1 UNIVERSIDADE FEDERAL DE RORAIMA CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS – CCH CURSO DE HISTÓRIA MAYCONN JYMMY CAVALCANTE CORREIA O Movimento Neopentecostal: a prática do Judaísmo na Igreja Ministério Internacional da Restauração na Cidade de Boa Vista (1999 a 2005). Boa Vista/RR 2014 2 MAYCONN JYMMY CAVALCANTE CORREIA O Movimento Neopentecostal: a prática do Judaísmo na Igreja Ministério Internacional da Restauração na Cidade de Boa Vista (1999 a 2005). Monografia apresentada como pré-requisito para conclusão do curso de Bacharelado e Licenciatura em História do Centro de Ciências Humanas – CCH da Universidade Federal de Roraima - UFRR. Orientador: Prof. Dr. Alfredo Ferreira de Souza. Boa Vista/RR 2014 3 MAYCONN JYMMY CAVALCANTE CORREIA O MOVIMENTO NEOPENTECOSTAL: a prática do Judaísmo na Igreja Ministério Internacional da Restauração na cidade de Boa Vista (1999 a 2005). Monografia apresentada como pré-requisito para conclusão do curso de Bacharelado e Licenciatura em História do Centro de Ciências Humanas – CCH da Universidade Federal de Roraima - UFRR. Defendida em 01 de dezembro de 2014 e avaliada pela seguinte banca examinadora: ______________________________________________________ Profo. Dro. Alfredo Ferreira de Souza Orientador / Curso de História – UFRR ______________________________________________________ Profo. Grad. José Darcísio Pinheiro Curso de História ______________________________________________________ Profa. Dra. Vângela Maria Isidorio de Morais Núcleo de Pesquisas – NUPS - UFRR 4 À minha esposa Larisse pela compreensão e enorme apoio e ao meu querido filho Gabriel a quem tanto amo. 5 AGRADECIMENTOS Aos professores do Departamento de História que contribuíram direta ou indiretamente e em especial ao professor Alfredo pela paciência e inestimável contribuição neste trabalho. À minha mãe Idália Cavalcante Correia, a quem devo minha vida e eterna gratidão. À minha graciosa esposa pela compreensão nas muitas horas em que estive dedicado à pesquisa e pelas palavras de conforto na hora do desânimo. 6 “A realidade é algo inesgotável. Por sorte, a cada investigação renova-se o passado”. (Nathan Wachtel) 7 RESUMO Este trabalho analisa o pentecostalismo nos seus desdobramentos históricos sob a perspectiva das tipologias do pentecostalismo clássico, o carismatismo e o neopentecostalismo. Com enfoque no movimento neopentecostal e suas principais doutrinas, que compõem sua estrutura levando-o a consolidar-se no Brasil. O objeto da pesquisa é a igreja Ministério Internacional da Restauração. Estaremos verificando como a doutrina dispensacionalista estabeleceu as bases para as práticas judaicas na igreja e qual a importância da Festa dos Tabernáculos nesse campo religioso neopentecostal. Palavras-chave: Pentecostal. Neopentecostal. Dispensacionalismo. Tabernáculos. 8 ABSTRACT This paper analyzes Pentecostalism in its historical perspective on the types of classic Pentecostalism developments, the charisma and neo-Pentecostalism. This work focuses on the Pentecostal movement and its major doctrines that makes up its structure that caused it to set up in Brazil. The object of the research is the church named “Ministério Internacional da Restauração”. There will be an evaluation about how the dispensationalist doctrine laid the foundation for Jewish practices in the church and the importance of the Feast of Tabernacles in Pentecostal religious field. Keywords: Pentecostal. Neopentecostal. Dispensationalism. Tabernacles. 9 SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO................................................................................................................10 2. O PENTECOSTALISMO NO BRASIL.........................................................................12 2.1 A INFLUÊNCIA ESTRANGEIRA NO MOVIMENTO PENTECOSTAL........................12 2.2 O PENTECOSTALISMO CLÁSSICO..............................................................................15 2.3 O CARISMATISMO..........................................................................................................17 2.4 O NEOPENTECOSTALISMO..........................................................................................18 3. PRINCIPAIS DOUTRINAS DO NEOPENTECOSTALISMO...................................24 3.1 TEOLOGIA DA PROSPERIDADE...................................................................................24 3.2 A DOUTRINA DISPENSACIONALISTA........................................................................28 4. A IGREJA EM CÉLULAS DO MIR-RR E A FESTA DOS TABERNÁCULOS.........37 4.1 O CONCEITO DE CÉLULA NA VISÃO DO MODELO DOS DOZE..............................40 4.2 A CELEBRAÇÃO DA FESTA DOS TABERNÁCULOS..................................................43 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS..........................................................................................49 REFERÊNCIAS......................................................................................................................51 10 1. INTRODUÇÃO O fenômeno religioso em suas práticas e representações na América Latina possui configurações diferenciadas do contexto norte-americano e europeu devido, principalmente, a sua pluralidade religiosa. No caso do Brasil essa pluralidade evidencia-se nas mais variadas formas de manifestações religiosas, como é o caso do pentecostalismo. Temos no Brasil o catolicismo, que foi implantado no contexto colonial português, além das religiões africanas tradicionais ou tribais, que vêm da tradição oral, baseada na vida familiar, vivendo à margem da religião oficial, principalmente no Brasil Império, quando o catolicismo tornou-se a religião oficial (GAARDER; HELLERN; NOTAKER, 2005). A separação entre Igreja e Estado foi um: ...ato político que institucionalizou a neutralidade do Estado em matéria de religião, foi obra da República proclamada em 1889, depois chamada República Velha. Os republicanos houveram por bem inscrever desde logo na Constituição de 1891 – definitivamente, pelo menos até agora – a moderna liberdade de culto (PIERUCCI, 2005, p.301). Com a separação entre Estado e igreja, estabeleceu-se a concorrência entre as organizações religiosas, e com o advento da República, a liberdade de pensamento, de reunião e de expressão coletiva, representou o começo de uma expansão organizacional no campo religioso nacional. (PIERUCCI, 2005). No contexto de laicização ou secularização do Estado, surge por volta da década de 1970 o movimento neopentecostal. Esse movimento refletirá “os efeitos dinamizadores que a liberdade de expressão religiosa tem trazido para o campo das religiosidades quando elas se põem em livre concorrência” (PIERUCCI, 2005, p.302). O interesse pelo tema advém do próprio contexto religioso de formação histórica do nosso país e de minha vivência familiar neste contexto religioso. Em minha adolescência costumava ir à igreja católica com meus avós. Posteriormente, em minha juventude meus pais romperam com o catolicismo e passaram a frequentar a Assembleia de Deus do Brasil, igreja pentecostal clássica. Eu professava a mesma fé que meus pais. Nesse momento, por volta da década de 1990, surge no cenário nacional o movimento que ficou conhecido como neopentecostalismo. Como já era costume em minha família, migramos mais uma vez para o movimento de igreja em células no MIR-RR, situado no campo religioso neopentecostal. Podemos afirmar que minha família foi uma das fundadoras do movimento em Boa Vista, iniciando todo o trabalho juntamente com outras famílias que também aderiram ao desafio. 11 Contudo, com meu ingresso no curso de História em 2008, novos horizontes críticos começaram a surgir em minha frente. À medida que o conhecimento científico fazia parte da rotina, passei a perceber elementos no movimento neopentecostal que outrora estavam ocultos a mim. Em seguida o rompimento com a igreja em células foi praticamente inevitável, despertando o interesse em escrever sobre o tema. A pesquisa objetiva analisar quais elementos contribuíram para o processo de assimilação da prática da cerimônia judaica nos cultos e festas comemorativas no movimento neopentecostal, e especificamente no Ministério Internacional da Restauração em Boa Vista – MIR-RR. O tema sobre o protestantismo no Brasil é bastante trabalhado e despertou interesse de vários pesquisadores. Contudo, o estudo da religião e da religiosidade é bem amplo, e possibilitando várias discussões. O movimento neopentecostal tem sido amplamente discutido no meio acadêmico, mas existem certas nuances que são deixadas de lado, como é o caso das práticas cerimonialísticas judaicas nos cultos das igrejas em células. Assim essa pesquisa tornase relevante, pois analisa esse outro aspecto do movimento neopentecostal. Como é um tema amplamente discutido, existe uma infinidade de fontes para ser analisada. O próprio MIR-AM organizou um mercado editorial com publicação de livros, revistas, jornais e sites especializados. Diante de inúmeras possibilidades de investigação buscamos nossas fontes em revistas especializadas em publicações na internet, em filmagens de DVD’s e por fim em outros trabalhos acadêmicos que abordaram o assunto. Com isso, o trabalho ficou dividido em três partes. Primeiramente faremos uma análise do processo histórico dos desdobramentos do pentecostalismo com a chegada dos missionários norte-americanos e trabalharemos as três tipologias propostas para o movimento pentecostal. Na segunda parte discutiremos as principais doutrinas do neopentecostalismo, com ênfase nas doutrinas da igreja do MIR, teologia da prosperidade e a doutrina dispensacionalista. E por fim, abordaremos algumas questões estruturais da igreja em células1 e seus fundamentos analisando as práticas judaizantes na Festa dos Tabernáculos. 1 Constitui-se como modelo de igreja organizado em grupos formados por no mínimo três membros e um líder, sendo assim denominada de grupo de células onde trabalharemos mais especificamente no último capítulo, em que trataremos da estrutura organizacional da igreja do MIR. 12 2. O PENTECOSTALISMO NO BRASIL O que nos propomos a fazer ao buscar traçar o campo religioso brasileiro no contexto do pentecostalismo consiste em fazer uma análise dos seus desdobramentos, o pentecostalismo clássico ou tradicional, o movimento carismático e o neopentecostalismo. Compreender quais características adquiriu no campo religioso brasileiro, destacando os aspectos principais de cada movimento e com ênfase no Ministério Internacional da Restauração - MIR e analisando os elementos que o caracterizam dentro dessa nova onda pentecostal ressaltando suas especificidades. Temos vivido um período de grande notoriedade do movimento neopentecostal, nas mais variadas vertentes de comunicação em massa. O rádio, a televisão, os shows, as marchas para Jesus e a grande variedade de produtos “gospel” são elementos de expressão social que apontam para a repercussão desse movimento. Esse movimento tem uma evolução dinâmica, adaptando-se sem muita resistência a vários elementos externos, e as igrejas que compõem o neopentecostalismo “não são organizações estáticas que incham numericamente; estão em constante adaptação, e as mudanças são frequentemente objeto de lutas” (FRESTON, 1993, p.64). São essas mudanças que buscamos compreender neste trabalho, como o MIR assimilou essas transformações no campo religioso, inclusive incorporando novos elementos e significados aos símbolos e interpretações bíblicas. 2.1 A INFLUÊNCIA ESTRANGEIRA NO MOVIMENTO PENTECOSTAL O pentecostalismo brasileiro teve forte influência estrangeira2 e principalmente dos missionários vindos dos Estados Unidos. Na década de 1940 “o pentecostalismo clássico teve início com a chegada de dois batistas suecos e um presbiteriano italiano, convertidos ao pentecostalismo nos EUA” (MARIANO, 2012). Poul Freston retoma essa tese ao afirmar “que o pentecostalismo brasileiro de fato resultou de um movimento que surgiu nos Estados Unidos (1993, p.67). Campos (2005) vai além, ao discutir que não podemos compreender o processo histórico do pentecostalismo brasileiro sem fazermos uma análise do campo religioso norte- 2 O trabalho de Leonildo Silveira Campos faz uma análise sobre as origens norte-americanas do pentecostalismo trabalhando sob a lógica das rupturas e continuidades incluindo a análise de seus desdobramentos em território brasileiro. As origens norte-americanas do pentecostalismo brasileiro: observação sobre uma relação ainda pouco avaliada. REVISTA USP, São Paulo, n.67, p. 100-115, setembro/novembro 2005. 