O termo solvente refere-se à classe de químicos líquidos orgânicos de variável lipofilicidade e volatilidade. Estas propriedades aliadas ao baixo peso molecular fazem da inalação a principal forma de exposição e promove uma pronta absorção pulmonar, gastrintestinal e pele. Em geral, a lipofilicidade aumenta com o aumento do peso molecular, enquanto a volatilidade diminui (BRUCKNER e WARREN, 2001). Solventes são frequentemente usados para dissolver, diluir ou dispersar materiais que são insolúveis em água. São amplamente empregados como constituintes de tintas, vernizes, tinturas, na síntese química, óleos lubrificantes, parafinas, asfaltos, combustíveis e aditivos de combustíveis. A maior parte dos solventes são provenientes do refino do petróleo (BRUCKNER e WARREN, 2001). O petróleo é genericamente uma mistura complexa de hidrocarbonetos (HC) e de pequenas quantidades de compostos orgânicos contendo enxofre, nitrogênio e oxigênio, assim como baixas concentrações de compostos orgânicos metálicos, principalmente níquel e vanádio (PEDROZO, 2006, VIANNA, 2004, OSHA, 2003, IRWIN e cols, 1997, WHO/IPCS, 1982). Os hidrocarbonetos são compostos orgânicos constituídos exclusivamente de moléculas formadas por átomos de hidrogênio e carbono, dispostas em diversas configurações estruturais. Atualmente, podem ser identificados mais de 270 tipos distintos de hidrocarbonetos na composição dos diferentes derivados do petróleo (PEDROZO, 2006, CONCAWE, 2001; WHO/IPCS, 1982). As características e propriedades físico-químicas petróleo variam de acordo com a sua origem geográfica (PEDROZO, 2006, WHO/IPCS, 1982). O petróleo é constituído por hidrocarbonetos saturados e insaturados. Esta classificação é dada em função do grau de saturação dos átomos de carbono pelos átomos de hidrogênio na estrutura molecular. Os hidrocarbonetos saturados contêm um número suficiente de átomos de hidrogênio capazes de saturar todos os átomos de carbono, possuindo por isso, apenas ligações simples entre eles. Podem apresentar-se sob a forma de cadeias abertas (hidrocarbonetos parafínicos ou alifáticos) e em forma de anel (hidrocarbonetos naftênicos ou ciclo-parafínicos). São identificados pelo sufixo “ano”: alcanos e cicloalcanos; pentano e ciclopentano (PEDROZO e cols, 2002). Os alcanos podem ser classificados em: parafinas normais ou normal-parafinas e isoparafinas, que são seus respectivos isômeros (compostos com mesma fórmula química, mas com diferenças estruturais e consequentemente possuem diferentes características físico-químicas). Podem ser constitídos por cadeia retilínea (identificados pela letra n precedendo seu nome) ou por cadeia ramificada (sufixo iso precedendo seu nome). Por exemplo, temos o butano (C4H10): n-butano e isobutano (PEDROZO e cols, 2002). Os hidrocarbonetos insaturados não contém átomos de hidrogênio em quantidade suficiente para saturar todos os átomos de carbono. Podem ter sua estrutura em cadeias abertas ou em forma de anel benzênico, sendo estes últimos conhecidos como aromáticos. Os aromáticos possuem então, por um ou mais anel aromático ou benzênico. A estrutura do anel é formada por grupos de seis moléculas de carbono-hidrogênio dispostos de forma hexagonal, unidos por duplas ligações alternadas (PEDROZO e cols, 2002). Representações da estrutura do anel aromático. Fonte: GEOCITIES e WIKIMEDIA Os de cadeia aberta com uma ou mais duplas ligações são chamados de alcenos, que são formas insaturadas do seu alcano correspondente, como o buteno (C4H8) em relação ao butano (C4H10). Quando possuem uma dupla ligação (também chamados olefinas) é utilizado o sufixo “eno” para identificálos, e para os que possuem