O Movimento Neopentecostal: a prática do Judaísmo na Igreja

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1
UNIVERSIDADE FEDERAL DE RORAIMA
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS – CCH
CURSO DE HISTÓRIA
MAYCONN JYMMY CAVALCANTE CORREIA
O Movimento Neopentecostal: a prática do Judaísmo na Igreja Ministério Internacional
da Restauração na Cidade de Boa Vista (1999 a 2005).
Boa Vista/RR
2014
2
MAYCONN JYMMY CAVALCANTE CORREIA
O Movimento Neopentecostal: a prática do Judaísmo na Igreja Ministério Internacional
da Restauração na Cidade de Boa Vista (1999 a 2005).
Monografia apresentada como pré-requisito
para conclusão do curso de Bacharelado e
Licenciatura em História do Centro de Ciências
Humanas – CCH da Universidade Federal de
Roraima - UFRR.
Orientador: Prof. Dr. Alfredo Ferreira de Souza.
Boa Vista/RR
2014
3
MAYCONN JYMMY CAVALCANTE CORREIA
O MOVIMENTO NEOPENTECOSTAL: a prática do Judaísmo na Igreja Ministério
Internacional da Restauração na cidade de Boa Vista (1999 a 2005).
Monografia apresentada como pré-requisito
para conclusão do curso de Bacharelado e
Licenciatura em História do Centro de Ciências
Humanas – CCH da Universidade Federal de
Roraima - UFRR. Defendida em 01 de
dezembro de 2014 e avaliada pela seguinte
banca examinadora:
______________________________________________________
Profo. Dro. Alfredo Ferreira de Souza
Orientador / Curso de História – UFRR
______________________________________________________
Profo. Grad. José Darcísio Pinheiro
Curso de História
______________________________________________________
Profa. Dra. Vângela Maria Isidorio de Morais
Núcleo de Pesquisas – NUPS - UFRR
4
À minha esposa Larisse pela
compreensão e enorme apoio e ao
meu querido filho Gabriel a quem
tanto amo.
5
AGRADECIMENTOS
Aos professores do Departamento de História que contribuíram direta ou indiretamente e em
especial ao professor Alfredo pela paciência e inestimável contribuição neste trabalho.
À minha mãe Idália Cavalcante Correia, a quem devo minha vida e eterna gratidão.
À minha graciosa esposa pela compreensão nas muitas horas em que estive dedicado à
pesquisa e pelas palavras de conforto na hora do desânimo.
6
“A realidade é algo inesgotável. Por
sorte, a cada investigação renova-se
o passado”.
(Nathan Wachtel)
7
RESUMO
Este trabalho analisa o pentecostalismo nos seus desdobramentos históricos sob a perspectiva
das tipologias do pentecostalismo clássico, o carismatismo e o neopentecostalismo. Com
enfoque no movimento neopentecostal e suas principais doutrinas, que compõem sua estrutura
levando-o a consolidar-se no Brasil. O objeto da pesquisa é a igreja Ministério Internacional da
Restauração. Estaremos verificando como a doutrina dispensacionalista estabeleceu as bases
para as práticas judaicas na igreja e qual a importância da Festa dos Tabernáculos nesse campo
religioso neopentecostal.
Palavras-chave: Pentecostal. Neopentecostal. Dispensacionalismo. Tabernáculos.
8
ABSTRACT
This paper analyzes Pentecostalism in its historical perspective on the types of classic
Pentecostalism developments, the charisma and neo-Pentecostalism. This work focuses on the
Pentecostal movement and its major doctrines that makes up its structure that caused it to set
up in Brazil. The object of the research is the church named “Ministério Internacional da
Restauração”. There will be an evaluation about how the dispensationalist doctrine laid the
foundation for Jewish practices in the church and the importance of the Feast of Tabernacles in
Pentecostal religious field.
Keywords: Pentecostal. Neopentecostal. Dispensationalism. Tabernacles.
9
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO................................................................................................................10
2. O PENTECOSTALISMO NO BRASIL.........................................................................12
2.1 A INFLUÊNCIA ESTRANGEIRA NO MOVIMENTO PENTECOSTAL........................12
2.2 O PENTECOSTALISMO CLÁSSICO..............................................................................15
2.3 O CARISMATISMO..........................................................................................................17
2.4 O NEOPENTECOSTALISMO..........................................................................................18
3. PRINCIPAIS DOUTRINAS DO NEOPENTECOSTALISMO...................................24
3.1 TEOLOGIA DA PROSPERIDADE...................................................................................24
3.2 A DOUTRINA DISPENSACIONALISTA........................................................................28
4. A IGREJA EM CÉLULAS DO MIR-RR E A FESTA DOS TABERNÁCULOS.........37
4.1 O CONCEITO DE CÉLULA NA VISÃO DO MODELO DOS DOZE..............................40
4.2 A CELEBRAÇÃO DA FESTA DOS TABERNÁCULOS..................................................43
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS..........................................................................................49
REFERÊNCIAS......................................................................................................................51
10
1. INTRODUÇÃO
O fenômeno religioso em suas práticas e representações na América Latina possui
configurações diferenciadas do contexto norte-americano e europeu devido, principalmente, a
sua pluralidade religiosa. No caso do Brasil essa pluralidade evidencia-se nas mais variadas
formas de manifestações religiosas, como é o caso do pentecostalismo.
Temos no Brasil o catolicismo, que foi implantado no contexto colonial português,
além das religiões africanas tradicionais ou tribais, que vêm da tradição oral, baseada na vida
familiar, vivendo à margem da religião oficial, principalmente no Brasil Império, quando o
catolicismo tornou-se a religião oficial (GAARDER; HELLERN; NOTAKER, 2005). A
separação entre Igreja e Estado foi um:
...ato político que institucionalizou a neutralidade do Estado em matéria de religião,
foi obra da República proclamada em 1889, depois chamada República Velha. Os
republicanos houveram por bem inscrever desde logo na Constituição de 1891 –
definitivamente, pelo menos até agora – a moderna liberdade de culto (PIERUCCI,
2005, p.301).
Com a separação entre Estado e igreja, estabeleceu-se a concorrência entre as
organizações religiosas, e com o advento da República, a liberdade de pensamento, de reunião
e de expressão coletiva, representou o começo de uma expansão organizacional no campo
religioso nacional. (PIERUCCI, 2005).
No contexto de laicização ou secularização do Estado, surge por volta da década de
1970 o movimento neopentecostal. Esse movimento refletirá “os efeitos dinamizadores que a
liberdade de expressão religiosa tem trazido para o campo das religiosidades quando elas se
põem em livre concorrência” (PIERUCCI, 2005, p.302).
O interesse pelo tema advém do próprio contexto religioso de formação histórica
do nosso país e de minha vivência familiar neste contexto religioso. Em minha adolescência
costumava ir à igreja católica com meus avós. Posteriormente, em minha juventude meus pais
romperam com o catolicismo e passaram a frequentar a Assembleia de Deus do Brasil, igreja
pentecostal clássica. Eu professava a mesma fé que meus pais. Nesse momento, por volta da
década de 1990, surge no cenário nacional o movimento que ficou conhecido como
neopentecostalismo. Como já era costume em minha família, migramos mais uma vez para o
movimento de igreja em células no MIR-RR, situado no campo religioso neopentecostal.
Podemos afirmar que minha família foi uma das fundadoras do movimento em Boa Vista,
iniciando todo o trabalho juntamente com outras famílias que também aderiram ao desafio.
11
Contudo, com meu ingresso no curso de História em 2008, novos horizontes críticos
começaram a surgir em minha frente.
À medida que o conhecimento científico fazia parte da rotina, passei a perceber
elementos no movimento neopentecostal que outrora estavam ocultos a mim. Em seguida o
rompimento com a igreja em células foi praticamente inevitável, despertando o interesse em
escrever sobre o tema.
A pesquisa objetiva analisar quais elementos contribuíram para o processo de
assimilação da prática da cerimônia judaica nos cultos e festas comemorativas no movimento
neopentecostal, e especificamente no Ministério Internacional da Restauração em Boa Vista –
MIR-RR.
O tema sobre o protestantismo no Brasil é bastante trabalhado e despertou interesse
de vários pesquisadores. Contudo, o estudo da religião e da religiosidade é bem amplo, e
possibilitando várias discussões. O movimento neopentecostal tem sido amplamente discutido
no meio acadêmico, mas existem certas nuances que são deixadas de lado, como é o caso das
práticas cerimonialísticas judaicas nos cultos das igrejas em células. Assim essa pesquisa tornase relevante, pois analisa esse outro aspecto do movimento neopentecostal.
Como é um tema amplamente discutido, existe uma infinidade de fontes para ser
analisada. O próprio MIR-AM organizou um mercado editorial com publicação de livros,
revistas, jornais e sites especializados. Diante de inúmeras possibilidades de investigação
buscamos nossas fontes em revistas especializadas em publicações na internet, em filmagens
de DVD’s e por fim em outros trabalhos acadêmicos que abordaram o assunto.
Com isso, o trabalho ficou dividido em três partes. Primeiramente faremos uma
análise do processo histórico dos desdobramentos do pentecostalismo com a chegada dos
missionários norte-americanos e trabalharemos as três tipologias propostas para o movimento
pentecostal. Na segunda parte discutiremos as principais doutrinas do neopentecostalismo, com
ênfase nas doutrinas da igreja do MIR, teologia da prosperidade e a doutrina dispensacionalista.
E por fim, abordaremos algumas questões estruturais da igreja em células1 e seus fundamentos
analisando as práticas judaizantes na Festa dos Tabernáculos.
1
Constitui-se como modelo de igreja organizado em grupos formados por no mínimo três membros e um líder,
sendo assim denominada de grupo de células onde trabalharemos mais especificamente no último capítulo, em que
trataremos da estrutura organizacional da igreja do MIR.
12
2. O PENTECOSTALISMO NO BRASIL
O que nos propomos a fazer ao buscar traçar o campo religioso brasileiro no
contexto do pentecostalismo consiste em fazer uma análise dos seus desdobramentos, o
pentecostalismo clássico ou tradicional, o movimento carismático e o neopentecostalismo.
Compreender quais características adquiriu no campo religioso brasileiro, destacando os
aspectos principais de cada movimento e com ênfase no Ministério Internacional da
Restauração - MIR e analisando os elementos que o caracterizam dentro dessa nova onda
pentecostal ressaltando suas especificidades.
Temos vivido um período de grande notoriedade do movimento neopentecostal, nas
mais variadas vertentes de comunicação em massa. O rádio, a televisão, os shows, as marchas
para Jesus e a grande variedade de produtos “gospel” são elementos de expressão social que
apontam para a repercussão desse movimento. Esse movimento tem uma evolução dinâmica,
adaptando-se sem muita resistência a vários elementos externos, e as igrejas que compõem o
neopentecostalismo “não são organizações estáticas que incham numericamente; estão em
constante adaptação, e as mudanças são frequentemente objeto de lutas” (FRESTON, 1993,
p.64). São essas mudanças que buscamos compreender neste trabalho, como o MIR assimilou
essas transformações no campo religioso, inclusive incorporando novos elementos e
significados aos símbolos e interpretações bíblicas.
2.1 A INFLUÊNCIA ESTRANGEIRA NO MOVIMENTO PENTECOSTAL
O pentecostalismo brasileiro teve forte influência estrangeira2 e principalmente dos
missionários vindos dos Estados Unidos. Na década de 1940 “o pentecostalismo clássico teve
início com a chegada de dois batistas suecos e um presbiteriano italiano, convertidos ao
pentecostalismo nos EUA” (MARIANO, 2012). Poul Freston retoma essa tese ao afirmar “que
o pentecostalismo brasileiro de fato resultou de um movimento que surgiu nos Estados Unidos
(1993, p.67). Campos (2005) vai além, ao discutir que não podemos compreender o processo
histórico do pentecostalismo brasileiro sem fazermos uma análise do campo religioso norte-
2
O trabalho de Leonildo Silveira Campos faz uma análise sobre as origens norte-americanas do pentecostalismo
trabalhando sob a lógica das rupturas e continuidades incluindo a análise de seus desdobramentos em território
brasileiro. As origens norte-americanas do pentecostalismo brasileiro: observação sobre uma relação ainda
pouco avaliada. REVISTA USP, São Paulo, n.67, p. 100-115, setembro/novembro 2005.
13
americano. Fica evidente que o pentecostalismo brasileiro foi fortemente influenciado pelas
doutrinas teológicas importadas principalmente por missionários pentecostais vindos dos
Estados Unidos.
Além de missionários norte-americanos, também vinham missionários pentecostais
da Europa, que exerceram grande influência principalmente na Igreja Assembleia de Deus,
fundada e dirigida por suecos, o que mostra grande distinção teológica no processo de formação
desse campo religioso no Brasil, como missionários também vindos do Canadá e de regiões da
África.
O deuteropentecostalismo teve início com a vinda de dois missionários americanos da
International Church of The Foursquare Gospel, igreja mão da Evangelho
Quadrangular brasileira. O neopentecostalismo não fugiu do escript. Da Nova Vida –
fundada por um missionário canadense com muitos contatos no exterior e até com o
Vaticano, que pregou nos cinco continentes e pastoreou igreja nos EUA – saíram
Universal e Cristo Vive, sendo esta última fundada e liderada por um angolano com
formação teológica em Maiami (MARIANO, p. 39, 2012).
Percebemos desde o processo de formação do pentecostalismo no Brasil um forte
pluralismo religioso, como consequência dos missionários vindos dos mais variados países e
com formações teológicas distintas. Como percebemos na citação acima, esses missionários já
traziam consigo uma pluralidade religiosa, muitos deles tinham experiência em diferentes
países e formações teológicas em diferentes instituições.
Na perspectiva do campo religioso norte-americano que uma grande quantidade de
missionários foi enviada à América Latina com intuito de expandir o movimento pentecostal e
fundar novas igrejas nos moldes norte-americanos.
No início de forças centrífugas, que num curto período de três anos centenas de fiéis
se transformaram em missionários pentecostais, que influenciados por Los Angeles
se espalharam primeiro para todos os EUA, depois, para Europa, Ásia, América Latina
e África” ( REVISTA USP, São Paulo, n.67, p. 100-115, setembro/novembro 2005).
Aqui temos uma análise do movimento neopentecostal a partir do contexto norteamericano, mas sabemos que o movimento pentecostal teve seus desdobramentos a partir das
igrejas históricas herdeiras da reforma protestante, cuja presença ocorre desde o século XVI.
(ANDRADE, 2010).