13 americano. Fica evidente que o pentecostalismo brasileiro foi fortemente influenciado pelas doutrinas teológicas importadas principalmente por missionários pentecostais vindos dos Estados Unidos. Além de missionários norte-americanos, também vinham missionários pentecostais da Europa, que exerceram grande influência principalmente na Igreja Assembleia de Deus, fundada e dirigida por suecos, o que mostra grande distinção teológica no processo de formação desse campo religioso no Brasil, como missionários também vindos do Canadá e de regiões da África. O deuteropentecostalismo teve início com a vinda de dois missionários americanos da International Church of The Foursquare Gospel, igreja mão da Evangelho Quadrangular brasileira. O neopentecostalismo não fugiu do escript. Da Nova Vida – fundada por um missionário canadense com muitos contatos no exterior e até com o Vaticano, que pregou nos cinco continentes e pastoreou igreja nos EUA – saíram Universal e Cristo Vive, sendo esta última fundada e liderada por um angolano com formação teológica em Maiami (MARIANO, p. 39, 2012). Percebemos desde o processo de formação do pentecostalismo no Brasil um forte pluralismo religioso, como consequência dos missionários vindos dos mais variados países e com formações teológicas distintas. Como percebemos na citação acima, esses missionários já traziam consigo uma pluralidade religiosa, muitos deles tinham experiência em diferentes países e formações teológicas em diferentes instituições. Na perspectiva do campo religioso norte-americano que uma grande quantidade de missionários foi enviada à América Latina com intuito de expandir o movimento pentecostal e fundar novas igrejas nos moldes norte-americanos. No início de forças centrífugas, que num curto período de três anos centenas de fiéis se transformaram em missionários pentecostais, que influenciados por Los Angeles se espalharam primeiro para todos os EUA, depois, para Europa, Ásia, América Latina e África” ( REVISTA USP, São Paulo, n.67, p. 100-115, setembro/novembro 2005). Aqui temos uma análise do movimento neopentecostal a partir do contexto norteamericano, mas sabemos que o movimento pentecostal teve seus desdobramentos a partir das igrejas históricas herdeiras da reforma protestante, cuja presença ocorre desde o século XVI. (ANDRADE, 2010). Agora vamos ordenar esse campo pentecostal assimilado e difundido por esses missionários analisando o processo até o neopentecostalismo. Na análise usaremos as tipologias 14 que ordenam o pentecostalismo da seguinte maneira: o pentecostalismo clássico; o carismático e o neopentecostalismo3. Como o pentecostalismo brasileiro nunca foi homogêneo, faz-se necessário classificá-lo tipologicamente para analisarmos o Ministério Internacional da Restauração em Boa Vista – MIR e verificarmos os elementos que o caracterizam nesse campo religioso neopentecostal. Não se constitui tarefa fácil, devido ao grande sincretismo dentro do pentecostalismo. Portanto, a utilização de tipologias é fundamental para situarmos o objeto de estudo no campo pentecostal. Utilizarei a metáfora das ondas para classificar os movimentos pentecostais, o que é comum nos EUA, e foi usada pela primeira vez no Brasil por Freston (1993), por crer que as características distintivas propostas pelas ondas podem delimitar historicamente e de maneira adequada nosso objeto de estudo o MIR. São classificas da seguinte maneira: A primeira onda é a pentecostal [...] que abrange as mais antigas denominações, [...] nomeadas de clássicas criadas nas primeiras décadas do século. A segunda onda, iniciada no final dos anos 50 e começo dos 60, constitui o movimento de renovação carismática [...] que aceitam os dons do Espírito Santo como válidos para os dias atuais [...]. Discordam da crença dos pentecostais clássicos de que o falar em línguas seja o primeiro sinal do batismo no Espírito Santo. A terceira onda, iniciada nos anos 80, [...] inclui os evangélicos e cristãos, inspirados no Espírito Santo, praticam os dons, com pouca ênfase nos dons de línguas, enfatizam os sinais, os milagres e os encontros de poder [...] (MARIANO, 2012, p.28). Essa classificação proposta não é simplesmente um recorte histórico. Além do recorte temporal é feita uma análise das características distintas em cada onda. A primeira onda ou pentecostalismo clássico cobre um período de 1910 a 1950, com a fundação no país da Congregação Cristã no Brasil e da Assembleia de Deus. A membrezia dessas igrejas era composta, em sua maioria, por pessoas de baixa renda e escolaridade (MARIANO, 2012). Na primeira onda, é consenso entre os estudiosos do campo religioso brasileiro esse recorte feito pelo pentecostalismo clássico (BITUN, 2007, p.27). Sabemos da complexidade que é o estudo do campo religioso brasileiro, principalmente pelos seus mais variados desdobramentos. No caso da igreja do MIR não é 3 Classificação proposta por Ricardo Mariano (2012). 15 diferente, ao longo da análise veremos traços característicos da primeira e segunda ondas do pentecostalismo, apesar de o MIR ser classificado como da terceira onda. 2.2. O PENTECOSTALISMO CLÁSSICO O pentecostalismo clássico ou tradicional é entendido como a primeira onda do movimento pentecostal por Freston (1993), e uma característica fundamental para compreensão da primeira onda é o ferrenho anticatolicismo. O catolicismo é visto pelo pentecostalismo clássico como uma seita pagã, uma religião que está desvirtuada da verdade bíblica. Assim os missionários pentecostais da primeira onda que vinham para o Brasil traziam consigo uma visão libertadora com relação ao catolicismo. Outro fator importante que apresenta-se nessa classificação é a glossolalia4, que se apresenta como primordial na doutrina pentecostal. A ênfase adotada pela primeira onda do pentecostalismo ao dom de variedade de línguas se refere ao evento vivenciado pelos discípulos de Cristo no cenáculo em Jerusalém. Um evento festivo do povo judeu chamado de pentecostes. Os discípulos estavam reunidos após a ascensão de Cristo aguardando a promessa de serem batizados com o Espírito Santo. De repente, de forma miraculosa, os discípulos começaram a falar em outras línguas. Assim os pentecostais entendem que o sinal externo do batismo do Espírito Santo é o falar em outras línguas como ocorreu no evento narrado em Atos dos Apóstolos, no capítulo segundo. (BITUN; 2007). Assim o dom de línguas pode ser a principal característica dessa primeira onda pentecostal, apresentando-se como elemento centralizador, como a marca de identificação desse movimento. Constitui-se de igual importância para o pentecostalismo clássico a crença 4 A glossolalia é conhecida como a doutrina do batismo no Espírito Santo, cuja evidência externa é o falar em outras línguas. Um dos divulgadores mais conhecidos foi o missionário William Joseph Seymour, que viajou pelos Estados Unidos ensinando a doutrina do batismo com o Espírito Santo e que teve uma explosão notória a partir do avivamento da rua Azuza Street. A partir da divulgação do avivamento da rua Azuza, muitas pessoas, em busca de experimentar o batismo com o Espírito Santo, participaram das reuniões pentecostais e se aventuraram em missões ao redor do mundo a fim de divulgar essa nova mensagem. Depois disso, o Pentecostalismo se espalhou pelo mundo, conseguindo uma projeção muito superior ao que os seus líderes esperariam e tornando-se uma grande força dentro do cristianismo. (CARVALHAIS; Sueli Cardozo. Glossolalia: o Dom includente do Espírito Santo. Revista de Estudos da Religião. Junho de 2010, p. 42-61). Freston também concorda que o estopim do movimento pentecostal com o dom da glossolalia tenha ocorrido com W. J. Seymour (1993; p.67). 16 na volta iminente de Cristo, a salvação paradisíaca e o comportamento de radical sectarismo e ascetismo de mundo exterior. (MARIANO, 2012). O sectarismo é fundamental para a sustentação do pentecostalismo clássico. Nas questões doutrinárias é fundamental que existam doutrinas que estabeleçam a diferença entre as pentecostais e as igrejas históricas e das pessoas “mundanas”, que não haviam aceitado Cristo como salvador. Essas doutrinas permeavam o relacionamento familiar, o trabalho, a escola, os costumes e muitos outros aspectos do cotidiano dos membros promovendo uma desvalorização do mundo. As principais representantes do movimento pentecostal clássico no Brasil são as igrejas Congregação Cristã (1910) e Assembleia de Deus (1911), que dominaram o campo religioso durante 40 anos, devido à falta de expressão de suas concorrentes. (FRESTON, 1993). Ambas as igrejas ainda existem; a Congregação Cristã vem perdendo expressão devido à resistência às mudanças. Quanto à Assembleia de Deus que atualmente possui dois modelos doutrinários: um que permanece em resistência às mudanças e outro que aceitou as exigências contemporâneas e aderiu à doutrina neopentecostal. Isso foi uma questão que levou a vários cismas denominacionais na igreja Assembleia de Deus. Com relação ao movimento pentecostal tardio encontramos: ...nos anos 50 na cidade de São Paulo com o trabalho missionário de dois ex-atores de filmes de faroeste do cinema americano, Harold Williams e Raymond Boatright, vinculados à International Church of The Foursquare Gospel. [...] trouxeram para o Brasil o evangelismo de massa centrado na mensagem de cura divina. Difundiram-na por meio do rádio, do evangelismo itinerante em tendas de lona, de concentrações em praças públicas, ginásios de esporte, estádios de futebol, teatros e cinemas (MARIANO, 2012, p.30). Nesse mesmo período, em 1952, foi fundada nos Estados Unidos a ADHONEP – Associação dos Homens de Negócios, por Demos Shakarian. Em pouco tempo a associação cresceu de forma a espalhar-se pelos cinco continentes, chegando à América Latina e ao Brasil por volta de 1973, no mesmo momento em que se inicia o movimento neopentecostal. A ADHONEP constitui-se como uma associação de empresários formada por pessoas físicas e jurídicas, proprietários ou sócios. Com isso a associação começa a promover a lógica de mercado no contexto religioso pentecostal, corroborando para as bases da teologia da prosperidade. O evangelismo de massa possuía mensagens inovadoras e métodos que atraiam ouvintes de outras igrejas evangélicas e indivíduos dos estratos mais pobres da população. Podemos dizer que o uso dos meios de comunicação de massa foi fundamental para o progresso desse desdobramento pentecostal dando grande visibilidade ao movimento religioso no Brasil. Até então, o pentecostalismo brasileiro contava principalmente com as igrejas da Assembleia 17 de Deus e Congregação Cristã. A partir desse novo contexto religioso surgiram as igrejas Brasil para Cristo (SP, 1955), Deus é Amor (SP, 1962), Casa da Benção (Belo Horizonte, 1964) e várias outras de menor expressão social. (MARIANO, 2012). 2.3 CARISMATISMO O movimento é conhecido como carismático pela adesão de algumas igrejas históricas que se pentecostalizaram e aderiram aos métodos da segunda onda. Essas igrejas no Brasil são conhecidas como igrejas renovadas, igrejas que romperam com a proposta tradicional e aderiram ao pentecostalismo (MARKARTHUR, 1992). O evangelismo de massa era acompanhado pela doutrina teológica do dom de cura divina, o que foi a grande novidade da segunda onda. Na primeira onda, havia o dom de línguas como carro-chefe desse movimento; na segunda, o dom de cura, que foi crucial para a rápida expansão do movimento e o forte desdobramento institucional. Sobre a importância do dom de cura divina5, essa doutrina era também um método proselitista. Convém dizer que na primeira onda pentecostal acreditava-se no dom de cura, cuja ênfase era o dom de línguas ou variedades de línguas. De igual modo, na segunda onda, acredita-se nos dons do Espírito com ênfase no dom de cura. Então de uma forma ou outra, são características adotadas para distinguir os dois movimentos pentecostais. Apesar de movimentos distintos dentro do pentecostalismo, as questões teológicas e doutrinárias centrais permanecem inalteradas. “O núcleo doutrinário permanece inalterado em qualquer das ramificações pentecostais” (SOUZA; 1969 p.103 apud MARIANO; 2012, p.31). As diferenças teológicas consistem nas questões como: a crença na predestinação de origem calvinista ou na doutrina arminiana das demais igrejas e a ênfase em determinados dons. Justificam-se assim as duas tipologias do pentecostalismo, não apenas pelas questões 5 Na carta do apóstolo Paulo aos I Coríntios, capítulo 12, ele aborda o tema dos dons do Espírito Santo, e começa dizendo que são muitos, mas o Espírito é o mesmo. Nesse texto Paulo escreve sobre os dons de variedades de línguas e o de curas sem entrar em muitos detalhes sobre cada um, principalmente com relação aos métodos de funcionamento. O que fica claro é que os dons são concedidos pelo Espírito como e a quem ele quiser. Outros textos bíblicos que reforçam a questão do dom de cura são os Evangelhos, que mostram os milagres de Cristo, e, por fim, o próprio evangelho de Marcos, no capítulo 16, no qual está expressa uma determinação do Cristo, feita após ele ter ressuscitado: os discípulos porão as mão sobre os enfermos e os curarão. Assim é justificada a prática do dom de cura divina. 18 doutrinárias e teológicas, pois como vimos estão em constantes assimilações, mas também pelo critério histórico-institucional6 (MARIANO, 2012). 2.4 O NEOPENTECOSTALISMO O Neopentecostalismo é denominado como a terceira onda pentecostal por Freston (1993) e Mariano (2012). A terceira onda do pentecostalismo tem maior relevância para nossa pesquisa, pois é nessa tipologia que classificamos a igreja do MIR. A partir de agora, ao mesmo tempo em que classificarmos os elementos da terceira onda, analisaremos as características de nosso objeto de pesquisa com esse movimento. “A terceira onda demarca o corte histórico-institucional da formação de uma corrente pentecostal que será aqui designada de neopentecostal” (MARIANO; 2012, p.33). O termo neopentecostal7 configura-se apropriado por indicar a formação recente do movimento e seu caráter inovador e assim delimitar historicamente de maneira adequada nosso objeto de estudo. Freston ao abordar a questão da terceira onda em sua tese. O autor aponta duas igrejas como principais representantes desse movimento neopentecostal: A terceira onda pentecostal acompanha novo surto de crescimento nos anos 80. Seu produto institucional mais famoso é a igreja Universal do Reino de Deus (IURD), do bispo Edir Macedo. Fundada em 1977, a IURD cresce na década seguinte. Outro grupo é a igreja Internacional da Graça de Deus (IIGD), fundada em 1980 por R. R. Soares, cunhado de Macedo, após um cisma na IURD (1993, p.95). Já Barbieri Junior vai um pouco além, mas continua a apontar a IURD como principal representante desse movimento. A terceira onda começa no final dos anos 1970 e ganha força nos anos de 1980 com as igrejas Sara Nossa Terra (fundada em 1980 por Robson Rodovalho), Universal do Reino de Deus (fundada em 1977 no Rio de Janeiro por Edir Macedo), Renascer em Cristo (fundada em 1986 pelo casal Estevam e Sonia Hernandes), Internacional da Graça de Deus (fundada no Rio de Janeiro em 1980 por Romildo R. Soares) e entre outras (2007, p.16). Existe um consenso de que a IURD caracteriza-se como grande representante do movimento neopentecostal, não se pondo é claro como única, até porque é um movimento 6 O termo histórico-institucional proposto por Mariano está associada as mudanças da própria conjuntura internacional da consolidação do capitalismo mundial, e da própria igreja como instituição eclesiástica, além das mudanças teológicas e doutrinárias(2012). 7 É utilizado por Mariano (2012), Freston (1993), Bitun (2007) e Siepierski (2001). 