivação
Autores
As gramáticas de Said Ali ([1931]1966), Rocha Lima (1957), Bechara (1966)
Cunha & Cintra (2001) e de Pereira ([1918]1940) fizeram parte do ensino descritivo do
português durante todo o século XX. Elas são representativas das gramáticas escolares
do português, as quais tratam a morfologia de maneira mais independente em relação à
sintaxe. Na gramática de Said Ali, por exemplo, foi adicionada à segunda edição (1931)
uma parte apenas tratando da formação de palavras. Na de Bechara (1966) há duas
partes: “estudo das construções” e “estudo das formas”, em que esta constituiu a
morfologia e aquela a sintaxe. Da mesma forma organiza-se a gramática de Rocha
Lima (1957). Em ambas, a estrutura dos vocábulos e a formação de palavras são tópicos
pertencentes à morfologia. Em Cunha & Cintra, no entanto, a morfologia e a sintaxe se
fundem no que se denomina morfo-sintaxe, entretanto a estrutura e formação de
palavras são estudadas num capítulo à parte. Pereira (1918]1940) apresenta uma divisão
em lexicologia e sintaxe, esta responsável pelo “estudo das palavras combinadas para a
expressão do pensamento” e aquela responsável pelo “estudo das palavras isoladas,
consideradas em si.” Na lexicologia estão inseridos os estudos morfológicos, entre eles
a etimologia, em que se tratam a derivação e a composição.
Em Said Ali ([1931]1966), Rocha Lima (1957), Bechara (1966) e Cunha &.
Cintra (2001), a prefixação é definida como um processo de derivação que consiste na
formação de palavras pelo acréscimo de um prefixo. Ver Quadro 1. Nessas gramáticas,
os prefixos são definidos como morfemas que se antepõem ao radical, atribuindo-lhe
uma idéia acessória. Foi, ainda, apresentado o caráter independente dos prefixos,
quando tais gramáticos afirmam que eles originam-se, em geral, de advérbios ou de
preposições que têm ou tiveram vida autônoma na língua. Quanto ao processo de
composição, percebeu-se uma uniformidade nos conceitos trazidos em tais gramáticas.
Apresentação do problema
16
Todas consideram a composição a reunião de dois radicais em que é desfeito o
significado de cada um para dar lugar a um novo significado, único e autônomo, à
palavra composta.
Pereira ([1918]1940), no entanto, apresenta uma proposta diferente das
gramáticas citadas, ao trazer a prefixação entre os tipos de composição.
Quanto aos lingüistas Basílio (1989) e Câmara Jr., é de grande importância
para um estudo sobre a distinção entre radical e prefixo a apresentação das postulações
desses autores a respeito de derivação prefixal e de composição, visto que são lingüistas
respeitados e influentes nos estudos da língua. Como pode ser observado no Quadro 1,
Basílio (1989) classifica as formações com prefixo como formações derivadas,
consoante ao que Said Ali ([1931]1966), Rocha Lima (1957), Bechara (1966) e Cunha
& Cintra (2001) apresentam, ao passo que Câmara Jr (1977), assim como o gramático
Pereira ([1918]1940), prefere incluir as formações prefixais no âmbito da composição.
Em virtude dessa divergência nos estudos da língua quanto à classificação da
prefixação, é necessário, então, expor e comparar argumentos de âmbito lingüístico e
gramatical defendidos por esses autores. Nesse sentido, no tópico a seguir, será feito um
panorama do tratamento dado aos prefixos e ao processo de composição pela tradição
gramatical do português e pelos lingüistas Basílio e Câmara Jr., tendo como foco
principal a questão da controvérsia da prefixação. Logo após, o Quadro 2 apresenta uma
síntese dessa revisão bibliográfica.
1.2.1 - Prefixação como derivação
1.2.1.1 – Sail Ali ([1931]1966)
Apresentação do problema
17
Said Ali considera plausível, a princípio, a análise que exclui a prefixação do
processo de derivação quando considera partículas usadas como vocábulos
independentes na língua, mas, para o gramático, esse fato não sustenta a proposta ao se
analisar elementos formativos do tipo dis-, re-, in-, pré-, ob- que não são usados como
palavras isoladas, mas apenas atrelados a um radical, como em
INFELIZ, PRÉ-VESTIBULAR, OBSTÁCULO.
DISTENDER, REFAZER,
Embora alguns desses elementos já tenham sido
preposições ou advérbios no passado, este argumento torna-se inválido, a não ser que,
nesse mesmo sentido, sejam também analisados alguns sufixos que, claramente, já
foram usados como palavras independentes, como por exemplo o sufixo –mente. Em
latim só se usaram dizeres como fera mente, bona mente (ou feramente, bonamente,
pois se pronunciariam ligando as palavras), em que se combinava o substantivo com
qualificativos adequados à sua significação. Desse uso, a palavra
MENTE
perdeu a
significação e valor de substantivo e passou a funcionar como sufixo criador de
advérbios,
como
RAPIDAMENTE,
RECENTEMENTE,
FEROZMENTE.
Deste
modo,
desapareceria por completo o conceito de derivação.
1.2.1.2 – Rocha Lima (1957)
O gramático, no capítulo sobre formação de palavras, apresenta os processos
de derivação e composição, e inclui no primeiro a prefixação e a sufixação, no entanto o
autor cita a seguinte postulação de Said Ali ([1931]1966):
“Mas os prefixos são, na maior parte, preposições e advérbios, isto é, vocábulos de
existência independente, combináveis com outras palavras, equivale isto a dizer
que não está bem demarcada a fronteira entre a derivação prefixal e a composição”
(Said Ali, 1966 : 229)
Apresentação do problema
18
Em seguida, Rocha Lima apresenta autores que consideram a prefixação um
tipo de composição e outros autores que preferem incluí-la entre as formações
derivadas, tal como ele segue em sua gramática.
1.2.2.3 – Bechara (1966)
Evanildo Bechara apresenta a prefixação como derivação, juntamente com a
sufixação e menciona o fato de que,
“Ao contrário dos sufixos, que assumem valor morfológico, os prefixos têm mais
força significativa, podem aparecer como formas livres e não servem, como
aqueles, para determinar uma nova classe de vocábulos.” (1966 : 206)
De fato, como afirma o gramático, os prefixos assumem, num primeiro
momento, a função de adicionar um significado à palavra, e não de determinar uma
classe gramatical, como os sufixos. No entanto, há casos em que um morfema anteposto
a uma base forma uma palavra que pode apresentar função diferente da categoria
gramatical da palavra de base, como no exemplo apresentado por Alves (1993 : 390)
“hoje, no Japão, quer dizer uma situação diferente daquele Japão pré-guerra, né?”.
O substantivo GUERRA, ao receber o prefixo pré-, passa a adquirir uma função
adjetiva, como pode ser visto na frase acima. Assim como ocorre em ANTIÁCIDO:
ANTIÁCIDO
(adjetivo)
prefixo anti- +
ÁCIDO
(substantivo)
Apresentação do problema
19
1.2.1.4 - Cunha & Cintra (2001)
Cunha & Cintra (2001 : 84) a princípio afirmam que
“a rigor, poderíamos até discernir as formações em que entram prefixos que são
meras partículas, sem existência própria no idioma (como des- em desfazer, ou reem repor), daquelas de que participam elementos prefixais que costumam
funcionar também como palavras independentes (assim: contra- em contradizer,
entre- em entreabrir). No primeiro caso haveria DERIVAÇÃO; no segundo, seria
justo falar-se em COMPOSIÇÃO."
Em seguida, porém, eles preferem não fazer essa distinção e consideram toda e qualquer
formação com prefixos um processo de derivação, e como justificativa para adotar essa
posição ele afirma que "nem sempre é fácil estabelecer tal diferença" (2001 : 84).
Tendo em vista que se trata de uma gramática escolar, entende-se que não é intenção de
tais gramáticos resolver todas as questões da língua.
1.2.1.5 – Basílio (1989)
Segundo Basílio (1989 : 26), o processo de derivação se caracteriza pela
junção de um afixo (sufixo ou prefixo) a uma base para a formação de uma palavra.
Assim, são formações compostas algo como reler (re + ler) e predispor (pre + dispor).
Para a lingüista, a derivação prefixal se estrutura a partir de um prefixo + uma base.
Essa base é, em geral, uma forma livre.
Para Basílio (1989 : 29), a derivação envolve um afixo, que é um elemento
estável, com função sintática ou semântica predeterminada. Segundo a autora,
“os prefixos nunca mudam a classe da palavra a que se adicionam. (...) De fato, a
prefixação é utilizada para a formação de palavras quando queremos, a partir do
significado de uma palavra, formar outra semanticamente relacionada, que
Apresentação do problema
20
apresente uma diferença semântica específica em relação à palavra-base.” (1989 :
9).
Nesse sentido, Basílio apresenta exemplos como o prefixo pré-, que indica
anterioridade
ADOLESCÊNCIA,
em
PRÉ-FABRICADO,
PRÉ-DISSEMINADO,
PRÉ-VESTIBULAR,
etc; o prefixo re-, que indica repetição em
RELEMBRAR, RETOMAR, RECOMEÇAR.
PRÉ-
REFAZER, RELER,
Em todos os casos, a palavra que se forma
mantém uma relação semântica fixa com a palavra-base.
A composição, por outro lado, envolve a junção de uma base a outra base, não
havendo elementos fixos. Essas bases são elementos semânticos de existência
independente no léxico que se juntam para formar apenas um elemento lexical. O
significado de um composto é, freqüentemente, desligado do significado de seus
componentes. Como exemplos, Basílio apresenta que
“em compostos do tipo substantivo + substantivo, o primeiro substantivo funciona
como núcleo da construção e o segundo como modificador ou especificador: sofácama, peixe-espada, couve-flor; em composições de substantivo + adjetivo, o
núcleo é o substantivo e o modificador é o adjetivo, independente da ordem de
ocorrência: obra-prima, livre-arbítrio, caixa-alta, belas-artes. Ainda, em
composições verbo + substantivo, o substantivo tem função análoga à de objeto do
verbo: guarda-roupa, mata-mosquito, porta-bandeira.” (1989 : 29,30)
1.2.2 - Prefixação nem sempre é derivação
1.2.2.1 – Pereira (([1918]1940)
Segundo Pereira ([1918]1940) : 188), a composição é um processo de
formação de palavras a partir de dois elementos. Estes podem ser:
Apresentação do problema
21
1) um prefixo e uma palavra (prefixação)
INQUIETO (in- + QUIETO)
MALTRATAR (mal- + TRATAR)
2) duas palavras que conservam, cada uma, a grafia e a prosódia (justaposição)
PASSATEMPO (PASSA + TEMPO)
COUVE-FLOR (COUVE + FLOR)
3) duas palavras com a perda da autonomia prosódica (aglutinação)
AGUARDENTE (ÁGUA + ARDENTE)
FIDALGO (FILHO + de + ALGO)
O prefixo é definido como o afixo que se antepõe ao tema para modificar sua
significação. Segundo o gramático, como todo composto apresenta um elemento
principal (o determinado) e um elemento acessório (o determinante), numa formação
prefixal, o prefixo é o determinante, o qual acrescenta uma idéia acessória à palavra
simples, e esta é o elemento determinado.
Os prefixos, conforme Pereira ([1918]1940 : 188) classifica, podem ser:
ƒ
expletivos (quando não acrescentam significado ao tema, como em aem ALEVANTAR =
ƒ
LEVANTAR; ACURVAR
=
CURVAR)
inexpletivos (quando acrescentam uma idéia acessória à palavra a que
se agrega, como o prefixo re- em REFORMAR; in- em INVERDADE)
ƒ
separáveis (quando o prefixo pode também aparecer na língua de
maneira independente, isto é, sem está compondo outra palavra,
exemplos:
COMPOR, CONTRADIZER, MALDIZER;
com, contra e mal são
partículas que se usam na frase sem ser em composição de palavras).
