Dissertação Silvamir_FINAL 2RR-FEBRAP

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SOCIEDADE GOIANA DE PSICODRAMA
Silvamir Alves
A PSICOLOGIA SOCIAL DE J. L. MORENO
Goiânia
2008
RESUMO
Neste estudo, investigam-se as interfaces entre a sociometria, concebida por Jacob Levy
Moreno, e a psicologia social norte-americana, no período de 1910 a 1940, tendo como
base o materialismo histórico-dialético na abordagem sócio-histórica de Vigotski, de
perspectiva. Por esse método, a ciência é compreendida como um conhecimento que
resulta da ação social do homem, de forma que ele é, ao mesmo tempo, produto e
produtor da história. Foram considerados a psicologia social nos Estados Unidos do
período de 1910 a 1940, a construção do psicodrama e da sociometria e as categorias
pragmatismo (ação e experiência), ciência, relação indivíduo–sociedade e grupo
presentes na obra Quem sobreviverá?, escrita por Moreno, de forma a identificar a
influência da psicologia social na sociometria, definida por Moreno como a ciência da
medida do relacionamento humano. O objetivo da sociometria é avaliar as escolhas e
percepções sociais e seu principal instrumento é o teste sociométrico, cujos resultados
permitem traçar o gráfico das relações grupais, chamado sociograma. A fim de
compreender a influência de determinada vertente da psicologia social norte–americana,
na década de 1930, no pensamento sociométrico de Moreno, foi analisada a obra Quem
sobreviverá? Confirmou-se a existência de áreas de contato entre a sociometria e a
psicologia social de orientação positivista, cuja perspectiva acrítica ratifica a ciência
como uma forma de conhecimento a-histórica, ideológica e meramente colaboradora na
manutenção da sociedade tal como é. Conclui-se, no entanto, que o conhecimento
acumulado da sociometria possibilita aproximá-la de uma psicologia social crítica,
desde que ela rompa com a visão ideológica de grupo natural e passe a analisá-lo como
conseqüência da determinação sócio-histórica.
Palavras-chave: Psicologia
pragmatismo; positivismo.
social;
sociometria;
psicologia
sócio-histórica;
ABSTRACT
THE SOCIAL PSYCHOLOGY OF J. L. MORENO
This study investigates the interfaces between sociometry, conceived by Jacob
Levy Moreno, and the American social psychology, from 1910 to 1940, based on
Vigotski’s social-historical approach with a dialectic perspective. Through this method,
science is understood as a type of knowledge resulting from man’s social action, so that
he is, at the same time, product and producer of history. This research takes into
consideration, the social psychology in the United Sates social in the period from 1910
to 1940, the construction of psychodrama and Sociometry, as well as the categories
pragmatism (action and experience), science, individual–society and group relationships
found in the book Who shall survive?, written by Moreno, to identify to social
psychology influence on sociometry, defined by Moreno as the science that measures
human relations. The goal of sociometry is to assess social choices and perceptions and
its main tool is the socio-metric test, which provides results that allow plotting a graphic
of group relations, named sociogram. In order to understand the influence a determined
branch of the American social psychology, in the 1930’s, had on Moreno’s sociometric
thought, the book Who shall survive? was analyzed in study. It was possible to confirm
the existence of between sociometry and social psychology with a positivist approach,
which has a non-critical perspective that corroborates science as a form of non-historical
and ideological knowledge, seen as a mere collaborator in the maintenance of society as
it is. However, it could be concluded that the accumulated knowledge by sociometry
makes it closer to a critical social psychology, provided that it breaks up with the
ideological vision of the natural group and starts analyzing it as a consequence of
social-historic determination.
Key words: Social psychology; sociometry; social-historical psychology; pragmatism;
positivism.
4
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO................................................................................................................ 5
CENÁRIO DO DESENVOLVIMENTO DA PSICOLOGIA SOCIAL DE (1910 A
1940)............................................................................................................................... 14
Psicologia social nos Estados Unidos nas décadas de 1910 a 1940 ........................... 15
Os principais autores da psicologia social norte-americana de 1910 a 1940 que
influenciaram J. L. Moreno ........................................................................................ 20
Pragmatismo como expressão da sociedade norte-americana.................................... 25
A CONSTRUÇÃO DO PSICODRAMA E DA SOCIOMETRIA................................. 32
Vida e obra de J. L. Moreno ....................................................................................... 32
Psicodrama: a linguagem da ação dramática.............................................................. 43
O que vem a ser sociometria?..................................................................................... 48
CATEGORIAS DA PSICOLOGIA SOCIAL DESENVOLVIDAS POR J. L.
MORENO EM QUEM SOBREVIVERÁ?....................................................................... 66
Ciência: positivismo e pragmatismo .......................................................................... 66
Relação indivíduo–sociedade: uma visão microssociológica..................................... 74
Grupo: concepção natural e atomista.......................................................................... 78
Átomo social: a origem do grupo ........................................................................... 79
Classificação sociométrica dos grupos .................................................................. 83
Liderança................................................................................................................ 87
Psicoterapia de grupo ............................................................................................ 89
CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................................................... 92
REFERÊNCIAS ........................................................................................................... 96
INTRODUÇÃO
O foco deste trabalho é a investigação das interfaces da obra Quem
sobreviverá? de Jacob Levy Moreno, produzida na década de 1930, nos Estados Unidos
com a psicologia social. O que motivou este estudo foi a intenção de que ele possa
constituir um esforço de aprofundamento, teorização e compreensão da sociometria –
objeto de análise da referida obra –, com vistas a clarear seus conceitos e perspectivas e,
sobretudo, demarcar a intersecção entre a ciência da medida do relacionamento humano
(Moreno, 1992) e a psicologia social americana, na primeira metade do século XX.
Em Quem sobreviverá?, J. L. Moreno relata pesquisas empíricas com grupos.
O sistema teórico decorrente dessas experiências foi por ele denominado sociometria, e
seu principal instrumento é o teste sociométrico, cujos dados resultam no sociograma
(gráfico das relações grupais). O livro demonstra a atuação do método sociométrico nas
relações intra e intergrupais. Relata as experiências que Moreno realizou com a
sociometria em escolas públicas e privadas, na prisão de Sing Sing e na instituição para
moças delinqüentes na cidade de Hudson, nos Estados Unidos. Ele planejava as suas
intervenções, mas o que o guiava era a espontaneidade-criatividade, a ação e a
experiência.
A teoria moreniana apresenta afinidade com o pragmatismo, na medida em
que os conceitos sociométricos, resultantes da aplicação do teste sociométrico, entre
outros métodos, baseiam-se nas categorias da ação, da experiência, das conseqüências
práticas e da funcionalidade dos grupos. A sociometria não constituía um método
terapêutico. Contudo, foi um instrumento para identificar a estrutura dos grupos e para
penetrar nela, a fim de nortear ações práticas e terapêuticas destinadas a reorganizar um
grupo.
6
A propósito dessa intenção terapêutica de Moreno, Naffah Neto (1997, p. 145)
escreveu:
Às técnicas sociométricas, são acrescidas técnicas
sociodinâmicas como a de desempenho de papéis (roleplaying). A partir daí começa-se a operar a reorganização
da instituição: com base nos sociogramas e nos outros
testes, novos agrupamentos passam a substituir os antigos,
as “patologias” das relações passam a ser reveladas e
“tratadas” em sessões de role-playing, de psicodrama e
sociodrama, enquanto o teste de espontaneidade e o teatro
espontâneo passam a funcionar no sentido de confrontar
as detentas com futuras situações que poderão encontrar
quando saírem da instituição, em liberdade total ou
provisória. Como conseqüência de tudo isso, aumentam a
produtividade nas relações e a capacidade de abertura e
entendimento entre as detentas; as fugas diminuem,
tornam-se raras, pois a vida em Hudson adquire aos
poucos um caráter mais humano.
Com a sociometria, Moreno elaborou uma microssociologia, que possibilita
analisar a estrutura e o funcionamento dos pequenos grupos. Isso resultou em uma
abordagem psicossocial que utiliza técnicas de ação para propiciar a interação
terapêutica.
Moreno (1994a) manifesta a convicção de que “a evolução de grupos sociais
abre o caminho para a classificação de indivíduos de acordo com seu desenvolvimento
dentro deles, o que, por sua vez, possibilita a construção destes grupos” (p. 85-86). Nessa
afirmação, ele deixa claro sua percepção da interdependência dos fenômenos individuais
e grupais. Porém, Moreno mostra uma visão cindida desses fenômenos.
Ao construir a sociometria, Moreno cria uma abordagem pluralista, na qual
avalia os aspectos qualitativos e quantitativos da interação entre os participantes do
grupo. Em certa medida, o significado básico de sua proposta já se revela na composição
da palavra sociometria: sócio (social) e metria (medida). Essa mensuração é feita por
meio do teste sociométrico, que mede a organização dos grupos, de modo a evidenciar
sua estrutura, com o objetivo de chegar à sua dinâmica. Os resultados do teste permitem
construir um gráfico, denominado sociograma, que demonstra as configurações
existentes no grupo: pares, triângulos, círculos, correntes, estrelas e elementos isolados.
Essas configurações variam de acordo com o critério sociométrico (objetivo para o qual
se escolhe) que for adotado. Elas constituem apenas uma representação esquemática de
uma dinâmica, que se completa quando é traduzida para o nível da interação,
7
demonstrando as atrações e rejeições de uma pessoa. Essas configurações funcionam
como uma unidade, que corresponde à noção moreniana de “átomo social”.
Para Moreno (1994a), a menor unidade social não é o indivíduo, mas o “átomo
social”, que envolve uma pessoa e suas relações significativas (de atração ou de
rejeição). Ou seja, a pessoa é compreendida na interação com as outras pessoas com as
quais ela está-se relacionando emocionalmente no momento. Portanto, deslocou a
unidade de pesquisa do indivíduo para o seu meio social.
A propósito dessa mudança de perspectiva que Moreno fez, Naffah Neto (1997,
p. 171-172) escreveu:
Graças a ela [mudança] tornou-se possível conceber as
neuroses e as doenças mentais não mais como “doenças”
no sentido biofisiológico do termo e não mais como
fenômenos
intrapsíquicos
(como
certas
linhas
psicanalíticas as vêem); foi o conceito de átomo social de
Moreno, por mais imperfeito que possa ser, que favoreceu
às psicopatologias saírem de sua toca individualista e
solipsista para reencontrarem, na estrutura inconsciente
das relações sociais, seu motivo. Nesse sentido, não seria
absurdo dizer que Moreno foi o precursor da
antipsiquiatria.
Moreno percebeu o sofrimento humano como manifestação de conflitos de
caráter eminentemente interacional. Assim, se os distúrbios mentais eram provenientes
das relações grupais, poderiam ser “curados” com a interação do indivíduo em grupos.
Portanto, em vez de uma psicoterapia individual, ele tratava as pessoas em grupo. Essa
forma particular de compreender e tratar as doenças sociais contava com o auxílio de
outros métodos, como o psicodrama e o sociodrama.
O estudo dos fenômenos grupais, realizado por Moreno, marcou o início da
pesquisa sistemática da atração interpessoal. Além disso, contribuiu para a compreensão
da dinâmica de grupo e dos grupos, mediante a reconstrução dos aspectos estruturais e
das relações afetivas dentro de um grupo. É com base nesse reconhecimento que Vala e
Monteiro (1997), entre outros, afirmaram que se deve a Moreno a introdução da técnica
de avaliação das escolhas e percepções sociais.
Moreno fez essas constatações por meio de pesquisa empírica, realizada na
comunidade de Hudson. A análise dessa experiência possibilitou-lhe identificar e
caracterizar nos grupos os seguintes fenômenos: átomos sociais, expansividade afetiva,
processos de comunicação (redes sociométricas, correntes psicológicas e afetivas),
atribuição de papéis, liderança, coesão de grupo, reorganização grupal, resolução de
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conflitos etc. Esses fenômenos revelados no estudo sociométrico de grupos, constituíram
categorias que, segundo Monteiro (2001), subsidiaram o desenvolvimento dos campos da
psicologia social e da administração de empresas. Segundo Naffah Neto (1997), Moreno
fica circunscrito à descrição, ao imediato do objeto estudado. Por isso, não revela suas
mediações, a sua essência, o seu momento histórico; assim, naturaliza o objeto. Essa
escolha pela vertente de ciência descritiva faz que ele se comprometa com a
funcionalidade, com a manutenção da sociedade capitalista, pois a relação interpessoal
muda, mas persiste a estrutura de exploração de uma classe sobre a outra.
Por volta de 1930, período intermediário entre as duas Grandes Guerras
Mundiais, o pragmatismo norte-americano requisitou a psicologia para aplicá-la à
educação e ao trabalho. Esse fator influenciou decisivamente o desenvolvimento da
psicologia social positivista naquele país. Conhecer o funcionamento do pequeno grupo
mostrou-se uma necessidade, pois o indivíduo que precisa ser controlado e adaptado ao
trabalho integra um grupo. Por isso, o estudo empírico focalizando o pequeno grupo e as
relações interpessoais passam a ser objeto básico dessa psicologia social, desenvolvida
nos Estados Unidos (ABRANTES, SILVA, MARTINS, 2005).
Nessa década, vários cientistas, psicólogos e psicólogos sociais emigraram da
Europa para os Estados Unidos, entre outros motivos, por causa da ascenção de Hitler ao
poder na Alemanha. Eles encontraram, naquele país, uma forte tendência pragmática e
cederam a ela. Essa contingência histórica contribuiu para o crescimento da psicologia
social positivista. E os Estados Unidos consolidaram-se como o lugar da produção dessa
ciência, pois reuniu as condições ideais para o seu desenvolvimento, como o
fortalecimento da economia, da política e da cultura.
A psicologia social positivista encontrou, naquele contexto dos Estados Unidos,
um campo fértil para desenvolver-se. A guerra propiciou condições para focalizar-se no
atendimento grupal e relacional. Com a demanda de clientes foram estimulados os
estudos sobre grupo e preconceito, porém, numa perspectiva individualista, ou seja,
mediante explicações do fenômeno por meio do comportamento individual. Com esse
formato, a psicologia social, naquele momento, constituiu um fenômeno tipicamente
norte-americano, tendo a Universidade de Chicago como referência, pois patrocinou
estudos de temas, como: as atitudes sociais, de Thomas; o behaviorismo social, de Mead;
a mensuração de valores sociais, de Thurstone; o interacionismo simbólico, de Blumer e
as formas dramatúrgicas de psicologia social, de Goffman (FARR, 2004).
9
Culturalmente, pode-se dizer que a sociedade americana é do tipo homo
metrum, fator que também favoreceu a constituição de um solo fértil para o
desenvolvimento da sociometria de Moreno. Por isso, o movimento sociométrico é
considerado genuinamente norte-americano, ainda que alguns aspectos da sociometria
tenham sido trabalhados por Moreno na Europa (MARINEAU, 1992).
Moreno (1992-1994) utiliza-se da técnica experimental, dos métodos
quantitativos, mas sem se esquecer do socius, do qualitativo. Sua preocupação sempre
foi superar da dicotomia existente entre os aspectos qualitativo e quantitativo. Mas não
conseguiu. Por isso, adotou um pensamento híbrido, que o aproximou da metodologia
qualitativa. Porém, está evidente a influência da metodologia convencional de tradição
positivista, nas análises das categorias ciência, indivíduo–sociedade e grupo.
Vigotski (2004) criticou a atitude eclética, ao afirmar que ela carece de uma
avaliação crítica das escolas de pensamento e aceita todos os conceitos. Entretanto, no
caso de Moreno (1992), essa atitude mostra que ele pretendia conferir à sociometria o
status de ciência conforme o modelo positivista, porém tentando manter o vínculo com
teorias não positivistas. Sua filiação ao positivismo foi reconhecida quando ele defendeu
que havia encontrado, por meio do sociograma de grupos, um modo de estruturar a
terapia de grupo em base científica. Porém, limita-se à vertente descritiva, funcional,
com regras, a-histórica.
A trajetória de Moreno comporta uma divisão em quatro fases:
1ª o momento que pode ser denominado religioso e filosófico, tendo como tema
predominante as filosofias da existência;
2ª o momento denominado teatral e terapêutico, cujo tema predominante foi o
teatro;
3ª o momento denominado sociológico e grupal, cujo tema predominante foi o
social e as dinâmicas dos grupos – é a fase sociométrica – já com Moreno vivendo nos
Estados Unidos;
4ª o momento da organização e consolidação da teoria moreniana – é o retorno
ao teatro terapêutico e o tema predominante foi a articulação e estruturação de suas
idéias como método de psicoterapia (GONÇALVES, WOLFF e ALMEIDA, 1988).
A obra de Jacob Levy Moreno focalizada neste estudo – Quem sobreviverá? –
representa a terceira fase teórica do autor. Ela é propícia para se verificar a
interdependência entre a sociometria e um determinado tipo de psicologia social, pois
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apresenta as idéias de Moreno acerca do social e dos grupos, nos Estados Unidos, e
comprova a preocupação dele em fazer um determinado tipo de ciência.
Nessa obra, Moreno apresentou a sua teoria da microssociologia e sua eficácia
na análise da estrutura e da dinâmica dos pequenos grupos. Demonstrou, por meio de
pesquisa experimental, que os conceitos sociométricos básicos são indispensáveis para a
compreensão dos grupos. Mas, estranhamente, essas contribuições não aparecem nas
obras de psicologia social e, quando aparecem, é sem muito destaque, como na obra de
psicologia social de Vala e Monteiro (1997), em que Moreno é citado em quatro páginas.
Às vezes, é possível reconhecer suas idéias em obras de psicologia social, entretanto os
autores não o citam. Da mesma forma, a sociometria é uma teoria pouco estudada e
divulgada no próprio meio psicodramático.
Essa realidade provocou uma pergunta: qual é a psicologia social que emerge
da obra de J. L. Moreno? Esta pesquisa procurou identificar, analisar e compreender os
pressupostos da psicologia social presente em Quem sobreviverá?, que Jacob Levy
Moreno escreveu na década de 1930, nos Estados Unidos.
Para responder essa indagação, procura-se explicitar criticamente os
pressupostos da sociometria e identificar a qual método de psicologia social essa teoria
está afiliada. Assim, este estudo pretende ser um passo no sentido de compreender a
teoria sociométrica de J. L. Moreno e sua determinação sócio-histórica, bem como de
oferecer subsídios a pesquisadores e profissionais da psicologia social e do psicodrama
(teoria moreniana). Além disso, constituiu uma oportunidade de aprofundar experiências
intelectuais, indispensáveis ao conhecimento necessário no trato dos problemas teóricos
e práticos que vitalizam e desafiam o cotidiano do psicólogo social e dos
psicodramatistas.
Método de estudo
Nas ciências humanas, entendidas aqui como todas as disciplinas que têm por
objeto de investigação alguma das diversas atividades humanas, o objeto é histórico e
humano tanto quanto o pesquisador. Logo, o sujeito conhece o objeto e o objeto conhece
o sujeito e ambos interagem e desempenham um papel ativo na produção do novo
conhecimento.
11
O caminho escolhido para compreender a interface entre a teoria moreniana
(sociometria) e a psicologia social da década de 1930, nos Estados Unidos, foi a análise
de Quem sobreviverá?, obra em que Jacob Levy Moreno expressa seu pensamento
acerca dos grupos humanos por meio da sociometria. A influência que teve a psicologia
social norte-americana sobre Moreno e as contribuições deste a essa disciplina foram
analisadas com base no materialismo histórico-dialético de perspectiva sócio-histórica de
Lev S. Vigotski (2004).
Uma leitura nessa perspectiva considera que a linguagem contém os registros
sociais, produzidos historicamente (significados), e também os registros pessoais
(sentidos). Assim, a abordagem sócio-histórica auxilia na identificação e no
estabelecimento dos nexos entre as múltiplas determinações das quais resulta que a
psicologia social e a sociometria sejam, ao mesmo tempo, produtos e produtoras, vistas
historicamente e numa dada realidade social. Portanto, a análise da obra Quem
sobreviverá? desenvolvida aqui, tem uma perspectiva crítica, fundamentada na visão
sócio-histórica de Vigotski. Adotar essa perspectiva crítica não significa uma recusa à
sociometria de Moreno, mas sim um esforço para compreendê-la e para enfrentar
questões que permanecem sem resposta a respeito de sua gênese e suas possibilidades.
Vigotski (2003, p. 80) reconhece como o elemento-chave do seu método “a
abordagem dialética”. Para ele, o conhecimento é um processo histórico que acompanha
as leis da dialética, compreendendo, além de um método, uma teoria que permite pensar
um objeto. Para ele “a dialética abarca a natureza, o pensamento, a história: é a ciência
em geral, universal ao máximo” (VIGOTSKI, 2004, p. 393).
Sousa (2001, p. 49) ressaltou o esforço de Vigotski para “superar os
reducionismos teóricos da psicologia da época, baseados em dicotomias como
objetividade–subjetividade,
homem–sociedade
e significado–materialidade.” Pelo
método vigotskiano, o ser humano é compreendido como uma unidade, isto é, como um
ser biológico, social e participante do processo histórico. Portanto, para conhecê-lo é
necessário alcançar sua forma singular de produzir significados e sentidos em suas
experiências.
O processo de construção do conhecimento, baseado em Vigotski (2001a), é a
tomada de um posicionamento que compreende o homem como ser histórico e social.
Isso equivale a dizer que ele se constitui em suas relações específicas, sendo
representante, ao mesmo tempo, da história universal da humanidade e de sua história
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particular. Além disso, significa compreender que a linguagem humana representa uma
síntese dinâmica do desenvolvimento histórico do homem e que, por meio dela, se pode
ter acesso a aspectos humanos fundamentais, tais como a personalidade, a
autoconsciência e a visão de mundo.
A metodologia vigotskiana possibilita a busca dos desejos, das necessidades
motivadoras de interesses, que, para serem compreendidos, devem ser contextualizados e
historicizados. Vigotski (2001a, p.159) ensina que “o pensamento propriamente dito é
gerado pela motivação, isto é, por nossos desejos e necessidades, nossos interesses e
emoções. Por trás de cada pensamento há uma tendência afetivo-volitiva”.
A validade da análise de um documento escrito é confirmada na medida em
que se o compreende dentro de um contexto social mais amplo, constituído por contextos
mais específicos que ajudam a explicar as diferenças de sentido.
Procedimentos metodológicos
A pesquisa bibliográfica foi o procedimento escolhido para a realização do
presente estudo. É próprio dessa modalidade de pesquisa realizar-se a partir de um
material já construído, em especial, de livros e artigos científicos. No entanto, embora
seja uma pesquisa desenvolvida a partir de referências teóricas conhecidas, não se trata,
conforme esclarecem Lakatos e Marconi (1990, p. 179), de “mera repetição do que já foi
dito ou escrito sobre certo assunto, mas [do] exame de um tema sob novo enfoque ou
abordagem, chegando a conclusões inovadoras”. A pesquisa abrange a bibliografia já
tornada pública sobre a psicologia social norte-americana da década de 1930 e a teoria
sociométrica de J. L. Moreno. Esta foi publicada, pela primeira vez, em 1934, nos
Estados Unidos e só foi traduzida para o português no início dos anos 90, sob o título
Quem sobreviverá?. Organizada em três volumes, a edição brasileira teve o primeiro
volume publicado em 1992 e os seguintes, em 1994.
Várias são as vantagens de uma pesquisa bibliográfica. Entre elas, ressalta o
fato de que as bibliografias constituem fonte rica e estável de dados, além de essa
modalidade de pesquisa ser indispensável em estudos históricos e teóricos. Para Gil
(2002, p. 45), “a principal vantagem da pesquisa bibliográfica reside no fato de permitir
ao investigador a cobertura de uma gama de fenômenos muito mais ampla do que aquela
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que poderia pesquisar diretamente”. Em suma, uma pesquisa baseada em um documento
escrito pode não trazer respostas definitivas sobre um problema, porém tem a
possibilidade de proporcionar uma visão mais ampla ou profunda dele, além de suscitar
novas questões que poderão ser verificadas por outros meios.
Estrutura da monografia
O presente estudo foi organizado em três capítulos. O primeiro capítulo,
intitulado “Cenário do desenvolvimento da psicologia social nas décadas de 1910 a
1940”, reconstitui o contexto da psicologia social norte-americana a partir de uma
sucinta revisão dos autores significativos dessa ciência, naquele período, na forma de
uma breve síntese de suas respectivas pesquisas. Concluindo o capítulo, é analisada a
influência do pragmatismo na sociedade norte-americana e na psicologia social
desenvolvida naquele país.
No segundo capítulo, intitulado “Construção do psicodrama e da sociometria,”
apresenta-se a vida e a obra de Jacob Levy Moreno e a criação do psicodrama, e faz-se o
detalhamento do que vem a ser sociometria e a pesquisa empírica sociométrica de uma
comunidade.
No terceiro capítulo, cujo título é “As categorias da psicologia social presentes
na obra Quem sobreviverá?”, analisam-se as categorias ciência, relação indivíduo–
sociedade e grupo, para identificar a que vertente de ciência Moreno filiou-se e as
conseqüências dessa opção em sua forma de fazer psicologia social, em sua visão de
homem e de mundo.
CENÁRIO DO DESENVOLVIMENTO DA PSICOLOGIA SOCIAL DE
(1910 A 1940)
Compreender o contexto sócio-histórico em que se desenvolveu a produção
científica de J. L. Moreno, na década de 1930, implica estudar o cenário norteamericano das décadas de 1910 a 1940. Toda obra tem uma história, e todo autor tem
um processo de produção do conhecimento e maturação de suas idéias. O ser é histórico
na medida em que é social. Assim, “compreender a história e, sobretudo, as idéias
produzidas historicamente pelos homens exigem a busca de compreensão das relações
sociais que permeiam, determinam e são determinadas por suas ações” (ANTUNES,
1998, p. 365). Se a história da humanidade só é compreendida na medida em que se
compreendem as ações realizadas pelos seres humanos, compreender esse momento
histórico – as primeiras décadas do século XX – é essencial para que seja entendida a
ciência sociométrica que J. L. Moreno desenvolveu.
O cerne dessa visão sócio-histórica revela-se na conhecida asserção de Marx e
Engels (1980, p. 26): “Não é a consciência que determina a vida, mas a vida que
determina a consciência”. Esse enfoque capta a realidade como ela se produz e não
como ela se revela, pois todo fenômeno social é histórico e não pode ser compreendido
senão em sua historicidade.
Outra concepção bastante difundida, de natureza humana, tem servido como
instrumento para ocultar as determinações sociais do humano, cumprindo, pois, um
papel ideológico. Descrever a realidade tal como ela é (natural) significa manter o status
quo, manter tudo como está. Então, tanto mais se mostra a realidade como ela aparece
(natural), quanto mais se reproduz essa realidade falsa. Isso é ideológico, pois é uma
forma ilusória de se representar o real, que está oculto na aparência.
Enfim, para compreender a obra de J. L. Moreno, é preciso contextualizá-la,
buscar sua relação com a cultura, que é mediada por outros homens, os quais, por sua
vez, têm como mediadora a linguagem.
15
Psicologia social nos Estados Unidos nas décadas de 1910 a 1940
A contextualização histórica é necessária para que se compreenda a psicologia
social. A partir da perspectiva sócio–histórica, os psicólogos sociais não estão isolados
temporal e espacialmente e não são neutros e nem estão acima das idéias e práticas que
são desenvolvidas na sociedade em que vivem.
