distribuição de renda e desenvolvimento econôm - Unifal-MG

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALFENAS – MG
PRISCILA SAMPAIO JACQUES
CELSO FURTADO: DISTRIBUIÇÃO DE RENDA E DESENVOLVIMENTO
ECONÔMICO
VARGINHA/MG
2014
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PRISCILA SAMPAIO JACQUES
CELSO FURTADO: DISTRIBUIÇÃO DE RENDA E DESENVOLVIMENTO
ECONÔMICO
Trabalho de Conclusão do Curso apresentado ao
Instituto de Ciências Sociais Aplicadas da
Universidade Federal de Alfenas - campus Varginha,
como parte dos requisitos para obtenção do título de
Bacharel em Ciências Econômicas com Ênfase em
Controladoria.
Orientador: Thiago Fontelas Rosado Gambi.
VARGINHA/MG
2014
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PRISCILA SAMPAIO JACQUES
CELSO FURTADO: DISTRIBUIÇÃO DE RENDA E DESENVOLVIMENTO
ECONÔMICO
A banca examinadora abaixo-assinada, aprova o
Trabalho de Conclusão do Curso apresentado
como parte dos requisitos para obtenção do título
de Bacharel em Ciências Econômicas com Ênfase
em Controladoria pelo Instituto de Ciências
Sociais Aplicadas da Universidade Federal de
Alfenas - campus Varginha.
Aprovada em: Varginha, 11 de fevereiro de 2014.
_________________________________
Prof. Thiago Fontelas Rosado Gambi
_________________________________
Prof. Daniel do Val Cosentino
_________________________________
Prof. Michel Deliberali Marson
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Resumo
Este trabalho discute a relação entre distribuição de renda e desenvolvimento econômico no
pensamento de Celso Furtado. Suas ideias sobre o desenvolvimento econômico são
mundialmente
conhecidas
e
respeitadas.
Furtado
sempre
se
preocupou
com
o
desenvolvimento e superação do subdesenvolvimento por parte dos países da periferia do
capitalismo. Durante um primeiro momento da sua obra, compartilhando das referências da
Cepal, acreditou que a industrialização seria a grande responsável pela superação do
subdesenvolvimento. A partir de 1960, ao sistematizar suas ideias a respeito do tema e
conviver com a crise, a inflação e a estagnação da economia brasileira, percebe a centralidade
de um problema estrutural da realidade das economias latino-americanas: a histórica má
distribuição de renda e o fato de a industrialização por substituição de importações ter
agravado o problema ao invés de solucioná-lo. Assim, passa a estabelecer a distribuição
primária da renda como um elemento central da sua teoria do desenvolvimento econômico e
da superação do subdesenvolvimento.
Palavras-Chave: Distribuição de renda. Desenvolvimento econômico. Subdesenvolvimento.
Problema estrutural. Industrialização.
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SUMÁRIO
1. Introdução....................................................................................................................06
2. Celso Furtado: Um painel geral de suas obras.........................................................08
2.1.Desenvolvimento e subdesenvolvimento................................................................08
2.2.Crescimento e Desenvolvimento Econômico.........................................................12
2.3.Formação Econômica do Brasil: A questão do problema estrutural e a Distribuição
de renda....................................................................................................................................14
3. Desenvolvimento e distribuição de renda pré-1960.................................................18
3.1. A industrialização como superação do subdesenvolvimento.................................18
3.2.A crise dos anos 1960.............................................................................................22
4. Desenvolvimento e distribuição de renda pós-1960.................................................32
4.1.A continuidade do subdesenvolvimento.................................................................32
4.2.A distribuição de renda como alternativa...............................................................38
5. Considerações Finais..................................................................................................45
Referências Bibliográficas......................................................................................................48
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1. Introdução
Por que Celso Furtado ocupa lugar tão importante no imaginário de grande parte dos
economistas brasileiros? À primeira vista, a resposta mais simples seria dizer que a
importância e a qualidade teórica dos seus escritos justificariam a sua importância. Mas não é
só isso. Furtado foi um intelectual ativo e engajado politicamente. Não se restringiu a pensar
os problemas e as soluções teóricas para eles, pôs-se à prática e participou intensamente da
vida política brasileira até o golpe de 1964.
Celso Monteiro Furtado participou de episódios importantes de nossa história e
organismos fundamentais em sua época. No período de 1949 a 1957 foi diretor da Divisão de
Desenvolvimento da Cepal (Comissão Econômica para a América Latina), quando retornou
ao Brasil em 1950, presidiu o Grupo Misto CEPAL-BNDES. Esse foi um período importante
em sua vida, pois essa experiência o ajudou a elaborar o “esboço de um programa de
desenvolvimento para a economia brasileira de 1955 a 1960”, que serviu de base para o Plano
de Metas. Em 1953 assumiu a diretoria do BNDE (Banco Nacional do Desenvolvimento) e
em 1959, a pedidos do presidente Juscelino Kubitschek, criou a SUDENE (Superintendência
do Desenvolvimento do Nordeste).
Já no governo de João Goulart, em 1962, foi nomeado o primeiro Ministro do
Planejamento do Brasil, efetuando o Plano Trienal. O Plano Trienal foi uma importante
experiência de Furtado no governo, que de certa forma vai manifestar a sua preocupação com
a crise no início dos anos 60. Mais pra frente analisaremos melhor as metas desse Plano e seus
resultados.
Suas ideias foram se aperfeiçoando com o tempo, tendo se formado na década de
1950, com a sua participação na Cepal e com o ambiente desenvolvimentista brasileiro no
momento. Ademais sua obra e pensamento sobreviveram e se adaptaram às transformações e
problemas da economia mundial e brasileira ao longo dos anos 60, 70, 80 e 90. Na essência,
suas ideias são de grande originalidade para se pensar os dilemas do nosso tempo.
Nunca fugiu ao debate acadêmico ou se restringiu a pensar em questões globais. Seu
pensamento sempre teve um compromisso com o Brasil e a América Latina, as causas do seu
atraso e os instrumentos para seu desenvolvimento. Além disso, sempre dedicou uma atenção
especial ao Nordeste e ao desenvolvimento regional. Seu pensamento social sempre percebeu
nas desigualdades sociais e regionais um dos grandes impeditivos ao desenvolvimento
brasileiro. Por isso, Furtado sempre ocupou e sempre ocupará um lugar especial entre os
pensadores brasileiros. Foi um dos primeiros a pensar no Brasil e a buscar soluções para seus
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problemas, em tempos que os economistas se preocupavam mais com o crescimento
econômico do que com as pessoas.
O desenvolvimento econômico sempre foi um tema de destaque em suas obras. A
relação que Furtado estabelece entre o processo de desenvolvimento e a distribuição da renda
é inovadora a partir de seus escritos nos anos de 1960. Sendo assim vamos analisar as
principais obras e o pensamento de Celso Furtado, pretendendo abordá-la do ponto de vista do
pensamento econômico brasileiro. A relação entre a distribuição de renda e o
desenvolvimento econômico é um tema essencial para compreensão da realidade das
economias subdesenvolvidas. Para o Brasil essa questão é fundamental.
Furtado
sempre
se
preocupou
com
o
desenvolvimento
e
superação
do
subdesenvolvimento por parte dos países da periferia do capitalismo. Durante um primeiro
momento, Furtado, compartilhando das referências da Cepal, acreditou que a industrialização
seria a grande responsável pela superação do subdesenvolvimento.
Duas importantes obras que expressam essa ideia do autor é o clássico Formação
Econômica do Brasil (1959) e também o Desenvolvimento e subdesenvolvimento (1961). Em
Formação Econômica do Brasil ele vai analisar os diversos ciclos da economia brasileira e
seu processo de industrialização. Já em Desenvolvimento e subdesenvolvimento, Furtado vai
afirmar que o subdesenvolvimento não é uma fase histórica comum a todos os países, e sim
uma condição específica de uma parte do sistema capitalista. A principal discussão é o fato de
que a formação de economias industriais no centro do sistema e de economias
subdesenvolvidas na periferia serem aspectos de um mesmo processo.
A partir de 1960, ao sistematizar suas ideias a respeito do tema e conviver com a crise,
a inflação e a estagnação da economia brasileira, percebe a centralidade de um problema
estrutural da realidade das economias latino-americanas: a histórica má distribuição de renda
e o fato de a industrialização por substituição de importações ter agravado o problema ao
invés de solucioná-lo. Estas questões começam a ser abordadas por Furtado em
Subdesenvolvimento e Estagnação na América Latina (1968).
Assim, passa a estabelecer a distribuição primária da renda como um elemento central
da sua teoria do desenvolvimento econômico e da superação do subdesenvolvimento, esse
pensamento podemos encontrar em Brasil: a construção interrompida (1992).
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2. Celso Furtado: um painel geral de suas obras
2.1. Desenvolvimento e subdesenvolvimento
Celso Furtado foi um dos primeiros a perceber que o problema da desigualdade da
distribuição de renda no Brasil acabava inibindo o crescimento econômico e,
consequentemente, o desenvolvimento do país, e tentou solucionar tal obstáculo. Tendo em
vista que essa ideia é bem complexa e seria inviável analisar todas as obras de Furtado, vamos
então selecionar apenas seus principais trabalhos que abordam tal assunto e obras de outros
autores que trabalharam essa ideia de distribuição de renda e desenvolvimento econômico, em
cima dos conceitos apresentados por Furtado.
Furtado foi um dos responsáveis por enfrentar o desafio de oferecer uma nova
interpretação da economia internacional e de alterar as estruturas do Brasil. Com novas ideias
formuladas de que o subdesenvolvimento não era uma fase histórica comum a todos os países,
mas sim uma condição específica de uma parte do sistema capitalista, e vendo que a formação
de economias industriais no centro do sistema e de economias subdesenvolvidas na periferia
eram aspectos de um mesmo processo, que Furtado escreveu Desenvolvimento e
subdesenvolvimento (1961).
Neste capítulo nos aprofundaremos em duas importantes obras de Furtado, Formação
Econômica do Brasil (1959) e Desenvolvimento e subdesenvolvimento (1961). Em 1959 ao
escrever Formação Econômica do Brasil, Furtado vai analisar os diversos ciclos da economia
brasileira e seu processo de industrialização. Vamos primeiro entender o processo de
desenvolvimento e de subdesenvolvimento, e depois em Formação Econômica do Brasil
(1959), analisar a economia brasileira e compreender qual foi o problema estrutural que
impediu o país de se desenvolver.
Em Desenvolvimento e subdesenvolvimento (1961), temos uma teoria do
desenvolvimento na ciência econômica na visão dos clássicos, marxistas e neoclássicos.
Furtado apresenta a teoria do desenvolvimento econômico, explicando as causas e o aumento
contínuo da produtividade do fator trabalho e suas repercussões na organização da produção e
também na forma de como é distribuído e utilizado o produto social.
Há um problema metodológico fundamental que é apresentado ao economista, a saber,
definir o nível de generalidade em que é válida uma relação qualquer de valor explicativo. Ou
seja, até que ponto podemos eliminar suposições simplificadoras que são incompatíveis com a
realidade histórica sem invalidar a sua eficácia explicativa. Esse problema tem muita
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importância para entendermos a teoria do desenvolvimento porque: a) não é possível eliminar
o fator tempo e nem deixar de ter conhecimento à irreversibilidade dos processos econômicos
históricos; b) não podemos ignorar as diferenças de estrutura entre as economias de diferentes
graus de desenvolvimento.
A economia aparece como uma ciência abstrata pois seu objetivo se limitou ao estudo
da repartição do produto social, o qual começou a partir de David Ricardo. Quando se analisa
o processo econômico do ponto de vista da distribuição do fluxo da renda social, são
identificadas categorias que, por sua generalidade, permitem a análise em um nível elevado de
abstração. E essa generalidade faz com que o analista crie coragem para tornar suas teorias
formuladas com validade universal, e foi isso que Ricardo fez na sua teoria ricardiana da
renda da terra.
Adam Smith é outro economista que se preocupou com os problemas relacionados
com o processo produtivo, mas que depois tal problema some das cogitações dos clássicos
ingleses: por que cresce o produto social? Tal fenômeno tem como causa a divisão do
trabalho. J.B. Say classifica os elementos da produção em três grupos: terra, trabalho e capital.
Já os economistas da primeira metade do século XIX, Malthus e J.S.Mill, concluíram que no
processo da acumulação de capital não existe a teoria do crescimento, mas sim o fato de que o
desenvolvimento é um fenômeno transitório.
No plano econômico, Karl Marx se esforça para identificar as relações de produção
fundamentais do regime capitalista e para determinar fatores que atuam no sentido do
desenvolvimento das forças produtivas, ou seja, os fatores que levam a superação desse
regime.
Já nos neoclássicos, temos Cassel afirmando que o “estudo da origem dos bens
materiais existentes e das forças que intervêm em sua criação nada tem a ver com a economia:
é do domínio da história” (apud FURTADO, 2009:59).