Apresentação do problema
22
ƒ
inseparáveis (quando o prefixo só aparece na composição de palavras,
como por exemplo
INVERDADE
e
CIRCUNDAR;
os prefixos in- e circum-
não aparecem isolados na frase).
O autor afirma, ainda, que são compostos perfeitos aqueles formados por
prefixação e por aglutinação, visto que, em ambos, “os elementos componentes se
fundem não só na forma, mas também na idéia, para expressarem um conceito único,
uma única imagem.” (1940 : 197)
Observa-se, portanto, que todo composto apresenta um elemento determinante
e outro determinado. Embora, segundo Pereira ([1918]1940), um prefixo seja sempre o
elemento determinante de uma composição, há aqueles prefixos (prefixos expletivos)
que não acrescentam significado algum ao tema. Este tipo de prefixo não é nem o
elemento determinante, nem o elemento determinado na formação.
1.2.2.2 – A proposta de Câmara Jr. (1976; 1977)
Para a criação de novas palavras, Câmara Jr. (1976 : 221)
propõe dois
mecanismos distintos: a composição e a derivação. Esta constitui um processo em que
se formam palavras por acréscimo de sufixos, e aquela se caracteriza, basicamente, pela
“associação significativa e formal de duas palavras, e daí resulta uma palavra nova, em
que se combinam as significações das que a constituem.” A composição mais comum
do ponto de vista formal, segundo o lingüista, é aquela em que dois nomes se combinam
sem a perda de fonemas. Trata-se de uma justaposição em que há dois vocábulos
fonológicos, isto é, cada elemento da formação mantém seu acento. São desse tipo de
composição os exemplos:
Apresentação do problema
23
ƒ
OBRA-PRIMA
ƒ
MESTRE-ESCOLA
ƒ
BEIJA-FLOR
(substantivo + adjetivo)
(substantivo + substantivo)
(verbo + substantivo)
Câmara Jr. apresenta também, a respeito da composição, que a maior
tendência na língua é para a formação de apenas um vocábulo fonológico, nesse sentido
tem-se a união de duas palavras com a perda de fonemas, ou seja, a aglutinação. Como
exemplo, o lingüista apresenta:
ƒ
PLANALTO
ƒ
AGUARDENTE
(plano + alto)
(água + ardente)
O lingüista propõe, entretanto, que o genuíno mecanismo da composição em
português é a prefixação. O prefixo é definido por Câmara Jr. como “o afixo que vem na
parte inicial do vocábulo” (1977 : 315) e é a variante presa das preposições. O lingüista
considera três casos para a identificação dos prefixos:
1º) quando o prefixo é acrescentado a um radical que é uma forma livre.
Exemplo: PREDIZER.
2º) quando o prefixo é acrescentado a um radical que é uma forma livre numa
estrutura variante. Exemplo: PERMITIR, cf. METER.
3º) quando o prefixo é acrescentado a um radical que, embora seja apenas
forma presa na língua, aparece com prefixos diferentes. Exemplo:
COLISÃO, ELISÃO.
Apresentação do problema
24
Câmara Jr. sustenta a proposta da inclusão das formações com prefixos entre
os processos de composição com dois argumentos.
Um diz respeito ao fato dos prefixos serem variantes presas das preposições.
As preposições sofreram grande redução do latim vulgar, logo no português, com isso a
diferença que havia entre prefixos e preposições passou a ser menos visível. Muitas
preposições desaparecem e passaram a funcionar como prefixos.
O outro argumento refere-se à alteração da significação do semantema. “O
prefixo, como partícula adverbial em essência, modifica a significação primitiva, nela
introduzindo a sua significação adverbial” (1976 : 227). A derivação, ao contrário,
segundo o lingüista, se estrutura por meio de um afixo (sufixo) que apenas introduz no
semantema uma idéia acessória que não muda a significação fundamental.
Assim, segundo Câmara Jr., o sistema de prefixação em português pode ser
dividido em três grupos de partículas:
1º - as que também funcionam como preposições,
2º - as que são variantes (em forma erudita) das preposições,
3º - as que são exclusivamente prefixos.
Após esse panorama do tratamento dado aos prefixos e ao processo de
composição pela tradição gramatical e pelos lingüistas Basílio e Câmara Jr., o quadro 2,
a seguir, apresenta uma síntese dessa revisão bibliográfica.
Apresentação do problema
25
JUSTIFICATIVA
Segundo o gramático, a prefixação deve ser considerada um processo de
derivação pelo fato de elementos formativos como dis-, re-, in-, pré- não
serem formas livres na língua, portanto, não há como classificar
formações como díspar, refazer, infeliz, pretônico como compostos.
Além disso, o gramático rebate o argumento de que estas formas já foram
preposições ou advérbios no passando, apresentando o fato de que
elementos claramente identificados como sufixos, como –mente por
exemplo, já foram usados como forma livre na língua.
O autor cita que muitos autores consideram a prefixação caso de
composição, mas que existem outros que a incluem entre os processos
normais de derivação. O gramático apenas afirma, então, adotar o critério
da prefixação como tipo de derivação.
Bechara apresenta que os prefixos assumem um valor significativo que
empresta ao radical um novo sentido, patenteando, assim, a sua natureza
de elemento mórfico de significação externa subsidiária. O autor
menciona que, por este motivo, algumas gramáticas antigas e autores
modernos classificam a prefixação como um tipo de composição, mas ele
não adota essa análise.
INTERPRETAÇÃO DA
PREFIXAÇÃO
Prefixação como
derivação
Prefixação como
derivação
Prefixação como
derivação
AUTOR
Sail Ali ([1931]1966)
Rocha Lima (1957)
Bechara (1966)
(Quadro 2)
Apresentação do problema
26
Apresentação do problema
27
Prefixação como
derivação
Prefixação como
derivação
Cunha & Cintra (2001)
Basílio (1989)
INTERPRETAÇÃO DA
PREFIXAÇÃO
AUTOR
Segundo Basílio, o processo de prefixação é um caso de derivação, visto
que envolve uma estrutura que consiste em um afixo + uma base, sendo
esse afixo um elemento estável e com função semântica determinada,
como o prefixo pre- em pre-fabricado, que indica a idéia de anterioridade;
e o prefixo re-, em reler, que indica a idéia de repetição. Para a lingüista, a
derivação prefixal é diferente da composição, pois esta envolve a junção
de duas bases e não há elementos fixos.
O autor chega a considerar que contra-, em contradizer, e entre-, em
entreabrir, possam fazer parte de uma composição, e não de uma
derivação. Mas prefere não adotar essa análise por não ser fácil
estabelecer a diferença entre um processo e outro. E afirma, ainda, que os
prefixos, assim como os sufixos, formam novas palavras que conservam
via de regra uma relação de sentido com o radical derivante.
JUSTIFICATIVA
Apresentação do problema
28
Prefixação como
composição
Prefixação como
composição
Pereira ([1918]1940)
Câmara Jr. (1976;
1977)
Segundo o gramático, a prefixação constitui um tipo de composição, na
medida em que este processo é responsável pela formação de palavras a
partir da união de dois ou mais elementos, sendo um determinante e o
outro determinado. O prefixo é o determinante que acrescenta uma idéia
acessória ao tema. A prefixação não se trata, portanto, de uma derivação,
já que neste processo o afixo se junta ao tema para modificar a
significação deste.
Segundo o lingüista, o prefixo é a variante presa das preposições e cria
uma nova significação externa para a palavra a que se adjunge. Não pode
ser derivação, porque esta, segundo Câmara Jr., não muda a significação
fundamental da palavra.
JUSTIFICATIVA
INTERPRETAÇÃO DA
PREFIXAÇÃO
AUTOR
Pereira ([1918]1940) e Câmara Jr. (1976;1977) apresentam argumentos
semelhantes e se prendem à questão semântica da prefixação (o prefixo modifica a
significação da base a que se adjunge) que é parecida com a composição. Said Ali
(1931]1966), Rocha Lima (1957), Bechara (1966) e Cunha & Cintra (2001) chegam a
citar o argumento apresentado por outros autores como Pereira e Câmara Jr., mas, por
fim, optam pela análise da prefixação como tipo de derivação e não apresentam, de fato,
argumentos de base morfológica para justificar essa análise. Por outro lado, o critério
apresentado por Basílio (1989) a respeito da caracterização do prefixo como elemento
fixo na formação justifica bem a inclusão da prefixação entre os tipos de derivação.
1.3 – Prefixação e Composição
Uma derivação prefixal constitui-se na formação de uma palavra por meio de
um prefixo que se antepõe a um lexema (Matthews, 1991: 61) ou a uma palavra
(Laroca, 1994:84) ou base (Bauer, 1983:216) ou radical (Cunha & Cintra, 2001:79)
_______
e esta indefinição do elemento nuclear para a caracterização da formação já faz
antever os problemas de classificação _____, acrescentando-lhe um significado acessório
(vide Alves, 1992:101; Cunha & Cintra, 2001:80)
(1)
a. PRÉ-HISTÓRIA
pré prefixo
b. PRETÔNICA
préprefixo
HISTÓRIA
lexema/palavra
radical
base
TÔNICA
lexema/palavra
radical
base
Apresentação do problema
29
Em (1) acima, o prefixo pré- vem agregado aos lexemas ou palavras (ou às
bases, ou aos radicais)
HISTÓRIA
e
TÔNICA,
respectivamente, atribuindo-lhes a idéia de
anterioridade em relação ao ponto de referência neles levado em conta. Tanto num
quanto noutro exemplo há a expansão do radical pelo prefixo.
Uma composição, por sua vez, é a formação de uma palavra a partir da reunião
de mais de um radical (Sapir, 1921: 71), ou palavra (Fabb, 1998: 66), ou base (Basílio,
1989:29), como ilustrado em (2), a seguir.
(2)
a. BEIJA-FLOR
BEIJA
+
FLOR
radical radical
base
base
palavra palavra
significado: Pequena e formosa ave americana, da família dos troquilídeos.
(Ferreira, 1986)
b. LIQUEFAZER
liqüe- +
FAZER
radical preso
base
palavra
radical
base
palavra
significado: reduzir a líquido; derreter.
(Ferreira, 1986)
Em geral, tomando por base sua fonologia, os compostos são classificados em
dois tipos, ilustrados em (2) acima. O item (2a) ilustra um composto formado pela
justaposição de dois elementos que funcionam, cada um, de maneira independente na
língua. São formas livres, segundo a definição de Bloomfield (1926: 27), que se
juntaram para formar uma nova palavra, uma vez que BEIJA-FLOR é o nome popular de
um pássaro. Em (2b), há um composto a partir da união de uma forma livre (fazer) e de
Apresentação do problema
30
uma forma presa, liqüe-. Trata-se de um composto por aglutinação, que se caracteriza
por juntar dois radicais com a perda de fonemas.
Tendo em vista aspectos semânticos, como apresentam Cunha & Cintra (2001
: 106), um composto se estrutura a partir de um elemento determinado, que contém a
idéia geral, e de um elemento determinante, que encerra a noção particular. Assim,
MANGA-ROSA
é um composto em que
MANGA
é o determinado e
ROSA,
o determinante.
Fabb (1998 : 66) afirma que a composição ocorre por processos de caráter semântico,
incluindo a metonímia, como em
REDHEAD,
que significa uma pessoa que tem cabelo
vermelho. Ainda segundo este autor, há muitas possibilidades de relações semânticas
entre as partes de um composto, assim como há entre as partes de uma sentença, mas
diferentemente de uma sentença, em um composto, as relações de caso, preposições e
posições estruturais não são válidas para esclarecer a relação semântica.