Agora vamos ordenar esse campo pentecostal assimilado e difundido por esses
missionários analisando o processo até o neopentecostalismo. Na análise usaremos as tipologias
14
que ordenam o pentecostalismo da seguinte maneira: o pentecostalismo clássico; o carismático
e o neopentecostalismo3.
Como o pentecostalismo brasileiro nunca foi homogêneo, faz-se necessário
classificá-lo tipologicamente para analisarmos o Ministério Internacional da Restauração em
Boa Vista – MIR e verificarmos os elementos que o caracterizam nesse campo religioso
neopentecostal.
Não se constitui tarefa fácil, devido ao grande sincretismo dentro do
pentecostalismo. Portanto, a utilização de tipologias é fundamental para situarmos o objeto de
estudo no campo pentecostal.
Utilizarei a metáfora das ondas para classificar os movimentos pentecostais, o que
é comum nos EUA, e foi usada pela primeira vez no Brasil por Freston (1993), por crer que as
características distintivas propostas pelas ondas podem delimitar historicamente e de maneira
adequada nosso objeto de estudo o MIR.
São classificas da seguinte maneira:
A primeira onda é a pentecostal [...] que abrange as mais antigas denominações, [...]
nomeadas de clássicas criadas nas primeiras décadas do século. A segunda onda,
iniciada no final dos anos 50 e começo dos 60, constitui o movimento de renovação
carismática [...] que aceitam os dons do Espírito Santo como válidos para os dias
atuais [...]. Discordam da crença dos pentecostais clássicos de que o falar em línguas
seja o primeiro sinal do batismo no Espírito Santo. A terceira onda, iniciada nos anos
80, [...] inclui os evangélicos e cristãos, inspirados no Espírito Santo, praticam os
dons, com pouca ênfase nos dons de línguas, enfatizam os sinais, os milagres e os
encontros de poder [...] (MARIANO, 2012, p.28).
Essa classificação proposta não é simplesmente um recorte histórico. Além do
recorte temporal é feita uma análise das características distintas em cada onda. A primeira onda
ou pentecostalismo clássico cobre um período de 1910 a 1950, com a fundação no país da
Congregação Cristã no Brasil e da Assembleia de Deus. A membrezia dessas igrejas era
composta, em sua maioria, por pessoas de baixa renda e escolaridade (MARIANO, 2012). Na
primeira onda, é consenso entre os estudiosos do campo religioso brasileiro esse recorte feito
pelo pentecostalismo clássico (BITUN, 2007, p.27).
Sabemos da complexidade que é o estudo do campo religioso brasileiro,
principalmente pelos seus mais variados desdobramentos. No caso da igreja do MIR não é
3
Classificação proposta por Ricardo Mariano (2012).
15
diferente, ao longo da análise veremos traços característicos da primeira e segunda ondas do
pentecostalismo, apesar de o MIR ser classificado como da terceira onda.
2.2. O PENTECOSTALISMO CLÁSSICO
O pentecostalismo clássico ou tradicional é entendido como a primeira onda do
movimento pentecostal por Freston (1993), e uma característica fundamental para compreensão
da primeira onda é o ferrenho anticatolicismo.
O catolicismo é visto pelo pentecostalismo clássico como uma seita pagã, uma
religião que está desvirtuada da verdade bíblica. Assim os missionários pentecostais da primeira
onda que vinham para o Brasil traziam consigo uma visão libertadora com relação ao
catolicismo.
Outro fator importante que apresenta-se nessa classificação é a glossolalia4, que se
apresenta como primordial na doutrina pentecostal. A ênfase adotada pela primeira onda do
pentecostalismo ao dom de variedade de línguas se refere ao evento vivenciado pelos discípulos
de Cristo no cenáculo em Jerusalém. Um evento festivo do povo judeu chamado de pentecostes.
Os discípulos estavam reunidos após a ascensão de Cristo aguardando a promessa de serem
batizados com o Espírito Santo. De repente, de forma miraculosa, os discípulos começaram a
falar em outras línguas. Assim os pentecostais entendem que o sinal externo do batismo do
Espírito Santo é o falar em outras línguas como ocorreu no evento narrado em Atos dos
Apóstolos, no capítulo segundo. (BITUN; 2007).
Assim o dom de línguas pode ser a principal característica dessa primeira onda
pentecostal, apresentando-se como elemento centralizador, como a marca de identificação
desse movimento. Constitui-se de igual importância para o pentecostalismo clássico a crença
4
A glossolalia é conhecida como a doutrina do batismo no Espírito Santo, cuja evidência externa é o falar em
outras línguas. Um dos divulgadores mais conhecidos foi o missionário William Joseph Seymour, que viajou pelos
Estados Unidos ensinando a doutrina do batismo com o Espírito Santo e que teve uma explosão notória a partir do
avivamento da rua Azuza Street. A partir da divulgação do avivamento da rua Azuza, muitas pessoas, em busca
de experimentar o batismo com o Espírito Santo, participaram das reuniões pentecostais e se aventuraram em
missões ao redor do mundo a fim de divulgar essa nova mensagem. Depois disso, o Pentecostalismo se espalhou
pelo mundo, conseguindo uma projeção muito superior ao que os seus líderes esperariam e tornando-se uma grande
força dentro do cristianismo. (CARVALHAIS; Sueli Cardozo. Glossolalia: o Dom includente do Espírito Santo.
Revista de Estudos da Religião. Junho de 2010, p. 42-61). Freston também concorda que o estopim do movimento
pentecostal com o dom da glossolalia tenha ocorrido com W. J. Seymour (1993; p.67).
16
na volta iminente de Cristo, a salvação paradisíaca e o comportamento de radical sectarismo e
ascetismo de mundo exterior. (MARIANO, 2012).
O sectarismo é fundamental para a sustentação do pentecostalismo clássico. Nas
questões doutrinárias é fundamental que existam doutrinas que estabeleçam a diferença entre
as pentecostais e as igrejas históricas e das pessoas “mundanas”, que não haviam aceitado Cristo
como salvador. Essas doutrinas permeavam o relacionamento familiar, o trabalho, a escola, os
costumes e muitos outros aspectos do cotidiano dos membros promovendo uma desvalorização
do mundo.
As principais representantes do movimento pentecostal clássico no Brasil são as
igrejas Congregação Cristã (1910) e Assembleia de Deus (1911), que dominaram o campo
religioso durante 40 anos, devido à falta de expressão de suas concorrentes. (FRESTON, 1993).
Ambas as igrejas ainda existem; a Congregação Cristã vem perdendo expressão devido à
resistência às mudanças. Quanto à Assembleia de Deus que atualmente possui dois modelos
doutrinários: um que permanece em resistência às mudanças e outro que aceitou as exigências
contemporâneas e aderiu à doutrina neopentecostal. Isso foi uma questão que levou a vários
cismas denominacionais na igreja Assembleia de Deus.
Com relação ao movimento pentecostal tardio encontramos:
...nos anos 50 na cidade de São Paulo com o trabalho missionário de dois ex-atores
de filmes de faroeste do cinema americano, Harold Williams e Raymond Boatright,
vinculados à International Church of The Foursquare Gospel. [...] trouxeram para o
Brasil o evangelismo de massa centrado na mensagem de cura divina. Difundiram-na
por meio do rádio, do evangelismo itinerante em tendas de lona, de concentrações em
praças públicas, ginásios de esporte, estádios de futebol, teatros e cinemas
(MARIANO, 2012, p.30).
Nesse mesmo período, em 1952, foi fundada nos Estados Unidos a ADHONEP –
Associação dos Homens de Negócios, por Demos Shakarian. Em pouco tempo a associação
cresceu de forma a espalhar-se pelos cinco continentes, chegando à América Latina e ao Brasil
por volta de 1973, no mesmo momento em que se inicia o movimento neopentecostal. A
ADHONEP constitui-se como uma associação de empresários formada por pessoas físicas e
jurídicas, proprietários ou sócios. Com isso a associação começa a promover a lógica de
mercado no contexto religioso pentecostal, corroborando para as bases da teologia da
prosperidade.
O evangelismo de massa possuía mensagens inovadoras e métodos que atraiam
ouvintes de outras igrejas evangélicas e indivíduos dos estratos mais pobres da população.
Podemos dizer que o uso dos meios de comunicação de massa foi fundamental para o progresso
desse desdobramento pentecostal dando grande visibilidade ao movimento religioso no Brasil.
Até então, o pentecostalismo brasileiro contava principalmente com as igrejas da Assembleia
17
de Deus e Congregação Cristã. A partir desse novo contexto religioso surgiram as igrejas Brasil
para Cristo (SP, 1955), Deus é Amor (SP, 1962), Casa da Benção (Belo Horizonte, 1964) e
várias outras de menor expressão social. (MARIANO, 2012).
2.3 CARISMATISMO
O movimento é conhecido como carismático pela adesão de algumas igrejas
históricas que se pentecostalizaram e aderiram aos métodos da segunda onda. Essas igrejas no
Brasil são conhecidas como igrejas renovadas, igrejas que romperam com a proposta tradicional
e aderiram ao pentecostalismo (MARKARTHUR, 1992).
O evangelismo de massa era acompanhado pela doutrina teológica do dom de cura
divina, o que foi a grande novidade da segunda onda. Na primeira onda, havia o dom de línguas
como carro-chefe desse movimento; na segunda, o dom de cura, que foi crucial para a rápida
expansão do movimento e o forte desdobramento institucional.
Sobre a importância do dom de cura divina5, essa doutrina era também um método
proselitista. Convém dizer que na primeira onda pentecostal acreditava-se no dom de cura, cuja
ênfase era o dom de línguas ou variedades de línguas. De igual modo, na segunda onda,
acredita-se nos dons do Espírito com ênfase no dom de cura. Então de uma forma ou outra, são
características adotadas para distinguir os dois movimentos pentecostais.
Apesar de movimentos distintos dentro do pentecostalismo, as questões teológicas
e doutrinárias centrais permanecem inalteradas. “O núcleo doutrinário permanece inalterado
em qualquer das ramificações pentecostais” (SOUZA; 1969 p.103 apud MARIANO; 2012,
p.31). As diferenças teológicas consistem nas questões como: a crença na predestinação de
origem calvinista ou na doutrina arminiana das demais igrejas e a ênfase em determinados dons.
Justificam-se assim as duas tipologias do pentecostalismo, não apenas pelas questões
5
Na carta do apóstolo Paulo aos I Coríntios, capítulo 12, ele aborda o tema dos dons do Espírito Santo, e começa
dizendo que são muitos, mas o Espírito é o mesmo. Nesse texto Paulo escreve sobre os dons de variedades de
línguas e o de curas sem entrar em muitos detalhes sobre cada um, principalmente com relação aos métodos de
funcionamento. O que fica claro é que os dons são concedidos pelo Espírito como e a quem ele quiser. Outros
textos bíblicos que reforçam a questão do dom de cura são os Evangelhos, que mostram os milagres de Cristo, e,
por fim, o próprio evangelho de Marcos, no capítulo 16, no qual está expressa uma determinação do Cristo, feita
após ele ter ressuscitado: os discípulos porão as mão sobre os enfermos e os curarão. Assim é justificada a prática
do dom de cura divina.
18
doutrinárias e teológicas, pois como vimos estão em constantes assimilações, mas também pelo
critério histórico-institucional6 (MARIANO, 2012).
2.4 O NEOPENTECOSTALISMO
O Neopentecostalismo é denominado como a terceira onda pentecostal por Freston
(1993) e Mariano (2012). A terceira onda do pentecostalismo tem maior relevância para nossa
pesquisa, pois é nessa tipologia que classificamos a igreja do MIR. A partir de agora, ao mesmo
tempo em que classificarmos os elementos da terceira onda, analisaremos as características de
nosso objeto de pesquisa com esse movimento.
“A terceira onda demarca o corte histórico-institucional da formação de uma
corrente pentecostal que será aqui designada de neopentecostal” (MARIANO; 2012, p.33).
O termo neopentecostal7 configura-se apropriado por indicar a formação recente do
movimento e seu caráter inovador e assim delimitar historicamente de maneira adequada nosso
objeto de estudo.
Freston ao abordar a questão da terceira onda em sua tese. O autor aponta duas
igrejas como principais representantes desse movimento neopentecostal:
A terceira onda pentecostal acompanha novo surto de crescimento nos anos 80. Seu
produto institucional mais famoso é a igreja Universal do Reino de Deus (IURD), do
bispo Edir Macedo. Fundada em 1977, a IURD cresce na década seguinte. Outro
grupo é a igreja Internacional da Graça de Deus (IIGD), fundada em 1980 por R. R.
Soares, cunhado de Macedo, após um cisma na IURD (1993, p.95).
Já Barbieri Junior vai um pouco além, mas continua a apontar a IURD como
principal representante desse movimento.
A terceira onda começa no final dos anos 1970 e ganha força nos anos de 1980 com
as igrejas Sara Nossa Terra (fundada em 1980 por Robson Rodovalho), Universal do
Reino de Deus (fundada em 1977 no Rio de Janeiro por Edir Macedo), Renascer em
Cristo (fundada em 1986 pelo casal Estevam e Sonia Hernandes), Internacional da
Graça de Deus (fundada no Rio de Janeiro em 1980 por Romildo R. Soares) e entre
outras (2007, p.16).
Existe um consenso de que a IURD caracteriza-se como grande representante do
movimento neopentecostal, não se pondo é claro como única, até porque é um movimento
6
O termo histórico-institucional proposto por Mariano está associada as mudanças da própria conjuntura
internacional da consolidação do capitalismo mundial, e da própria igreja como instituição eclesiástica, além das
mudanças teológicas e doutrinárias(2012).
7
É utilizado por Mariano (2012), Freston (1993), Bitun (2007) e Siepierski (2001).
19
dinâmico. É fato também que, devido a sua grande notoriedade na mídia nacional, quer por
questões polêmicas de escândalos, quer por divulgação de seus programas televisivos e
radiofônicos, essa igreja tem chamado a atenção dos pesquisadores da religião. Dessa forma,
grande parte das pesquisas acadêmicas está voltada para a IURD, e nos dias atuais também para
a igreja Mundial do Poder de Deus, que é dissidente da IURD. Assim faremos uma análise do
nosso objeto de estudo com base nessas características do movimento neopentecostal tomando
como referência principalmente a IURD8, por conter maior número de pesquisas.
Mariano vai destacar em sua análise três características fundamentais do
neopentecostalismo. A primeira é a exacerbação da guerra espiritual contra o Diabo e seus anjos
decaídos (2012, p.36). Quanto a esse elemento do neopentecostalismo podemos afirmar que na
igreja do MIR é bem presente essa exacerbação da guerra espiritual nas liturgias dos cultos e
em sua literatura doutrinária.
