[Digite texto] ABSCESSOS CERVICAIS Os abscessos cervicais profundos são coleções que se alojam em espaços delimitados por planos fasciais. O entendimento da anatomia desta região ajuda no diagnóstico do foco de infecção e de suas rotas de disseminação. No passado, as infecções da região cervical representavam um risco importante de morte, entretanto, com o advento e o aperfeiçoamento da antibioticoterapia, dos métodos diagnósticos por imagem, e a intervenção cirúrgica precoce, as taxas de mortalidade têm caído significativamente. Apesar disso são infecções de evolução potencialmente grave, e ainda apresentam uma morbidade elevada, podendo evoluir rapidamente para complicações graves como a insuficiência respiratória, empiema pleural, pericardite, trombose venosa, rupturas arteriais, choque séptico e mediastinite, sendo a taxa de mortalidade ao redor dos 40 a 50% neste último caso. Dessa forma tornase essencial ao otorrinolaringologista estar alerta para realizar o diagnóstico precoce e o tratamento adequado destas infecções. 1. Etiologia O foco infeccioso inicial pode estar em qualquer região cervicofacial. Na era pré-antibiótico, 70% dos casos apresentavam como foco infecções faríngeas e adenotonsilites, sendo o espaço parafaríngeo o mais envolvido. Atualmente, as infecções odontogênicas parecem ser o foco inicial mais comum em adultos, respondendo por cerca de 30% dos casos, geralmente apresentando disseminação direta, sendo o espaço submandibular o mais acometido. Outras etiologias freqüentes são as infecções das glândulas salivares, trauma, corpos estranhos, complicações iatrogênicas (por exemplo, de endoscopia digestiva alta) e complicações de infecções superficiais. Na população pediátrica, as infecções de vias aéreas superiores (IVAS) e as tonsilites continuam sendo as origens mais comuns, podendo haver disseminação direta, como no abscesso periamigdaliano secundário a uma amigdalite, ou indireta, como no abscesso retrofaríngeo por infarto ganglionar após IVAS. Cerca de 20% dos casos não apresentam foco inicial definido, e acredita-se que, em parte destes casos, a infecção seja originária de deformidades congênitas não diagnosticadas. Atualmente, o uso de drogas endovenosas representa uma causa crescente de abscessos cervicais. O uso de seringas contaminadas, aplicadas nos vasos cervicais profundos, violando a proteção das fáscias cervicais, representa grande risco de complicação. 2. Anatomia da Fáscia Cervical A apresentação clínica, disseminação e o tratamento dos abscessos cervicais profundos são baseados na configuração anatômica da fáscia cervical. A fáscia cervical é constituída por tecido conectivo, variando entre um tecido areolar frouxo e um tecido fibroso mais denso e resistente. Pode ser dividida em camada superficial e outra profunda, esta última subdividida em superficial, média e profunda (figuras 1, 2 e 3). 1 [Digite texto] Figura 1: Corte sagital mediano do pescoço. Figura 2: Corte axial ao nível da glândula tireóide. Figura 3: Anatomia cervical. Fonte: Netter. Atlas digital. 2.1 Fáscia cervical superficial (FCS) É composta de um tecido subcutâneo equivalente ao tecido subcutâneo de todo o corpo e forma um revestimento contínuo da cabeça e pescoço para o tórax, ombros e axila. Envolve o M. platisma e estende-se superiormente envolvendo a musculatura da mímica facial. É separada da fáscia cervical profunda por um espaço virtual no qual se encontram a V. Jugular Externa, linfonodos superficiais, nervos e outros vasos menores. No pescoço a gordura é relativamente frouxa, mas na face a gordura é muito mais densa, exceto na região das pálpebras onde novamente se torna frouxa tanto superficial quanto profundamente ao M. orbicular do olho. No escalpe, o tecido subcutâneo é denso e contém o M. epicrânio em sua porção mais profunda. Abaixo da aponeurose do M. epicrânio e entre ela e o pericrânio há um tecido areolar frouxo que permite a movimentação desse músculo e que, assim como o tecido sobre as pálpebras, pode acumular grande quantidade de líquido. A pele, a fáscia cervical superficial e o platisma funcionam como uma unidade morfológica complexa. Dentro da FCS está um sistema de tecido de fibras conectivas finas e elementos musculares menos definidos chamado de sistema músculo-aponeurótico superficial (SMAS). Apesar dos músculos da mímica facial serem considerados como uma unidade funcional à parte, o SMAS relaciona-se com esses músculos e os conecta com a derme. Portanto o SMAS amplia o efeito da contração da 2 [Digite texto] musculatura da mímica facial na pele. Desse modo, o SMAS é uma unidade funcional importante na cirurgia cérvico-facial funcional. 