O interesse sobre o pensamento social é tão antigo quanto à história. As
considerações feitas pelos filósofos a respeito desse assunto são muito importantes, mas
o estudo sistemático da psicologia social só se iniciou no transcurso do século XX e o
seu desenvolvimento teve o ápice após a segunda guerra mundial.
Sendo assim, os
pioneiros dessa ciência devem ser pesquisados no final do século XIX e início do século
XX (KRUGER, 1986).
Augusto Comte é considerado um precursor da psicologia social. Dele surge,
em 1830, o termo psicologia social e achava que a ciência poderia dar resposta ao
paradoxo: como o ser humano pode, ao mesmo tempo, moldar e ser moldado pela
sociedade? Essa ciência tinha de ser positiva, baseada nas ciências naturais e não na
metafísica. Esse pensamento de Comte está contextualizado por uma sociedade
burguesa que estava se consolidando (MUNNÉ, 1982).
Comte e Marx sofreram influência do projeto de Saint-Simon. Mas, segundo
Munné (1996), a ciência social pós–saint–simoniana desenvolveu-se em duas linhas
divergentes, uma liderada por Comte e outra por Marx. O autor expõe da seguinte
forma as diferenças entre as duas vertentes de pensamento:
Confrontada com a linha comteana, a de Marx está
centrada não na ordem e sim no conflito, não na harmonia
supressora da luta e sim na luta pela harmonia, não na
reprodução social e sim na mudança, não na adaptação do
homem e sim na sua transformação para um novo homem.
Tudo isso conduz a uma psicologia social que substitui a
abstração, a quantificação e o dogma por um
conhecimento que busca o concreto, o qualitativo e o
crítico (MUNNÉ, 1996, p. 339). 1
1
As traduções do espanhol foram feitas livremente pelo autor. “Frente a la línea comtiana, la de Marx
está centrada no em el orden sino em el conflicto, no em la armonia supresora de la lucha sino em la lucha
por la armonia, no em la reproducción social sino em el cambio, no en la adaptación del hombre sino em
su tranformación hacia um hombre nuevo. Todo ello conduce a uma psicología social que sustituye a la
abstracción, la cuantificación y el dogma por um conocimiento que busca lo concreto, lo cualitativo y lo
crítico.”
16
Esse contexto influencia a psicologia social. Segundo Munné (1982, p. 7),
“como ciência social, a psicologia social está extremamente vinculada à sociologia,
entre outras razões, porque uma e outra compartilham as mesmas raízes históricas”.
Nesse sentido, a psicologia social também reflete essas duas vertentes
antagônicas de pensamentos: A de Comte, que procura manter a estrutura da sociedade
capitalista, e a de Marx, que procura revolucionar, transformar a estrutura dessa mesma
sociedade. A linha desenvolvida por Comte tem uma proposta, segundo Munné (1996),
contrária à de Marx. Para ele, Comte desenvolve uma ciência cujo objetivo é alcançar
um sistema social equilibrado e harmonioso, ou seja, que justifique uma ordem de
desigualdade social.
Para Sabucedo, D’Adamo e Beaudoux (1997), Durkheim (1858-1917) deu
continuidade às idéias de Comte, porém em outro contexto social e histórico, uma vez
que nesse momento, a sociedade burguesa estava consolidada. Durkheim é o
representante mais ilustre do holismo sociológico, que tem um mesmo método para
estudar objetos diferentes. Para ele, o social absorve tudo o que é individual e o que é
individual é antes social. Portanto, ele descarta a necessidade de estudar o individual e
de existir uma psicologia social. Apesar de seu antipsicologismo, Durkheim influenciou
a psicologia social, ao abordar temas como representação social, determinismo social,
grupos sociais, imitação, sempre enfatizando o caráter empírico das ciências sociais.
Segundo Sabucedo, D’Adamo e Beaudoux (1997), Gabriel Tarde (1890) foi
contra o positivismo e o holismo sociológico e criou uma polêmica com Durkheim, ao
defender que é o individual que explica o social. Em sua obra intitulada As leis da
imitação, Tarde indica que a sociedade é imitação, e que as massas copiam a elite.
Foi Gustave Le Bon quem fez as primeiras interpretações psicológicas para as
falhas sociais, em 1895 dedicou-se ao estudo das multidões e publicou a obra
Psicologia das multidões, em que explicou o comportamento das massas pelo contágio.
Ele mostrou sua tendência ideológica em relação ao perigo das massas, afirmando que
elas são nocivas ao indivíduo. Essa tese foi contestada por Freud (1921) em “Psicologia
de grupo e a análise do ego”. Mas o primeiro marco da psicologia social foi a psicologia
dos povos de Wundt, no final do século XIX. Foi Wundt que ofereceu um
desenvolvimento conceitual e teórico da psicologia social, influenciando o
desenvolvimento das ciências sociais e da psicologia social atual. Ele compreendia que
17
a psicologia tinha duas vertentes: a psicologia fisiológica (experimental) e a psicologia
social.
Os americanos que estudaram com Wundt na Alemanha só levaram para a
América o modelo experimental, do laboratório. A conseqüência disso foi a constituição
de
uma
psicologia
social
norte-americana
extremamente
individualista
e
experimentalista. O método básico que emprega é o positivista e suas derivações,
buscando a verificação e a comprovação, mantendo sempre a concepção objetivista.
Com o domínio behaviorista, não houve, nos Estados Unidos, espaço para a
dimensão histórica, em termos de filogênese e história social. Nesse sentido, explica
Thomae (1998, p. 376):
As reformas na estrutura organizacional das universidades
e faculdades americanas [...], no final do século XIX,
permitiram aos jovens cientistas americanos, formados na
Europa, estabelecer departamentos independentes para
psicologia, enquanto na Europa esse domínio permaneceu
vinculado à filosofia por mais meio século.
Esse fato possibilitou que a psicologia social se tornasse autônoma nos
Estados Unidos, na primeira metade do século XX. E o seu desenvolvimento sofreu a
influência de: MacDougall e Ross (1908) que publicaram, nos Estados Unidos, os
primeiros livros sob a rubrica de psicologia social. Mas MacDougall adotou uma
posição psicológica (a influência do indivíduo sobre o grupo) e Ross adotou uma
posição mais sociológica. Cooley(1902), em sua obra A natureza e a ordem social,
afirma que a sociedade e o indivíduo formam um todo indissociável. Para ele, os
hábitos, as atitudes, os valores não vêm de uma reflexão abstrata, mas da vida real nos
grupos primários, família, grupos de brinquedo e são complementados pelas relações
secundárias. John Dewey realizou estudo (1910) sobre a análise do pensamento em
termos de adaptação. Ele foi o responsável pela aplicação do pragmatismo à educação.
Para ele, era necessário estudar a influência do grupo no indivíduo para saber como
educá-lo.
Após a Primeira Guerra Mundial, que abalou a auto-estima do mundo dito
civilizado, a psicologia social e outras ciências sociais desenvolveram várias pesquisas
para compreender a crise. Os psicólogos sociais foram chamados a dar respostas. Por
isso, passaram a estudar fenômenos como: liderança, opinião pública, propaganda,
preconceito, mudança de atitudes, comunicação, relações raciais, conflitos de valores e
relações grupais. Assim, escalas de mensuração das atitudes, desenvolvidas por
18
Thurstone (1928) e Likert (1932), e, ainda, o desenvolvimento da medida da opinião,
por Gallup (1935), assinalaram o desenvolvimento da mensuração em psicologia social
(FARR, 2004).
Para Estramiana (1995), a psicologia social dos anos 1920 a 1940, nos Estados
Unidos, tem o foco principal na medição das atitudes. Isso impulsionou a consolidação
e o reconhecimento científico da disciplina e a crescente utilização do método
experimental. Nesse período, foram realizadas várias investigações de campo, como as
de Thomas e Znaniecki (1920), que publicaram um estudo sociológico sobre os
camponeses americanos e poloneses, comparando comportamentos e atitudes. Floyd H.
Allport (1924) dedicou-se a estudar o fenômeno do comportamento a sós em
comparação com o comportamento na presença de outros. Sob a influência do
behaviorismo, negou a existência de uma psicologia de grupo, acreditando ser possível
apenas uma psicologia individual. Essas contribuições serviram para despertar o
interesse pela psicologia social.
Nesse período, diversos estudos foram realizados: Jahoda, Lazarsfeld e Zeisel
(1933) sobre as conseqüências psicossociais do desemprego; os estudos experimentais
de Bartlett (1932) sobre a memória e os fatores sociais da recordação; a psicologia
topológica de campo de Lewin (1935/1936); a obra Espírito, pessoa e sociedade, de
Mead (1934), fundamental para o desenvolvimento do interacionismo simbólico; o
enfoque sociométrico para o estudo das estruturas e relações grupais de Moreno (1934);
os estudos experimentais sobre o efeito autocinético, essenciais à elaboração por Sheriff
(1936) da teoria sobre a formação de normas; o estudo sobre formação e mudança de
atitudes de Newcomb (1943). Registrou-se, ainda nesse período, significativa influência
da antropologia cultural sobre a psicologia social, em razão dos escritos de antropólogos
como Franz Boas (Antropologia cultural, 1938), Ruth Benedict (Personalidade e
cultura, 1934), Margaret Mead (Sexo e temperamento em três sociedades primitivas,
1935) e Ralph Linton (O estudo do homem, 1936). Influenciados pele antropologia, os
psicólogos sociais incorporaram, em suas análises, conceitos como instituição, cultura,
status e papel (VALA e MONTEIRO, 1997).
A abordagem histórica das raízes da psicologia moderna tem a universidade de
Chicago como referência, o que proporcionou a origem de diferentes formas de
psicologia social:
O behaviorismo social de G. H. Mead; o estudo científico
de Thomas sobre as atitudes sociais; as técnicas de
19
Thurstone para a mensuração de valores sociais; o
interacionismo símbolo de Blumer e na era moderna, a
sociologia das relações interpessoais de Ichhweiser e as
formas dramatúrgicas de psicologia social de Goffman
(FARR, 2004, p. 161).
De acordo com o mesmo autor, com esse formato, foi-se constituindo a
psicologia social, naquele momento, como um fenômeno tipicamente norte-americano.
O processo de imigração de cientistas, psicólogos, líderes acadêmicos e artistas
da Europa para os Estados Unidos, que foi acelerado em 1933 com a ascenção de Hitler
ao poder na Alemanha contribuiu para o crescimento da psicologia social. Segundo Vala
e Monteiro (1997), para o mundo norte–americano, dirigiram-se grandes nomes da
psicologia social européia, tais como: Muzafer Sherif (1906-1988), Kurt Lewin (18901947), Fritz Heider (1896-1988), Kurt Koffka (1886-1941), Solomon E. Asch (19071996), Wolfgang Kohler (1887-1967), Max Wertheimer (1880-1943), Katona, Bartlett.
Com sua atuação, esses cientistas europeus contribuíram efetivamente para o
desenvolvimento da psicologia social nos Estados Unidos. O país consolidou-se como o
lugar da produção de uma determinada psicologia social, como reunia as condições
ideais – seu fortalecimento tanto nos campos da economia e da política quanto no campo
da cultura – para a autonomização dessa ciência, Vala e Monteiro (1997) ressaltam que
os cientistas europeus encontraram na América do Norte, na década de 1930, uma
psicologia dominada pelo funcionalismo e voltada para a aplicação dos seus
conhecimentos à educação, à indústria, à opinião pública, à medicina etc. Isso refletia a
exigência da sociedade americana de que a psicologia e a psicologia social ajudassem a
educar e a adaptar o indivíduo e os grupos a ela.
Assim, a psicologia social positivista encontrou, naquele momento, nos
Estados Unidos, um campo fértil para o seu desenvolvimento. Com foco no
atendimento grupal, em conseqüência da demanda de clientes, eram estimulados os
estudos sobre grupo e preconceito, porém, numa perspectiva individualista, ou seja,
mediante explicações do fenômeno por meio do comportamento individual.
O principal fator da individualização da psicologia social na América foi sua
filiação ao positivismo e ao pragmatismo, que explicam os fenômenos sociais pelo
comportamento individual, tendo no behaviorismo um de seus expoentes. Outra
vertente da individualização da psicologia é a Gestalt, principalmente com os trabalhos
de Lewin, Heider e Asch. A Gestalt contribuiu para a emergência da psicologia social
cognitiva na América. Com base em seus princípios e métodos, nessa vertente da
20
psicologia, os fenômenos sociais são analisados na perspectiva do indivíduo, porém em
termos de percepção, enquanto o behaviorismo o faz em termos de comportamento.
Nos Estados Unidos, foram os principais marcos da origem da psicologia
social os trabalhos de Binet e Henry (“De la suggestibilitè naturalle chez les enfants”,
1894) de Triplett (“O rendimento das pessoas na presença de outras pessoas”, 1898),
de MacDougall (“Introdução à psicologia social”, 1908) e de Ross (“Psicologia
social”). E estes influenciaram vários autores, considerados neste estudo e suas
principais pesquisas.
Em suma, o desenvolvimento da psicologia social nos Estados Unidos deu-se
por meio dos projetos que explicavam os fenômenos sociais com base no
comportamento e na percepção do indivíduo. Comprova isso a preferência dessa ciência
pelo projeto de MacDougall de uma psicologia social de cunho psicológico, com teses
instintivistas, em detrimento do projeto de Ross, de uma psicologia social de cunho
sociológico, que defendia uma perspectiva mais social.
Desde os primeiros manuais de psicologia social, registra-se a divisão entre as
concepções psicológicas – cognitivismo: busca os fatores presentes no indivíduo para
explicar a relação indivíduo–sociedade – e sociológicas – papel social: apresenta os
fatores sociais como os determinantes dessa relação. Registra-se também que o
desenvolvimento da psicologia social de caráter individualista impediu que o
pensamento de Ross influenciasse essa disciplina. Portanto, o que prevaleceu na
psicologia social norte-americana foi a disciplina experimental e condutivista, que
favoreceu a individualização do seu objeto de estudo (ESTRAMIANA, 1995).
Os principais autores da psicologia social norte-americana de 1910 a 1940 que
influenciaram J. L. Moreno
A psicologia social produzida nos Estados Unidos com sua tradição
pragmática, nas décadas de 1910 a 1940 – portanto, no período da Primeira Guerra
Mundial e que antecede a Segunda Guerra Mundial – é uma ciência, em grande parte,
comprometida com o positivismo e com a manutenção da sociedade burguesa. Ela é
chamada, juntamente com outras ciências sociais, para compreender a crise que abalou
essa sociedade e dar soluções a ela.
Em face dessa realidade, os psicólogos sociais norte-americanos puseram-se a
estudar fenômenos de liderança, opinião pública, propaganda, preconceito, mudança de
21
atitudes, comunicação, relações raciais, conflitos de valores, relações grupais. O
resultado disso foi a constituição de vasto acervo de trabalhos que visavam o
desenvolvimento de procedimentos e técnicas de intervenção nas relações sociais a fim
de possibilitar o ajustamento e a adequação do indivíduo ao contexto social.
O critério de seleção dos autores da psicologia social norte-americana foi que
eles (positivistas ou não) tivessem realizado sua pesquisa no período compreendido
entre 1910 e 1940 e influenciado diretamente J. L. Moreno. Foram, assim, relacionados
como as principais expressões desse período os seguintes estudiosos:
James Mark Baldwin (1861-1934), sociólogo, com a sua obra The individual
and society (1919), foi quem deu destaque à psicologia social no interior das ciências
sociais. Vala e Monteiro (1997) sinalizam que Baldwin, em uma conferência em 1897,
foi o primeiro norte-americano a usar a expressão psicologia social.
Baldwin procurou precisar as idéias de Tarde2 sobre imitação, definindo a
imitação como uma reação sensório-motora e um processo geral cuja gênese está no
indivíduo, embora seja ela um fenômeno social. Segundo esse autor, o indivíduo é um
fator fundamental no processo de socialização. Ele não concebe o psicológico
produzindo o social e nem o contrário, pois, para ele, a dicotomia pessoa–sociedade não
encontra evidência na realidade, uma vez que indivíduo e grupo formam um mesmo
conjunto (RAMOS, 2003). Sabucedo, D’Adamo e Beaudoux (1997) referem-se à
contribuição de Baldwin para uma orientação de cunho mais social da psicologia do
desenvolvimento, elaborando a teoria da recapitulação que aborda o desenvolvimento
social da personalidade.
William Isaac Thomas (1863-1947), importante sociólogo de Chicago,
definiu a psicologia social como o estudo das atitudes sociais. Seu trabalho foi
publicado na década de 1920, em co–autoria com Znaniecki, sob o título O camponês
polonês na Europa e na América, editado em cinco volumes, usou o conceito de atitude
social para estabelecer diferenças entre grupos, como, por exemplo, os imigrantes e a
comunidade nativa. Os valores são tratados como representações coletivas. Ele encarou
as atitudes como o lado subjetivo da cultura (FARR, 2004).
O conceito de atitude, que foi cunhado por Thomas e Znaniecki, possibilitou
estabelecer uma ligação entre o psicológico e o cultural. Outro tema destacado na obra
2
Gabriel Tarde (1843–1904), psicólogo social que publicou, em 1890, a obra As leis da imitação (VALA,
MONTERIO, 1997).
22
são os grupos: “encontramos a idéia de que os membros de um grupo formam atitudes e
valores comuns resultantes da partilha de condições de vida também comuns” (VALA,
MONTEIRO, 1997, p. 383).
Kurt Lewin (1890-1947), psicólogo, americano naturalizado desenvolveu
seus primeiros estudos sobre a memória e a percepção. Desde o início de sua carreira,
deu grande importância à psicologia aplicada, voltada para resolver os problemas
humanos e para a solução de problemas sociais. Goldstein (1983) ressalta que Lewin
acreditava que a teoria e a pesquisa poderiam associar-se para dar explicações aos
problemas sociais.
Em 1936, por influência da Gestalt fundamental, publicou Principles of
topological psychology, obra em que pensou a psicologia em termos da física e adotou
as noções de campo de forças. Para o autor, só por meio da apreciação do campo
psicológico total (espaço vital), num dado momento e em um caso concreto, é possível
prever o comportamento. De acordo com Lewin, topologia é a disciplina matemática
que mais convém ao estudo do comportamento (VALA e MONTEIRO, 1997).
Lewin e seus associados assumem, em 1939, uma notável importância na
evolução da psicologia social com o estudo experimental sobre atmosferas grupais –
autoritárias democráticas e laissez-faire – e a criação do Research Center for Group
Dynamics no Massachussats Institute of Technology, reúne a nata dos psicólogos
americanos. A esse respeito escreve Farr (2004, p.148): “Foi Lewin, muito mais do que
Heider, que influenciou decisivamente o desenvolvimento da psicologia social
experimental nos Estados Unidos”.
Em outro estudo, sobre os processos grupais, Lewin trabalhou com a dinâmica
de grupo – termo cunhado por ele. Foi uma incumbência recebida do governo norteamericano, para ajudar a modificar hábitos da população americana durante a guerra,
considerados nefastos do ponto de vista alimentar, sanitário e econômico. (VALA e
MONTEIRO, 1997).
Segundo Goldstein (1983), o mérito do conceito de dinâmica de grupo é
atribuído a Lewin. Este considerava os membros do grupo não isoladamente, mas numa
relação de interdependência. Em sua visão, o grupo é mais do que a soma de seus
membros e tem propriedades dinâmicas que os indivíduos não têm. Lewin criou os
grupos T, cujo objetivo era tornar as pessoas mais conscientes dos sentimentos e das
idéias das demais pessoas por meio da coesão grupal.
23
Lewin desenvolveu ainda outro conceito importante na abordagem do grupo: a
tensão explica a dinâmica desse conceito nos seguintes termos: como força motivadora
do comportamento humano. Goldstein (1983, p.21) “cria-se tensão sempre que existe
uma necessidade psicológica; a tensão se reduz quando esta necessidade foi satisfeita”.
De acordo com Marx e Hillix (1982), Lewin, no início, concentrou-se nos
problemas do sujeito individual, os quais o levaram a estudar a organização da
personalidade; só posteriormente direcionou seus esforços para os problemas da
psicologia social, focando a dinâmica de grupo e a pesquisa de ação.
George Herbert Mead3 (1863-1931), filósofo e psicólogo social, foi o último
dos psicólogos-filósofos americanos. Como filósofo, era pragmático, e ,como cientista,
era um psicólogo social. Fez pós-graduação em psicologia e filosofia na Alemanha.
Em sua obra Mind, self and society: from the standpoint of a social
behaviorist, publicada, em 1934, após sua morte, demonstrou como o self emerge da
interação social e como a relação entre indivíduo e sociedade é dialética,4 de tal modo
que a individualização é o resultado da socialização. A proposta apontava para a
convergência entre indivíduo e sociedade, que aconteceria na comunicação. Sociedade,
indivíduo e mente seriam três entidades indissociáveis, que comporiam o ato social
(FARR, 2004).
Mead concebe o ato social como a essência do comportamento social. As
pessoas, ao satisfazerem seus impulsos devem levar em conta os outros, pois elas não
vivem isoladas umas das outras. Assim, não se pode compreender o comportamento
sem compreender a interação, uma vez que aquele é originário desta, e não
simplesmente algo que ocorre durante seu curso.
Nesse ponto da visão teórica de Mead, emerge o papel da linguagem. As
pessoas interagem efetivamente por meio dela. É a capacidade de se comunicar por
meio da linguagem simbólica que diferencia os seres humanos de outras espécies
(GOLDSTEIN, 1983).
Segundo Haguette (2003), Mead ofereceu uma descrição do self social na
habilidade do indivíduo de tomar o lugar do outro, por meio do uso da linguagem. Em
3
George Herbert Mead (1863-1931), filosófo pragmático, psicólogo social, foi fortemente influenciado
pela Volkerpsychologie de Wundt e pela teoria da evolução de Darwin (FARR, 2004).
4
Mead não era marxista e, sim, um pragmatista, por isso abdicou da dialética, em cuja perspectiva um
pólo expressa-se no outro. Não chegou a negar a “natureza” social do comportamento humano, mas
postula que o caráter social é neutralizado. Para ele, a sociedade é anterior ao indivíduo e é ela que
explica o indivíduo e não o contrário (SASS, 2004).
24
outros termos, o indivíduo só aparece em seu próprio comportamento como um self
quando ele é capaz de tomar a atitude do outro e torná-la parte essencial do próprio
comportamento. Para essa autora, Mead fundamenta sua teoria na descrição do
comportamento humano, cujo dado principal é o ato social, concebido como
comportamento externo observável e também como atividade encoberta no ato. Ele se
opunha à teoria de John B. Watson, que reduz o comportamento humano aos
mecanismos atuantes no nível infra-humano, cuja dimensão social é vista apenas como
influente sobre o indivíduo. Para Mead, o comportamento envolve uma resposta às
intenções não transmitidas por meio de gestos que se tornam simbólicos.
De acordo com Figueiredo (2003, p.101), Mead, por influência de Wundt,
familiarizou-se com o conceito darwiniano de gesto, que quer dizer “uma ação recebida
e interpretada por um outro organismo que, ao responder, estabelece um comércio de
informações – uma conversação”. Assim, no comportamento dos atores sociais na vida
social cotidiana, tem como substantivo elementar a ação e suas formas diversificadas de
manifestações.
A obra de Mead aborda também a natureza social da personalidade, bem como
a autoconsciência. Para ele, o eu nasce na conduta, quando a pessoa torna-se um ser
social por sua própria experiência. A expressão do eu na conduta para com os outros é
um papel. Os papéis assumidos por uma pessoa são múltiplos, mas essa multiplicidade
não constitui uma personalidade. Para que esta se constitua, os papéis têm de integrarse. Para Sass (2004), Mead entende que o desempenho do papel é constitutivo da pessoa
e não há um sujeito oculto. Sass discorda de que Mead seja o precursor da teoria
funcionalista dos papéis sociais.
Gardner Murphy (1895-1979), psicólogo que foi educado em Yale, Harvard
e Colúmbia. Dedicou-se inicialmente à psicologia acadêmica. Foi professor na
Universidade de Colúmbia. Publicou diversas obras, embora sejam mencionadas neste
estudo somente as que foram publicadas no período estipulado pela pesquisa: em 1931,
Psicologia social; em 1933, Compêndio de introdução à psicologia; em 1938, colaborou
com Likert na publicação sobre o tema de medição de atitudes e comportamento
eleitoral nas urnas. Tornou-se depois diretor de departamento no City College de Nova
Iorque. Realizou estudos na área de parapsicologia, sobre as relações internacionais e a
personalidade, que foram publicados após 1940 (MARX e HILLIX, 1982).
25
Em 1937, Murphy foi o primeiro editor do periódico Sociometry: a journal of
interpersonal relations, criado por J. L. Moreno. Ele contribuiu para divulgar a
sociometria no meio acadêmico (MARINEAU, 1992).
O que se pôde constatar, nessa breve revisão de alguns autores da psicologia
norte-americana do período de 1910 a 1940, foi que a maioria deles manteve tem uma
posição tradicional positivista e pragmática, em que as pesquisas teriam apenas a função
de definir papéis, a identidade social dos indivíduos, com o objetivo de promover a
harmonia, a produtividade e a coesão grupal. Em geral, foram estudos que se
caracterizaram pelo propósito de intervenção para minimizar conflitos e que segundo
Lane (1986b), viam o grupo e a sociedade como a–históricos. Ou seja, nesses estudos, o
ser humano surge como portador de uma natureza que o define a priori,
independentemente de suas relações sociais, sendo um ideal natural a ser perseguido e
nunca um ser em construção em condições específicas e determinadas.
A abordagem do pragmatismo como expressão da sociedade norte-americana
impõe-se a fim de que se possa compreender uma mediação significativa do objeto de
estudo deste trabalho. Como seu objetivo é a teoria sociométrica e a psicologia social
americana de 1910 a 1940, não seria possível, para este estudo, aproximar-se da
essência dessa relação sem considerar a relevância, naquele contexto sócio–histórico,
do pensamento pragmático.
Pragmatismo como expressão da sociedade norte-americana
A
sociedade
norte-americana
tem-se
caracterizado
pelo
pensamento
pluralístico, receptivo a uma grande variedade de temas e movimentos. Mas, apesar da
diversidade proporcionada pela influência do pensamento estrangeiro, parece haver uma
tendência, constante na tradição dessa sociedade: todas as idéias têm sido avaliadas
pragmaticamente e sua importância determinada pela referência a possíveis aplicações
práticas.
No entanto, nem sempre se tratou de acolher apenas aquilo que é prático ou
útil. O pragmatismo transformou-se em doutrina somente a partir das últimas décadas
do século XIX e continuou ativo no século XX, acompanhando a projeção internacional
dos Estados Unidos no domínio econômico e político. Essa teoria é também orientada
pela concepção do controle social no sentido de auto-regulação e solução de problemas
coletivos.
26
A sociedade americana necessitava de uma ciência que pudesse ser aplicada às
exigências cotidianas e aos problemas da vida moderna. O contexto dessa sociedade
estava, pois, propício à evolução da visão e atitude pragmatista. Para Bock, Furtado e
Teixeira (1993, p. 37) “uma sociedade que exigia o pragmatismo para o seu
desenvolvimento econômico acaba por exigir dos cientistas americanos o mesmo
espírito”.