Em um dos livros do fundador do MIR, Renê Terra Nova, intitulado Alimento para
Células, ele vai dedicar grande parte de sua obra para falar de batalha espiritual. Na introdução
do capítulo sobre o tema Terra Nova fala o seguinte:
Temos vivido os fins dos tempos. Satanás, nosso inimigo, sabe que sua hora de ser
destruído está chegando. No entanto, a batalha está cada vez maior e o nosso inimigo
tentará ludibriar o povo de Deus tanto quanto puder. Mais do que nunca estamos no
meio de uma grande batalha espiritual. [...] Ignorar nosso inimigo é a arma mais letal
que Satanás usa para nos confundir (2002, p.18).
Fica evidente a exacerbação da guerra espiritual e mostra que o próprio fato de
ignorar que temos um inimigo já constitui uma estratégia do adversário. Apesar de “Jesus ter o
governo sobre tudo, tanto no mundo espiritual como no mundo físico” (TERRA NOVA, 2002,
p.19), o fiel continua à mercê das ciladas de Satanás. Porém esse campo de batalha espiritual é
bem delimitado, pois, segundo Terra Nova, as hostes do inimigo são organizadas
hierarquicamente, o que significa dizer que precisamos nos preparar e sermos estrategistas na
guerra espiritual.
A guerra espiritual é enfatizada em todos os aspectos da vida. No contexto familiar
Terra Nova fala que a “família tem sido alvo de ataques constantes” (2002, p.30) e que se faz
necessário uma cobertura espiritual 9 para proteção da família. Ele fala que podemos gerar
8
Trataremos das questões doutrinárias da Igreja Universal do Reino de Deus mais especificamente no próximo
capítulo.
9
O termo cobertura espiritual foi cunhado para referir-se às igrejas que aderiram ao modelo da visão celular e
respondem à matriz MIR, participando de congressos e conferências na sede nacional em Manaus – AM. O MIR
20
inimigos dentro do nosso próprio lar: expor os filhos à televisão, deixar nossos filhos com
pessoas que não servem a Deus e inclusive a escola. Por isso, “devemos orar e guerrear em todo
o tempo” (2002, p.36).
Com base nesse princípio, Terra Nova escreve um livro chamado Atos Proféticos:
comando de Deus ou invenção humana? Nesse trabalho ele mostrará como funciona o mundo
espiritual e como devemos agir por meio dos atos proféticos, influenciando o mundo espiritual
e assim tendo batalhas vencidas nessa guerra espiritual.
A segunda característica apontada consiste na pregação enfática da Teologia da
Prosperidade
10
. Essa Doutrina da Prosperidade é marca fundamental do movimento
neopentecostal. As novas igrejas que surgem nesse contexto são marcadas por um “novo
discurso pentecostal, centrado na teologia da prosperidade, e na guerra espiritual, articulandose com uma forma de organização eclesiástica do tipo empresarial” (SAPIERSKI, 2001, p.61).
Barbiere também vai abortar essa questão em seu trabalho quando fala da terceira onda do
pentecostalismo:
Caracteriza-se pelo exclusivismo frente às demais expressões pentecostais e
evangélicas, como a ênfase nas teologias da prosperidade e da guerra espiritual,
investimento forte na mídia (impressa, radiofônica, televisiva e informatizada) e na
política e expansão da sua presença nas fronteiras nacionais (2007, p.16-17).
Esse aspecto da Teologia da Prosperidade no MIR é bem visível, basta olharmos
paras as publicações da editora Semente de Vida e os estudos publicados em seu site. Os livros
e o site com os estudos bíblicos são os maiores doutrinadores das igrejas do MIR no Brasil. Os
discípulos (membros), como são chamados, são constantemente incentivados a comprar os
livros e acompanhar os estudos pelo site11; todos que exercem cargos de liderança nas igrejas
do MIR devem estar bem cientes da responsabilidade de conhecerem profundamente as
doutrinas repassadas por Terra Nova. Claro que nossa proposta aqui não é estudar
detalhadamente as doutrinas e fazer uma análise nos desdobramentos e assimilações
doutrinárias que ocorreram no pentecostalismo, mas é pertinente para nossa análise apontar os
de Manaus passa a prestar apoio doutrinário e suporte para a implantação do modelo celular nas novas igrejas ou
nas antigas que queiram adotar o sistema.
Essa doutrina “estabelece o direito de saúde e de posse de bens materiais aos fiéis. Para os defensores da Teologia
da Prosperidade, Deus é o Senhor de todas as riquezas do mundo, sendo um direito divino dos homens
compartilharem as riquezas materiais, já que o homem é filho de Deus. Diferentemente do perfil ascético do
pentecostalismo tradicional, o fiel do neopentecostalismo abraçou os valores da sociedade de consumo sem ter
medo da punição Divina, ao contrário, a ostentação de riquezas materiais é um sinal da sua escolha por Deus”
(BARBIERI JUNIOR; 2007, p.17).
11
WWW.mir12.com.br
10
21
elementos da doutrina da Teologia da Prosperidade adotada no MIR, não só para enquadrá-la
nas características propostas por Mariano, mas também para percebermos o dinamismo desse
movimento neopentecostal e como funciona a dinâmica dessa doutrina no MIR.
Em junho de 2012 foi publicada uma série de estudos sobre a prosperidade no site
do MIR. Esses estudos fizeram uma série de apontamentos mostrando como é compreendida
essa doutrina no MIR. É importante mostrarmos que, apesar de certas diferenças nas questões
de interpretação teológica, de modo geral o contexto assemelha-se às demais igrejas
neopentecostais, e cito aqui a IURD e a Mundial do Poder de Deus.
Na primeira parte desse estudo, a prosperidade é apontada em vários níveis:
psicológica, emocional, afetiva, física, financeira e espiritual. Na introdução do estudo Terra
Nova inicia dizendo:
Todo mundo quer ser próspero hoje em dia. Prosperidade virou sinônimo de aquisição
de dinheiro. As pessoas pensam que são prosperas, à medida que adquirem dinheiro.
Isso, em parte, é verdade. Mas é necessário compreender que a verdadeira
prosperidade não consiste em agregação de bens. Prosperidade é mudança de sorte em
áreas distintas, como descreve o Apóstolo João em sua terceira carta. “Amado, acima
de tudo. Faço votos por tua prosperidade e saúde, assim como é próspera a tua
alma.” (III João 2) (Estudo: Prosperidade em todas as áreas. 4 de junho de 2012).
Grande parte dos discursos de Terra Nova de algum modo está associada à
prosperidade material como um reflexo da prosperidade espiritual, ou seja, é necessário que
haja uma conquista no mundo espiritual para que essa benção se concretize no mundo material.
A bênção de a terra frutificar, ou seja, no nosso contexto, de explodir a bênção na
nossa casa, nossas finanças e os setores de trabalho, pois a nossa realidade é outra e
estamos dentro de perspectivas diferentes, preparando-nos para uma colheita
financeira e de bênção, acumulados de uma forma sobrenatural para provar e ver que
o Senhor é Bom (2011).
Esse texto é faz parte de um estudo sobre o poder de uma semeadura. A semeadura
consiste nos dízimos, ofertas e as primícias12 que são doadas pelos fiéis para cumprirem os
princípios de Deus. Para que a bênção da prosperidade possa ser concretizada na vida do fiel
12
Significa doar o salário do primeiro dia de trabalho do mês para o seu líder (pastor). Segundo Terra Nova, a
maneira de honrar o seu líder é com a primícia. “Pela Bíblia só há uma maneira bíblica de honrar o líder, além de
obedecê-lo e ser fiel a ele, materializando a honra através da primícia”, ou seja, a soma de todo o ganho do mês
dividido por trinta, que dará o resultado do ganho de um dia de trabalho, caracterizando a primícia. O dízimo
corresponde a 10% do salário do mês independentemente das primícias. E, por fim, a oferta é uma doação
voluntária, trazida ao altar além das duas acima citadas. (Estudo: Dízimo, oferta e primícias – princípios bíblicos.
24 de janeiro de 2011).
22
esses três princípios “bíblicos” devem ser cumpridos. Assim esse ato de fé se caracteriza como
uma conquista no mundo espiritual, que por sua vez se efetivará no mundo material em bênçãos
financeiras.
A terceira característica delimita o campo religioso neopentecostal, é a
“liberalização dos estereotipados usos e costumes de santidade” (MARIANO, 2012, p.36). O
neopentecostalismo “vai romper com a ideia de salvação pelo ascetismo de rejeição do mundo”
(MARIANO, 2012, p.44). Não existe aquela ideia do pentecostalismo clássico de que a vida
terrena era passageira, não acumular riquezas na terra e buscar o paraíso abdicando dos prazeres
da carne e do mundo. Assim, “o apego dos neopentecostais ao mundo é indisfarçável”
(MARIANO, 2012, p.44). “A crença da prosperidade defende a ideia de que o homem foi
liberto do pecado original por meio do sacrifício de Cristo, assim pode não só usufruir dos bens
terrenos, como também exigir de Deus como um direito adquirido” (BARBIERI, 2007, p.45).
Vemos que a doutrina mudou radicalmente. Anteriormente no pentecostalismo
clássico vivia-se uma vida ascética, “separada” para Deus, à espera do paraíso. Agora com o
neopentecostalismo o paraíso é aqui na terra. Não precisamos mais esperar as benesses de Deus
para o pós-morte, ele quer nos abençoar aqui e precisamos exigir isso de Dele, pois tal dádiva
se constitui como nosso direito.
Essa mudança é “uma acomodação aos valores e costumes da sociedade
contemporânea – alimenta a vontade de consumo como uma busca de satisfação e fortalece o
comportamento individualista e liberal de costumes” (BARBIERI, 2007, p.44).
O MIR, além de encaixar-se nessa característica apontada por Mariano e Barbieri,
vai assimilar outros elementos. Quanto ao critério de liberalização de usos e costumes13, que
eram bem rígidos no pentecostalismo clássico principalmente com relação às mulheres,
ocorreram profundas mudanças influenciadas pelo movimento feminista, que afetou as igrejas
neopentecostais. As mulheres passaram a ter mais liberdades, primeiramente quanto à questão
do vestuário; as mulheres passaram a usar calças compridas, maquiagem, passaram a participar
do corpo eclesiástico e até mesmo a liderar igrejas, como é o caso de Valnice Milhomens, líder
da Igreja Nacional do Senhor Jesus Cristo14.
A música passou a ocupar lugar de destaque nos cultos, sem restrições para gêneros
musicais, rock, funk, reggaeton, ritmos antes vistos como abomináveis agora eram trazidos
13
As igrejas pentecostais clássicas criaram manuais de regras de moral e conduta que viraram rol de seus estatutos.
Podemos citar um exemplo para melhor esclarecer esse contraste: grande parte das igrejas pentecostais clássicas
adota o costume no qual as mulheres devem usar saia e não devem depilar as pernas. Já as igrejas neopentecostais
são mais liberais nesse assunto; permitem que as mulheres usem calça comprida e que se maquiem.
14
É uma das pioneiras do movimento de igrejas em células no Brasil juntamente com René Terra Nova.
23
como uma ideia de resgate dos estilos. O principal fator que resultou desse liberalismo foi a
transformação dos fiéis a um comportamento consumista, em que já não existem restrições a
praticamente nada, você pode desfrutar de todas as riquezas matérias sem nenhuma crise de
consciência, por estar cometendo algum pecado.
A Teologia da Prosperidade dedica-se a esse mundo e a esta vida, para resolver de
forma mágica problemas dos mais diversos, não mais uma eterna e resignada espera por Cristo.
A igreja do MIR está se acomodando rapidamente à sociedade inclusiva, à cultura e à
religiosidade popular, porque a flexibilidade em suas doutrinas proporciona meios de
proselitismo muito mais eficientes, que vão muito mais incluir que separar (MARIANO, 2012).
Quando adotamos a tipologia das ondas e dividimos o pentecostalismo em três
vertentes, não estamos propondo que essa construção tipológica dê conta de todo o campo
religioso brasileiro, que é tão complexo, dinâmico e diversificado. Propomos estabelecer um
marco para a análise de nosso objeto de estudo, o MIR, e assim estruturá-lo dentro dessa
tipologia proposta para procurarmos pensá-la e compreendê-la (Mariano, 2012). Entendendo
que “práticas rituais, correntes teológicas, técnicas evangelísticas não respeitam fronteiras
denominacionais nem circulam somente em uma determinada vertente evangélica”
(MARIANO, 2012, p.47).
Nessa primeira parte analisamos as tipologias propostas por Mariano, classificamos
e verificamos historicamente cada uma delas, dando especial atenção à neopentecostal.
Analisamos como o Ministério Internacional da Restauração assemelha-se, com suas
peculiaridades, às três características do neopentecostalismo: exacerbação da guerra espiritual
contra o Diabo e seu séquito de anjos decaídos; pregação enfática da teologia da prosperidade;
e liberalização dos estereotipados usos e costumes de santidade. Para a segunda parte, nos
propomos a analisar historicamente a partir do movimento neopentecostal o que Terra Nova
chama de voltar às raízes cristãs do amor por Israel e o povo judeu comemorando as festas
bíblicas.
24
3. PRINCIPAIS DOUTRINAS DO NEOPENTECOSTALISMO
No capítulo anterior discutimos brevemente alguns aspectos doutrinários da terceira
onda do pentecostalismo. Neste capítulo vamos analisar as grandes correntes teológicas do
Neopentecostalismo como: a Teologia da Prosperidade e a Doutrina Dispensacionalista.
Essas correntes teológicas são as mais evidentes dentro do movimento
neopentecostal, por isso, julgamos mais importante selecioná-las, pois não há espaço suficiente
nesse trabalho nem é minha proposta discutir as mais variadas doutrinas que fazem parte do
neopentecostalismo. As doutrinas selecionadas para a análise são encontradas, de alguma
forma, em todas as igrejas dessa da vertente neopentecostal.
Dentre tantas perspectivas teológicas adotadas pelo neopentecostalismo,
escolhemos essas doutrinas que melhor representam o movimento. Como vimos no capítulo
anterior, a Teologia da Prosperidade faz parte da prática religiosa do MIR e está associada à
grande parte do discurso dos membros. Assim como a doutrina dispensacionalista, que nos dará
suporte para justificarmos as práticas judaicas nas igrejas neopentecostais, como é o caso da
igreja do MIR.