Justaposição e aglutinação, no entanto, ao focalizarem aspectos fonológicos,
são termos que podem ser aplicados também às formações por prefixação. É o que faz
Câmara Jr (1976:228). Segundo o lingüista, o prefixo pode-se estruturar,
fonologicamente, como uma ou mais sílabas átonas no início do vocábulo (aglutinação),
ou pode apresentar um acento secundário na estrutura do vocábulo (justaposição).
A distinção entre composição e prefixação também não é tão simples mesmo
que se lance mão de critérios semânticos.
Considera-se que o radical contém o
significado principal da palavra, e o prefixo acrescenta ao radical uma idéia acessória.
Conforme destaca Basílio (1974 : 90), na análise de uma palavra nem sempre é simples
distinguir o que é principal e o que é acessório. Em mesas, por exemplo, não há dúvida
de que mesa contém o significado básico, enquanto -s apresenta um significado
acessório. Já em cigarreira, equivalente a ‘caixa para cigarros’, o significado principal
Apresentação do problema
31
estaria no sufixo, que levaria à idéia do continente, ou no radical, que remeteria ao
conteúdo?
Quando se está diante de elementos como in-, des- e a- em INFELIZ, DESLEAL e
AMORAL,
LEAL
e
parece evidente que tais elementos acrescentam a idéia de negação a
MORAL
FELIZ,
e também que nestas palavras está a idéia principal. No tocante a in-,
des- e a- , trata-se de formas átonas que funcionam na língua apenas quando conectadas
a um radical, isto é, são prefixos. Por outro lado, não é muito claro se será o caso de se
analisar a estrutura de uma palavra como CONTRA-REVOLUÇÃO como constituída de um
ou de dois radicais. Não é muito claro se o elemento contra-, nesse exemplo, poderia ser
um radical ou um prefixo. Há um acento em contra-, que permite a percepção de
independência dos dois elementos na formação.
1.4 – Prefixos e radicais
Nas formações
DESNECESSÁRIO, ANORMAL, INFELIZ,
os prefixos des-, a- e in-
apresentam a idéia “não tem as características de”, significado este que nega a idéia
expressa pelas bases adjetivas
NECESSÁRIO, NORMAL
e
FELIZ,
respectivamente. Os
prefixos apresentam, portanto, um significado lexical, assim como o radical.
Quando, então, um elemento deve ser classificado como radical e quando deve
ser considerado prefixo?
De acordo com a definição de Bloomfield (1926: 27) para forma livre e
forma presa, os afixos encontram-se entre as formas presas que, diferentemente das
formas livres, não funcionam como comunicação suficiente, isto é, funcionam apenas
quando associados a outro elemento. O prefixo seria, portanto, um constituinte de
Apresentação do problema
32
palavras. O radical, por sua vez, poderia ser uma forma livre indecomponível 2 , como
FLOR
(em 2a), ou não, como
BEIJA
(também em 2a), ou ainda uma forma presa, como
liqüe- (em 2b).
Os afixos, os prefixos dentre eles, são definidos, basicamente, em relação à sua
posição face a um radical. A composição tem o caráter dúbio de ser caracterizada com
o resultado da união de radicais, ou da união de prefixos e radicais. Falta definir
radical/raiz/base.
Câmara Jr. (1977: 205), ao definir radical como “a parte lexical de vocábulo,
que se opõe à parte correspondente à flexão externa, a que se liga ou não pelo índice
temático”, afirma que esta parte lexical pode ser primária, isto é, quando o vocábulo é
primitivo, apresentando a raiz e mais a possibilidade de flexão, e também pode ser
secundária, ou seja, quando o radical é expandido por afixos. O elemento préapresenta-se no exemplo (1b), aqui repetido por conveniência,
(1)
b. PRETÔNICA
préprefixo
TÔNICA
lexema/palavra
radical
base
como sílaba átona no início da palavra e é tido, sem dúvida, como um prefixo, ainda que
em (1a) ele possua um acento secundário e seja justaposto ao radical/raiz/base histórico.
1.5 – Justificativa
O tema deste trabalho justifica-se teoricamente porque retoma a questão da
controvérsia da prefixação, focalizando a fronteira entre radical e prefixo, isto é, trata de
2
Indecomponível caso não se leve em conta a proposta de morfema zero.
Apresentação do problema
33
noções que são fundamentais para o estudo do lexema. Os conceitos de radical e prefixo
são básicos para se estabelecer a diferenciação de processos morfológicos e para a teoria
lingüística é fundamental haver a distinção entre um processo e outro, na medida em
que línguas vivas, como o português, aumentam seu vocabulário a partir de mecanismos
gramaticais como derivação e composição, e estabelecer a diferença entre um
mecanismo e outro é bastante relevante para o entendimento de cada um.
Justifica-se o recorte imposto aos dados para este estudo: as formas
selecionadas, não-, mal- e contra- têm todas, de algum modo, a idéia de negação.
Apresentam-se como formas livres na língua e como constituintes de palavras. Tal fato
encontra-se na base da questão central deste trabalho, isto é, a diferença entre radical e
prefixo: as formas não, mal e contra ora são tidas como radicais, ora são analisadas
como prefixos. Ao proceder a esse recorte, a discussão da teoria passa a ter de revisar
análises prévias, propostas para o português.
Metodologicamente, como este trabalho não está voltado para questões
relacionadas com a produtividade ou com a freqüência de dados, foi possível recorrer
apenas ao dicionário para a coleta do corpus.
E, na medida em que se propõe tratar de questões a respeito da estrutura da
palavra, acredita-se, numa perspectiva prática, que este estudo possa ser aplicado, por
exemplo, no ensino de línguas. A questão abordada neste trabalho pode ser levada para
a sala de aula, preferencialmente de nível médio ou superior, e avaliada pelos alunos,
levando-os, a partir de suas próprias percepções, a estabelecer a definição e a distinção
de processos morfológicos como derivação prefixal e composição.
Apresentação do problema
34
CAPÍTULO
2
FUNDAMENTAÇÃO E METOLODOGIA
2.1 – Introdução
Os objetivos deste capítulo são, primeiramente, expor a fundamentação teórica
do trabalho, que está centrado na caracterização da estrutura interna do lexema, em
acordo com Matthews (1991); em segundo lugar, tratar da prefixação e da composição
como dois modos possíveis de formalizar a relação entre o que se considera um conceito
básico e um conceito secundário do radical (Sapir, 1921:67), em outras palavras,
focalizar a prefixação e a composição como modos pelos quais as gramáticas das
línguas expressam as relações entre diferentes tipos de significados; em terceiro lugar,
apresentar o corpus e justificá-lo; e, por fim, descrever a metodologia utilizada no
desenvolvimento deste trabalho.
2.2 – A estrutura interna do lexema
Estudar a diferença entre um composto e um derivado por prefixo pressupõe
lidar com questões que dizem respeito à estrutura interna da palavra. Dentre as
propostas de análise, aqui se toma a de Matthews (1974; 1991), porque foi ela a fonte
Fundamentação e metodologia
35
das propostas de morfologia baseada em palavras que começaram a surgir na década de
1990, em contraposição à morfologia baseada em morfemas.
Matthews (1991 : 24-36) propõe três noções diferentes para o termo palavra.
A primeira (ou sentido 1, na s,ua exposição) está relacionada à idéia de uma palavra
descrita “em termos de unidades fonológicas: sílabas e, em última análise, letras ou
fonemas, considerados como seus primitivos ou elementos mínimos” (Mathews, 1991:
24). Nesse sentido, Matthews (1991: 30-31) substitui palavra por forma de palavra.
Caso se considere a noção de palavra nesse primeiro sentido e as formas tenho e tinha,
por exemplo, tem-se, então, duas formas de palavras, porque cada uma reúne conjuntos
diferentes de fonemas; assim sendo, enquanto elemento caracterizado fonologicamente,
nenhuma das duas é classificada como Verbo ou qualquer outra classe (Matthews 1991:
31) e tampouco tem significado. A noção de homonímia leva em conta a forma de
palavra.
Tenho e tinha são, no entanto, formas da mesma palavra
TER.
Esta noção
abstrata de palavra, o sentido 2 de Matthews (1991: 26), ele a denomina lexema, grafado
em caixa-alta, convenção proposta por Matthews e que vem sendo adotada na
morfologia. Assim, as palavras amo, amas, ama, amamos são formas do lexema AMAR,
como bicicleta e bicicletas são formas do lexema
BICICLETA.
E chega-se à terceira
noção para o termo palavra na proposta de Matthews, para a qual ele reserva o termo
palavra. Se forma de palavra analisa a unidade em termos de elementos mínimos
fonológicos (ou ortográficos), palavra no terceiro sentido de Matthews leva em conta o
nível gramatical, ou primeira articulação (Matthews, 1991: 29). Cada forma do lexema
AMAR
(amo, amas, ama, amamos etc) é uma forma de palavra distinta, mas também
uma palavra gramatical distinta: diferem entre si em Número/ Pessoa, Tempo/ Modo.
Fundamentação e metodologia
36
Bicicleta e bicicletas são, respectivamente, Singular e Plural de
BICICLETA,
que é um
Nome. Por essa razão, embora reconheça três significados distintos para o termo
palavra, Matthews (1991: 30) mantém a distinção terminológica para, de um lado, os
sentidos 1 e 3 (a que se refere indistintamente, a não ser que seja necessário fazer a
distinção, como palavra) e, de outro, o sentido 2, a que se refere como lexema.
Em termos de sua estrutura, um lexema pode ser simples ou complexo. O
lexema simples, conforme define Matthews (1991: 37), é aquele cuja estrutura não pode
ser analisada em mais elementos morfológicos, como, por exemplo, o Adjetivo LEAL. O
lexema é complexo na medida em que pode ser analisado em mais de um elemento
morfológico, como
DESLEAL,
relacionado ao lexema simples
LEAL.
Por sua vez,
DESLEAL é um lexema complexo que se relaciona a outro lexema, mais complexo, que é
DESLEALDADE.
simples
Um composto, como por exemplo
COUVE
e o lexema simples
FLOR.
COUVE-FLOR,
Por outro lado,
compreende o lexema
TERCEIRO-MUNDISTA
relaciona-se a dois lexemas complexos. A composição e a formação de palavras por
prefixos pertencem, portanto, segundo Matthews (1991: 37), respectivamente, a uma
área da morfologia que diz respeito às relações entre um lexema complexo e dois ou
mais lexemas simples ou mais simples; e à relação entre um lexema complexo e um
lexema simples ou mais simples.
Faz-se necessário, portanto, compreender essas
relações, bem como o que se entende por lexema e como ele se estrutura.
Matthews (1991: 63) analisa lexemas complexos como
DIVERSION,
derivados, respectivamente, de
GENERATE
e
DIVERT,
GENERATION
ou
como derivações em
que há um elemento final –ion, que se liga a um radical. Em termos notacionais, tem-se
(3.1) [X]V → [X + ‘[jən]]N
Fundamentação e metodologia
37
A notação em (3.1) indica que Nomes em –ion
derivados de verbos,
representados pela variável X na regra, são formações potenciais em inglês. Por esse
elemento fazer parte de uma formação lexical, ele é denominado formativo lexical.
GENERATION
deriva de
GENERATE
e é uma relação entre lexemas, visto que
ambas as formas entram como palavras no dicionário. Por outro lado, Matthews
diferencia esse processo daquele que ocorre entre as formas corajoso, corajosa,
corajosos, corajosas, por exemplo.
O Adjetivo CORAJOSO assume diferentes formas de palavra, na dependência de
propriedades ou traços morfossintáticos específicos (Matthews, 1991: 40).