2.2 Fáscia cervical profunda (FCP) Corresponde às camadas de fáscia que envolvem a musculatura do pescoço. É subdividida em: Camada superficial da fáscia cervical profunda (CSFCP) Camada média da fáscia cervical profunda (CMFCP) Camada profunda da fáscia cervical profunda (CPFCP) 2.2.1 Camada superficial da fáscia cervical profunda (CSFCP) A camada superficial da fáscia cervical profunda, também conhecida como fáscia de revestimento, se origina do processo espinhoso dos corpos vertebrais e se estende circunferencialmente ao redor de todo pescoço, envolvendo os músculos esternocleidomastoideo e trapézio. Na linha média, adere-se ao osso hióide e continua superiormente para envolver as glândulas submandibulares e parótida. Nesta região também envolve os ventres anteriores do músculo digástrico e o M. milo-hióideo, formando o assoalho do espaço submandibular. Na mandíbula, divide-se em uma camada interna que recobre a superfície medial do músculo pterigóide medial até a base do crânio, e uma camada externa que reveste o masseter e se insere no arco zigomático. Ela forma o espaço cervical do trígono posterior do pescoço e o espaço supra-esternal na linha média do pescoço. O espaço supraesternal contém gordura e uma veia comunicante entre a V. jugular anterior direita e esquerda, que se for lesada inadvertidamente durante a traqueotomia pode causar sangramento considerável. 2.2.2 Camada média da fáscia cervical profunda (CMFCP) A camada média da fáscia profunda do pescoço também é conhecida como fáscia visceral, prétireoide ou pré-traqueal. Apresenta duas divisões: • Muscular: envolve a musculatura infra-hioide Sua inserção superior se dá no osso hioide e na cartilagem tireóide, e sua inserção inferior, no esterno e na clavícula. • Visceral: envolve as vísceras anteriores do pescoço (faringe, laringe, esôfago, traquéia e glândula tireoide). Estende-se inferiormente até o mediastino superior, onde se continua com o pericárdio e recobre o esôfago e a traquéia torácica. Subdivide-se em fáscia bucofaríngea, que recobre o músculo bucinador e constritores da faringe até a base do crânio, e fáscia pré-traqueal, que reveste a parte cervical da via aérea (traquéia, M. tireohióideo e glândula tireoide). 2.2.3 Camada profunda da fáscia cervical profunda (CPFCP) A camada profunda se origina no processo espinhoso das vértebras cervicais. No processo transverso, divide-se em: • Alar: divisão anterior. Estende-se da base do crânio até a segunda vértebra torácica, onde se une a fáscia visceral. • Pré-vertebral: divisão posterior. Situa-se anteriormente aos corpos vertebrais e se estende até o cóccix. Recobre os músculos vertebrais, músculos profundos do trígono posterior e escalenos. Envolve ainda o plexo braquial, a A. subclávia e continua lateralmente como fáscia axilar. 2.2.4 Bainha carotídea A bainha carotídea é formada pelas três camadas da FCP e envolve a artéria carótida, a veia jugular interna e o N. vago. Ela se estende da base do crânio através do pescoço na superfície anterior da fáscia pré-vertebral e entra no tórax posteriormente à clavícula. 3 [Digite texto] 3. Anatomia dos espaços cervicais profundos A camada profunda da fáscia cervical divide o pescoço em uma série de espaços (tabela 1). Embora esta divisão seja clinicamente importante, os espaços se comunicam entre si. Além disto, como a disseminação das infecções segue as rotas de menor resistência, existem padrões previsíveis de disseminação para os abscessos cervicais (figura 4). Figura 4: Vias de disseminação das infecções cervicais. O osso hioide é uma estrutura que limita a disseminação das infecções no pescoço, além de ser um ponto de reparo cirúrgico importante. Desta forma, podemos dividir os espaços em três categorias: espaços envolvendo todo o comprimento do pescoço, supra-hióideos e infra-hióideos (tabela 1). Espaços envolvendo todo pescoço no sentido longitudinal retrofaríngeo, danger, pré-vertebral, visceral vascular Situados acima do hióide parafaríngeo, submandibular, parotídeo, temporal, mastigatório, periamigdaliano Inferiormente ao hióide visceral anterior Tabela 1: Espaços cervicais profundos. 