19 dinâmico. É fato também que, devido a sua grande notoriedade na mídia nacional, quer por questões polêmicas de escândalos, quer por divulgação de seus programas televisivos e radiofônicos, essa igreja tem chamado a atenção dos pesquisadores da religião. Dessa forma, grande parte das pesquisas acadêmicas está voltada para a IURD, e nos dias atuais também para a igreja Mundial do Poder de Deus, que é dissidente da IURD. Assim faremos uma análise do nosso objeto de estudo com base nessas características do movimento neopentecostal tomando como referência principalmente a IURD8, por conter maior número de pesquisas. Mariano vai destacar em sua análise três características fundamentais do neopentecostalismo. A primeira é a exacerbação da guerra espiritual contra o Diabo e seus anjos decaídos (2012, p.36). Quanto a esse elemento do neopentecostalismo podemos afirmar que na igreja do MIR é bem presente essa exacerbação da guerra espiritual nas liturgias dos cultos e em sua literatura doutrinária. Em um dos livros do fundador do MIR, Renê Terra Nova, intitulado Alimento para Células, ele vai dedicar grande parte de sua obra para falar de batalha espiritual. Na introdução do capítulo sobre o tema Terra Nova fala o seguinte: Temos vivido os fins dos tempos. Satanás, nosso inimigo, sabe que sua hora de ser destruído está chegando. No entanto, a batalha está cada vez maior e o nosso inimigo tentará ludibriar o povo de Deus tanto quanto puder. Mais do que nunca estamos no meio de uma grande batalha espiritual. [...] Ignorar nosso inimigo é a arma mais letal que Satanás usa para nos confundir (2002, p.18). Fica evidente a exacerbação da guerra espiritual e mostra que o próprio fato de ignorar que temos um inimigo já constitui uma estratégia do adversário. Apesar de “Jesus ter o governo sobre tudo, tanto no mundo espiritual como no mundo físico” (TERRA NOVA, 2002, p.19), o fiel continua à mercê das ciladas de Satanás. Porém esse campo de batalha espiritual é bem delimitado, pois, segundo Terra Nova, as hostes do inimigo são organizadas hierarquicamente, o que significa dizer que precisamos nos preparar e sermos estrategistas na guerra espiritual. A guerra espiritual é enfatizada em todos os aspectos da vida. No contexto familiar Terra Nova fala que a “família tem sido alvo de ataques constantes” (2002, p.30) e que se faz necessário uma cobertura espiritual 9 para proteção da família. Ele fala que podemos gerar 8 Trataremos das questões doutrinárias da Igreja Universal do Reino de Deus mais especificamente no próximo capítulo. 9 O termo cobertura espiritual foi cunhado para referir-se às igrejas que aderiram ao modelo da visão celular e respondem à matriz MIR, participando de congressos e conferências na sede nacional em Manaus – AM. O MIR 20 inimigos dentro do nosso próprio lar: expor os filhos à televisão, deixar nossos filhos com pessoas que não servem a Deus e inclusive a escola. Por isso, “devemos orar e guerrear em todo o tempo” (2002, p.36). Com base nesse princípio, Terra Nova escreve um livro chamado Atos Proféticos: comando de Deus ou invenção humana? Nesse trabalho ele mostrará como funciona o mundo espiritual e como devemos agir por meio dos atos proféticos, influenciando o mundo espiritual e assim tendo batalhas vencidas nessa guerra espiritual. A segunda característica apontada consiste na pregação enfática da Teologia da Prosperidade 10 . Essa Doutrina da Prosperidade é marca fundamental do movimento neopentecostal. As novas igrejas que surgem nesse contexto são marcadas por um “novo discurso pentecostal, centrado na teologia da prosperidade, e na guerra espiritual, articulandose com uma forma de organização eclesiástica do tipo empresarial” (SAPIERSKI, 2001, p.61). Barbiere também vai abortar essa questão em seu trabalho quando fala da terceira onda do pentecostalismo: Caracteriza-se pelo exclusivismo frente às demais expressões pentecostais e evangélicas, como a ênfase nas teologias da prosperidade e da guerra espiritual, investimento forte na mídia (impressa, radiofônica, televisiva e informatizada) e na política e expansão da sua presença nas fronteiras nacionais (2007, p.16-17). Esse aspecto da Teologia da Prosperidade no MIR é bem visível, basta olharmos paras as publicações da editora Semente de Vida e os estudos publicados em seu site. Os livros e o site com os estudos bíblicos são os maiores doutrinadores das igrejas do MIR no Brasil. Os discípulos (membros), como são chamados, são constantemente incentivados a comprar os livros e acompanhar os estudos pelo site11; todos que exercem cargos de liderança nas igrejas do MIR devem estar bem cientes da responsabilidade de conhecerem profundamente as doutrinas repassadas por Terra Nova. Claro que nossa proposta aqui não é estudar detalhadamente as doutrinas e fazer uma análise nos desdobramentos e assimilações doutrinárias que ocorreram no pentecostalismo, mas é pertinente para nossa análise apontar os de Manaus passa a prestar apoio doutrinário e suporte para a implantação do modelo celular nas novas igrejas ou nas antigas que queiram adotar o sistema. Essa doutrina “estabelece o direito de saúde e de posse de bens materiais aos fiéis. Para os defensores da Teologia da Prosperidade, Deus é o Senhor de todas as riquezas do mundo, sendo um direito divino dos homens compartilharem as riquezas materiais, já que o homem é filho de Deus. Diferentemente do perfil ascético do pentecostalismo tradicional, o fiel do neopentecostalismo abraçou os valores da sociedade de consumo sem ter medo da punição Divina, ao contrário, a ostentação de riquezas materiais é um sinal da sua escolha por Deus” (BARBIERI JUNIOR; 2007, p.17). 11 WWW.mir12.com.br 10 21 elementos da doutrina da Teologia da Prosperidade adotada no MIR, não só para enquadrá-la nas características propostas por Mariano, mas também para percebermos o dinamismo desse movimento neopentecostal e como funciona a dinâmica dessa doutrina no MIR. Em junho de 2012 foi publicada uma série de estudos sobre a prosperidade no site do MIR. Esses estudos fizeram uma série de apontamentos mostrando como é compreendida essa doutrina no MIR. É importante mostrarmos que, apesar de certas diferenças nas questões de interpretação teológica, de modo geral o contexto assemelha-se às demais igrejas neopentecostais, e cito aqui a IURD e a Mundial do Poder de Deus. Na primeira parte desse estudo, a prosperidade é apontada em vários níveis: psicológica, emocional, afetiva, física, financeira e espiritual. Na introdução do estudo Terra Nova inicia dizendo: Todo mundo quer ser próspero hoje em dia. Prosperidade virou sinônimo de aquisição de dinheiro. As pessoas pensam que são prosperas, à medida que adquirem dinheiro. Isso, em parte, é verdade. Mas é necessário compreender que a verdadeira prosperidade não consiste em agregação de bens. Prosperidade é mudança de sorte em áreas distintas, como descreve o Apóstolo João em sua terceira carta. “Amado, acima de tudo. Faço votos por tua prosperidade e saúde, assim como é próspera a tua alma.” (III João 2) (Estudo: Prosperidade em todas as áreas. 4 de junho de 2012). Grande parte dos discursos de Terra Nova de algum modo está associada à prosperidade material como um reflexo da prosperidade espiritual, ou seja, é necessário que haja uma conquista no mundo espiritual para que essa benção se concretize no mundo material. A bênção de a terra frutificar, ou seja, no nosso contexto, de explodir a bênção na nossa casa, nossas finanças e os setores de trabalho, pois a nossa realidade é outra e estamos dentro de perspectivas diferentes, preparando-nos para uma colheita financeira e de bênção, acumulados de uma forma sobrenatural para provar e ver que o Senhor é Bom (2011). Esse texto é faz parte de um estudo sobre o poder de uma semeadura. A semeadura consiste nos dízimos, ofertas e as primícias12 que são doadas pelos fiéis para cumprirem os princípios de Deus. Para que a bênção da prosperidade possa ser concretizada na vida do fiel 12 Significa doar o salário do primeiro dia de trabalho do mês para o seu líder (pastor). Segundo Terra Nova, a maneira de honrar o seu líder é com a primícia. “Pela Bíblia só há uma maneira bíblica de honrar o líder, além de obedecê-lo e ser fiel a ele, materializando a honra através da primícia”, ou seja, a soma de todo o ganho do mês dividido por trinta, que dará o resultado do ganho de um dia de trabalho, caracterizando a primícia. O dízimo corresponde a 10% do salário do mês independentemente das primícias. E, por fim, a oferta é uma doação voluntária, trazida ao altar além das duas acima citadas. (Estudo: Dízimo, oferta e primícias – princípios bíblicos. 24 de janeiro de 2011). 22 esses três princípios “bíblicos” devem ser cumpridos. Assim esse ato de fé se caracteriza como uma conquista no mundo espiritual, que por sua vez se efetivará no mundo material em bênçãos financeiras. A terceira característica delimita o campo religioso neopentecostal, é a “liberalização dos estereotipados usos e costumes de santidade” (MARIANO, 2012, p.36). O neopentecostalismo “vai romper com a ideia de salvação pelo ascetismo de rejeição do mundo” (MARIANO, 2012, p.44). Não existe aquela ideia do pentecostalismo clássico de que a vida terrena era passageira, não acumular riquezas na terra e buscar o paraíso abdicando dos prazeres da carne e do mundo. Assim, “o apego dos neopentecostais ao mundo é indisfarçável” (MARIANO, 2012, p.44). “A crença da prosperidade defende a ideia de que o homem foi liberto do pecado original por meio do sacrifício de Cristo, assim pode não só usufruir dos bens terrenos, como também exigir de Deus como um direito adquirido” (BARBIERI, 2007, p.45). Vemos que a doutrina mudou radicalmente. Anteriormente no pentecostalismo clássico vivia-se uma vida ascética, “separada” para Deus, à espera do paraíso. Agora com o neopentecostalismo o paraíso é aqui na terra. Não precisamos mais esperar as benesses de Deus para o pós-morte, ele quer nos abençoar aqui e precisamos exigir isso de Dele, pois tal dádiva se constitui como nosso direito. Essa mudança é “uma acomodação aos valores e costumes da sociedade contemporânea – alimenta a vontade de consumo como uma busca de satisfação e fortalece o comportamento individualista e liberal de costumes” (BARBIERI, 2007, p.44). O MIR, além de encaixar-se nessa característica apontada por Mariano e Barbieri, vai assimilar outros elementos. Quanto ao critério de liberalização de usos e costumes13, que eram bem rígidos no pentecostalismo clássico principalmente com relação às mulheres, ocorreram profundas mudanças influenciadas pelo movimento feminista, que afetou as igrejas neopentecostais. As mulheres passaram a ter mais liberdades, primeiramente quanto à questão do vestuário; as mulheres passaram a usar calças compridas, maquiagem, passaram a participar do corpo eclesiástico e até mesmo a liderar igrejas, como é o caso de Valnice Milhomens, líder da Igreja Nacional do Senhor Jesus Cristo14. A música passou a ocupar lugar de destaque nos cultos, sem restrições para gêneros musicais, rock, funk, reggaeton, ritmos antes vistos como abomináveis agora eram trazidos 13 As igrejas pentecostais clássicas criaram manuais de regras de moral e conduta que viraram rol de seus estatutos. Podemos citar um exemplo para melhor esclarecer esse contraste: grande parte das igrejas pentecostais clássicas adota o costume no qual as mulheres devem usar saia e não devem depilar as pernas. Já as igrejas neopentecostais são mais liberais nesse assunto; permitem que as mulheres usem calça comprida e que se maquiem. 14 É uma das pioneiras do movimento de igrejas em células no Brasil juntamente com René Terra Nova. 23 como uma ideia de resgate dos estilos. O principal fator que resultou desse liberalismo foi a transformação dos fiéis a um comportamento consumista, em que já não existem restrições a praticamente nada, você pode desfrutar de todas as riquezas matérias sem nenhuma crise de consciência, por estar cometendo algum pecado. A Teologia da Prosperidade dedica-se a esse mundo e a esta vida, para resolver de forma mágica problemas dos mais diversos, não mais uma eterna e resignada espera por Cristo. A igreja do MIR está se acomodando rapidamente à sociedade inclusiva, à cultura e à religiosidade popular, porque a flexibilidade em suas doutrinas proporciona meios de proselitismo muito mais eficientes, que vão muito mais incluir que separar (MARIANO, 2012). Quando adotamos a tipologia das ondas e dividimos o pentecostalismo em três vertentes, não estamos propondo que essa construção tipológica dê conta de todo o campo religioso brasileiro, que é tão complexo, dinâmico e diversificado. Propomos estabelecer um marco para a análise de nosso objeto de estudo, o MIR, e assim estruturá-lo dentro dessa tipologia proposta para procurarmos pensá-la e compreendê-la (Mariano, 2012). Entendendo que “práticas rituais, correntes teológicas, técnicas evangelísticas não respeitam fronteiras denominacionais nem circulam somente em uma determinada vertente evangélica” (MARIANO, 2012, p.47). Nessa primeira parte analisamos as tipologias propostas por Mariano, classificamos e verificamos historicamente cada uma delas, dando especial atenção à neopentecostal. Analisamos como o Ministério Internacional da Restauração assemelha-se, com suas peculiaridades, às três características do neopentecostalismo: exacerbação da guerra espiritual contra o Diabo e seu séquito de anjos decaídos; pregação enfática da teologia da prosperidade; e liberalização dos estereotipados usos e costumes de santidade. Para a segunda parte, nos propomos a analisar historicamente a partir do movimento neopentecostal o que Terra Nova chama de voltar às raízes cristãs do amor por Israel e o povo judeu comemorando as festas bíblicas. 