Entre a Economia e a política – os conceitos de periferia e desenvolvimento em Celso Furtado Vera Alves Cepêda Resumo: A obra de Celso Furtado cruza a economia, a história e a política estruturada na coerência de método, de argumentação e de fidelidade teórica e política. Neste artigo analisa-se algumas contribuições conceituais fundamentais no pensamento desse autor nessa interface de áreas, assinalando seu enorme potencial explicativo sobre o tema do subdesenvolvimento e tese desenvolvimentista. Da dimensão histórica, destacamos a questão da periferia como base do tema da interpretação do Brasil. Na dimensão da economia política procuramos demonstrar como na tese de Furtado a questão econômica orienta-se, em grande medida, pelo problema político e, de maneira inédita, torna-se parte lógica-estrutural da teoria da Economia Política do Desenvolvimento. Resumo Expandido: Este artigo procura analisar alguns pontos fundamentais da produção intelectual de Celso Furtado, em especial o cruzamento das dimensões histórica, econômica e política na construção de sua teoria do subdesenvolvimento e projeto de desenvolvimento. Um primeiro argumento pauta-se exatamente pela distinção, nem sempre tornada clara nas análises sobre o autor, entre a questão do subdesenvolvimento e a proposta de desenvolvimento - teses complementares, mas diversas. A Teoria do Subdesenvolvimento tem como eixo o exame acurado, pautado pelo método históricoestruturalista, da formação da sociedade brasileira. Debruça-se sobre a herança colonial, o passado que construiu as bases do atraso e o teto limitador do desenvolvimento nacional (econômico e ou político) sob a batuta das restrições legadas pelo modelo primário-exportador. É, em suma, um diagnóstico. Já a Teoria do Desenvolvimento, apoiada na interrogação rigorosa das limitações estruturais do subdesenvolvimento em situação de take off, procura arquitetar as estratégias de sua superação, incidindo não somente sobre as perspectivas de mudança e construção do futuro, como também o faz sob a situação particular do modelo subdesenvolvido. É um prognóstico e, principalmente, uma teoria nova sob as possibilidades do funcionamento do capitalismo em situação periférica. Tomando-se essa dupla dimensão, essas duas contribuições, o objetivo deste artigo é analisar como nas teses furtadianas o conceito de periferia foi fundamental para repensar a dimensão histórica, afastando-se de uma visão natural e universal de uma História única e forjando uma especificidade determinada pelas condições particulares da colônia em seu arranjo produtivo responsivo às demandas da metrópole. A síntese dessa abordagem histórica da situação periférica aparece em Furtado - como em outros autores do pensamento social brasileiro – como uma interpretação. Mas diferentemente de teses anteriores que problematizaram o atraso da herança colonial a partir de temas como o cadinho das raças, o clima, a cultura, as instituições ou o ethos, em Furtado a formação do subdesenvolvimento é compreendida pelas pelas limitações impostos pela estrutura econômica. A própria percepção de periferia enquanto situação histórica revela a conformação estrutural da posição desses países no desenho do comércio internacional – a função primário-exportadora. A tese do subdesenvolvimento é um cruzamento inovador entre a história, a economia e com resultados políticos nefastos: a subalternidade nacional e a lei de ferro do círculo vicioso do subdesenvolvimento. Embora preciso e teoricamente estruturado a formulação do subdesenvolvimento volta-se ao passado. Já a concepção do desenvolvimentismo é uma proposta de superação, visando o futuro. Dada a brecha histórica dos anos 50, de internalização dos centros decisórios (como resultado do surto de industrialização nacional posterior às crises de 1914 e 1929), era possível detectar quais os gargalos herdados da estrutura do subdesenvolvimento que impossibilitavam o salto para a consolidação do modelo industrial e o aprofundamento do desenvolvimento. O enfrentamento destes estrangulamentos, não mais analisados no registro da formação mas como obstáculos, realinham a associação entre a história, economia e política. A brecha é chance de superação do legado do atraso (uma transição histórica), o problema é econômico e as ferramentas são da ordem da política: planejamento e Estado no desenho da nação. A dimensão política aparece aqui nitidamente revelada no processo de produção de uma vontade coletiva de transformação, ao mesmo tempo que invocamse investimentos e ações que tomam como protagonista, como Sujeito, o Estado. Neste sentido, somente pela ação política orientada pela técnica do planejamento é que a superação do subdesenvolvimento seria possível. Muito embora nasça de uma abordagem que eleja no primeiro lance de análise o tema econômico a lógica interna da argumentação é fundamentalmente política: o atraso econômico impede a realização da nação e para realizá-la é necessário transformar a economia.”(...) a industrialização não era apenas um meio de utilizar mão-de-obra redundante, mas essencialmente o instrumento que estava cimentando a nacionalidade. Já não se tratava de discutir sua oportunidade ou conveniência, e sim de partir dela para liberar o país dos resquícios do passado colonial.” (Furtado, A Fantasia Organizada. 1985, p: 71). Em Furtado a economia é o locus que sustenta o objetivo do desenvolvimento, mas há em sua argumentação um outro desdobramento político: o da constituição de um projeto de repartição da riqueza social, da participação e controle político. Este é o segundo momento analítico deste artigo, que procura desvendar o sentido do desenvolvimento e seu telos político.