3.1. Espaços envolvendo todo comprimento do pescoço Espaço superficial: localizado entre a FCS e CSFCP, contém linfonodos superficiais, nervos, e vasos, incluindo a veia jugular externa. O tecido areolar frouxo é o plano de dissecção para os flaps subplatismais. O acometimento do espaço superficial geralmente não apresenta complicações, e pode ser tratada com incisão na pele respeitando a linha de força, drenagem local e antibioticoterapia por via oral. Espaço retrofaríngeo: é o espaço potencial entre a divisão visceral da CMFCP ânteroinferiormente, fáscia bucofaríngea ântero-superiormente, divisão alar da camada profunda da fáscia cervical profunda posteriormente, e bainha carotídea lateralmente. Este espaço estende-se da base do crânio até o nível da primeira vértebra torácica, onde essas duas fáscias se fundem. Contém os linfonodos retrofaríngeos que drenam as cavidades nasais e paranasais, palato mole e tuba auditiva. São descritas duas cadeias ganglionares de cada lado (uma lateral e uma medial), separadas pela rafe mediana. As cadeias linfonodais laterais são conhecidas como nódulos de Rouvière. A rafe se forma onde os constritores superiores se aderem à divisão pré-vertebral da camada profunda da fáscia cervical profunda. 4 [Digite texto] Espaço “Danger”: situa-se entre as divisões alar e pré-vertebral da fáscia cervical profunda. É posterior ao espaço retrofaríngeo e anterior ao espaço pré-vertebral. Recebe esta denominação, pois se estende da base do crânio até o nível do diafragma, e apresenta pouca resistência à propagação de infecções. As divisões alar e pré-vertebral se fundem ao processo transverso para limitar o espaço lateralmente. Espaço pré-vertebral: é o potencial espaço entre a fáscia pré-vertebral anteriormente, e o ligamento longitudinal anterior, musculatura profunda e corpo vertebral posteriormente. Estende-se da base do crânio até o nível do cóccix. É limitado lateralmente pela inserção da fáscia pré-vertebral no processo transverso. Inflamação aguda acometendo qualquer desses três espaços acima pode resultar em espasmo da musculatura pré-vertebral e conseqüentemente perda da lordose cervical normal. Celulite retrofaríngea e abscessos podem causar o quadro acima e aparecem no RX cervical lateral e TC cervical como um aumento de partes moles pré-vertebral. Espaço visceral vascular: é o espaço contido pela bainha carotídea. Contém a A. carótida, a V. jugular interna e o N. vago. Da mesma forma que o espaço pré-vertebral, este espaço contém pouco tecido areolar frouxo, sendo resistente à propagação das infecções. Os vasos linfáticos nele contidos o recebem drenagem secundária da maior parte dos linfáticos no pescoço. Além disto, por ser formado pelas três camadas da fáscia profunda, este espaço pode ser envolvido por contiguidade pela infecção de qualquer espaço cervical profundo. 3.2 Espaços localizados acima do osso hióide Espaço parafaríngeo (ou faríngeo lateral): apresenta forma de cone, com a base voltada para a base do crânio (osso petroso, esfenóide) e o ápice no osso hióide. Seu limite medial é a parede lateral da faringe, e seu limite lateral a camada superficial da fáscia cervical profunda sobre a mandíbula, pterigóide medial e parótida. A rafe pterigomandibular e a fáscia pré-vertebral formam seus limites anterior e posterior, respectivamente. Apresenta comunicação com diversos espaços cervicais (submandibular, retrofaríngeo, parotídeo, mastigatório) tendo importância na disseminação das infecções. Pode ser dividido pelo processo estilóide em dois compartimentos: o pré-estilóide (anterior, ou muscular) contém linfonodos, gordura, músculo, tecido conectivo e o lobo profundo da parótida, sendo limitado pela fossa tonsilar medialmente e pterigóide medial lateralmente. O espaço pós-estilóide (posterior) contém a bainha carotídea, e os pares cranianos IX, X, XI. A aponeurose estilofaríngea é formada pela união das fáscias alar, bucofaríngea e estilomuscular, protegendo o compartimento pósestilóide da propagação das infecções cervicais. O compartimento pós-estilóide pode ser considerado por alguns autores como espaço visceral vascular, não fazendo parte do espaço parafaríngeo. Espaço periamigdaliano: localiza-se entre o