3.1 A TEOLOGIA DA PROSPERIDADE
Quando falamos em Teologia da Prosperidade uma das primeiras igrejas que vêm
à mente é a Igreja Universal do Reino de Deus – IURD. Isso se deve à sua ampla divulgação
na mídia nacional em programas de TV, rádio, jornal impresso, internet, sem deixar de lado os
trabalhos acadêmicos que buscam compreender esse fenômeno religioso. Contudo é sabido que
as igrejas neopentecostais acolheram de braços abertos essa teologia, como também é o caso da
Renascer em Cristo, Mundial do Poder de Deus, Igreja da Graça, Sara Nossa Terra e o MIR,
isso para citar algumas.
A Teologia da Prosperidade surge como movimento na década de 1970 em
oposição à Teologia da Libertação 15 , que buscava através da pregação bíblica marxista a
libertação dos pobres, promovia um debate de justiça social e transformação da sociedade
(SILVEIRA, 2007). Por outro lado, mesmo que não estivessem sob a perspectiva da Teologia
“A Teologia da Libertação é um movimento socioeclesial que surgiu dentro da Igreja Católica na década de
1960 e que, por meio de uma análise crítica da realidade social, buscou auxiliar a população pobre e oprimida na
luta por direitos”. CAMILO; Rodrigo Augusto Leão. A TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO NO BRASIL: DAS
FORMULAÇÕES INICIAIS DE SUA DOUTRINA AOS NOVOS DESAFIOS DA ATUALIDADE. II
Seminário de Pesquisa da Faculdade de Ciências Sociais – UFG. Novembro de 2011.
15
25
da Libertação as igrejas principalmente da primeira onda não possuíam em sua mensagem um
discurso de prosperidade. Ao contrário, a mensagem que era divulgada era o oposto disso:
buscar acumular riquezas no céu e não acumular tesouros na Terra.
Além desse embate teológico existia uma demanda social que surgia da sociedade
de consumo, pois os novos convertidos nas igrejas neopentecostais não estavam apenas nos
extratos mais pobres da sociedade, existiam novos crentes de várias ordens sociais.
Diante da mobilidade social de parte dos fiéis, das promessas da sociedade de
consumo, dos serviços de crédito ao consumidor, dos sedutores apelos do mundo da
moda, do lazer e das opções de entretenimento criadas pela indústria cultural, essa
religião ou se mantinha sectária e ascética, aumentando sua defasagem em relação à
sociedade e aos interesses ideias e materiais dos crentes, ou fazia concessões
(MARIANO, 2012, p.148).
Nesse impasse, em manter-se sectária e ascética ou aderir às novas demandas
religiosas que estavam surgindo, as igrejas neopentecostais assumiram definitivamente o seu
interesse pelo dinheiro e adotaram significados positivos incentivando o progresso econômico
e o bem-estar dos fiéis (ORO,2003).
A Teologia da Prosperidade tem seus primeiros expoentes por volta de 1920 e 1940
nos Estados Unidos, com os seus principais divulgadores, Essek William Kenyon e Kenneth
Erwin Hagin (SOUZA, 2011). Será importante destacarmos Hagin, pois ele teve vários livros
traduzidos para o português, tornando-se a base dessa teologia no Brasil. Hagin teve também o
seu material amplamente divulgado na igreja do MIR, no qual muitos livros fizeram parte do
material de formação da liderança da igreja principalmente em sua fase inicial.
No Brasil a Teologia da Prosperidade surge por volta da década de 1970, com a
expansão das igrejas neopentecostais e principalmente da IURD como principal divulgadora da
doutrina. “Sua forma de abordagem da Bíblia e de vivência da religião rompe a ética protestante
[...] e até mesmo com temas comuns com as religiões cristãs, como caridade, a salvação e a
rejeição dos prazeres do mundo” (SOUZA, 2011).
Agora com essa doutrina o crente não precisa ficar apreensivo com o pecado da
avareza ou da luxúria, ela lhe permite tranquilidade emocional para consumir tudo aquilo que
o mundo lhe oferece. Na verdade, ser possuidor de riquezas e bens materiais passa a ser um
sinal da dádiva de Deus. Percebemos aqui uma completa inversão de valores com as igrejas
clássicas, que tinham uma visão ascética e sectária com relação ao mundo.
Um dos motivos da grande notoriedade nacional do movimento neopentecostal
deve-se ao discurso da Teologia da Prosperidade, que tem angariado cada vez mais adeptos
para essas igrejas, caracterizando-se como um grande movimento de massa que de certa forma
26
vem enfraquecendo as igrejas tradicionais (Barbieri, 2007). Esse sucesso deve-se à inversão de
valores que eram propostos pelas igrejas clássicas. Com essa doutrina temos uma teologia muito
mais abrangente, na qual os possuidores de riquezas materiais podem viver sem culpa perante
os despossuídos, pois a riqueza passou a ser uma dádiva de Deus.
O discurso baseado na Teologia da Prosperidade representa uma acomodação aos
valores e interesses da sociedade contemporânea – alimenta a vontade de consumo
como uma busca de satisfação e fortalece o comportamento individualista e liberal
dos costumes (BARBIERI, 2007, p.45).
Quanto às características fundamentais dessa teologia que foram adotadas nas
igrejas neopentecostais brasileiras, destacam-se sete características da Teologia da
Prosperidade, que são: confissões negativas e positivas, saúde, prosperidade financeira, profetas
hodiernos, benção e maldição da lei, autoridade nas revelações e o homem como encarnação de
Deus (SILVEIRA, 2007). Também encontramos três categorias: autoridade profética, confissão
positiva e saúde e prosperidade (BARBIERI, 2007).
Analisaremos
as
categorias
fundamentais
da teologia da prosperidade
argumentando com base nas sete características fundamentais, nas quais encontramos traços no
movimento neopentecostal e na igreja do MIR-RR.
A confissão positiva constitui-se como o pilar dessa doutrina, pois a partir de uma
confissão de fé, o crente alcança todas as dádivas de Deus aqui na Terra. Logo, “a vontade de
Deus é que seus filhos prosperem” (HAGIN, s/d, p.63).
O termo confissão positiva refere-se literalmente à crença de que os cristãos detêm o
poder – prometido nas Escrituras e adquirido pelo sacrifício vicário de Jesus – de
trazer a existência, para o bem ou para o mal, o que declaram, decretam, confessam
ou determinam com a boca em voz alta (MARIANO, 2012, p. 152-153).
O sacrifício de Cristo é importante aqui, pois ele representa a libertação da
humanidade e das maldições da lei de Moisés, que consistiam na pobreza, na enfermidade e a
segunda morte16. Portanto, Cristo nos libertou da pobreza e dispôs todas as bênçãos para aqueles
que têm uma confissão de fé positiva. Em outras palavras, confessar não significa pedir ou
suplicar a Deus, mas determinar positivamente a prosperidade ou, como muitos pregadores da
Teologia da Prosperidade gostam de chamar, “tomar posse da bênção” (HAGIN).
16
A segunda morte que estava prevista na lei de Moisés consistia em uma separação total de Deus, seria o
afastamento espiritual da comunhão eterna com o Criador. Com o sacrifício vicário de Cristo, essa ligação do
homem com Deus estava refeita através do elo que é Cristo. Assim, o homem estava ligado a Deus na segunda
morte por meio de Cristo.
27
Em seu livro, Novos Limiares da Fé, Kenneth E. Hagin ilustra bem essa ideia ao
descrever sua própria experiência:
Quando essa verdade se tornou real em meu coração, o Senhor me falou, dizendo:
“Não ore mais pelo dinheiro, você tem autoridade no meu nome para reivindicar a
prosperidade. Já coloquei ouro, prata e gado para meu homem, Adão, e a ele dei
domínio sobre tudo isso. Depois dele se vender para Satanás, o segundo Adão, Jesus
Cristo veio redimir você das mãos do inimigo e para tirar de você a maldição da lei.
Agora, em vez de orar para eu fazer o seguinte (pois já fiz provisão para as suas
necessidades) tudo quanto você precisa fazer é dizer: Satanás, tire suas mãos do meu
dinheiro. Simplesmente reivindique aquilo que você necessita. Você reina na vida por
Cristo Jesus” (HAGIN, S/D, p.66-67).
A maldição da lei de Moisés incluía a pobreza e a enfermidade. E como Cristo veio
romper a maldição da lei, os crentes em Cristo passaram a ter o direito legal perante Deus de
reivindicar por meio da confissão positiva a prosperidade material e física. Contudo, como lidar
com a situação daqueles que mesmos crentes em Cristos continuam pobres e doentes? “As
bênçãos não são alcançadas pela inabilidade do fiel em confessá-las, por sua falta de fé, pelo
cometimento de pecados ou por sua escravidão por Satanás” (MARIANO, 2012, p.155). A
culpa de toda a pobreza e miséria, quer material, quer física, recai completamente sobre o fiel,
pois Cristo fez sua parte e a igreja fez sua parte, se a bênção não foi alcançada, é culpa da pouca
fé do crente. Os teólogos da prosperidade afirmam: “que só não é próspero financeiramente,
saudável e feliz nesta vida quem carece de fé, não cumpre o que diz a Bíblia a respeito das
promessas divinas e está envolvido, direta ou indiretamente, com o Diabo” (MARIANO, 2012,
p.157).
Assim o fato do não cumprimento dos preceitos divinos sempre vêm associados aos
dízimos e ofertas. Portanto o de fato existe é uma troca racional com Deus, onde o crente compra
sua prosperidade material e física (BARBIERI, 2007).
A importância da autoridade profética é crucial para legitimar e simbolizar na
pessoa do líder, pastor, bispo ou pregador, aquele que detém o poder para realizar os milagres,
sejam financeiros, de curas físicas ou psicológicas. “O relato da ocorrência desses sinais, para
os seus seguidores, qualifica os líderes religiosos a transformar a realidade através da ação do
sobrenatural” (BARBIERI, 2007, p.47). Aqui está a base para a construção simbólica do líder
espiritual.
Assim, esses líderes tornam-se aptos para serem seguidos, pois receberam
diretamente de Deus a capacidade para operar na terra de forma sobrenatural, curando
enfermos, exorcizando, fazendo milagres e maravilhas (SILVEIRA, 2007). Aqui temos outra
inversão de valores; enquanto nas igrejas históricas a única autoridade está no texto da Bíblia,
28
nas igrejas neopentecostais a autoridade está no líder, aquele que detém o poder profético, que
é “inquestionável”.
No que diz respeito à última característica da Teologia da Prosperidade, a saúde
física, podemos dizer que é um pilar dentro dessa doutrina. Anteriormente essa doutrina era
dissociada da cura divina, ou seja, o neopentecostalismo adotou a o critério da saúde do corpo
como um princípio da prosperidade. Anteriormente o milagre era visto como dádiva de Deus,
que opera por meio da fé. Com as igrejas neopentecostais, a cura divina está intimamente ligada
à prosperidade do homem. Não tem como falar de prosperidade sem falar de saúde.
Os pregadores da prosperidade garantem que a expiação de Cristo foi suficiente
para sanar todos os males físicos dos que creem nele. Portanto, para a teologia neopentecostal
é inadmissível que crentes permaneçam enfermos, pois não estão alcançando as bênçãos de
Deus (BARBIERI, 2007).
A Teologia da Prosperidade apresenta-se no cristianismo como “uma forma de
magia em que Deus pode ser coagido, bajulado, manipulado, controlado e explorado em favor
dos objetivos do cristão” (MARKARTHUR, 1992, p.353). Então, se o crente é fiel e obediente,
pagando seus dízimos e ofertas corretamente, ele passa a ter o direito de exigir de Deus que seja
saudável.
A cura divina sempre acompanhou o movimento pentecostal desde suas origens, o
que tem mudado ao longo do tempo são as ênfases dadas. Como é o caso da igreja Mundial do
Poder de Deus, onde Waldemiro Santiago17 deu nova ênfase a essa doutrina pentecostal. Ele
aborda o tema mostrando que nessa igreja a doutrina da cura divina foi substituída pela Teologia
da Prosperidade (BITUN, 2007). Porém, em nosso entendimento, percebemos que na verdade
a doutrina da cura divina foi incorporada à da prosperidade, pois a prosperidade, segundo as
igrejas desse movimento, abrange a questão financeira, da saúde física e psicológica.
3.2 A DOUTRINA DISPENSACIONALISTA
A busca de conferir significado e sentido ao mundo é constante na existência
humana. O rápido processo de transformação simbólico social patrocinado pelo advento das
inovações tecnológicas produziram alterações nos quadros de referência da experiência
17
É o fundador da Igreja Mundial do Poder de Deus depois de ter trabalhado por longos anos em parceria com
Edir Macedo e R.R. Soares na Igreja Universal.
29
religiosa (SIEPIERSK, 2001). Essas transformações interferiram diretamente na dinâmica das
igrejas pentecostais, o que resultou em um novo pentecostalismo.
Frente a essas mudanças “o homem exposto a um acelerado processo de
transformação social [...] encontra enormes dificuldades em conferir sentido à sua existência”
(SIEPIERSK, 2001 p.187). Frente a essa fragmentação que se apresenta incapaz de produzir
sentido e a dependência do homem dos sistemas simbólicos, a igreja em célula – MIR apresentase nesse campo neopentecostal com novas assimilações simbólicas da cultura judaica que vão
oferecer novas propostas de sentido ao mundo.
Sobre o movimento neopentecostal e sua capacidade de reinventar, percebemos que
“com as rápidas transformações sociais em curso, os sistemas simbólicos por assim dizer “se
desatualizaram” e o discurso neopentecostal mostrou enorme capacidade para recuperar sua
própria contemporaneidade” (SIEPIERSK, 2001, p.193).
O MIR adotou um sistema de igreja em células com estratégias empresariais de
administração e marketing recompensando quem apresenta resultados e punindo os que não
apresentam. Além disso, apresentou novas propostas de sentido ao mundo e usou de forma
inédita “todos os recursos da racionalidade moderna com uma visão específica do sagrado”
(SIEPIERSK, 2001, p.188), resultando nessa judaização da igreja pentecostal.
Mesmo em uma sociedade secularizada, existe espaço para a religião. Pois quando
se apresentam questões como o significado da existência humana, a “vida e a morte, da fortuna
e do infortúnio, do bem e do mal, da sanidade e da enfermidade, da ascensão e da decadência”
(SIEPIERSK, 2001, p.193), a ciência não traz respostas que produzam significados satisfatórios
para grande parcela da sociedade. Nesse sentido “o discurso religioso possa contar com um
espaço privilegiado” (SIEPIERSK, 2001, p.193). E foi nessa lacuna que a igreja do MIR adotou
novos símbolos e agregou novos significados aos já existentes, incorporando em sua prática
religiosas inúmeros rituais do judaísmo.