O crescimento
material
e social
da
sociedade norte-americana,
a
institucionalização do ensino e o pragmatismo estão intimamente interligados. Segundo
Mills (1971), o pragmatismo tem origem fora da academia e apenas posteriormente é
absorvido e sistematizado por ela como escola de pensamento. Para ele, a história do
pragmatismo confunde-se com a história do profissionalismo intelectual dos Estados
Unidos. Então, por ser um sistema de pensamento bem estruturado, o pragmatismo
confirma-se como um dos elementos organizadores da nova ordem do mundo.
Essa nova ordem está fundada na lógica do desenvolvimento do capitalismo,
que exige a expansão do Estado, nova ordem na divisão do trabalho, a diversificação
profissional, a supremacia da cidade e da indústria sobre o campo e a agricultura, a
implementação de técnicas modernas. Em razão disso, a ciência e a universidade
americanas são fundamentais para a consolidação dessa nova ordem (SASS, 2004).
O pragmatismo é uma importante forma assumida pelo pensamento moderno
para combater os estilos de pensamento que dificultam a instauração da nova ordem do
mundo. Segundo Sass (2004, p. 58), “dizer que o pragmatismo é tão-somente a elevação
do senso comum dos homens práticos americanos à categoria de filosofia é uma
simplificação excessiva e injustificada”. Para ele, o pragmatismo não é uma concepção
ingênua e espontânea, mas uma filosofia que tem um corpo coerente de princípios e
métodos sistematizados. Por suas críticas ao racionalismo idealista e ao empirismo
inglês, o pragmatismo configura uma visão de mundo que apresenta enraizamentos
sociais e culturais profundos.
As idéias originais do pragmatismo surgiram na Inglaterra. Porém, foi nos
Estados Unidos que, em 1878, elas foram desenvolvidas e sistematizadas por Charles
Peirce,
5
5
que traçou as principais linhas do pensamento pragmático em seu artigo
Charles Sanders Peirce (1839-1914), filósofo norte-americano, criador da corrente de idéias surgida nos
Estados Unidos e que se estendeu por todo o mundo no século XX: o pragmatismo. Para ele o ser humano
não pode aceitar uma crença sobre o mundo se esta se contradiz com a experiência. Influenciou os
filósofos americanos de sua época. Pierce deu também importante contribuição à teoria dos signos.
27
“Como tornar claras as nossas idéias”. Nesse artigo, Peirce esclarece que toda função do
pensamento é produzir hábitos de ação e que o significado de uma coisa é o conjunto
dos hábitos que envolvem. Assim, os efeitos da concepção de um objeto são dados pela
sua conseqüência prática. Para ele, as conseqüências práticas são as idéias que têm um
efeito na nossa ação, na nossa prática. Quando a experiência humana é influenciada por
idéias que têm conseqüências práticas, então o pragmatista diz que essas idéias têm
significado. Logo, idéias que não têm conseqüências práticas não têm significado
(HIFUME, 2003).
Com o objetivo de elucidar o termo pragmatismo, William James (1989, p. 18)
recorre à história: “o termo deriva da mesma palavra grega prágma, que significa ação,
da qual vêm as nossas palavras ‘prática’ e ‘prático”. É um método que explica um
objeto por meio da natureza prática que o objeto pode envolver. Para ele, o pragmatista
volta-se para o concreto e o adequado, para os fatos, para a ação e o poder em
contraposição ao dogma, à artificialidade e à pretensão de finalidade na verdade.
Peirce propôs posteriormente o termo “pragmaticismo” para designar sua
doutrina, com o intuito de diferenciá-la do pragmatismo de William James, que é uma
transposição para o campo ético daquilo que inicialmente se tinha pensado em um
sentido puramente científico e metodológico. De acordo com Hifume (2003), Peirce
destacou que o seu pragmatismo não é tanto uma doutrina que expressa
conceptualmente aquilo que o homem concreto deseja e postula, mas, sim, uma teoria
que permite dar significação às únicas proposições que podem ter sentido.
Para Peirce (1983), o pragmatismo é um método que deveria reconstruir e
explicar os significados de conceitos que não são claros. A determinação do significado
do conceito é dada por suas possíveis conseqüências futuras, denominadas por ele como
conseqüências práticas, nas quais pensamento e ação deveriam estar ligados. Assim,
conceber algo equivaleria a conceber como ele funciona ou como pode ser realizado.
O pragmatismo, conforme o explica Pierce (1983, p. 5), é:
efeitos A opinião segundo a qual a metafísica será
amplamente clarificada pela aplicação da seguinte máxima
que visa a conseguir clareza: considerar os práticos que
possam pensar-se como produzidos pelo objeto de nossa
concepção. A concepção destes efeitos é a concepção total
do objeto.
Um dos objetivos do pragmatismo, de acordo com Peirce (1983, p. 7) seria
colocar um termo às disputas filosóficas. Que seria solucionada da seguinte forma:
28
“para determinar o sentido de uma concepção intelectual devem-se considerar as
conseqüências práticas pensáveis como resultantes necessariamente da verdade da
concepção; e a soma dessas conseqüências constituirá o sentido total da concepção.”
Portanto, esse método procura determinar os sentidos dos conceitos abstratos,
sobre os quais trabalha o raciocínio. E o raciocínio, sob o ponto de vista pragmático,
deve ser necessário e não vago. O pensamento vem a ser, então, uma aplicação da
doutrina daquilo que se escolhe fazer. E a separação da concepção confusa ocorrerá na
medida em que ela tiver uma aplicação prática.
De acordo com Marx e Hillix (1982), para os pragmatistas, o conhecimento só
é válido em função das suas conseqüências, valores ou utilidades. Essa concepção tem
como meta estudar o sujeito no seu ajustamento e reajustamento ao meio.
Na visão de Peirce, como um método de esclarecimento de conceitos, uma
teoria da significação6, o pragmatismo situa-se no terreno da lógica. Em William James
(2006), entretanto, o pragmatismo é muito mais amplo, indo além de um método de
determinação de significados e contemplando uma nova teoria da verdade.
De acordo com James (2006, p. 47), a validade de uma idéia deve ser
verificada por suas conseqüências práticas. Isso quer dizer que uma coisa só é
verdadeira se funcionar. Na sua forma de pensar, o pragmatista “volta-se para o
concreto e o adequado, para os fatos, a ação e o poder. [...] em contraposição ao dogma,
à artificialidade e à pretensão de finalidade na verdade.” Assim, uma idéia torna-se
verdadeira pelos acontecimentos, pelo processo de descoberta, pelo empírico. A verdade
é, pois, um processo de descoberta.
O pensamento de James tem dois momentos: no primeiro, ele combate o
racionalismo e a metafísica e, no segundo, discute a concepção de verdade, que entende
ser construída processualmente pelo sujeito e de acordo com os resultados práticos. Em
ambos, o alvo é o racionalismo e a metafísica decorrente (SASS, 2004).
A verdade de uma doutrina, para o pragmatista, consiste em que ela seja útil e
propicie alguma espécie de êxito ou satisfação. James (2006, p. 114) ressalta que “o
valor prático de idéias verdadeiras é, pois, derivado primariamente da importância
prática de seus objetos para nós.” Portanto, a verdade deixa de ser concebida como
6
Segundo Peirce, para solucionar os problemas filosóficos, era necessário descobrir métodos apropriados
que conferissem significados às idéias filosóficas em termos experimentais e organizassem essas idéias
para que pudessem ser estendidas a novos fatos. O pragmatismo deveria constituir um método de
reconstrução ou de explicação dos significados de conceitos pouco claros (PEIRCE, 1983).
29
adequação entre o pensamento e o pensado, a mente e a realidade exterior para tornar-se
funcional. Por esse raciocínio, uma proposição é considerada verdadeira na medida em
que possa orientar o ser humano na realidade circundante e conduzi-lo de uma
experiência até outra. Assim, a verdade modifica-se e expande-se sempre. O pragmatista
agarra-se aos fatos e coisas concretas, observa como a verdade opera em casos
particulares e generaliza.
James (2006) vincula a percepção de verdade ao método pragmático e defende
uma disciplina do método. Para ele, a filosofia deveria imitar os procedimentos das
ciências naturais e ser indutiva e empírica como elas. Nessa perspectiva, as proposições
exigem comprovação para serem admitidas como verdadeiras; assim, as idéias
verdadeiras são aquelas que podem ser assimiladas, validadas e verificadas. Como
método, de acordo com James (2006, p. 44), o pragmatismo “é, primariamente, um
método de assentar disputas metafísicas que, de outro modo, se estenderiam
interminavelmente”.
A diferença básica entre James e Peirce está na definição de verdade e
significado. Para Peirce, tais definições dependiam de processos públicos, enquanto
para James eram mais subjetivas e pessoais. Sass (2004, p. 64) afirma que “a
subjetivação da verdade é a base para James erigir a psicologia como ciência”.
A noção de verdade subjetiva de James (2006) é convertida em um processo
de construção psicológica. Então, para que a verdade seja verificada deve-se incluir a
dimensão psicológica. De acordo com Sass (2004, p. 66)
mais do que isso, a verdade psicológica de James não se
ajusta à psicologia dos estados mentais aceita pelos
racionalistas, exige uma psicologia em que a experiência
do sujeito e, portanto, da introspecção exerça papel
decisivo. Põe-se de pé assim a psicologia fisiológica do
médico William James.
Essa noção de verdade que repousa na conseqüência da ação do sujeito
destrona a psicologia associacionista, dos estados mentais, e substitui-a pelo modo
como a mente humana funciona. Segundo Sass (2004), as promoções do essencialismo
para o funcionalismo dos conceitos; do lógico para o psicológico, feitas pelo
pragmatismo de James, foram recebidas com severas críticas por Peirce.
Peirce (1983, p. 104-105), em carta endereçada a James, expressa o seu
descontentamento com a direção que o pragmatismo havia tomado: “Você e o Schiller
levam o pragmatismo muito longe para o meu gosto.” E continua com sua crítica:
30
“Também dizer que, apesar de tudo, o pragmatismo não resolve nenhum verdadeiro
problema mostra apenas que pretensos problemas não são problemas reais”.
As divergências entre Peirce e James demonstram que o pragmatismo não é
um bloco monolítico. Por isso, Sass (2004) alerta que não é um procedimento científico
satisfatório generalizar distintas concepções. Assim, talvez seja mais apropriado falar
em pragmatismos e não em pragmatismo, pois não se podem apagar as distinções da
forma de pensar de Charles Peirce, William James, John Dewey e George Mead. Nesse
sentido, cabe reiterar que, para Peirce, a fonte do pragmatismo é Kant, para James, é
Hume e para Mead, é a filosofia idealista de Hegel.
Mesmo sendo distintas essas posições, pode-se verificar uma aproximação
entre Pierce e Mead e entre James e Dewey. Os primeiros, de acordo com Farr (2004),
são mais claramente sociais, no que tange à teoria da verdade, do que os dois últimos.
Para Vala e Monteiro (1997), John Dewey, discípulo de James, alia o
funcionalismo ao pragmatismo. Assim, ele lida com a mente em ação e não com um
sujeito passivo que responde a estímulos. Para isso, construiu a teoria social da mente,
que segundo Mills (1971), é o cimento da psicologia liberal de Dewey.
A propósito da ação, Dewey (1952, p. 45) escreveu:
Ação [...] é adaptação, ajustamento. [...] toda atividade se
efetiva em um meio, em uma situação, e com referência às
suas condições. [...] Tudo afinal se resume na atividade em
que entra a inteligência reagindo ao que lhe é externamente
apresentado.
O sentido da vida é a ação e o valor da verdade resulta do rendimento da ação.
Para Dewey, a ação se exerce como forma de experiência. A vida é constituída de várias
experiências. E não se pode separar a vida da experiência nem da aprendizagem, pois
simultaneamente vivemos, experimentamos e aprendemos. Portanto, “o verdadeiro
desenvolvimento é um desenvolvimento da experiência, pela experiência” (DEWEY,
1952, p. 39). A experiência, para Dewey, é a relação que se processa entre dois
elementos do cosmos, alterando-lhes, até certo ponto, a realidade.
Dewey compreendia o ser humano como resultado do hábito, por sua vez
modelado pela capacidade adaptativa da natureza humana, passível de ser modificada
pela atividade educacional. Nesse sentido, a inteligência é fundamental na visão liberal
de Dewey, pois tem a função de harmonizar os valores morais, educacionais e políticos.
Os corpos agem e reagem, para a conquista de um equilíbrio de adaptação. A serviço
31
dessa compreensão está a tradição psicológica social do pragmatismo que se desenvolve
entre o racionalismo e o individualismo (MILLS, 1971).
Dewey (1959) propugna que a escola deve desenvolver no aluno a aptidão
para pensar. Para ele, o pensamento é uma forma de abordar a experiência, em face de
problemas reais. Em Dewey, tudo é relativo à ação e se esta é útil –portanto,
necessária–, seus resultados são os únicos valores que a sociedade pode aceitar.
A partir dessa psicologia de fundo funcional-pragmático, constituiu-se, nos
Estados Unidos, a psicologia social de caráter utilitário. Para essa forma de pensamento
importa saber o que os homens fazem e por que o fazem. Então, a resposta é pesquisada
na compreensão do funcionamento da consciência e de como o sujeito usa-a para
adaptar-se ao meio.
O desenvolvimento do capitalismo, naquela sociedade, teve grande impulso no
período compreendido entre meados do século XIX e a Segunda Guerra Mundial e
estimulou a psicologia social a desenvolver dois aspectos: o funcionalismo e a
aplicação. Foi em razão disso que, nos Estados Unidos, a psicologia social ganhou
autonomia, dotando-se de objeto e métodos próprios. Naquele momento, investia-se em
uma ciência que pudesse interferir nas relações grupais para harmonizá-las e assim
garantir a produtividade (SASS, 2004). Enfim, o impacto das condições e processos
sociais da sociedade norte-americana possibilitou que a psicologia social se tornasse
autônoma e atingisse seu auge.
A CONSTRUÇÃO DO PSICODRAMA E DA SOCIOMETRIA
Vida e obra de J. L. Moreno
A vida e a obra de Moreno interpenetram-se. Por isso, conhecer sua história de
vida favorece a compreensão da obra que ele realizou. Esta surgiu e desenvolveu em um
contexto histórico determinado, sob a ação desse homem determinado.
Jacob Levy Moreno nasceu em 18 de maio de 1889, em Bucareste, na
Romênia, e somou “raízes romenas, turcas, austríacas, cristãs e judias” (GOMES, 2005,
p. 155). Era o primogênito de uma prole de cinco irmãos; seu pai era turco e sua mãe,
romena, ambos com ascendência sefardita.7
Motta (1998, p. 76) descreve a família de Moreno da seguinte forma:
Relembrando o perfil da família Moreno podemos ver uma
mãe adolescente de 15 anos, judia, pobre, imigrante, que
passa a maior parte do seu tempo com o filho primogênito,
enquanto o pai, 32 anos, caixeiro-viajante, está fora da
cidade a negócios ou ausente de casa com compromissos
sociais. Este pai, aparentemente intermitente na vida da
família, e para o filho, em um plano de realidade
suplementar e virtual, o contrapapel constante e desejado
que inspira o projeto moreniano, incluindo a persistente
busca de incorporar ao seu nome original – Jacob Levy – o
nome paterno.
O casamento dos pais de Moreno foi, segundo Marineau (1992), de
conveniência, sob vários aspectos. O pai, Moreno Nissim Levy, tinha 32 anos, era
caixeiro-viajante e relativamente pobre. Contava uma idade em que era importante
estabelecer-se e ter uma família. A mãe, Paulina Iancu, tinha 15 anos e era órfã de pai e
mãe. Recém-saída do convento católico, foi obrigada a aceitar a escolha dos irmãos
mais velhos para se casar. Este foi o começo de uma relação tensa, em que o casal
7
Descendentes dos judeus que viveram em Portugal e na Espanha por cerca de 500 anos, até 1492,
quando foram expulsos pelos reis católicos Fernando e Isabel, espalhando-se pela Europa, pelo Oriente
Médio e pelas Américas (KNOBEL, 2004, p. 35).
33
ficava mais separado do que junto. Assim foi o ambiente em que o pequeno Jacob
nasceu e foi educado.
Ser o primeiro filho e estar com freqüência a sós com a mãe, nos primeiros
meses de vida, propiciou a construção de um vínculo especial entre Moreno e Paulina,
que se traduziu na preferência dela pelo filho mais velho. Esse vínculo foi reforçado por
uma doença grave e longa que acometeu Moreno, quando tinha um ano de idade. Mãe e
filho conseguiram superar a crise e essa experiência fez que ela desenvolvesse a idéia
de que aquela criança não era comum (MARINEAU, 1992).
Essa idéia é importante, em razão da influência que exerceu sobre o jovem
Jacob, que desenvolveu uma relação especial com aqueles que o cercavam, marcada
pela admiração. Demonstram isso as brincadeiras de criança de Moreno, as quais
refletem a idéia de que era uma pessoa especial: sua brincadeira predileta era
desempenhar o papel de Deus.
A propósito desse aspecto de sua experiência, Moreno (1997, p. 27) escreveu:
Com quatro anos de idade, comecei a freqüentar uma
escola bíblica sefardita. [...] Assim meu fascínio pela idéia
de Deus começou em minha tenra infância. A mais famosa
“pessoa” do universo era Deus, e eu gostava de estar ligado
a Ele. A primeira sessão psicodramática teve lugar quando
eu atuei como Deus, aos quatro anos de idade, em alguma
data em 1894.
Em 1896, Moreno emigrou com sua família para Viena, na Áustria, que nessa
época era o grande centro cultural da Europa. Com cerca de seis anos, entrou na escola
e saiu-se bem nos estudos, sendo motivo de orgulho para os pais. Seu pai era
pragmático e lhe sugeriu que fosse médico. A partir desse momento, todos passaram a
chamá-lo de doutor. Essa forma de tratamento acompanhou-o até a morte
(MARINEAU, 1992).
Em 1905, quando Moreno contava dezesseis anos, sua família mudou-se para
Berlim. Mas ele não conseguiu ficar longe de Viena. Depois de uma briga com os pais,
obteve o consentimento deles para retornar àquela cidade. Foi, então, morar com
amigos e passou a manter-se sozinho, sem jamais voltar a viver com sua família
(MARINEAU, 1992).
Separado da família e procurando compreender a si mesmo, buscou respostas
na filosofia, na religião e na poesia. Dedicou-se à leitura, não sistemática, do Velho e do
Novo Testamento; de filósofos como Spinoza, Descartes, Kant, Hegel e Marx; de
34
escritores e poetas, como Dostoiévski, Tolstoi, Whitman e Goethe. Outra fonte
importante em suas buscas foi o diálogo com os seus pares, com os quais compartilhava
idéias e experiências (MORENO, 1997).
Na opinião de Romaña (1990, p. 72), as experiências vividas por Moreno na
adolescência foram fundamentais para a formação do homem Moreno: “Penso que foi
ela [a adolescência] que deu aos seus anos adultos e maduros o ar de juventude, de
inconformismo, de irreverência, de quem precisa sempre olhar as coisas pelo avesso”.
Foram cerca de dois anos – entre 1906 e 1907 – de intensa busca espiritual e
isolamento, sobrevivendo em Viena como professor. Aos poucos, Moreno retomou o
contato com o mundo e, em 1909, entrou para a universidade de Viena. Estudou um ano
na faculdade de filosofia e depois transferiu-se para a faculdade de medicina. Lá,
conheceu Chaim Kelmer, Andras Petö e Hans Feda Brauchbar e, juntos, fundaram a
Casa do Encontro, que funcionava como abrigo, instituição de ajuda a imigrantes e
refugiados e como comunidade. Sobre essa experiência, declara Moreno (1997, p. 44):
“É como se eu fosse profundamente impulsionado a alcançar uma espécie de vitória
interna que não podia ser atingida a menos que fizesse coisas extraordinárias”.
Segundo Gonçalves, Wolff e Almeida (1988), nesse período Moreno ia aos
parques de Viena e reunia as crianças para brincar. Por meio de jogos de improvisação,
incentivava o desenvolvimento de sua espontaneidade e criatividade. Moreno (1997)
admitiu a influência de Rousseau, Pestalozzi e Froebel, mas acrescentou a
improvisação, a espontaneidade e a criatividade, que favoreciam uma revolução criativa
entre as crianças.
Em 1912, estudante de medicina, Moreno trabalhou como assistente de
pesquisa do professor Otto Pötzl no estudo sobre sonhos dos alcoolistas. Depois,
trabalhou com Deutsch e Schilder na pesquisa sobre os sonhos. A ligação com Pötzl
possibilitou a Moreno trabalhar na clínica da universidade, na Lazarettgasse e no
hospital psiquiátrico Steinhof, sendo essa sua primeira experiência com instituições de
doentes mentais. Demonstrou não aprovar o que viu, mas, pela circunstância de ser
ainda estudante, não pôde manifestar sua reprovação em seus comentários, pois temia
ser afastado do estudo. Nesse período, Moreno não imaginava que um dia iria trabalhar
no campo da saúde mental, uma vez que estudava para ser médico de família
(MARINEAU, 1992).
35
Gomes (2005) afirma que Moreno foi influenciado pelo movimento
expressionista e que se engajava em várias atividades paralelas durante o curso de
medicina. Para ele, a ação foi sempre importante. Ele acreditava que cada ser humano
deve fazer-se autor e ator de sua própria história. Assim, estava sempre atento a todas as
possibilidades de agir, como na ocasião em que ele se juntou a um amigo jornalista e a
um médico venereologista e, por meio de técnicas grupais, desenvolveu um trabalho
educativo com as prostitutas vienenses.
Outra experiência importante na formação de Moreno ocorreu no período de
1915 a 1918, quando ele trabalhou em dois campos de refugiados da Primeira Guerra
Mundial, na Áustria e na Hungria. O trabalho que desenvolveu no campo austríaco de
Mittendorf tem interesse especial, pois foi um prelúdio ao desenvolvimento da
sociometria. No hospital infantil e no dia-a-dia desse campo de refugiados, ele se pôs a
observar as condições de vida em cada casa, as interações entre as casas e nas fábricas
constituídas dentro do campo. Moreno teve a colaboração do psicólogo italiano
Ferruccio Bannizone, que era o administrador do campo e constatou a importância de
considerar as preferências e afinidades das pessoas (MARINEAU, 1992).
Sobre a experiência de Mittendorf, Moreno (1997, p. 67) escreveu:
O advento da sociometria não pode ser compreendido sem
avaliar meu passado pré-sociométrico, tendo em vista o
contexto histórico-ideológico do mundo ocidental antes,
durante e após a Primeira Guerra Mundial.
Moreno formou-se em medicina em 1917, pela universidade de Viena. Depois
foi trabalhar no interior da Áustria, primeiramente em Kottingbrunn e, depois, como
chefe da saúde pública municipal de Bad Vöslau, a convite do prefeito. Nesse período,
em seu tempo livre, freqüentava os cafés, onde se reuniam vários intelectuais e artistas,
de quem ele ficou amigo. De 1918 até 1920, colaborou com o jornal, inicialmente
denominado Daimon, de filosofia existencialista, tornando-se, por um período, seu
editor.
Segundo Knobel (2004, p. 47), esse jornal teve a participação de diversos
nomes importantes:
Os poetas Franz Werfel e Peter Altenberg, o filósofo
Martin Buber, o sociólogo Max Scheler, o dramaturgo
Georg Kaiser, os escritores marxistas Gustave Landeauer,
Hugo Sonnenschein e Ernest Toller. Participam também os
36
tchecos: Max Brod, Robert Musil, Otokar Brezina e Franz
Kafka.
Ainda em 1920, Moreno publicou anonimamente o livro As palavras do pai.
Na opinião de Marineau (1992), essa obra propõe uma filosofia de co-criatividade e de
co-responsabilidade. Há nela vários conceitos da futura teoria moreniana.
Aos poucos, Moreno foi se afastando do grupo de intelectuais do Daimon e, ao
mesmo tempo, aproximando-se de um grupo de atores e atrizes. Esse grupo passou a se
reunir regularmente a partir de 1921. Nesse mesmo ano, Moreno fundou o teatro
vienense da espontaneidade, com o objetivo de tirar o teatro das “conservas culturais.” 8
O tema predominante na vida de Moreno, nesse momento, era – embora não
abandonasse a medicina – o teatro. Mas não era o teatro convencional, com o uso de
textos decorados e ensaiados. Moreno estava interessado no teatro do improviso, em
que o ator, sem um texto e ensaio prévio iria, no aqui e agora, criar e representar uma
história, para transformá-la (MARINEAU, 1992).
O próprio Moreno (1984, p. 19) explica a perspectiva da experiência teatral
que propunha:
O teatro consistia num retiro seguro para uma revolução à
surdina, oferecendo possibilidades ilimitadas para a
pesquisa de espontaneidade a nível experimental. A
espontaneidade poderia ser testada e mensurada numa
atmosfera isenta dos abusos da mediocridade.
O interesse de Moreno por essa nova modalidade de teatro estava
contextualizado por um momento histórico e sócio–cultural que propiciava essas
alternativas. A arte afastava-se do mundo burguês em busca de autenticidade e pureza.
E isso, segundo Grinberg e Luz (2004, p. 305), motivava “os artistas do início do século
XX a uma procura incessante, cujo resultado se comprova na produção de obras que
darão corpo a uma notável revolução cultural”. As autoras acrescentam que as artes
sintonizavam com o novo tempo e espaço relativizado, influenciadas pela teoria da
relatividade, do físico alemão Albert Einstein, em 1905.
8
Todo resultado de um processo de criação ou de um ato criador pode cristalizar-se como conserva
cultural. Conservas culturais são objetos materiais (incluindo-se obras de arte), comportamentos, usos e
costumes, que se mantêm idênticos, em uma dada cultura. Para que a criatividade se manifeste é
necessário, segundo Moreno, que as conservas culturais constituam somente o ponto de partida e a base
da ação, sob pena de se transformarem em seus obstáculos (GONÇALVES, WOLFF, ALMEIDA, 1988).
37
Essas mudanças ocorriam também no teatro. De acordo com Gonçalves, Wolff
e Almeida (1988, p. 14), o mundo estava revolucionando essa forma de expressão
cultural:
Em 1905 Stanislavski criara o estúdio experimental de
teatro; também nesse ano Max Reinhardt quebrou a
convenção entre palco e platéia e levou o teatro para as
igrejas e circos. Em 1917 Pirandello alcançava sucesso
com seu teatro psicológico, e em 1927 Artaud fundava o
teatro de vanguarda propondo a catarse do terror.
Nesse contexto, Moreno realizou o teatro da espontaneidade, em que não há
texto ou ensaio. A criação se dá no momento mesmo da apresentação, por isso o enredo
e as falas são improvisados. As histórias são inventadas pelos atores, surgem da vida,
dos fatos da comunidade. Os personagens atuam no mesmo momento que são criados
(MORENO, 1984).
A proposta do teatro espontâneo despertou interesse. Porém, essa forma de
apresentação enfrentou algumas dificuldades, tais como: o público e a crítica
duvidavam das apresentações. Questionavam se realmente poderia haver teatro
espontâneo. Por isso, quando as apresentações desenvolviam-se bem, vinham as
acusações de que tudo havia sido ensaiado, portanto tratava-se de uma fraude; e quando
iam mal, diziam que a proposta era inviável. A forma que Moreno encontrou para
superar essas críticas foi dramatizar as notícias dos jornais do dia. Para Gonçalves,
Wolff e Almeida (1988), nesse momento foram lançadas, sem saber, as bases de um
futuro método, o sociodrama, que tem como finalidade trabalhar os temas grupais.