Os economistas clássicos, em geral, concluíram que o fruto do trabalho de um grupo
de pessoas é muito mais do que aquilo que necessitam para poderem sobreviver, e acaba
sendo por este motivo que em qualquer sociedade a tendência é criar um excedente de produto
social. Porém os clássicos viviam em uma época em que havia substituição de mão de obra
por capital e a classe assalariada não tinha nenhuma possibilidade de usufruir desse
excedente, pois ele era revertido para os empresários e proprietários de terra. Aproveitando
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das ideias de Marx, surgiram os neoclássicos, com a ideia de inverter os termos desse
problema ignorando a existência do excedente e tentaram demonstrar que cada fator receberá
sua parte do produto.
O processo de desenvolvimento pode ser realizado através de novas combinações dos
fatores que existem num nível de técnica conhecida ou então através da introdução de novas
técnicas. São desenvolvidas então, aquelas regiões em que, não havendo desocupação dos
fatores, apenas é possível aumentar a produtividade – a produção real per capita – quando se
introduz novas técnicas. Então, são subdesenvolvidas as regiões que a produtividade aumenta
ou aumentaria se houvesse implantação das técnicas já conhecidas. Quando uma economia
desenvolvida cresce é um problema de acumulação de novos conhecimentos científicos e de
progressos na aplicação de tais. E quando uma economia subdesenvolvida cresce é um
processo de assimilação da técnica que predomina na época.
Em uma região cuja economia é subdesenvolvida existe uma deficiência na utilização
dos fatores de produção, mas tal deficiência não é resultado de uma má combinação dos
fatores existentes, o fato é a escassez do fator capital. Isso ocorre porque o fator mão de obra é
desperdiçado devido ao fator capital ser insuficiente. Consequentemente, a produtividade
média de um conjunto de fatores numa economia subdesenvolvida é menor do que numa
economia desenvolvida. Isso acontece em razão da relação fixa dos coeficientes técnicos e
também em razão do fato de que as tecnologias estão se desenvolvendo em função da
disponibilidade de fatores e recursos dos países que lideram o processo de industrialização.
Diante disso se o fato dos países subdesenvolvidos crescerem pela simples assimilação de
técnicas já conhecidas for verdade, então a transplantação dessas técnicas traz implícito um
subemprego estrutural de fatores. Então esses países terão que contornar essa dificuldade
fazendo o máximo de esforço para poder adaptar-se às tecnologias, pois eles carecem de
indústrias próprias de equipamentos. O autor conclui então que “nesse desajustamento básico
entre oferta virtual de fatores e orientação da tecnologia reside, possivelmente, o maior
problema que enfrentam atualmente os países subdesenvolvidos” (FURTADO, 2009:86).
Conforme Celso Furtado disse, o desenvolvimento econômico consiste na introdução
de novas combinações de fatores de produção que tendem a aumentar a produtividade do
trabalho. Sempre quando a produtividade cresce, a renda real social também aumenta, ou seja,
a quantidade de bens e serviços à disposição da população aumenta. Enquanto o aumento das
remunerações que são resultantes da elevação da renda real, acabam provocando nos
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consumidores, reações que vão acabar tendendo a modificar a estrutura da procura.
Resumindo, o aumento de produtividade vai fazer a renda real crescer, consequência disso
será o aumento da procura que fará com que as estruturas da produção se modicarão. Para
podermos estudar e entender melhor o desenvolvimento econômico de um país, precisamos
conhecer o mecanismo do aumento da produtividade e a forma de como é a reação da procura
à elevação do nível de renda real.
Em uma economia cuja produtividade é muito baixa, a satisfação das necessidades
fundamentais da população absorve uma grande proporção da capacidade produtiva. Em
economias que são consideradas atrasadas, muito mais da metade de sua população ativa vai
trabalhar para satisfazer a necessidade de subsistência da coletividade, fazendo com que o
excedente disponível para satisfazer diferentes formas de consumo seja praticamente nulo.
Sendo assim é quase impossível acreditar que tenha origem por uma ação endógena, um
processo de acumulação de capital. Mesmo em comunidades que possuem a mais baixa
produtividade, e a renda estando desigualmente distribuída, existem aquela minoria de
privilegiados que têm uma procura de bens não agrícolas e de serviços, que vão absorver a
capacidade produtiva não utilizada para poderem atender às necessidades de subsistência do
conjunto da comunidade. Em razão da elevação da renda disponível para aumentar
diversificação do consumo, a concentração de renda em comunidade de baixa produtividade
não leva a um processo cumulativo de crescimento, mas acaba levando a uma situação
estática de desigualdade entre padrões de consumo dos grupos sociais.
Furtado cita um exemplo de uma comunidade que possui um nível baixíssimo de
produtividade, em que 80% da sua capacidade produtiva estão voltados para atender à
subsistência da população. E que também 5% da população têm em suas mãos 30% do
produto social, cuja metade é absorvida com alimentos e a outra metade com outras formas de
consumo. Sendo assim, os 95% restantes da população vão dedicar 93% da sua renda para
cobrir os gastos com alimentação. Todo esse processo fará com que a combinação de um
baixo nível de produtividade com um certo grau de concentração de renda implique que quase
uma totalidade da população permaneça fora da economia de troca.
As maiores dificuldades do desenvolvimento são encontradas nas regiões onde o nível
de produtividade é muito baixo. No caso de uma região primitiva, ela tenderá a ficar
estagnada, pois com seus próprios meios, dificilmente se dará um início a um processo de
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desenvolvimento. Historicamente, o impulso inicial que vai permitir superar essas
dificuldades veio de fora da comunidade.
A acumulação de capital e a assimilação de novas técnicas fazem com que
produtividade física média cresça, fazendo com que a renda real da coletividade aumente. Ou
seja, o aumento de produtividade se traduz em um crescimento do fluxo de renda. Quando um
processo de desenvolvimento é iniciado por impulso de fatores externos, o aumento do fluxo
da renda se transforma quase totalmente em lucros e faz com que haja acúmulo de capital para
fazer reinvestimentos. Se o processo de crescimento se firmar e a procura de mão de obra
aumentar, consequentemente os salários reais irão subir. A demanda dos consumidores vai
aumentar e fará com que haja uma pressão sobre os preços em determinados setores, atraindo
para eles novos investimentos. A nova poupança que surgirá vai ser absorvida tanto em
investimentos apoiados na procura externa quanto em investimentos no mercado interno.
Esses novos investimentos que surgiram, vão aumentar a produtividade em outros setores
diferentes e a reação anterior acontecerá novamente.
Fazendo um esquema do processo de desenvolvimento em comunidades préindustriais temos: a) os fatores exógenos que provocam a criação ocasional ou permanente
(aquele que acompanhava o sistema de escravidão) de um excedente de produção; b) a
apropriação desse excedente por grupos minoritários, a qual faz com que seus níveis de
consumo subam e se diversificam; c) os padrões mais altos do consumo dos grupos
minoritários que fazem com que abra a possibilidade e crie a necessidade de intercâmbio com
outras comunidades; d) o intercâmbio acaba possibilitando a especialização geográfica e uma
divisão de trabalho maior, consequentemente um aumento de produtividade nas comunidades
que dele participam; e) o intercâmbio possibilita a concentração de riqueza; f) o surgimento
da possibilidade de incorporar ao processo produtivo os recursos acumulados pelos
comerciantes, porque é assim o meio pelo qual os intermediários podem aumentar a corrente
de comércio, aumentando suas rendas. Ao se transformar o excedente de produção em fonte
de renda, o processo acumulativo vai tender a se automatizar.
2.2. Crescimento e Desenvolvimento Econômico
As teorias desenvolvimentistas têm como princípio distinguir a ideia de que a
definição de desenvolvimento econômico é vista como crescimento econômico, ou seja, é
apenas um acúmulo de capital ou aumento do produto global bruto. O crescimento de um país
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é um ótimo instrumento para analisar o desenvolvimento econômico, porém quando é
avaliado sozinho ele acaba passando uma ideia condensada do verdadeiro grau de
desenvolvimento que um país pode ter.
Quando se utiliza o índice de crescimento econômico atrelado com o conceito de
desenvolvimento econômico tem se a ideia de que a riqueza crescente é automaticamente
distribuída entre a população, ou seja, ela traz uma melhora de qualidade de vida total para
toda a população. Em outras palavras, se houvesse acúmulo de capital toda a população iria
poder desfrutar dessa riqueza.
Porém, sabemos que, mesmo quando a economia de um país cresce em taxas altas,
surgem outros problemas econômicos que não estão associados com o aumento de riqueza,
como por exemplo, a transferência de excedente de riqueza, um aumento de concentração de
renda, ou seja, problemas que acabam implicando uma diminuição do consumo e mercado
interno, um atraso no desenvolvimento tecnológico, isto é, várias outras consequências.
Seria muito audacioso aceitar a ideia de que quando um país em subdesenvolvimento
obtém um crescimento global bruto ele automaticamente se tornará um país desenvolvido
economicamente. É por esse motivo que a noção de desenvolvimento econômico precisa ser
traçada de uma forma global e extensa e não apenas ser idealizada sob o conceito de aumento
do produto global bruto. A noção do desenvolvimento deve ir bem além disso, levando em
conta diversos fatores como a distribuição de renda, o desenvolvimento tecnológico e
industrial, a ocupação de terras produtivas, o crescimento do mercado interno e não apenas a
exportação, etc. Resumindo, o conceito de desenvolvimento econômico deve absorver a ideia
de crescimento econômico e superá-la.
Para um país subdesenvolvido sair dessa condição e se desenvolver economicamente,
ele precisa entender que suas estruturas sociais, políticas e econômicas são extremamente
atrasadas. Fazendo transformações em tais estruturas surgirá a possibilidade de que haja
aumento de produtividade, acúmulo de riquezas e uma melhora de qualidade de vida da
população. E quando realmente o país subdesenvolvido compreende a ideia de que para
alcançar o desenvolvimento com o sentido de uma transformação de suas estruturas, ele
percebe que precisa romper com suas raízes históricas que estão lhe impedindo de progredir.
Segundo Furtado (1974: 93):
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As modificações de estrutura são transformações nas relações e proporções internas
do sistema econômico, as quais têm como causa básica modificações a forma de
distribuição e utilização de renda. O aumento da produtividade física com respeito
ao conjunto da força de trabalho de um sistema econômico somente é possível
mediante a introdução de formas mais eficazes da utilização de recursos, as quais
implicam seja acumulação de capital, seja inovações tecnológicas, ou mais
correntemente a ação conjugada destes fatores. Por outro lado, a realocação de
recursos que acompanha o aumento do fluxo de renda é condicionada pela
composição da procura, que é a expressão do sistema de valores da coletividade.
Desta forma, o desenvolvimento é ao mesmo tempo um problema de acumulação e
progresso técnico, e um problema de expressão dos valores de uma comunidade.
2.3. Formação Econômica do Brasil: A questão do problema estrutural e a Distribuição
de renda
Celso Furtado ao escrever Formação Econômica do Brasil (1959) não tinha a intenção
de fazer apenas uma análise histórica do Brasil discutindo e defendendo determinados
acontecimentos, mas sim a partir de dados históricos, analisá-los avançando para uma análise
econômica de fatos e pressupostos históricos. Ou seja, é um livro que examina diversos
acontecimentos históricos sob uma perspectiva macroeconômica. Segundo Guido Mantega,
foi a obra que definiu a passagem do pensamento econômico brasileiro da pré-história para a
história.
O autor divide o livro em cinco partes sendo que a primeira, segunda e terceira partes
ele analisa o período colonial, focando mais na fase da economia do açúcar e da mineração.
Na quarta parte ele descreve a economia do café analisando todo seu desenvolvimento. Na
quinta e última parte, é analisado o desenvolvimento do mercado interno no país e o setor
industrial que estava surgindo.
Na época da colonização Portugal incentivou seus colonos produtores de açúcar a
desenvolver suas produções. Porém, eles se depararam com o problema da escassez de mão
de obra que logo após foi solucionado com o trabalho escravo. Outro problema encontrado na
economia açucareira foi o fato que, mesmo sua renda gerada fosse extremamente alta,
tornando a colônia cada vez mais rica, quase toda ela estava concentrada nas mãos dos
senhores de engenho. Essa riqueza não era transferida para o crescimento que a economia
açucareira possibilitava e nem para o consumo interno da colônia. Ou seja, o modelo da
economia do açúcar não permitiu que o fluxo de renda do Brasil fosse formado.
A queda do preço do açúcar, a concorrência com as Antilhas, o encarecimento da mão
de obra escrava, etc. todos esses fatores fizeram com que a economia açucareira entrasse em
crise. Com isso, a população que habitava nos litorais por conta do açúcar acabou migrando
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para o interior do país em busca de desenvolver a atividade pecuária. Segundo Gelcer (2012:
55):
Quanto mais entrava em crise a economia açucareira mais pessoas migravam pra a
atividade criatória, e, com isso, a população nordestina cada vez crescia mais,
concentrando mais as suas atividades em um setor de subsistência, de rudimentar
divisão de trabalho, ficando com a sua economia cada vez mais atrasada. Diante de
toda essa perspectiva, Furtado demonstra como a economia açucareira acabou
levando o país a um atraso estrutural em relação às demais economias mundiais.
Quando Portugal percebeu que a economia açucareira não era mais rentável e já tinha
entrado em decadência, começaram então a voltar sua atenção para a mineração na colônia.
Diferente da economia açucareira, a economia mineira possibilitava que outras atividades e
regiões do país se desenvolvessem. Mesmo a renda da economia mineira sendo inferior que
da economia açucareira, sua potencialidade era bem maior.