A ciência moderna, com seu discurso triunfalista, inibiu e reprimiu a religião como
algo obscurantista, mas, nos momentos de angústia frente à ameaça do colapso de
sentido, o homem ainda recorre a esse estoque simbólico construído ao longo de toda
a história da humanidade. [...] é essa mesma função da religião enquanto sistema
cultural. E essa leve camada de significações construída pela sociedade moderna, com
seus valores laicos e sua crença no poder do pensamento racional, não consegue se
sustentar ilesa diante da erupção de símbolos com tremenda carga de significações”
(SIEPIERSK, 2001 p. 192).
Essa nova versão do sagrado proposta pelo MIR não vai se despir completamente
de seu vínculo protestante, ao contrário, vai caminhar por duas vertentes de afirmação: projeta-
30
se como recuperação e reafirmação dessa tradição religiosa protestante e se coloca como
guardiã dos princípios divinos. O MIR “se insere no campo protestante e busca aí sua
legitimidade na medida em que suas formulações simbólicas são feitas a partir de um referencial
comum que são as Escrituras Sagradas” (SIEPIERSK, 2001, p.194). E como veremos, as
lideranças das igrejas em células afirmam todo tempo que estão voltando à origem dos
ensinamentos de Cristo, o que seria justamente esse ponto comum que trata Siepiersk.
A Igreja em Células do MIR nasce em um contexto neopentecostal reinterpretando
os textos bíblicos que se constituem como um estoque simbólico, sujeito às mais variadas
interpretações. A Igreja do MIR propõe através das Festas Bíblicas novas formulações
simbólicas assimiladas a partir da tradição judaica, que vão dar novos sentidos ao mundo e
produzir novas representações e significações da realidade.
Podemos afirmar que o MIR dentro desse rearranjo do campo neopentecostal
“constrói o sistema de crença e práticas religiosas como a expressão mais ou menos
transfigurada das estratégias dos diferentes grupos de especialistas em competição pelo
monopólio da gestão dos bens de salvação” (BOURDIEU, 1998, p.32).
Analisando essa disputa pelo monopólio dentro do movimento neopentecostal,
afirma que “nessa situação de concorrência, as outras igrejas, para não perderem adeptos, se
veem obrigadas a reelaborarem seus próprios discursos” (SIEPIERSK, 2001, p.197). A inserção
das práticas judaica nas igrejas neopentecostais, nos mostra que “é cada vez mais comum à
apropriação de símbolos, rituais e trechos da liturgia judaica” (TOPEL, 2011, p. 36). Vemos
isso de maneira clara no MIR, em relação às Festas Bíblicas, quando analisamos as assimilações
da prática judaica juntamente com suas representações simbólicas reelaboradas para o contexto
brasileiro.
A questão que nos propomos a discutir agora é compreender como as práticas e
símbolos que compõem as Festas Bíblicas foram assimilados pela igreja do MIR.
Um primeiro aspecto que nos chama à atenção sobre a aproximação das igrejas
neopentecostais ao judaísmo, é a releitura do Antigo Testamento (TOPEL, 2011). A releitura
do Antigo Testamento pelos líderes carismáticos do neopentecostalismo, como é o caso de
Terra Nova, conduziria quase que de forma “natural” às práticas do judaísmo com novas
significações e assimilações das Festas Bíblicas. As mudanças precisavam criar, ou reelaborar,
um novo sentido ao mundo e apresentar novas perspectivas para o cristianismo pentecostal. As
Festas da tradição judaica se enquadram de modo singular não apenas por seu caráter inovador,
mas por alinhar-se ao discurso de volta às “origens bíblicas” proposto por Terra Nova.
31
O movimento protestante desde sua origem apresentou-se como oposição ao
catolicismo e às suas práticas religiosas. O movimento neopentecostal, como herdeiro dessa
disputa, também faz oposição e proscrição às imagens e símbolos católicos que, de modo geral,
são vistos como profanos ou elementos de idolatria. Os templos católicos são bem decorados,
cheios de imagens e símbolos carregados de significações. Já as igrejas neopentecostais, que
abominam qualquer forma de idolatria, seriam igrejas praticamente desprovidas de ornamentos,
se não fossem encontrar no “judaísmo uma fonte de inspiração supostamente legítima para criar
rituais e recriar símbolos que dificilmente possam ser rotulados como manifestações de
idolatria” (TOPEL, 2011, p.39). São sete as Festas Bíblicas, uma em cada época específica do
ano e com uma representação diferente, possibilitando que em dias festivos a igreja esteja
ornamentada e decorada com as representações específicas de cada festa, gerando profundo
deslumbramento aos espectadores.
Essas explicações não são suficientes para dar conta de toda a complexidade que
consiste em compreender essas assimilações judaicas na igreja do MIR. Porém, existe uma
explicação de cunho teológico que possibilita novas interpretações desse contexto: há uma
perspectiva que “se relaciona diretamente com o fator milenarista inerente ao
neopentecostalismo, cujas raízes se encontram no messianismo judaico” (TOPEL, 2011, p.39),
a qual trataremos mais detalhadamente.
A doutrina escatologia, que trata dos últimos momentos da humanidade que
culminarão com o retorno de Cristo para governar o caos da Terra, apresenta-se como uma das
principais doutrinas do pentecostalismo, variando, como de praxe, apenas sua interpretação. O
fato é que se constitui como uma doutrina central da igreja do MIR e de fundamental
importância para a aproximação com o judaísmo. Podemos propor que o fator “milenarista18
inerente ao neopentecostalismo, cujas raízes se encontram no messianismo judaico” (TOPEL,
2011, p.39), contribuiu de forma contundente para que a visão da igreja evangélica referente ao
povo judeu e ao Estado de Israel se tronasse quase comum no sentido de interpretação da Bíblia
e práticas judaicas. A escatologia cristã fica assim definida em linhas gerais: Jesus Cristo foi
enviado por Deus para ser o messias do povo judeu, o libertador e salvador; como os seus não
o receberam e Ele foi entregue aos romanos para ser crucificado, voltará no fim dos tempos
para iniciar uma nova era, governará por mil anos (TOPEL, 2011).
Ao longo da história, diferentes representantes da Igreja Católica e do protestantismo
em suas múltiplas versões tentaram definir como seria a volta de Jesus. Essas visões
18
O milenarismo se constitui como uma doutrina de interpretação bíblica, que afirma que Cristo retornará a
Terra, na sua segunda vinda, e estabelecerá o seu reino em Jerusalém juntamente com judeus e cristãos.
32
escatológicas divergentes influenciaram de modo considerável a relação dos cristãos
com o os judeus, ora mais tolerantes, ora mais agressivas (TOPEL, 2011, p.39).
Na história da igreja sempre houve diversas e divergentes interpretações da Bíblia,
e não seria diferente no caso das doutrinas escatológicas. O ponto em comum entre elas é o fato
de que Cristo virá em uma segunda vez para governar a Terra por mil anos. Agora, como essa
vinda ocorrerá são múltiplas as interpretações. O que importa para nossa análise é que apesar
de interpretações divergentes, elas serviram para influenciar a relação dos cristãos e judeus.
Essas relações se constituem de tal modo consideráveis que vemos práticas da religiosidade
judaica nas igrejas neopentecostais e centenas de peregrinos que vão a Jerusalém em busca de
conhecerem a cidade de Deus, onde Cristo governará a Terra.
O dispensacionalismo surge nas primeiras décadas do século XIX como uma das
mais variadas interpretações escatológicas sobre a segunda vinda de Cristo e o fim dos tempos.
O dispensacionalismo parte da premissa que, do mesmo modo que a primeira vinda
de Jesus teve como objetivo salvar o povo judeu, sua volta terá a mesma função. Mais
precisamente: na segunda vinda, Jesus se manifestará em Jerusalém e dessa cidade
iniciará seu reinado messiânico” (TOPEL, 2011, p.39-40).
A partir dessa compreensão doutrinaria o pensamento de cristãos evangélicos
começa a alinhar-se à ideia de o povo judeu ser o povo escolhido por Deus e Jerusalém, a Cidade
de Deus ou do Grande Rei, como é chamada pelos adeptos da Visão em Células.
Em um artigo publicado na revista Geração Celular, Wellington Galdino, que é líder
do MIR em Santarém – PA, mostra o quanto a cidade de Jerusalém em Israel é importante para
Deus e salienta que de igual modo essa cidade dever ser para todos aqueles que acreditam no
retorno de Cristo. Nesse artigo Galdino cita várias passagens bíblicas mostrando o quanto a
cidade de Jerusalém é importante para Deus e como foram feitas inúmeras promessas divinas
para ela. Assim não podemos ser indiferentes para com essa cidade, temos que amá-la, e cita
uma referência bíblica do Livro de Salmos 12219.
A promessa do Salmo 122 é para quem amar Jerusalém! E simplesmente não dá para
amar sem demonstrações! Ou seja, sobre Jerusalém, já é um grande passo reconhecer
o seu lugar profético e sua posição dentro da revelação e a sua importância dentro do
processo de entendimento do Reino de Deus (GALDINO, 2009, p.20).
19
GALDINO, Wellington. Revista Geração Celular, Jerusalém é importante para Deus. In: O modelo dos 12 e a
promessa da Conquista. Ano 04. Edição 20, junho de 2009, p.20.
33
Um dos aspectos bastante frisados na Visão de Igreja em Células é essa questão de
amar Jerusalém, a Cidade do Grande Rei. A contribuição da doutrina dispensacionalista foi
fundamental para essa aproximação com Jerusalém e não mais com Roma, que, por sua vez,
assimilou vários elementos do judaísmo, incluindo as Festas bíblicas que serão aqui abordadas.
O dispensacionalismo, cujo componente milenarista é primordial, baseia-se numa
hermenêutica bíblica particular que divide o tempo em diferentes eras (ou
dispensações) nas quais Deus se relaciona com os humanos através de alianças
singulares, a exemplo da aliança feita com Abraão, com Moisés, com a Igreja e, por
último, com o sionismo. Esta visão se relaciona diretamente com o conceito de
revelação progressiva. Por sua vez, os dispensacionalistas partem da premissa de que,
embora a nação de Israel se diferencie da Igreja, esta distinção não é mutuamente
exclusiva. Assim, Deus cumprirá as promessas feitas aos israelitas; entre elas, o
restabelecimento do reinado davídico em Jerusalém, lugar do qual Cristo governará o
mundo (TOPEL, 2011, p.41).
O dispensacionalismo20 vê a história da igreja de forma linear, dividida em eras ou
dispensações, em que existem as mais variadas interpretações sobre essas eras. Mas o que
importa para nós é que a última dispensação é a restauração de Jerusalém e do governo de Cristo
na Terra, pois, com base nesse argumento, foram assimiladas muitas práticas, símbolos e
costumes do povo judeu, práticas estas que foram chamadas por seus opositores como práticas
judaizantes da igreja.
É claro que toda novidade apresentada no campo religioso gera aceitação, mas
também contestação, e não deixaram de existir aqueles que se opuseram ferrenhamente às
práticas “judaizantes”, adotadas pelo MIR, e os demais representantes do movimento
neopentecostal. Essa oposição destaca-se:
[...] principalmente em sites nos quais aparecem prédicas de pastores de diversas
igrejas evangélicas e em inúmeros blogs da internet, é muito fácil encontrar com
críticas ao processo de “judaização” observado nas religiões evangélicas do Brasil e
as referências são recorrentes: a guarda do sábado como dia de descanso, a celebração
da Páscoa judaica e da Festa dos Tabernáculos (TOPEL, 2011, p.42).
Os sites que se apresentam como oposição a esse movimento de apropriação de
símbolos, que reúne vários elementos do judaísmo e do cristianismo, são majoritariamente de
20
É uma doutrina teológica e escatológica cristã que afirma que a segunda vinda de Jesus Cristo será um
acontecimento no mundo físico, envolvendo o arrebatamento e um período de sete anos de tribulação, após o qual
ocorrerá a batalha do Armagedon e o estabelecimento do reino de Deus na Terra. A palavra "dispensação" derivase de um termo latino que significa "administração" ou "gerência", e se refere ao método divino de lidar com a
humanidade
e
de
administrar
a
verdade
em
diferentes
períodos
de
tempo.
<http://gospelbrasil.topicboard.net/t4014-o-dispensacionalismo>. Acessado em 04/08/2014.
34
igrejas da primeira onda do pentecostalismo ou de igrejas protestantes tradicionais, que como
vimos no capítulo anterior prezam por um sectarismo da igreja de Cristo.
Em um artigo publicado no site21 da Igreja Cristã Evangélica de Brasília por Luiz
César de Araújo, traz várias considerações sobre o “risco” do que ele chama de judaização da
igreja. Ele mostra vários textos da Bíblia que interpreta serem ensinos heréticos, esse retorno
às práticas judaicas, e afirma que Deus mandou o povo de Israel celebrar as Festas dos
Tabernáculos e da Páscoa e não os novos convertidos ao evangelho de Cristo, que não eram
judeus ou descendentes de Abraão.
A contribuição da doutrina dispensacionalista como fundamentação e justificação
para as práticas judaicas na igreja do MIR é primordial, além de tornar os elementos das práticas
judaicas centrais nas suas liturgias, como é o caso das Festas Bíblicas.
Os meios de assimilação dessas práticas se originam das mais variadas fontes.
Desde a peregrinação com lideranças das igrejas em células para Israel, onde recebem
ministrações, aprendem sobre a cultura judaica e participam das celebrações das festas bíblicas
em Israel, até consulta de sites de igrejas messiânicas, sinagogas judaicas e material impresso,
como livros e jornais de divulgação das igrejas em células.
O livro de Ivan Barcellos Assumpção e Sérgio Paulo M. Vasconcellos Resgatando
as Raízes Hebraicas da Igreja de Jesus, o Cristo22, onde os autores trabalham o ponto principal
das Festas Bíblicas, tornou-se um livro de referência para os representantes do MIR de Boa
Vista, pois, é um livro usado na escola de formação da liderança da igreja. Primeiramente,
trazem a ideia de volta às origens, como já discutimos a importância dessa lógica para as igrejas
neopentecostais. E segundo, explicam como deve ser celebrada cada Festa Bíblica juntamente
com seu significado “espiritual” e dos elementos simbólicos de cada festa.
Na introdução do livro os autores mostram que esse entendimento de celebrar as
Festas Bíblicas é um mistério de Deus não para os judeus, mas especialmente para os cristãos,
que necessitam apreender com os “irmãos” judeus.