Moreno realizou várias formas de trabalho teatral: na prática médica, utilizou
o teatro recíproco (cada um influi nos demais) para trabalhar o relacionamento familiar
e da comunidade; na clínica psiquiátrica do professor Otto Pötzl, fez teatro espontâneo
com os pacientes psiquiátricos; no Komödienhaus, convidou vários grupos para subirem
ao palco e representarem seus papéis sociais. O aspecto terapêutico do psicodrama
começava a aparecer. Ele desenvolveu o psicodrama por meio de um processo gradual
de descoberta e de exploração de possibilidades variadas. Para Knobel (2004), o
psicodrama nasceu meio casualmente, com o caso Bárbara-Jorge,
9
que caracterizou o
início do teatro terapêutico. Essa forma teatral é definida por Moreno (1984, p. 53) do
seguinte modo:
9
Ver Moreno (1990 p. 52-54).
38
O teatro terapêutico emprega o veículo do teatro da
espontaneidade para fins terapêuticos. A pessoa central é o
paciente mental. O caráter fictício do mundo do
dramaturgo é substituído pela verdadeira estrutura do
mundo do paciente, seja esta real ou imaginária.
Essa é uma nova abordagem, que demonstrou os efeitos poderosos de se
desempenhar papéis no contexto terapêutico. Com esse caso, Moreno percebeu as
possibilidades terapêuticas existentes na representação de situações psíquicas
conflituosas (KNOBEL, 2004).
A teoria e as técnicas do teatro utilizadas com fins terapêuticos estavam em
um estágio inicial e experimental. Segundo Marineau (1992), Moreno ainda não sabia
utilizar-se da catarse ou compreender a amplitude da dramatização terapêutica. Mas foi,
aos poucos, reconhecendo a necessidade de focar temas reais da comunidade, da
família, do casal, das pessoas. E logo ele compreendeu que essa ação verdadeira de
viver e reviver as situações, seguida de reflexão sobre elas, poderia levar a
transformações na vida das pessoas.
Assim, o teatro espontâneo transformou-se em teatro terapêutico, que se
transformou em psicodrama, um método voltado para a ação e que utiliza o grupo como
base para as mudanças. Nesse sentido, Naffah Neto (1997, p. 32) ressalta que Moreno,
por meio do caso Bárbara, percebeu que “a representação improvisada das situações da
vida (que eram fonte de conflito) provocava a catarse, isto é, uma purificação, ou
iluminação, levando o indivíduo a superar as próprias dificuldades, nasceu o
psicodrama”.
Em 1923, Moreno escreve a obra O teatro da espontaneidade, em que
desenvolve seus conceitos de teatro. Nesse livro, ele propõe quatro formas de teatro
revolucionário: o teatro de conflito ou teatro crítico; o teatro da espontaneidade ou
teatro imediato; o teatro terapêutico ou teatro recíproco e o teatro do criador. Essas
formas interagem uma com as outras e são interdependentes. Nessa obra estão as raízes
da sociometria, da psicoterapia de grupo e do psicodrama (MARINEAU, 1992).
Em dezembro de 1925, Moreno emigrou, por motivos pessoais, para os Estados
Unidos e levou consigo três invenções: um tipo de gravador, o sociograma interacional
e o palco psicodramático. Como nessa época havia vários inventores na área de
gravação de som, com trabalhos bem adiantados, não houve interesse das empresas
americanas pela invenção de Moreno.
39
Nos Estados Unidos, até conseguir a validação do certificado médico, que
ocorreu em 1927, foi ajudado pelo irmão e pelo trabalho que realizava na clínica infantil
do hospital Monte Sinai. Nessa época, conheceu Beatrice Beecher que estava
ministrando conferências sobre psicologia infantil no mesmo hospital e se interessou
pelo trabalho de Moreno. Como ele ainda não havia obtido visto de permanência no
país, Beatrice ofereceu-se para se casar com ele, a fim de regularizar sua situação de
imigrante. O casamento realizou-se em 1929 e o divórcio, cinco anos depois, quando
Moreno tornou-se cidadão americano (MARINEAU, 1992).
No final de 1927, Moreno realizou conferências e apresentações do teatro da
espontaneidade em escolas, igrejas, universidades e fundou o “teatro do improviso”, no
Carnegie Hall. Nesse teatro, Moreno conheceu Helen H. Jennings, que o apresentou a
Gardner Murphy, o qual, por sua vez, faz a conexão de Moreno com os psicólogos
sociais e sociólogos.
Além de ser eleito membro da Associação Americana de Psiquiatria – APA,
outros importantes eventos marcaram a carreira de Moreno, em 1931: seu engajamento
na pesquisa sociométrica; a inauguração oficial do teatro do improviso; a controvérsia
com Abraham Brill e a psicanálise; a introdução, na comunidade científica, do termo
psicoterapia de grupo e a publicação da primeira revista sobre psicoterapia de grupo,
Impromptu.
No ano de 1932, Moreno apresentou, em uma mesa-redonda, na Associação
Psiquiátrica Americana, os resultados do estudo qualitativo e quantitativo das relações
interindividuais com um grupo de prisioneiros da penitenciária de Sing Sing. Segundo
Moreno (1997), o objetivo dessa pesquisa foi tornar a prisão uma sociedade terapêutica,
em que o critério de agrupamento fosse as necessidades e a força de cada um dos
prisioneiros. A partir dessa experiência, Moreno foi convidado a dirigir uma pesquisa
sociométrica na escola de reeducação de moças em Hudson, Nova Iorque.
Com base em outras pesquisas, mas principalmente com o material extraído da
pesquisa em Hudson, Moreno publicou em 1934, a obra Quem sobreviverá? Esse livro
demonstrou a intenção do autor de consolidar a sociometria como uma ciência da
medição de grupos e de reagrupamento da comunidade. Nele, Moreno registrou o
estudo matemático das propriedades psicológicas de uma população por meio da análise
quantitativa e qualitativa.
40
A preocupação que Moreno demonstra em estabelecer regras objetivas e a
separação entre quantitativo e qualitativo revela a vertente de ciência subjacente a suas
escolhas: o positivismo. Para a dialética, objetividade e subjetividade, quantidade e
qualidade, não estão cindidas, mas profundamente implicadas.
Em 1936, Moreno recebeu o certificado que lhe permitiu abrir o seu próprio
hospital, o Beacon Hill Sanatorium. Mais do que um centro de tratamento, o sanatório
tornou-se o laboratório de suas idéias e hipóteses sobre saúde mental e de
aperfeiçoamento das técnicas do psicodrama e da psicoterapia de grupo. Beacon tornouse uma instituição de formação e um centro de difusão das idéias morenianas.
Para alcançar um público mais amplo e ter outro espaço para divulgar seus
métodos, Moreno criou um periódico, a Sociometric Review, tendo como colaboradora
Helen H. Jennings. Entretanto, Moreno queria ampliar sua base de colaboradores e seu
público; por isso, em 1937, fundou Sociometry: a journal of interpersonal relations.
Esse periódico tinha um quadro editorial com nomes conhecidos nas áreas de
sociologia, antropologia, psicologia e psicologia social. Seu primeiro editor foi Gardner
Murphy, à época professor da Universidade de Colúmbia. Sendo assim, Moreno atingiu
um público bem mais amplo e introduziu, na comunidade acadêmica, um novo termo:
“relações interpessoais”. Moreno contou, ainda, com a influência do cientista social
Pitirim Sorokim, que o ajudou a esclarecer vários conceitos sociológicos. Nesse
período, associou-se às universidades de Colúmbia, Nova Iorque e Harvard, e à Nova
Escola de Pesquisa. O papel de professor ajudou-o a refinar as técnicas sociométricas
(MARINEAU, 1992).
Mas as excessivas apresentações de trabalho e aulas nas universidades
impediam Moreno de concentrar-se em seus escritos. Além disso, paralelamente à
sociometria, desenvolvia o método e a psicoterapia de grupo. Considerando o modo
como Moreno dedicava-se a essas múltiplas atividades Marineau (1992, p. 128) conclui:
Basicamente, Moreno não tinha paciência para ser
pesquisador em tempo integral. Atraía-o mais o mundo
prático e um certo fascínio a ele associado. Isto poderia
explicar por que o psicodrama aos poucos se tornou seu
instrumento favorito.
Outra hipótese é que o campo da sociometria era acompanhado de algumas
polêmicas. Uma delas, com Kurt Lewin, ocorreu em 1938. Pelo fato de terem alunos em
comum, Moreno reivindicava sua influência na teoria desse autor.
41
Em 1941, Moreno conheceu Celine Zerka Toeman, que foi sua ego-auxiliar,
co-terapeuta e co-pesquisadora. Oito anos mais tarde, casaram-se.
Zerka foi
fundamental para a sistematização das idéias de Moreno e também atuou como
pacificadora em suas polêmicas com outros autores (GOMES, 2005).
O desenvolvimento do psicodrama como método terapêutico foi gradual. Em
junho de 1941, foi oficialmente inaugurado, no hospital público Saint Elizabeth, um
teatro de psicodrama. Em 1942, criou-se lá o cargo oficial de psicodramatista e essa
instituição passou a realizar formação de psicodramatistas. Nesse mesmo ano, Moreno
inaugurou, em Nova Iorque, o Instituto Sociométrico e o Instituto Psicodramático, onde
fez apresentações públicas de psicodrama e ministrou aulas formais. Esse instituto
transformou-se também em um laboratório para o criador do psicodrama. Nessa época,
os princípios de uma sessão de psicodrama já estavam estabelecidos – os contextos, os
instrumentos, as etapas (aquecimento, dramatização e compartilhamento) e as técnicas
básicas. Moreno e Zerka publicaram o primeiro ensaio sobre o assunto. Foi também
esse o ano de criação da Sociedade de Psicodrama e Psicoterapia de Grupo. No entanto,
oito anos mais tarde, essa sociedade foi incorporada à Sociedade Americana de
Psicoterapia de Grupo (MARINEAU, 1992).
A Segunda Guerra Mundial estava no auge, em 1943. Havia muitas vítimas
que necessitavam de tratamento médico, para as feridas orgânicas, e psicológico, para
as feridas emocionais. O psicodrama, rapidamente, ganhou espaço nos departamentos
de psiquiatria e psicologia, pois os militares estavam preocupados com o alto custo da
psicoterapia e com a escassez de psicoterapeutas treinados. Então, a psicoterapia de
grupo passou a ser preferencialmente indicada. Henry H. Murray, um dos criadores do
teste de apercepção temática–TAT, construiu, nessa época, um palco psicodramático na
Universidade Harvard, quando era chefe do laboratório de psicologia (MORENO,
1997).
A partir da década de 1940, o psicodrama foi-se consolidando como uma
forma específica de psicoterapia. Nessa época, já somava com múltiplas atividades:
uma associação para agrupar os psicodramatistas; três centros de formação – Beacon,
Nova Iorque e no Hospital Santa Elizabeth, em Washington –; programa de formação e
a publicação de vários artigos sobre sociometria, psicodrama e psicoterapia de grupo, de
periódicos e de livros. Uma publicação importante foi o livro Psychodrama, volume
um, em 1946, traduzido para o português e publicado no Brasil pela editora Cultrix, em
42
1978, sob o título Psicodrama. Outro fator significativo foi a criação do Departamento
de Psicoterapia de Grupo na Associação Psiquiátrica Americana, em 1951. Moreno
publicou, em 1959, o segundo volume de Psychodrama, com a colaboração de Zerka.
Foi traduzido para o português, sob o título Fundamentos do psicodrama, e publicado
no Brasil, em 1983, pela Summus Editorial. No mesmo ano, publicou o terceiro volume
de Psychodrama, também traduzido em português e publicado pela Mestre Jou, sob o
título Psicoterapia de grupo e psicodrama, em 1974. De 1956 a 1960, Moreno publicou
cinco volumes de progressos na psicoterapia, inicialmente com Fromm-Reichman e
depois com Jules Masserman. Editou também o Manual internacional de psicoterapia
de grupo e psicoterapia de grupo: um simpósio (MARINEAU, 1992).
Com o objetivo de integrar e credenciar institutos no exterior, Moreno criou,
em 1961, nos Estados Unidos a Academia Mundial de Psicodrama e Psicoterapia de
Grupo. Para propiciar a formação de psicodramatistas em várias partes do mundo, ele
criou o centro mundial de psicodrama, psicoterapia de grupo e sociometria.
Os últimos vinte anos da vida de Moreno foram voltados para a expansão e a
consolidação do psicodrama. Por isso, ele viajou amplamente pelo mundo. O primeiro
congresso internacional de psicodrama aconteceu em Paris, em 1964, com mais de mil
participantes, vindos de 35 países. Os encontros internacionais seguintes ocorreram,
segundo Marineau (1992), em: Barcelona (1966); Baden (1968), onde se realizou
também o Primeiro Congresso de Sociometria; Buenos Aires (1969); São Paulo (1970);
Amsterdã (1971); Tóquio (1972) e Zurique (1974).
Em 1974, Moreno teve uma série de pequenos derrames e faleceu no mês de
maio, aos 85 anos de idade. Pediu que fosse gravada, em sua sepultura, a seguinte frase:
“Aqui jaz aquele que abriu as portas da psiquiatria à alegria” (GONÇALVES, WOLFF,
ALMEIDA, 1988, p. 17).
Foi nos Estados Unidos da América que Moreno organizou e consolidou a sua
teoria. Esta ficou mundialmente conhecida como psicodrama, porque foi este o seu
primeiro método, mas ele preferia denominar a totalidade de sua teoria como
“socionomia”.
43
Psicodrama: a linguagem da ação dramática
Psicodrama foi um termo criado por J. L. Moreno (1984, p. 148) que o
esclarece na obra O teatro da espontaneidade da seguinte forma:
Significa completa psico-realização, neste termo estão
incluídas todas as formas de produção dramática nas quais
os participantes, sejam eles atores ou espectadores,
fornecem: a) a fonte de material; b) a produção e c) são os
beneficiários imediatos do efeito catártico da produção.
Cada sessão é um ato comunal e cooperativo.
O psicodrama é um método que articula teoria e técnicas do teatro, da
psicologia e da sociologia. Do teatro guarda a catarse, que, conforme esclarece
Widlöcher (1970), tem origem em Aristóteles. Foi o filósofo grego quem primeiro citou
os efeitos da expressão dramática nos espectadores da tragédia grega clássica que, ao
serem submetidos às emoções, relatavam alívio e purificação. Da psicologia e da
sociologia vem as noções que levam a tratar as causas coletivas em sua forma subjetiva,
a idéia de que o grupo não existe por si mesmo, mas em função de elementos interrelacionados e representantes de um mesmo contexto cultural.
No psicodrama, contudo, não ocorre a apresentação de peça de teatro formal,
uma vez que sua proposta é a representação de um problema real de uma pessoa
presente no grupo. Durante a dramatização, o problema pessoal é tratado por meio de
técnicas psicodramáticas. O desempenho de papéis proporciona ao sujeito a
oportunidade de libertar as emoções e os sentimentos que estavam aprisionados,
impedidos de ser expressos por causa dos papéis sociais cristalizados, rígidos. Logo, a
teoria moreniana está assentada no elemento drama, que vem do grego δράµα e
significa ação.
Outro elemento importante nessa teoria é a visão do ser humano sempre em
relação uns com os outros. Assim, ela abrange o plano social e interessa-se pela
interação das pessoas no seu contexto. Aqui se percebe a influência, em Moreno, do
pensamento marxista – “o homem só se reconhece em outro homem” –, do qual ele se
afastou quando emigrou para os Estados Unidos.
Segundo Kaufman (1992), Moreno ampliou, na época, a posição da medicina
e da psicologia, quando defendeu que o tratamento da pessoa devia se dar dentro do
44
grupo e que este também é passível de tratamento. Para designar sua teoria, que abarca
o fenômeno grupal e as relações interpessoais, Moreno criou o termo socionomia, que
significa “a ciência das leis sociais”. Essa teoria vai se preocupar em estudar o
desenvolvimento e a organização dos grupos e a situação das pessoas nesses grupos.
A socionomia, segundo Moreno (1999), tem três ramificações: a
sociodinâmica, a sociometria e a sociatria. Esses ramos estão interligados e possuem
métodos de investigação específicos, que são, respectivamente: desempenho ou
interpretação de papéis; teste sociométrico; psicoterapia de grupo, psicodrama e
sociodrama. Naffah Neto (1997, p. 128) oferece, de modo sucinto, uma apresentação
conceitual da socionomia:
Três conjuntos de métodos, três perspectivas
interdependentes e complementares que visavam apreender
o fenômeno social em suas dimensões básicas – a estrutura,
a dinâmica e as transformações – e que postulavam um tipo
de cientista que, mais do que um simples observador
passivo, deveria reconhecer sua situação dentro da própria
realidade pesquisada e funcionar como um agente ou um
“catalisador” dos movimentos latentes de transformação
que dela emanavam.
A teoria de Moreno foi surgindo paulatinamente. De acordo com Marineau
(1992, p. 118), no início, “ele agia intuitivamente na maior parte do tempo, mas sempre
colocava ênfase no desenvolvimento do indivíduo, no grupo e através do grupo”. Essa
característica colaborou para que a teoria moreniana ficasse mundialmente conhecida
como psicodrama, que fora criado por ele na década de 1920. Já a socionomia, que é a
organização e consolidação da sua teoria geral, foi criada na década de 1940. Portanto,
o todo ficou sendo conhecido pela parte, uma vez que o psicodrama é apenas um
método da sociatria, um ramo da socionomia. Mas, pelo hábito, o termo psicodrama
gradualmente consolidou-se no mundo todo, e passou a denominar todos os
procedimentos da teoria moreniana. Por essa razão, neste estudo, manteve-se a
hegemonia do termo.
O psicodrama foi assim definido por seu criador, Jacob Levy Moreno (1992,
p. 183): “Drama é a transliteração do grego δράµα que significa ação ou coisa feita.
Psicodrama pode ser definido, portanto, como a ciência que explora a ‘verdade’ através
de métodos dramáticos. Trata de relações interpessoais e de mundos particulares”.
Como se pode ver, em sua concepção, o psicodrama é uma teoria da ação, que procura
45
resgatar nas pessoas o estado espontâneo e criativo, possibilitando o encontro consigo,
com o outro e com o mundo no aqui e agora.
No entendimento de Santos (1990), Moreno, ao criar o nome psicodrama,
adjetiva a psique e deixa claro seu objetivo de pesquisa: o drama da psique que
protagoniza. Essa autora ressalta que a ação dramática é essencial na sustentação do
psicodrama. Mas alerta para o risco de se transformar essa teoria em simples
“teatrinho”. Por isso, ela esclarece:
A ação dramática se faz quando se reconhece o universo
como conflitual, contraditório, instável e ambíguo. O
drama se faz quando, questionando-se a tradição, o
passado, problematiza-se o presente. A cena dramática se
realiza quando um homem, perdendo sua ilusão egóica de
indivíduo desvinculado, protagoniza comprometido e
comprometendo sua rede de relações (SANTOS, 1990, p.
140).
Portanto, para ser transformadora, a cena deve revelar a contradição do ser, trazendo o
não ser, o fugidio, o oculto, o drama.
A proposta de Moreno é criativa. Em lugar da exposição exclusivamente
verbal dos pensamentos e fantasias, ele propõe a atuação explícita dentro de um
contexto protegido (“como se”), artificial, metafórico, psicodramático, cujos limites
protegem a pessoa das repercussões que podem acontecer no contexto real, tocando
profundamente o ser humano, pois ele está absorvido pelo ato, pelo presente. O
contexto do “como se” diminui o compromisso social, pois é o contexto dramático, em
que o tempo e o espaço são fenomenológicos, subjetivos, virtuais; nele tudo ocorre no
“como se fosse” do imaginário e da fantasia. Esse afastamento que o “como se” do
psicodrama propicia dá ao ser humano outras possibilidades para a realidade (“como
é”). A concretização, que é a materialização de emoções, conflitos, objetos inanimados
por meio de imagens, movimentos e falas dramáticas, possibilita à pessoa descarregar
os seus impulsos contidos. Aliviar o campo emocional tenso propicia a ampliação da
percepção, o que vai permitir uma visão nova e mais adequada da situação. Portanto, a
concretização, no psicodrama, possibilita ao ser humano uma forma de pensar e de ser
diferente da habitual, suprimindo hábitos que, possivelmente, levaram-no a ter
dificuldades.
O psicodrama, por meio da dramatização, explora os sintomas, os conflitos, os
mecanismos de defesa, os acontecimentos marcantes. Ou seja, investiga como a pessoa
se sente no “aqui e agora”, não só por meio da fala, mas também combinando elementos
46
de imaginação, emoção, gesto, movimentos físicos e cognição. Portanto, fica
circunscrito ao imediato.
No psicodrama, o protagonista (pessoa ou grupo que desempenha o papel
principal em uma dramatização) atua nos acontecimentos de sua vida, reais e
fantasiosos, vivencia situações penosas, representa papéis indesejáveis, atua com
pessoas que ama, odeia ou teme e antevê futuras possibilidades e outras experiências
marcantes em sua vida. Mais do que simplesmente falados, os aspectos emocionais são
vivenciados. Além de perguntar ao protagonista sobre sua vida, seus problemas e seus
conflitos, o psicodramatista sugere que ele mostre esses aspectos por meio da
dramatização. Esse método possibilita chegar mais rapidamente ao foco da situação,
pois é ao mesmo tempo físico e visual, remete a narrativa verbal ao espaço e ao tempo e
produz diálogo.
O psicodrama é uma ciência que trata a verdade das pessoas e dos grupos por
meio da ação dramática. Portanto, pode-se falar, nesse caso, em catarse de ação.
Moreno (1990, p. 231) apresenta o psicodrama da seguinte forma:
O psicodrama coloca o paciente num palco onde ele pode
exteriorizar os seus problemas com a ajuda de alguns
atores terapêuticos. É um método de diagnóstico, assim
como um tratamento. Um de seus traços característicos é
que a representação de papéis inclui-se organicamente no
processo de tratamento. Pode ser adaptado a todo e
qualquer tipo de problema, pessoal ou de grupo.
A dramatização é, pois, o elemento essencial do psicodrama, cujo objetivo é o
resgate
da
espontaneidade-criatividade,10
e
constitui
a
primeira
lição
de
espontaneidade.O termo dramatização deriva de drama, que, desde sua origem grega,
porta o significado de ação, episódio, acontecimento. Nessa técnica, não se mostra uma
imagem como uma representação, mas sim como uma cena, na qual a situação é
revivida por meio do jogo de papéis. A cena é o ponto alto por meio do qual o
psicodrama se designa como uma forma de atuação psicossocioterapêutica. Sua
concepção originária pertence ao teatro e significa a unidade básica da ação dentro da
produção dramática (MASSARO, 1996).
10
Espontaneidade: do latim sponte: por livre vontade. Definição dada por Moreno (1992): “a
espontaneidade opera no presente, aqui e agora; propele o indivíduo em direção à resposta adequada à
nova situação ou à resposta nova para situação já conhecida”. Espontaneidade e criatividade são
categorias diferentes, porém interdependentes, e ambas são essenciais ao processo da vida.
47
Em suma, dramatizar nada mais é que produzir uma cena ou mais. Sem a cena
não há dramatização. Nesse sentido, a cena pode ser vista como a essência da
metodologia do psicodrama. Entretanto, Massaro (1996) vai além e define a cena como
o local de transformação, que possibilita ao psicodramatista cumprir o seu papel de
investigador social.
No psicodrama, consideram-se três contextos: social, grupal e dramático. A
dramatização acontece nesse último, em que tudo se passa no “como se fosse” do
imaginário e da fantasia. Ele é constituído pelo tempo subjetivo, pelos espaços
fenomenológicos, virtuais, construídos no espaço concreto e marcados.
O contexto psicodramático possibilita reviver o passado, clarear o presente e
antecipar o futuro, sem as conseqüências da vida real. Então, a ausência de limites reais
de tempo e espaço é um recurso fértil para a elaboração de conflitos, para preparar a
espontaneidade-criatividade e para corrigir as distorções. As técnicas básicas a serviço
do psicodrama são: 1. a troca de papéis, que propicia a cada pessoa a oportunidade de se
transformar na outra; 2. o duplo, em que se é o outro e 3. o espelho, ou seja, a pessoa,
de fora, vê a si mesma e aos outros, dando uma visão totalizadora. Mas o meio de
relação não se restringe apenas às percepções, à tele11 e ao encontro.12 É, também, a
ação (jogo de papéis). A transformação se dá na própria consciência, já que a
consciência se dá no próprio ato.
O psicodrama oferece um espaço que possibilita à pessoa efetuar o corte em
sua repetição estereotipada. O “como se” da dramatização afrouxa as amarras que a
prendem às exigências de um real que a deixa impotente e, então, ocorre uma
relativização. Ela é levada a cortar sua repetição para liberar sua espontaneidade e
criatividade, identificar e assumir o seu drama – o que a protege é o que a faz sofrer. O
contexto dramático, com o seu campo relaxado, permite que o protagonista se recuse a
ser apenas um indivíduo e se perceba como sujeito.
Então, no espaço protegido, do contexto psicodramático, a cena dramática
torna-se uma extensão do próprio mundo que cerca a pessoa. Ela é lançada na existência
11
Tele foi um termo criado por Moreno, que o definiu como “um processo emotivo projetado no espaço e
no tempo em que podem participar uma, duas ou mais pessoas. É uma experiência de algum fator real na
outra pessoa e não uma ficção subjetiva. É, outrossim, uma experiência interpessoal e não o sentimento
ou a emoção de uma só pessoa” (MORENO, 1990, p. 295). Para Aguiar (1990, p. 98), tele “é a
articulação criativa entre parceiros de um mesmo ato. Nesse sentido, o termo tele deve ser entendido
como co-criação”.
12
Encontro é uma descrição poética do termo científico tele. É o poeta Moreno, e não o terapeuta, que o
define assim: é apelo para a sensibilidade do próximo; é convite para a vivência simultânea e bi-empática
(GONÇALVES, WOLFF e ALMEIDA, 1988).
48
e descobre-se na dramatização. Ao tomar consciência de si mesma, abre-se para o outro
e descobre a interdependência dos destinos humanos e, assim, tem a possibilidade de
alcançar a solidariedade.
O psicodrama procura não ignorar as estruturas da existência e forçar um
confronto do real com o imaginário. Ele propicia a recontextualização, a percepção de
que existem maneiras diferentes de enfrentar os diferentes aspectos da vida e a
construção da realidade. Essa visão articula-se com a teoria sociométrica
(reagrupamento).
O que vem a ser sociometria?
Jacob Levy Moreno, criador do psicodrama e da sociometria, teve como
objetivo estudar as pessoas na relação com seus grupos e com seus pares, procurando a
inclusão daqueles que de alguma forma foram excluídos pelo seu grupo social. Para
Blatner e Blatner (1996, p. 143), a sociometria representa o aspecto sociopsicológico do
psicodrama, em que não é “apenas um grupo de métodos, mas, mais do que isso, uma
filosofia de pesquisa coletiva e aplicada”.
A raiz da sociometria pode ser localizada no período de 1915 a 1918, durante
a Primeira Guerra Mundial, quando Moreno trabalhou no campo de refugiados do Tirol
italiano, em Mitterndorf,
13
nos arredores de Viena. Estudou a organização do
acampamento (que era composto por mais de dez mil pessoas), analisou as relações e
formulou hipóteses sobre como poderiam organizar-se melhor dentro daquela pequena
sociedade. Para Blatner e Blatner (1996), a meta de Moreno era ajudar na formação de
subcomunidades cooperativas, baseando-se nas preferências das pessoas.