(3.2)
Feminino
→ X + [a]
Singular
X
A
No caso de corajosa, o elemento [a] determina o traço feminino, isto é, trata-se
de um formativo flexional que se aplica ao radical /koRaʒozu/.
Raiz, como define Mathews (1991: 64), “é a forma que subjaz, no mínimo, um
paradigma ou um paradigma parcial, e é ela mesma morfologicamente simples”. Nesse
sentido, a raiz coraj- está presente nas formas corajosa, corajosas, por exemplo, com o
acréscimo do formativo lexical –oso e dos formativos flexionais -a e -s.
Como foi dito, uma forma como corajoso está na base do paradigma do
adjetivo corajoso, mas esta forma, por si só, não é simples, mas complexa, na medida
em que podemos fragmentá-la em duas outras formas menores: coraj- e –oso. Trata-se,
por esse motivo, não de uma raiz, mas de um radical. O radical é também uma forma
Fundamentação e metodologia
38
que serve como base para um paradigma ou parte de um paradigma, mas,
diferentemente da raiz, pode ser dividido em formas menores. Assim corajoso associase à raiz coraj-, que também pode ser um radical. E corajosamente associa-se ao radical
corajoso.
2.3 – A noção de processo gramatical
Os processos gramaticais determinam padrões formais que exprimem funções
diversas na língua. São métodos formais presentes nas gramáticas das línguas e que,
através dos quais, é possível ampliar e renovar seu léxico em função das palavras já
existentes. Segundo Sapir (1921: 69), esses processos
[a]grupam-se em seis tipos principais: ordem vocabular; composição; afixação,
que abrange o uso de prefixos, sufixos e infixos; modificação interna do elemento
radical ou gramatical em referência quer a uma vogal, quer a uma consoante;
reduplicação; e diferenças de acentuação, sejam elas dinâmicas (intensidade),
sejam tônicas (altura, também clamada ‘tom’ e entoação). Há ainda processos
quantitativos especiais quais o alongamento ou a abreviação de vogais e a
geminação de consoantes, mas que podem ser consideradas como subtipos
especiais do processo de modificação interna.
Também Anderson (1985) aborda os processos gramaticais. Voltado, porém,
para a flexão, Anderson procura demonstrar que flexão e derivação não se distinguem
em termos de processos gramaticais, e afirma que a
“ [d]erivation cannot be separeted from inflection in terms of their formal
realizaton, since none of the grammatical processes of prefixation, vowel change,
etc. which appear in grammar are confined to one or the other domain” (1985:
162).
Quando levanta os processos gramaticais relevantes para a morfologia
flexional, Anderson apresenta os processos arrolados por Sapir, exceto ordem vocabular
Fundamentação e metodologia
39
e composição. Interessa para Anderson, na verdade, distinguir as categorias gramaticais,
tais como Número ou Tempo, e os processos que as realizam.
Está em discussão nesse trabalho a distinção entre derivação prefixal e
composição, isto é, a diferença entre dois métodos formais que várias línguas do mundo
dispõem “para indicar a relação de um conceito secundário com o conceito básico do
radical.” (Sapir, 1921:67). Nesse sentido, segue a descrição, primeiramente, da
composição e então da prefixação como processos gramaticais.
2.3.1 – Composição
A composição é definida por Sapir (1921: 71) como “a união em uma só
palavra de dois ou mais elementos radicais”. O lingüista usa para exemplo de
composição a formação em inglês
TYPEWRITER
(‘datilógrafo’), que apresenta um
significado que difere tanto do vocábulo TYPE (‘tipo de impressão’), quanto do vocábulo
WRITER
(‘escritor’), que a compõem. Além disso, a unidade formada por esses dois
elementos pode ser ainda confirmada pela presença de apenas um acento primário, na
primeira sílaba, e por poder receber sufixos como o –s de plural (typewriter/
typewriters). Uma composição deste tipo no português é ilustrada com exemplos como
SEGUNDA-FEIRA
ou BEIJA-FLOR. Trata-se, no primeiro exemplo, do nome de um dia da
semana, formado pelas palavras SEGUNDA e FEIRA. E, no segundo exemplo, do nome de
um pássaro, formado pelos vocábulos
BEIJA
e
FLOR.
Nesses exemplos, também há
apenas um acento primário na sílaba –fei- de SEGUNDA-FEIRA, e no termo flor de BEIJAFLOR,
é importante ressaltar, porém, a presença de um acento secundário na sílaba –gun-
de SEGUNDA-FEIRA e na sílaba bei- de BEIJA-FLOR.
Fundamentação e metodologia
40
Sapir mostra ainda que a composição, um processo aparentemente simples,
não é universal. O nutka, por exemplo, é incapaz de composição tal como ele define este
processo. Nessa língua, uma palavra como “quando, segundo dizem, ele ficou ausente
por quatro dias” (Sapir, 1921: 73) que se poderia imaginar que haveria de ter, pelo
menos, três elementos radicais, relacionados, cada um, aos conceitos de “ausente”,
“quatro” e “dia”, é formada apenas por um radical, acrescido de sufixos que apresentam
“significação quase tão concreta quanto a do próprio radical” (Sapir, 1921: 73). Estes
sufixos são assim classificados pelo fato de estarem agregados ao núcleo da palavra e de
não funcionarem isoladamente na língua.
Em última análise, este é o mesmo argumento que leva Margarida Basílio
(1974) a deixar de lado o significado na distinção entre raiz e afixo. Isto porque a língua
portuguesa apresenta, também, formações em que o afixo traz significado lexical tão
concreto quanto ao do radical. Margarida Basílio (1974 : 90) apresenta como exemplo a
palavra
CIGARREIRA,
estruturada a partir do radical (cigarr-) mais o sufixo –eira: tal
sufixo carrega o significado principal da palavra, se a compreendermos como
equivalente a “caixa para cigarros”.
Existe, conforme Sapir (1921: 73), uma grande variedade de tipos de
composição, que dependem da função, da natureza dos componentes e da sua ordem. A
composição, em muitas línguas, apresenta o que o lingüista chama de função
delimitadora (Sapir, 1921: 73), isto é, um elemento da formação recebe qualificação
mais exata pelo contato com os outros elementos componentes; já em outras, a função é
a de representar relações gramaticais, como sujeito e objeto (Sapir, 1921: 73).
A variedade de tipos de composição depende, em segundo lugar, da natureza
dos componentes de uma composição: nome com nome, verbo com verbo, nome com
Fundamentação e metodologia
41
verbo, advérbio com verbo e assim por diante. Há certas línguas que admitem todos ou
quase todos os tipos de elementos, e há outras línguas que não permitem determinadas
composições.
E, por último, a ordem da composição varia conforma a língua. Em inglês, por
exemplo, o elemento que qualifica é sempre anteposto. Em outras línguas, no entanto,
esse elemento é posposto.
No português é possível apresentar composições de diferentes tipos. Cunha &
Cintra (2001; 106-7) listam como os elementos da composição as seguintes classes
gramaticais:
1. substantivo + substantivo:
MANGA-ROSA
PORCO-ESPINHO
TAMANDUÁ-BANDEIRA
2. substantivo + preposição + substantivo:
CHAPÉU-DE-SOL
MÃE-D’ÁGUA
PAI DE FAMÍLIA
3. substantivo + adjetivo:
AMOR-PERFEITO
(adjetivo posposto ao substantivo)
BELAS-ARTES (adjetivo anteposto ao substantivo)
4. adjetivo + adjetivo:
AZUL-MARINHO
LUSO-BRASILEIRO
TRAGICÔMICO
5. numeral + substantivo:
MIL-FOLHAS
SEGUNDA-FEIRA
TRIGÊMEO
Fundamentação e metodologia
42
6. pronome + substantivo:
MEU-BEM
NOSSA-AMIZADE
NOSSO SENHOR
7. verbo + substantivo:
BEIJA-FLOR
GUARDA-ROUPA
PASSATEMPO
8. verbo + verbo:
CORRE-CORRE
PERDE-GUANHA
VAIVÉM
9. advérbio + adjetivo:
BEM-BOM
NÃO-EUCLIDIANA
SEMPRE-VIVA
10. advérbio (ou adjetivo em função adverbial) + verbo:
BEM-AVENTURAR
MALDIZER
VANGLORIAR-SE
Segundo Cunha & Cintra acima, formações como
ALINHADO
MAL-HUMORADO
e
NÃO-
estariam entre os compostos, visto que se trata da união de advérbio e
adjetivo.
Quanto à questão semântica de determinante (elemento que contém a noção
particular) e determinado (elemento que contém a idéia geral) nos compostos, a língua
portuguesa apresenta tanto casos em que o determinado está anteposto ao determinante,
como por exemplo
ESCOLA-MODELO (ESCOLA
é o termo determinado e
MODELO
é o
termo determinante), quanto o inverso, isto é, casos em que o determinado está posposto
ao determinante, como em
MÃE-PÁTRIA
(MÃE é o termo determinante e
PÁTRIA
o
determinado).
Fundamentação e metodologia
43
2.3.2 – Prefixação
A afixação é o processo mais freqüente nas línguas do mundo, mais freqüente
que todos os outros em conjunto (Sapir, 1921: 74). Este processo gramatical caracterizase pela adição de algum afixo ao radical (Sapir, 1921: 74; Anderson, 1985 : 166). Esse
elemento pode estar antes do radical, no meio ou depois dele, sendo denominado em
acordo com a posição, respectivamente, prefixo, infixo ou sufixo. Os prefixos, porém,
perdem para os sufixos: há línguas que usam apenas dos sufixos, excluindo por
completo a prefixação.
Em algumas línguas, segundo Sapir (1921: 75), prefixos e sufixos têm funções
diferentes: cabe aos prefixos a função de expressar idéias que delimitam a significação
concreta do radical; quanto aos sufixos, têm a função de relacionar o vocábulo ao
restante da sentença. Para ilustrar, o lingüista apresenta uma forma latina como
remittebantur, que significa “eram mandados de volta” (Sapir,1921 : 75):
O prefixo re-, “de volta” apenas qualifica, até certo ponto, a significação inerente
ao radical mitt-, “mandar”, ao passo que os sufixos –eba-, -nt- e –ur transmitem
noções menos concretas, mais estritamente formais, de tempo, pessoa, pluralidade
e passividade.
Por
outro
lado,
há
línguas,
como
as
do
grupo
banto
da
África e as línguas athabaskan da América do Norte, em que os elementos de sentido
gramatical apresentam-se como prefixos, e não como sufixos. Estes, por outro lado,
“constituem uma classe relativamente dispensável” (Sapir, 1921, : 75). O lingüista
exemplifica um verbo hupa te-s-e-ya-te ‘irei’, em que os prefixos trazem informações
que, ligadas ao radical, constituem a unidade do vocábulo, restando ao sufixo
acrescentar uma informação que não é mais necessária ao equilíbrio formal da palavra.
Fundamentação e metodologia
44
Essa oposição entre prefixo e sufixo não é constante. Sapir (1921 : 76) afirma
que “na maioria das línguas que utilizam os dois tipos de afixação, cada grupo tem
ambas as funções, a de delimitação e a de expressão formal ou relaciona.”
No português, os prefixos modificam o sentido do radical a que se adjungem.
Assim, a idéia transmitida pelo radical feliz é modificada pelo acréscimo do prefixo in(INFELIZ). Trata-se de um processo de criação de novos vocábulos, assim como a
composição. E os prefixos não apresentam, no português, a função de relacionar o
vocábulo ao restante da frase. Em outras palavras, não indicam as marcas flexionais.