24 3. PRINCIPAIS DOUTRINAS DO NEOPENTECOSTALISMO No capítulo anterior discutimos brevemente alguns aspectos doutrinários da terceira onda do pentecostalismo. Neste capítulo vamos analisar as grandes correntes teológicas do Neopentecostalismo como: a Teologia da Prosperidade e a Doutrina Dispensacionalista. Essas correntes teológicas são as mais evidentes dentro do movimento neopentecostal, por isso, julgamos mais importante selecioná-las, pois não há espaço suficiente nesse trabalho nem é minha proposta discutir as mais variadas doutrinas que fazem parte do neopentecostalismo. As doutrinas selecionadas para a análise são encontradas, de alguma forma, em todas as igrejas dessa da vertente neopentecostal. Dentre tantas perspectivas teológicas adotadas pelo neopentecostalismo, escolhemos essas doutrinas que melhor representam o movimento. Como vimos no capítulo anterior, a Teologia da Prosperidade faz parte da prática religiosa do MIR e está associada à grande parte do discurso dos membros. Assim como a doutrina dispensacionalista, que nos dará suporte para justificarmos as práticas judaicas nas igrejas neopentecostais, como é o caso da igreja do MIR. 3.1 A TEOLOGIA DA PROSPERIDADE Quando falamos em Teologia da Prosperidade uma das primeiras igrejas que vêm à mente é a Igreja Universal do Reino de Deus – IURD. Isso se deve à sua ampla divulgação na mídia nacional em programas de TV, rádio, jornal impresso, internet, sem deixar de lado os trabalhos acadêmicos que buscam compreender esse fenômeno religioso. Contudo é sabido que as igrejas neopentecostais acolheram de braços abertos essa teologia, como também é o caso da Renascer em Cristo, Mundial do Poder de Deus, Igreja da Graça, Sara Nossa Terra e o MIR, isso para citar algumas. A Teologia da Prosperidade surge como movimento na década de 1970 em oposição à Teologia da Libertação 15 , que buscava através da pregação bíblica marxista a libertação dos pobres, promovia um debate de justiça social e transformação da sociedade (SILVEIRA, 2007). Por outro lado, mesmo que não estivessem sob a perspectiva da Teologia “A Teologia da Libertação é um movimento socioeclesial que surgiu dentro da Igreja Católica na década de 1960 e que, por meio de uma análise crítica da realidade social, buscou auxiliar a população pobre e oprimida na luta por direitos”. CAMILO; Rodrigo Augusto Leão. A TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO NO BRASIL: DAS FORMULAÇÕES INICIAIS DE SUA DOUTRINA AOS NOVOS DESAFIOS DA ATUALIDADE. II Seminário de Pesquisa da Faculdade de Ciências Sociais – UFG. Novembro de 2011. 15 25 da Libertação as igrejas principalmente da primeira onda não possuíam em sua mensagem um discurso de prosperidade. Ao contrário, a mensagem que era divulgada era o oposto disso: buscar acumular riquezas no céu e não acumular tesouros na Terra. Além desse embate teológico existia uma demanda social que surgia da sociedade de consumo, pois os novos convertidos nas igrejas neopentecostais não estavam apenas nos extratos mais pobres da sociedade, existiam novos crentes de várias ordens sociais. Diante da mobilidade social de parte dos fiéis, das promessas da sociedade de consumo, dos serviços de crédito ao consumidor, dos sedutores apelos do mundo da moda, do lazer e das opções de entretenimento criadas pela indústria cultural, essa religião ou se mantinha sectária e ascética, aumentando sua defasagem em relação à sociedade e aos interesses ideias e materiais dos crentes, ou fazia concessões (MARIANO, 2012, p.148). Nesse impasse, em manter-se sectária e ascética ou aderir às novas demandas religiosas que estavam surgindo, as igrejas neopentecostais assumiram definitivamente o seu interesse pelo dinheiro e adotaram significados positivos incentivando o progresso econômico e o bem-estar dos fiéis (ORO,2003). A Teologia da Prosperidade tem seus primeiros expoentes por volta de 1920 e 1940 nos Estados Unidos, com os seus principais divulgadores, Essek William Kenyon e Kenneth Erwin Hagin (SOUZA, 2011). Será importante destacarmos Hagin, pois ele teve vários livros traduzidos para o português, tornando-se a base dessa teologia no Brasil. Hagin teve também o seu material amplamente divulgado na igreja do MIR, no qual muitos livros fizeram parte do material de formação da liderança da igreja principalmente em sua fase inicial. No Brasil a Teologia da Prosperidade surge por volta da década de 1970, com a expansão das igrejas neopentecostais e principalmente da IURD como principal divulgadora da doutrina. “Sua forma de abordagem da Bíblia e de vivência da religião rompe a ética protestante [...] e até mesmo com temas comuns com as religiões cristãs, como caridade, a salvação e a rejeição dos prazeres do mundo” (SOUZA, 2011). Agora com essa doutrina o crente não precisa ficar apreensivo com o pecado da avareza ou da luxúria, ela lhe permite tranquilidade emocional para consumir tudo aquilo que o mundo lhe oferece. Na verdade, ser possuidor de riquezas e bens materiais passa a ser um sinal da dádiva de Deus. Percebemos aqui uma completa inversão de valores com as igrejas clássicas, que tinham uma visão ascética e sectária com relação ao mundo. Um dos motivos da grande notoriedade nacional do movimento neopentecostal deve-se ao discurso da Teologia da Prosperidade, que tem angariado cada vez mais adeptos para essas igrejas, caracterizando-se como um grande movimento de massa que de certa forma 26 vem enfraquecendo as igrejas tradicionais (Barbieri, 2007). Esse sucesso deve-se à inversão de valores que eram propostos pelas igrejas clássicas. Com essa doutrina temos uma teologia muito mais abrangente, na qual os possuidores de riquezas materiais podem viver sem culpa perante os despossuídos, pois a riqueza passou a ser uma dádiva de Deus. O discurso baseado na Teologia da Prosperidade representa uma acomodação aos valores e interesses da sociedade contemporânea – alimenta a vontade de consumo como uma busca de satisfação e fortalece o comportamento individualista e liberal dos costumes (BARBIERI, 2007, p.45). Quanto às características fundamentais dessa teologia que foram adotadas nas igrejas neopentecostais brasileiras, destacam-se sete características da Teologia da Prosperidade, que são: confissões negativas e positivas, saúde, prosperidade financeira, profetas hodiernos, benção e maldição da lei, autoridade nas revelações e o homem como encarnação de Deus (SILVEIRA, 2007). Também encontramos três categorias: autoridade profética, confissão positiva e saúde e prosperidade (BARBIERI, 2007). Analisaremos as categorias fundamentais da teologia da prosperidade argumentando com base nas sete características fundamentais, nas quais encontramos traços no movimento neopentecostal e na igreja do MIR-RR. A confissão positiva constitui-se como o pilar dessa doutrina, pois a partir de uma confissão de fé, o crente alcança todas as dádivas de Deus aqui na Terra. Logo, “a vontade de Deus é que seus filhos prosperem” (HAGIN, s/d, p.63). O termo confissão positiva refere-se literalmente à crença de que os cristãos detêm o poder – prometido nas Escrituras e adquirido pelo sacrifício vicário de Jesus – de trazer a existência, para o bem ou para o mal, o que declaram, decretam, confessam ou determinam com a boca em voz alta (MARIANO, 2012, p. 152-153). O sacrifício de Cristo é importante aqui, pois ele representa a libertação da humanidade e das maldições da lei de Moisés, que consistiam na pobreza, na enfermidade e a segunda morte16. Portanto, Cristo nos libertou da pobreza e dispôs todas as bênçãos para aqueles que têm uma confissão de fé positiva. Em outras palavras, confessar não significa pedir ou suplicar a Deus, mas determinar positivamente a prosperidade ou, como muitos pregadores da Teologia da Prosperidade gostam de chamar, “tomar posse da bênção” (HAGIN). 16 A segunda morte que estava prevista na lei de Moisés consistia em uma separação total de Deus, seria o afastamento espiritual da comunhão eterna com o Criador. Com o sacrifício vicário de Cristo, essa ligação do homem com Deus estava refeita através do elo que é Cristo. Assim, o homem estava ligado a Deus na segunda morte por meio de Cristo. 27 Em seu livro, Novos Limiares da Fé, Kenneth E. Hagin ilustra bem essa ideia ao descrever sua própria experiência: Quando essa verdade se tornou real em meu coração, o Senhor me falou, dizendo: “Não ore mais pelo dinheiro, você tem autoridade no meu nome para reivindicar a prosperidade. Já coloquei ouro, prata e gado para meu homem, Adão, e a ele dei domínio sobre tudo isso. Depois dele se vender para Satanás, o segundo Adão, Jesus Cristo veio redimir você das mãos do inimigo e para tirar de você a maldição da lei. Agora, em vez de orar para eu fazer o seguinte (pois já fiz provisão para as suas necessidades) tudo quanto você precisa fazer é dizer: Satanás, tire suas mãos do meu dinheiro. Simplesmente reivindique aquilo que você necessita. Você reina na vida por Cristo Jesus” (HAGIN, S/D, p.66-67). A maldição da lei de Moisés incluía a pobreza e a enfermidade. E como Cristo veio romper a maldição da lei, os crentes em Cristo passaram a ter o direito legal perante Deus de reivindicar por meio da confissão positiva a prosperidade material e física. Contudo, como lidar com a situação daqueles que mesmos crentes em Cristos continuam pobres e doentes? “As bênçãos não são alcançadas pela inabilidade do fiel em confessá-las, por sua falta de fé, pelo cometimento de pecados ou por sua escravidão por Satanás” (MARIANO, 2012, p.155). A culpa de toda a pobreza e miséria, quer material, quer física, recai completamente sobre o fiel, pois Cristo fez sua parte e a igreja fez sua parte, se a bênção não foi alcançada, é culpa da pouca fé do crente. Os teólogos da prosperidade afirmam: “que só não é próspero financeiramente, saudável e feliz nesta vida quem carece de fé, não cumpre o que diz a Bíblia a respeito das promessas divinas e está envolvido, direta ou indiretamente, com o Diabo” (MARIANO, 2012, p.157). Assim o fato do não cumprimento dos preceitos divinos sempre vêm associados aos dízimos e ofertas. Portanto o de fato existe é uma troca racional com Deus, onde o crente compra sua prosperidade material e física (BARBIERI, 2007). A importância da autoridade profética é crucial para legitimar e simbolizar na pessoa do líder, pastor, bispo ou pregador, aquele que detém o poder para realizar os milagres, sejam financeiros, de curas físicas ou psicológicas. “O relato da ocorrência desses sinais, para os seus seguidores, qualifica os líderes religiosos a transformar a realidade através da ação do sobrenatural” (BARBIERI, 2007, p.47). Aqui está a base para a construção simbólica do líder espiritual. Assim, esses líderes tornam-se aptos para serem seguidos, pois receberam diretamente de Deus a capacidade para operar na terra de forma sobrenatural, curando enfermos, exorcizando, fazendo milagres e maravilhas (SILVEIRA, 2007). Aqui temos outra inversão de valores; enquanto nas igrejas históricas a única autoridade está no texto da Bíblia, 28 nas igrejas neopentecostais a autoridade está no líder, aquele que detém o poder profético, que é “inquestionável”. No que diz respeito à última característica da Teologia da Prosperidade, a saúde física, podemos dizer que é um pilar dentro dessa doutrina. Anteriormente essa doutrina era dissociada da cura divina, ou seja, o neopentecostalismo adotou a o critério da saúde do corpo como um princípio da prosperidade. Anteriormente o milagre era visto como dádiva de Deus, que opera por meio da fé. Com as igrejas neopentecostais, a cura divina está intimamente ligada à prosperidade do homem. Não tem como falar de prosperidade sem falar de saúde. Os pregadores da prosperidade garantem que a expiação de Cristo foi suficiente para sanar todos os males físicos dos que creem nele. Portanto, para a teologia neopentecostal é inadmissível que crentes permaneçam enfermos, pois não estão alcançando as bênçãos de Deus (BARBIERI, 2007). A Teologia da Prosperidade apresenta-se no cristianismo como “uma forma de magia em que Deus pode ser coagido, bajulado, manipulado, controlado e explorado em favor dos objetivos do cristão” (MARKARTHUR, 1992, p.353). Então, se o crente é fiel e obediente, pagando seus dízimos e ofertas corretamente, ele passa a ter o direito de exigir de Deus que seja saudável. A cura divina sempre acompanhou o movimento pentecostal desde suas origens, o que tem mudado ao longo do tempo são as ênfases dadas. Como é o caso da igreja Mundial do Poder de Deus, onde Waldemiro Santiago17 deu nova ênfase a essa doutrina pentecostal. Ele aborda o tema mostrando que nessa igreja a doutrina da cura divina foi substituída pela Teologia da Prosperidade (BITUN, 2007). Porém, em nosso entendimento, percebemos que na verdade a doutrina da cura divina foi incorporada à da prosperidade, pois a prosperidade, segundo as igrejas desse movimento, abrange a questão financeira, da saúde física e psicológica. 3.2 A DOUTRINA DISPENSACIONALISTA A busca de conferir significado e sentido ao mundo é constante na existência humana. O rápido processo de transformação simbólico social patrocinado pelo advento das inovações tecnológicas produziram alterações nos quadros de referência da experiência 17 É o fundador da Igreja Mundial do Poder de Deus depois de ter trabalhado por longos anos em parceria com Edir Macedo e R.R. Soares na Igreja Universal. 