duas duplas ligações (chamados diolefinas), o sufixo “dieno”, como por exemplo, o butadieno (PEDROZO e cols, 2002) . O quadro abaixo apresenta alguns dos principais hidrocarbonetos presentes no petróleo, com algumas das suas respectivas estruturas moleculares. Classificação dos principais hidrocarbonetos do petróleo: Parafínicos (alcanos) Saturados Naftênicos Normal-parafinas (cadeia retilíneas) n-pentano Isoparafinas (cadeia ramificada) Isopentano Cicloalcanos Ciclopentano H3C-CH2-CH2-CH2-CH3 Insaturados Aromáticos Benzeno Fonte: PEDROZO, 2006 Então, de uma forma geral, encontramos três principais grupos de hidrocarbonetos no petróleo: parafínicos, naftênicos e aromáticos. (PEDROZO, 2006, VIANNA, 2004, OSHA, 2003, WHO/IPCS, 1982) No tipo parafínico, há um predomínio de moléculas de cadeia saturada parafínica (alifáticos), possuem como fórmula CnH2n+2 e podem ser cadeias retas ou ramificadas. Estas últimas costumam estar presentes em frações mais pesadas e tem maior índice de octana que as parafinas normais (VIANNA, 2004, PETROBRAS, 1992). O tipo naftênico são grupos de anéis saturados de fórmula CnH2n dispostos em forma de anéis fechados (cíclicos), que estão presentes em todas as frações do petróleo, com exceção das mais leves. (VIANNA, 2004, PETROBRAS, 1992). No tipo aromático, há predomínio do anel insaturado (cíclicos). Os aromáticos mais complexos, os polinucleados, ou seja, que contém mais de dois anéis aromáticos fundidos, costumam ser encontrados em frações mais pesadas do petróleo. (VIANNA, 2004, PETROBRAS, 1992). Sob condições normais de temperatura e pressão, os hidrocarbonetos encontrados no petróleo podem apresentar-se sob as formas gasosa, líquida ou sólida, dependendo do número e disposição dos átomos de carbono nas suas moléculas (PEDROZO e cols, 2002, WHO/IPCS, 1982). Toxicologia dos principais componentes do petróleo A via respiratória é a principal via de absorção dos hidrocarbonetos do petróleo, em especial, daqueles com elevada pressão de vapor. A absorção cutânea dos hidrocarbonetos do petróleo, em sua forma líquida, depende da hidratação e espessura da camada córnea, da taxa de perfusão sanguínea da derme, e do comprimento de suas cadeias moleculares (THOMSON MICROMEDEX, 2006, KLAASSEN, 2001, BALLANTYNE & SULLIVAN, 1997, WHO/IPCS, 1982). A absorção de vapores dos hidrocarbonetos do petróleo através da pele é considerada de menor importância (ATSDR, 1999, WHO/IPCS, 1982). Os solventes em geral são bem absorvidos no trato gastrointestinal, embora a absorção seja lentificada pela presença de alimentos (KLAASSEN, 2001). Os hidrocarbonetos do petróleo são compostos altamente lipofílicos, capazes de atravessar facilmente as membranas biológicas dos organismos vivos, e atingir a corrente sanguínea. Podem ser prontamente distribuídos e armazenados no tecido adiposo devido à sua alta lipossolubilidade. A sua distribuição através dos diversos tecidos do organismo, geralmente depende do tempo de exposição e é proporcional ao conteúdo lipídico dos órgãos (ATSDR, 1999, BALLANTYNE & SULLIVAN, 1997). Como uma das principais características dos hidrocarbonetos do petróleo é a alta lipossolubilidade, estes compostos tendem a permanecer nos compartimentos orgânicos, através dos processos de distribuição e armazenamento, perpetuando assim, seus efeitos tóxicos. A biotransformação ocorre através de reações enzimáticas, principalmente no fígado, podendo também ocorrer em órgãos extra-hepáticos como os rins, sangue, pulmões, cérebro, intestino, supra-renais, placenta, e outros órgãos. Este processo nem sempre corresponde a uma detoxificação propriamente dita, pois muitas dessas substâncias podem