O que diferencia a composição da prefixação, portanto, é o fato de a primeira
apresentar a união de elementos radicais, isto é, estabelecer a relação de um lexema
complexo e dois ou mais lexemas simples ou mais simples, e de a segunda se estruturar
a partir de um afixo mais um radical, ou seja, estabelecer a relação de um lexema
complexo e um lexema simples ou mais simples. A forma derivada por prefixo
estrutura-se, portanto, a partir de um formativo lexical (o prefixo) mais um lexema,
sendo que este pode ser simples ou complexo.
No português, no entanto, o afixo, isto é, o formativo lexical, pode se
apresentar como forma presa ou como forma livre. Nesse sentido, para caracterizar o
método formal em
CONTRA-REVOLUÇÃO, MAL-AMADO
e
NÃO-ALINHADO
é preciso
determinar se as formas contra, mal e não podem ser classificadas como afixos ou são
estritamente radicais.
Como já foi mencionado anteriormente neste capítulo, Cunha & Cintra (2001)
classificam formações com mal e não como compostos, visto que classificam tais
formas como radicais. As formações com contra, no entanto, são tidas como prefixação
(Cunha & Cintra, 2001: 85). Se o contra, além de ser uma palavra independente na
Fundamentação e metodologia
45
língua, ocorre também, indubitavelmente, como radical em
CONTRÁRIO,
o que
determina, então, a classificação do contra como prefixo, e de mal e não como radicais
em tal gramática?
2.4 – O corpus
Este trabalho centra-se na noção de negação para desenvolver o estudo dos
conceitos de composição e de derivação por prefixação. Deixam-se de fora formações
com des- ou in-, que nunca aparecem sozinhos como enunciado. Dentre os elementos
para a negação em português o recorte que este trabalho faz focaliza apenas aqueles
elementos que se apresentam na língua ora como formas livres, ora como constituintes
de palavras. Nesse sentido, estão presentes no corpus deste estudo formações que
entrem mal, não e contra, como MAL-AMADO, NÃO-ALINHADO e
CONTRA-REVOLUÇÃO.
J. Payne (1985), T. Payne (1997) e Aronoff & Fuhrhop (2002) apresentam que
a negação na morfologia derivacional é representada a partir de elementos que carregam
a idéia negativa de contrário, como em
contraditório, como nos exemplos
MAL-ARRUMADO,
MAL-ENGRAÇADO
e a idéia negativa de
e NÃO-FICÇÃO. No exemplo
MAL-
ARRUMADO
a idéia negativa de contrário está relacionada ao fato de que
MAL-
ARRUMADO
é o contrário de arrumando, mas nem tudo que não está arrumado é
MAL-
ARRUMADO,
visto que também existe algo como DESARRUMADO.
Já a idéia negativa de contraditório está presente numa relação de exclusão
entre dois termos, como ocorre entre
FICÇÃO
MAL-ENGRAÇADO
e
ENGRAÇADO
ou entre
NÃO-
e FICÇÃO. Como ressalta Payne (1985: I, 241),
Fundamentação e metodologia
46
One important distinction is that negative derivational morphemes can create
either contradictory or contrary terms; contradictory terms are mutually
exclusive, like smoker and non-smoker, whereas contrary terms represent opposite
poles along a given dimension and leave room for other possiblities in the area
between them, as for instance with intelligent and unintelligent.
É importante ressaltar que as formas mal, não e contra em exemplos como
MAL-AMADO, NÃO-ALINHADO
e
CONTRA-REVOLUÇÃO,
não ocorrem em número
considerável em jornais e revistas para estabelecer o estudo proposto. Por essa razão, o
corpus foi extraído de um dicionário da língua portuguesa e não de jornais ou outras
fontes. Este trabalho considera a análise de palavras existentes na língua que possuam as
formas iniciais mal, não e contra, e não está voltado para índices de freqüência com que
elas ocorrem em textos. Para um estudo que se interessa pela estrutura do lexema, e não
pela produtividade de determinadas formas, o dicionário apresenta um gama de
exemplos que são suficientes para a análise pretendida.
2.5 – Metodologia
Este trabalho conta com um corpus de 182 palavras retiradas do dicionário
Ferreira (1986) 3 e encontram-se no apêndice listadas e separadas em três grupos. No 1º
grupo estão as formações que entrem o elemento contra, como
CONTRA-ABERTURA
e
CONTRA-ATACAR.
CONTRA-REVOLUÇÃO,
O 2º grupo compreende as formações com o
elemento mal anteposto, como MAL-AGRADECIDO, MALDIGNO e MALFELIZ. E no 3º grupo
encontram-se palavras formadas a partir da anteposição do elemento não, como por
exemplo NÃO-ALINHADO, NÃO-FICÇÃO e NÃO-ILUMINADO.
3
Conhecido popularmente como Dicionário Aurélio
Fundamentação e metodologia
47
O dicionário Ferreira (1986) foi escolhido porque se trata de uma fonte ampla
e respeitada dos vocábulos da língua portuguesa e forneceu uma gama de exemplos
suficientes para análise pretendida.
Essa lista de palavras foi montada com o intuito de se conseguir um número
amplo de exemplos que ilustrem os mais diferentes tipos de formações com mal, não e
contra. Com isso, pode-se fazer um estudo mais amplo, abrangendo análises de palavras
ora bastante comuns no dia-a-dia de falantes do português, ora pouco ou até mesmo
nunca vistas.
O capítulo seguinte apresenta, então, essa análise dos dados listados (ver
apêndice). Essa análise segue critérios fonológicos, morfológicos e semânticos e busca
estabelecer a distinção entre radical e prefixo, composição e derivação.
Fundamentação e metodologia
48
CAPÍTULO
3
ANÁLISE DE DADOS
3.1 – Introdução
O presente capítulo apresenta análises no âmbito fonológico, morfológico e
semântico das formações com mal, não e contra em exemplos como
ALINHADO
e
CONTRA-REVOLUÇÃO
MALFELIZ, NÃO-
e tem como objetivo verificar as diferenças e
semelhanças no âmbito fonológico entre palavras derivadas por prefixos e palavras
compostas, tendo em vista suas características prosódicas, em especial a questão do
acento; analisar, também, a estrutura interna dos vocábulos do corpus selecionado,
verificar o método gramatical que se realiza em cada formação e, assim, estabelecer a
diferença entre radical e prefixo.
O capítulo será divido em seções, nas quais serão analisadas as formas mal,
não e contra nos exemplos que compõem o corpus. Primeiramente essa análise colocará
em evidência a questão do acento primário e a identificação da palavra fonológica
segundo propostas da fonologia não linear, e também apresentará uma discussão a
respeito do acento secundário. Em seguida será apresentada a interação entre palavra
fonológica e palavra morfológica. Num terceiro momento a discussão centra-se em
questões morfológicas e semânticas, apresentando as análises necessárias para o
objetivo do capítulo.
Análise de dados
49
3.2 – Análise fonológica
3.2.1 – O acento
As teorias fonológicas são dividias em fonologia linear e fonologia não linear.
Dentre as teorias fonológicas não-lineares está a Fonologia Métrica. O acento, segundo
a Fonologia Métrica, é uma propriedade da sílaba, e somente esta pode ser portadora do
acento primário, ou seja, do acento mais forte de uma palavra (Hernandorena, 1996 :
74-79). Como o objetivo da análise fonológica é verificar a questão do acento em
formações prefixais e em formações compostas no português, esse modelo teórico
fornece informações pertinentes, na medida em que analisa o acento não como um
traço de uma vogal, como considera o modelo gerativo de Chomsky & Halle (1968),
mas como uma proeminência que nasce da relação entre os elementos prosódicos: sílaba
( σ ), pé ( Σ ), palavra fonológica ( ω ), e essa relação segue a seguinte hierarquia:
(4)
Palavra
pé
+
ω
pé
sílaba forte + sílaba fraca
Σ
σ
Para se saber o algoritmo acentual das palavras é preciso, portanto, saber como
se dá a organização de suas sílabas em pés métricos e qual a posição do elemento
dominante.
Análise de dados
50
Como propõem Liberman e Prince (1977), para a atribuição do acento com
base na relação entre constituintes prosódicos, utiliza-se um diagrama de “árvore” e
também uma “grade métrica”.
A “grade métrica” é constituída por linhas ou níveis em que as vogais são
numeradas. Como ilustra o diagrama (5) a seguir, na 1ª linha todas as vogais da palavra
INTERESSE
são numeradas da esquerda para a direita; na 2ª linha a numeração continua e
somente as sílabas mais proeminentes recebem números; e na 3ª linha apenas a sílaba
mais forte da palavra recebe número, constituindo, assim, a grade. O diagrama (6) traz a
representação proposta por Halle e Vergnaud (1987), com o uso de asteriscos para
indicar as sílabas proeminentes e parênteses para limitar os pés e a palavra fonológica.
(5)
(6)
IN TE RES SE
1
2 3
5
6
IN TE RES SE
4
(* ·) (* ·)
(
*
)
7
Já a “árvore” é estabelecida a partir de sílabas que formam pés, sempre
binários, rotulados em termos de forte (“s” – strong) e fraco (“w” – weak), sendo o
elemento sempre rotulado forte o portador do acento primário. Observe no esquema (7)
que o acento primário da palavra
INTERESSE
é atribuído à sílaba –res- por ser a única
dominada exclusivamente por nós fortes.
Análise de dados
51
(7)
S
W
ω
S
S
W
IN
TE
Σ
S
W
RES
SE
σ
Neste esquema de “árvore”, a estrutura interna da palavra pode ser
representada em dois níveis: no primeiro, as sílabas são agrupadas em constituintes cujo
elemento à esquerda é o mais forte; no segundo nível os constituintes são organizados
numa árvore ramificante com cabeça à direita.
Segue, então, esquemas com as palavras
CONTRAGOLPE, CONTRA-ARGUMENTO,
MALAZADO, MAL-COMPORTADO, NÃO-VERBAL e NÃO-LINEAR, com
o intuito de verificar a
posição do acento principal desses vocábulos.
(8)
(9)
CON
TRA
GOL
PE
CON
TRA
1
2
3
4
1
2
5
6
7
AR
3
GU
MEN
TO
4
5
6
8
9
7
(11)
(10)
MAL
1
6
10
A
ZA
DO
2
4
5
7
8
MAL COM
1
6
2
POR
3
TA
DO
4
5
7
8
Análise de dados
52
(12)
NÃO
1
(13)
VER
BAL
2
3
1
5
5
4
NÃO
LI
NE
AR
2
3
4
6
6
7
Para que uma forma seja considerada uma palavra fonológica (ω) é preciso que
ela apresente pés métricos isoladamente e que não possua mais que um acento primário,
ou seja, um acento principal (Nespor & Vogel,1986). Sendo assim, as palavras
CONTRAGOLPE, CONTRA-ARGUMENTO, MALAZADO, MAL-COMPORTADO, NÃO-VERBAL
NÃO-LINEAR
e
acima esquematizadas são, cada uma, uma palavra fonológica.
A palavra
CONTRAGOLPE
apresenta o acento primário, ou seja, o acento
principal na sílaba –tem- e, na palavra
CONTRA-ARGUMENTO,
o acento principal recai
sobre a sílaba –men, no entanto ambas as palavras são formadas a partir da anteposição
do elemento contra que constitui um pé métrico isoladamente, pois se trata de um
troqueu silábico, isto é, um pé métrico dissílabo com cabeça à esquerda. Esse fato
determina que a forma contra seja considerada uma palavra fonológica.
