Parecer sobre a Consulta da Monsanto e da Syngenta sobre o Processo de Piramidação – Discussão Preliminar Paulo Kageyama. CTNBio INTRODUÇÃO De maneira geral, adicionar dois elementos químicos ou biológicos pode resultar em efeitos bem maiores que a simples soma desses elementos. Assim, Alfred Nobel descobriu isso ainda nos anos 1860, quando adicionou acido nítrico de baixa concentração à uma substância oleosa apresentando nenhum perigo, a glicerina. Essa mistura, conhecida hoje como nitroglicerina, apresenta-se simplesmente explosiva. Ela serviu, logo após sua descoberta, de base para a dinamite, na forma de TNT. Essa pequena introdução tem como papel ressaltar que a soma de duas substâncias, isoladamente não perigosas, podem se estruturar composicionalmente num elemento altamente perigoso. São também clássicos os exemplos na área biológica. Os estudos sobre interação genótipo x ambiente raramente não revelam que a interação é sempre maior que os efeitos genotípicos mais os ambientais. Muitos outros exemplos poderiam ser citados nas várias áreas da ciência. O importante é que isso pode justificar, até que melhores estudos sejam devidamente feitos, que não se aceite açodadamente a junção de dois eventos testados isoladamente como suficientes para a aprovação do evento com os dois eventos juntos. Mais argumentos serão apresentados. Aliás, muitos estudos recentes vêm sendo feitos, com resultados importantes. OBTENÇÃO DE OGM COM GENES PIRAMIDADOS Agrupar transgenes em um único genótipo pode ser obtido de diferentes maneiras. Pode ser intencional ou não intencional. Intencionalmente, pode-se obtê-los com o uso de técnicas do melhoramento clássico, onde pode-se cruzar dois eventos de transformação e após aplicar seleção nas progênies. Alternativamente é possível sintetizar híbridos anualmente, cruzando-se linhagens portadoras de diferentes transgenes. Do ponto de vista da engenharia genética, um GM stacked events, ou com eventos piramidizados, pode ser obtido tanto por uma retransformação genética de um OGM com a inserção de outro transgene ou pela co-transformação com transgenes ligados, ou ainda com dois cassetes de expressão, cada um contendo diferentes transgenes. Muitos OGMs já são stacked genes: MON603xMON810 e MON603xMON810xMON863 são híbridos, Bt11 e TC1507 contém genes ligados e Bt176 foi obtido por co-transformação. Contudo, há transgenes que afetam a biologia reprodutiva das plantas como transgenes para a macho-esterilidade (MS) ou ainda transgenes que tornam as sementes estéreis (v-GURTs). Há ainda transgenes que restauram a resistência a herbicidas (RF) ou a outras características. Nestes casos, as implicações podem ser suficientemente grandes. Há que ser ainda considerado que novos transgenes estão sendo testados ou em desenvolvimento ou ainda a serem desenvolvidos. Inclui-se nestas categorias genes de tolerância a estresses bióticos e abióticos, composição química, entre outros. Diante disso, as conseqüências em termos de segregação, rearranjamentos ou outros eventos podem ser distintos, dependendo da metodologia utilizada na obtenção destes GM stacked events. Assim, para OGM stacked transgenes a avaliação deve se concentrar nos possíveis efeitos adicionais se os referidos transgenes que compõe este OGM stacked já foram avaliados independentemente. Contudo, quando se trata de um novo transgênico, a avaliação deve ser totalmente baseada na RN 5. Outro aspecto inerente que é decorrente da estratégia de piramidizar transgenes é a identificação do GM stacked events. Ela se tornará mais dificil e muito mais cara. Em termos de monitoramento a situação se torna ainda mais complexa, em razão das possibilidades de múltiplas ocorrências, notadamente para as espécies em que existem variedades crioulas em cultivo, ou populações ferais, ou ainda de ocorrência natural. CARATERIZAÇÃO GENÔMICA E MOLECULAR Um ponto importante do debate sobre a avaliação de risco das plantas geneticamente modificadas (PGM) compostas de vários eventos, obtidos separadamente por transformação genética e depois juntados via melhoramento genético clássico, diz respeito à organização genômica da planta. Já na transgênese com PGM liberadas comercialmente ou em fase de avaliação, analises PCR ou de Southern-blot pós-inserção revelaram vários rearranjos de seqüências genômicas, ligados a fluidez do genoma. Cabe ressaltar que essa fluidez está contemplada na base da evolução das espécies, ilustrada nas respostas influenciadas por pressões seletivas e outras forças evolutivas naturais. Assim, entre outros, os estudos de Collonier et al. (2003), Holck et al. (2002) e de Hernandez et al. (2003) revelaram, com o re-seqüenciamento do genoma de PGM após transformação, os seguintes aspectos: a presença inesperada de uma segunda versão truncada do plasmídio (pUC18) contendo uma parte do marcador de seleção (bla), mais uma segunda versão da seqüência genômica truncada do promotor do transgene (P35S) no evento milho T-25; a presença inesperada de três eventos de rearranjos (relativos ao promotor P35S, ao terminador T35S e ao marcador de seleção