Para Moreno (1992) a humanidade, quando considerada em seu conjunto,
constitui uma unidade e disso resultam certas tendências, tais como aproximações e
distanciamentos entre os indivíduos. E à sociometria cabe estudar as formações e
tensões sociais no “aqui–agora”, no momento em que nascem e se impõem ao indivíduo
no interior dos grupos que constituem essa unidade chamada humanidade.
13
No ano de 1916, Moreno escreveu ao Departamento do Interior da monarquia austro-húngara,
sugerindo uma reorganização dos refugiados de Mitterndorf. Foi quando utilizou pela primeira vez a
palavra sociometria (BUSTOS, 1979).
49
A origem conceitual da sociometria está ligada aos trabalhos desenvolvidos
por Moreno na Europa e ao contexto histórico-ideológico, durante e após a Primeira
Guerra Mundial. Outro fator fundante foi a publicação da obra de Moreno Das
Stegreiftheater, em 1923, que continha as idéias “responsáveis por conduzir a
sociometria à fama” (MORENO, 1992, p. 22).
Mas é nos Estados Unidos que a sociometria encontra espaço para a sua
sistematização e, assim, eleva o psicodrama à categoria de escola de pensamento. O
reconhecimento da sociedade científica e do público em geral foi, como declara o
próprio Moreno (1992, p. 21) o fator que “conduziu ao clímax o período de latência das
idéias originadas [...] na Europa e que encontraram nos Estados Unidos solo
verdadeiramente fértil para desenvolvimento”. Por isso, o movimento sociométrico é
considerado genuinamente americano, ainda que alguns aspectos da sociometria tenham
sido trabalhados por ele na Europa.
De acordo com Marineau (1992), os primeiros cinco anos de Moreno nos
Estados Unidos foram difíceis. No entanto, podem ser considerados como uma
preparação para o trabalho futuro. Nesse período, Moreno fez conferências e
apresentações do trabalho de espontaneidade em hospitais, escolas, igrejas,
universidades e fundou o teatro do improviso, no Carnegie Hall (tradicional teatro de
Manhattam). Em razão desses trabalhos, Moreno passou a relacionar-se com psicólogos
sociais, sociólogos e advogados ligados a universidades. Segundo informa Knobel
(2004, p. 111), é dessa época sua relação com o “o criminologista E. Stagg Whithin,
então presidente do Comitê Nacional de Prisões e Trabalho Penitenciário, órgão
destinado a introduzir inovações no campo das instituições correcionais”.
Em maio de 1931, na Associação Psiquiátrica Americana, Moreno expôs suas
idéias sobre a influência mútua entre as pessoas e sobre como proceder para classificálas e agrupá-las, de acordo com a interação no grupo. Whithin, que estava presente na
reunião, convida Moreno para desenvolver uma pesquisa na penitenciária de Sing Sing
(KNOBEL, 2004).
Moreno vai construindo paulatinamente o método sociométrico. Depois da
pesquisa na prisão de Sing Sing, ainda em 1931, ele inicia estudo com bebês, com o
objetivo de pesquisar o desenvolvimento das crianças durante os três primeiros anos de
vida e a evolução das estruturas grupais ( MORENO, 1994a).
50
Nesse mesmo ano, ele amplia as experiências com o método, aplicando-o
também em ambientes escolares (MORENO, 1994a). Pesquisou alunos (meninos e
meninas) da educação infantil até o final do ensino fundamental da escola pública, no
bairro do Brooklyn, em Nova Iorque. Nessa escola, segundo informa Knobel (2004)
Moreno usou pela primeira vez o teste sociométrico. Ele pediu a cada aluno que
escolhesse, por escrito, com quem gostaria de se sentar e por meio de entrevistas
investigou as justificativas da escolha.
Sobre essa pesquisa Moreno (1994a, p. 15) relata:
Como conseqüência do teste aplicado a esses alunos,
descobriu-se complexa estrutura da organização de salas,
amplamente diferenciada da predominante. Certa quantidade
de alunos permaneceu isolada ou não-escolhida; outros
alunos escolheram entre si, formando pares, tríades ou
correntes mútuas; outros atraíam tantas escolhas que
conquistavam o centro do palco, como estrelas.
Essa pesquisa envolveu também os professores, por meio de um teste de
opinião. Eles deveriam escrever os nomes dos alunos que receberiam o maior e o menor
número de escolhas. Os julgamentos dos professores coincidiram com o que revelou o
teste sociométrico. A pesquisa demonstrou que as estruturas relacionais, as escolhas
entre os sexos, as mutualidades, as incongruências e o isolamento modificam-se de
acordo com a idade (KNOBEL, 2004).
Moreno (1994a) também realizou pesquisa com o teste sociométrico em um
estabelecimento de ensino particular de ensino médio, na escola de Riverdale. Os
sujeitos dessa pesquisa foram só rapazes entre 14 e 18 anos, que estudavam em regime
de internato e de externato. O critério de escolha foi o mesmo utilizado na escola
pública do Brooklyn. O teste foi reaplicado após três meses e demonstrou, segundo
Moreno (1994a, p. 20), “que os alunos ajustados, geralmente, mantêm ou melhoram
suas posições, ao passo que os desajustados mantêm a mesma posição ou até regridem”.
No ano de 1932, Moreno apresentou, novamente, na Associação Psiquiátrica
Americana, os resultados do estudo qualitativo das relações interindividuais com o
grupo de prisioneiros da penitenciária de Sing Sing. Marineau (1992) esclarece que,
nessa reunião, Moreno utilizou o termo psicoterapia de grupo pela primeira vez na
história das ciências sociais.
A sociometria foi definida por Moreno (1992, p. 157) inicialmente da seguinte
forma:
51
Minha primeira definição de sociometria veio, coerente com
sua etimologia, do latim e do grego, mas não enfatizamos
apenas a segunda parte do termo, por exemplo, o metrum,
significando medida. Também enfatizamos a primeira parte,
ou seja, o socius, significando companheiro. [...] os dois
aspectos da estrutura são tratados juntos, como unidade.
Portanto, sociometria é a ciência da medida do relacionamento humano, sem se
esquecer do social. Gurvikch (apud MORENO, 1972, p. 14) acrescenta:
O que constitui a originalidade da sociometria é o fato de que
a medida (metrum) aparece somente como um meio técnico
bem delimitado para alcançar melhor as relações qualitativas
com o socius; essas relações estão caracterizadas por sua
espontaneidade, seu elemento criador, suas relações com o
instante, sua integração em configurações concretas e
singulares.
Moreno (1994a) utiliza-se da técnica experimental, dos métodos quantitativos,
mas sem esquecer o socius, o qualitativo. Sua preocupação era com a superação da
dicotomia existente entre os aspectos qualitativo e quantitativo, pois, para ele, ambos
estão contidos um no outro.
A sociometria constitui um instrumento de compreensão das influências mútuas
no grupo, com a possibilidade de controle dessas influências. Com ela, torna-se possível
promover uma investigação sobre a evolução e a organização dos grupos e sobre a
posição das pessoas neles. Busca-se identificar o dinamismo grupal, a partir das forças
de atração e repulsão que se estabelecem entre os integrantes do grupo.
Segundo Monteiro (2001), a sociometria visa identificar e explicitar as redes
interacionais entre os membros de um determinado grupo. Assim, compreender o que
sustenta a coesão grupal em torno de um conjunto de critérios de escolha proporciona o
acesso a respostas para o que preserva a composição do grupo com certas pessoas, mas
não com outras.
De acordo com Vala e Monteiro (1997), a coesão de um grupo está
diretamente relacionada com a estrutura sociométrica. Esses autores citam os estudos de
Back (1951) e Loh e Loh (1961) que atestam a relevância da coesão grupal. Em função
desta, o grupo apresenta boa comunicação, satisfação e influência dos membros, de
modo que as pessoas tendem a ser amigáveis e cooperativas. Vala e Monteiro (1997)
acrescentam, ainda, que Moreno demarcou a relevância prática dos métodos
sociométricos, mediante a reorganização da geografia psicológica dos grupos; da
52
identificação dos indivíduos com mais popularidade (líder), dos mais rejeitados (bodes
expiatórios); das subconfigurações (com as alianças) e da coesão do grupo (que é
determinante na produtividade dos grupos).
A sociometria realiza uma investigação sobre a evolução e a organização dos
grupos e sobre a posição das pessoas nestes, considerando-as como estrutura nuclear da
situação social avaliada. De acordo com Bustos (1979), a teoria sociométrica parte do
pressuposto de que os membros de um grupo relacionam-se por meio de três sinais
possíveis: positivo (aceitação), negativo (rejeição) e neutro (indiferença). Esse método
procura identificar o sinal que media os vínculos estabelecidos entre as pessoas de um
grupo, bem como determinar a intensidade desses vínculos.
Assim, a sociometria realiza o estudo matemático das propriedades
psicológicas dos grupos, para medir as relações pessoais dentro de um grupo ou entre
grupos. “Seu instrumento principal é o teste sociométrico, do qual resulta o
sociograma” (KAUFMAN, 1992, p. 68). Esse teste foi criado por Moreno (1992, p.
193), que o definiu inicialmente, nos seguintes termos: “um instrumento para medir a
quantidade de organização mostrada pelos grupos sociais”. Em outra obra, Moreno
(1999, p. 35) acrescenta que o teste “é um método de pesquisa de estruturas sociais
através da medida das atrações e rejeições que existem entre os membros de um grupo”.
Portanto, esse método de pesquisa visa desvelar as estruturas relacionais existentes no
grupo estudado, bem como mobilizar a participação comprometida e espontânea de seus
membros.
O teste sociométrico mede a quantidade de organização de um grupo,
investiga a estrutura grupal e a posição (status sociométrico) ocupada por seus
componentes. Com esse instrumento, fica mais fácil identificar membros isolados,
líderes do grupo e os critérios que sustentam o grupo em torno de seus objetivos. O
caminho da investigação de Moreno segue do simples para o complexo, do átomo social
para o grupo. Essas categorias evidenciam a filiação de Moreno ao positivismo. Nesse
sentido, Naffah Neto (1997, p. 160) afirmou que Moreno aceitou “uma fundamentação
da sociometria baseada em categorias positivistas, como as de manipulação de dados
observáveis ou a de derivação inferencial dos sistemas mais complexos partindo do
mais simples”.
Segundo Bustos (1979), o teste sociométrico pode ser utilizado em qualquer
grupo em que seja necessária uma reorganização de vínculos, distribuição de tarefas e
53
investigação da estrutura interna de grupos psicoterapêuticos. A aplicação do teste é
simples. Consiste em pedir ao sujeito que escolha, no grupo ao qual pertence, as pessoas
que gostaria de ter por parceiras, de acordo com um critério previamente estabelecido
pelo grupo.
A aplicação do teste é feita, conforme explicam Gonçalves, Wolff e Almeida
(1988), em quatro etapas, que se sucedem na seguinte ordem:
1. estabelece-se um critério, que é o motivo pelo qual se escolhe, que impulsiona o
sujeito a um determinado fim. Trata-se de formular uma pergunta direta, que leva cada
membro do grupo a expressar a sua escolha afetiva em relação aos demais;
2. cada integrante do grupo deve fazer suas escolhas positivas, negativas e indiferentes
seguidas do porquê da escolha. De acordo com Moreno (1994a), com base em estudos
similares, cinco escolhas são suficientes, mas todos os membros do grupo devem
participar;
3. fazer a parte do teste que é denominada perceptual, que consiste em dizer quem,
dentro do mesmo grupo, os membros acreditam que seria escolhido e o porquê da
escolha;
4. as escolhas são lidas em conjunto no grupo e é montado o sociograma. Esses passos
são registrados em uma folha de papel de dupla entrada14 e traduzidos para o
sociograma.
O sociograma é a identificação das escolhas e o desenho gráfico da
distribuição entre os participantes do grupo. Segundo Moreno (1992), ele “torna visível
o que está invisível aos olhos”, ao formar um mapa das escolhas, interações e relações
entre os membros do grupo. Esse mapa permite ver a real posição que cada pessoa
ocupa no grupo, bem como todas as inter-relações estabelecidas.
Ao analisar um sociograma e as configurações reais que ele apresenta, é
possível observar as posições ocupadas pelos participantes do grupo. De acordo com
Moreno (1994a), essas posições podem ser:
1. isolado – indivíduo sem mutualidades não escolhe e nem é escolhido por ninguém;
2. rejeitado – indivíduo com escolhas negativas;
3. par – quando há escolha (positiva ou negativa) mútua entre dois participantes do
grupo e não há outras ligações;
14
Papel em branco quadriculado, no qual escrevem-se os nomes dos sujeitos na primeira linha superior e,
na mesma ordem, na primeira linha vertical. No primeiro quadrinho do papel, não se coloca nenhum
nome (BUSTOS, 1979).
54
4. corrente – série aberta de escolhas mútuas com base em qualquer critério, por
exemplo: A escolhe B, B escolhe A, B escolhe C, C escolhe B, C escolhe D, D escolhe
C etc;
5. triângulo – quando há mutualidade de três membros do grupo, com mesmo sinal;
6. quadrado – quando há mutualidade de quatro pessoas, com a mesma escolha;
7. círculo – os membros de um grupo não necessitam de um vínculo específico para
manter o vínculo dinâmico; é uma configuração que demonstra coesão grupal;
8. estrela – membro do grupo que recebe número esperado de escolhas, ou mais, com
base no mesmo critério.
Segundo Bustos (1979), a estrela sociométrica é o participante do grupo em
que há maior número de mutualidades, sejam elas positivas, negativas ou neutras, e não
aquele que só teve escolhas positivas (popularidade).
Quando se analisa a estrutura detalhada do grupo, percebe-se a posição de seus
membros e o núcleo de relações constituídas ao redor de cada um. Esse núcleo de
relações significativas na vida de uma pessoa foi denominado por Moreno (1992) átomo
social. Partes desses átomos sociais unem-se a partes de outros átomos sociais,
formando complexas correntes de inter-relações, que receberam o nome de redes
sociométricas. Estas implicam a formação da tradição social e da opinião pública.
As redes sociométricas estruturam-se a partir do entrelaçamento dos vínculos,
ou seja, dos processos de atração e rejeição das correntes afetivas, criadas entre os
membros de um grupo. Esses processos podem ser compreendidos por intermédio dos
conceitos de tele e transferência. Para Moreno (1992, p. 159), “tele é empatia recíproca.
Como um telefone, ela tem duas pontas”. Esse conceito tem, para o autor, uma noção
social e opera no plano social. Já transferência e empatia são conceitos psicológicos e
operam no plano individual. Mas tele não tem existência própria, é uma abstração. Para
ser compreendida deve ser descrita como um processo interno dos átomos sociais e das
redes sociométricas.
De acordo com Perazzo (1994), para se definir tele, que é um conceito próprio
da teoria moreniana, deve-se focar a co-criação, o projeto dramático, tendo o campo
sociométrico para desenvolver na complementaridade de papéis. Kaufman (1992)
acrescenta que o grau de realidade nas relações interpessoais pode ser verificado pela
tele. A forma de expressão da tele no teste sociométrico, nesse caso, é a mutualidade, ou
55
seja, as pessoas se escolhem reciprocamente com um mesmo sinal – positivo, negativo
ou neutro.
Nos termos de Moreno (1994a, p. 182), a transferência “pode ser definida
como o ramo psicopatológico da tele e a empatia, como seu ramo emocional”. Então, no
caso da transferência, a pessoa tem uma visão distorcida do outro, que é expressa no
teste sociométrico na forma de incongruência, ou seja, as pessoas se escolhem
mutuamente com sinais diferentes. Bustos (1979) ressalta que a transferência é
compreendida pela interação de papéis complementares.
Teoricamente, a sociometria fundamenta-se na teoria dos papéis, pois cada
rede sociométrica, cada átomo social, cada vínculo é exercido por meio de um papel,
definido como unidade psicossocial de conduta. O conceito de papel desenvolvido por
Moreno (1992, p. 179) tem origem no teatro: o termo papel vem da linguagem do palco.
Posteriormente, o termo foi incorporado pelas ciências sociais e ganhou conotações
sociológicas, antropológicas e psicológicas. Do sentido originalmente teatral evoluiu-se
para a acepção de que papel é a posição que a pessoa assume dentro da sociedade. E é
com esse sentido que o empregam sociólogos, antropólogos e psicólogos (MARTIN,
1984).
Na obra de Moreno (1992), o conceito de papel estendeu-se e agregou
diferentes sentidos. Entre suas diversas acepções, as principais são: a fusão de
elementos coletivos e individuais; conectividade com espontaneidade; representação do
aspecto tangível do eu, pois só se pode ter consciência do eu quando se está
desempenhando um papel; nascimento da interação mãe–filho, baseada na
complementaridade dos dois; existência em função de seu complementar, o contrapapel.
O papel funciona como meio de comunicação entre as pessoas. Na interação com o
meio, a comunicação se dá por meio dos papéis.
Moreno considerava mais produtivo trabalhar com a noção de papel do que
com a noção de personalidade ou ego. Em sua concepção, os papéis representam os
aspectos tangíveis do eu, aparecem nas ações e podem ser observados. Por isso, ele
definiu papel como a menor unidade observável de conduta. Pode-se notar, nessa
referência, a herança positivista da psicologia norte-americana. Todavia, Kaufman
(1992) afirma que a teoria de papéis possibilita a Moreno estabelecer uma teoria da
personalidade, em que esta é avaliada pela quantidade de papéis que o sujeito consegue
assumir.
56
Nesse sentido, Fonseca (2000) esclarece que tanto matriz de identidade,
quanto teoria do desenvolvimento sociopsicológico da criança são o esboço de uma
teoria de personalidade, acrescentando-se à teoria de papéis. Esse aspecto da teoria de
Moreno reflete a preocupação de que suas idéias fossem aceitas pela comunidade
científica. Essa teoria foi escrita em co-autoria com a assistente social Florence Bridge
Moreno, que era ligada à universidade de Columbia.
A matriz de identidade é, segundo Moreno (1990), a base do processo de
aprendizagem emocional, é a placenta social da criança. É o local em que a criança, ao
nascer, se insere em um conjunto de vínculos, em um clima psicológico, mas que
também é geográfico e socioeconômico. Por meio do fenômeno relacional, a criança irá,
paulatinamente, se reconhecendo no que a identifica e no que a diferencia dos outros.
A esse respeito escreve Moreno (1990, p. 119):
Na fase primitiva da matriz de identidade, a criança ainda
não distingue entre próximo e distante. Mas, gradualmente,
o sentido de proximidade e distância vai-se desenvolvendo
e a criança começa a ser atraída para pessoas e objetos ou
afasta-se deles. Este é o primeiro reflexo social – indicando
o aparecimento do fator tele, e é o núcleo dos subseqüentes
padrões de atração-repulsa e das emoções especializadas –
por outras palavras, das forças sociais que cercam o
indivíduo ulteriormente.
Na obra moreniana, o conceito de identidade está vinculado à sociometria,
pois esta se interessa pelo movimento que congrega as formações sociais e os valores
norteadores das escolhas de papéis e seus respectivos desempenhos, constituintes de
uma configuração grupal e identitária. Portanto, é uma noção de identidade cunhada na
inter-relação, e sua configuração faz parte, segundo Aguiar (1990), do processo de
pertença de um sujeito em relação a um grupo social e cultural específico.
De acordo com Fonseca (2000, p. 117) o ser humano “forma a personalidade
na matriz de identidade, relaciona-se por meio de papéis, faz vínculos télicotransferenciais, tem ou não encontros e libera espontaneidade em seus momentos de
criatividade”. Nesse sentido, a relação humana se efetiva por meio de papéis, pois cada
vínculo é vivido a partir de um papel definido como unidade psicossocial de conduta. É
por meio dos papéis que uma pessoa estabelece relações e reconhece a si mesma e ao
outro.
57
Para Moreno (1990), os papéis são experiências interpessoais, pois estão
vinculados necessariamente a uma complementaridade – o contrapapel, por exemplo,
pai e filho – com o qual o papel tem uma relação estrutural, de interdeterminação
recíproca. Então, o vínculo estabelece-se por meio dos papéis. Mas a sua teoria dos
papéis não se limita aos papéis sociais. Ela inclui todos os aspectos da vida e, por isso, a
análise dos papéis deve incluir as três dimensões: fisiológica, social e psicológica.
Considera-os como eus parciais. Moreno (1992) postula que é o papel que estrutura o
eu.
No processo de desenvolvimento do ser humano, os papéis surgem junto a sua
matriz de identidade. Moreno (1990) cita três estágios do desenvolvimento como os
mais importantes:
1. fase da identidade total ou fase do duplo, em que criança (eu) e mãe (tu) encontramse em simbiose e a mãe funciona como ego auxiliar da criança. Nessa etapa, acontecem
as primeiras aprendizagens emotivas da criança e ela começa a desempenhar papéis
psicossomáticos que estão focados em determinadas zonas corporais. Do conglomerado
e integração desses papéis, tem-se a formação do eu parcial fisiológico;
2. fase do reconhecimento do eu e do tu ou fase do espelho, em que a criança (eu)
consegue se perceber separada da mãe (tu) e reconhecer sua singularidade como pessoa,
mas ainda não diferencia realidade de fantasia;
3. fase da brecha entre fantasia e realidade ou fase da inversão de papéis, na qual
ocorrem dois movimentos: em primeiro lugar, a criança é capaz de tomar o lugar do
outro, ou seja, de representar o papel; em seguida, ela consegue inverter papéis, ou seja,
sair do seu eu e se colocar no lugar do outro (tu) e o tu, colocar-se no seu lugar.
Ao atingir o estágio da matriz de identidade, a criança desenvolve mais dois
tipos de papéis: os papéis sociais, que correspondem à dimensão da interação social, em
que opera, fundamentalmente, a função de realidade e formam o eu parcial social e os
papéis psicodramáticos, que correspondem à dimensão da fantasia e mais individual da
vida psíquica, formam o eu parcial psicológico, em que os papéis sociais preexistem ao
modo individual no qual são desempenhados.
Os papéis psicodramáticos (psicológicos) e sociais completam as condições
para o surgimento do eu. Assim, a articulação entre papéis psicossomáticos,
psicológicos e sociais propicia o surgimento do eu. Portanto, corpo, psique e sociedade
são partes intermediárias do eu total.
58
O processo de autoconhecimento é inesgotável. Por isso, a identidade é uma
construção infindável e os papéis – que constroem a identidade do sujeito – podem ser
modificados (WECHSLER, 1995).
A noção de identidade subjacente à teoria moreniana refere-se à sociometria,
pois se refere ao estudo das composições sociais, conseqüência das associações
humanas. Destaca a organização e o funcionamento dos grupos a partir de seus
movimentos afetivos, as atrações e as repulsões que se estabelecem, em função de uma
tarefa e de critérios de escolha de parcerias para o cumprimento ou não de um projeto
comum.
Pesquisa sociométrica de uma comunidade
O livro Who shall survive? foi o resultado da pesquisa sociométrica que J. L.
Moreno realizou na escola para educação de moças do estado de Nova Iorque, de 1932
a 1934. A primeira edição da obra foi publicada em 1934, na língua inglesa, em um
volume, com prefácio do psiquiatra William Allison White. Moreno dedicou essa
edição à superintendente da instituição, Fannie French Morse.
Em 1953, Moreno publicou uma segunda edição, que foi revista e ampliada.
Moreno acrescentou um novo capítulo, denominado “Prelúdios do movimento
sociométrico”. Essa edição foi dedicada a sua esposa Zerka T. Moreno.
A obra foi traduzida para o português e publicada no Brasil pela editora
Dimensão em três volumes. O volume I, em 1992, e os volumes II e III, em 1994, sob o
título Quem sobreviverá? Fundamentos da sociometria, psicoterapia de grupo e
sociodrama, com prefácio dos psicodramatistas brasileiros Geraldo Francisco do
Amaral e Paulo Maurício de Oliveira.
Essa obra é um monumento à sociometria, embora apresente também a
filosofia moreniana da espontaneidade/criatividade. Demonstra a atuação do método
sociométrico no indivíduo, nas relações intra e intergrupais.
O livro aborda outras experiências sociométricas de Moreno, com destaque
para o estudo realizado na prisão de Sing Sing, que foi significativo e projetou o autor
no meio científico. Moreno, depois de apresentar os resultados de seu trabalho,
realizado na penitenciária de Sing Sing, no encontro da Associação Psiquiátrica
Americana, foi convidado pela superintendente da Escola para Educação de Moças do
59
Estado de Nova Iorque, Fannie French Morse, para realizar um estudo sociométrico em
sua instituição. Fannie tinha como objetivo transformar jovens delinqüentes em pessoas
preparadas para conviver novamente em sociedade. Ela acreditava na educação
humanística, em que cada pessoa tem algum potencial que pode ser desenvolvido
(KNOBEL, 2004).
À época, estavam sob os cuidados da instituição cerca de dez mil moças
infratoras, com idade entre 12 e 18 anos, sendo que aproximadamente seiscentas viviam
no reformatório na cidade de Hudson e as demais, distribuídas em orfanatos ou
cumprindo pena em regime de liberdade condicional por todo o estado de Nova Iorque.
Moreno (1994a, p. 97) descreve a estrutura da comunidade da seguinte forma:
A comunidade na qual o estudo foi feito situa-se perto de
Hudson, Nova Iorque; é do tamanho de uma pequena vila,
povoada por aproximadamente, 500 a 600 pessoas; é
comunidade fechada; sua população é composta por pessoas
de apenas um sexo; as meninas ainda estão em seus anos
formativos e permanecem em Hudson por vários anos até o
final de seu treinamento; vêm de várias localidades do
Estado de Nova Iorque, encaminhadas por órgãos
competentes.
A organização é dual, consistindo nos grupos: pessoal
administrativo e estudantes. Há 16 cabanas servindo de
alojamento, uma capela, escola, hospital, instalações
industriais, lavanderia, loja, administração e uma fazenda. A
pessoa encarregada da cabana tem a função de mãe; todas as
refeições são ali preparadas sob a direção do cozinheiro–
chefe; as meninas participam das tarefas caseiras exercendo
funções diferentes: garçonetes, ajudantes de cozinha,
cozinheiras, lavadeiras, arrumadeiras.
A população de cor fica em cabanas separadas. Nas
atividades educacionais e sociais, entretanto, os brancos e os
negros integram-se, livremente.
Qualquer que seja a “estrutura social” de determinada
cabana é necessário determinar a função psicológica de cada
um de seus membros e a “organização psicológica” do
grupo dessa cabana. [...] correntes psicológicas fluem,
também, entre os administradores e os estudantes e mesmo
dentro do próprio grupo de administradores, como um todo,
afetando e moldando o caráter e a conduta de cada pessoa e
da cada grupo, na comunidade.
Com essa pesquisa, Moreno determinou a posição e a função psicológica que
cada moça tinha no grupo. Ao desvelar a organização psicológica e fazer a confrontação
desta com a organização social, fez o mapeamento da instituição, tornando possível a sua
reorganização.
60
Para efetuar o estudo, Moreno utilizou o teste sociométrico (criado por ele),
com o critério de que a pessoa escolhesse cinco moças para morar na mesma casa. As
escolhas eram hierarquizadas. De acordo com o relato Moreno (1992, p. 203), foi feito o
seguinte esclarecimento às moças quanto ao critério de escolha:
Vocês moram em casas determinadas, com pessoas
determinadas, de acordo com instruções fornecidas pela
administração. As pessoas que moram com vocês na mesma
casa não foram escolhidas por vocês, do mesmo modo como
vocês não foram escolhidas por elas, apesar de que, dadas as
oportunidades, talvez tivessem feito essa mesma opção.