Nesse sentido podem ser analisadas as palavras
NÃO-VERBAL
de
MALCRIADO, MAL-ASSOMBRO,
e NÃO-LINEAR. Todas são palavras fonológicas, estando o acento principal
MAL-AZADO
na sílaba –za-, na palavra
encontra-se na sílaba –ta- e nas formações
MAL-COMPORTADO
NÃO-VERBAL
e
o acento primário
NÃO-LINEAR
os acentos
recaem, respectivamente, na sílaba –bal e na sílaba –ar. E, assim como o elemento
contra pode ser analisado como uma palavra fonológica, as formas mal e não também
podem. Embora sejam palavras monossílabas, ambas são denominadas troqueu mórico,
em outras palavras, são sílabas longas, com duas moras, que formam um pé métrico
isoladamente com cabeça à esquerda.
Análise de dados
53
Em contrapartida, os prefixos des-, in- e a- em exemplos como
e
INCOMPLETO
ANORMALIDADE
DESCUIDADO,
são monossilábicos e não apresentam acento, o que
permite caracterizá-los como sílabas átonas afixados à esquerda de uma base. Observe o
esquema (14) a seguir:
(14)
ω
ω
σ
des- (prefixo)
CUIDADO
(base)
w
Veja em (14) que o prefixo des- é uma sílaba pretônica que se alinha à
esquerda de uma base, formando uma única palavra fonológica com a mesma. O nó
mais baixo da árvore mostra que, juntos, esses dois elementos formam um único
vocábulo morfológico (w). E tendo o acento como definidor da palavra fonológica,
verifica-se que a base já era uma palavra fonológica antes da afixação, uma vez que o
acento já está atribuído, e o prefixo em nada altera o padrão acentual.
Ao se esquematizar a estrutura de formações por composição, é possível
verificar o seguinte:
(15)
(16)
GUARDA-CHUVA
TERÇA-FEIRA
1 2 3 4
1 2 3 4
5
5
6
7
6
7
Análise de dados
54
As palavras
GUARDA-CHUVA
e
TERÇA-FEIRA
constituem, cada uma, um único
vocábulo fonológico ao apresentarem um acento principal, respectivamente, sobre as
sílabas –chu- e –fei-, embora seja possível analisar cada membro desses compostos
como uma palavra fonológica distinta.
3.2.1.1 – Acento primário e o acento secundário
O acento, em português, apresenta certas regularidades, tais como:
¾
o acento só pode incidir sobre uma das três últimas sílabas;
¾
a grande maioria das palavras do português tem o acento na penúltima
sílaba;
¾
quando a palavra for terminada por consoante, o acento marcado,
especial, é o paroxítono e o menos marcado é o oxítono.
Outro fato que deve ser levado em consideração a respeito do acento e que
merece especial atenção neste estudo é a interferência dos processos de formação de
palavras na posição do acento.
Quando um sufixo derivacional se acrescenta a uma palavra, normalmente a
palavra nova tem o acento em uma sílaba diferente daquela que recebia o acento na
palavra primitiva como em (17).
Por outro lado, não há mudança de acento quando ocorre prefixação ou quando
há formações compostas, como em (18).
Análise de dados
55
(17)
(18)
ÁRVORE > ARVOREDO
INTELIGENTE > SUPERINTELIGENTE
POLÍCIA > POLICIAL
CASCA + GROSSA > CASCA-GROSSA
Além do acento primário, que corresponde ao acento mais forte de uma
palavra, há também o acento secundário, que é aquele relativamente menos forte que o
acento primário. Em (18), há exemplos de formação prefixal e palavra composta que
apresentam, além do acento primário, um acento menos forte que, embora não seja o
acento principal da palavra, não pode ser descartado. Trata-se de um acento primário
que é preservado em tais formações como acento secundário.
Nas palavras compostas, os acentos primários de cada membro são mantidos,
assim como em algumas formações prefixais (RECÉM-CASADO, SUPERESTRUTURA, PRÉSILÁBICO)
em que o prefixo possui um acento próprio, da mesma maneira o acento
presente nos elementos mal, não e contra são preservados como acento secundário
quando em formações como
MAL-AMADO, NÃO-ALINHADO
e
CONTRA-REVOLUÇÃO,
independente de se considerar tais elementos radicais ou prefixos.
Quanto aos prefixos não acentuados como des-, in-, a- , o seu comportamento é
típico de um afixo sem acento próprio, apenas anteposto à esquerda de uma base e
funcionando como uma sílaba pretônica.
3.3 – A interação entre palavra fonológica e palavra morfológica
Segundo Câmara Jr. (1976 : 38), “o vocábulo fonológico é uma entidade
prosódica, caracterizada por um acento e dois graus de tonicidade possíveis, antes e
depois do acento. Corresponde no plano mórfico à forma livre de Bloomfield.”
Análise de dados
56
Essa forma livre é também denominada vocábulo formal ou palavra
morfológica (Câmara Jr., 1971 : 37). A palavra morfológica é um conceito que diz
respeito aos Nomes, Adjetivos, Verbos e às palavras funcionais (como denomina
Câmara Jr.) como preposição, conjunção e determinantes. Palavra fonológica, por seu
turno, refere-se à distinção entre palavras com acento e sem acento.
Para identificar a palavra fonológica, Câmara Jr. (1971 : 35) propõe uma pauta
prosódica delineada em termos de algarismos. O lingüista indica os números 3 e 2 para
acentos fortes, 1 para a pretônica e 0 para átonas após o acento.Um vocábulo fonológico
será identificado pela presença das tonicidades 2 ou 3. Assim, uma palavra fonológica
pode ser identificada como em (19) abaixo:
(19)
INTERESSE
1 1 3 0
No português, a palavra fonológica pode ser menor, igual ou maior que a
palavra morfológica. Em (19) temos a correspondência exata entre uma e outra, no
entanto a palavra fonológica pode ser menor que a palavra morfológica quando estamos
diante de seqüências como fala-se ou o livro, em que dois morfos formam uma só
palavra prosódica. E é maior em compostos por justaposição, por exemplo, em que dois
vocábulos fonológicos passam a constituir um só vocábulo formal. (Câmara Jr., 1971 :
36).
Justaposição é definida por Câmara Jr. (1977 : 151) como “a reunião de duas
formas lingüísticas num vocábulo mórfico, quando, ao contrário da aglutinação, cada
forma se conserva como um vocábulo fonético distinto, em virtude da pauta acentual.”
Análise de dados
57
Os prefixos, por exemplo, se comportam ora como palavra independente, ora
como uma típica forma presa. Observando os exemplos abaixo, verifica-se que em (20),
os prefixos des-, in-, pre- e pos- comportam-se como sílabas pretônicas da palavra, isto
é, juntam-se à palavra seguinte, formando com ela uma só palavra fonológica. Já em
(21), os prefixos pre-, pos, anti- e recém- mostram-se autônomos, como se fossem
membros de um composto.
(20)
DESALINHAR
INFELIZ
111 3
1 13
(21)
PRÉ-VESTIBULAR
2
1 1 1 3
PÓS-GUERRA
2
3
0
PREFIXO
POSPOSIÇÃO
1 30
1 113
ANTIDERRAPANTE
20 1 1 3 0
RECÉM-NASCIDO
1 2
1 3 0
A palavra composta por justaposição, formações prefixais como em (21) e
formações com mal, não e contra como
REVOLUÇÃO
MAL-AMADO, NÃO-ALINHADO
e
CONTRA-
são semelhantes no sentido de que cada membro do composto é um
domínio do pé que projeta seu acento individual, assim como o prefixo e o radical a que
ele se agrega e as formas mal, não e contra e a base a que elas se juntam. Em outras
palavras, são dois vocábulos fonológicos constituindo um só vocábulo formal.
(22)
GUARDA-CHUVA PÓS-GUERRA
2 0
3 0
2
3 0
CONTRA-REFORMA
2 0
13 0
NÃO-ALINHADO
2 11 3 0
MAL-CUIDADO
2
Análise de dados
13 0
58
3.4 – Análise morfológica e semântica
3.4.1 – Mal
No dicionário Ferreira (1986), encontram-se 53 palavras iniciadas pela forma
mal, e esta carregando uma idéia negativa (ver apêndice). Esse elemento mal é
classificado por Pereira ([1918]1940 : 194) como prefixo que traz a idéia de mau êxito.
O gramático cita, entre outros exemplos, as palavras
(23)
a.
MALTRATAR
b.
MALFAZER
c.
MALQUISTO
d.
MALDIZER
O elemento mal nos exemplos (23a-d) é anteposto aos lexemas TRATAR, FAZER,
QUISTO e DIZER,
adicionando uma nova informação à informação básica desses lexemas
mais simples. As formações
MALTRATAR, MALFAZER, MALQUISTO, MALDIZER
não
estabelece, a partir da anteposição do elemento mal, uma relação de oposição ou
contradição com as palavras
TRATAR, FAZER, QUISTO
e
DIZER,
mas apenas acrescenta
uma informação que especifica o significado dessas palavras. Assim, MALTRATAR não é
o oposto de TRATAR, mas é o mesmo que tratar mal, tratar com violência. MALDIZER não
é o contrário de
DIZER,
mas dizer mal, blasfemar, por esse motivo, tais palavras não se
encontram listadas no apêndice.
Ao se considerar, no entanto, os exemplos que compõem o corpus deste trabalho
Análise de dados
59
(24)
a)
MAL-AMADO
b)
MALFELIZ
c)
MAL-ENGRAÇADO
verifica-se que a relação de sentido entre o elemento mal e a palavra a que ele se
adjunge é diferente, uma vez que se pode afirmar que MAL-AMADO é aquele que se diz
irrealizado, não correspondido no amor;
ENGRAÇADO
MALFELIZ
é o que não é feliz e
MAL-
é o mesmo que não ser engraçado. O mal nas formações de (24a-c)
apresenta a idéia negativa de contrário em MAL-AMADO e de contraditório em MALFELIZ
e MAL-ENGRAÇADO , conforme propõem J. Payne (1985), T. Payne (1997) e Aronoff &
Fuhrhop (2002). Verifica-se, nesses casos, que a posição do elemento mal é fixa, isto é,
a inversão amado mal, infeliz mal e engraçado mal não é aceita.
Em exemplos como (23a-d) citados por Pereira ([1918]1940 : 194) é possível
distinguir uma relação de determinante e determinado em que o elemento mal carrega
sempre a idéia subordinada, determinante da palavra. Trata-se da idéia acessória que
autores como Alves (1992:101) e Cunha & Cintra (2001:80), por exemplo, defendem a
respeito do prefixo numa derivação prefixal. Por outro lado, em formações como as
presentes nos exemplos (24a-c) o elemento mal carrega o significado principal da
palavra, enquanto AMADO, FELIZ e ENGRAÇADO apresentam uma significação secundária.
Conforme apresenta Basílio (1974 : 90), na análise de uma palavra, distinguir o que é
radical e o que é afixo não é simples ao se considerar, apenas, a questão do significado
principal e do significado acessório.
Num estudo sobre gramaticalização, Martelotta (2004 : 113) afirma que o
elemento mal pode ocorrer como prefixo quando ele se antepõe a particípios e adjetivos
Análise de dados
60
e, mais raramente, verbos. Nesses casos, a posição do mal é relativamente fixa, o que
possibilita o advérbio de modo a ser reanalisado como prefixo. Sendo assim, nos
exemplos apresentados por Pereira ([1918]1940)
(23)
a) MALTRATAR
b) MALFAZER
c) MALQUISTO
d) MALDIZER
a ordem pode ser invertida (tratar mal, fazer mal, quisto mal, dizer mal). Já nas
formações em que o mal apresenta uma idéia negativa de oposição ou contradição, essa
ordem é mais fixa, ou seja, não se aceita inversões como amado mal, feliz mal e
engraçado mal.