Dirigimos este livro prioritariamente para os cristãos, [...] que querem caminhar para
a maturidade, aumentar o seu nível de compromisso pessoal e coletivo com a palavra
de Deus, [...] estreitar os seus laços de intimidade, através do esclarecimento das
revelações dos mistérios do Senhor. Nosso foco se concentra naqueles cristãos que
21
<http://www.icebrasilia.org.br/estudos.php?co_estudo=64> Acessado em 25/07/2014
ASSUMPÇÃO, Ivan Barcellos; VASCONCELLOS, Sérgio Paulo M. de. Resgatando as Raízes Hebraicas da
Igreja de Jesus, o Cristo: entenda como celebrar as festas de Israel. Brasília: Editora Koinonia, 1997, 182p.
22
35
querem sair da “mesmice”, que desejam aprender verdades bíblicas com nossos
irmãos judeus que as preservaram. (1997).
Assumpção e Vasconcellos vão apresentar um discurso novo: as verdades bíblicas
devem ser aprendidas com os judeus. As práticas da religião judaica, juntamente com as Festas
Bíblicas, passam a ser assimiladas como verdade divina e o entendimento do seu significado
passa a ser primordial para a vida cristã na igreja do MIR. Os autores mostram que o plano
redentor de Deus é o resgate de nossas raízes hebraicas, pois todos que aceitam Cristo passam
a ser incluídos nesse plano juntamente com o povo judeu (1997, p.165-166).
Um dos primeiros elementos apresentados pelos autores que fazem parte desse
plano consiste em entender o significado das Festas do Senhor. As festas são carregadas de
simbolismos e representações e cada uma delas em um mês específico do ano. As festas são: a
Páscoa, os Pães Asmos, as Primícias dos Frutos, o Pentecoste, as Trombetas, a Expiação e por
fim, a festa dos Tabernáculos. Portanto, a partir do momento em que celebro as festas do
Senhor, passo a fazer parte do plano dele de forma integral (1997).
Em uma declaração à revista Geração Celular23, de Gilvan Santos, que também é
discípulo de Terra Nova, fala de sua experiência de ter ido a Sião, região localizada no Estado
de Israel, mais especificamente na região de Jerusalém, pela primeira vez, onde se converteu à
religião evangélica e compreendeu o quanto foi privilegiado por ser incluído nos planos de Deus
juntamente com os judeus.
Com base nessa perspectiva, foi fundada na década de 1980 a Embaixada Cristã
Internacional de Jerusalém – ICEJ, tornando-se um movimento de contribuição ao movimento
sionista, de retorno dos judeus a Sião e também de cunho cristão com todos aqueles, assim
como o MIR, que compartilham desse interesse. A ICJE no Brasil foi fundada em 2012, com
sede em Manaus e representada por Terra Nova. Cito aqui a criação da ICJE, pois ela mostra
esse esforço de integração dos cristãos com os israelenses e a dimensão desse projeto, que
coloca sobre os ombros da igreja a responsabilidade de contribuir para o retorno dos judeus à
sua terra de “origem” ou à terra prometida.
Nas palavras de Rubens Melo, diretor executivo da ICEJ no Brasil, percebemos
essas inclinações:
A partir da nossa sede em Jerusalém e através das nossas delegações e representantes
em mais de 80 nações, nós procuramos desafiar a igreja a assumir suas
responsabilidades bíblicas para com o povo judeu, lembrando Israel das maravilhosas
23
Revista Geração celular. Fui honrado por Deus para levar seus filhos a Sião. Gilvan Santos. Ano 04. Edição 19,
abril de 2009.
36
promessas que foram feitas na palavra de Deus. Procuramos, também, ser uma fonte
de assistência social prática para todo o povo na terra de Israel 24.
Além de levantar fundos para ajudar os assentamentos israelenses na Palestina, a
ICEJ trabalha na promoção de caravanas para conhecer a “Terra Santa” e participar da Festa
dos Tabernáculos, que ocorre todos os anos.
A igreja do MIR de Boa Vista de igual modo tem sua sede da ICEJ, que fica nas
dependências da própria igreja. Esta, por sua vez, também trabalha com os objetivos de
arrecadar fundos para as obras sociais em Israel e levar caravanas para a Festa dos
Tabernáculos. O MIR de Boa Vista também celebra Tabernáculos, geralmente no mês de
novembro, após a festa em Israel.
Em suma, podemos perceber como as práticas e símbolos judaicos foram
assimilados pela igreja do MIR a partir da doutrina dispensacionalista e estudamos o
funcionamento das células e as estratégias de proselitismo da igreja. A partir de agora,
analisaremos especificamente a prática da Festa dos Tabernáculos e dos símbolos assimilados
a partir do judaísmo e como eles passaram a refletir um novo sentido de mundo.
24
Revista Geração Celular. Uma palavra de Jerusalém. Rubens Melo. Ano 06. Edição 25, abril de 2011.
37
4. A IGREJA EM CÉLULAS DO MIR-RR E A FESTA DOS TABERNÁCULOS
As igrejas neopentecostais são notadamente diferentes de suas antecessoras. Vimos
no capítulo anterior algumas características que as diferenciam das igrejas da primeira e da
segunda ondas. Neste capítulo analisaremos como o MIR apresenta as Festas Bíblicas como um
novo produto no mercado religioso brasileiro, tornando-a diferenciada das demais igrejas
neopentecostais, por apresentar essa nova proposta de sentido de mundo a partir do judaísmo e
suas práticas. Estudaremos o processo de formação das igrejas da visão celular no Brasil e suas
propostas de proselitismo. Por fim, analisaremos a Festa dos Tabernáculos como um novo
elemento no campo religioso e como se dão suas práticas e representações no contexto religioso.
A igreja do MIR constitui-se no Brasil com uma proposta pautada na nova onda do
neopentecostalismo, apresentando outra característica chamada de Visão Celular ou Igrejas em
Células.
Andrade analisa a questão mostrando que a igreja em células não constitui uma
peculiaridade do MIR, mas que esse “modelo de igrejas em células tornou-se muito comum em
fins do século XX” (2010, p.58). Mesmo que outras igrejas utilizassem o modelo de células,
fica claro na análise da autora quem são os principais responsáveis por sua divulgação quando
cita:
No Brasil, o modelo desenvolvido pelo pastor colombiano César Castellano chegou
em 1998 através de dois pastores, a ex-pastora batista Valnice Milhomens e o pastor
batista e baiano, Renê de Araujo Terra Nova. Milhomens fundou a Igreja Nacional do
Senhor Jesus Cristo, contando apenas com quatro membros. Posteriormente o nome
foi mudado para Igreja Mundial do Senhor Jesus Cristo, com sede em São Paulo.
Tomou conhecimento do modelo colombiano em meados de 1998, resolvendo adotálo. Desde então, tornou-se uma forte divulgadora da Visão no G12 25, traduzindo os
livros de Castellanos e lançando outros de sua autoria, através de sua editora, a Palavra
da Fé Produções. A pastora tornou sua igreja uma extensão da MIC e foi escolhida
uma das doze internacionais de Castellano, na função de promover a visão no Brasil.
em 2004, a igreja Mundial possuía sessenta congregações em todo o país, além de
filiais em Portugal, Moçambique, Suíça e Japão (2010, p.63).
O modelo de igreja em células apresenta-se promissor para o movimento
neopentecostal, trazendo em seu bojo doutrinário várias propostas “inovadoras”, que possuem
como um dos principais objetivos o crescimento numérico dos seus membros.
25
O G12 que significa grupo dos 12, faz referência aos doze discípulos de Cristo. A diferença para a igreja do MIR
é somente uma questão de nomenclatura, pois devido ao rompimento que houve entre Terra Nova e Castellanos a
nomenclatura G12 foi substituída por M12, que significa modelo dos 12.
38
Terra Nova toma conhecimento da Visão Celular em 1998, quando participa de um
encontro em Bogotá que reunia vários líderes do mundo com interesse em conhecer o novo
modelo de gestão de igrejas. A partir desse encontro, ele vo’lta determinado a implantar esse
modelo no Brasil juntamente com Milhomens26. Terra Nova liderava uma igreja em ManausAM chamada Igreja Batista Memorial de Manaus, que passou a ser chamada de Ministério
Internacional da Restauração – MIR após seu retorno da conferência de Bogotá.
Com essa nova proposta de igreja realizou vários congressos pelo Brasil
envolvendo outras igrejas que tinham interesse em conhecer esse modelo de crescimento. Como
era um líder de formação batista, conseguiu muitos adeptos entre as comunidades batistas.
Aliou-se nessa empreitada com Valnice Milhomens que passaram a traduzir e
vender livros de Castellanos, fundador do modelo de células em Bogotá. Além das traduções,
passaram escrever livros divulgando suas próprias concepções de igreja em células. Isso
sinaliza para um futuro rompimento com a igreja de Castellanos27 e a uma nova proposta de
igreja em células para o Brasil.
Quanto a este trabalho desenvolvido por Terra Nova de divulgação da Visão28 de
Igreja em Células, vemos que
... destacou-se por conseguir em poucos anos divulgar a Visão em vários estados,
formando uma extensa rede de igrejas e lideranças na Visão, ligados e sob a
“cobertura” do MIR. Sua comunidade saltou de 169 membros em 1992 para 70.000
em 2005, possuindo neste ano mais de 12 mil células. O MIR construiu um mega
templo em Manaus com capacidade para 7.5 mil pessoas em cultos normais, mas que
pode ser adaptado para 12.5 mil pessoas em dias de celebração de festas. Com este
feito foi considera a maior igreja em células no G12 no Brasil (2010, p.65).
Um artigo publicado na revista Veja de 2004 define esse modelo de crescimento
evangélico como um fenômeno, devido ao seu grande crescimento desde o surgimento da Igreja
Universal29. Vemos que em um período de 5 a 7 anos de implantação, as igrejas em células
apresentaram-se no cenário nacional com grande representatividade, chegando ao ponto de
serem comparadas, no critério crescimento, a igrejas como a Universal.
Fundadora da Igreja Nacional do Senhor Jesus Cristo – INSEJEC. Igreja que também adota o modelo de
células. Disponível em: < http://www.insejec.com.br/sobre-valnice/> Acessado em 05/10/2014.
27
Cesar Castellanos possui uma igreja em Bogotá na Colômbia, sendo considerado o primeiro idealizador do
modelo de igrejas em células na América Latina.
28
O modelo de Igrejas em Células era conhecido como Visão Celular. No livro Sonha e Ganharás o Mundo, de
Castellanos, traduzido para o português por Valnice Milhomens, ele mostra como Deus lhe revelou esse modelo
de igreja em células, que foi crucial para tirar da crise sua igreja, que não ultrapassava o limite de 200 membros.
(CASTELLANOS, César. Sonha e ganharás o mundo. São Paulo: Palavra de Fé
Produções, 1999).
29
“Em nome do marketing: Igreja evangélica organizada como franquia torna-se o maior fenômeno desde o
surgimento da Universal do Reino de Deus”. Edição 1873.
26
39
No contexto nacional de implantação desse modelo, ou como chamou o artigo da
Veja, essa franquia, novos elementos que diferenciam o modelo brasileiro do colombiano foram
introduzidos no campo religioso. Terra Nova acrescentou novos elementos “com ênfase nos
símbolos, festas e costumes de Israel, e a promoção de atos proféticos” (ANDRADE, 2010,
p.65). Propomo-nos a analisar as características doutrinárias adotadas por Terra Nova e as
práticas judaizantes que se apresentaram como principais características que a diferenciaram do
modelo colombiano.
Para compreendermos a assimilação desses novos elementos culturais e religiosos
do judaísmo temos que entender como funciona a igreja em células e como ela estrutura-se no
campo religioso neopentecostal brasileiro.
Vimos que as igrejas em células têm como principal foco o proselitismo visando a
um crescimento espetacular do número de fiéis. O modelo vê o fiel como um discípulo que, por
sua vez deve trabalhar para o crescimento numérico da igreja (Andrade, 2010). Para justificar
suas práticas “judaizantes” como ferramenta proselitista criou-se um discurso de voltar às
“origens” dos ensinamentos bíblicos (RODRIGUES, 2007).
A igreja em células instituída por Terra Nova – MIR que apropriando-se do discurso
de voltar às origens diz:
A Visão Celular no Modelo dos 12 é inegociável. É o modelo ensinado por Jesus.
Portanto, ser 12 e ter os 12 é uma questão de autoridade, de seguir os passos do Mestre.
Por isso, como líderes, precisamos trabalhar para formar as equipes de 12 e crescer
extraordinariamente (2009, p.15).
Segundo ele, a Visão Celular tem essa legitimidade, pois foi o modelo ensinado por
Cristo e consiste no método a ser seguido e adotado pelas demais igrejas no Brasil. Cada pastor
ou líder de igreja deve ter os seus doze discípulos e cada um dos seus doze deve de igual modo
possuir os seus doze, isso sempre em uma escala crescente.
O próprio conceito de célula que é adotado pelo MIR realça esse modelo
proselitista, pois o conceito de células adotado pela Visão Celular é um conceito que vem das
ciências biológicas, ou seja, uma célula tem capacidade de se multiplicar, gerando outras células
que assim vão formar os órgãos e por sua vez o corpo como organismo vivo, de igual modo, as
células de discípulos vão se multiplicar e formar o corpo de Cristo que é a igreja.
40
Em uma entrevista concedida à revista Geração Celular30, Anselmo Vasconcelos31
explicita como os doze são o método do governo de Deus:
Jesus conquistou multidões e, debaixo da direção do Pai, escolheu os Doze Discípulos
sobre os quais estabeleceria as bases de sua igreja. [...] Nos dias atuais, quando o
Espírito Santo de Deus está resgatando as práticas e os ensinos de Jesus que nós temos
chamado de Visão, muitos discípulos não têm entendido a base estabelecida por Jesus
para o Modelo do Governo de Deus (2009, p.18).
Nessa citação de Vasconcelos podemos perceber como sua fala se alinha ao de
Terra Nova, quando afirma que a igreja em células está resgatando as práticas do ensino de
Cristo e assim mostrando a originalidade da Visão. É interessante percebermos que a Visão
consiste justamente nisso: voltar às práticas do ensino de Cristo.
Em um artigo 32 intitulado Os testes no caráter dos 12, Leonete Cunha inicia
dizendo: “Não temos dúvidas de que a Visão Celular é o resgate da Igreja Primitiva” (2009,
p.21). Mais uma vez torna-se inquestionável que a igreja em células busca essa originalidade
da tradição cristã. Toda essa busca de legitimação consiste em consolidar a aceitação das demais
igrejas que não adotaram o modelo de igreja em células e assim estarem seguros de que os seus
produtos evangélicos e bens simbólicos serão aceitos, ampliando, dessa forma, o seu espaço no
mercado religioso. Portanto, nesse contexto o MIR apresenta-se como produtor e fornecedor
desses novos bens simbólicos propostos pela Visão Celular.