Porém, Portugal não desenvolvia o setor manufatureiro, por conta do acordo feito com
a Inglaterra, e com isso não podia passar para o Brasil tal informação. Sendo assim toda a
riqueza gerada pelo ouro no país era passada para a Inglaterra. Consequência disso foi a
decadência do ouro e a economia entrou em um dos maiores colapsos econômicos.
No começo do século XIX, a condição básica para a economia do Brasil se
desenvolver era a expansão da exportação, fonte da acumulação do capital que seria desviado
para outras atividades e que, de fato, seria muito importante para a industrialização. Como o
capital e mão de obra eram fatores escassos, a produção do café foi a solução encontrada
pelos brasileiros, já que a produção não exigia investimentos altos e permitia a utilização da
mão de obra disponível da economia açucareira e mineira. Já na metade do século XIX a
economia do café conseguiu atingir uma taxa relativamente alta de crescimento econômico.
Após a abolição da escravidão e o começo de uma economia baseada no trabalho
assalariado, o Brasil se deparou com a possibilidade de desenvolver uma economia de
mercado interno. Isso foi possível devido à renda dos proprietários de terras ser revertida, uma
parte em investimentos e a outra em consumo, e a renda dos trabalhadores ser revertida em
consumo. Sendo assim o crescimento das exportações serviu como fator que fez com que o
aumento da acumulação de capital se revertesse para a economia interna.
A política econômica adotada pelo governo brasileiro nessa época seguia um
movimento determinado. Quando o café estava valorizado, o seu lucro era praticamente todo
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transferido para os proprietários de terra, e quando o café era desvalorizado os prejuízos eram
revertidos, por meio das taxas cambiais, para toda a população.
Como o preço do café era sempre estável, os investimentos na economia cafeeira
aumentavam cada vez mais, fazendo com que sua oferta também aumentasse. Furtado até
propôs que a política de manutenção dos preços do café fosse mantida, porém deveria ser
complementada com uma política que desestimulasse o investimento no café e estimulasse a
política em outro setor econômico (mercado interno, manufatureiro, etc.), mas essa politica
não foi possível pelo fato dos grandes cafeicultores que dominavam o cenário político do
Brasil. Se caso essa política fosse executada, provavelmente a renda seria melhor distribuída e
a crise que teve que ser suportada por todos não teria impactos tão grandes como teve.
Com a crise de 1929, o preço do café não conseguiu se manter, os estoques
aumentaram, e para equilibrar a oferta e demanda a um nível de preço alto, decidiu-se destruir
os estoques por meio do financiamento da expansão do crédito para socializar as perdas. Essa
política foi bem sucedida e fez com que a renda monetária não se contraísse na mesma
proporção que a do café, ou seja, o valor do produto que foi destruído foi bem menor que o
montante da renda que estava sendo criada.
Tal política fez com que a moeda se desvalorizasse, o que automaticamente fez com
que os preços dos produtos importados ficassem extremamente altos. Consequência disso foi
que o capital que seria gasto com produtos importados foi utilizado com produtos do mercado
interno. Então o mercado interno começou a oferecer melhores oportunidades de investimento
que o mercado externo e, assim, a partir daí a industrialização no país se fortalece. O centro
dinâmico passou a se localizar no investimento na indústria manufatureira voltada ao mercado
interno, em outras palavras, a indústria passou ser o “motor” da economia brasileira. Assim, o
nível de produto, de renda, de emprego e a taxa de investimento começaram a depender
fundamentalmente de variáveis endógenas, e não mais da demanda externa.
A obra Formação Econômica do Brasil (1959) é uma referência entre os estudos de
Celso Furtado em que ele deseja construir uma interpretação das economias periféricas. O
principal argumento do livro se concentra na ideia de entender os elementos que levaram à
industrialização dos países latino-americanos. O autor também descreve detalhadamente o
processo de industrialização por substituição de importações, apontando alguns efeitos do
modelo que não eram desejáveis, como por exemplo, os estrangulamentos na balança de
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pagamentos. Porém, é a partir da obra Desenvolvimento e subdesenvolvimento (1961) que o
autor apresenta a possibilidade de estagnação nas economias subdesenvolvidas.
Ao escrever essas duas obras podemos perceber que o autor usa um método históricoestrutural, método também utilizado pelos analistas “clássicos” da Cepal, para analisar a
sociedade brasileira e sul-americana em uma dimensão social, econômica e política, e assim
determinar a dinâmica econômica brasileira.
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3. Desenvolvimento e distribuição de renda pré-1960
3.1. A industrialização como superação do subdesenvolvimento
A passagem de Furtado pela Cepal, órgão vinculado à ONU e criado em 1948, foi
essencial para as suas reflexões a respeito da teoria do subdesenvolvimento e a estratégia
heterodoxa de desenvolvimento para a América Latina. Suas análises sempre tiveram o
objetivo de conhecer a realidade econômica da América Latina e encontrar saídas para os seus
problemas.
Um dos principais responsáveis pela apresentação das ideias projetadas na Cepal foi
Raúl Prebisch, economista argentino responsável pela criação do Banco Central da Argentina
em 1935. Prebisch difundiu a ideia da relação centro-periferia e criticou de forma incisiva a
Teoria das Vantagens Comparativas.1
Para Prebisch, essa teoria só poderia ter validade para a avaliação de países com o
mesmo grau de desenvolvimento e a mesma capacidade competitiva. A Teoria das Vantagens
Comparativas só trazia desvantagens para os países que eram subdesenvolvidos. O autor
verificou uma deterioração secular dos preços dos produtos primários no mercado mundial
diante dos produtos manufaturados. Isso resultava na condenação das nações que eram
agroexportadoras à miséria e ao subdesenvolvimento. Confirmada pelas pesquisas da Cepal,
havia sim uma deterioração dos termos de intercâmbio da periferia e Prebisch sugeriu uma
solução para esse problema: uma industrialização dirigida pelo governo. A industrialização
iria reter os frutos do progresso técnico, aumentar a produtividade e o nível de renda, levando
assim benefícios para a população do Estado.
Ensaiava-se, assim, uma nova abordagem da dinâmica do sistema centro-periferia,
sob a ótica dos interesses da periferia, que ao mesmo tempo, continha um plano de
ação, ainda em estado embrionário, para superar o subdesenvolvimento. Em que
pese o caráter precário e a insegurança das novas proposições, estava dado o
primeiro passo em direção a uma teoria do subdesenvolvimento, ou seja, uma teoria
gestada pelos teóricos periféricos, voltada para os interesses dos países periféricos e
buscando uma saída para superar o subdesenvolvimento. (MANTEGA, 1989: 32)
As análises de Furtado da realidade brasileira e latino-americana, a partir da teoria de
Prebisch, se voltaram à ação e compreensão da necessidade da industrialização em meados do
século passado no período do pós-guerra. No plano teórico, uma das preocupações do autor
1
Foi David Ricardo que desenvolveu a teoria das Vantagens Comparativas, segundo a qual as trocas internacionais sempre
seriam vantajosas. Para ele, o comércio internacional, sob uma situação de livre concorrência, faria com que diversos países
se especializassem na produção de bens com menor custo de oportunidade. (ver Ricardo, 1983)
19
foi explicar as raízes da formação histórica brasileira e assim encontrar meios para
impulsionar a industrialização e superar o subdesenvolvimento.
Entre seus livros publicados está um dos mais importantes, o Desenvolvimento e
Subdesenvolvimento (1961), que se trata da posição do autor diante da problemática teórica do
desenvolvimento e apresenta a perspectiva teórica estruturalista. O ponto principal desta obra
é a constatação de que o subdesenvolvimento não é correspondido por um processo histórico
comum em todos os países, mas sim pela condição do país ser periferia dentro do sistema
capitalista, resultado este de um processo histórico de evolução da economia mundial desde a
Revolução Industrial.
Os trabalhos de Furtado fizeram com que ele se aprimorasse na divulgação e aplicação
do pensamento estruturalista2 e também fortalecesse o entendimento homogêneo do problema
do subdesenvolvimento brasileiro. Sua obra contém três características que fazem com que o
conteúdo político do pensamento econômico da corrente estruturalista se tornasse mais
específico do que as demais correntes desenvolvimentistas.
A primeira característica é que “contém uma defesa da liderança do Estado na
promoção do desenvolvimento, através de investimentos em setores estratégicos e, sobretudo,
do planejamento econômico” (BIELSCHOWSKY, 1996:134). Ou seja, para Furtado a
contribuição do capital estrangeiro era importante desde que fosse restrito a setores não
estratégicos e fosse submetido a controles. Esta ideia se originou da questão de que apenas
através da decisão do Estado seria viável a emancipação econômica nacional. A segunda
característica é que Furtado defendeu a subordinação da política monetária e cambial à
política de desenvolvimento. Já a última característica seria a defesa de reformas de cunho
social, entre elas a tributação progressiva, o projeto de desconcentração regional da renda e o
apoio à reforma agrária.
Celso Furtado era considerado um estruturalista e também um keynesiano atípico, pois
não teria como aplicar identicamente as teorias macroeconômicas de Keynes em uma
economia como a do Brasil. Porém, “sua famosa análise de recuperação brasileira do início
dos anos 30 pode ser considerada, nesse sentido, uma exceção”. As ideias de Furtado eram
2
O pensamento estruturalista foi criado pelo economista Raúl Prebish, que adotou a ideia de uma estrutura
internacional dividida entre um centro industrial predominante e uma periferia agrária dependente que acabavam
determinando a existência de um processo de desenvolvimento desigual originário. Segundo Bielschowsky, tal
abordagem poderia ser dividida em quatro componentes analíticos: a abordagem histórica, baseada na oposição
binária centro-periferia; uma análise da inserção internacional da América Latina; o estudo dos determinantes
domésticos do crescimento e do progresso tecnológico; e uma avaliação dos argumentos favoráveis ou contrários
à intervenção estatal. A partir dos trabalhos de Prebisch e Furtado, a ênfase nas “estruturas” acabam se tornando
nítidas, sejam elas econômicas, políticas ou sociais.
20
mais centradas no seu pensamento estruturalista sobre história econômica brasileira e
economia brasileira que o “mercado interno constitui um elemento essencial de dinamização
da produção e da renda” (BIELSCHOWSKY, 1996:135).
Partindo deste princípio, poderíamos dividir a análise de Furtado em duas partes: a) a
expansão da renda da economia exportadora era limitada por uma combinação de elementos
que faziam com que os impulsos externos acabassem dentro do próprio setor de exportação;
b) o princípio do trabalho assalariado na economia do café representou a base para que o
impulso externo colocasse em vigor a acumulação da expansão da renda e da produção, ou
seja, a economia dos países periféricos crescia com a pressão da demanda.
O planejamento, na perspectiva keynesiana, destina-se a reconduzir o sistema
econômico à situação de pleno emprego e aí preservá-lo. No estruturalismo destinase a coordenar os esforços de industrialização, de forma a reunir condições para
superar os obstáculos estruturais que dificultam o desenvolvimento.
O subdesenvolvimento, na acepção dos textos pioneiros de Prebisch e da Cepal,
corresponde à existência de uma estrutura econômica heterogênea na periferia. Por
força de sua relação com as economias desenvolvidas, coexistem nos países
periféricos setores modernos, dedicados essencialmente a atividades de exportação,
e um extenso setor de subsistência que opera em níveis de produtividade muito
inferiores aos observados nos primeiros. (BIELSCHOWSKY, 1996:136-137)
Como o subdesenvolvimento na periferia seria resultado de uma economia de estrutura
heterogênea, então o desenvolvimento dos países periféricos seria resultado de uma
homogeneização dos níveis de produtividade dos seus sistemas econômicos; sendo que essa
homogeneização só seria alcançada apenas com um processo de industrialização, tendo em
vista uma expansão insuficiente dos mercados de exportação.
Para Furtado existem elementos do tipo clássicos, necessários para um país se
desenvolver industrialmente, e esses elementos fizeram com que o autor confrontasse o efeito
do desenvolvimento do capitalismo europeu sobre estruturas econômicas atrasadas, resultando
na formação de países com uma estrutura econômica diferente dos outros. Nesse
desenvolvimento clássico, a evolução da tecnologia fez com que o sistema produtivo se
tornasse um pouco mais homogêneo, e foi consequência da escassez relativa da mão-de-obra
e da transição do capitalismo comercial para o capitalismo industrial.
Partindo deste ponto o autor fez uma caracterização do subdesenvolvimento da
periferia correspondente a um aperfeiçoamento do conceito de estruturalismo original.
O advento de um núcleo industrial, na Europa do século XVIII, provocou uma
ruptura na economia mundial da época e passou a condicionar o desenvolvimento
econômico subsequente em quase todas as regiões da Terra. A ação desse poderoso
núcleo dinâmico passou a exercer-se em três direções distintas. (FURTADO apud
BIELSCHOWSKY, 1996:138).
21
A primeira direção consistiu no próprio desenvolvimento industrial dos países da
Europa. A segunda correspondeu ao deslocamento das fronteiras de atividade econômica
desses países a terras que estavam desocupadas. E a terceira direção se deu pela formação de
estruturas econômicas subdesenvolvidas.