Na verdade o que torna difícil a classificação das formações com mal é,
principalmente, o fato de que esta palavra é assim definida no dicionário Ferreira (1986)
mal¹ [Do lat. Malu]. S. m. 1. Aquilo que é nocivo, prejudicial, mau; aquilo que
prejudica ou fere: Não deseje mal ao próximo; “Maldita sejas pelo Ideal
perdido! / Pelo mal que fizeste sem querer! / Pelo amor que morreu sem ter
nascido!” (Olavo Bilac, Poesias, p. 221) 2. Aquilo que se opõe ao bem, à
virtude, à probidade, à honra. (...) [Pl.: males. Antôn. : bem]
mal² [ Do lat. Male.] Adv. 1. De modo mau, irregular, ou diferente do que
devia ser: Os negócios vão mal. 2. De modo imperfeito; erradamente,
desacertadamente, incorretamente: falar, escrever mal. 3. De maneira que não
satisfaz o gosto ou vontade, ou a necessidade: Jantou mal; Dormiu mal. 4.
Rudemente, duramente: O delegado tratou-os mal. 5. De maneira desfavorável
ou ofensiva: Falou mal de todos. 6. Pouco, escassamente: verdades mal
sabidas. 7. A custo; dificilmente, dificultosamente: Abatidíssimo, mal
conseguia dar alguns passos. 8. Contra a virtude, o bem, a justiça, o direito, a
probidade, a moral, as boas normas: julgar mal; pensar mal; portar-se mal. 9.
Rapidamente: apenas; de leve; Mal provou a comida. 10. Nunca, jamais: Mal
pensava que o doente escapasse. 11. Gravemente enfermo: O interno está mal.
Análise de dados
61
12. Em desavença; em desacordo: Vive mal com os homens por amor de Deus.
[ Antôn.: bem] (...)
Trata-se de uma palavra que pode ser classificada ora como substantivo, ora
como advérbio, ou seja, é um lexema, segundo Matthews (1991). Nesse sentido, a
forma de palavra males refere-se ao lexema simples
MAL,
que pode se estruturar como
lexema complexo, como por exemplo MALÉFICO, MALÍCIA, MALINIDADE.
Formações como DESLEAL, INFELIZ e AMORAL são, indubitavelmente, prefixais.
Des-, in- e a- são elementos que compõem a estrutura de lexemas complexos. Já as
formações
MALCONFIAR, MALCHEIROSO
e
MALDISPOSTO
se estruturam a partir de um
lexema simples (MAL) mais um outro lexema que pode ser simples (CONFIAR) ou
complexo (CHEIROSO). Essa estrutura refere-se ao que Matthews (1991 : 37) afirma ser a
estrutura das formações compostas, visto que cada formação nesses exemplos apresenta
a relação entre um lexema complexo com dois lexemas simples ou mais simples.
3.4.2 – Não
Na lista de formações com mal, não e contra (ver apêndice) as formações com
não são em menor número, apresentando 31 palavras em que o elemento não se antepõe
a uma base. Segundo Alves (1992;1993), essas formações compreendem o paradigma
dos prefixos negativos do português, ao negar o sentido expresso por uma base adjetiva
ou substantiva.
Análise de dados
62
(25) base substantiva
a)
NÃO-AGRESSÃO
b)
NÃO-ALINHAMENTO
c)
NÃO-INTERVENÇÃO
(26) base adjetiva
a)
NÃO-ILUMINADO
b)
NÃO-VERBAL
c)
NÃO-LINEAR
A autora classifica as formações com não como derivação, ao considerar o não
um prefixo e adotar a noção de derivação prefixal. Segundo Alves (1992 : 101), o não
deve ser analisado como prefixo derivacional porque constitui um morfema fixo e
recorrente, já consolidado na língua como elemento de formação de palavra. Assim, o
não tem o mesmo valor de elementos como des-, dis- e in- em exemplos como DESLEAL,
DISSEMELHANTE
e
INCULTO,
em que des-, dis- e in- negam o sentido de
LEAL,
SEMELHANTE e CULTO.
No entanto, no “Dicionário de affixos e desinências”, de Carlos Góes (1938), o
não é definido como um “elemento vernáculo de composição” (Góes, 1938:135). E, de
acordo com o dicionário Aurélio (1986), a palavra não é definida como um advérbio na
língua:
não. [Do lat. Non.] Adv. 1. Exprime negação. (...).
Ao se considerar que Cunha & Cintra (2001 : 106-7) apresentam entre as
classes gramaticais dos elementos de um composto advérbio mais adjetivo e advérbio
Análise de dados
63
mais verbo, pode-se, então, incluir formações como as dos exemplos (26) entre as
formações compostas. Mas tendo em vista essa informação dada pelos gramáticos, as
palavras dos exemplos (25) formadas por um advérbio (NÃO) mais um substantivo não
são classificadas como palavras compostas.
Independente da classe gramatical das palavras a que o elemento não se
agrega, a relação entre os lexemas
(27)
a)
NÃO-GOVERNAMENTAL – NÃO + GOVERNAMENTAL
b)
NÃO-MILITAR – NÃO + MILITAR
c)
NÃO-VIOLÊNCIA – NÃO + VIOLÊNCIA
é a mesma relação existente numa composição, conforme apresenta Matthews (1991 :
37), ou seja, um lexema complexo que se relaciona à dois lexemas simples ou mais
simples.
É importante considerar, ainda, formações como
(28) NÃO-ME-DEIXES
(29) NÃO-EU
Em (28) a palavra se estrutura a partir do
NÃO,
mais um pronome, mais um
verbo. A união desses vocábulos forma uma palavra que significa o nome de uma erva.
Em (29) a palavra NÃO-EU, formada a partir da junção do advérbio NÃO e o pronome EU,
apresenta como significado algo de caráter filosófico, como o mundo externo; a
realidade objetiva. Ambos os exemplos apresentam um significado que se dissocia do
Análise de dados
64
significado de cada membro da palavra. Nesse sentido, tais formações são consideradas
palavras compostas, tendo em vista a idéia presente em Cunha & Cintra (2001 : 105).
3.4.3
– Contra
A palavra CONTRA é assim definida pelo dicionário Ferreira (1986):
Contra. prep. 1. Em oposição a; em luta com. 2. em contradição com. 3. em
direção oposta à de. 4. Recebendo em troca. 5. Em direção a s.m. 6.
Obstáculo. 7. Contestação, objeção.
Trata-se, portanto, de uma preposição que pode fazer parte de um processo de
formação de palavras ao ser anteposto a outra palavra, assim como as palavras
NÃO.
MAL
e
No dicionário pesquisado foram encontradas 99 palavras antecedidas pelo
elemento contra, e este carregando a idéia negativa de oposição ou contradição.
(30)
a)
CONTRA-ATAQUE
b)
CONTRA-REVOLUÇÃO
c)
CONTRADIZER
No “Dicionário de affixos e desinências”, de Carlos Góes (1938:44) encontrase:
CONTRA – prefixo vernáculo, exprime:
a)
Superioridade: contrabaixo (voz de tom mais grave que a do baixo);
b)
Inferioridade: contra-almirante (oficial de parente imediatamente inferior
a do almirante); contramestre (abaixo do gerente);
c)
Porção, aumento: contraponto (audição harmoniosa e afinada de muitas
vozes ou instrumentos);
Análise de dados
65
d)
Oposição: contradizer, contramarca, contraquente, seu homônimo,
controverso.
Alves (1992:107) apresenta o contra como morfema que se antepõe a bases
substantivas, adjetivas e verbais e classifica tais formações como derivação prefixal.
(31) bases substantivas
a)
CONTRA-REVOLUÇÃO
b)
CONTRAPLANO
c)
CONTRAMÃO
d)
CONTRA-INDICAÇÃO
e)
CONTRA-GOLPE
(32) bases adjetivas
a)
CONTRAPRODUCENTE
b)
CONTRANATURAL
(33) bases verbais
a)
CONTRADIZER
b)
CONTRA-ARGUMENTAR
c)
CONTRAPOR
d)
CONTRA-FAZER
Nos exemplos (31), (32) e (33) acima, o elemento contra é anteposto a bases
substantivas, adjetivas e verbais, respectivamente, e carrega consigo a idéia de
“contrário a”. Assim,
CONTRADIZER
CONTRA-REVOLUÇÃO
é uma revolução contrária à anterior;
é dizer algo contrário ao que foi dito anteriormente; CONTRAPRODUCENTE
é aquilo que prova o contrário daquilo que se pretendia ou aquilo cujo resultado é
contrário ao que se esperava.
Análise de dados
66
Na gramática de Cunha & Cintra (2001:85), o contra também aparece entre os
prefixos de origem latina com sentido de oposição ou de ação conjunta. As formações
com tal elemento, segundo os gramáticos, são formações derivadas.
Por outro lado, na proposta de Câmara Jr. (1977) e Eduardo Carlos Pereira
(1940), embora o contra seja classificado como prefixo por estes autores, as formações
com tal elemento são tidas como formações compostas. Segundo a definição de Câmara
Jr. (1977) para prefixo, este é uma variante presa das preposições, então o contra é um
prefixo quando presente em compostos como os exemplos (30) a (33) acima.
Margarida Basílio (1974 : 93) considera, também, formações como
CONTRACENAR, CONTRAPOR
etc. como composição e não como derivação prefixal.
Segundo a autora, um composto caracteriza-se por apresentar dois núcleos. O núcleo é o
elemento central básico de uma construção morfológica. Contrário a ele estão os
elementos periféricos. Dessa forma, uma palavra como
será o núcleo e –ção a periferia; e na palavra
RACIONALIZAÇÃO,
RACIONAL,
racionaliza-
racion- será o núcleo e –al a
periferia. O núcleo mínimo, portanto, será também a raiz da palavra.
Ao definir raiz, Margarida Basílio apresenta que “Em geral, a raiz é definida
como parte da palavra que contém o significado lexical ou o significado principal da
palavra” (Basílio, 1974: 89). Nesse sentido, a autora afirma que em formações como
CONTRACENAR, CONTRAPOR
etc, o contra poderia ser considerado não-raiz, já que, como
preposição, teria um significado gramatical. Mas, comparando formas como CONTRÁRIO
e
OPOSTO,
Margarida Basílio afirma não haver motivo para considerar a existência de
raiz na segunda, e não considerar a existência de raiz na primeira.
Análise de dados
67
Então, segundo Margarida Basílio (1974 : 93-4), se o elemento contra é uma
forma livre na língua e pode ocorrer como raiz em construções como
CONTRÁRIO,
ele
deve ser considerado, então, membro de um composto, e não um prefixo.
3.5 – Considerações finais
Dada as análises acima, conclui-se que as palavras que apresentam os
elementos mal, não e contra antepostos, se classificadas como prefixais, em nada
diferem, do ponto de vista fonológico, das formações compostas como GUARDA-CHUVA
e BEIJA-FLOR: todas apresentam duas palavras fonológicas. Por outro lado, as formações
com des-, in- e a-, como por exemplo
DESLEAL, INFELIZ
e
AMORAL,
caracterizam-se
como uma palavra fonológica, apresentando apenas um acento primário, e os elementos
des-, in- e a- juntam-se como sílaba átona do início da palavra.
Há, ainda, as formas anti-, pré-, pós- em exemplos como
PRÉ-APROVADO, PÓS-GRADUAÇÃO
ANTIINFLAMATÓRIO,
que, assim como os elementos mal, não e contra,
apresentam um acento próprio quando antepostas à uma base. Contudo, quando os
gramáticos apresentam a problemática da prefixação, eles não citam essas formas anti-,
pré- e pós-, visto que são formas presas, assim como des-, in- e a-, e são facilmente
identificadas como prefixos..