4.1 O CONCEITO DE CÉLULA NA VISÃO DO MODELO DOS DOZE
Uma célula ou grupo de discípulos com um líder são formados por no mínimo três
pessoas e um líder. “A célula inicia-se com três componentes: o líder, que irá coordená-la; um
auxiliar, assistente; e o anfitrião, que oferece a casa” (ANDRADE, 2010, p.94). Esse grupo
reúne-se semanalmente e a reunião consiste em:
A reunião de célula deve ser direcionada, leve, tranquilo, de uma hora, para não
estressar os participantes, os visitantes, os vizinhos da redondeza. Em uma hora o líder
de célula deve desenvolver toda a programação: orar, louvar, ministrar a Palavra, ter
um tempo rápido de testemunho, recolher a oferta da célula e fazer a oração final para
que todos voltem contentes para suas casas (TERRA NOVA, 2009, p.32).
30
Doze: o método de governo de Deus. Ano 4, edição 20, junho de 2009.
Anselmo Vasconcelos é denominado Apóstolo pelos integrantes do MIR e é um dos doze de Renê Terra Nova.
32
Revista Geração Celular. Ano 4. Edição 20, junho de 2009.
31
41
As reuniões de células substituem os tradicionais cultos domésticos 33 . “Os
protestantes sempre cultivaram o hábito de se reunir em casas, principalmente em famílias
evangélicas” (ANDRADE, 2010, p.92). Essas reuniões serviam para leitura bíblica, orações e
também eram estratégias proselitistas. O diferencial da Visão quanto a essas reuniões semanais
é que passaram a ser um programa da igreja e que todos os esforços devem girar em torno disso.
A igreja foi organizada de modo a se adequar às células. (CASTELLANOS, 2000). “A estrutura
eclesiástica da igreja é transformada para comportar o sistema de células e a quantidade de
membros que dela virão, [...] garantindo a explosão numérica da membrezia” (ANDRADE,
2010, p.92).
A primeira diferença citada do modelo de reunião doméstica tradicional é que na
“Visão há uma ênfase na formação ou capacitação dos que vão abrir e gerenciar uma célula”
(ANDRADE, 2010, p.93). Essa capacitação acontece através da “escola de líderes”, com
duração de seis meses, cujo objetivo final é a constituição de uma célula, ou seja, cada formando
ao término do curso deverá estar liderando sua célula.
Outro aspecto é a sistematização dos trabalhos dentro da célula. As reuniões são
semanais, em um mesmo dia e horário e como vimos seguem os mesmos padrões de um culto
formal na igreja, só que de forma reduzidas e são mais íntimas com os participantes. “O objetivo
na célula é fazer uma espécie de resumo de um culto habitual, de forma mais estratégica, [...]
num ambiente aconchegante, [...] de maneira que facilite o desenvolvimento e relacionamento
dos membros” (ANDRADE, 2010, p.94).
O objetivo de cada líder de célula é formar os seus doze discípulos. E nesse processo
de gestão de células cada pessoa que se torna líder terá que prestar contas com outro líder. “A
estrutura hierárquica do G12 (ou Modelo dos 12) age em função do gerenciamento e do
crescimento das células na igreja” (ANDRADE, 2010, p.95). A igreja em célula consegue
envolver todos os seus participantes no trabalho de crescimento quantitativo, “todos são
induzidos a entrar no sistema de controle e expansão” (ANDRADE, 2010, p.95). As pessoas
que vão se “convertendo” nas células são incentivadas a galgar a “Escada de Sucesso”34, que
33
O culto doméstico sempre foi um hábito entre os protestantes. Estes cultos previam a confraternização, a leitura
da Bíblia, cultos de ação de graças e comemorações entre os irmãos (ANDRADE, 2010).
34
A Escada de Sucesso é uma escala evolutiva dentro da Visão Celular dividida em quatro degraus. O primeiro
degrau é o ganhar, que consiste na forma de proselitismo. Todos os eventos e inclusive as células têm o propósito
de “ganhar vidas” (novos crentes). O segundo degrau é o consolidar, no qual o novo crente vai para o encontro
com Deus, um retiro espiritual de três dias, recebendo ensinamentos e doutrinamentos da Visão. O terceiro degrau
é o discipulado, em que esse novo crente após passar pelo encontro será encaminhado à Escola de Líderes para se
tornar um líder de células. E por fim o quarto degrau é o enviar, alcançado quando este novo crente está pronto
para fazer novos prosélitos e os encaminhar para o mesmo processo pelo qual passou. Para um maior
42
representa todo o processo de evolução dentro desse sistema de células, tornando-se novas
líderes dentro do sistema. As igrejas em células nesse quesito não se distanciam das demais
igrejas neopentecostais, como Igreja Universal, Mundial do Poder de Deus ou Renascer, em
que o “sucesso dessas igrejas se deve ao uso intensivo e agressivo dos instrumentos de
marketing na persuasão do seu público alvo, oferecendo a promessa de solução instantânea para
todos os males da vida” (SIEPIERSK, 2001, p.185).
Com esse intuído a igreja em células estabelece como principal objetivo a
restauração das famílias. Todos os eventos que ocorrem nas redes,35 as reuniões de células e
dias festivos, visam à edificação das famílias. Terra Nova afirma “todas as reuniões da Visão
Celular no Modelo dos 12 têm o objetivo de que não se perca o alvo da Visão. Mas qual é o
alvo da Visão? Levantar as famílias para Deus” (2009, p.38).
Esse apelo proselitista de envolver a família no seio da igreja está ligado à mudança
do modelo familiar no Brasil, no qual “alterações significativas no quadro econômico, político,
social e cultural brasileiro têm produzido mudanças profundas no modo de vida, nos valores e
nas expectativas da nossa população” (SIEPIERSK, 2001, p186). As mudanças afetam das mais
variadas formas no contexto familiar, em que novos modelos familiares são montados na
sociedade. Nesse sentido “a relação entre células, famílias e transformação social está expressa
na própria concepção da função das células” (ANDRADE, 2010, p.105). Quanto a isso
Castellanos afirmou:
O trabalho celular é para restaurar famílias. O mundo inteiro está sendo sacudido pela
crise familiar. Onde quer que vamos descobrimos que as pessoas necessitam de uma
resposta que dê solução à problemática que vivem como família, quer como casais,
ou na relação entre pais e filhos. As células devem estar preparadas para atender essa
necessidade. Nela se busca que os filhos restaurem a relação com seus pais, os pais
com seus filhos, a mulher com o marido e o homem com sua mulher. [...] Estamos
convencidos que a base para reestabelecer a sociedade é restaurar o seu núcleo
principal, que é a família. (CASTELLANOS, 2000, p.331).
É clara a proposta de preservação do modelo tradicional de família através das
células, ou seja, “as células passam a ser a base para restauração social, porque buscam restaurar
seu núcleo principal, as famílias, dentro de uma concepção de raízes espirituais e morais para
os problemas sociais” (ANDRADE, 2010 p.106). A igreja se coloca como baluarte da família
e como responsável por manter esse modelo tradicional.
aprofundamento do assunto, consultar o livro de Renê Terra Nova Abecedário das Células, em que o autor mostra
todo o processo da Escada de Sucessos e da Visão Celular.
35
As redes são os cultos específicos que ocorrem para homens, mulheres, casais, jovens, adolescentes e crianças.
Os cultos são chamados de redes para remeter à ideia de uma pescariam, pois o objetivo é sempre o proselitismo,
“as redes se reúnem para fazer crescer o ministério. [...] a rede é para uma grande pescaria” (TERRA NOVA,
2009, p.34).
43
Nesse mesmo molde, a igreja do MIR de Boa Vista foi fundada em 1999, pelo então
presbítero da igreja Assembleia de Deus do Brasil Antônio Luiz de Lima Flores36 e sua esposa,
Maria das Graças Lucena de Lima Flores. Eles se desligaram do modelo de igreja pentecostal,
vinculado ao carismatismo, e filiaram-se ao modelo neopentecostal de igreja em células.
A partir de então, surgem os primeiros embriões do modelo de igreja em células em
solo roraimense. Os primeiros grupos de células que foram formados logo começaram a
participar de toda a dinâmica da igreja do MIR. Passando por palestras, seminários e encontros
na igreja sede em Manaus, visando ao aumento das células em Boa Vista.
Segundo informações das lideranças mais antigas da igreja, em menos de dois anos
de fundação a igreja já contava com aproximadamente 500 seguidores e um corpo
administrativo hierarquicamente estruturado. Esses dados não têm como ser estatisticamente
comprovados, por não existir nenhuma pesquisa à que faça referência, a não ser uma entrevista
semiestruturada feita com uma das líderes do MIR-RR Idália Cavalcante Correia.
Contudo, o que interessa para nós não é precisar quantos membros efetivamente
possui a igreja do MIR em Boa Vista nesse momento, mas perceber que, a partir do atual
contexto, onde a igreja está hierarquicamente estruturada e todos os seus setores em
funcionamento, possibilitou o desenvolvimento das práticas da Festa dos Tabernáculos em sua
liturgia.
4.2 A CELEBRAÇÃO DA FESTA DOS TABERNÁCULOS
A implantação das práticas judaicas na igreja do MIR foi uma de suas propostas
desde sua fundação. Contudo somente a partir de uma melhor estruturação da igreja houve a
introdução da Festa dos Tabernáculos.
Mesmo antes de 2005 a Festa dos Tabernáculos já era comemorada, contudo
somente em novembro do referido ano temos a primeira Festa dos Tabernáculos filmada e
gravada em DVD na igreja do MIR de Boa Vista. Essa festa foi vista como marco da igreja em
Boa Vista, pois o MIR era a igreja representante das igrejas em células no município. A partir
desse momento todas as igrejas em células que possuíam vínculos com a igreja do MIR
passariam a adotar a filmagem como modelo a ser seguido em suas respectivas igrejas, ou seja,
Fundador da igreja Ministério Internacional da Restauração em Boa Vista – RR, e aposentado da Polícia Federal,
trabalhando atualmente com dedicação exclusiva na igreja.
36
44
as filmagens não serviriam apenas como recordação histórica do evento, mas teriam o fim
doutrinário para as igrejas adeptas à visão de igrejas em células.
Esta filmagem da Festa dos Tabernáculos inicia-se mostrando o cenário decorativo
da igreja, o que é algo curioso, pois, o modelo lembra um culto em uma sinagoga judaica.
Primeiramente, por traz do altar37 temos uma bandeira enorme do Estado de Israel que cobre
todo o fundo do púlpito. A parte de cima do púlpito onde fica o teto está coberta de palha
lembrando uma tenda. E o altar onde se apoia a Bíblia está revestido com a bandeira da tribo
de Judá, uma das doze tribos de Israel nos tempos de Moisés. No escudo da bandeira há um
leão de pé e uma inscrição em hebraico que diz: “o leão da tribo de Judá”. A inscrição é
significativa para o contexto judaizante, pois ela representa a promessa do Messias, que tinha
que ser descendente da Tribo de Judá. Portanto percebemos aqui a assimilação desse elemento
messiânico para o contexto da igreja Neopentecostal. Ao lado direito temos um candelabro de
sete braços com luzes acesas nas pontas, comumente encontrado nas sinagogas judaicas. Em
frente ao candelabro temos uma mesa com vários objetos como: um jarro com ramos de trigo
dentro, uma taça de vinho, outra de óleo, um recipiente de vidro com sal grosso e vários cachos
de uvas no canto da mesa.
Todos esses elementos, que foram assimilados com novas representações pela
igreja do MIR, possuem um significado dentro do próprio judaísmo. O trigo representa a
prosperidade do Cristo, o Messias, na vida do crente; o vinho simboliza a alegria da vida com
Deus; o óleo, o batismo no Espírito Santo e a nova vida com Cristo.
A princípio, como vimos em capítulos anteriores, a proposta da igreja em células
do MIR é imitar o que está nas narrativas bíblicas, por isso, ao fazer a abertura do evento é lida
a seguinte passagem:
Celebrarás a Festa dos Tabernáculos durante sete dias, quando houveres recolhido os
produtos da eira e do lagar. Alegrar-te-ás na tua festa, tu, teu filho, tua filha, teu
escravo, tua escrava, o levita, o estrangeiro, o órfão e a viúva, que habitam em sua
cidade. Durante sete dias celebrarás a festa ao Senhor teu Deus, no lugar que o Senhor
escolher. Pois o Senhor teu Deus há de abençoar-te em toda a tua colheita e em toda
a obra das tuas mãos, e a tua alegria será completa. Três vezes ao ano, todos os teus
homens aparecerão perante o Senhor teu Deus, no lugar que escolher: na festa dos
pães asmos, na festa das semanas e na festa dos tabernáculos. Ninguém aparecerá de
mãos vazias perante o Senhor. Cada um dará segundo as suas posses, segundo a
benção que o Senhor seu Deus lhe houver concedido” (Deuteronômio 16.13-17).
37
O altar no contexto do Antigo Testamento representava o lugar onde eram oferecidos os sacrifícios a Deus, os
quais somente os sacerdotes autorizados poderiam apresentar. No contexto da igreja Neopentecostal o altar
representa o lugar onde fica o púlpito. No púlpito é onde o líder religioso ministra seus sermões, onde ocorrem as
apresentações das danças e as liturgias do culto. E esse lugar, assim como o do Antigo Testamento, é considerado
sagrado. Podemos fazer uma analogia com os palcos dos eventos onde acontecem os “shows”.
45
Após a leitura da passagem bíblica, a anfitriã começa a falar que devemos nos
alegrar perante Deus, devido a tudo o que ele tem feito durante aquele ano. Logo em seguida
ela começa a falar sobre as representações da festa para a vida espiritual de cada um. Como a
festa judaica dos Tabernáculos encerra o calendário judeu e o fim das colheitas do ano nos
tempos antigos, a festa passa a ter uma representação de agradecimento por aquilo que Deus
fez por todos.
Em seguida a oradora, que é responsável de coordenar todo o andamento da festa,
passa a abordar os motivos pelos quais devemos estar gratos a Deus; por ter nos libertado de
uma vida nas trevas, ou seja, de uma vida longe de Deus. Um estado de comoção toma de conta
do ambiente, precedido por uma oração de agradecimento. Após o momento de oração, a
oradora da festa sinaliza a importância da alegria em Tabernáculos, convidando todos a
festejarem. Portanto, vemos que um dos quesitos de celebrarmos a festa é a alegria, e “a
verdadeira alegria vem por experimentar os caminhos do Senhor e povo celebrava a Festa dos
Tabernáculos com alegria” (XAVIER, 2003, p.106). “Tabernáculos é a última das Festascompromisso38 no ciclo anual de santificação. Este é um tempo para nos alegrarmos em Deus”
(ASSUMPÇÃO; VASCONCELLOS, 1997, p.153).