Têm, agora, a oportunidade de escolher as pessoas com
quem gostariam de morar, na mesma casa. Podem escolher,
sem restrições, quaisquer indivíduos desta comunidade,
mesmo que eles já estejam morando com vocês. Escrevam,
primeiro, o nome daquele de quem mais gostam, depois, o
nome de quem gostam em segundo, terceiro, quarto e quinto
lugares. Olhem em volta e decidam-se. Lembrem-se de que
aqueles que escolherem poderão vir a morar com vocês na
mesma casa.
Assim, foi possível classificar cada moça com base nas escolhas feitas e
recebidas, tendo em vista três tipos de resposta: aceitação (positivo), rejeição (negativo)
e indiferença (neutro). O teste visava desvelar as estruturas relacionais existentes na
comunidade de Hudson e mobilizar a participação comprometida e espontânea das
moças que viviam na instituição. Como o teste sociométrico produz uma dinâmica
especial, as moças deixaram de ser simples objeto de observação e passaram a ser
também observadoras do cenário relacional e os profissionais, por sua vez, passaram
também a ser observadores participantes, de tal modo que a pesquisa passou a envolver a
participação conjunta de todos.
De acordo com Moreno (1994a), a classificação em sociometria é diferente da
classificação dos métodos psicométricos. Nestes, a classificação é centrada em uma
única pessoa, enquanto naquela, a classificação é feita de um indivíduo em relação a
outros; e, no caso dos grupos, de um grupo em relação a outros.
A fim de aclarar as escolhas, Moreno e sua equipe realizavam entrevistas para
investigar as motivações subjacentes a essas escolhas. E, para determinar a diferença
entre a primeira e a segunda escolha, media, pelo tempo que as moças passavam juntas, a
intensidade da escolha. Esses procedimentos foram acrescentados ao teste sociométrico,
na tentativa de aumentar a precisão de suas conclusões (MORENO, 1994a).
61
Outro instrumento utilizado por Moreno na pesquisa foi o sociograma, que é a
representação gráfica dos fatos inter-relacionais e a exploração deles. Esse recurso
possibilitou a análise estrutural da comunidade de Hudson e facilitou a visualização das
correntes psicológicas15 e ideológicas que antes eram invisíveis. O gráfico sociométrico
consiste em colocar os líderes no centro e dispor os demais membros do grupo em
círculos concêntricos, de dentro para as bordas, na ordem decrescente de importância de
cada em (MORENO, 1992).
Moreno formulou vários tipos de sociogramas em Hudson, mas todos
retratavam o padrão da estrutura social como um todo e a posição de cada moça dentro
dela. Os gráficos revelaram o significado funcional, a localização geográfica, os
subgrupos, o percurso das informações, dos boatos e os porquês das fugas constantes das
moças. Sobre as fugas, escreve Moreno (1994a, p. 287): “Estes [classificações
sociométricas e sociogramas] indicam que muitos outros indivíduos, além das fugitivas,
mostravam posição sociométrica, na comunidade, que as predisporiam à fuga”. Por esse
auxílio importante, Moreno (1992) comparou o sociograma a um microscópio que
amplia e mostra o lugar de cada moça no conjunto das inter-relações da comunidade de
Hudson.
Por meio das análises dos sociogramas e das entrevistas realizadas com as
moças, Moreno descobriu uma rede sociométrica, em que a comunicação fluía por
estruturas (pares, correntes, triângulos etc.), as quais funcionavam como um leito em que
as correntes de opinião se misturavam e pelo qual se espalhavam. Segundo o princípio da
formação de átomos sociais, em uma comunidade, as pessoas relacionam-se com
determinada quantidade de outras pessoas. Ele percebeu, ainda, que as correntes
psicológicas eram seletivas. Isto é, normalmente, as notícias, os mexericos, os
comentários externos e íntimos que não prejudicavam quem os contava transitavam, sem
resistência, pelas redes. Contudo, quando se tratava de alguma atividade secreta, como o
comportamento sexual, racial ou político, os assuntos não atravessavam partes regulares
e já estabelecidas das redes (MORENO, 1994a).
A análise do sociograma só permite evidenciar as posições sociométricas, ou
seja: quem está isolado, é rejeitado, é estrela, forma par, correntes etc. Foram as
15
Correntes psicológicas consistem em sentimentos de determinado grupo em relação a outro. A corrente
não é produzida em cada indivíduo separadamente, tampouco se encontra pronta em todos, esperando,
apenas, ser somada para chegar ao resultado final. Essas correntes não permanecem no indivíduo, mas
fluem para o espaço e, neste, não fluem desordenadamente, mas por meio de canais e estruturas erigidas
pelo ser humano: famílias, escolas, fábricas, comunidades (MORENO, 1994a).
62
motivações16 – declaradas pelas moças por meio de entrevista gravada individualmente –
que possibilitaram fazer a diferenciação de uma estrutura da outra, pois elas
demonstraram a atmosfera afetiva e as dinâmicas relacionais expressas nas
classificações.
Essas motivações explicitaram-se no estudo que Moreno realizou sobre as
dimensões da integração de um pequeno grupo. O estudo foi feito dentro da comunidade
de Hudson, e Moreno escolheu a casa oito, em que a jovem Elsa T. L. era central. Sua
justificativa para a eleição dessa casa foi por tratar-se de um grupo interligado na
comunidade e bem explorado, no que tange aos índices de familiaridade, sociométricos e
motivacionais.
Com esse procedimento, Moreno (1994a) deixa clara a sua estratégia de
recortar o grande grupo, de 505 moças, em pequenos subgrupos, a fim de facilitar o
estudo. O grupo em questão era formado por cinco moças: Elsa, Maud, Gladys, Joan e
Virgínia. Apesar de Elsa morar com dezesseis jovens, Moreno considerou grupo somente
o conjunto de moças escolhidas positivamente por ela, mesmo sendo as escolhas
incongruentes. A quinta escolha positiva de Elsa não foi incluída no grupo por Moreno,
pois se tratava de uma jovem fora da casa e isolada, que, portanto, não afetava a posição
e as relações de Elsa na comunidade.
O teste sociométrico demonstrou que Elsa estava isolada e rejeitada no seu
grupo e na comunidade, ao evidenciar que as dezesseis colegas de casa, quinze jovens e
a funcionária responsável pela casa, rejeitaram-na. A posição de Elsa era de extrema
marginalização. Mas ela escolheu Virgínia e Joan, que eram duas jovens muito
influentes. Segundo Moreno (1994a), parecia ser uma tentativa de Elsa para melhorar sua
aceitação na comunidade (status sociométrico). Não obstante, Joan e Virgínia eram
líderes e exerciam influência sobre 47 e 21 jovens, respectivamente. Elas rejeitaram Elsa,
e isso provocou um efeito multiplicador negativo sobre ela. Esse fenômeno foi
denominado por Moreno antipatia indireta e surge quando a rede sociométrica é muito
forte. Em suma, a análise do teste sociométrico permitiu que Moreno (1994a)
identificasse o status relacional de cada jovem, a participação de cada uma nas redes
sociométricas e a definição de lideranças.
16
Motivação é o que move cada moça na direção da companheira, com o intuito de realizar o objetivo
proposto pelo critério de escolha (MORENO, 1994a).
63
Moreno deu seguimento à pesquisa realizando outros métodos, com os testes de
espontaneidade, de situação e role-playing. Um de seus objetivos era apresentar soluções
práticas para os problemas relacionais na instituição, bem como desenvolver a reflexão
das jovens sobre suas vontades e atos, de modo que elas pudessem alcançar seus projetos
de vida dentro e fora da instituição.
A aplicação do teste de espontaneidade objetivava identificar a intensidade da
espontaneidade na troca de emoções entre as moças. Para realizá-lo, Moreno (1994a, p.
208) deu as seguintes instruções:
Deixe-se levar por um estado de emoções em relação a x. A
emoção precipitante pode ser tanto a raiva como o medo, a
afinidade ou a dominação. Desenvolva qualquer situação
que quiser produzir com ela, expressando esta emoção em
particular, acrescentando tudo o que sentir, sinceramente, no
momento deixe-se levar pelo estado emocional sem nada em
sua mente a não ser a pessoa que tem em frente; pense nesta
pessoa como a pessoa real que conhece tão bem no
cotidiano. Chame-a por seu nome de verdade e aja em
relação a ela como geralmente o faz. Uma vez que tenha
começado a produzir um destes estados emocionais, tente
elaborar a relação por aquela pessoa durante toda a situação,
vivendo toda e qualquer experiência, emocional, intelectual
ou social.
Todo o processo acontece de improviso, de modo que os sujeitos exercitam por
completo sua espontaneidade. O fluir das emoções é registrado pelo tempo de reação,
pelas palavras ditas, as expressões mímicas e os movimentos no espaço. Esse
procedimento foi aplicado para avaliar os relacionamentos de Elsa com Maud, Gladys,
Joan e Virgínia e resultou em oito relatórios.
Para aprofundar o conhecimento da estrutura relacional do grupo, Moreno
utilizou mais dois procedimentos: o teste de situação e o teste de role-playing. O
primeiro consiste em vivenciar uma cena de relacionamento concreto do grupo, para que
se possam levantar as várias configurações afetivas existentes nele. Já o teste de roleplaying explora os papéis particulares e sociais, presentes no pequeno grupo. Esse teste
possibilitou que Elsa interpretasse vários papéis e revelasse alguns aspectos de sua vida
que as colegas desconheciam. Portanto, as situações vivenciadas no teste propiciaram ao
grupo maior conhecimento da pessoa de Elsa e a ela, melhor entendimento de sua
própria história de vida e de como, paulatinamente, chegou ao estado atual (MORENO,
1994a).
64
A partir dos registros, Moreno (1994a) fez a análise da matriz situacional e da
matriz de papel do pequeno grupo em questão. Com a matriz situacional, ele avaliou o
ângulo situacional das interações. Ele observou o conteúdo da comunicação e as
correlações entre espaço, tempo, movimentos, atos, pausas, número de palavras e de
gestos, quem iniciou o diálogo, como o fez, quem transformou ou encerrou as cenas.
Com esses dados, foi possível indicar a qualidade dos vínculos.
Moreno (1994a) formulou a hipótese de imaturidade social como uma das
explicações para que Elsa permanecesse isolada e rejeitada na comunidade. Ela
demonstrou não ter habilidade para integrar-se ao círculo das moças de sua mesma idade,
escolaridade e quociente intelectual; no entanto, invariavelmente, estava interagindo com
as jovens com idade e desenvolvimento intelectual aquém dos seus. O outro motivo para
a tendência do grupo em rejeitá-la era a influência de certas líderes que a rejeitavam
tanto quanto suas atitudes transgressoras. Em face desses dados, concluiu Moreno
(1994a, p. 231): “Uma tentativa de cura, naturalmente, envolveria toda a corrente de
indivíduos interligados a sua posição”.
Com a análise da matriz de papel do pequeno grupo, Moreno pôde identificar
três papéis significativos na vida de Elsa: o papel de simpatizante de negros, o de autora
de pequenos furtos e o de rebelde. Essa matriz é composta por diferentes papéis sociais e
particulares, os quais esse pequeno grupo desempenhou, tanto em seus denominadores
coletivos como em seus diferenciadores individuais. Nessa relação de papéis
complementares, houve um movimento vicioso, ou seja, moças responderam à ação de
Elsa e esta, por sua vez, respondeu com atitudes de indiferença, apatia e rebeldia, o que a
excluiu do grupo.
Por meio do role-playing, Elsa dramatizou papéis e enredos de sua vida. Essa
oportunidade revelou a sua capacidade de se emocionar, reação bem diversa do que seu
jeito indiferente e apático demonstrava na casa oito. A esse respeito, Moreno (1994a, p.
232) relatou que, ao dramatizar os conflitos com a mãe e as experiências horríveis com
os homens, Elsa mostrou o “seu outro lado, sua personalidade afetuosa e sonhadora, vem
à tona. Levou a audiência às lágrimas, mesmo suas inimigas oficiais”.
Moreno tinha também como objetivo tratar as relações em Hudson. Assim,
adotou procedimentos, tais como tratamento por sugestão, análise de conduta, mudança
de função e, por fim, trabalho grupal, para melhorar a posição sociométrica de Elsa na
instituição. Moreno identificou, por meio do trabalho grupal, condições apropriadas para
65
que isso pudesse acontecer. Na casa treze, para onde foi removida, Elsa contou com a
aceitação de duas jovens e da funcionária encarregada.
A reorganização da instituição fez melhorar as relações interpessoais, pois
Moreno focou na valorização dos relacionamentos centrados na confiança e na
continência mútua. O resultado foi um maior entendimento entre as detentas e a
diminuição das fugas; com isso, a vida na instituição adquiriu um caráter mais humano.
Fica patente o caráter adaptativo e o intento apaziguador de tensões sociais da
sociometria, a despeito de seu potencial transformador. Conforme afirma Naffah Neto
(1997, p.151), “se é verdade que, depois de tudo, a instituição e as posições oficiais ainda
permaneceram, também é verdade que já não eram as mesmas”. Contudo, a
transformação restringiu-se àquela instituição e só foi permitida porque não afetava a
estrutura da sociedade capitalista. Para promover a possibilidade de uma transformação
ampla, é necessário à sociometria romper com a visão de indivíduo e construir a de
sujeito. E essa construção pressupõe considerar a determinação social e histórica do ser
humano.
CATEGORIAS DA PSICOLOGIA SOCIAL DESENVOLVIDAS POR J.
L. MORENO EM QUEM SOBREVIVERÁ?
Na análise da obra de Quem sobreviverá?, emergiram as categorias ciência,
relação indivíduo–sociedade e grupo. Focalizar essas categorias pode ajudar a
esclarecer quais são os pressupostos da psicologia social de J. L. Moreno e que teoria
influenciou a sociometria, concebida por ele, na década de 1930, nos Estados Unidos.
Ciência: positivismo e pragmatismo
Na obra Quem Sobreviverá?, Moreno explicitou a sua pretensão em conferir à
pesquisa sociométrica um caráter científico. “A sociometria tem a aspiração de ser
ciência por seus próprios méritos. É prólogo indispensável para todas as ciências
sociais” (MORENO, 1992, p. 154). Porém, que ciência pode ser reconhecida nessa
obra?
Percebem-se evidências de proximidade entre certas categorias do pensamento
positivista e a sociometria de Moreno. Entre elas, podem ser citadas a classificação
sociométrica, a busca de fórmulas matemáticas (quantificação), o controle, a adaptação,
a manipulação dos dados observáveis, a formulação de leis gerais, a construção de
gráficos (sociograma), a opção pelo procedimento indutivo, partindo do particular
(átomo social) para o mais geral (grupo).
Segundo Vigotski (2004, p. 208-209), ir do “simples ao complexo, do animal
ao homem” é uma concepção defendida por Pavlov. Esta é contrária ao método
marxista, que parte do mais complexo para o mais simples. Compreender o mais
desenvolvido abre a compreensão do funcionamento do processo e do desenvolvimento
dele, porque o mais simples está contido no mais complexo.
Na perspectiva desse enfoque metodológico, Moreno (1992, p. 157) escreveu:
“a sociometria é, em grande parte, ciência classificatória e podemos fazer
generalizações tendo por base tais classificações”. Ele não deixa dúvida sobre sua
posição de fazer, naquele momento, uma ciência positivista. Nesse sentido, afirmou: “a
sociometria trata do estudo matemático das propriedades psicológicas das populações,
67
da técnica experimental e dos resultados obtidos com a aplicação de métodos
quantitativos” (MORENO, 1992, p. 157).
Nessa época, havia vários estudiosos de psicologia social, que, como Moreno,
procuravam quantificar os relacionamentos grupais nos Estados Unidos. O cenário
norte–americano, de 1910 a 1940, mostra uma psicologia social que se desenvolve
como estudo científico sistemático, de forte tradição pragmática, positivista,
experimental, que entendia o ser humano e a sociedade como fenômenos distintos. É
nesse contexto que Moreno e muitos outros cientistas, de orientação positivista, vão
construir suas teorias das relações humanas, baseadas na visão de que é possível isolar
as pressões internas e externas do indivíduo e explicar a sua conduta e pensamento.
Entre eles, está Kurt Lewin, que também utilizou fórmulas matemáticas para explicar o
comportamento humano em grupo. De acordo com Knobel (2004), essa busca da
tradução matemática justificava-se como um sinal da seriedade e do rigor científico,
portanto, de respeitabilidade.
Moreno (1992, p. 164) deixou clara a influência que teve da ciência
positivista, quando afirmou: “Toda ciência reporta-se à constelação de fatos e de como
medi-los. Sem meios adequados de descobrir fatos e sem formas apropriadas de avaliálos, a ciência não existe”. A crítica não é por investigar o fato, mas por tratá-lo como
algo imediato e tomá-lo como bastante em si mesmo, sem problematizá-lo.
No âmbito positivista, a ciência é concebida como um processo de
investigações empíricas, que trabalha com fatos possíveis de serem expressos em
números a fim de que a objetividade seja assegurada. No entanto, essa não é a única
concepção de ciência. Outra forma de concebê-la é a dialética. Nesse sentido, Vigotski
(2004, p. 318) afirmou:
Quando se conhece um pouco a metodologia (e a história)
das ciências, a ciência começa a ser vista por nós não como
um conjunto morto, acabado, imóvel, integrado por
princípios preparados de antemão, mas como um sistema
vivo, em constante evolução e avanço, de fatos
demonstrados, leis, suposições, estruturas e conclusões, que
se
completam
ininterruptamente,
são
criticados,
comprovados, rejeitados parcialmente, interpretados e
organizados de novo etc. a ciência começa a ser
compreendida dialeticamente17 em seu movimento, pela
perspectiva de sua dinâmica, de seu crescimento,
desenvolvimento, evolução.
17
Grifo do autor
68
Na perspectiva dialética, o homem é compreendido como um ser sóciohistórico. A noção de historicidade permite uma análise crítica da sociedade na qual o
homem se encontra. Abordar o objeto de estudo em sua historicidade significa procurar
apreendê-lo inserido em um processo de transformação constante. E a ciência perde,
desse modo, a sua condição de “neutra”, pois é reconhecida como conseqüência da ação
de seres humanos situados social e historicamente, que determinam como os fatos são
abordados, ou seja, podem representar a afirmação e a manutenção da realidade
histórica ou a sua negação e a expressão da transformação social.
Moreno (1992, p. 129) esboçou uma tentativa de autocrítica sobre seu
excessivo interesse métrico: “Tais formas ingênuas e rudes de medição constituíram o
primeiro passo indispensável antes do estabelecimento das unidades padronizadas de
validade universal”. De acordo com ele, a sociometria, com o tempo, passou do
quantum para o socius, deslocando a prioridade para as informações qualitativas dos
relacionamentos. No entanto, não conseguiu romper com o modelo positivista, pois
ainda continuou tentando estabelecer leis gerais e conceitos imutáveis, além da ausência
de uma análise social e histórica, que passa uma visão de naturalização dos fenômenos
sociais e humanos.
Sobre a ausência dessa análise na obra Quem sobreviverá?, Naffah Neto
(1997, p. 149) ponderou: “Quando examinamos as descrições de Moreno, sentimos falta
de um elo cognitivo entre a realidade vivida em Hudson [...] e as forças econômicas,
políticas e ideológicas características da sociedade americana naquele momento
histórico”. Para esse autor, a sociometria baseou-se em categorias positivistas e, assim,
tornou-se uma ciência classificatória, sendo essa posição mais um reflexo da influência
da exterioridade mecânica de Bergson18 sobre Moreno.
Moreno submeteu-se ao paradigma científico dominante nos Estados Unidos,
o positivismo, com característica de uma ciência ideológica, reprodutora dos interesses
da classe dominante. Essa ciência é produto de condições históricas e sociais
específicas. Aquele momento histórico, a década de 1930, foi um período do
entreguerras e a sociedade norte-americana caminhava para consolidar-se como uma
grande potência.
18
Henri Bergson, filósofo espiritualista que concebeu a inteligência como a capacidade de resolver
problemas. Estudou os fundamentos biológicos, topológicos e funcionais, segundo as leis de estímulo e
resposta (MERANI, 1977).
69
Aquela sociedade contava com a colaboração da ciência e, especificamente, da
psicologia social positivista, para fornecer respostas a múltiplas exigências, advindas de
diversos segmentos. As forças armadas procuravam meios de classificação que fossem
rápidos, objetivos e eficientes para o recrutamento e seleção de indivíduos para suas
fileiras; as instituições escolares de ensino e de reeducação estavam interessadas em
novos métodos pedagógicos e em controlar o comportamento dos alunos; as empresas
industriais buscavam formas de racionalizar a divisão do trabalho e a partilha das
profissões.
Essa psicologia específica ressalta a importância da medida, dos métodos de
quantificação e dos testes, para fornecer respostas mais precisas, objetivas e eficazes. A
utilização sistemática do método de teste tem o sentido prático de classificar os
indivíduos, tomando por base a determinação quantitativa de seus traços, afetos e
aptidões.
Moreno demonstrou, mais uma vez, sua consonância com essa tendência
predominante, criando, entre outros, o teste sociométrico para medir e classificar as
relações entre os indivíduos em um grupo. A propósito disso, escreveu: “Este teste tem
sido aplicado a grupos familiares, de trabalho e escolares. Determina a posição de cada
indivíduo em um grupo no qual tenha uma função, por exemplo, no qual vive ou
trabalha” (MORENO, 1992, p. 194).
Essa posição está de acordo com a psicologia social positivista, de cunho
pragmático, desenvolvida nos Estados Unidos que, segundo Lane (1986a, p. 10), visa
“alterar e/ou criar atitudes, interferir nas relações grupais para harmonizá-las e assim
garantir a produtividade do grupo”. Essa autora acrescenta que o positivismo, na busca
da objetividade, perde o ser humano.
A subjetividade não pode ser comparada aos fenômenos naturais, pois os
fenômenos psíquicos não pertencem à mesma categoria que os físicos. Moreno parecia
saber disso, mas, com a pretensão de obter a aceitação da sociometria nos meios
acadêmicos norte-americanos, adotou o modelo positivista de ciência. Por isso, por
meio dos estudos sociométricos, perseguiu a “objetividade científica”:19
procurou
estabelecer leis gerais, elaborou testes e gráficos e procurou predizer distúrbios, como
se os fenômenos psicossociais fossem fixos, estáticos, naturais.
19
Na perspectiva dialética, não se concebe a separação entre objetividade e subjetividade.
70
Sobre a possibilidade de a sociometria prever as reações de uma comunidade
ou grupo, Moreno (1994a, p. 253) escreveu:
A seguinte questão pode ser levantada: será possível, através
do estudo da organização de determinada comunidade,
predizer, não apenas reações de comportamento, tais como
fugas, mas também, alterações maiores, envolvendo grupo
de pessoas, alterações estas que podem ser prejudiciais para
uma ou outra parte da população? Temos mostrado que é
possível reconhecer os sinais que predispõem a tais
distúrbios dentro da organização de grupo da comunidade.
Essa visão está enraizada no positivismo e no idealismo, presentes nas ciências
humanas e sociais de então. Esse modo fechado e rígido de abordar a dinâmica do
comportamento humano implica a impossibilidade de instrumentalizar os sujeitos para a
transformação social. A sociometria, ao que parece, forneceu elementos para a afirmação
da classe dominante norte-americana, pois teve uma intervenção que minimizava
conflitos e recolocava as pessoas em um meio sociocultural que era compatível com sua
possibilidade de auto-realização, tornando-as “felizes” e adaptadas.
É a realidade histórica que faz o pensamento e não o contrário. Assim, pode-se
dizer que a realidade histórica da sociedade norte-americana influenciou as ciências que
se desenvolveram em seu interior para que estas defendessem a ordem social
estabelecida. A sociometria e uma determinada psicologia social norte-americana
refletem o pensamento racional, pragmático e institucional, dominante naquela sociedade
naquele momento histórico.
Seria, portanto, ingênuo esperar que teorias que emergiram naquele contexto,
pelo menos no seu nascedouro, pudessem fazer a crítica àquela sociedade. Moreno
(1992, p. 21) afirmou que a sociometria encontrou “nos Estados Unidos da América solo
verdadeiramente fértil para seu desenvolvimento”.
No entanto, o materialismo histórico considera o elemento da contradição
dialética, que aponta não só para a reprodução, mas também para a produção. Assim, é
possível perceber forças de mudanças, ainda que se faça todo o esforço para não haver
“falha”, ou seja, para a eliminação do conflito, da demanda, da falta, da contradição
enquanto motores da história.
A psicologia social positivista e a sociometria consolidaram-se não pela crítica
ou pela denúncia das contradições da sociedade capitalista norte-americana, mas pelo
propósito de “solucionar” suas contradições, ou pelo menos pela promessa de resolvê-
71
las. Sobre o alcance da proposta de Moreno na sociedade americana, escreveu Naffah
Neto (1997, p. 158): “É verdade que talvez a socionomia não tivesse a aceitação que teve
nos Estados Unidos e nem congregasse o apoio dos órgãos governamentais, no momento
em que se imiscuísse em zonas perigosas e contrárias à ‘segurança nacional’”.
Moreno não desenvolveu uma posição de crítica à sociedade norte–americana.
À época de sua pesquisa, existia no país uma lei de segregação racial que foi estabelecida
pela Suprema Corte. Moreno seguiu com sua pesquisa sociométrica como se esse fato
em nada a afetasse e não fez qualquer pronunciamento ou comentário a respeito do
racismo. A propósito dessa omissão, Knobel (2004, p. 119) escreveu:
Moreno não faz também nenhum comentário crítico em
relação ao regime de segregação racial que vigorava no país
naquela época, atingindo também essa comunidade, com
todos os problemas inerentes a esse processo.
A sociometria, ao adotar a posição de adaptabilidade e o método positivista,
limitou-se à explicação da realidade; não logrou apreender a sua essência, que é
histórica. De acordo com a lei da negação, ela permanece na primeira negação, pois as
suas intervenções não são críticas e, sim, apenas humanizadoras. Moreno não produziu
uma análise, mas uma descrição da realidade. Não havia nenhum problema com os
princípios, havia problema na adaptação aos princípios.
A propósito das limitações da sociometria, Chauí (1997, p. 287) concluiu:
O limite da experiência de Moreno não se encontra,
portanto, no fato de que não teria sido feita pela “boa”
classe. O limite parece encontrar-se no fato de que não há
em Moreno uma crítica da instituição carcerária como
instituição sociopolítica. Há apenas um esforço para
amenizá-la e humanizá-la.
A negação da negação, nesse caso, seria o esforço para constituir um método
que pudesse apreender, compreender e mediar o objeto, para desvendar a realidade, o
que não ocorreu. A sociometria não se preocupou em proporcionar uma compreensão
política da sociedade norte-americana, nem pelas prisioneiras nem pelas carcereiras. Para
se compreender desse modo uma sociedade, é necessário adotar a perspectiva do
materialismo dialético. Sem essa visão, é impossível construir uma teoria capaz de
romper o estabelecido e promover a emancipação humana, tendo como pressuposto que
o ser humano é um ser sócio-histórico.