Na abordagem morfológica e semântica, verificou-se que a derivação prefixal
e a composição são processos de formações de palavras que têm, primordialmente, uma
função semântica, e não sintática, ou seja, são processos que preenchem, em primeira
análise, necessidades semânticas de nomeação, e não utilizam o sentido de uma palavra
já existente em uma outra classe gramatical, como ocorre na derivação sufixal. Embora
Análise de dados
68
uma formação com prefixo possa mudar a classe gramatical do vocábulo, este não é um
fato comum e nem a função primeira das formações prefixais.
Nesse sentido, as formações prefixais e as compostas são semelhantes e
distinguir uma da outra não é uma tarefa fácil. Quando se analisam as formas mal, não e
contra em exemplos como
MAL-AMADO, NÃO-ALINHADO, CONTRA-REVOLUÇÃO
e se
considera a autonomia (no nível morfológico) desses elementos, chega-se a um
resultado ambíguo, pois ora tais formas são analisadas como prefixos, ora são
depreendidas como radicais membros de um composto.
Ao se estabelecer essa distinção em termos semânticos não se chega a um
resultado satisfatório. Mas ao se analisar as palavras do corpus tendo em vista a noção
de lexema e de formação de palavras trazida por Matthews (1991), a conclusão a que se
chega é que as formações em questão, segundo a proposta de tal lingüista, são
formações compostas.Trata-se de um tipo especial de composição em que os elementos
mal, não e contra são fixos na posição anterior.
Análise de dados
69
CONCLUSÃO
O objetivo deste trabalho centrou-se na retomada da questão da diferença entre
radical e prefixo, considerando as formas mal, não e contra em exemplos como
LIGADO, NÃO-EUCLIDIANO, MAL-GALANTE, MAL-SISUDO, CONTRAFLOREADO,
ORDEM.
e
NÃO-
CONTRA-
Gramáticos e lingüistas divergem quanto à classificação de tais formações. Uns
as consideram derivações prefixais, classificando, portanto, os elementos mal, não e
contra como prefixos. Outros as têm como composição, sendo tais formas, nessa visão,
analisadas como radicais nos exemplos do corpus deste trabalho.
O prefixo é semelhante ao radical quando se considera o significado lexical que
ambos apresentam. A diferença entre um e outro fica evidente no momento em que se
têm formações como
PRÉ-HISTÓRICO, INFELIZ, DESFEITO,
em que os prefixos são
facilmente identificados como formas as presas pré-, in- e des-, e os radicais são a parte
lexical de cada vocábulo, aqui, expandidos pelos prefixos. Essa diferença, no entanto,
anula-se quando o termo anteposto não é uma forma presa, mas uma palavra livre na
língua, como mal, não e contra.
Das análises feitas, podem-se estabelecer as seguintes conclusões:
1ª) Em se tratando da pauta acentual entre formações com mal, não e contra
em
MALQUERIDO,
NÃO-NULO
e
CONTRACORRENTE,
indubitavelmente prefixais (DESFAZER,
comparada às formações
INFELIZ, ANTI-ATAQUE, PRÉ-VESTIBULAR)
e,
ainda, às formações compostas, verificou-se:
a)
As formações com mal, não e contra assemelham-se às formações
compostas por justaposição com dois membros, no sentido de que
os dois tipos de processos morfológicos apresentam um acento
Conclusão
70
primário (presente numa sílaba do segundo membro nos
compostos e numa sílaba da palavra a que as formas mal, não e
contra se juntam) e preservam, também, um acento secundário
(este presente numa sílaba do primeiro membro das formações
compostas e, nas formações com mal, não e contra, o acento
secundário recai exatamente sobre tais elementos).
b)
As formações com mal, não e contra também são semelhantes às
formações prefixais como
GRADUAÇÃO
c)
PRÉ-VESTIBULAR, ANTIATAQUE, PÓS-
em que há a presença de prefixos acentuados.
Já as formações com prefixos não acentuados como
INFELIZ
e
AMORAL
DESLEAL,
não apresentam o acento secundário como em
formações com mal, não e contra em exemplos como
MALQUERIDO, NÃO-NULO
e CONTRACORRENTE.
Esse critério fonológico, portanto, não foi suficiente para se classificar as
formações com mal, não e contra em análise como prefixais ou compostas.
2ª) O critério semântico também não foi suficiente, uma vez que os elementos
mal, não e contra classificados seja como radicais, seja como prefixos em
SUCEDIDO, NÃO-AGRESSÃO
e
CONTRA-REVOLUÇÃO,
MAL-
apresentam, numa classificação ou
noutra, uma função semântica de nomeação e acrescentam um significado à base a que
se adjungem.
3ª) Morfologicamente formações como
MALSORTEADO, MALGRADO, NÃO-
ENGAJADO, NÃO-CONSERVATIVO, CONTRA-ESTÍMULO
e CONTRA-COSTA foram analisadas
como palavras compostas. Segundo Matthews (1991), uma composição se estrutura a
partir da junção de um lexema a outro lexema.
MAL, NÃO
e
CONTRA
são lexemas
Conclusão
71
simples, logo, palavras como
MAL-AMADO, NÃO-ALINHADO, CONTRA-REVOLUÇÃO
estruturam-se a partir da junção de dois lexemas, ou seja, são formações compostas, e
não derivadas. Nesse sentido os elementos mal, não e contra são classificados como
radicais, e não como prefixos.
Assim, após o resultado das análises e retomando o título deste trabalho, a
palavra NÃO-COMPOSTO é uma composição, formada a partir da junção das palavras NÃO
e
COMPOSTO.
Não se trata, portanto, de uma derivação prefixal, visto que o elemento
não, aqui, não é entendido como morfema, mas como um radical.
Conclusão
72
APÊNDICE
1. Formações com contra:
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
17
18
19
20
21
22
23
24
25
26
27
28
29
30
31
32
33
34
35
CONTRA-ABERTURA
CONTRA-ALÍSIO
CONTRA-ARGUMENTO
CONTRA-ARRAZOADO
CONTRA-ARRAZOAR
CONTRA-ARRESTAR
CONTRA-ATACANTE
CONTRA-ATACAR
CONTRA-ATAQUE
CONTRA-AVISO
CONTRABANDA
CONTRABATERIA
CONTRABRACEAR
CONTRACEPÇÃO
CONTRACEPTIVO
CONTRACORRENTE
CONTRACOSTA
CONTRACULTURA
CONTRACURVA
CONTRADIÇÃO
CONTRADITA
CONTRADITADO
CONTRADITAR
CONTRADITÁVEL
CONTRADITO
CONTRADITOR
CONTRADITÓRIO
CONTRADIZER
CONTRA-EMBOSCADA
CONTRA-ENCOSTA
CONTRA-ESCRITURA
CONTRA-ESPIONAGEM
CONTRA-ESTIMULAR
CONTRA-ESTÍMULO
CONTRA-EXEMPLO
Apêndice
73
36
37
38
39
40
41
42
43
44
45
46
47
48
49
50
51
52
53
54
55
56
57
58
59
60
61
62
63
64
65
66
67
68
69
70
71
72
73
74
75
76
77
CONTRAFLOREADO
CONTRAFUGA
CONTRAGOLPE
CONTRAGOSTO
CONTRAGUERRILHA
CONTRA-IMPELIR
CONTRA-INDICAÇÃO
CONTRA-INDICADO
CONTRA-INDICAR
CONTRA-INFORMAÇÃO
CONTRALUZ
CONTRAMANDADO
CONTRAMANDAR
CONTRAMANIFESTAÇÃO
CONTRAMÃO
CONTRAMARCHA
CONTRAMARCHAR
CONTRAMARÉ
CONTRAMOVIMENTO
CONTRANATURAL
CONTRANATURALIDADE
CONTRA-OFENSIVA
CONTRA-OFERTA
CONTRA-OFERTAR
CONTRA-OITAVA
CONTRA-ORDEM
CONTRA-ORDENAR
CONTRAPALA
CONTRAPARTIDA
CONTRAPASSANTES
CONTRAPASSO
CONTRAPEÇONHA
CONTRAPELO
CONTRAPOR
CONTRAPOSIÇÃO
CONTRAPOSTO
CONTRAPRESSÃO
CONTRAPRODUCENTE
CONTRAPRODUZIR
CONTRAPROPAGANDA
CONTRAPROPOR
CONTRAPROPOSTA
Apêndice
74
78
79
80
81
82
83
84
85
86
87
88
89
90
91
92
93
94
95
96
97
98
99
CONTRAPROTESTO
CONTRAPROVA
CONTRAPROVAR
CONTRA-RAMPA
CONTRA-REFORMA
CONTRA-REPTO
CONTRA-REVOLUÇÃO
CONTRA-REVOLUCIONÁRIO
CONTRA-ROTURA
CONTRA-RUPTURA
CONTRA-SELAR
CONTRA-SELO
CONTRA-SENSO
CONTRA-SIGNIFICAÇÃO
CONTRATORPEDEIRO
CONTRAVALOR
CONTRAVENENO
CONTRAVERSÃO
CONTRAVERTER
CONTRAVIA
CONTRAVIR
CONTRAVOLTA
2. Formações com mal
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
17
18
19
MAL-AFEIÇOADO
MAL-AFORTUNADO
MAL-AGRADECIDO
MAL-AJAMBRADO
MAL-AJEITADO
MAL-AMADA
MAL-AMANHADO
MAL-APANHADO
MAL-APESSOADO
MAL-APRESENTADO
MAL-ARRANJADO
MAL-ARRUMADO
MAL-AVENTURADO
MAL-AVINDO
MAL-AVISADO
MAL-AZADO
MALCHEIROSO
MALCOMPORTADO
MALCONCEITUADO
Apêndice
75
20
21
22
23
24
25
26
27
28
29
30
31
32
33
34
35
36
37
38
39
40
41
42
43
44
45
46
47
48
49
50
51
52
53
MALCONDUZIDO
MALCONFIAR
MALCONFORMADO
MALCONSERVADO
MALCONTENTADIÇO
MALCONTENTE
MALCUIDADO
MALDIGNO
MALDISPOSTO
MALDITOSO
MAL-ENGRAÇADO
MAL-ENSINADO
MAL-ENTENDIDO
MALFELIZ
MALGALANTE
MALGOSTOSO
MALGRADADO
MALGRADO
MAL-HUMORADO
MALJEITOSO
MALMANDADO
MALPROPÍCIO
MALPROPORCIONADO
MALQUERIDO
MALQUISTAR
MAQUISTO
MALSÃO
MALSATISFEITO
MALSEGURO
MALSISUDO
MALSOFRIDO
MALSORTEADO
MALSUCEDIDO
MALTRABALHADO
3. Formações com não:
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
NÃO-AGRESSÃO
NÃO-ALINHADO
NÃO-ALINHAMENTO
NÃO-BELIGERÂNCIA
NÃO-COMBATENTE
NÃO-CONFORMISMO
NÃO-CONFORMISTA
NÃO-CONSERVATIVO
NÃO-CONTRADIÇÃO
NÃO-ENGAJADO
Apêndice
76
11
12
13
14
15
16
17
18
19
20
21
22
23
24
25
26
27
28
29
30
NÃO-ENGAJAMENTO
NÃO-ESSENCIAL
NÃO-EUCLIDIANO
NÃO-FICÇÃO
NÃO-HOLÔNOMO
NÃO-ILUMINADO
NÃO-INTERVENÇÃO
NÃO-INTERVENCIONISTA
NÃO-LIGADO
NÃO-LINEAR
NÃO-LOCALIZADO
NÃO-NULO
NÃO-PARTICIPANTE
NÃO-PERIÓDICO
NÃO-SATURADO
NÃO-SER
NÃO-SIMÉTRICO
NÃO-SINGULAR
NÃO-VERBAL
NÃO-VICIADO
Apêndice
77
REFERÊNCIAS
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