bla) no evento milho Bt-176; a deleção de uma parte do transgene de interesse (cry1Ab) e a deleção completa do terminador (T-Nos) no evento milho Mon810; a duplicação do cassete EPSPS, a deleção parcial do promotor P-ract e a deleção do terminator T-nos em dois cassetes diferentes, no evento milho GA21; a presença de um segundo promotor P35S, truncado e rearranjado, na extremidade 5' do inserto, no evento soja GTS-40-3-2. Neste contexto, duas considerações são importantes. A primeira refere-se ao fato de que estas constatações foram feitas depois das liberações comerciais dessas PGM nos EUA, indicando que as informações dos proponentes são, no mínimo, incompletas. A segunda refere-se à desconhecida resposta do genoma de plantas que apresentam uma quantidade maior de material genético exógeno, ou seja, vários transgenes e, sobretudo, vários cassetes de expressão, qualquer que seja o método de modificação genética utilizado. Portanto, é imprescindível o uso de ferramentas de ponta de biologia molecular, após o melhoramento clássico de agrupamento de dois ou mais transgenes num único genótipo, a fim de localizar, identificar e caracterizar os eventos inseridos no genoma da PGM. Como no caso da avaliação de risco da transgenese, um re-sequenciamento será necessário para caracterizar os locos de inserção e deverá cobrir suficientemente as regiões flanqueadoras. Além disso, testes de Southern deverão ser efetuados afim de localizar os transgenes de interesse e outras seqüências genômicas dos cassetes de expressão, apoiado em PCRs do tipo Real Time e Nested. EXPRESSÃO DOS TRANSGENES A integração de elementos novos no genoma de um organismos vivo, quer seja por melhoramento clássico ou transgenese, poderia modificar a atividade dos promotores e, então, modificar a expressão dos transgenes. EFEITOS PLEIOTRÓPICOS A caracterização bastante completa do genoma da PGM permitiria concluir com maior segurança sobre a probabilidade de ocorrência de efeitos pleiotrópicos. Na breve historia de uso de PGM via transgenese, estudos realizados após liberação comercial, pelo menos nos EUA, revelaram variações em algumas vias metabólicas que escaparam à equivalência substancial. Conforme Benbrook (2001), níveis de aminoácido aromático, como a tirosina, podem diminuir em lavouras de milho resistentes a herbicidas (HT), provavelmente por causa de um efeito pleiotrópico em situações de estresse. A tirosina tem um papel importante em vários processos vitais, como o crescimento da planta e as respostas metabólicas às pragas e doenças, o uso de glifosato nas lavouras de milho HT, gerenciador de estress, o que poderia resultar num enfraquecimento do sistema de defesas naturais das plantas. Estudos mostraram que alguns tipos de milho geneticamente modificado (GM) têm uma taxa de lignina superior aos isogênicos (Stotsky, 2000a; Saxena & Stotzky, 2001), provavelmente resultando de um efeito pleiotrópicos da inserção do transgene. Na comparação entre 10 híbridos de milho GM e não GM, a taxa de lignina foi de 33 a 97 % maior em milho Bt em relação aos seus isogênicos (Stotsky, 2000a). Ora, uma maior taxa de lignina nos milhos terá como efeito o de aumentar o tempo de decomposição dos restos vegetais de milho na lavoura, com impactos sobre as comunidades de organismos decompositores e suas redes tróficas. Ainda, se tornou mais difícil avaliar a resposta dessas comunidades, já que terão a disposição mais matéria orgânica a decompor, mas de qualidade menor, sendo que a lignina é pouco nutricional para decompositores não especializados (como larvas de mosquitos borrachudos). Por outro lado, as proteínas Bt ficarão ativas por mais tempo, protegidas da degradação biológica por ligações fortes com as fibras de ligninas (Poerschmann & Kopinke, 2001; Stotzky, 2000b), aumentando assim os riscos relacionados aos ONAs do solo. Portanto, para a biota do solo, há que serem estudados os possíveis efeitos pleiotrópicos de qualquer PGM. No que diz respeito à saúde animal, uma maior taxa de lignina poderá prejudicar a digestão e a assimilação desse milho pelos ruminantes. Enfim, de um ponto de visto agronômico, uma taxa de lignina maior poderia dificultar a colheita nas lavouras de milho Bt, resultando em perdas de rendimento. Esses dois exemplos, além de reforçar a existência de fato de efeitos pleiotrópicos, em plantas transgênicas, fomentam a necessidade de uma avaliação de risco completa em relação às características agronômicas e riscos para o meio ambiente e a saúde publica. CONCLUSÕES Como conclusões preliminares, até que estudos mais acurados sejam efetuados, sugerimos que uma avaliação de risco completa, tanto para a saúde humana e animal, assim como para o ambiente, sejam feitas rigorosamente. Cabe ressaltar que as avaliações de risco feitas para os eventos já liberados comercialmente sempre se basearam, em parte, sobre hipóteses ainda não confirmadas (“é altamente provável que”, “a fauna não deve ser danificada”, “a PGM não deveria apresentar riscos para a saúde”...), e que aglutinar duas ou mais incertezas resulta, em geral, incertezas maiores que