Por não considerar a dialética, cujo alcance faz compreender como um pólo se
expressa no outro, Moreno naturaliza o caráter social do homem. Assim, a sociometria
72
está impregnada de idéias que naturalizam o ser humano. Tal como a sociologia e a
psicologia norte-americana, a sociometria é, de fato, fruto de um período histórico em
que dominaram o positivismo, o pragmatismo e as concepções liberais do ser humano e
da sociedade que ainda predominam no presente.
O liberalismo é a expressão ideológica do modo de produção capitalista. Essa
ideologia aparece na psicologia social com o pragmatismo, que é uma concepção de
mundo voltada para o concreto, o adequado, para os fatos, para a ação, para o útil, para a
experiência, para o necessário, com o objetivo de ajustar e reajustar o indivíduo ao
meio.20 Para Vigotski (2004, p. 352), a crise da psicologia situa-se exatamente “no
desenvolvimento da psicologia aplicada, que deu lugar à reestruturação de toda a
metodologia da ciência sobre a base do princípio da prática, ou seja, de sua
transformação em ciência natural”.
A ideologia do capitalismo, em que a sociedade acha-se dividida em classes
antagônicas, é um instrumento de ocultação das diferenças e desigualdades, ou seja,
funciona como uma forma ilusória de representar o real. A inversão não está na
consciência e sim na realidade, pois as pessoas têm preço e a mercadoria tem valor.
Portanto, faz parte do processo de reificação supor que a prática, a ação tem de ter uma
função, uma serventia. As concepções positivo-pragmática, que são o braço intelectual
do capitalismo, estão a serviço da manutenção dessa sociedade.
A propósito da filosofia positivo-pragmática, Horkheimer (2000, p. 85)
declarou:
Quer os positivistas queiram ou não, a filosofia que eles
ensinam consiste em idéias e é mais do que um instrumento.
Segundo a sua filosofia, as palavras, em vez de terem
significado, teriam apenas função.
Para esse pensador, o pragmatismo é uma expressão da visão positivista.
No materialismo histórico-dialético, encontra-se outra concepção de ação.
Löwy (2000, p. 132) defendeu a idéia de que “o materialismo histórico não é somente
um instrumento de conhecimento; ele é também, ao mesmo tempo, um instrumento de
ação”. E continua, afirmando, nesse sentido, que o proletariado, “em sua luta
revolucionária, coincide a teoria e a práxis, e se passa sem transição do saber à ação.
Reconhecendo a situação, o proletariado age”.
20
O sentido do termo meio empregado aqui é positivista, porém o autor deste trabalho entende sociedade
como um processo, em permanente construção.
73
Na perspectiva dessa concepção de ação, está explícito o objetivo de
transformação da sociedade capitalista e não de sua manutenção, como ocorre no
pragmatismo. É o método dialético que vai desopacizar, vai desvendar a falsa realidade
da sociedade capitalista. Entre esses dois métodos contemporâneos, a sociometria optou
pelo positivista-pragmático. Foi o próprio Moreno que admitiu a influência de autores
positivistas e/ou pragmatistas sobre a sociometria. “O solo para a sociometria foi
preparado pelo pensamento de J. Badwin, C. H. Cooley, G. H. Mead, W. I. Thomas e,
particularmente, John Dewey” (MORENO, 1992, p. 62).
As afinidades entre sociometria e pragmatismo estão nas categorias da ação, da
prática e da experiência. É o próprio Moreno (1992, p. 160–161) que explica:
O experimento sociométrico não baseia suas descobertas no
método de entrevistas ou de questionário (e este é equívoco
comum); é método de ação, prática de ação. O pesquisador
sociométrico assume a posição do status nascendi na
pesquisa; ele está interiorizando o método experimental, é
ator participante.
O termo pragmatismo vem do grego prágma, que quer dizer ação. Como
método, explica o objeto por sua natureza prática. O pragmatista volta-se para o concreto
e o adequado, para os fatos, para a ação. As idéias que têm significado são aquelas com
conseqüências práticas, pois a função do pensamento é produzir hábitos de ação. Para
Dewey (1959), o pensamento não é senão um processo de abordar a experiência em
situação total, ou seja, em face de problemas reais. Aprender para a vida significa não
somente agir, mas agir de acordo com o novo modo aprendido. É a capacidade do
educando de, ao encontrar situações novas, resolvê-las com êxito (DEWEY, 1952).
Pode-se perceber que o pensamento de Dewey está contido na definição dada
por Moreno à espontaneidade. Esta e a criatividade são as pedras angulares para a
compreensão da sociometria. “A espontaneidade opera no presente, agora e aqui; propele
o indivíduo em direção à resposta adequada à nova situação ou à resposta nova para
situação já conhecida” (1992, p. 149).
De acordo com Moreno e os pragmatistas, os corpos agem e reagem, para a
conquista de um equilíbrio de adaptação. O sentido da vida é a ação e o valor da verdade
resulta do rendimento da ação. Ou seja, as idéias são verdadeiras porque as expectativas
se cumprem e as ações funcionam.
Horkheimer (2000, p. 55) afirmou que a ambição do pragmatismo era “ser
nada mais do que uma atividade prática, distinta da compreensão teórica”. Tudo, na
74
perspectiva pragmatista, é relativo à ação. E se esta é útil, seus resultados são os únicos
valores que se pode aceitar.
Mas o pragmatismo não está reduzido àquilo que é prático; aponta também para
os modos como tal prática está sendo construída. Para os pragmatistas, a ação é exercida
como forma de experiência e a inteligência é a capacidade de resolver problemas. Para
Dewey (1952), a experiência é agir sobre outro corpo e sofrer dele uma reação. É uma
relação que se processa entre dois elementos do cosmos, alterando-lhes, até certo ponto,
a realidade.
Moreno também adota a atitude de experimentar. Ação é a experiência da livre
ação. Segundo Moreno (1992, p. 177), “uma genuína teoria de ação e atores trabalha
com categorias de ação e potenciais de interação como a espontaneidade, a criatividade,
o aquecimento, o momento, o encontro”. A realidade é construída pela pessoa por meio
de sua ação no mundo e significada por meio do outro. O que propiciou o encontro de
Moreno com o pragmatismo foram as noções de ação, criatividade, auto-regulação e
solução de problemas coletivos.
A experiência é, tanto para Dewey quanto para Moreno, uma categoria muito
importante. Dewey (1952) chegou a afirmar que a vida é constituída de experiências de
toda sorte. Portanto, vida, experiência e aprendizagem são inseparáveis, pois
simultaneamente vivemos, experimentamos e aprendemos. Assim, uma idéia forma-se
verdadeira pelos acontecimentos, pelo processo de descoberta, pelo empírico. As origens
do conhecimento encontram-se nas necessidades da ação. Os pragmatistas argumentam
que se deve considerar como verdadeiro aquilo que mais contribui para o bem–estar da
humanidade em geral, tomando como referência o mais longo prazo possível.
A sociedade subjacente a Peirce, James e Dewey é a sociedade capitalista,
estruturada sobre a realização de bens de produção e de consumo. Para eles, o homem e a
sociedade estão submetidos às leis da oferta e da procura. Horkheimer (2000) afirma que
a filosofia desses pragmatistas reflete o espírito da cultura comercial predominante,
explicitada na atitude de ser prático. A sociometria de J. L. Moreno tem afinidades
teóricas e metodológicas com o pragmatismo de Dewey e James.
Relação indivíduo–sociedade: uma visão microssociológica
Na obra Quem sobreviverá?, Moreno analisa a sociedade, fazendo uma
microssociologia, com abordagem a partir de pequenos grupos. A experiência de Hudson
75
levou Moreno a ver toda a sociedade em termos de grupos. Por isso, ele não parte do
indivíduo, mas do átomo social. Este, e não o indivíduo constitui, para Moreno (1994, p.
159), a menor unidade social. “Talvez a mente não distraída pelos fatos brutos na
sociedade poderá descobrir a menor unidade social viva, impossível de ser dividida, o
átomo social”. Então, a sociedade seria a soma, a interpenetração e a multiplicação
dinâmica dos átomos sociais. Em suma, o átomo social corresponde ao ponto de
transição entre o indivíduo e a sociedade. Ele é o elemento capaz de formar
associativamente outras configurações mais complexas. Nesse sentido, Moreno (1992, p.
182) escreveu:
A matriz sociométrica consiste em várias constelações: tele,
o átomo, o superátomo ou molécula (diversos átomos
interligados), o ‘socióide’ que pode ser definido como
agrupamento de átomos interligados a outros através de
correntes ou de redes interpessoais.
Essa visão mecanicista, atomista e associacionista de Moreno vem de sua
herança positivista. Ele compreendeu a derivação das formações sociais mais complexas
a partir das mais simples. Assim, os métodos sociométricos foram desenvolvidas para
pesquisar fenômenos intra e intergrupais. A propósito desse assunto, Naffah Neto (1997,
p. 162) escreveu: “Se é impossível apreender a estrutura social em sua totalidade,
cumpre formá-la por associação”. Assim, a dinâmica da sociedade seria a irradiação ou o
deslocamento da dinâmica específica de seus núcleos microssociológicos – os átomos
sociais.
Segundo Moreno (1994a, p. 162), “podemos olhar para um átomo social em
duas direções: de um indivíduo para a comunidade e desta para ele”. Nessa visão, há
uma tendência de separar indivíduo e sociedade e resolver as situações no indivíduo ou
na sociedade. É a ressonância da psicologia social positivista, que estuda o indivíduo
isoladamente. Em contraposição a essa visão cindida, Vigotski elabora a noção de sujeito
e de intersubjetividade, em que o social e o individual estão intrinsecamente
relacionados, de forma que um se constitui a partir do outro:
a arte é o social em nós, e, se o seu efeito se processa em um
indivíduo isolado, isto não significa, de maneira nenhuma,
que as suas raízes e essência sejam individuais. É muito
ingênuo interpretar o social apenas como coletivo, como
existência de uma multiplicidade de pessoas. O social existe
até onde há apenas um homem e as suas emoções pessoais.
(VIGOTSKI, 2001b, p. 315)
76
O pensamento cindido está a serviço da sociedade burguesa, em que os meios
sociais são apenas meio de realização dos desejos privados dos indivíduos. Essa é uma
condição da sociedade capitalista para constituir o indivíduo livre, competitivo, para que
ele possa vender sua força de trabalho a quem ele quiser. Portanto, o indivíduo é
valorizado na competição, na capacidade de produzir e de consumir. Segundo Marcuse
(1979), numa sociedade cercada pela administração total, a vida tem aparência de livre,
mas apenas na medida em que é livre a escolha de mercadorias. O que não se
mercantilizou perde a força na vida social desse tipo de sociedade.
É na sociedade capitalista que aparece a concentração das pessoas em grandes
cidades, para melhor produzir. Mas as pessoas estão sós. Essa é a condição imposta pela
competição inerente a essa sociedade. A condição universal de exteriorização do ser
humano para ser reconhecido é, na particularidade do capitalismo, feito pela
individualização. Então, a condição de ser humano, nesse sistema, é ser individualista.
Essa condição afeta a possibilidade de surgimento do sujeito.
A individualização nega ao indivíduo o direito de identificação, e dificulta a
formação de um sujeito questionador, pois à sociedade capitalista interessa formar um
indivíduo que vá aderir a ela e mantê-la. Nesse sentido, a psicologia e a psicologia social
positivista têm como promessa solucionar a contradição, adaptar o indivíduo e torná-lo
feliz nessa sociedade. Esse indivíduo é um ser-substância do qual se pode descrever e
coisificar as atitudes e comportamentos. Ele é estático e acabado, simples conseqüência
da “natureza humana”. Para Bock (1999, p. 37), o positivismo “rechaçou o indivíduo
como categoria de pensamento, entregando-o aos cuidados da psicologia do ajustamento
e da adaptação”.
Essa separação entre indivíduo e sociedade fundamenta-se na concepção de
natureza humana predeterminada e a–histórica. Assim, o ser humano, portador de uma
natureza que o define a priori, independentemente de suas relações sociais, seria um
ideal natural a ser perseguido e nunca um ser em desenvolvimento em determinadas
condições. Mas, para a perspectiva crítica, indivíduo e sociedade são indissociáveis,
formam uma unidade em que o indivíduo está, o tempo todo, na sociedade e a sociedade
está, o tempo todo, no indivíduo. Essas duas dimensões são interdependentes
(RESENDE, 1987).
O indivíduo é um ser social, em permanente relação com os outros e somente
nessa relação se constitui, se faz sujeito, se humaniza. Segundo Resende (1987, p. 20), “a
77
humanização não é, portanto um processo natural, mas é um processo histórico”. Assim,
não existe a natureza humana; o ser humano é constituído pela sociedade, pela história.
Nesse sentido, Marx (1978, p. 103) escreveu: “indivíduos produzindo em sociedade,
portanto a produção dos indivíduos é determinada socialmente, é por certo o ponto de
partida”.
Moreno propôs-se, por meio de investigação direta e no presente, estudar as
tensões sociais. Ele estudou as formações sociais no “aqui” e “agora”, no momento em
que nascem e se impõem ao indivíduo. Assim, não há, em sua abordagem, uma dimensão
histórica; portanto, o conflito surge dissociado de sua dimensão estrutural e histórica.
De acordo com Naffah Neto (1997), Moreno não conseguiu reconhecer o
alcance da teoria de Marx e seus seguidores. Por isso, acabou rejeitando os fundamentos
marxistas. Ele acreditava que a história real é aquela que se vive. No entanto, ele não
percebeu que essa realidade vivida é fixada por uma estrutura opaca, menos visível, mas
que é determinante das relações sociais, a qual a teoria marxista se esforça para
compreender e desvelar. Moreno estava, segundo Naffah Neto (1997, p. 161), tão
preocupado “em defender a especificidade dos fenômenos microssociológicos, que
acabou por rejeitar qualquer tipo de teoria que pretendesse descrever a estrutura da
sociedade como um todo, inclusive o próprio materialismo dialético”. Ao discordar da
teoria marxista para explicar a estrutura social, Moreno teve de elaborar a teoria da
tricotomia social para explicar o universo social.
Para Moreno (1992, p. 181), o universo social diferencia-se em três dimensões:
A sociedade externa, a matriz sociométrica e a realidade
social. Por sociedade externa, quero dizer todos os
agrupamentos palpáveis e visíveis, grandes ou pequenos,
formais ou informais que compõe a sociedade humana. Por
matriz sociométrica, quero dizer todas as estruturas
sociométricas invisíveis ao olho macroscópico, mas que se
tornam visíveis através do processo sociométrico de análise.
Por realidade social, quero dizer a síntese dinâmica e a
interpenetração das duas tendências já mencionadas.
Trata-se de uma teoria em que as três instâncias são consideradas
separadamente, passando uma idéia fragmentada de que isso é natural e não determinado
historicamente. Para Naffah Neto (1997, p. 158), essa visão é uma recuperação da
tradição bergsoniana, em que “a sociedade é concebida como um todo homogêneo em
que a história se faz pelo modelo biológico da evolução criadora”.
78
A proposta de Moreno de colocar a matriz sociométrica em oposição à
sociedade externa e a realidade social como síntese dialética das duas dimensões
anteriores só foi desenvolvida parcialmente. De acordo com Naffah Neto (1997),
Moreno ficou somente na descrição dessas dimensões.
A propósito da articulação entre as três dimensões da sociedade, Moreno (1992,
p. 183) afirmou:
A própria realidade social é o entrelaçamento e a interação
dinâmicos da matriz sociométrica com a sociedade exterior,
a externa. A matriz sociométrica não existe por si própria,
assim como a sociedade externa não existe por si; esta
última é continuamente modificada pela estrutura
subjacente.
Nessa concepção, a sociedade externa mascara, turva a matriz sociométrica;
porém essa realidade oculta pode ser revelada por meio de estudos sociométricos.
Moreno teve o mérito de identificar a camuflagem, o caráter arbitrário e conservador das
instituições sociais e revelá-los. Mas, como a experiência de Hudson levou Moreno a
analisar toda a sociedade em termos de grupos, a sua ótica ficou circunscrita aos
horizontes destes. Assim, Moreno não conseguiu questionar a que serve essa ocultação e
dissimulação da sociedade, permanecendo a estrutura social burguesa encoberta por suas
máscaras ideológicas. Aqui, mais uma vez, evidencia-se a falta da teoria marxista, para
que Moreno pudesse ter uma compreensão macrossociológica da sociedade. Foi Marx
que mostrou, por meio da análise crítica do capitalismo, que o fenômeno de reificação é
conseqüência necessária desse regime de produção e não um fenômeno natural.
Nesse sentido, Naffah Neto (1997, p. 180) conclui que “a sociometria deve
finalmente reconhecer seu campo necessariamente microssociológico, pois, por si
mesma ela não pode dar conta de uma visão estrutural da sociedade”. Seria possível uma
articulação entre o marxismo e a sociometria?
Grupo: concepção natural e atomista
Com a sociometria, Moreno deu a sua contribuição para se compreender a
estrutura e funcionamento dos grupos. Entender os fenômenos grupais é fundamental
para qualquer sociedade, pois o grupo tem uma força na estruturação da vida social.
O grupo é a base em que o indivíduo se mantém e é um instrumento, na
medida em que o utiliza para satisfazer suas necessidades psíquicas ou aspirações
sociais. O grupo tem, portanto, grande importância para o desenvolvimento psicossocial
79
do sujeito, como elemento contribuinte de saúde ou de doença mental (MARTÍN,
1984).
Moreno concebe o homem em relação. Essa dimensão relacional da sua teoria
revela-se em toda a sua obra e tem uma clara influência marxista, da qual ele vai
posteriormente afastar-se para adotar uma posição positivista. Para ele, o átomo social é
que dá origem ao grupo. Assim, explicou que “de acordo com o princípio de formação
de átomos sociais, cada indivíduo relaciona-se a determinado número de outros
indivíduos” (MORENO, 1994a, p. 291).
O grupo consiste, para Moreno, em uma rede complexa de átomos sociais.
Portanto, para estudar o grupo e suas implicações, deve-se partir do átomo social e
penetrar no coletivo. Moreno trabalhou com a relação dicotomizada, não conseguindo
identificar que um sujeito constitui-se na relação com o outro, em uma
intersubjetividade. Entretanto, Moreno ficou circunscrito à pesquisa dos grupos, sem
qualquer análise do momento histórico. Desse modo, os fenômenos grupais são por ele
descritos como naturais e universais.
Átomo social: a origem do grupo
O termo grupo foi significativamente usado por Moreno na obra Quem
sobreviverá? Porém, estranhamente, ele não deixa clara a sua definição, empregando o
termo com o sentido de conjunto de indivíduos. Isso talvez se explique pelo fato de o
autor já haver conceituado grupo, em uma obra anterior: Group method and group
psychoterapy: sociometry monographs nº 5, Moreno (1931)21, citado por Knobel (2004,
p. 140), explicou o significado de grupo como “uma pluralidade de pessoas que está em
constante relacionamento, por certo período de tempo”.
Moreno não tinha a pretensão de desenvolver uma teoria geral sobre os grupos
ou sobre a sociedade. A obra Quem sobreviverá? foi resultado de suas experiências na
aplicação do teste sociométrico e de sua intenção terapêutica. De acordo com Martín
(1984), após a Revolução Francesa e industrial, surgiram várias teorias sobre a
sociedade. Mas Moreno adotou uma atitude mais pragmática para estudar os grupos,
podendo ser esta outra explicação para a ausência de teorização sobre grupo.
21
Como se trata de uma obra monográfica de difícil acesso, não traduzida para o português, não foi
possível consultá-la diretamente.
80
Moreno (1994), ao estudar os grupos, tinha um interesse tanto sociológico
quanto terapêutico. As relações entre os membros dos grupos levaram-no a questionar
os problemas da interação entre as pessoas. Assim, ele procurou investigar a
complementaridade e o desencontro das relações. E, no seu entendimento, “teorias bem
desenvolvidas da espontaneidade e do processo de aquecimento devem preceder
qualquer programa de pesquisa de interação” (MORENO, 1994a, p. 202). Com essa
afirmação, ele retoma as noções de espontaneidade e de aquecimento, utilizadas no
teatro espontâneo vienense para aplicá-las à pesquisa sociométrica.
A sociometria, ao focalizar as relações, deu ênfase à correlação ativa entre os
componentes individuais de um grupo, com sua estrutura e funções. O processo de
aquecimento propicia a manifestação da espontaneidade e da criatividade, que, por sua
vez, vão ajudar na constituição do sujeito por meio das relações sociais, permitindo a
operacionalização da sociometria.
O princípio que colocou a sociometria em movimento foi o
conceito gêmeo de espontaneidade e criatividade, não como
abstrações, mas como função em seres humanos reais e em
seus relacionamentos. Aplicado ao fenômeno social,
clarificou o fato de que seres humanos não se comportam
como bonecos, mas são dotados, em grau variável, de
iniciativa e espontaneidade (MORENO, 1992, p. 151-152).
Com o método sociométrico, Moreno retirou os conceitos de espontaneidade e
criatividade do meio metafísico e filosófico e trouxe-os para o meio empírico. A partir de
experiências com diferentes tipos de grupo – bebês, crianças, prostitutas, refugiados,
presos etc. – criou o método da sociometria, o teste sociométrico. Para ele, “o teste
sociométrico é o instrumento que examina estruturas sociais através da medição das
correntes de atração e repulsão que existem entre os indivíduos em um grupo”
(MORENO, 1992, p. 194).
O teste sociométrico permite conhecer a posição das pessoas nos grupos, pois,
evidencia aquelas com quem um sujeito deseja associar-se e quantas desejam associar-se
a ele. Desse modo, pode-se determinar o contorno externo de um átomo social. Esse
conceito nasceu da aplicação do teste sociométrico e foi definido por Moreno (1994b, p.
215) nos seguintes termos:
Definição operacional – devemos localizar todas as pessoas
que determinado indivíduo escolheu e todos que o
escolheram, todos a quem ele rejeitou e todos aqueles que o
rejeitaram, bem como todos os que não retornaram nem as
81
escolhas nem as rejeições deste indivíduo. É esta a matéria
“prima” do átomo social de determinada pessoa.
O átomo social, conforme explica Moreno (1994a), é o grupo em que o
indivíduo está inserido. É o núcleo formado por todos os indivíduos com quem uma
pessoa se relaciona emocionalmente (por aproximação ou afastamento), ou que estão
vinculadas a ela em dado momento. As pessoas que lhe são indiferentes ficam fora do
átomo social. A estrutura do átomo social está em permanente mudança, pois as relações
mudam.
Moreno focou o indivíduo no grupo, porque percebeu que este reage de uma
forma quando está sozinho e de outra quando em grupo. Este último é tomado por
Moreno, não como uma entidade, mas como cenário, – embora sua perspectiva fosse
ainda cindida, separasse, de certo modo, indivíduo e grupo. De acordo com Resende
(1987, p. 17), “quando se fixa em qualquer um desses elementos, e não na íntima relação
que os constitui, é a reflexão abstrata que confirma o arcabouço ideológico burguês.”
Afinal, a sociedade capitalista depende de um indivíduo autônomo, “livre” para oferecer
sua força de trabalho no mercado.
A propósito desse aspecto, Moreno (1994b, p. 119) fez a seguinte comparação:
Elétrons têm o mesmo peso e a mesma carga de eletricidade
quando isolados, porém, se estiverem ligados uns aos outros
produzindo um átomo, começam a demonstrar
individualidade. O mesmo se dá com os homens que,
quando ligados entre si formando um grupo, exibem
“diferenças”
individuais
que
pareciam
inexistir,
anteriormente.
Essa comparação demonstra a influência da fundamentação atomista na postura
sociométrica. Para Naffah Neto (1997), é bem clara a visão atomística que Moreno tem
da sociedade.
Moreno procurou adotar uma postura de equilíbrio, sem perder de vista nem o
indivíduo nem o grupo, não obstante ele os tenha compreendido como elementos
cindidos. Assim, com base no fenômeno que chamou de átomo social, pôde compreender
as relações e os processos subjetivos que constituem a forma de cada membro do grupo
vivenciar seus relacionamentos.
Além disso, Moreno (1992, p. 158) demonstrou sua visão associacionista,
quando afirmou que os átomos sociais entrelaçavam-se, formando as redes
sociométricas:
82
Enquanto certas partes desses átomos sociais parecem
permanecer enterradas entre indivíduos participantes,
algumas unem-se a partes de outros átomos e estes unem-se
a outros, novamente, formando correntes complexas de
inter-relações que são chamadas, em termos de sociometria
descritiva, redes sociométricas.
Portanto, as redes são elementos essenciais na constituição do grupo e, por
meio das correntes psicológicas, influenciam os membros dos grupos. Ao tratar desse
tema, Moreno (1994a, p. 283) esclarece que:
Correntes psicológicas consistem em sentimentos de
determinado grupo em relação a outro. A corrente não é
produzida em cada indivíduo, separadamente; não se
encontra pronta em todos, esperando, apenas, ser somada
para chegar a resultado final. A contribuição de cada
indivíduo difere da dos outros e o produto final não é,
necessariamente, idêntico às contribuições pessoais. Porém,
da interação espontânea destes contribuintes diferenciados
teremos, como resultado, correntes psicológicas poderosas.
Ele classificou as correntes psicológicas segundo dois critérios, subdivididos
em cinco aspectos cada um:
1. suas causas: a) correntes sexuais, b)correntes raciais, c) correntes sociais, d) correntes
industriais e e)correntes culturais;
2. o princípio de sua formação: a) correntes positivas e negativas; b) correntes
espontâneas e contracorrentes; c) correntes primárias e secundárias; d) correntes iniciais
e terminais e e) correntes principais e laterais.
Essas correntes psicológicas são amparadas pelas correntes socioemocionais ou
afetivas que se referem às correntes de atração, rejeição e indiferenças que tecem a rede
psicológica pela qual as mensagens circulam. As redes sociométricas são determinadas
por variáveis subjetivas e por diversos papéis que cada um desempenha. A inserção de
uma pessoa em uma dada rede sociométrica vai depender da quantidade de papéis
desenvolvidos que ela tem, pois é por meio destes que se estabelece o vínculo.
Segundo Knobel (2001), por meio dos papéis, é possível mapear o conjunto de
relações de uma pessoa. Conforme o papel pode-se determinar, para um mesmo
participante do grupo, vários tipos de átomo social:
a) átomo familiar: membros de sua família;
b) átomo profissional: pessoas significativas do seu trabalho;
c) átomo sexual: quem lhe desperta interesse sexual ou com quem mantém
relações sexuais;
83
d) átomo social total: todas as pessoas importantes, segundo vários papéis e
critérios.
O papel tem uma importante função como meio de comunicação entre as
pessoas. Isso se deve ao caráter social e relacional dos seres humanos. Para Moreno
(1994a, p. 198): “a habilidade em desempenhar papéis é essencial para a comunicação
adequada e para o desenvolvimento do eu social”. Portanto, o desempenho de papel
possibilita à pessoa reconhecer a si própria e ao outro. O eu é formado pelos papéis, que
estão em constante interação. Estes são, para Moreno (1992), precursores do eu.
O conceito de papel na obra moreniana traz uma visão dicotomizante: “Todo
papel é fusão de elementos particulares e coletivos; é composto de duas partes – seus
denominadores coletivos e seus diferenciais individuais” (MORENO, 1992, p. 178).