O subdesenvolvimento é, portanto, um processo histórico autônomo, e não uma
etapa pela qual tenham, necessariamente, passado as economias que já alcançaram
grau superior de desenvolvimento. (FURTADO, 1992:47)
Como a industrialização dos países da periferia, tendeu a copiar o padrão tecnológico
da indústria desenvolvida, havia dificuldades de modificar a estrutura ocupacional, pois o
espaço nacional era formado por indústrias nacionais e produtores externos.
Em relação aos países desenvolvidos, os países subdesenvolvidos possuíam mercados
internos pequenos e um crescimento lento, dificultando assim o seu processo de
industrialização e pressionando seus balanços de pagamentos.
Furtado estava mais preocupado em entender a dinâmica do processo de
industrialização, do que dizer que a industrialização é a única solução para os países latinoamericanos superarem o subdesenvolvimento.
Devido a uma disparidade das taxas de crescimento da renda e da capacidade de
importar, houve um desequilíbrio externo. Para poder impedir esse desequilíbrio e garantir o
acréscimo nas importações de determinados bens, o Brasil foi praticamente obrigado a se
industrializar, substituindo outros bens importados por bens similares de produção interna.
Um dos determinantes do crescimento dessa nova fase foi a redução do coeficiente de
importações das classes médias e altas rendas; e a impossibilidade de continuarem no mesmo
ritmo as inversões no setor de economia colonial. “O choque causado pela crise externa deu,
assim, à economia brasileira oportunidade de desenvolver seu mercado interno”
(BIELSCHOWSKY, 1996:141).
A industrialização se deu com o processo de homogeneização dos níveis de
produtividade de estruturas econômicas duais que foram formadas durante o período de
especialização em atividades de exportação.
A industrialização periférica já se originava presa a um moderno padrão de demanda, a
qual obtinha uma estrutura produtiva pouco diversificada e com escassa integração vertical e
horizontal, acabava se impondo na industrialização dos países periféricos. Esse fato gerava
22
uma necessidade de transformar a estrutura produtiva através de grandes investimentos na
importação de equipamentos e matérias-primas.
Nessas condições, a industrialização substitutiva, potencialmente dinâmica por
natureza, ficava obstaculizada pelos reduzidos níveis de poupança e por
insuficiência da capacidade de importar. Esta insuficiência resultava, em primeiro
lugar, da lenta expansão da demanda internacional pelos bens de exportação da
periferia e, em segundo lugar da deterioração dos termos de intercâmbio, que afetava
também a capacidade de poupança. (BIELSCHOWSKY, 1996:142)
Nos países de economias subdesenvolvidas havia uma divergência entre “oferta
rígida” e “procura dinâmica”, e isso causava um desequilíbrio monetário. Era preciso então
uma política desenvolvimentista que tornasse a oferta do país mais flexível.
A dinâmica da industrialização periférica fez com que gerasse resultados como
exigência de importações, que deu a existência de balanço de pagamentos desequilibradas,
principalmente quando as exportações tendem a estagnar ou declinar por causa da escassez de
demanda internacional.
A visão de Celso Furtado sobre questões monetárias e de balança de pagamentos era
que:
Em suma, sua posição fundamental era a de que as preocupações com estabilidade,
embora importantes, devem ficar subordinadas ao objetivo maior, isto é, ao
desenvolvimento econômico. Dado o caráter estrutural da inflação, a fórmula para
obter-se alguma estabilidade sem prejuízo do desenvolvimento seria, segundo o
autor, uma cuidadosa programação (BIELSCHOWSKY, 1996:148).
3.2. A crise dos anos 1960
No início dos anos 60, mesmo Furtado desconhecendo que a economia estava
entrando em uma fase recessiva, elaborou o Plano Trienal, o qual deveria conciliar a
estabilização monetária, a continuidade dos investimentos e do crescimento, e as reformas
institucionais. O Plano visava combater a inflação e fazer o Brasil crescer a uma taxa de 7%
ao ano, e também iniciar uma política de distribuição de renda. Como o Plano deveria realizar
uma estabilização dos preços, ele acabou prevendo uma queda de inflação de 25% no ano de
1963, através da contenção do déficit público e contenção do crédito, incluindo um corte nos
dispêndios públicos. A contenção de crédito e de despesas públicas era cheia de restrições,
visto que a redução da pressão inflacionária estava planejada, de certo modo, para que não
comprometesse o crescimento da economia.
Os resultados do Plano Trienal foram:
23
Em meados de janeiro de 1963 o governo anunciou aumentos do trigo e de
derivados de petróleo de 70% e 100%, resultantes da abolição de subsídios, bem
como o reajuste de tarifas de transportes urbanos. Além dos cortes de gastos
públicos foram estabelecidos limites nominais de expansão de créditos ao setor
privado de 35%, quando a taxa inflacionaria anual equivalente era de 60%, e
aumentando o depósito compulsório dos bancos comerciais nas Autoridades
Monetárias de 24% para 28% dos depósitos à vista. Goulart solicitou que o Fundo
Monetário Internacional enviasse missão ao Brasil, que foi recebida no final de
janeiro por Furtado. (ABREU, 1990:207)
O Plano Trienal e as negociações internacionais consequentes do Plano foram
duramente criticados pelos setores de esquerda que denunciavam o caráter recessivo da
política econômica e a submissão dos interesses nacionais aos dos EUA.
Algumas interpretações que destacam a relação causal entre o Plano Trienal e o início
da crise contrapõem-se às de natureza estrutural a respeito das tendências de longo prazo da
industrialização brasileira. Estas tendências destacam a perda de dinamismo do processo de
substituição de importações, com um aumento significativo da relação marginal capitalproduto conforme este afetava os novos gêneros industriais, e as flutuações de investimentos
que eram associadas à instalação de plantas com escalas de produção que eram além do
tamanho de mercados, isso durante o Plano de Metas. Outra importante interpretação
evidencia o fato da incompatibilidade entre a demanda associada a perfis específicos de
distribuição de renda e a oferta dos gêneros industriais mais recentemente instalados.
A década de 1960 é marcada pela crise econômica, pela estagnação e pela inflação.
Para Celso Furtado, essencialmente, a industrialização brasileira não foi capaz de resolver um
dos problemas estruturais mais básicos da nação, a má distribuição de renda. Pelo contrário, a
industrialização por substituição de importações agravou o problema e tendeu a concentrar
ainda mais a apropriação da renda nacional. Estas questões começam a ser abordadas por
Furtado em Subdesenvolvimento e Estagnação na América Latina.
Enquanto o desenvolvimento, na modalidade do capitalismo clássico, criou
condições de estabilidade social e abriu as portas ao reformismo, a situação dos
países latino-americanos é fundamentalmente diversa: a própria penetração da
técnica engendra a instabilidade social e agrava os antagonismos naturais de uma
sociedade estratificada em classes. Desta forma, a via do aperfeiçoamento gradual
das instituições políticas resulta ser extremamente difícil. (FURTADO, 1968:13)
Nesta obra, o autor busca esquematizar uma ideologia do desenvolvimento.
Novamente, o problema do subdesenvolvimento é visto como uma realidade histórica que
acabou surgindo da propagação da técnica moderna no processo de formação de uma
economia de escala mundial e da revolução industrial. Ou seja, o subdesenvolvimento de um
24
país não pode ser visto como uma fase do processo do desenvolvimento, e sim como um
fenômeno
da
história
moderna,
contemporâneo
do
desenvolvimento.
Como
subdesenvolvimento e desenvolvimento são processos da mesma época das economias
desenvolvidas, resultado do processo de formação de um sistema econômico de base mundial,
os países subdesenvolvidos não deveriam repetir as experiências dos países desenvolvidos,
uma vez que eram estruturalmente bem diferentes.
Na análise que se segue, trataremos de captar o problema do subdesenvolvimento
como uma realidade histórica, decorrente da propagação da técnica moderna no
processo de constituição de uma economia de escala mundial. O
subdesenvolvimento deve ser compreendido como um fenômeno da história
moderna, coetâneo do desenvolvimento, como um dos aspectos da propagação da
revolução industrial. (FURTADO, 1968:3)
Pelo fato mesmo de que são coetâneos das economias desenvolvidas, isto é, das
economias que provocaram e lideraram o processo de formação de um sistema
econômico de base mundial, os atuais países subdesenvolvidos não podem repetir a
experiência dessas economias. É em confronto com o desenvolvimento que teremos
de captar o que é específico ao subdesenvolvimento. Somente assim poderemos
saber onde a experiência dos países desenvolvidos deixa de apresentar validez para
os países cujo avanço pelos caminhos do desenvolvimento passa a depender de sua
própria capacidade para criar-se uma história (FURTADO, 1968:4).
O progresso tecnológico em uma economia capitalista altamente desenvolvida
constitui o fator básico do crescimento e o elemento fundamental da estabilidade social. A
acumulação de capital é relativa à disponibilidade de mão de obra e tende a se realizar com
grande rapidez. O esquema de distribuição de renda e o elevado nível de produtividade
acabam determinando a formação de um fluxo considerável de poupança, que deverá ser
transformada em capital reprodutivo por meio do investimento. Desse processo acaba
resultando o crescimento do estoque de capital incorporado ao sistema produtivo, que cresce
mais que a força de trabalho. Porém os investimentos feitos nos trabalhadores têm um
crescimento ainda maior. No resultado total desse processo temos uma melhoria na posição
daqueles que estão no mercado de trabalho, dando a eles um acesso aos frutos do
desenvolvimento, ou pela elevação dos salários reais ou pela redução do número de horas na
jornada de trabalho.
Poderia haver uma estagnação econômica se houvesse uma pressão para elevar os
salários reais e tal elevação não encontrasse uma barreira, porque ocasionaria uma
distribuição de renda em favor dos assalariados, que acarretaria em uma redução na taxa de
poupança e investimento. Mas tal situação não aconteceu graças à classe capitalista que tem
em suas mãos o controle do progresso tecnológico.
Nas economias capitalistas que já são desenvolvidas existe uma forte conexão entre a
orientação do progresso tecnológico, a disponibilidade relativa de fatores de produção e o fato
25
de manter uma determinada taxa de poupança e investimento, a qual assegura a estabilidade
do sistema de distribuição de renda social, satisfazendo uma grande parte dos trabalhadores. A
acumulação de capital, nesses países, é de uma forma muito rápida, referente à
disponibilidade de mão de obra. A formação de um fluxo de poupança é determinada pela
distribuição de renda e o elevado nível de produtividade, que se transforma em capital
reprodutivo por meio do investimento. Esse processo acaba resultando no crescimento mais
rápido da força de trabalho do que o crescimento do estoque de capital incorporado ao sistema
produtivo.
A estagnação econômica gera um enfraquecimento do marco político e a perda
progressiva da capacidade de autodeterminação, que acaba limitando a capacidade de superar
os obstáculos do subdesenvolvimento, ou seja, tudo isso está integrado na prática da ação
política.
Os países asiáticos e africanos subdesenvolvidos se diferenciam dos países
subdesenvolvidos da América Latina no seguinte ponto: a Ásia e África conseguiram alcançar
suas independências políticas e hoje em dia quem as controlam são políticos que surgiram de
lutas revolucionárias. Esses povos possuem uma lembrança recente de vitória alcançada, que
gera um comportamento otimista para superar o subdesenvolvimento. Já na América Latina é
ao contrário, todos tem um pensamento de que estamos vivendo em uma época de declínio.
Essa linha de pensamento acaba sendo um dos obstáculos externos ao desenvolvimento.
No passado, os povos latinos americanos estiveram exclusivamente voltados para eles
próprios, mas atualmente compreendem que o seu futuro será cada vez mais influenciado por
acontecimentos que ocorrem fora de seus países. Ou seja, acaba sendo natural que o povo
latino-americano se preocupe em informar-se sobre as tendências evolutivas dos países que
são centros de poder mundial, principalmente dos Estados Unidos.
Passada a segunda Guerra Mundial e logo após a guerra fria, os Estados Unidos
precisavam influenciar outros países penetrando suas tecnologias modernas em mundos
subdesenvolvidos para romper as resistências iniciais e assegurar a continuidade de seu
desenvolvimento. Resumindo, o processo de desenvolvimento que se desejava aplicar nos
países subdesenvolvidos, exige modificações estruturais de alcance revolucionário, que
decorrem de uma ação política consciente e deliberada, ou não.
Analisando as instituições políticas e sociais da América Latina, podemos dizer que
foram transplantadas da Europa e sua economia nacional existiram desde o começo como uma
fronteira da economia europeia ou europeia - norte-americana, numa fase mais recente. O
desenvolvimento do capitalismo industrial acabou provocando uma forte concentração do
26
progresso técnico, que por sua vez melhoraria a qualidade de vida de algumas pessoas em
certas regiões, que logo após se transformariam em pólos do progresso tecnológico acelerando
a concentração geográfica da renda e da riqueza, foi exatamente isso que aconteceu no
continente europeu. Já na América Latina o desenvolvimento induzido pela revolução
industrial na Europa e nos EUA foi suficiente para transformar parte dos sistemas econômicos
que foram herdados pela época colonial, porém foi insuficiente para criar sistemas que se
sustentassem sem intervenção de outros países. Sendo assim, a América Latina ficou sendo
como uma “periferia” das economias industriais desenvolvidas.