a própria soma ou o produto delas. Nesse sentido, cancelar a avaliação de risco para as PGM stacked events resultará numa violação ao principio da precaução previsto no artigo primeiro da Lei n 11.105/05, portanto, uma ilegalidade, bem como na depreciação da fase de avaliação de risco, concretizada por uma liberação comercial baseada mais em especulações do que em fatos científicos relevantes. Neste contexto, igualmente não se pode desprezar o Anexo III do Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança, em que determina a dependência da tomada de decisão à avaliação de risco. Na temática dos eventos piramidados de PGM, mesmo a European Food Safety Authority, que sempre foi favorável à liberação comercial de transgênicos, recomenda uma avaliação de risco especifica para essas PGM (EFSA, 2007). Assim, considerando que não existem estudos ou pesquisas comprovando um risco igual ou diferente entre as PGM stacked events e as PGM portadoras de transgenes especificos inseridos por transgenese, e em coerência com o princípio da precaução que estimula a pesquisa cientifica no domínio da avaliação de risco e da biossegurança, posicionamos-nos a favor de uma avaliação de risco das PGM stacked events, conforme explicitada na Resolução Normativa n°5 estabelecida pela CTNBio, bem como em diretrizes complementares, abaixo explicitadas. PROPOSTA DE DIRERIZES COMPLEMENTARES PARA EVENTOS PIRAMIDADOS PGM, EM ADIÇÃO A RN 5 Considerando que as PGM stacked events são novas PGM a serem avaliadas especificamente, podemos destacar os seguintes aspectos no processo de avaliação de risco a serem adotados: A caracterização de qualquer modificação na PGM stacked events em comparação às PGM parentais; complementar os dados obtidos por Southern blot com análise por PCR revela-se relevante na caracterização molecular das PGM stacked events. Informações sobre a localização cromossomal dos transgenes podem complementar a avaliação do número de copias inseridas e relevante para a avaliação do potencial de recombinação das seqüências genômicas; A caracterização fenotípica do PGM stacked events, que depende da nova combinação dos transgenes e dos backgrounds genéticos. Uma nova análise composicional será sem dúvida necessária, usando controles isogênicos não GM cultivados em condições ambientais similares; Qualquer efeito resultando de interações adicionais, sinérgicas ou antagônicas entre os transgenes e os backgrounds geneticos. Nessa parte, a avaliação de risco poderia iniciar com uma analise de quais efeitos da PGM stacked events já foram avaliados com os pais, e quais efeitos merecem avaliação especifica; Além dos riscos previamente mencionados, e próprios às PGM caso a caso, especial atenção deve ser dada às possibilidade de surgimento de resistência múltiplas nas comunidades florísticas e faunísticas alvos; Exemplos de efeitos a serem avaliados especificamente para as PGM d Eventos Piramidados: modificações dos impactos sobre organismos alvos e não alvos; modificações espaço-temporal das exposições ambiental ligadas a novas condições de uso; adaptações do plano de monitoramento para eventos piramidados de PGM. Bibliografia. Benbrook, C. 2001. Troubled times amid commercial success for Roundup Ready soybeans: glyphosate efficacy is slipping and unstable transgene expression erodes plant defenses and yields. AgBioTech InfoNet Technical Paper No. 4, mai 2001, p. 3. Disponivél em http://www.biotechinfo.net/troubletimes.htm. Collonnier et al., 2003. Characterization of commercial GMO inserts: a source of useful material to study genome fluidity. Poster apresentado no 7a symposium do ICPMB (International Congress of Plant Molecular Biology), junho 2003. Efsa, 2007. Guidance Document of the Scientific Panel on Genetically Modified Organisms for the risk assessment of genetically modified plants containing stacked transformation events. The EFSA Journal 512, 1-5. Hernandez et al., 2003. A specific real time quantitative PCR detection system for event MON810 in maize YieldGard R based on the 3’-transgene integration sequence. Transgenic Research 12: 179-189. Holck et al., 2002. 5'-Nuclease PCR for quantitative event-specific detection of the genetically modified MON810 MaisGard maize. Eur Food Res Technol 214: 449-453. Poerschmann, J. & Kopinke, F. 2001. Sorption of very hydrophobic organic compounds (VHOCs) on dissolved humic organic matter (DOM). 2. Measurement of sorption and application of a Flory-Huggins concept to interpret the data. Environmental Science & Technology 35: 1142- 1148. Saxena, D. & Stotzky, G., 2001. Bt corn has a higher lignin content than non-Bt corn. American Journal of Botany, 88: 17041706. Stotzky, G. 2000a. 2000 Progress report: Toxins of Bacillus thuringiensis in transgenic organisms: persistence and ecological effects. Disponivél em http://es.epa.gov/ncer/progress/grants/97/envbio/stotzky00.html. Stotzky, G. 2000b. Persistence and biological activity in soil of insecticidal proteins from Bacillus thuringiensis and bacterial DNA bound on clays and humic acids. Journal of Environmental Quality, 29: 691-705.