Essa definição interconecta a concepção de papel, conceito social, com a
concepção de espontaneidade, de conteúdo individual, e evidencia a visão psicossocial
que Moreno tem do ser humano. Por meio dos papéis desempenhados, o indivíduo revela
o grau de diferenciação que uma cultura específica alcançou dentro dele, ou seja, sua
interpretação dessa cultura. Mas, de acordo com Lane (1986b, p. 87), se “os papéis são
desempenhados como ‘naturais’, os indivíduos têm pouca consciência de sua
participação no grupo: as coisas acontecem como ‘devem ser’; ou porque alguém não
cumpriu com o seu papel”. Nesse sentido, quando um determinado sujeito expressa seu
desejo de estar com um outro, para compartilhar algo em comum, e encontra respostas
afetivas compatíveis e harmônicas, cria-se um trânsito afetivo articulado e vivaz entre
eles, pois o objetivo é evitar o conflito e o grupo caracteriza-se pelo esforço para
preservar a alienação de seus membros.
Classificação sociométrica dos grupos
Como Moreno adotou o método positivista, ele se limitou a descrever os tipos
de grupos a partir do que encontrou nas aplicações do teste sociométrico. Por isso, não
conseguiu apreender as mediações sociais e históricas do fenômeno, uma vez que o
método não lhe possibilitava tal tipo de análise.
Moreno (1994a, p. 109) escreveu:
Não tratamos com um indivíduo separado da situação
sociodinâmica na qual mora, na qual aparece,
continuamente, atraído ou rejeitado por outros indivíduos. O
ponto crucial de nossa classificação é definir um indivíduo
84
em relação a outros e, no caso dos grupos, sempre, um
grupo em relação a outros. Isto é classificação
sociométrica. A abordagem não foi esquema teórico mas
produto de indução empírica que cresce, logicamente, a
partir de nossa norma inicial de descobrir e controlar as
correntes psicológicas em determinada comunidade.
Para efeitos didáticos, pode-se identificar, na obra Quem sobreviverá?, os
seguintes tipos de grupos:
a) grupos formais: são aqueles visíveis e ancorados na lei, por exemplo: família,
escola, trabalho etc.;
b) grupo sociométrico: é o que surge das relações afetivas de atração, rejeição ou
indiferença entre seus membros. Normalmente, essas relações não são
evidentes, elas são inconscientes e podem ser conhecidas mediante a aplicação
do teste sociométrico;
c) grupos sociais: é a síntese da estrutura do grupo formal com a estrutura do
grupo sociométrico.22
Por meio da experiência com a comunidade de Hudson, Moreno (1994a)
identificou várias características de organização grupal:
a) introvertida: quando a maioria das escolhas converge para a casa, enquanto a
minoria delas é feita fora do grupo;
b) extrovertida: quando a maioria das escolhas é feita, persistentemente, em cada
fase fora, enquanto a minoria das moças, em cada fase, escolhe pessoas de dentro
da casa.
c) equilibrada: quando a minoria das escolhas oscila entre o grupo interno e o
externo, sem apresentar tendências definidas;
d) exteriormente agressiva: se o grupo, em sua maioria, apresenta uma atitude hostil
para com um ou vários grupos externos;
e) interiormente agressiva: quando a tendência hostil predomina no interior do
grupo.
Essa investigação quantitativa e tipificante de Moreno revela uma visão acrítica
da sociedade, pois fixa essas realidades como se fossem autônomas, distintas e
independentes. Ele não consegue perceber a mediação ideológica e reproduz os grupos
como fatos inerentes à natureza do homem. Entretanto, não existe natureza humana, o ser
22
Essa relação foi explicada no item dedicado à categoria indivíduo–sociedade.
85
humano é constituído pela sociedade, pela história, pois, além de biológico, ele é
também histórico e, portanto, produto mutável da evolução das sociedades.
As pesquisas sociométricas levaram Moreno a compreender o desenvolvimento
dos grupos. Nesse sentido, ele afirmou:
As três direções ou tendências de estrutura que descrevemos
para grupo de bebês – isolamento orgânico, diferenciação
horizontal e vertical – são características fundamentais no
desenvolvimento de grupos. Estas tendências aparecem
várias vezes, não importa o quão extenso ou complexo o
grupo se torne (MORENO, 1994a, p. 84).
Essas fases de desenvolvimento acontecem de forma alternada e constante na
vida dos grupos. Segundo Knobel (1996), o foco é o coletivo, e não apenas a
transposição de fenômenos individuais para os grupos.
Essas três dimensões do desenvolvimento grupal podem ser assim detalhadas:
a) isolamento orgânico: caracteriza o primeiro estágio do grupo, em que as
pessoas não se conhecem; há poucos contatos e não existe ação conjunta;
b) diferenciação horizontal: é o segundo estágio de desenvolvimento do grupo,
em que a ação é individual, mas voltada para os outros; as inter-relações são
determinadas pelo grau de proximidade ou distanciamento físico;
c) diferenciação vertical: nesse estágio, a cooperação começa a ser possível,
pois já aparecem objetivos comuns a subgrupos; há necessidade de pertencer e surgem os
líderes e os que se deixam liderar, enquanto alguns permanecem isolados.
Com o estudo da comunidade de moças, em Hudson, Moreno (1994b) observou
que os grupos tinham estruturas sociais particulares e princípios regulares, sob a
influência das forças supra-individuais e sociais que atuam no destino dos participantes
do grupo. Essas regularidades fizeram que Moreno formulasse algumas conclusões
gerais, que denominou “leis”.
De acordo com a lei sociogenética, as estruturas grupais evoluem das mais
simples para as mais complexas. Essas estruturas relacionais aparecem na seguinte
ordem: par, cadeia, triângulo e círculo.
A propósito da lei sociogenética, Moreno (1994b, p. 186) explicou:
Por
padrões
sociais
simples
queremos
dizer
sociometricamente simples, padrões resultantes de um
mínimo de critérios, tais como entre bebês e entre
sociedades pré-tecnológicas. Ao dizer complexos, queremos
dizer padrões sociometricamente complexos, resultantes de
grandes números de critérios.
86
A lei sociodinâmica revela que, nos grupos, a distribuição do afeto é desigual.
Há uma concentração natural do afeto, de modo que o membro isolado ou com baixo
status sociométrico em um grupo tem a tendência de estar isolado também em outros
grupos a que pertença. De outra forma, aqueles membros com alto status sociométrico
(pessoas integradas) em um grupo, têm a tendência de manter essa posição nos demais
grupos sociais. Moreno (1994a, p. 216) completa essa idéia, ponderando que a “lei
sociodinâmica afirma que a distribuição dos resultados sociométricos é positivamente
inclinada. A tendência, em qualquer grupo, a fazer com que mais escolhas favoreçam
poucos membros é chamada de efeito sociodinâmico”. Para ele, a inserção dos isolados
não se resolve nem com o tempo nem com a evolução do grupo, mas com a intervenção
terapêutica.
Ao estudar a formação dos grupos, Moreno (1992) parte da hipótese de que há
uma unidade na espécie humana. E se ela é uma, devem emergir tendências entre
diferentes partes dessa unidade, ora afastando-as, ora aproximando-as. Assim, a lei de
gravidade social norteia o ser humano a organizar-se, desenvolver-se e distribuir-se no
espaço.
Sobre essa lei, Moreno (1994a, p. 294) escreveu:
O caráter dinâmico das correntes psicológicas que levam
indivíduos e grupos à diferenciação cada vez maior produz,
também, suas barreiras e controles. Um dos processos, o de
diferenciação, separa os grupos; o outro, de transmissão e
comunicação, os une. Estes ritmos alternados de forças, de
contração e expansão, sugerem a existência da lei de
gravitação social. 23
Outro princípio para manter o funcionamento operativo do grupo é a sua
coesão. Para Knobel (1996), a coesão de um grupo depende da integração dos isolados,
pois, quando a força dos não-integrados é maior no grupo, este pode desfazer-se ou não
atingir seus objetivos.
Depois de feitas tentativas de integrar um membro isolado e, mesmo assim, ele
não encontrar seu lugar no grupo, deve-se ajudá-lo a sair. Por meio experimental,
Moreno (1994a) observou que uma pessoa rejeitada no grupo podia ser incluída em
outro, com outra estrutura de valores, e adaptar-se.
23
Grifo do autor
87
A propósito da coesão sociométrica de grupos, Moreno (1994a, p. 297)
escreveu:
A hipótese de que, quanto maior for o número de pares
mútuos, mais ampla será a taxa de interação e a
probabilidade de alta coesão de grupo, já foi formulada.
Quanto maior for o número de indivíduos envolvidos em
comunicações de tele positiva, maior será a coesão de
grupo. Há, entretanto, limitações importantes a esta
hipótese. Por exemplo, a possibilidade de que doze
indivíduos formem 6 díades, cada uma isolada da outra; tal
grupo teria baixa coesão, não obstante ter número
comparativamente alto de formação de díades. Este número
tem de ser maior do que metade dos membros de modo a
causar o aparecimento de triângulos, correntes, estrelas e
estruturas mais complexas.
Os conceitos de coesão, integração grupal e liderança foram desenvolvidos para
controlar o desempenho de papéis e, assim, estes não ameaçarem a ordem instituída.
Nessa perspectiva, os grupos seriam puros e os papéis seriam desempenhados como
“naturais”. Assim, os valores implícitos reproduzidos são: o individualismo, a harmonia
e a manutenção. Ficam, desse modo, camufladas as determinações históricas dos papéis,
passando a idéia de que os fenômenos grupais são invariáveis e independentes da ação
humana, sendo, portanto, regulados por leis naturais. Fica, mais uma vez, evidente a
influência da psicologia social positivista sobre Moreno.
Liderança
Para Moreno (1994b, p. 198), “liderar é função da estrutura grupal. O índice de
poder de determinado líder depende dos índices de poder das pessoas que são atraídas e
influenciadas por ele”.
Nesse sentido, para avaliar a liderança de uma pessoa deve-se considerar sua
quantidade de atrações e rejeições no grupo e também quem a escolhe e a rejeita e qual o
alcance das suas redes de influência, pois a distribuição de poder depende das correntes
emocionais. Nesse sentido, Moreno (1994a) constatou que a influência dos líderes é
maior em grandes grupos, porque, nestes, o sujeito pode ter várias funções diferentes ao
mesmo tempo, dirigidas a inúmeras pessoas distintas.
Por meio da classificação sociométrica, foi possível determinar o papel de
liderança nos grupos. Sobre esse assunto, Moreno (1994a, p. 259-260) afirma:
Os grupos sociais desenvolvem suas lideranças
proporcionalmente às suas necessidades. [...] se ocorrer
88
superprodução de líderes no grupo pode haver sérias
complicações no equilíbrio psicológico deste e vários deles
permanecerão isolados, privados sua parte nas correntes
psicológicas que circulam através da comunidade. Eles irão
gerar descontentamento, produzir facções e estimular
agressões.
Moreno constatou também que se um amigo líder obtinha êxito em sua
estratégia de liderança, um novo líder não poderia quebrar essa influência abruptamente,
pois ela ainda se refletia na organização e na inter-relação dos seus membros. Assim,
Moreno (1994a, p. 245) afirma: “estruturas antigas cedem, gradualmente, lugar a
estruturas novas”.
A pesquisa sociométrica revelou também, por meio dos sociogramas, três
estruturas de liderança, definidas por Moreno (1994a/1994b) da seguinte forma:
a) líder sociométrico popular: exerce, em termos de quantidade, grande
influência direta, mas esta se limita à área de sua própria cabana, pois aqueles
que o escolheram têm baixo status sociométrico;
b) líder sociométrico poderoso: exerce uma influência direta média, mas, por
meio da relação com pessoas influentes na comunidade, impõe, indiretamente,
a sua influência; ocupa uma posição de proeminência na coletividade, pois
aqueles que o escolheram têm alto status sociométrico;
c) líder sociométrico isolado: é uma única relação tele que produz, por meio de
ligações indiretas, grande rede de influências; pode funcionar como um
regulador invisível, exercendo, indiretamente, ampla influência na comunidade.
Moreno (1994b) esclarece que não se pode confundir o líder sociométrico com
o líder do senso comum, pois este está alicerçado no papel carismático e mágico. Ele
adverte que, para compreender o complexo processo de liderança, não se pode ignorar os
conhecimentos desenvolvidos pela sociometria.
Moreno, quando explica o fenômeno da liderança, a partir de seu experimento
sociométrico em Hudson, apenas descreve o que observou, ou seja, aquilo que era
aparente sem identificar as relações de poder que existiam na comunidade e na
sociedade. Assim, não analisa o movimento de submissão do grupo e nem a ideologia
que permeava a atribuição de poder. Essa perspectiva reproduz relações mantenedoras do
status quo.
Esses pressupostos levam, segundo Lane (1986b, p. 92-93), à
89
reificação do grupo, como processo “natural” e “universal”,
reproduzindo a ideologia dominante que define papéis
grupais em termos de complementaridade, de produtividade
e de coesão, sem que a instituição que os engendra nem suas
determinantes históricas sejam consideradas na análise.
Portanto, as explicações dos fenômenos de grupo estão nos processos grupais,
na sociedade, na história e nas mediações grupais e não no comportamento individual no
grupo. Moreno vê o ser humano como produto das relações grupais. Entretanto, não
chega a ver essas relações como produzidas a partir da condição histórica de uma
sociedade, passando uma idéia de que o grupo é “puro”, “neutro”. Essa neutralidade não
existe. Quando Moreno, usando o teste sociométrico, se propõe a avaliar a liderança de
uma pessoa no grupo, por meio da qualidade de atrações e rejeições, ele quer medir essa
liderança para alguma coisa, o que em si já mostra que a sociometria e o teste não são
neutros. Se o líder pode influenciar o grupo, por meio de suas correntes emocionais, e
se, mudando o critério de escolha no grupo, pode-se alterar as classificações
sociométricas, ou seja, mudando a padronização do teste pode-se beneficiar ou
prejudicar uma pessoa, um grupo, uma classe social, isso demonstra que o teste e o seu
gráfico, o sociograma, não são instrumentos neutros e nem os seus resultados são
“naturais”.
Sobre a visão naturalizante, inclusive nas emoções, Sawaia (1995, p. 48) ensina
que:
necessidade e sentimento não são pulsões naturais e nem
funções unicamente orgânicas e biológicas universais, são
representações sociais que, além da singularidade,
expressam determinações sociais, morais, éticas e
ideológicas complexas.
Portanto, reproduzir a verdade tal qual ela é, como única, natural e neutra é
ocultar a realidade. E esse procedimento tem um caráter ideológico, pois esconde a
determinação social e histórica do ser humano.
Psicoterapia de grupo
No estudo dos grupos, Moreno demonstrou interesse psicossociológico e
terapêutico. A abordagem terapêutica é uma constante em sua obra. Para ele, “a
psicoterapia de grupo é o método que protege e estimula os mecanismos de auto-
90
regulagem de grupos naturais – através do uso de um homem como agente terapêutico do
outro e de um grupo como agente terapêutico do outro” (MORENO, 1992, p. 58).
A preocupação de Moreno (1992, p. 117) com os grupos enfermos pode ser
constatada na seguinte afirmação: “um procedimento verdadeiramente terapêutico deve
ter como objetivo toda a espécie humana”. Utopia ou necessidade? Ele identifica o interrelacionamento como o foco de desajustamento. Por isso, propõe como objetivo de um
procedimento psicoterapêutico verdadeiro é tratar todas as pessoas.
A sociometria veio impulsionar e dar o caráter científico positivista à
psicoterapia de grupo, tendo no teste sociométrico o instrumento para isso. A esse
propósito Moreno (1992, p. 59) escreveu:
A psicoterapia de grupo foi impelida pelos métodos de
avaliação social, ou seja, pela sociometria. [...] Em seu
sentido mais amplo, a sociometria compreendia não
somente os testes sociométricos, mas todas as formas de
avaliação social, entrevista de grupo e dinâmica de grupos
subjacentes. Antes do advento da sociometria ninguém sabia
como isolar, prevenir ou prever os distúrbios dos grupos.
[...] os sociogramas de grupo é pelo menos um modo de
calcar a terapia de grupo em base científica.
A psicoterapia de grupo desenvolveu-se junto com a idéia de atuar. E com a
pesquisa sociométrica, Moreno ofereceu uma contribuição teórica para a inteligibilidade
das relações humanas, dos grupos e da psicoterapia de grupo.
O grupo psicoterápico, para Moreno (1992), torna-se um espaço privilegiado
para mudanças ou transformações, pois propicia a reflexão pelo espelhamento recíproco,
em que um indivíduo é agente terapêutico do outro. Para tanto, é necessário um clima de
continência e liberdade que leva à superação de preconceitos e atitudes estereotipadas.
Apesar de Moreno focar as relações, ainda assim, as idéias presentes nos
trabalhos psicoterapêuticos estão afinadas com a idéia do Barão de Münchhausen.
Segundo Bock (1999), esse pensamento positivista defende que o homem e suas ações
dependem do próprio homem, de seu esforço e de sua vontade.
Essa posição é conservadora, pois circunscreve o indivíduo como causa e efeito
de sua individualidade, não estabelecendo a relação com a contradição das condições
históricas da sociedade, em que o grupo está inserido. Nesse sentido, Lane (1986b, p. 94)
escreveu:
A conscientização que propõe atingir pela práxis nada mais
é
que
um
processo
terapêutico
tradicional
(autoconhecimento) sem que necessariamente seja um
91
processo de conscientização social onde determinações
históricas de classe e as especificidades da história
individual se aclaram e se traduzem em atividades
transformadoras. [...], pois se apenas contradições entre o
“interno” e o “externo” são analisadas, passa despercebida a
reprodução das relações sociais necessárias para que as
contradições não emerjam nem sejam superadas.
Contudo, Moreno trouxe para o trabalho com o grupo a integração do
pensamento e da emoção na ação dramática. E este é um diferencial para a ciência das
relações humanas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Afinal, qual é a psicologia social que se evidencia na obra Quem sobreviverá?
elaborada por J. L. Moreno? As reflexões desenvolvidas neste estudo no intuito de
responder essa questão apoiaram-se na abordagem sócio–histórica, partindo do contexto
histórico social em que a obra foi escrita. Para Vigotski (2001a), o próprio
desenvolvimento do ser humano depende diretamente do desenvolvimento histórico da
sociedade. Ele chamou a atenção para o fato de que a análise das atitudes das pessoas
deve ser baseada no materialismo histórico-dialético. Como um processo dialético, o
desenvolvimento pressupõe uma periodicidade e a transformação qualitativa das ações,
diretamente relacionadas a fatores externos e internos.
Moreno saiu da Europa, onde se encontrava uma tendência fenomenológica,
encontrou nos Estados Unidos uma concepção pragmática e cedeu a ela. Ele concentrou
os estudo no grupo, pois o período pós-guerra (Segunda Guerra) proporcionou um foco
no atendimento grupal, devido à demanda de clientes. Naquele momento histórico,
emergiram estudos sobre grupo, preconceito, relações raciais, conflitos de valores,
mudança de atitudes, liderança e opinião pública, pois essa era a demanda do ponto de
vista da estrutura da sociedade norte-americana. Assim, a psicologia social, bem como a
sociometria de Moreno, encontrou, naquele contexto, um campo fértil para o seu
desenvolvimento.
A Primeira Guerra Mundial foi importante também para o desenvolvimento dos
testes psicológicos. Estes, no início, foram concebidos para aplicação individual, mas,
com a Segunda Guerra Mundial, foi necessário criar o teste coletivo.
A análise da obra Quem sobreviverá?, possibilitou a criação das categorias
pragmatismo, ciência, indivíduo–sociedade e grupo, evidenciou a filiação da sociometria
de J. L. Moreno à vertente de psicologia social positivista. Moreno adotou o pensamento
científico positivista, que é pragmático. Preocupado com a eficiência, ele se ateve ao
dado “objetivo”, puramente descritivo, procurando estabelecer leis e fazer previsão.
Aplicou esses princípios aos fenômenos sociais e psicológicos.
No âmbito das necessidades pragmáticas, essa abordagem matemática é útil,
pois o conhecimento pragmático facilita a administração. Para o pragmatismo, as teorias
e o conhecimento só adquirem significado na luta de organismos inteligentes com o seu
93
meio. Essa concepção de mundo condiciona o ser humano à situação ou ao ambiente em
que vive e entende o mundo de modo objetivo, tangível, relativamente imutável. Dessa
forma, ficam mascaradas a luta de classe e o processo de dominação social que embasa a
sociedade capitalista, adequando-se meios e fins à racionalização dessa sociedade.
O pragmatismo é a expressão do paradigma positivista. Logo, está voltado para
os fatos, para a ação útil, para a experiência, com o objetivo de manter a ordem, o
equilíbrio e a estabilidade social – ou seja, de manter a sociedade capitalista.
A interface entre o pragmatismo e a sociometria de Moreno reúne os conceitos
de ação, de experiência, de criatividade, de auto-regulação e de solução de problemas
grupais. Nesse âmbito, a verdade é um processo de descoberta e tem de funcionar. Ela
expressa um aumento do poder de agir em relação a um ambiente e é exercida como uma
forma de experiência. Assim, a existência tende a tornar-se unidimensional, sem
contrastes e conflitos.
Talvez haja aqui uma conseqüência negativa do poder que é dado à ciência, na
sociedade capitalista. Como é uma força produtiva e ideológica, leva, muitas vezes, a
uma aceitação incondicional dos resultados que apresenta.
Para Marcuse (1979), o contraste social nas sociedades capitalistas, deu-se pela
tecnologia e ancora-se nas novas necessidades que esta gerou. Contudo, o caráter
utilitário e a comercialização terminam por promover certa conciliação entre dominantes
e dominados.
O pragmatismo e a sociometria têm em comum o caráter ideológico, uma vez
que ambos incorporam, de forma não dialética, os conceitos de conflito e de contradição,
camuflando as diferenças de classes, a bidimensionalidade do pensamento. A harmonia
do indivíduo e do grupo entraria em sintonia com a harmonia social.
Os problemas e desadaptações dos indivíduos são vistos como conseqüência de
questões ambientais ou familiares, não tendo nenhuma relação com a estrutura da
sociedade capitalista. Assim, os distúrbios seriam a excessão dentro de uma sociedade
que promove a liberdade, a igualdade e a fraternidade, ou seja, um todo equilibrado. O
propósito desse pensamento é culpabilizar o ser humano pelo seu desajuste social e
isentar a sociedade burguesa.
Nesse sentido, a detecção sociométrica do isolado, do estrela (líder), dos pares,
da corrente, do círculo etc. – ou seja, a classificação do grupo – vem ao encontro da
necessidade de justificação social em face da marginalização de um grande contingente
94
populacional. A quantificação e a classificação das pessoas nos grupos desviam as
indagações acerca da estrutura social. Esse movimento faz que a problematização se
volte para o indivíduo e o grupo para tentar explicar por que a ampla maioria está
excluída dos benefícios da sociedade capitalista, a qual surgiu da promessa de igualdade,
liberdade e fraternidade. A psicologia, a psicologia social positivista e a sociometria
apresentam a resposta em termos das diferenças dos indivíduos, dos grupos e dos
critérios para a escolha sociométrica, respectivamente, sem considerar o contexto sóciohistórico.
Assim, a sociometria, com a preocupação de mensurar as propriedades
psicológicas dos grupos, alia-se à psicologia social positivista norte–americana e, ao
mesmo tempo, é produto dela. Como pano de fundo, a inclinação para mensurar os
grupos e realizar o reagrupamento da comunidade evidenciou, em um momento histórico
que a promessa liberal de igualdade social não consegue mais se sustentar, diante de uma
estrutura social injusta, que deixou à margem a grande maioria da população.
A sociometria apresenta-se, nessa perspectiva, como um instrumento de classe,
de justificação e de manutenção dessa sociedade. Demonstra, assim, sua filiação à forma
positivista de fazer ciência, ou seja, fica circunscrito à descrição do dado imediato e
reduzindo o pensamento a uma fórmula matemática, pois esta é tida como a única capaz
de penetrar a realidade sem deturpá-la com “subjetividades”.
Para Lane (1986a, p. 15), se a ciência ou a psicologia “apenas descrever o que é
observado ou enfocar o indivíduo como causa e efeito de sua individualidade, ela terá
uma ação conservadora, estatizante – ideológica – quaisquer que sejam as práticas
decorrentes”. Com o dado imediato, o método positivista desconsidera a realidade
histórica e social e evita as contradições. Servindo para ocultar as determinações sóciohistóricas do ser humano, desempenha, assim, um papel ideológico.
A análise dos dados deve ser feita por meio da dialética, do antagônico. Assim,
estes poderão revelar as mediações sociais e históricas do fenômeno, rompendo com a
manutenção do mundo tal como está. A propósito do método dialético, Vigotski (2004,
p. 392) afirmou:
Toda aplicação do marxismo à psicologia por outras vias, ou
a partir de outros pressupostos, fora dessa formulação
[dialética], conduzirá inevitavelmente a construções
escolásticas ou verbalistas e a dissolver a dialética em
pesquisas e testes; a raciocinar sobre as coisas baseando-se
em seus traços externos, casuais e secundários.
95
Em suma, a redução advinda do positivismo e da sociometria não deve ser
aceita sem críticas. No entanto, é inegável que a sociometria pode servir como um ponto
de partida para uma melhor compreensão do grupo, da microssociologia, pois a
reprodução social também passa pelo indivíduo, pelo grupo. A micro e a
macrossociologia estão interligadas, são produto e produtora uma da outra. Nesse
sentido, Naffah Neto (1997, p. 196) ponderou: “Uma revolução econômica pode ser o
alicerce e criar a infra-estrutura para uma nova sociedade; entretanto – e, nesse sentido,
Moreno tem razão – ela não se completa sem uma revolução da cultura, da vida coletiva
e dos próprios indivíduos nela implicados”.
Assim, não se pode descartar o conhecimento acumulado sobre o pequeno
grupo, o teste sociométrico, a sociometria ou tratá-los como se não significassem nada.
Proposições de Moreno receberam outras releituras como o psicodrama analítico e o
psicodrama triádico, este sendo a síntese entre Moreno, Freud e Lewin. Estas são
referências que atestam o vigor das teses morenianas. E, além disso, trabalhar com os
papéis e o grupo propicia o desenvolvimento da identidade social de cada um. É
evidente, porém, que o conhecimento comprometido com a transformação não pode
limitar-se a esse nível de abordagem. Por isso, é pertinente explorar a possibilidade de
desenvolver uma teoria sociométrica a partir de uma psicologia social crítica. Para isso, é
necessário identificar e transformar a função ideológica e camufladora dos papéis
assumidos dentro de um grupo como naturais e possibilitar a tomada de consciência de
que os papéis são determinados social e historicamente. Assim, a sociometria pode
converter-se em um instrumento de ruptura com a racionalidade individualista da
sociedade capitalista e propiciar efetivamente uma identidade e uma ação grupal,
estabelecendo uma relação verdadeira, na qual a pessoa possa fazer-se um ser humano,
condição que lhe é negada pelo individualismo.
Nesse sentido, Naffah Neto (1997, p. 133) afirmou que, se a sociometria
despojar-se “dos preconceitos ideológicos que a obstrui, pode constituir uma abertura
realmente revolucionária no âmbito das ciências humanas”. Para isso, a sociometria deve
considerar a função estruturante da história e propor uma nova noção de racionalidade
em que seja capaz de ser dialética e, assim, transcender o universo social estabelecido,
fazendo brotar da própria experiência de vida uma consciência social que possibilite a
superação da forma atual. E aí, quem sabe, será possível construir um psicodrama sóciohistórico.
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