Para Furtado, atualmente a América Latina confronta-se com a necessidade de ter que
introduzir modificações no seu marco institucional a fim de se abrir para alcançar o caminho
do desenvolvimento, e para isso precisa seguir três direções: a) evitar que sua própria
tecnologia provoque a concentração de renda e modifique a forma de aplicação dos recursos
reprodutivos, reduzindo a eficiência do sistema econômico; b) ampliar as dimensões atuais e
potenciais dos mercados através de esquemas de integração econômica dentro das regiões; c)
visando a influir na própria orientação do progresso tecnológico, em função dos
requerimentos específicos da atual fase do processo de desenvolvimento das economias
regionais e de modernização das estruturas sociais.
Quando os Estados Unidos são convocados a instalarem suas grandes empresas na
América Latina, são colocados alguns problemas em questão, como o fato de saber que tipo
de organização política poderá ser compatível, nos países latino-americanos, com um sistema
econômico regional que será controlado pelas poderosas sociedades norte-americanas. Temos
que compreender que, como os setores produtores de bens e serviços são aqueles que o
avanço tecnológico vai desempenhar um papel mais significativo, são esses que as grandes
empresas vão escolher para atuar.
A partir do momento que essas grandes empresas norte-americanas são convidadas a
se instalarem na América Latina, elas recebem muitos privilégios, ficando fora do controle da
legislação antitruste3 dos Estados Unidos e com uma cobertura política e militar que os países
latino-americanos oferecem, elas acabam se transformando em superpotências. Cabe a essas
multinacionais determinar grande parte das decisões básicas com respeito à orientação de
investimentos, escolher a localização das atividades econômicas, à orientação da tecnologia,
ao financiamento da pesquisa e ao grau de integração das economias nacionais. Ou seja, os
3
Legislação antitruste é aquela que pode ser expressa como um conjunto de regras e normas destinadas à
promoção de uma economia por meio da proibição de ações que limitem, ou tenham possibilidade de limitar, a
concorrência e por meio de restrições a estruturas de mercado que sejam permissivas.
27
centros de decisão representados pelos estados nacionais ficam cada vez mais em segundo
plano.
Esse “projeto” de desenvolvimento regional de instalar na América Latina grandes
multinacionais só faz com que o nacionalismo se esgote gradativamente. O êxito de uma
política de desenvolvimento da América Latina vai depender da capacidade daqueles que a
liderem para mobilizar a participação.
A integração econômica somente servirá aos objetivos do desenvolvimento regional
se resultar de uma formulação de política comum entre os governos autenticamente
nacionais, e não da justa posição de interesses de grandes empresas estrangeiras que
atuam na região. (FURTADO, 1968: 47)
A América Latina apresenta condições históricas que faz com que fique inviável
implementar um “projeto de desenvolvimento”. Quando uma grande empresa norte americana
é inserida em um país subdesenvolvido, ela acaba sendo um instrumento inadequado para
enfrentar os problemas do desenvolvimento latino-americano. Pois as grandes empresas são
avançadas tecnologicamente e possuem uma elevada capitalização e quando são penetradas
em uma economia subdesenvolvida acabam “sugando” tudo o que o país em
subdesenvolvimento tem. Ou seja, a penetração indiscriminada em uma estrutura econômica
frágil de grandes consórcios, tende a provocar desequilíbrios estruturais de difícil correção,
tais como maiores desigualdades de nível de renda e acúmulo de desemprego. Resumindo: o
“projeto” do governo dos EUA de desenvolvimento da América Latina, colocando em ação as
grandes empresas norte americanas e controlando preventivamente a “subversão”, não é
viável exceto se como técnica de congelamento do status quo social.
Ainda nessa mesma obra, Furtado faz uma síntese dos fatores estruturais que impedem
o desenvolvimento, e destacada algumas particularidades das estruturas sócio econômicas que
constituíram o marco histórico do processo de crescimento da América Latina, os economistas
latino americanos dedicaram cada vez mais suas atenções a dois problemas específicos
considerados fundamentais para a América Latina. O primeiro é apresentado como a presença
de uma tendência à elevação persistente de um nível geral de preços em condições de declínio
no coeficiente de importações, tal problema é encontrado em países que estão tentando ou até
mesmo fazendo o desenvolvimento. O segundo se refere a uma redução da taxa de
crescimento da renda real por habitante, porém essa redução da taxa é notoriamente
encontrada somente em países onde há uma grande diversificação de estruturas econômicas.
Há uma interdependência entre o processo de crescimento e a elevação do nível geral
de preços que surge claramente, como um simples subproduto da análise, cujo objetivo básico
é estabelecer a origem das forças que atuam no sentido de reduzir a taxa de crescimento.
28
De maneira geral, o estudo do desenvolvimento econômico da América Latina toma
como ponto de partida o fato de integralizar as economias nacionais da região nos mercados
mundiais, tal estudo se limita a uma análise dos fatores econômicos pertinentes, sendo eles
fatores relacionados com o comércio exterior e as finanças públicas.
Furtado faz uma apresentação esquemática, de forma bem generalizada, indicando que
a organização social que veio prevalecer na América Latina tem duas características
sobressalentes: a) uma existência de um setor urbano, o qual se exercia o poder e na fase
colonial tinha seus centros de decisão superiores nas respectivas metrópoles europeias; e b)
uma “transferência” dos fatores de produção (terra e mão de obra indígena) a uma classe de
senhores ligados ao poder central por um vínculo de lealdade pessoal.
Um setor pré-capitalista de caráter semifeudal combinado com um setor industrial que
absorve uma tecnologia caracterizada por um coeficiente de capital crescente, dá origem a um
padrão de distribuição de renda que tende a encaminhar a aplicação de recursos produtivos de
forma a diminuir a eficiência econômica destes recursos e concentrar cada vez mais a renda, e
esse processo fica acontecendo de modo circular. Quando há um declínio na eficiência
econômica acaba provocando uma estagnação econômica. Em alguns casos particulares,
quando a concentração de renda se torna crescente e ela corresponde a uma população
subempregada que converge para as zonas urbanas, acabam-se criando tensões sociais que
tornam inviável o processo de crescimento.
Quando o processo de industrialização substitutiva se encontra em uma fase avançada,
ela provoca uma elevação relativa nos preços dos equipamentos e acaba gerando uma maior
concentração de renda. O encarecimento relativo dos equipamentos tem efeitos contrários ao
das inovações tecnológicas tendentes a poupar capital. Isso porque exige um maior
investimento por unidade de produto, mantidos inalterados os outros insumos. Ou seja, do
mesmo modo em que as inovações tecnológicas poupadoras de capital tendem a elevar a taxa
de lucro, ocorre o contrário quando se aumenta os preços relativos dos equipamentos. Essa
tendência pode ser anulada por uma elevação do nível geral de preços que acaba permitindo
uma distribuição compensatória de renda. Porém, a taxa de salário real é constante, e o
declínio da relação produto-capital teria que se traduzir em contração na taxa de lucros, com
efeitos negativos na poupança da redução da taxa de poupança. “A tendência ao declínio na
taxa de poupança poderia, contudo, ser anulada por aqueles fatores que estão atuando
simultaneamente no sentido de aumentar a concentração de renda.” (FURTADO, 1968:84)
29
Analisando a economia brasileira no período de 1930 a 1960, observamos um
crescimento do produto por habitante que constitui um típico caso de desenvolvimento por
causa indireta de fatores externos que aconteceu através da substituição de importações.
A economia brasileira é a base da industrialização substitutiva, e isso se deu pela
dimensão do mercado brasileiro, principalmente pela economia cafeeira. As grandes
plantações de café eram estimuladas ao preço alto do café no período de 1927-1929, e em
1931 houve a grande crise da superprodução. O Brasil entrou então em uma crise externa,
obrigando-o a cortar suas importações e entrou também em uma crise interna, pois precisava
de alguém para poder financiar seus estoques o qual o mercado não demandava mais. Muitos
desses estoques foram queimados para poder favorecer os interesses dos cafeicultores.
O governo comprava o café para estocar e a renda monetária se inflacionava com a
expansão do crédito. A moeda brasileira se depreciava externamente, mas favorecia aos
cafeicultores porque o preço do café subia em moeda local depreciada. Uma defesa, contra
essa deflação, ao nível de renda monetária interna, transformou a política de favores ao setor
cafeeiro em uma política de industrialização. Recursos financeiros e capacidade empresarial
foram transferidos do setor exportador para indústrias manufatureiras. Com isso entre 1929 e
1937 as importações diminuíam e a produção industrial crescia.
Já na segunda fase da industrialização brasileira, o país já tinha consciência pública
que para se alcançar um desenvolvimento era necessário seguir no caminho da
industrialização. Em 1946, o Brasil estava preocupado com a defesa do café no mercado
internacional e manteve a mesma taxa cambial do cruzeiro que havia mantido durante a
guerra. O cruzeiro teve uma sobrevalorização e rapidamente as importações cresceram, porém
as reservas internacionais acumuladas durante a guerra começaram a se esgotar. Em 1948 o
país já tinha uma dívida comercial externa que se acumulava cada vez mais e a preocupação
com defesa do preço do café começou a aumentar, então o governo resolveu controlar a
quantidade de importações para proteger os interesses industriais. O
governo
brasileiro
proibiu a importação de bens similares, ou não essenciais e forneceu cobertura cambial com
um subsídio implícito crescente às matérias-primas e equipamentos. O governo conseguiu
manter o preço do café elevado por quase dez anos, porém grande parte da renda do mercado
internacional cafeeiro teve que ser transferido para o setor industrial.
Os fatores dinâmicos responsáveis pela industrialização substitutiva tendem a se
esgotarem quando atuam no marco institucional que prevalece na América Latina e o Brasil
também está incluso nesse mecanismo, pois bem antes do sistema econômico nacional
30
conseguir alcançar o grau de diversificação estrutural que assegurava a autogeração do
desenvolvimento, o Brasil já tinha sofrido esse debilitamento.
Quando o Brasil começou a se industrializar foi quando ele começou a aumentar sua
produção e restringir algumas importações. Influenciado pelas ideias da Cepal, Furtado
acreditava que se o Brasil adotasse a política de substituição de importações, ele iria se
desenvolver e sair das condições de subdesenvolvimento.
Para entendermos melhor o motivo pelo qual a industrialização por substituição de
importações não levou à superação do subdesenvolvimento, precisamos entender o que
acontece em um processo substitutivo. A substituição de importações se dá no setor de bens
não duráveis, quando tais tem uma redução de importação. O que acaba exigindo a redução de
importações desses bens é causada por causa da elevação generalizada nos preços importados,
seja pela elevação das taxas de lucro e do consumo de luxo, seja pelo aumento da demanda
por insumos e máquinas.
Quanto mais complexa a produção, maior a escala exigida e menor relação produtocapital, e assim mais difícil se torna a substituição. Outro fator limitador é que no caso do
setor de bens de capital, o coeficiente de capital por trabalhador aumenta, com isso o avanço
no modelo de substituição na indústria de produção de bens de capital, mantidos constantes os
salários e os investimentos, vai absorver menos mão de obra do setor pré-capitalista por
unidade de investimento. Sendo assim, a concentração da renda com menor massa salarial
será mantida.
A citação abaixo representa uma síntese da análise proposta por Furtado para as
limitações impostas ao desenvolvimento do Brasil:
Os efeitos no setor agrícola vão agravando a tendência à redução na relação produtocapital da economia como um todo. A demanda global vai acabar se alterando
orientando os investimentos às atividades nas quais a relação produto-capital é
menor, nos bens de consumo duráveis. E reduzindo na agricultura em que a relação
produto-capital é maior. O ensaio de industrialização de tipo “substitutivo de
importações”, durante certo tempo constituiu uma alternativa e permitiu levar
adiante algumas modificações adicionais nas estruturas produtivas de alguns países.
Ocorre, entretanto, que a forma de organização industrial viável em determinadas
condições históricas, não é independente do tipo de tecnologia a ser adotada. A
tecnologia que a América Latina teve de assimilar na metade do século XX é
altamente poupadora de mão de obra e extremamente exigente no que respeita às
condições de mercado. Dentro das condições presentes da América Latina a regra
tende a ser o monopólio ou oligopólio e uma progressiva concentração de renda, a
qual, por seu lado, ao condicionar a composição da demanda, orienta os
investimentos para certas indústrias que são exatamente as de elevado coeficiente de
capital e mais exigentes com respeito às dimensões de mercado. A experiência tem
demonstrado, na América Latina, que esse tipo de industrialização substitutiva tende
a perder impulso quando se esgota a fase das substituições “fáceis”, e eventualmente
provoca a estagnação. (FURTADO, 1968:39)
31
Resumindo, através da industrialização por substituição de importações, o Brasil
realmente conseguiu promover altas taxas de crescimento, evoluindo tecnologicamente e
socialmente, porém tal crescimento não foi suficiente para reduzir seus índices de
desigualdades sociais internas e agravou o problema da má distribuição de renda. Esse quadro
se deu pelo fato que a industrialização dos países da periferia copiou o padrão tecnológico dos
países já desenvolvidos, o que fez com que ficasse impossível modificar suas estruturas, pois
o espaço nacional já estava formado por indústrias nacionais e por produtores externos.