Antes de iniciar as apresentações de dança e canto a oradora passa a falar sobre os
significados espirituais das tendas de palha, nas quais Deus ordenava ao povo que as habitassem
por sete dias. Elas simbolizam os anos de peregrinação do povo judeu no deserto, no episódio
que segue a libertação do Egito com Moisés em busca da Terra Prometida. Ela diz que esse
deserto representa as aflições da existência humana e que a Terra Prometida representa as
bênçãos de Deus para nós nesse tempo. A fragilidade da barra de palha representa a fragilidade
humana e a dependência do homem de Deus. E passa a ser um convite à humildade, pois até o
mais rico dos homens, nos tempos bíblicos, também habitava em barracas de palha.
A Festa dos Tabernáculos é um evento que aponta para o Messias 39 , diz a
apresentadora da festa. Essa declaração é importante, pois se alinha à doutrina
dispensacionalista, sendo responsável por introduzir as ideias messiânicas do judaísmo nas
igrejas neopentecostais. Contudo, a maneira como é abordada a questão na igreja do MIR tem
38
É uma nomenclatura utilizada para referir-se às Festas Bíblicas, aludindo ao compromisso que cada cristão
tem em guarda-las.
39
Esse é um jargão muito comum nas Festas Bíblicas, pois elas representam tipologias de Cristo. O Messias é o
descendente de Davi que restaurará o Reino de Israel, e as Festas Bíblicas proclamam esse advento. Contudo, há
uma diferença: no caso da tradição judaica, o Messias ainda é aguardado; para o cristianismo, Cristo cumpriu a
profecia.
46
suas peculiaridades. “O messias representa Jesus Cristo, ao qual devemos toda a gratidão, por
nos ter libertado do mundo de pecado” (2005).
Depois das apresentações prévias da festa e dessa introdução geral sobre o tema, os
músicos, que são chamados de levitas40, apresentam-se no altar para o toque do shofar. O shofar
é um instrumento de sopro mas conhecido como berrante, mas o instrumento que é tocado na
festa vem de Jerusalém e é feito de chifre de carneiro, observação que é feita pelo jovem que
irá tocá-lo, trazendo maior significação simbólica ao objeto41.
Após o toque do shofar, o pastor assume o púlpito e convoca a igreja para a guerra
espiritual, nesse momento as pessoas começam a marchar, literalmente, e orar a Deus pela sua
vitória. A marcha é acompanhada por uma música de guerra e o pastor, que também marcha de
frente para as pessoas, caminha de um lado para o outro do púlpito e ordena a todo momento
que Satanás solte as famílias e as pessoas. Ao término da oração o pastor ordena que todos
gritem o mais alto que puderem em prol da sua vitória.
Ao observar as filmagens da Festa de Tabernáculos de 2005, percebi que a maioria
das pessoas se envolviam com certo entendimento do que estava acontecendo, mas existiam
algumas pessoas que olhavam atônitas ao que acontecia ao seu redor, principalmente ao verem
as pessoas marchando como soldados dentro da igreja. Isso acontecia porque a festa não era
restrita e havia muitos visitantes entre os presentes. Diante da cena em que grande parte das
pessoas na igreja está marchando e orando em voz alta, muitos ficavam assustados e outros até
sorrindo do que estava acontecendo.
Após o grito de guerra, o shofar é tocado e dois dançarinos vestidos de branco
entram carregando um trono dourado, que é posto em cima no altar e os dançarinos se
posicionam um em cada lado do trono. Uma música que fala sobre a santidade de Deus começa
a ser cantada e os dançarinos entram vestidos de branco carregando ramos de palmeiras, outros
com trombetas, estandartes, bandeiras brancas. Outras duas dançarinas também entram, uma
carregando uma coroa e outra, um cetro e os colocam sobre o trono. Um momento de comoção
invade o ambiente, pois o trono, a coroa e o cetro representam a presença de Jesus naquele
lugar. Algumas pessoas inclinam a cabeça, outras choram e outros cantam. Enquanto isso a
música é tocada, a igreja canta como se Jesus estivesse presente sentado naquele trono.
40
Das 12 tribos de Israel, uma foi escolhida por Deus para atuar especificamente no trabalho do sacerdócio, a
tribo de Levi. Por isso, no MIR aqueles que atuam no serviço do Altar são chamados de levitas.
41
O Shofar é feito de chifre de carneiro e nos tempos bíblicos, era usado para as convocações das batalhas, para
as festas bíblicas. Através do tipo de toque o povo sabia para que estava sendo chamado. Na igreja do MIR esse
toque passou a ser chamado de toque de Deus, ou seja, quando o Shofar é tocado passa a simbolizar a voz de
Deus.
47
Encerrado o momento de adoração, iniciam-se as celebrações. Primeiramente
apresentam-se as crianças vestidas com roupas típicas das festas judaicas. E as músicas que são
tocadas durante as celebrações são em sua maioria na língua hebraica. Após a dança das
crianças, inicia-se uma pausa nas danças e a igreja passa a receber instruções sobre dízimos e
ofertas. O ministrador começa a sua fala dizendo que ninguém podia aparecer diante do Senhor
de mãos vazias e que fazia parte do costume da festa que as pessoas trouxessem parte de suas
colheitas. Assim as pessoas deviam apresentar-se diante de Deus naquela noite, pois era
proibido apresentar-se diante de Deus com as mãos vazias. Em seguida o ministrador inicia a
oração pedindo que Deus abençoe as ofertas e que sejam multiplicadas as bênçãos divinas na
família de todos os que estão presentes, e assim as pessoas são convidadas a irem até o altar e
levarem suas ofertas em dinheiro.
Enquanto as pessoas depositam suas ofertas e dízimos, inicia-se mais um momento
de celebrações para em seguida o pastor Flores, líder da igreja, trazer a mensagem principal da
festa. Ele inicia seu sermão dizendo: a Festa dos Tabernáculos aponta profeticamente para o
milênio 42 , onde aqueles que permaneceram em Cristo governarão com ele em Jerusalém.
Percebemos mais uma vez no discurso a doutrina dispensacionalista e assim passamos com
maior clareza a compreender o papel dessa teologia para a assimilação das práticas judaicas na
igreja do MIR.
O pastor mostra que na batalha final Israel sairá vitorioso, pois ele é o povo
escolhido por Deus, e que aqueles que se levantam contra esse povo será derrotado. Portanto
devemos como cristãos orar por Israel para que a promessa de Deus se cumpra e assim
possamos com Cristo no milênio celebrar a Festa dos Tabernáculos. Assim, a igreja juntamente
com o pastor, inicia uma oração por Israel pedindo a Deus que abençoe aquele povo. Ao término
da oração, inicia-se um novo momento de celebração com músicas em hebraico.
Esse é um momento de grande participação da igreja. O ritmo das músicas é de roda
e ciranda, onde a igreja dança e pula. É um momento de muita animação com músicas tocando
em sequência, para não perderem o ritmo. Após o momento de celebração final, que dura em
torno de trinta minutos de música e danças, o Flores, líder da igreja, sobe ao púlpito para fazer
a oração final e abençoar a vida das pessoas.
A assimilação das práticas judaicas e de sua simbologia fica evidenciada quando
assistimos à Festa dos Tabernáculos, os objetos, as danças típicas, os rituais, o apelo por Israel
42
Faz parte da doutrina escatológica, quando Cristo, o Messias, governará na Terra por mil anos. Refere-se à
segunda vinda de Cristo.
48
e o grande esforço, bem explícito em cada etapa da festa, que é feito para contextualizar cada
acontecimento como sendo uma ordem divina.
Fica claro que as igrejas Neopentecostais e especificamente o MIR não fazem
nenhum esforço para disfarçar a sua vinculação com vários elementos que para as igrejas
clássicas eram vistos como profanos. Podemos citar o caso da vestimenta. Nas igrejas clássicas
exigia uma postura sectária, já no neopentecostalismo há uma assimilação dos usos e costumes
que dantes eram vistos como mundanos, profanos.
O MIR adotou a visão de igreja em células como uma estratégia proselitista, visando
ao crescimento quantitativo de sua membrezia. A partir disso foi criada toda uma estrutura
dentro de uma lógica organizacional administrativa e hierárquica. Por certo que toda essa
estrutura necessitava de ter uma base argumentativa dentro de Bíblia.
A igreja do MIR apresenta no campo religioso de Boa Vista a Festa dos
Tabernáculos como um bem no mercado religioso. Constitui-se como um elemento importante
para esse processo e o dinamismo fundamental para a própria sobrevivência do movimento
neopentecostal. A vantagem do neopentecostalismo para o MIR é que, com muita tranquilidade,
se pode assimilar elementos de outras religiões sem muita resistência doutrinária. Como é o
caso da doutrina dispensacionalista, que é fundamental para essa aproximação das práticas
judaicas no cristianismo.
No discurso durante a Festa de Tabernáculos em 2005, percebemos vários traços da
doutrina da prosperidade. Na oração de abertura as pessoas são conclamadas a agradecer a Deus
por sua prosperidade e a alegrar-se com isso. Devido a essa prosperidade proporcionada por
Deus, os membros devem também de bom grado trazer suas ofertas em dinheiro.
Além do discurso, as representações expostas durante o evento ressalta o aspecto
da prosperidade, como o trigo, que é símbolo da fartura e da abundância.
Portanto a Festa dos Tabernáculos, com toda sua simbologia e representações, vem
reafirmar de maneira dissimulada o discurso da Teologia da Prosperidade apresentando-se
como um novo produto no campo religioso neopentecostal brasileiro que é tão concorrido e
diversificado.
49
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O pentecostalismo no Brasil sofreu influência direta e constante do contexto
internacional, e principalmente dos missionários vindos dos Estados Unidos a partir da década
de 1950, com a fundação das primeiras igrejas pentecostais no Brasil, apesar da presença de
missionários pentecostais desde o início do século XX, foi a partir da década de 1950 com os
missionários norte-americanos que essa presença intensificou-se. Além da influência do modelo
capitalista pautado no consumismo, temos a influência doutrinária, fundamentais para sustentar
toda a prática neopentecostal e da igreja do MIR.
Primeiramente, a doutrina da guerra espiritual, que justificará a pobreza e miséria
de muitos membros, pois todos os males desse mundo são atribuídos a Satanás e seus demônios,
ou seja, se um membro não está prosperando ou vai mal com sua família, há algo que ele deixou
de cumprir diante da igreja, o que permitiu que os demônios atuassem em sua vida. Por isso, os
líderes da igreja do MIR produziram uma vasta literatura sobre como Satanás atua na vida das
pessoas para lhes roubar a prosperidade e falam enfaticamente sobre a necessidade de se
guerrear o tempo todo contra as hostes do demônio. Com isso a doutrina da guerra espiritual
serve para mascarar os reais problemas sociais que ocorrem dentro da igreja, justificando a
própria falta de assistência social. Em vez de serem ajudadas em suas necessidades materiais,
essas pessoas são levadas a crer que são forças espirituais que as estão impedindo de prosperar
e que o único caminho para a vitória financeira é dar uma oferta em demonstração de fé.
Combinada com a doutrina da guerra espiritual, está a da teologia da prosperidade;
caminham juntas, uma sustentando a outra. A doutrina da prosperidade é marca fundamental
da igreja do MIR, que trouxe uma inversão de valores na doutrina pentecostal. Nas igrejas
clássicas a avareza e a ostentação são pecados e desagradam a Deus, na igreja do MIR a riqueza
é um sinal da benção e da dádiva de Deus. É um pensamento que alinha-se a nova demanda
social transformando os seus membros em consumidores.
Os fiéis mais abastados passam a ser vistos como exemplos a serem seguidos,
exemplos de pessoas abençoadas por Deus. Assim como em nosso modelo econômico, na
teologia da prosperidade não há espaço para todos desfrutarem das benesses de Deus, somente
das promessas. Com isso, a igreja do MIR assume definitivamente o seu interesse pelo dinheiro
e exime-se da responsabilidade social, pois é culpa do demônio se as pessoas não são prósperas.
Outro fator de relevância que temos que citar é a liberalização dos estereotipados
usos e costumes de santidade. A liberalização era necessária dentro desse movimento, pois
50
como transformar um neopentecostal em um consumidor se ele tem que viver uma vida ascética
nesse mundo? Portanto, uma reelaboração doutrinária foi necessária para formar uma nova
visão de mundo para membro, onde ele pudesse comprar todos os produtos que quisesse sem
nenhum peso na consciência, ou seja, uma acomodação aos valores e costumes da sociedade
contemporânea.
Com todas essas transformações externas e internas do campo religioso, os antigos
sistemas simbólicos tornaram-se praticamente obsoletos e precisavam ser revistos. O MIR
adotou o sistema de igreja em células e trouxe uma nova visão do sagrado pautada em uma
judaização da igreja, adotando novos símbolos e novos significados aos já existentes.
A igreja em Células do MIR nasce em um contexto neopentecostal, reinterpretando
os textos bíblicos e ampliando seus significados, constituindo-se como um estoque simbólico
sujeito às mais variadas interpretações. Assim, a doutrina dispensacionalista configura-se como
fundamental para esse processo de assimilação das práticas judaicas.
Essa nova visão do sagrado proposta pela igreja do MIR com base no
dispensacionalismo cria novos bens simbólicos, inclusive um novo centro de peregrinação para
a “Terra Santa”, Israel, sendo um enfrentamento direto aos romeiros, ou seja, não mais
peregrinar a Roma, mas a Israel. Tudo isso em nome de um novo produto no mercado religioso.
Nesse contexto de reafirmação dessa proposta, é fundada a Embaixada Cristã
Internacional de Jerusalém – ICEJ, com sede em cada Estado do Brasil, como forma de suprir
a demanda de viagens dos fiéis para Jerusalém e acima de tudo consolidar o processo de
assimilação das práticas e representações judaicas da igreja do MIR, tornando a peregrinação a
Cidade de Jerusalém como um “êxtase” da vida espiritual.
Em suma, a Festa dos Tabernáculos que é celebrada todos os anos na igreja do MIRRR. Apresenta-se como uma reelaboração simbólica dos textos sagrados na expectativa de criar
um novo produto para o mercado religioso boa-vistense, apresentando novas formas de
proselitismo sob um contexto de assimilação de práticas e representações judaicas.
51
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