29 religiosa (SIEPIERSK, 2001). Essas transformações interferiram diretamente na dinâmica das igrejas pentecostais, o que resultou em um novo pentecostalismo. Frente a essas mudanças “o homem exposto a um acelerado processo de transformação social [...] encontra enormes dificuldades em conferir sentido à sua existência” (SIEPIERSK, 2001 p.187). Frente a essa fragmentação que se apresenta incapaz de produzir sentido e a dependência do homem dos sistemas simbólicos, a igreja em célula – MIR apresentase nesse campo neopentecostal com novas assimilações simbólicas da cultura judaica que vão oferecer novas propostas de sentido ao mundo. Sobre o movimento neopentecostal e sua capacidade de reinventar, percebemos que “com as rápidas transformações sociais em curso, os sistemas simbólicos por assim dizer “se desatualizaram” e o discurso neopentecostal mostrou enorme capacidade para recuperar sua própria contemporaneidade” (SIEPIERSK, 2001, p.193). O MIR adotou um sistema de igreja em células com estratégias empresariais de administração e marketing recompensando quem apresenta resultados e punindo os que não apresentam. Além disso, apresentou novas propostas de sentido ao mundo e usou de forma inédita “todos os recursos da racionalidade moderna com uma visão específica do sagrado” (SIEPIERSK, 2001, p.188), resultando nessa judaização da igreja pentecostal. Mesmo em uma sociedade secularizada, existe espaço para a religião. Pois quando se apresentam questões como o significado da existência humana, a “vida e a morte, da fortuna e do infortúnio, do bem e do mal, da sanidade e da enfermidade, da ascensão e da decadência” (SIEPIERSK, 2001, p.193), a ciência não traz respostas que produzam significados satisfatórios para grande parcela da sociedade. Nesse sentido “o discurso religioso possa contar com um espaço privilegiado” (SIEPIERSK, 2001, p.193). E foi nessa lacuna que a igreja do MIR adotou novos símbolos e agregou novos significados aos já existentes, incorporando em sua prática religiosas inúmeros rituais do judaísmo. A ciência moderna, com seu discurso triunfalista, inibiu e reprimiu a religião como algo obscurantista, mas, nos momentos de angústia frente à ameaça do colapso de sentido, o homem ainda recorre a esse estoque simbólico construído ao longo de toda a história da humanidade. [...] é essa mesma função da religião enquanto sistema cultural. E essa leve camada de significações construída pela sociedade moderna, com seus valores laicos e sua crença no poder do pensamento racional, não consegue se sustentar ilesa diante da erupção de símbolos com tremenda carga de significações” (SIEPIERSK, 2001 p. 192). Essa nova versão do sagrado proposta pelo MIR não vai se despir completamente de seu vínculo protestante, ao contrário, vai caminhar por duas vertentes de afirmação: projeta- 30 se como recuperação e reafirmação dessa tradição religiosa protestante e se coloca como guardiã dos princípios divinos. O MIR “se insere no campo protestante e busca aí sua legitimidade na medida em que suas formulações simbólicas são feitas a partir de um referencial comum que são as Escrituras Sagradas” (SIEPIERSK, 2001, p.194). E como veremos, as lideranças das igrejas em células afirmam todo tempo que estão voltando à origem dos ensinamentos de Cristo, o que seria justamente esse ponto comum que trata Siepiersk. A Igreja em Células do MIR nasce em um contexto neopentecostal reinterpretando os textos bíblicos que se constituem como um estoque simbólico, sujeito às mais variadas interpretações. A Igreja do MIR propõe através das Festas Bíblicas novas formulações simbólicas assimiladas a partir da tradição judaica, que vão dar novos sentidos ao mundo e produzir novas representações e significações da realidade. Podemos afirmar que o MIR dentro desse rearranjo do campo neopentecostal “constrói o sistema de crença e práticas religiosas como a expressão mais ou menos transfigurada das estratégias dos diferentes grupos de especialistas em competição pelo monopólio da gestão dos bens de salvação” (BOURDIEU, 1998, p.32). Analisando essa disputa pelo monopólio dentro do movimento neopentecostal, afirma que “nessa situação de concorrência, as outras igrejas, para não perderem adeptos, se veem obrigadas a reelaborarem seus próprios discursos” (SIEPIERSK, 2001, p.197). A inserção das práticas judaica nas igrejas neopentecostais, nos mostra que “é cada vez mais comum à apropriação de símbolos, rituais e trechos da liturgia judaica” (TOPEL, 2011, p. 36). Vemos isso de maneira clara no MIR, em relação às Festas Bíblicas, quando analisamos as assimilações da prática judaica juntamente com suas representações simbólicas reelaboradas para o contexto brasileiro. A questão que nos propomos a discutir agora é compreender como as práticas e símbolos que compõem as Festas Bíblicas foram assimilados pela igreja do MIR. Um primeiro aspecto que nos chama à atenção sobre a aproximação das igrejas neopentecostais ao judaísmo, é a releitura do Antigo Testamento (TOPEL, 2011). A releitura do Antigo Testamento pelos líderes carismáticos do neopentecostalismo, como é o caso de Terra Nova, conduziria quase que de forma “natural” às práticas do judaísmo com novas significações e assimilações das Festas Bíblicas. As mudanças precisavam criar, ou reelaborar, um novo sentido ao mundo e apresentar novas perspectivas para o cristianismo pentecostal. As Festas da tradição judaica se enquadram de modo singular não apenas por seu caráter inovador, mas por alinhar-se ao discurso de volta às “origens bíblicas” proposto por Terra Nova. 31 O movimento protestante desde sua origem apresentou-se como oposição ao catolicismo e às suas práticas religiosas. O movimento neopentecostal, como herdeiro dessa disputa, também faz oposição e proscrição às imagens e símbolos católicos que, de modo geral, são vistos como profanos ou elementos de idolatria. Os templos católicos são bem decorados, cheios de imagens e símbolos carregados de significações. Já as igrejas neopentecostais, que abominam qualquer forma de idolatria, seriam igrejas praticamente desprovidas de ornamentos, se não fossem encontrar no “judaísmo uma fonte de inspiração supostamente legítima para criar rituais e recriar símbolos que dificilmente possam ser rotulados como manifestações de idolatria” (TOPEL, 2011, p.39). São sete as Festas Bíblicas, uma em cada época específica do ano e com uma representação diferente, possibilitando que em dias festivos a igreja esteja ornamentada e decorada com as representações específicas de cada festa, gerando profundo deslumbramento aos espectadores. Essas explicações não são suficientes para dar conta de toda a complexidade que consiste em compreender essas assimilações judaicas na igreja do MIR. Porém, existe uma explicação de cunho teológico que possibilita novas interpretações desse contexto: há uma perspectiva que “se relaciona diretamente com o fator milenarista inerente ao neopentecostalismo, cujas raízes se encontram no messianismo judaico” (TOPEL, 2011, p.39), a qual trataremos mais detalhadamente. A doutrina escatologia, que trata dos últimos momentos da humanidade que culminarão com o retorno de Cristo para governar o caos da Terra, apresenta-se como uma das principais doutrinas do pentecostalismo, variando, como de praxe, apenas sua interpretação. O fato é que se constitui como uma doutrina central da igreja do MIR e de fundamental importância para a aproximação com o judaísmo. Podemos propor que o fator “milenarista18 inerente ao neopentecostalismo, cujas raízes se encontram no messianismo judaico” (TOPEL, 2011, p.39), contribuiu de forma contundente para que a visão da igreja evangélica referente ao povo judeu e ao Estado de Israel se tronasse quase comum no sentido de interpretação da Bíblia e práticas judaicas. A escatologia cristã fica assim definida em linhas gerais: Jesus Cristo foi enviado por Deus para ser o messias do povo judeu, o libertador e salvador; como os seus não o receberam e Ele foi entregue aos romanos para ser crucificado, voltará no fim dos tempos para iniciar uma nova era, governará por mil anos (TOPEL, 2011). Ao longo da história, diferentes representantes da Igreja Católica e do protestantismo em suas múltiplas versões tentaram definir como seria a volta de Jesus. Essas visões 18 O milenarismo se constitui como uma doutrina de interpretação bíblica, que afirma que Cristo retornará a Terra, na sua segunda vinda, e estabelecerá o seu reino em Jerusalém juntamente com judeus e cristãos. 32 escatológicas divergentes influenciaram de modo considerável a relação dos cristãos com o os judeus, ora mais tolerantes, ora mais agressivas (TOPEL, 2011, p.39). Na história da igreja sempre houve diversas e divergentes interpretações da Bíblia, e não seria diferente no caso das doutrinas escatológicas. O ponto em comum entre elas é o fato de que Cristo virá em uma segunda vez para governar a Terra por mil anos. Agora, como essa vinda ocorrerá são múltiplas as interpretações. O que importa para nossa análise é que apesar de interpretações divergentes, elas serviram para influenciar a relação dos cristãos e judeus. Essas relações se constituem de tal modo consideráveis que vemos práticas da religiosidade judaica nas igrejas neopentecostais e centenas de peregrinos que vão a Jerusalém em busca de conhecerem a cidade de Deus, onde Cristo governará a Terra. O dispensacionalismo surge nas primeiras décadas do século XIX como uma das mais variadas interpretações escatológicas sobre a segunda vinda de Cristo e o fim dos tempos. O dispensacionalismo parte da premissa que, do mesmo modo que a primeira vinda de Jesus teve como objetivo salvar o povo judeu, sua volta terá a mesma função. Mais precisamente: na segunda vinda, Jesus se manifestará em Jerusalém e dessa cidade iniciará seu reinado messiânico” (TOPEL, 2011, p.39-40). A partir dessa compreensão doutrinaria o pensamento de cristãos evangélicos começa a alinhar-se à ideia de o povo judeu ser o povo escolhido por Deus e Jerusalém, a Cidade de Deus ou do Grande Rei, como é chamada pelos adeptos da Visão em Células. Em um artigo publicado na revista Geração Celular, Wellington Galdino, que é líder do MIR em Santarém – PA, mostra o quanto a cidade de Jerusalém em Israel é importante para Deus e salienta que de igual modo essa cidade dever ser para todos aqueles que acreditam no retorno de Cristo. Nesse artigo Galdino cita várias passagens bíblicas mostrando o quanto a cidade de Jerusalém é importante para Deus e como foram feitas inúmeras promessas divinas para ela. Assim não podemos ser indiferentes para com essa cidade, temos que amá-la, e cita uma referência bíblica do Livro de Salmos 12219. A promessa do Salmo 122 é para quem amar Jerusalém! E simplesmente não dá para amar sem demonstrações! Ou seja, sobre Jerusalém, já é um grande passo reconhecer o seu lugar profético e sua posição dentro da revelação e a sua importância dentro do processo de entendimento do Reino de Deus (GALDINO, 2009, p.20). 19 GALDINO, Wellington. Revista Geração Celular, Jerusalém é importante para Deus. In: O modelo dos 12 e a promessa da Conquista. Ano 04. Edição 20, junho de 2009, p.20. 33 Um dos aspectos bastante frisados na Visão de Igreja em Células é essa questão de amar Jerusalém, a Cidade do Grande Rei. A contribuição da doutrina dispensacionalista foi fundamental para essa aproximação com Jerusalém e não mais com Roma, que, por sua vez, assimilou vários elementos do judaísmo, incluindo as Festas bíblicas que serão aqui abordadas. O dispensacionalismo, cujo componente milenarista é primordial, baseia-se numa hermenêutica bíblica particular que divide o tempo em diferentes eras (ou dispensações) nas quais Deus se relaciona com os humanos através de alianças singulares, a exemplo da aliança feita com Abraão, com Moisés, com a Igreja e, por último, com o sionismo. Esta visão se relaciona diretamente com o conceito de revelação progressiva. Por sua vez, os dispensacionalistas partem da premissa de que, embora a nação de Israel se diferencie da Igreja, esta distinção não é mutuamente exclusiva. Assim, Deus cumprirá as promessas feitas aos israelitas; entre elas, o restabelecimento do reinado davídico em Jerusalém, lugar do qual Cristo governará o mundo (TOPEL, 2011, p.41). O dispensacionalismo20 vê a história da igreja de forma linear, dividida em eras ou dispensações, em que existem as mais variadas interpretações sobre essas eras. Mas o que importa para nós é que a última dispensação é a restauração de Jerusalém e do governo de Cristo na Terra, pois, com base nesse argumento, foram assimiladas muitas práticas, símbolos e costumes do povo judeu, práticas estas que foram chamadas por seus opositores como práticas judaizantes da igreja. É claro que toda novidade apresentada no campo religioso gera aceitação, mas também contestação, e não deixaram de existir aqueles que se opuseram ferrenhamente às práticas “judaizantes”, adotadas pelo MIR, e os demais representantes do movimento neopentecostal. Essa oposição destaca-se: [...] principalmente em sites nos quais aparecem prédicas de pastores de diversas igrejas evangélicas e em inúmeros blogs da internet, é muito fácil encontrar com críticas ao processo de “judaização” observado nas religiões evangélicas do Brasil e as referências são recorrentes: a guarda do sábado como dia de descanso, a celebração da Páscoa judaica e da Festa dos Tabernáculos (TOPEL, 2011, p.42). Os sites que se apresentam como oposição a esse movimento de apropriação de símbolos, que reúne vários elementos do judaísmo e do cristianismo, são majoritariamente de 20 É uma doutrina teológica e escatológica cristã que afirma que a segunda vinda de Jesus Cristo será um acontecimento no mundo físico, envolvendo o arrebatamento e um período de sete anos de tribulação, após o qual ocorrerá a batalha do Armagedon e o estabelecimento do reino de Deus na Terra. A palavra "dispensação" derivase de um termo latino que significa "administração" ou "gerência", e se refere ao método divino de lidar com a humanidade e de administrar a verdade em diferentes períodos de tempo. <http://gospelbrasil.topicboard.net/t4014-o-dispensacionalismo>. Acessado em 04/08/2014. 34 igrejas da primeira onda do pentecostalismo ou de igrejas protestantes tradicionais, que como vimos no capítulo anterior prezam por um sectarismo da igreja de Cristo. Em um artigo publicado no site21 da Igreja Cristã Evangélica de Brasília por Luiz César de Araújo, traz várias considerações sobre o “risco” do que ele chama de judaização da igreja. Ele mostra vários textos da Bíblia que interpreta serem ensinos heréticos, esse retorno às práticas judaicas, e afirma que Deus mandou o povo de Israel celebrar as Festas dos Tabernáculos e da Páscoa e não os novos convertidos ao evangelho de Cristo, que não eram judeus ou descendentes de Abraão. A contribuição da doutrina dispensacionalista como fundamentação e justificação para as práticas judaicas na igreja do MIR é primordial, além de tornar os elementos das práticas judaicas centrais nas suas liturgias, como é o caso das Festas Bíblicas. Os meios de assimilação dessas práticas se originam das mais variadas fontes. Desde a peregrinação com lideranças das igrejas em células para Israel, onde recebem ministrações, aprendem sobre a cultura judaica e participam das celebrações das festas bíblicas em Israel, até consulta de sites de igrejas messiânicas, sinagogas judaicas e material impresso, como livros e jornais de divulgação das igrejas em células. O livro de Ivan Barcellos Assumpção e Sérgio Paulo M. Vasconcellos Resgatando as Raízes Hebraicas da Igreja de Jesus, o Cristo22, onde os autores trabalham o ponto principal das Festas Bíblicas, tornou-se um livro de referência para os representantes do MIR de Boa Vista, pois, é um livro usado na escola de formação da liderança da igreja. Primeiramente, trazem a ideia de volta às origens, como já discutimos a importância dessa lógica para as igrejas neopentecostais. E segundo, explicam como deve ser celebrada cada Festa Bíblica juntamente com seu significado “espiritual” e dos elementos simbólicos de cada festa. Na introdução do livro os autores mostram que esse entendimento de celebrar as Festas Bíblicas é um mistério de Deus não para os judeus, mas especialmente para os cristãos, que necessitam apreender com os “irmãos” judeus. Dirigimos este livro prioritariamente para os cristãos, [...] que querem caminhar para a