ser transformadas em metabólitos altamente reativos (ativação metabólica ou bioativação), passando a ser responsáveis pelos efeitos tóxicos das substâncias originais. A biotransformação dos hidrocarbonetos tem então fundamental importância na eliminação desses compostos do organismo, assim como na modulação dos seus efeitos tóxicos (KLAASSEN, 2001, WHO/IPCS, 1993). Por exemplo, a metabolização do benzeno produz metabólitos que são os responsáveis pela produção da toxicidade hematopoiética e leucemias (KLAASSEN, 2001, WHO/IPCS, 1993). Benzeno O benzeno é onipresente no ambiente. A maior parte da população geral está exposta na atmosfera urbana e industrial ao benzeno através de uma variedade de fontes. A maior parte das fontes são devido a queima de combustíveis, emissões industriais e o hábito de fumar (fumo ativo e passivo) (KALABOKAS e cols, 2001, WHO/IPCS, 1993). A toxicidade ocupacional pelo benzeno tem sido descrita na literatura médica desde o final do século XIX. Inúmeros trabalhos científicos têm sido publicados desde então, correlacionando diversas repercussões orgânicas, sobretudo hematológicas, com a exposição ocupacional ao benzeno (Ministério da Saúde, 2004, WHO/IPCS, 1993). Pela importância do tema, o Ministério da Saúde publicou em 2004 a Norma de Vigilância da Saúde dos Trabalhadores Expostos ao Benzeno, na Portaria 776. Um estudo concluiu que a exposição a 1 ppm por 40 anos não mostrou aumento significativo da ocorrência de leucemia. Contudo, como o benzeno é carcinogênico, a OMS recomenda que a exposição deve ser limitada ao menor nível de exposição tecnicamente possível. Um estudo em trabalhadores de uma refinaria do Texas que apresentava níves baixos de exposição variando de 0,5 por 1 a 20 anos não mostrou alterações hematológica nos trabalhadores (THOMSON, 2006). No Brasil, a NR-15 (Norma Regulamentadora No 15 do Ministério do Trabalho e Emprego) institui, no Anexo 13A, o Valor de Referência Tecnológico – VRT, que se refere à concentração de benzeno no ar do ambiente ocupacional, considerada exeqüível do ponto de vista técnico, definido em processo de negociação tripartite. O VRT deve ser considerado como referência para os programas de melhoria continua das condições dos ambientes de trabalho. O cumprimento do VRT é obrigatório e não exclui risco à saúde. O princípio da melhoria contínua parte do reconhecimento de que o benzeno é uma substância comprovadamente carcinogênica, para a qual não existe limite seguro de exposição. Todos os esforços devem ser dispendidos continuamente no sentido de buscar a tecnologia mais adequada para evitar a exposição do trabalhador ao benzeno. Toxicocinética O benzeno é rapida, mas incompletamente absorvido por humanos e animais em exposição por via respiratória. Estudos demonstram que a média de absorção respiratória em humanos é de aproximadamente 50%. Com relação à absorção oral não existem dados em humanos, mas estudos em animais demonstram que é extensivamente absorvido por esta via, cerca de 90%. A absorção dérmica do benzeno é baixa em humanos e animais. Estudos em animais demonstram absorção de menos de 1% por esta via (WHO/IPCS, 1993, ATSDR, 1997, ATSDR, 2002). A metabolização principal do benzeno ocorre no fígado. A biotransformação do benzeno é fundamental para o desenvolvimento de sua toxicidade sobre a medula óssea, relacionada aos seus metabólitos. Os seus metabólitos são eliminados predominantemente na urina, enquanto o benzeno inalterado é eliminado no ar exalado (WHO/IPCS, 1993, ATSDR, 1997, ATSDR, 2002). A excreção do benzeno não metabolizado, após exposição única, ocorre em três fases distintas: a primeira fase corresponde a