32
4. Desenvolvimento e distribuição de renda pós-1960
4.1. A continuidade do subdesenvolvimento
Ao longo dos anos de 1960 e 1970, Furtado percebeu que o subdesenvolvimento
brasileiro não pode ser superado apenas pela industrialização. A prova disso é que a
industrialização atingiu muitas sociedades e mesmo assim o subdesenvolvimento permaneceu.
Nesse momento Furtado passou a se preocupar mais em entender a dinâmica do processo de
industrialização, do que dizer que a industrialização era a única solução para os países latinoamericanos superarem o subdesenvolvimento.
Os aumentos de produtividade devidos à descoberta de vantagens comparativas na
agricultura já se deram há muito tempo, e os seus frutos foram há muito absorvidos
pela modernização. Por outro lado, o ingresso na industrialização também é coisa
antiga, e seu efeito indisfarçável foi aumentar o dualismo social. (FURTADO,
1992:54)
O desenvolvimentismo, bem como a Cepal, em meados do século passado identificava
a industrialização com desenvolvimento, havia a ilusão de fazer a ligação da industrialização
voltada ao mercado interno ao elemento fundamental que levaria o Brasil ao desenvolvimento
e a superação do atraso da pobreza. A desilusão com o regime militar e interrupção do
processo de construção do país, levam Furtado a buscar novas explicações e saídas para os
dilemas brasileiros. O subdesenvolvimento era uma armadilha limitadora do desenvolvimento
da nação uma vez que,
... o subdesenvolvimento, enquanto expressão da forma de integração de economias
periféricas no capitalismo mundial, implica no risco de se cair uma armadilha que
impede a superação do subdesenvolvimento, mesmo quando suas economias sofrem
profundas mudanças (SAES, 2005:12).
No conceito de industrialização subdesenvolvida, temos que a industrialização
avançou substancialmente na periferia, mas foi incapaz de distribuir seus ganhos de
produtividade para a massa de trabalhadores por meio de salários mais elevados. Resumindo,
a industrialização não conseguiu alcançar o desenvolvimento.
O desenvolvimento é constituído pela inovação técnica que faz com que a
produtividade aumente por meio de processos produtivos mais eficientes. Também a
acumulação de capital é algo essencial para o desenvolvimento, gerando assim a
homogeneização social. Todos esses fatores fazem com que o crescimento do produto e da
renda per capita seja garantido, mas não garantem o desenvolvimento.
33
Já o subdesenvolvimento não é uma etapa que está em direção ao desenvolvimento
que poderá ser compreendido com base em um sistema fechado, sem considerar as relações
externas. Ele é um produto histórico da expansão do capitalismo industrial. Segundo Furtado,
O subdesenvolvimento é uma variante do desenvolvimento, ou melhor, é uma das
formas que historicamente assumiu a difusão do progresso técnico (FURTADO,
1992:47). Ou, também nas palavras de Furtado, O desenvolvimento e
subdesenvolvimento devem ser considerados como dois aspectos de um mesmo
processo histórico, ligado à criação e à forma de difusão da tecnologia moderna
(FURTADO, 2003:88).
Flávio Saes, citando Celso Furtado aponta que o subdesenvolvimento possui algumas
características:
Grande disparidade na produtividade entre as áreas rurais e urbanas, uma grande
maioria da população vivendo em um nível de subsistência fisiológica, massas
crescentes de pessoas subempregadas nas zonas urbanas etc. (FURTADO, apud
SAES, 2005:11)
Na obra Subdesenvolvimento e Estagnação da América Latina (1968), o autor começa
comparando a industrialização que resultou da revolução industrial com a industrialização que
surgiu do processo de substituição de importações, e logo em seguida faz uma análise das
consequências políticas que cada uma teve. Naqueles países em que o processo de
industrialização se deu pela revolução industrial, a dinâmica entre o progresso tecnológico e
crescimento dos salários reais fez com que a luta de classes resultasse em um cenário no qual
a racionalidade empresarial se harmonizasse com os interesses da coletividade. Porém a
América Latina não obteve esse quadro, sua industrialização ficou sobreposta a um mercado
de trabalho que se encontrava desestruturado, ou até mesmo uma população que vivia em
nível de subsistência. Como a indústria incorpora funções de produção poupadoras de mãode-obra, definidas em países em que o nível de salário real é mais elevado, a questão do
dualismo estrutural precisa ser levado em conta. O dualismo vai estabelecer a disparidade
entre a racionalidade empresarial e a possibilidade de elevar o nível de vida da população.
Segundo Furtado, a principal característica que diz a respeito a uma industrialização
levar ao país a alcançar o desenvolvimento e a outra não, foi que enquanto a luta de classes
dos países europeus, através da dinâmica entre aumentos de produtividade e crescimento dos
salários reais, encontrou uma solução no campo da técnica, as massas latino-americanas
foram ao encontro de um ambiente político que era incapaz de atendê-las.
Furtado vai criticar as políticas populistas e aquelas alternativas que enfatizam a luta
de classes. Para ele, a única alternativa positiva foi aquela que a política visava o resultado de
conseguir o crescimento econômico e a modernização social, mediante modificações no
34
processo de organização de produção que tornaria possível racionalizar a assimilação de
novas técnicas em função do interesse social. Ou seja, o planejamento é o ponto crucial desta
política, por isso deve ser mais propriamente denominada uma política de desenvolvimento.
Além de o processo substitutivo fazer com que ficasse impossível elevar o nível de vida da
população e diminuir a concentração de renda, fez com que fossem originados permanentes
desajustes entre as estruturas de oferta e de demanda, que por sua vez, alimentam as pressões
inflacionárias e a tendência à erupção de crises cambiais.
Publicado em 1973, a obra Da Substituição de Importações ao Capitalismo
Financeiro, de Maria da Conceição Tavares, encontramos um importante artigo: “Além da
Estagnação”, o qual foi escrito com a colaboração de José Serra. Esse artigo discorda do
pensamento de Furtado a respeito da tendência a estagnação. Para eles, o país conseguiria sim
crescer economicamente com a sua renda concentrada, já Furtado afirmava que a
concentração de renda levaria o país a uma condição de estagnação.
A principal crítica feita pelos autores, é que quando a tendência à estagnação é
associada ao fim do dinamismo do processo de substituição de importações, tal tendência
decorre da incompatibilidade entre o padrão de distribuição de renda e as tecnologias que são
usadas. O padrão de distribuição de renda acaba limitando o tamanho do mercado e as
tecnologias exigem grandes escalas de produção, uma contribuição grande de capital e pouca
utilização de mão-de-obra não-qualificada, fazendo com que a concentração da renda cresça
cada vez mais.
Para os autores, a queda das taxas de crescimento da economia brasileira, não
representa uma tendência que persiste à estagnação, e sim uma crise, que pode ser superada,
que levaria a transição a um novo modelo de desenvolvimento capitalista.
Para explicar o processo de estagnação, Furtado considera que a evolução crescente da
relação capital/produto é essencial, já Tavares e Serra afirmam que esta categoria é um
resultado do processo econômico e que não faz parte das contas que as empresas fazem, mas
sim constituindo “um parâmetro tecnológico em termos físicos e um resultado em termos de
valor para cada setor ou atividade em operação.” (TAVARES e SERRA, 1983:162).
O argumento de Furtado foi criticado no sentido de que o aumento da relação capitaltrabalho leva a um declínio da taxa de lucro e da acumulação. Para eles, o aumento da
produtividade do trabalho e o favorecimento dos lucros em detrimento dos salários podem
fazer com que aquele declínio seja evitado. Isso poderia resultar em um processo de
crescimento injusto.
35
O processo de substituição de importações encontrou seu limite e o "Plano de Metas"
teria tido papel semelhante a uma onda de inovações schumpeteriana, encontrando também o
seu limite. Porém, o declínio posterior do crescimento não tinha característica de uma
tendência secular e sim de uma baixa cíclica, que poderia sim ser combatida.
Tavares e Serra acreditam que a crise dos anos 60 foi à transição a um novo estilo de
desenvolvimento, com um novo esquema de concentração do poder e uma nova inserção
internacional. Segundo eles, o declínio das taxas de crescimento do PIB não significou
ausência de "expansão", porque esta ausência poderia também se dar mesmo sem um
crescimento, quando houvesse uma reordenação da economia, por exemplo, com o
surgimento de novas atividades dinâmicas.
Segundo eles, um novo modelo de desenvolvimento se formaria, os principais agentes
seriam o Estado e o capital estrangeiro, associados a novas formas de acumulação de capital,
mais propriamente financeiras. O esquema dualista anterior, no qual havia um setor atrasado
que era voltado ao mercado interno e um mais dinâmico mais ligado às exportações, também
seria modificado.
Porém, a heterogeneidade não seria eliminada e ela continuaria se aprofundando, com
uma contínua alteração de quais atividades acompanhariam a modernização. A expansão não
foi de molde a absorver ou liquidar atividades tradicionais nem a integrar a mão-de-obra delas
proveniente. A exclusão social que acabou sendo a resposta.
Com relação à renda, houve uma tendência à sua permanente redistribuição ou
reconcentração, através da qual coincidiu na geração de excedente necessário e a expansão
dos mercados. Isso resultou, por exemplo, na abertura do leque de salários.
Em Brasil: a construção interrompida (1992), Furtado afirma que a teoria do
subdesenvolvimento trata de situações em que aumentos de produtividade e assimilação de
novas técnicas não levam a um conceito de homogeneização social, mesmo causando a
elevação do nível de vida médio da população. A teoria do subdesenvolvimento tem como
princípio a visão de Prebisch do capitalismo como um sistema “centro-periferia”, onde havia
uma ruptura estrutural. Prebisch deu a essa ruptura estrutural o fato de que em algumas áreas
o progresso técnico se instalou bem devagar, concentrando-se em atividades que produziam
matérias-primas que eram determinadas à exportação.
O subdesenvolvimento é fruto de um desequilíbrio na assimilação das novas
tecnologias produzidas pelo capitalismo industrial, o qual favorece as inovações que
incidem diretamente sobre o estilo de vida. Essa proclividade à absorção de
inovações nos padrões de consumo tem como contrapartida o atraso na absorção de
técnicas produtivas mais eficazes. (FURTADO, 1992:41)
36
Pois os dois métodos de introdução técnicas modernas se apoiaram na acumulação.
Nas economias consideradas desenvolvidas há uma correspondência entre acumulação nas
forças produtivas e diretamente nos objetos de consumo. Elas são dependentes, pois o
crescimento de uma depende do avanço da outra. Resumindo, o subdesenvolvimento seria a
desarticulação entre o processo de acumulação nas forças produtivas e diretamente nos
objetos de consumo.
Países grandes e pequenos visam aumentar suas participações nos mercados
internacionais de manufaturas, que vêm aumentando muito mais do que a produção mundial
de bens manufaturados. Certos países subdesenvolvidos acabam conseguindo alcançar
importantes êxitos, devido à participação nesses mercados terem crescido bastante.
Atualmente o Brasil, sendo um país subdesenvolvido, exporta parte substancial de sua
produção manufatureira. Antes a substituição de importações estabelecia o formato inicial do
processo de industrialização, traduzindo até mesmo uma exigência histórica no momento em
que o mercado interno já não mais podia ser abastecido com produtos importados. Porém, a
partir dos anos 60 e 70, a industrialização do Brasil dirigiu para um caminho onde ele pôde
construir o mercado interno e conquistar espaço no mercado exterior.
Mas, segundo a teoria do subdesenvolvimento, sabe-se que a inserção inicia no
processo de difusão do progresso tecnológico pelo lado da demanda de bens finais de
consumo acaba levando a uma conformação estrutural que bloqueia a passagem do
crescimento para o desenvolvimento.
..., o subdesenvolvimento é uma variante do desenvolvimento, ou melhor, é uma das
formas que historicamente assumiu a difusão do progresso técnico (FURTADO,
1992: 47).
Analisando dados estatísticos, Furtado não tem dúvidas de que a tendência à
concentração de renda sempre persistirá em todas as fases da industrialização, quando esta for
precedida por um período de crescimento apoiado na exportação de produtos primários, a qual
vai construir a modernização, e quanto mais o crescimento econômico se acentua mais a
concentração
de
renda
se
intensifica.
Assim,
para
ele
“a
especificidade
do
subdesenvolvimento se manifesta conceitualmente na „teoria da pobreza‟” (FURTADO,
1992:52).
A “teoria da pobreza” estabelece que a população considerada pobre que existe em
uma economia reflete a distribuição de ativos no instante em que se tem o início do processo
de crescimento da produtividade e da natureza das instituições que regulam a acumulação de
ativos. Em outras palavras, onde a propriedade de terra está concentrada e o crédito é
37
monopolizado pelos proprietários da terra, a grande maioria dos que não possuem a terra, não
participam dos benefícios do crescimento, acarretando uma concentração da renda. Casos
esses dados estruturais não se modifiquem, necessariamente o aumento de produtividade vai
produzir uma crescente dicotomia social. Acaba sobrando para a população pobre colocar a
disposição sua força de trabalho, sendo esta considerada um bem de oferta elástica, o seu
preço será fixado no mercado em função de seu custo de reprodução, propagando assim, a
miséria.