maturidade, aumentar o seu nível de compromisso pessoal e coletivo com a palavra de Deus, [...] estreitar os seus laços de intimidade, através do esclarecimento das revelações dos mistérios do Senhor. Nosso foco se concentra naqueles cristãos que 21 <http://www.icebrasilia.org.br/estudos.php?co_estudo=64> Acessado em 25/07/2014 ASSUMPÇÃO, Ivan Barcellos; VASCONCELLOS, Sérgio Paulo M. de. Resgatando as Raízes Hebraicas da Igreja de Jesus, o Cristo: entenda como celebrar as festas de Israel. Brasília: Editora Koinonia, 1997, 182p. 22 35 querem sair da “mesmice”, que desejam aprender verdades bíblicas com nossos irmãos judeus que as preservaram. (1997). Assumpção e Vasconcellos vão apresentar um discurso novo: as verdades bíblicas devem ser aprendidas com os judeus. As práticas da religião judaica, juntamente com as Festas Bíblicas, passam a ser assimiladas como verdade divina e o entendimento do seu significado passa a ser primordial para a vida cristã na igreja do MIR. Os autores mostram que o plano redentor de Deus é o resgate de nossas raízes hebraicas, pois todos que aceitam Cristo passam a ser incluídos nesse plano juntamente com o povo judeu (1997, p.165-166). Um dos primeiros elementos apresentados pelos autores que fazem parte desse plano consiste em entender o significado das Festas do Senhor. As festas são carregadas de simbolismos e representações e cada uma delas em um mês específico do ano. As festas são: a Páscoa, os Pães Asmos, as Primícias dos Frutos, o Pentecoste, as Trombetas, a Expiação e por fim, a festa dos Tabernáculos. Portanto, a partir do momento em que celebro as festas do Senhor, passo a fazer parte do plano dele de forma integral (1997). Em uma declaração à revista Geração Celular23, de Gilvan Santos, que também é discípulo de Terra Nova, fala de sua experiência de ter ido a Sião, região localizada no Estado de Israel, mais especificamente na região de Jerusalém, pela primeira vez, onde se converteu à religião evangélica e compreendeu o quanto foi privilegiado por ser incluído nos planos de Deus juntamente com os judeus. Com base nessa perspectiva, foi fundada na década de 1980 a Embaixada Cristã Internacional de Jerusalém – ICEJ, tornando-se um movimento de contribuição ao movimento sionista, de retorno dos judeus a Sião e também de cunho cristão com todos aqueles, assim como o MIR, que compartilham desse interesse. A ICJE no Brasil foi fundada em 2012, com sede em Manaus e representada por Terra Nova. Cito aqui a criação da ICJE, pois ela mostra esse esforço de integração dos cristãos com os israelenses e a dimensão desse projeto, que coloca sobre os ombros da igreja a responsabilidade de contribuir para o retorno dos judeus à sua terra de “origem” ou à terra prometida. Nas palavras de Rubens Melo, diretor executivo da ICEJ no Brasil, percebemos essas inclinações: A partir da nossa sede em Jerusalém e através das nossas delegações e representantes em mais de 80 nações, nós procuramos desafiar a igreja a assumir suas responsabilidades bíblicas para com o povo judeu, lembrando Israel das maravilhosas 23 Revista Geração celular. Fui honrado por Deus para levar seus filhos a Sião. Gilvan Santos. Ano 04. Edição 19, abril de 2009. 36 promessas que foram feitas na palavra de Deus. Procuramos, também, ser uma fonte de assistência social prática para todo o povo na terra de Israel 24. Além de levantar fundos para ajudar os assentamentos israelenses na Palestina, a ICEJ trabalha na promoção de caravanas para conhecer a “Terra Santa” e participar da Festa dos Tabernáculos, que ocorre todos os anos. A igreja do MIR de Boa Vista de igual modo tem sua sede da ICEJ, que fica nas dependências da própria igreja. Esta, por sua vez, também trabalha com os objetivos de arrecadar fundos para as obras sociais em Israel e levar caravanas para a Festa dos Tabernáculos. O MIR de Boa Vista também celebra Tabernáculos, geralmente no mês de novembro, após a festa em Israel. Em suma, podemos perceber como as práticas e símbolos judaicos foram assimilados pela igreja do MIR a partir da doutrina dispensacionalista e estudamos o funcionamento das células e as estratégias de proselitismo da igreja. A partir de agora, analisaremos especificamente a prática da Festa dos Tabernáculos e dos símbolos assimilados a partir do judaísmo e como eles passaram a refletir um novo sentido de mundo. 24 Revista Geração Celular. Uma palavra de Jerusalém. Rubens Melo. Ano 06. Edição 25, abril de 2011. 37 4. A IGREJA EM CÉLULAS DO MIR-RR E A FESTA DOS TABERNÁCULOS As igrejas neopentecostais são notadamente diferentes de suas antecessoras. Vimos no capítulo anterior algumas características que as diferenciam das igrejas da primeira e da segunda ondas. Neste capítulo analisaremos como o MIR apresenta as Festas Bíblicas como um novo produto no mercado religioso brasileiro, tornando-a diferenciada das demais igrejas neopentecostais, por apresentar essa nova proposta de sentido de mundo a partir do judaísmo e suas práticas. Estudaremos o processo de formação das igrejas da visão celular no Brasil e suas propostas de proselitismo. Por fim, analisaremos a Festa dos Tabernáculos como um novo elemento no campo religioso e como se dão suas práticas e representações no contexto religioso. A igreja do MIR constitui-se no Brasil com uma proposta pautada na nova onda do neopentecostalismo, apresentando outra característica chamada de Visão Celular ou Igrejas em Células. Andrade analisa a questão mostrando que a igreja em células não constitui uma peculiaridade do MIR, mas que esse “modelo de igrejas em células tornou-se muito comum em fins do século XX” (2010, p.58). Mesmo que outras igrejas utilizassem o modelo de células, fica claro na análise da autora quem são os principais responsáveis por sua divulgação quando cita: No Brasil, o modelo desenvolvido pelo pastor colombiano César Castellano chegou em 1998 através de dois pastores, a ex-pastora batista Valnice Milhomens e o pastor batista e baiano, Renê de Araujo Terra Nova. Milhomens fundou a Igreja Nacional do Senhor Jesus Cristo, contando apenas com quatro membros. Posteriormente o nome foi mudado para Igreja Mundial do Senhor Jesus Cristo, com sede em São Paulo. Tomou conhecimento do modelo colombiano em meados de 1998, resolvendo adotálo. Desde então, tornou-se uma forte divulgadora da Visão no G12 25, traduzindo os livros de Castellanos e lançando outros de sua autoria, através de sua editora, a Palavra da Fé Produções. A pastora tornou sua igreja uma extensão da MIC e foi escolhida uma das doze internacionais de Castellano, na função de promover a visão no Brasil. em 2004, a igreja Mundial possuía sessenta congregações em todo o país, além de filiais em Portugal, Moçambique, Suíça e Japão (2010, p.63). O modelo de igreja em células apresenta-se promissor para o movimento neopentecostal, trazendo em seu bojo doutrinário várias propostas “inovadoras”, que possuem como um dos principais objetivos o crescimento numérico dos seus membros. 25 O G12 que significa grupo dos 12, faz referência aos doze discípulos de Cristo. A diferença para a igreja do MIR é somente uma questão de nomenclatura, pois devido ao rompimento que houve entre Terra Nova e Castellanos a nomenclatura G12 foi substituída por M12, que significa modelo dos 12. 38 Terra Nova toma conhecimento da Visão Celular em 1998, quando participa de um encontro em Bogotá que reunia vários líderes do mundo com interesse em conhecer o novo modelo de gestão de igrejas. A partir desse encontro, ele vo’lta determinado a implantar esse modelo no Brasil juntamente com Milhomens26. Terra Nova liderava uma igreja em ManausAM chamada Igreja Batista Memorial de Manaus, que passou a ser chamada de Ministério Internacional da Restauração – MIR após seu retorno da conferência de Bogotá. Com essa nova proposta de igreja realizou vários congressos pelo Brasil envolvendo outras igrejas que tinham interesse em conhecer esse modelo de crescimento. Como era um líder de formação batista, conseguiu muitos adeptos entre as comunidades batistas. Aliou-se nessa empreitada com Valnice Milhomens que passaram a traduzir e vender livros de Castellanos, fundador do modelo de células em Bogotá. Além das traduções, passaram escrever livros divulgando suas próprias concepções de igreja em células. Isso sinaliza para um futuro rompimento com a igreja de Castellanos27 e a uma nova proposta de igreja em células para o Brasil. Quanto a este trabalho desenvolvido por Terra Nova de divulgação da Visão28 de Igreja em Células, vemos que ... destacou-se por conseguir em poucos anos divulgar a Visão em vários estados, formando uma extensa rede de igrejas e lideranças na Visão, ligados e sob a “cobertura” do MIR. Sua comunidade saltou de 169 membros em 1992 para 70.000 em 2005, possuindo neste ano mais de 12 mil células. O MIR construiu um mega templo em Manaus com capacidade para 7.5 mil pessoas em cultos normais, mas que pode ser adaptado para 12.5 mil pessoas em dias de celebração de festas. Com este feito foi considera a maior igreja em células no G12 no Brasil (2010, p.65). Um artigo publicado na revista Veja de 2004 define esse modelo de crescimento evangélico como um fenômeno, devido ao seu grande crescimento desde o surgimento da Igreja Universal29. Vemos que em um período de 5 a 7 anos de implantação, as igrejas em células apresentaram-se no cenário nacional com grande representatividade, chegando ao ponto de serem comparadas, no critério crescimento, a igrejas como a Universal. Fundadora da Igreja Nacional do Senhor Jesus Cristo – INSEJEC. Igreja que também adota o modelo de células. Disponível em: < http://www.insejec.com.br/sobre-valnice/> Acessado em 05/10/2014. 27 Cesar Castellanos possui uma igreja em Bogotá na Colômbia, sendo considerado o primeiro idealizador do modelo de igrejas em células na América Latina. 28 O modelo de Igrejas em Células era conhecido como Visão Celular. No livro Sonha e Ganharás o Mundo, de Castellanos, traduzido para o português por Valnice Milhomens, ele mostra como Deus lhe revelou esse modelo de igreja em células, que foi crucial para tirar da crise sua igreja, que não ultrapassava o limite de 200 membros. (CASTELLANOS, César. Sonha e ganharás o mundo. São Paulo: Palavra de Fé Produções, 1999). 29 “Em nome do marketing: Igreja evangélica organizada como franquia torna-se o maior fenômeno desde o surgimento da Universal do Reino de Deus”. Edição 1873. 26 39 No contexto nacional de implantação desse modelo, ou como chamou o artigo da Veja, essa franquia, novos elementos que diferenciam o modelo brasileiro do colombiano foram introduzidos no campo religioso. Terra Nova acrescentou novos elementos “com ênfase nos símbolos, festas e costumes de Israel, e a promoção de atos proféticos” (ANDRADE, 2010, p.65). Propomo-nos a analisar as características doutrinárias adotadas por Terra Nova e as práticas judaizantes que se apresentaram como principais características que a diferenciaram do modelo colombiano. Para compreendermos a assimilação desses novos elementos culturais e religiosos do judaísmo temos que entender como funciona a igreja em células e como ela estrutura-se no campo religioso neopentecostal brasileiro. Vimos que as igrejas em células têm como principal foco o proselitismo visando a um crescimento espetacular do número de fiéis. O modelo vê o fiel como um discípulo que, por sua vez deve trabalhar para o crescimento numérico da igreja (Andrade, 2010). Para justificar suas práticas “judaizantes” como ferramenta proselitista criou-se um discurso de voltar às “origens” dos ensinamentos bíblicos (RODRIGUES, 2007). A igreja em células instituída por Terra Nova – MIR que apropriando-se do discurso de voltar às origens diz: A Visão Celular no Modelo dos 12 é inegociável. É o modelo ensinado por Jesus. Portanto, ser 12 e ter os 12 é uma questão de autoridade, de seguir os passos do Mestre. Por isso, como líderes, precisamos trabalhar para formar as equipes de 12 e crescer extraordinariamente (2009, p.15). Segundo ele, a Visão Celular tem essa legitimidade, pois foi o modelo ensinado por Cristo e consiste no método a ser seguido e adotado pelas demais igrejas no Brasil. Cada pastor ou líder de igreja deve ter os seus doze discípulos e cada um dos seus doze deve de igual modo possuir os seus doze, isso sempre em uma escala crescente. O próprio conceito de célula que é adotado pelo MIR realça esse modelo proselitista, pois o conceito de células adotado pela Visão Celular é um conceito que vem das ciências biológicas, ou seja, uma célula tem capacidade de se multiplicar, gerando outras células que assim vão formar os órgãos e por sua vez o corpo como organismo vivo, de igual modo, as células de discípulos vão se multiplicar e formar o corpo de Cristo que é a igreja. 40 Em uma entrevista concedida à revista Geração Celular30, Anselmo Vasconcelos31 explicita como os doze são o método do governo de Deus: Jesus conquistou multidões e, debaixo da direção do Pai, escolheu os Doze Discípulos sobre os quais estabeleceria as bases de sua igreja. [...] Nos dias atuais, quando o Espírito Santo de Deus está resgatando as práticas e os ensinos de Jesus que nós temos chamado de Visão, muitos discípulos não têm entendido a base estabelecida por Jesus para o Modelo do Governo de Deus (2009, p.18). Nessa citação de Vasconcelos podemos perceber como sua fala se alinha ao de Terra Nova, quando afirma que a igreja em células está resgatando as práticas do ensino de Cristo e assim mostrando a originalidade da Visão. É interessante percebermos que a Visão consiste justamente nisso: voltar às práticas do ensino de Cristo. Em um artigo 32 intitulado Os testes no caráter dos 12, Leonete Cunha inicia dizendo: “Não temos dúvidas de que a Visão Celular é o resgate da Igreja Primitiva” (2009, p.21). Mais uma vez torna-se inquestionável que a igreja em células busca essa originalidade da tradição cristã. Toda essa busca de legitimação consiste em consolidar a aceitação das demais igrejas que não adotaram o modelo de igreja em células e assim estarem seguros de que os seus produtos evangélicos e bens simbólicos serão aceitos, ampliando, dessa forma, o seu espaço no mercado religioso. Portanto, nesse contexto o MIR apresenta-se como produtor e fornecedor desses novos bens simbólicos propostos pela Visão Celular. 