eliminação do solvente presente nos pulmões e no sangue (meia-vida de 90 minutos), a segunda representando a eliminação do benzeno nos tecidos moles e ocorrendo de 3 a 7 horas após a exposição e a terceira, com meia-vida de 25 horas, correspondendo ao solvente depositado no tecido adiposo. Cerca de 3,8 a 27,8% do benzeno absorvido pode ser excretado através do ar exalado (MARTINS & SIQUEIRA, 2002). cit2E1, citocromo P450 2E1; GST, glutationa S transferase; EH, epóxido hidrolase; ALD, aldeído desidrogenase Toxicodinâmica e Quadro Clínico A seguir, será descrito rapidamente aspectos da toxicologia do benzeno. Principais efeitos agudos pela exposição ao benzeno O benzenismo é definido como um conjunto de sinais, sintomas e complicações, decorrentes da exposição aguda ou crônica ao hidrocarboneto aromático, benzeno (Ministério da Saúde, 2004). O benzeno é um irritante moderado das mucosas e sua aspiração em altas concentrações pode provocar edema pulmonar. Os vapores são, também, irritantes para as mucosas oculares e respiratórias (THOMSON, 2006, Ministério da Saúde, 2004). A absorção do benzeno provoca efeitos tóxicos para o Sistema Nervoso Central causando, de acordo com a quantidade absorvida, narcose e excitação, sonolência, tonturas, cefaléia, náuseas, vômitos, taquicardia, arritmias, dificuldade respiratória, tremores, convulsões, perda da consciência e morte (THOMSON, 2006, Ministério da Saúde, 2004). Principais agravos à saúde pela exposição crônica ao benzeno Vários tipos de alterações sangüíneas, isoladas ou associadas, estão relacionadas à exposição ao benzeno. Devidas à lesão do tecido da medula óssea, essas alterações correspondem, sobretudo a Hipoplasia, Displasia e Aplasia (Ministério da Saúde, 2004) A hipoplasia da medula óssea pode ocasionar, no sangue periférico, citopenia(s). A leucopenia com neutropenia corresponde à principal repercussão hematológica da hipoplasia secundária ao benzeno e, em menor freqüência, a plaquetopenia isolada ou associada à neutropenia. Pode ocorrer aplasia da medula óssea, que corresponde à depressão de todas as linhagens hematológicas se expressa no sangue periférico através de pancitopenia (leucopenia, plaquetopenia e anemia) (THOMSON, 2006, Ministério da Saúde, 2004, WHO/IPCS, 1993). O caráter leucemogênico do benzeno é amplamente reconhecido. As transformações leucêmicas, precedidas ou não por alterações mielodisplásicas, são objeto de diversas publicações, sendo a Leucemia Mielóide Aguda, a mais freqüente. Outras variantes são também descritas. Além de leucemogênica, a toxicidade por benzeno está também relacionada ao surgimento de outras formas de doenças onco-hematológicas, como Linfoma não-Hodgkin, Mieloma Múltiplo e Mielofibrose, embora em menor freqüência (THOMSON, 2006, Ministério da Saúde, 2004, WHO/IPCS, 1993). São descritas alterações neuro-psicológicas e neurológicas como: atenção, percepção, déficit de memória, habilidade motora, viso-espacial, visoconstrutiva, função executiva, raciocínio lógico, linguagem, apredizagem e humor. Além dessas disfunções cognitivas, surgem outras alteraçòes como: astenia, cefaléia, depressões, insônia, agitação e alterações de comportamento. São também descritos quadros de polineuropatias periféricas e mielites transversas (Ministério da Saúde, 2004). Perguntas: 1) Quais são as aplicações dos solventes? 2) Quais as diferenças dos hidrocarbonetos parafínicos, naftênicos e aromáticos? 3) Quais são as características toxicocinéticas dos hidrocarbonetos do petróleo? 4) O benzeno está naturalmente presente na natureza? Quais suas principais fontes de exposição ao benzeno? 5) Quais efeitos agudos e crônicos do benzeno?