Economistas ligados as Banco Mundial desenvolveram essas ideias para serem
utilizadas pelos técnicos dessa instituição que dão assistência aos governos dos países
subdesenvolvidos. Segundo eles, para que se haja o rompimento do círculo fechado da
pobreza é necessária que se faça uma estratégia de desenvolvimento, uma ação deliberada do
governo que seja capaz de modificar a “distribuição primária da renda” (apropriação do
produto antes dos impostos e transferências). A reforma agrária seria a solução para aumentar
a quantidade de ativos nas mãos dos pobres, ou então uma modificação do quadro
institucional, com a finalidade de que o fluxo de novos ativos também beneficie as pobres.
Irma Adelman 4 sugere que haja a combinação das duas estratégias advertindo com
persistência que a reforma agrária deve ser feita antes da implantação da política visando
aumentar a produtividade agrícola, e que substanciais investimentos na área de educação
devem proceder à política de incentivo à industrialização.
Mas o verdadeiro problema não é o que realmente deveria ser feito antes das
transformações estruturais que conduziram o processo de modernização, mas descobrir um
modo de sair da armadilha do subdesenvolvimento.
Ou aumentos de produtividade devidos à descoberta de vantagens comparativas na
agricultura já se deram há muito tempo, e os seus frutos foram há muito absorvidos
pela modernização. Por outro lado, o ingresso na industrialização também é coisa
antiga, e seu efeito indisfarçável foi aumentar o dualismo social (FURTADO, 1992:
54).
Por um lado, nas economias centrais, o progresso tecnológico gerou transformações
em suas estruturas, favorecendo a absorção de mão de obra das outras atividades e uma
acumulação de capital maior. Já por outro lado, a relação dualista centro-periferia trouxe para
estas uma situação bem adversa. Os termos de troca ficaram deteriorados devido a
4
Irma Adelman é uma famosa economista americana. Ela é professora do Departamento de Economia Agrícola
e de Recursos da Escola de Pós-Graduação da Universidade da Califórnia, em Berkeley, desde 1979. Ela fez
importantes contribuições na área da economia do desenvolvimento. Suas principais obras são Teorias do
Crescimento Econômico e Desenvolvimento (1961) e A Teoria e Projeto de Desenvolvimento Econômico
(1966).
38
permanência das economias periféricas no setor agrícola. Pois elas exportavam produtos
primários baratos e importavam produtos manufaturados caros, fazendo com que sua balança
comercial ficasse deficitária e os frutos do progresso tecnológico fossem perdidos.
Furtado passou a determinar o Brasil como uma economia subdesenvolvida de grau
superior, pois a atividade agrícola de exportação passou a conviver com o núcleo industrial
que estava ligado ao mercado interno.
Segundo Bielschowsky, Celso Furtado fez três importantes contribuições ao
estruturalismo, e todas elas estão relacionadas com a ideia de subdesenvolvimento e com a
relação de crescimento e distribuição de renda. Tais contribuições partem do problema de
desequilíbrio externo permanente causado pela elevada elasticidade da renda de importações.
A primeira contribuição é que, Celso Furtado acrescentou uma perspectiva histórica de
longo prazo ao estruturalismo. Isso está em Formação Econômica do Brasil, o qual o autor
mostra que durante séculos e vários períodos de crescimento e retração (nos ciclos da cana, da
mineração e do café), foi se produzindo e reproduzindo a dualidade ou, a heterogeneidade
econômica-social, como a baixa diversidade produtiva.
A segunda foi que na obra Desenvolvimento e subdesenvolvimento, Furtado introduziu
a discussão sobre a dificuldade que os setores urbanos modernos possuem em absorver a
abundante força de trabalho que chega do campo.
A terceira contribuição se dá pela argumentação que a concentração de renda e de
propriedade acaba predeterminando a composição setorial do investimento e as escolhas
tecnológicas. Sendo assim a fração moderna da estrutura produtiva na América Latina é
levada a um grau de intensidade de capital semelhante aquele praticado nos países
desenvolvidos. A partir daí Furtado explica o motivo pelo qual a situação de dualidade tende a
se conservar caso não haja uma redistribuição de renda.
4.2. A distribuição de renda como alternativa
Nos anos de 1960, Furtado sistematiza suas ideias a respeito da industrialização ser a
alavanca para a superação do subdesenvolvimento, e, convivendo com a crise, a inflação e a
estagnação da economia brasileira, percebe que há um problema estrutural da realidade das
economias latino-americanas: o histórico problema da má distribuição de renda e o fato de a
industrialização por substituição de importações ter agravado o problema ao invés de
39
solucioná-lo. Assim, passa a estabelecer a distribuição primária da renda como um elemento
central da sua teoria do desenvolvimento econômico e da superação do subdesenvolvimento.
A “teoria da pobreza”, assim tratada por Irma Adelman, fornece subsídios a políticas
de desenvolvimento que tem como objetivo eliminar a pobreza nos países do Terceiro Mundo
em processo de industrialização. E a partir daí são apresentados dois resultados.
Tais resultados afirmam que seriam necessárias duas distribuições básicas de “ativos”
entre a população que vai ser submetida a um processo de desenvolvimento econômico
capitalista: distribuição da propriedade da terra e capital humano, sendo que essas duas
distribuições devem ser realizadas antes do processo de industrialização no país. Ou seja, são
distribuições que vão preceder o processo de crescimento econômico, e farão com que seus
frutos e acréscimos de produtividade do trabalho social possam sofrer uma distribuição entre a
população, de tal forma que o crescimento da desigualdade social característico desse
processo seja evitado, conseguindo diminuir ou até mesmo impedir a expansão da exclusão
social e da pobreza. Furtado afirma essa orientação em Brasil: a construção interrompida
comentando os resultados dos trabalhos da “teoria da pobreza”, para ele a tendência a
concentração de renda persiste em todas as fases de industrialização, quando esse fase é
precedida por um crescimento derivado da exportação de produtos primários.
A distribuição desses dois “ativos” entre a população pode melhorar a distribuição
primária da renda. Segundo a conclusão de Adelman e Furtado, a distribuição primária da
renda não é somente o resultado da distribuição-apropriação do produto antes dos impostos e
das transferências, é também a compreensão de que a distribuição de renda que deriva da
distribuição originária dos ativos sociais entre a população no período que antecede a
intervenção de políticas de desenvolvimento.
É preciso que qualquer estratégia de desenvolvimento passe necessariamente por
reformas sociais que consigam atingir a distribuição primária da renda e dinamizar o mercado
interno, interrompendo assim, o círculo fechado da pobreza.
Considerando as palavras de Furtado (2003:103), “O desenvolvimento é a
transformação do conjunto das estruturas de uma sociedade em função dos objetivos que se
propõe
alcançar
essa
sociedade.”
A
superação
do
subdesenvolvimento
implica
necessariamente em reformas sociais amplas desde a tributação progressiva, que arrecade
mais de quem ganha mais e menos de quem ganha menos, à reforma agrária e a atenção às
desigualdades regionais do país.
Considerando o fator cultural sendo um determinante para o subdesenvolvimento, esta
fase foi determinada pela desilusão de Celso Furtado quanto a prática de somente os fatores
40
econômicos serem capazes de promover o desenvolvimento econômico brasileiro. Em seus
últimos escritos, principalmente a partir da década de 1980, Furtado percebe que a
desigualdade na distribuição da renda é um grande limitador ao desenvolvimento brasileiro.
Para o autor, a questão cultural é essencial. Haveria, assim, na sociedade brasileira o mito ou
objetivo de reproduzir os padrões de consumo dos países desenvolvidos. Contudo, a renda per
capita nacional sempre foi bem menor que a dos países do primeiro. Dessa forma, a única
maneira de reproduzir os padrões de consumo de sociedades como a americana, seria a
desconcentração de renda. Assim, o autor argumenta que o problema do desenvolvimento é
também cultural e passaria, também, pela reafirmação de uma cultura nacional autônoma e
independente.
Na obra Ensaios sobre cultura e o Ministério da Cultura (2012), Furtado fala da
relação economia e cultura, e para ele, nas sociedades em que se introduziram no comércio
internacional como sendo exportadoras de produtos primários e que depois passaram pelo
processo de industrialização com base na substituição de importações, tiveram a acumulação
de bens culturais comandada do exterior em função daqueles que comandam as transações
internacionais. “A coerência interna desses sistemas de cultura é precária” (FURTADO,
2012:111). Assim, o desenvolvimento material dos países que tem suas economias
dependentes, acaba acarretando em um elevado desgaste dos seus valores culturais.
Seu livro Desenvolvimento e subdesenvolvimento (1961) é reformulado e republicado
sobre o título Teoria e Política do Desenvolvimento Econômico em 1967. Ainda durante a
década de 1960, Celso Furtado começa a perceber que a proposta inicial para a superação do
subdesenvolvimento contida no pensamento da Cepal e de suas primeiras obras,
principalmente Formação Econômica do Brasil (1959), não se adequavam mais a realidade
latino-americana. A ideia inicial de que a industrialização seria a chave para a superação do
subdesenvolvimento não correspondia à realidade. Uma parte das economias latinas haviam
se industrializado durante as décadas anteriores a de 1960, porém continuavam
subdesenvolvidas e dependentes.
Na América Latina o desenvolvimento induzido pela revolução industrial na Europa
e nos Estados Unidos foi suficiente para transformar parte dos sistemas econômicos
herdados da época colonial, mas totalmente insuficiente para criar sistemas
econômicos autônomos, capacitados para autogerar o crescimento. Dessa forma, a
América Latina permaneceu como simples 'periferia' das economias industriais
desenvolvidas numa fase avançada, quando os mercados de produtos primários
haviam perdido o seu vigor de expansão inicial e estavam longe de poder gerar o
impulso dinâmico de que necessitava. (FURTADO, 1968:38).
41
Assim, no livro Teoria e Política do Desenvolvimento Econômico (1967), Furtado
começa a estabelecer uma relação importante entre desenvolvimento econômico e distribuição
de renda. Para ele, essencialmente, o processo de desenvolvimento econômico depende
minimamente de um processo amplo de distribuição primária da renda que permita um maior
dinamismo do mercado interno que garanta uma dinâmica econômica independente.
É que em razão de inadequadas dimensões dos mercados internos e de situações
monopólicas que essas dimensões inadequadas acarretam, a implantação de
indústrias de bens de capital no quadro da industrialização substitutiva provocam
forte elevação nos preços relativos desses bens, o que reduz a capacidade de
investimento por unidade de poupança, medida esta última em termos de poder
aquisitivo de bens de consumo. Em fase subsequente, as indústrias de bens de
consumo absorvem os custos mais altos dos equipamentos e o declínio da
produtividade se propaga ao conjunto da economia. Configura-se, por conseguinte, a
tendência inversa àquela que observamos na fase clássica do desenvolvimento
capitalista, durante a qual a penetração da técnica permitiu reduzir os custos
relativos dos equipamentos, facilitando a absorção do excedente estrutural de mãode-obra. (FURTADO, 1968:10-11)
No caso latino-americano, nem a penetração do progresso técnico opera no sentido
de facilitar a solução de conflitos sociais de natureza substantiva, nem as massas que
se acumulam nas grandes cidades estão necessariamente estruturadas em classes
com nítida consciência de seus interesses. A transposição direta desses esquemas
ideológicos criou inflexibilidades mentais que tanto dificultam a percepção do
processo histórico latino-americano, como obstaculizaram a formação de um
pensamento político capaz de desempenhar na região o papel que as ideologias
liberal e socialista tiveram no aperfeiçoamento das instituições políticas das
sociedades industriais modernas (FURTADO, 1968:13-14).
É na obra Um projeto para o Brasil (1969) que Furtado vai desenvolver um plano
estratégico de políticas públicas a serem tomadas para poder alcançar uma condição de
desenvolvimento econômico pelo Brasil e fará uma análise mais profunda da questão do
atraso tecnológico do país. A principal política econômica seria a industrialização como o
melhor meio para um país alcançar o desenvolvimento. Porém um obstáculo para isso ocorrer
seria o atraso tecnológico do país.
No caso do Brasil, o problema estrutural da indústria está no fato que o país foi
historicamente formado por um conjunto de indústrias oligopolistas que fazem com que haja
um distanciamento do que se compreende por capitalismo concorrencial baseado na disputa
de preços. Esse tipo de capitalismo é caracterizado por um grupo de empresas que controlam,
entre elas, os setores de produção mais importantes da economia, planejando suas produções e
concorrendo entre si por meio de inovações tecnológicas, e com isso afastando cada vez mais
a disputa por preços. Celso Furtado chamou esse processo de planejamento de preços que são
controlados pelas grandes empresas e seguidos pelas outras.
42
O progresso tecnológico acaba gerando um aumento de produtividade, porém, esse
aumento não é revertido em diminuição de preços para os consumidores, o que faria que suas
rendas aumentassem e o mercado consumidor de expandisse. Isso não acontece porque o
aumento da produtividade é revertido em aumento de salário, que faz com que seja gerado um
aumento de poder de compra desse grupo assalariado e proporcional ao aumento da
produtividade.
Entretanto, nos países que possuem economias subdesenvolvidas, existe mão de obra
ociosa excessiva, o que faz com que esse grupo de empresas mantenham os preços dos
produtos e não elevem o salário, sendo assim todo esse processo acaba gerando uma
concentração de renda. Ou seja, a evolução da estrutura da indústria do Brasil e o progresso
tecnológico provocam a concentração de renda e assim, fazem o fluxo de salários criados pelo
setor industrial diminuir com relação ao que ele produzia.