4.1 O CONCEITO DE CÉLULA NA VISÃO DO MODELO DOS DOZE Uma célula ou grupo de discípulos com um líder são formados por no mínimo três pessoas e um líder. “A célula inicia-se com três componentes: o líder, que irá coordená-la; um auxiliar, assistente; e o anfitrião, que oferece a casa” (ANDRADE, 2010, p.94). Esse grupo reúne-se semanalmente e a reunião consiste em: A reunião de célula deve ser direcionada, leve, tranquilo, de uma hora, para não estressar os participantes, os visitantes, os vizinhos da redondeza. Em uma hora o líder de célula deve desenvolver toda a programação: orar, louvar, ministrar a Palavra, ter um tempo rápido de testemunho, recolher a oferta da célula e fazer a oração final para que todos voltem contentes para suas casas (TERRA NOVA, 2009, p.32). 30 Doze: o método de governo de Deus. Ano 4, edição 20, junho de 2009. Anselmo Vasconcelos é denominado Apóstolo pelos integrantes do MIR e é um dos doze de Renê Terra Nova. 32 Revista Geração Celular. Ano 4. Edição 20, junho de 2009. 31 41 As reuniões de células substituem os tradicionais cultos domésticos 33 . “Os protestantes sempre cultivaram o hábito de se reunir em casas, principalmente em famílias evangélicas” (ANDRADE, 2010, p.92). Essas reuniões serviam para leitura bíblica, orações e também eram estratégias proselitistas. O diferencial da Visão quanto a essas reuniões semanais é que passaram a ser um programa da igreja e que todos os esforços devem girar em torno disso. A igreja foi organizada de modo a se adequar às células. (CASTELLANOS, 2000). “A estrutura eclesiástica da igreja é transformada para comportar o sistema de células e a quantidade de membros que dela virão, [...] garantindo a explosão numérica da membrezia” (ANDRADE, 2010, p.92). A primeira diferença citada do modelo de reunião doméstica tradicional é que na “Visão há uma ênfase na formação ou capacitação dos que vão abrir e gerenciar uma célula” (ANDRADE, 2010, p.93). Essa capacitação acontece através da “escola de líderes”, com duração de seis meses, cujo objetivo final é a constituição de uma célula, ou seja, cada formando ao término do curso deverá estar liderando sua célula. Outro aspecto é a sistematização dos trabalhos dentro da célula. As reuniões são semanais, em um mesmo dia e horário e como vimos seguem os mesmos padrões de um culto formal na igreja, só que de forma reduzidas e são mais íntimas com os participantes. “O objetivo na célula é fazer uma espécie de resumo de um culto habitual, de forma mais estratégica, [...] num ambiente aconchegante, [...] de maneira que facilite o desenvolvimento e relacionamento dos membros” (ANDRADE, 2010, p.94). O objetivo de cada líder de célula é formar os seus doze discípulos. E nesse processo de gestão de células cada pessoa que se torna líder terá que prestar contas com outro líder. “A estrutura hierárquica do G12 (ou Modelo dos 12) age em função do gerenciamento e do crescimento das células na igreja” (ANDRADE, 2010, p.95). A igreja em célula consegue envolver todos os seus participantes no trabalho de crescimento quantitativo, “todos são induzidos a entrar no sistema de controle e expansão” (ANDRADE, 2010, p.95). As pessoas que vão se “convertendo” nas células são incentivadas a galgar a “Escada de Sucesso”34, que 33 O culto doméstico sempre foi um hábito entre os protestantes. Estes cultos previam a confraternização, a leitura da Bíblia, cultos de ação de graças e comemorações entre os irmãos (ANDRADE, 2010). 34 A Escada de Sucesso é uma escala evolutiva dentro da Visão Celular dividida em quatro degraus. O primeiro degrau é o ganhar, que consiste na forma de proselitismo. Todos os eventos e inclusive as células têm o propósito de “ganhar vidas” (novos crentes). O segundo degrau é o consolidar, no qual o novo crente vai para o encontro com Deus, um retiro espiritual de três dias, recebendo ensinamentos e doutrinamentos da Visão. O terceiro degrau é o discipulado, em que esse novo crente após passar pelo encontro será encaminhado à Escola de Líderes para se tornar um líder de células. E por fim o quarto degrau é o enviar, alcançado quando este novo crente está pronto para fazer novos prosélitos e os encaminhar para o mesmo processo pelo qual passou. Para um maior 42 representa todo o processo de evolução dentro desse sistema de células, tornando-se novas líderes dentro do sistema. As igrejas em células nesse quesito não se distanciam das demais igrejas neopentecostais, como Igreja Universal, Mundial do Poder de Deus ou Renascer, em que o “sucesso dessas igrejas se deve ao uso intensivo e agressivo dos instrumentos de marketing na persuasão do seu público alvo, oferecendo a promessa de solução instantânea para todos os males da vida” (SIEPIERSK, 2001, p.185). Com esse intuído a igreja em células estabelece como principal objetivo a restauração das famílias. Todos os eventos que ocorrem nas redes,35 as reuniões de células e dias festivos, visam à edificação das famílias. Terra Nova afirma “todas as reuniões da Visão Celular no Modelo dos 12 têm o objetivo de que não se perca o alvo da Visão. Mas qual é o alvo da Visão? Levantar as famílias para Deus” (2009, p.38). Esse apelo proselitista de envolver a família no seio da igreja está ligado à mudança do modelo familiar no Brasil, no qual “alterações significativas no quadro econômico, político, social e cultural brasileiro têm produzido mudanças profundas no modo de vida, nos valores e nas expectativas da nossa população” (SIEPIERSK, 2001, p186). As mudanças afetam das mais variadas formas no contexto familiar, em que novos modelos familiares são montados na sociedade. Nesse sentido “a relação entre células, famílias e transformação social está expressa na própria concepção da função das células” (ANDRADE, 2010, p.105). Quanto a isso Castellanos afirmou: O trabalho celular é para restaurar famílias. O mundo inteiro está sendo sacudido pela crise familiar. Onde quer que vamos descobrimos que as pessoas necessitam de uma resposta que dê solução à problemática que vivem como família, quer como casais, ou na relação entre pais e filhos. As células devem estar preparadas para atender essa necessidade. Nela se busca que os filhos restaurem a relação com seus pais, os pais com seus filhos, a mulher com o marido e o homem com sua mulher. [...] Estamos convencidos que a base para reestabelecer a sociedade é restaurar o seu núcleo principal, que é a família. (CASTELLANOS, 2000, p.331). É clara a proposta de preservação do modelo tradicional de família através das células, ou seja, “as células passam a ser a base para restauração social, porque buscam restaurar seu núcleo principal, as famílias, dentro de uma concepção de raízes espirituais e morais para os problemas sociais” (ANDRADE, 2010 p.106). A igreja se coloca como baluarte da família e como responsável por manter esse modelo tradicional. aprofundamento do assunto, consultar o livro de Renê Terra Nova Abecedário das Células, em que o autor mostra todo o processo da Escada de Sucessos e da Visão Celular. 35 As redes são os cultos específicos que ocorrem para homens, mulheres, casais, jovens, adolescentes e crianças. Os cultos são chamados de redes para remeter à ideia de uma pescariam, pois o objetivo é sempre o proselitismo, “as redes se reúnem para fazer crescer o ministério. [...] a rede é para uma grande pescaria” (TERRA NOVA, 2009, p.34). 43 Nesse mesmo molde, a igreja do MIR de Boa Vista foi fundada em 1999, pelo então presbítero da igreja Assembleia de Deus do Brasil Antônio Luiz de Lima Flores36 e sua esposa, Maria das Graças Lucena de Lima Flores. Eles se desligaram do modelo de igreja pentecostal, vinculado ao carismatismo, e filiaram-se ao modelo neopentecostal de igreja em células. A partir de então, surgem os primeiros embriões do modelo de igreja em células em solo roraimense. Os primeiros grupos de células que foram formados logo começaram a participar de toda a dinâmica da igreja do MIR. Passando por palestras, seminários e encontros na igreja sede em Manaus, visando ao aumento das células em Boa Vista. Segundo informações das lideranças mais antigas da igreja, em menos de dois anos de fundação a igreja já contava com aproximadamente 500 seguidores e um corpo administrativo hierarquicamente estruturado. Esses dados não têm como ser estatisticamente comprovados, por não existir nenhuma pesquisa à que faça referência, a não ser uma entrevista semiestruturada feita com uma das líderes do MIR-RR Idália Cavalcante Correia. Contudo, o que interessa para nós não é precisar quantos membros efetivamente possui a igreja do MIR em Boa Vista nesse momento, mas perceber que, a partir do atual contexto, onde a igreja está hierarquicamente estruturada e todos os seus setores em funcionamento, possibilitou o desenvolvimento das práticas da Festa dos Tabernáculos em sua liturgia. 4.2 A CELEBRAÇÃO DA FESTA DOS TABERNÁCULOS A implantação das práticas judaicas na igreja do MIR foi uma de suas propostas desde sua fundação. Contudo somente a partir de uma melhor estruturação da igreja houve a introdução da Festa dos Tabernáculos. Mesmo antes de 2005 a Festa dos Tabernáculos já era comemorada, contudo somente em novembro do referido ano temos a primeira Festa dos Tabernáculos filmada e gravada em DVD na igreja do MIR de Boa Vista. Essa festa foi vista como marco da igreja em Boa Vista, pois o MIR era a igreja representante das igrejas em células no município. A partir desse momento todas as igrejas em células que possuíam vínculos com a igreja do MIR passariam a adotar a filmagem como modelo a ser seguido em suas respectivas igrejas, ou seja, Fundador da igreja Ministério Internacional da Restauração em Boa Vista – RR, e aposentado da Polícia Federal, trabalhando atualmente com dedicação exclusiva na igreja. 36 44 as filmagens não serviriam apenas como recordação histórica do evento, mas teriam o fim doutrinário para as igrejas adeptas à visão de igrejas em células. Esta filmagem da Festa dos Tabernáculos inicia-se mostrando o cenário decorativo da igreja, o que é algo curioso, pois, o modelo lembra um culto em uma sinagoga judaica. Primeiramente, por traz do altar37 temos uma bandeira enorme do Estado de Israel que cobre todo o fundo do púlpito. A parte de cima do púlpito onde fica o teto está coberta de palha lembrando uma tenda. E o altar onde se apoia a Bíblia está revestido com a bandeira da tribo de Judá, uma das doze tribos de Israel nos tempos de Moisés. No escudo da bandeira há um leão de pé e uma inscrição em hebraico que diz: “o leão da tribo de Judá”. A inscrição é significativa para o contexto judaizante, pois ela representa a promessa do Messias, que tinha que ser descendente da Tribo de Judá. Portanto percebemos aqui a assimilação desse elemento messiânico para o contexto da igreja Neopentecostal. Ao lado direito temos um candelabro de sete braços com luzes acesas nas pontas, comumente encontrado nas sinagogas judaicas. Em frente ao candelabro temos uma mesa com vários objetos como: um jarro com ramos de trigo dentro, uma taça de vinho, outra de óleo, um recipiente de vidro com sal grosso e vários cachos de uvas no canto da mesa. Todos esses elementos, que foram assimilados com novas representações pela igreja do MIR, possuem um significado dentro do próprio judaísmo. O trigo representa a prosperidade do Cristo, o Messias, na vida do crente; o vinho simboliza a alegria da vida com Deus; o óleo, o batismo no Espírito Santo e a nova vida com Cristo. A princípio, como vimos em capítulos anteriores, a proposta da igreja em células do MIR é imitar o que está nas narrativas bíblicas, por isso, ao fazer a abertura do evento é lida a seguinte passagem: Celebrarás a Festa dos Tabernáculos durante sete dias, quando houveres recolhido os produtos da eira e do lagar. Alegrar-te-ás na tua festa, tu, teu filho, tua filha, teu escravo, tua escrava, o levita, o estrangeiro, o órfão e a viúva, que habitam em sua cidade. Durante sete dias celebrarás a festa ao Senhor teu Deus, no lugar que o Senhor escolher. Pois o Senhor teu Deus há de abençoar-te em toda a tua colheita e em toda a obra das tuas mãos, e a tua alegria será completa. Três vezes ao ano, todos os teus homens aparecerão perante o Senhor teu Deus, no lugar que escolher: na festa dos pães asmos, na festa das semanas e na festa dos tabernáculos. Ninguém aparecerá de mãos vazias perante o Senhor. Cada um dará segundo as suas posses, segundo a benção que o Senhor seu Deus lhe houver concedido” (Deuteronômio 16.13-17). 37 O altar no contexto do Antigo Testamento representava o lugar onde eram oferecidos os sacrifícios a Deus, os quais somente os sacerdotes autorizados poderiam apresentar. No contexto da igreja Neopentecostal o altar representa o lugar onde fica o púlpito. No púlpito é onde o líder religioso ministra seus sermões, onde ocorrem as apresentações das danças e as liturgias do culto. E esse lugar, assim como o do Antigo Testamento, é considerado sagrado. Podemos fazer uma analogia com os palcos dos eventos onde acontecem os “shows”. 45 Após a leitura da passagem bíblica, a anfitriã começa a falar que devemos nos alegrar perante Deus, devido a tudo o que ele tem feito durante aquele ano. Logo em seguida ela começa a falar sobre as representações da festa para a vida espiritual de cada um. Como a festa judaica dos Tabernáculos encerra o calendário judeu e o fim das colheitas do ano nos tempos antigos, a festa passa a ter uma representação de agradecimento por aquilo que Deus fez por todos. Em seguida a oradora, que é responsável de coordenar todo o andamento da festa, passa a abordar os motivos pelos quais devemos estar gratos a Deus; por ter nos libertado de uma vida nas trevas, ou seja, de uma vida longe de Deus. Um estado de comoção toma de conta do ambiente, precedido por uma oração de agradecimento. Após o momento de oração, a oradora da festa sinaliza a importância da alegria em Tabernáculos, convidando todos a festejarem. Portanto, vemos que um dos quesitos de celebrarmos a festa é a alegria, e “a verdadeira alegria vem por experimentar os caminhos do Senhor e povo celebrava a Festa dos Tabernáculos com alegria” (XAVIER, 2003, p.106). “Tabernáculos é a última das Festascompromisso38 no ciclo anual de santificação. Este é um tempo para nos alegrarmos em Deus” (ASSUMPÇÃO; VASCONCELLOS, 1997, p.153). Antes de iniciar as apresentações de dança e canto a oradora passa a falar sobre os significados espirituais das tendas de palha, nas quais Deus ordenava ao povo que as habitassem por sete dias. Elas simbolizam os anos de peregrinação do povo judeu no deserto, no episódio que segue a libertação do Egito com Moisés em busca da Terra Prometida. Ela diz que esse deserto representa as aflições da existência humana e que a Terra Prometida representa as bênçãos de Deus para nós nesse tempo. A fragilidade da barra de palha representa a fragilidade humana e a dependência do homem de Deus. E passa a ser um convite à humildade, pois até o mais rico dos homens, nos tempos bíblicos, também habitava em barracas de palha. A Festa dos Tabernáculos é um evento que aponta para o Messias 39 , diz a apresentadora da festa. Essa declaração é importante, pois se alinha à doutrina dispensacionalista, sendo responsável por introduzir as ideias messiânicas do judaísmo nas igrejas neopentecostais. Contudo, a maneira como é abordada a questão na igreja do MIR tem 38 É uma nomenclatura utilizada para referir-se às Festas Bíblicas, aludindo ao compromisso que cada cristão tem em guarda-las. 39 Esse é um jargão muito comum nas Festas Bíblicas, pois elas representam tipologias de Cristo. O Messias é o descendente de Davi que restaurará o Reino de Israel, e as Festas Bíblicas proclamam esse advento. Contudo, há uma diferença: no caso da tradição judaica, o Messias ainda é aguardado; para o cristianismo, Cristo cumpriu a profecia. 