Furtado, tentando solucionar esses problemas que o país possuía, esboçou alguns
planos de medidas a serem seguidos. Um desses planos se relaciona com o que ele chamou de
inadequação do perfil da demanda global. Ele reconheceu que para alterar a estrutura de uma
economia dependente, seria necessária uma centralização das decisões de investimentos,
porém essa centralização não poderia ser total. O maior problema está no fato de que essa
centralização das políticas de indução dos investimentos é feita pelo Poder Público por meio
de um sistema de subsídios, implícitos na política de câmbio, na política fiscal e na política de
preços e de salários.
Essas políticas que o Poder Público exerce, aceleram o desenvolvimento até certo
ponto, mas por outro lado elas fazem a concentração de renda aumentar cada vez mais. Essa
concentração de renda gerada é em virtude do sistema de preços que são administrados, que
fazem com que o repasse dos benefícios ao consumidor não sejam permitidos, e tudo isso faz
com que cada vez mais surgem mais obstáculos para o desenvolvimento progrida.
A grande questão é como controlar o perfil da demanda, pois de um lado ela precisa
maximizar as transformações das estruturas, por outro lado aumentar a assimilação do
progresso técnico, e por outro, gerar uma massa de poupança requerida para o
desenvolvimento.
Todas essas políticas pensadas por Furtado para alterar o perfil da demanda, se
convergem para um dos principais problemas do país que lhe impede de alcançar o
43
desenvolvimento, a concentração de renda. Seu principal foco é desconcentrar a renda das
classes mais ricas da sociedade e modificar o perfil da demanda dessas classes. Para isso
ocorrer deve-se aumentar os tributos dos produtos consumidos por essas classes, e por meio
dessa política alterar o perfil da demanda global, com base no nível de utilização da renda.
No caso do Brasil, o correto seria que o sistema tributário e de gasto fossem
redistributivos, porém em nosso país o sistema tributário é regressivo, o que acaba afetando
negativamente a distribuição de renda.
Segundo Jorge Abrahão de Castro, Ex-Diretor da Diretoria de Estudos e Políticas
Sociais (Disoc) do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a carga tributária é mais
pesada para os décimos de menor renda (32% para o 1º décimo de renda) e mais leve para os
décimos de maior renda (21% para o último décimo da renda). Ou seja, essa situação é
explicada por um grande desequilíbrio entre o volume que é por meio de tributos diretos,
renda e patrimônio, que acabam tendendo a ser progressivo, isso, quando se compara com o
arrecadado por meio de tributos indiretos, consumo e circulação de mercadorias, que acabam
tendendo a serem regressivos. Mesmo que o ônus do tributo direto for em escala crescente a
medida que a renda aumenta, acaba que no final o seu efeito não vai ser suficiente para
contrabalancear o grande impacto dos tributos indiretos sobre a renda das famílias mais
pobres.
Quando se trata do processo de globalização, Furtado defende a ideia de que as
instituições estatais devem se manter preservadas e aperfeiçoadas para que mantenham as
políticas econômicas sempre orientadas aos interesses nacionais. Essa ideia não consiste em
restringir o campo de ação dos grandes grupos das empresas transnacionais, mas sim fazê-las
submeter às políticas econômicas nacionais. Tais políticas econômicas sociais devem sempre
estar voltadas para: o mercado interno, ao bem-estar social, à criação de empregos e à
desconcentração de renda.
Quando as empresas transnacionais não se submetem às políticas econômicas
nacionais, o Brasil vai ter seus interesses políticos controlados por elas, o que fará com que a
concentração de renda cresça cada vez mais em favor dos países criadores de tecnologias.
Caso as políticas de endividamento externo continuem, nossas riquezas serão absorvidas e o
processo de desenvolvimento do país se deteriorará cada vez mais.
Celso Furtado ao escrever sua obra, Um projeto para o Brasil (1968), também
argumenta o fato de que a elevada desigualdade da distribuição de renda influencia o país a
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ter um perfil de demanda global que acaba inibindo o crescimento econômico. Mostra
também como a tendência estrutural para a concentração vai favorecer o subemprego de
fatores, que é algo característico de economias subdesenvolvidas. Para ele a concentração de
renda causa uma enorme diversificação das formas de consumo de grupos privilegiados, e
isso beneficia as indústrias produtoras de bens de consumo duráveis, porém as dimensões
reduzidas do mercado de cada produto vão impedir o aproveitamento das economias de
escala, o que fará com que estas indústrias operem com custos relativamente altos.
Seus argumentos são ilustrados com dados esquemáticos sobre a distribuição de renda
no Brasil, citando seu trabalho feito na Cepal. Ele mostra que 1% mais ricos e os 50% mais
pobres vão se apropriar das mesmas parcelas da renda nacional, de 18,6%. De acordo com
esses dados, os 10% mais ricos ficariam com 41,3% da renda nacional. Furtado também
utiliza os dados da PNAD de 1999 e confirma que na distribuição das pessoas residentes em
domicílios particulares conforme seu rendimento familiar per capita, as frações da renda total
apropriadas pelos 50% mais pobres foi de 12,3%, pelos 1% mais ricos foi de 13,3% e pelos
10% mais ricos foram de 47,4%. Por isso que em 1968 Furtado considera que a concentração
de renda seria o maior obstáculo que o país tinha para se desenvolver.
Ao escrever Criatividade e Dependência na civilização industrial em 1978 e
republicado em 2008, Furtado, além de estar preocupado com o desenvolvimento econômico,
o pleno emprego e a repartição da renda também preocupa-se com o próprio destino do
homem e a realização da sua liberdade. Segundo Luiz Carlos Bresser, ele não tenta fazer uma
“receita” para ser seguida e solucionar esses problemas, mas sim afirma que é uma luta diária
e uma análise dialética permanente.
Nessa obra ele diz que de certa forma, todos os mercados são “imperfeitos” e por
causa disso as atividades de intercâmbio causam um processo de concentração de riqueza e
poder. A partir dessa ideia que vêm a tendência estrutural para a formação de grandes
empresas.
[...] a evolução social, nos países capitalistas que lideram a civilização
industrial, opôs ao crescente poder das empresas formas cada vez mais eficazes de
organização social que pressionam no sentido de uma distribuição mais próxima de
uma renda igualitária. Essa evolução aparece com transparência em países como a
Suécia, onde ao lado de gigantescas empresas que comandam os setores mais
dinâmicos da vida econômica perfilam-se poderosas organizações sociais com
ponderáveis projeções políticas (FURTADO, 2008:47).
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5. Considerações Finais
Analisando as principais obras de Celso Furtado, percebemos que a partir de seus
escritos dos anos de 1960, ele apresenta um pensamento inovador a respeito da relação entre o
processo de desenvolvimento econômico e a distribuição da renda, sendo tal tema essencial
para compreendermos melhor a realidade econômica do Brasil que até nos tempos de hoje é
um dos países mais desiguais do mundo.
Em 1949, quando Furtado entrou para a Cepal, suas ideias foram bastante
influenciadas por Raúl Prebisch, o qual havia sugerido uma solução para o problema da
deterioração de intercâmbio da periferia, sugerindo uma industrialização dirigida pelo
governo, a qual iria reter os frutos do progresso técnico, aumentar a produtividade e o nível de
renda, levando assim benefícios para a população do Estado.
Já com as ideias estruturalistas do pensamento cepalino, quando Furtado volta ao
Brasil na década de 1950, analisa a realidade brasileira e latino-americana, e se volta à ação e
compreensão da necessidade da industrialização. Na teoria, uma de suas preocupações era
explicar as raízes da formação histórica brasileira e assim encontrar meios para impulsionar a
industrialização e superar o subdesenvolvimento.
Um de seus argumentos era que o subdesenvolvimento na periferia era resultado de
uma economia de estrutura heterogênea, então o desenvolvimento dos países periféricos seria
resultado de uma homogeneização dos níveis de produtividade dos seus sistemas econômicos;
sendo que essa homogeneização só seria alcançada apenas com um processo de
industrialização, tendo em vista uma expansão insuficiente dos mercados de exportação.
Na década de 1960, o Brasil é marcado por um quadro de crise econômica, estagnação
e inflação, ou seja, não conseguindo assim alcançar o desenvolvimento, apesar de ter se
industrializado. A partir de tais resultados, Furtado conclui que a industrialização brasileira
não foi capaz de resolver um dos problemas estruturais mais básicos da nação, a má
distribuição de renda. Ao contrário, a industrialização por substituição de importações
agravou o problema e tendeu a concentrar ainda mais a apropriação da renda nacional.
Tentando esquematizar uma ideologia do desenvolvimento, o autor argumenta que o
subdesenvolvimento de um país não pode ser visto como uma fase do processo do
desenvolvimento, e sim como um fenômeno da história moderna, contemporâneo do
desenvolvimento. Ou seja, como o subdesenvolvimento e o desenvolvimento são processos da
mesma época das economias desenvolvidas, e são resultados do processo de formação de um
sistema econômico de base mundial, os países subdesenvolvidos não deveriam repetir as
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experiências dos países desenvolvidos, uma vez que eram estruturalmente bem diferentes. A
América Latina, por exemplo, apresenta condições históricas que faz com que fique inviável
implementar um “projeto” de desenvolvimento que prevê instalações de multinacionais em
seus países.
A vinda de uma empresa ou um novo produto vindo do estrangeiro, que traga uma alta
produtividade e lucratividade por meio da exportação, provoca alterações na economia do país
subdesenvolvido, fazendo com que fique mais difícil transformar suas estruturas econômicas.
Quando um setor pré-capitalista de caráter semifeudal é combinado com um setor
industrial que absorve uma tecnologia caracterizada por um coeficiente de capital crescente,
acaba dando origem a um padrão de distribuição de renda que tende a encaminhar a uma
aplicação de recursos produtivos de forma a diminuir a eficiência econômica destes recursos e
concentrar cada vez mais a renda, tal processo fica acontecendo de modo circular.
Depois que Furtado viu que a industrialização atingiu muitas sociedades e mesmo
assim o subdesenvolvimento permaneceu, ele passou a se preocupar mais em entender a
dinâmica do processo de industrialização, do que dizer que a industrialização era a única
solução para os países latino-americanos superarem o subdesenvolvimento. No conceito de
industrialização subdesenvolvida, temos que a industrialização avançou substancialmente na
periferia, mas foi incapaz de distribuir seus ganhos de produtividade para a massa de
trabalhadores por meio de salários mais elevados. Resumindo, a industrialização não levou
necessariamente ao desenvolvimento.
Quando Furtado analisa dados estatísticos, não lhe restam dúvidas de que a tendência à
concentração de renda sempre persistirá em todas as fases da industrialização, quando esta
fase for precedida por um período de crescimento apoiado na exportação de produtos
primários, a qual vai construir a modernização, e quanto mais o crescimento econômico se
acentua mais a concentração de renda se intensifica. Assim, para ele “a especificidade do
subdesenvolvimento se manifesta conceitualmente na „teoria da pobreza‟”.
Enquanto a propriedade de terra está concentrada e o crédito é monopolizado pelos
proprietários da terra, a grande maioria dos que não possuem a terra, não participam dos
benefícios do crescimento, acarretando uma concentração da renda.
Alguns economistas acreditam que para se romper o círculo fechado da pobreza é
necessária que se faça uma estratégia de desenvolvimento, uma ação deliberada do governo
que seja capaz de modificar a “distribuição primária da renda”. Uma solução para aumentar a
quantidade de ativos nas mãos dos pobres seria uma reforma agrária, ou outra opção, seria
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uma modificação do quadro institucional, com a finalidade de que o fluxo de novos ativos
também beneficie as pobres.
Quando Irma Adelman sugere que haja a combinação dessas duas estratégias, ela
adverte que a reforma agrária deve ser feita antes da implantação da política visando aumentar
a produtividade agrícola, e que substanciais investimentos na área de educação devem
proceder à política de incentivo à industrialização.
Irma Adelman e Celso Furtado concluem que a distribuição primária da renda não é
somente o resultado da distribuição-apropriação do produto antes dos impostos e das
transferências, é também a compreensão de ser a distribuição de renda que deriva da
distribuição originária dos ativos sociais entre a população no período que antecede a
intervenção de políticas de desenvolvimento.
Necessariamente, é preciso que qualquer estratégia de desenvolvimento passe por
reformas sociais que consigam atingir a distribuição primária da renda e dinamizar o mercado
interno, interrompendo assim, o círculo fechado da pobreza.
O foco principal é desconcentrar a renda das classes mais ricas da sociedade e
modificar o perfil da demanda dessas classes. Para isso ocorrer os tributos dos produtos
consumidos por essas classes devem aumentar, e por meio dessa política alterar o perfil da
demanda global, com base no nível de utilização da renda.
Furtado vai então, estabelecer uma importante relação entre desenvolvimento
econômico e distribuição de renda. Para ele, essencialmente, o processo de desenvolvimento
econômico depende minimamente de um processo amplo de distribuição primária da renda
que permita um maior dinamismo do mercado interno que garanta uma dinâmica econômica
independente.
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