46 suas peculiaridades. “O messias representa Jesus Cristo, ao qual devemos toda a gratidão, por nos ter libertado do mundo de pecado” (2005). Depois das apresentações prévias da festa e dessa introdução geral sobre o tema, os músicos, que são chamados de levitas40, apresentam-se no altar para o toque do shofar. O shofar é um instrumento de sopro mas conhecido como berrante, mas o instrumento que é tocado na festa vem de Jerusalém e é feito de chifre de carneiro, observação que é feita pelo jovem que irá tocá-lo, trazendo maior significação simbólica ao objeto41. Após o toque do shofar, o pastor assume o púlpito e convoca a igreja para a guerra espiritual, nesse momento as pessoas começam a marchar, literalmente, e orar a Deus pela sua vitória. A marcha é acompanhada por uma música de guerra e o pastor, que também marcha de frente para as pessoas, caminha de um lado para o outro do púlpito e ordena a todo momento que Satanás solte as famílias e as pessoas. Ao término da oração o pastor ordena que todos gritem o mais alto que puderem em prol da sua vitória. Ao observar as filmagens da Festa de Tabernáculos de 2005, percebi que a maioria das pessoas se envolviam com certo entendimento do que estava acontecendo, mas existiam algumas pessoas que olhavam atônitas ao que acontecia ao seu redor, principalmente ao verem as pessoas marchando como soldados dentro da igreja. Isso acontecia porque a festa não era restrita e havia muitos visitantes entre os presentes. Diante da cena em que grande parte das pessoas na igreja está marchando e orando em voz alta, muitos ficavam assustados e outros até sorrindo do que estava acontecendo. Após o grito de guerra, o shofar é tocado e dois dançarinos vestidos de branco entram carregando um trono dourado, que é posto em cima no altar e os dançarinos se posicionam um em cada lado do trono. Uma música que fala sobre a santidade de Deus começa a ser cantada e os dançarinos entram vestidos de branco carregando ramos de palmeiras, outros com trombetas, estandartes, bandeiras brancas. Outras duas dançarinas também entram, uma carregando uma coroa e outra, um cetro e os colocam sobre o trono. Um momento de comoção invade o ambiente, pois o trono, a coroa e o cetro representam a presença de Jesus naquele lugar. Algumas pessoas inclinam a cabeça, outras choram e outros cantam. Enquanto isso a música é tocada, a igreja canta como se Jesus estivesse presente sentado naquele trono. 40 Das 12 tribos de Israel, uma foi escolhida por Deus para atuar especificamente no trabalho do sacerdócio, a tribo de Levi. Por isso, no MIR aqueles que atuam no serviço do Altar são chamados de levitas. 41 O Shofar é feito de chifre de carneiro e nos tempos bíblicos, era usado para as convocações das batalhas, para as festas bíblicas. Através do tipo de toque o povo sabia para que estava sendo chamado. Na igreja do MIR esse toque passou a ser chamado de toque de Deus, ou seja, quando o Shofar é tocado passa a simbolizar a voz de Deus. 47 Encerrado o momento de adoração, iniciam-se as celebrações. Primeiramente apresentam-se as crianças vestidas com roupas típicas das festas judaicas. E as músicas que são tocadas durante as celebrações são em sua maioria na língua hebraica. Após a dança das crianças, inicia-se uma pausa nas danças e a igreja passa a receber instruções sobre dízimos e ofertas. O ministrador começa a sua fala dizendo que ninguém podia aparecer diante do Senhor de mãos vazias e que fazia parte do costume da festa que as pessoas trouxessem parte de suas colheitas. Assim as pessoas deviam apresentar-se diante de Deus naquela noite, pois era proibido apresentar-se diante de Deus com as mãos vazias. Em seguida o ministrador inicia a oração pedindo que Deus abençoe as ofertas e que sejam multiplicadas as bênçãos divinas na família de todos os que estão presentes, e assim as pessoas são convidadas a irem até o altar e levarem suas ofertas em dinheiro. Enquanto as pessoas depositam suas ofertas e dízimos, inicia-se mais um momento de celebrações para em seguida o pastor Flores, líder da igreja, trazer a mensagem principal da festa. Ele inicia seu sermão dizendo: a Festa dos Tabernáculos aponta profeticamente para o milênio 42 , onde aqueles que permaneceram em Cristo governarão com ele em Jerusalém. Percebemos mais uma vez no discurso a doutrina dispensacionalista e assim passamos com maior clareza a compreender o papel dessa teologia para a assimilação das práticas judaicas na igreja do MIR. O pastor mostra que na batalha final Israel sairá vitorioso, pois ele é o povo escolhido por Deus, e que aqueles que se levantam contra esse povo será derrotado. Portanto devemos como cristãos orar por Israel para que a promessa de Deus se cumpra e assim possamos com Cristo no milênio celebrar a Festa dos Tabernáculos. Assim, a igreja juntamente com o pastor, inicia uma oração por Israel pedindo a Deus que abençoe aquele povo. Ao término da oração, inicia-se um novo momento de celebração com músicas em hebraico. Esse é um momento de grande participação da igreja. O ritmo das músicas é de roda e ciranda, onde a igreja dança e pula. É um momento de muita animação com músicas tocando em sequência, para não perderem o ritmo. Após o momento de celebração final, que dura em torno de trinta minutos de música e danças, o Flores, líder da igreja, sobe ao púlpito para fazer a oração final e abençoar a vida das pessoas. A assimilação das práticas judaicas e de sua simbologia fica evidenciada quando assistimos à Festa dos Tabernáculos, os objetos, as danças típicas, os rituais, o apelo por Israel 42 Faz parte da doutrina escatológica, quando Cristo, o Messias, governará na Terra por mil anos. Refere-se à segunda vinda de Cristo. 48 e o grande esforço, bem explícito em cada etapa da festa, que é feito para contextualizar cada acontecimento como sendo uma ordem divina. Fica claro que as igrejas Neopentecostais e especificamente o MIR não fazem nenhum esforço para disfarçar a sua vinculação com vários elementos que para as igrejas clássicas eram vistos como profanos. Podemos citar o caso da vestimenta. Nas igrejas clássicas exigia uma postura sectária, já no neopentecostalismo há uma assimilação dos usos e costumes que dantes eram vistos como mundanos, profanos. O MIR adotou a visão de igreja em células como uma estratégia proselitista, visando ao crescimento quantitativo de sua membrezia. A partir disso foi criada toda uma estrutura dentro de uma lógica organizacional administrativa e hierárquica. Por certo que toda essa estrutura necessitava de ter uma base argumentativa dentro de Bíblia. A igreja do MIR apresenta no campo religioso de Boa Vista a Festa dos Tabernáculos como um bem no mercado religioso. Constitui-se como um elemento importante para esse processo e o dinamismo fundamental para a própria sobrevivência do movimento neopentecostal. A vantagem do neopentecostalismo para o MIR é que, com muita tranquilidade, se pode assimilar elementos de outras religiões sem muita resistência doutrinária. Como é o caso da doutrina dispensacionalista, que é fundamental para essa aproximação das práticas judaicas no cristianismo. No discurso durante a Festa de Tabernáculos em 2005, percebemos vários traços da doutrina da prosperidade. Na oração de abertura as pessoas são conclamadas a agradecer a Deus por sua prosperidade e a alegrar-se com isso. Devido a essa prosperidade proporcionada por Deus, os membros devem também de bom grado trazer suas ofertas em dinheiro. Além do discurso, as representações expostas durante o evento ressalta o aspecto da prosperidade, como o trigo, que é símbolo da fartura e da abundância. Portanto a Festa dos Tabernáculos, com toda sua simbologia e representações, vem reafirmar de maneira dissimulada o discurso da Teologia da Prosperidade apresentando-se como um novo produto no campo religioso neopentecostal brasileiro que é tão concorrido e diversificado. 49 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS O pentecostalismo no Brasil sofreu influência direta e constante do contexto internacional, e principalmente dos missionários vindos dos Estados Unidos a partir da década de 1950, com a fundação das primeiras igrejas pentecostais no Brasil, apesar da presença de missionários pentecostais desde o início do século XX, foi a partir da década de 1950 com os missionários norte-americanos que essa presença intensificou-se. Além da influência do modelo capitalista pautado no consumismo, temos a influência doutrinária, fundamentais para sustentar toda a prática neopentecostal e da igreja do MIR. Primeiramente, a doutrina da guerra espiritual, que justificará a pobreza e miséria de muitos membros, pois todos os males desse mundo são atribuídos a Satanás e seus demônios, ou seja, se um membro não está prosperando ou vai mal com sua família, há algo que ele deixou de cumprir diante da igreja, o que permitiu que os demônios atuassem em sua vida. Por isso, os líderes da igreja do MIR produziram uma vasta literatura sobre como Satanás atua na vida das pessoas para lhes roubar a prosperidade e falam enfaticamente sobre a necessidade de se guerrear o tempo todo contra as hostes do demônio. Com isso a doutrina da guerra espiritual serve para mascarar os reais problemas sociais que ocorrem dentro da igreja, justificando a própria falta de assistência social. Em vez de serem ajudadas em suas necessidades materiais, essas pessoas são levadas a crer que são forças espirituais que as estão impedindo de prosperar e que o único caminho para a vitória financeira é dar uma oferta em demonstração de fé. Combinada com a doutrina da guerra espiritual, está a da teologia da prosperidade; caminham juntas, uma sustentando a outra. A doutrina da prosperidade é marca fundamental da igreja do MIR, que trouxe uma inversão de valores na doutrina pentecostal. Nas igrejas clássicas a avareza e a ostentação são pecados e desagradam a Deus, na igreja do MIR a riqueza é um sinal da benção e da dádiva de Deus. É um pensamento que alinha-se a nova demanda social transformando os seus membros em consumidores. Os fiéis mais abastados passam a ser vistos como exemplos a serem seguidos, exemplos de pessoas abençoadas por Deus. Assim como em nosso modelo econômico, na teologia da prosperidade não há espaço para todos desfrutarem das benesses de Deus, somente das promessas. Com isso, a igreja do MIR assume definitivamente o seu interesse pelo dinheiro e exime-se da responsabilidade social, pois é culpa do demônio se as pessoas não são prósperas. Outro fator de relevância que temos que citar é a liberalização dos estereotipados usos e costumes de santidade. A liberalização era necessária dentro desse movimento, pois 50 como transformar um neopentecostal em um consumidor se ele tem que viver uma vida ascética nesse mundo? Portanto, uma reelaboração doutrinária foi necessária para formar uma nova visão de mundo para membro, onde ele pudesse comprar todos os produtos que quisesse sem nenhum peso na consciência, ou seja, uma acomodação aos valores e costumes da sociedade contemporânea. Com todas essas transformações externas e internas do campo religioso, os antigos sistemas simbólicos tornaram-se praticamente obsoletos e precisavam ser revistos. O MIR adotou o sistema de igreja em células e trouxe uma nova visão do sagrado pautada em uma judaização da igreja, adotando novos símbolos e novos significados aos já existentes. A igreja em Células do MIR nasce em um contexto neopentecostal, reinterpretando os textos bíblicos e ampliando seus significados, constituindo-se como um estoque simbólico sujeito às mais variadas interpretações. Assim, a doutrina dispensacionalista configura-se como fundamental para esse processo de assimilação das práticas judaicas. Essa nova visão do sagrado proposta pela igreja do MIR com base no dispensacionalismo cria novos bens simbólicos, inclusive um novo centro de peregrinação para a “Terra Santa”, Israel, sendo um enfrentamento direto aos romeiros, ou seja, não mais peregrinar a Roma, mas a Israel. Tudo isso em nome de um novo produto no mercado religioso. Nesse contexto de reafirmação dessa proposta, é fundada a Embaixada Cristã Internacional de Jerusalém – ICEJ, com sede em cada Estado do Brasil, como forma de suprir a demanda de viagens dos fiéis para Jerusalém e acima de tudo consolidar o processo de assimilação das práticas e representações judaicas da igreja do MIR, tornando a peregrinação a Cidade de Jerusalém como um “êxtase” da vida espiritual. Em suma, a Festa dos Tabernáculos que é celebrada todos os anos na igreja do MIRRR. Apresenta-se como uma reelaboração simbólica dos textos sagrados na expectativa de criar um novo produto para o mercado religioso boa-vistense, apresentando novas formas de proselitismo sob um contexto de assimilação de práticas e representações judaicas. 51 REFERÊNCIAS ANDRADE; Eliana Santos. A Visão Celular no Governo dos 12: estratégias de crescimento, participação e conquista de espaços entre os batistas soteropolitanos de 1998 a 2008. 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