leito muscular da loja amigdaliana (M. constritor superior da faringe) lateralmente e a cápsula da tonsila palatina medialmente, sendo limitado pelos pilares amigdalianos anterior e posterior (arcos palatoglosso e palatofaríngeo), que formam seus limites anterior e posterior, respectivamente. Contém tecido areolar frouxo, principalmente próximo ao palato mole, explicando a localização dos abscessos próximo ao pólo superior amigdaliano preferencialmente. Espaço mastigatório: é formado pela camada superficial da fáscia profunda ao circundar o masseter lateralmente e músculos pterigóideos medialmente. É anterior e lateral ao espaço parafaríngeo, e inferior ao espaço temporal. Além desta musculatura, o espaço contém o ramo da mandíbula, nervos e vasos alveolar inferior, e o tendão do músculo temporal. Está em contato direto com o espaço temporal superior e profundamente ao zigoma. Espaço temporal: é o espaço situado entre a fáscia temporal lateralmente e o periósteo do osso temporal medialmente. Encontra-se dividido em superficial e profundo pelo músculo temporal, e contém a artéria e nervo temporal e a a.maxilar interna. 5 [Digite texto] Espaço parotídeo: a camada superficial da fáscia profunda envolve a glândula parótida e linfonodos para formar este espaço. A fáscia é incompleta e não recobre sua superfície interna superiormente, resultando em comunicação direta com o espaço parafaríngeo. A artéria carótida externa, veia facial posterior e nervo facial atravessam este espaço. Espaço submandibular: Corresponde a região cervical imediatamente abaixo da mandíbula. Localiza-se entre o M. milo-hióideo superiomente e a fáscia superficial, platisma e pele inferiormente. Contém a glândula submandibular, gordura e linfonodos. Espaço submentoniano: entre os dois ventres anteriores do m. digástrico, abaixo do músculo milo-hióide. Possui tributárias da v. jugular anterior e poucos linfonodos. Espaço sublingual: localiza-se nos limites da mandíbula, entre a mucosa oral e a língua superiormente e o M. milo-hióide inferiormente. Contém o XII, o ducto de Warthon, as glândulas sublinguais e parte da submandibular. Local de abscessos do assoalho bucal, por vezes relacionados a infecções do primeiro molar inferior, que é superior à linha milo-hióide. 3.3 Espaços situados inferiormente ao osso hióide. Espaço visceral anterior: este espaço é circundado pela camada visceral da fáscia profunda, e estende-se da cartilagem tireóide superiormente até o mediastino superior ao nível de T4, próximo da crossa da aorta. Inferiormente ao nível da glândula tireóide, este espaço se comunica com o espaço retrofaríngeo. Estão contidos nesse espaço a traquéia, glândula tireóide e esôfago. 4. Microbiologia A maior parte dos abscessos cervicais contém uma flora polimicrobiana. O S. aureus era a bactéria mais comum na era pré-antibiotico. Atualmente, os germes mais freqüentemente isolados são aeróbios Gram-positivos (S. pneumoniae, S. viridans, S. pyogenes, S. aureus), aeróbios Gramnegativos (H. influenzae, E. coli, Klebisiella), anaeróbios Gram-positivos (peptoestreptococos, peptococos) e anaeróbios Gram-negativos (bacterióides, inclusive B. fragilis). Sabe-se que nessas infecções existe predomínio dos anaeróbios na proporção de 2:1, sendo que a presença de anaeróbios provavelmente encontra-se subestimada pela dificuldade em realizar culturas adequadas. Outras bactérias que podem estar envolvidas são: M. catarrhalis, Neisseria sp e difteróides. A maior parte dos abscessos odontogênicos envolve anaeróbios, incluindo bacteroides spp., peptostreptococcus spp e fusobacterium spp. Eikenella corrodens resistente a clindamicina é menos freqüentemente isolado. É importante ressaltar que a porcentagem de aeróbios e anaeróbios produtores de β-lactamase está crescendo, com conseqüência importante na cobertura antibiótica. Atualmente, mais de dois terços das bactérias isoladas de abscessos cervicais profundos são produtoras de beta-lactamase (Brook, 2004). A presença de bactérias gram-negativas é rara, devendo ser lembrada em pacientes idosos, diabéticos e imunocomprometidos. Uma causa rara, mas de incidência crescente de abscesso cervical é tuberculose da junção craniovertebral ou de coluna cervical (Shukla et al., 2005). 5. Diagnóstico O diagnóstico de infecção cervical profunda pode ser difícil de ser feito baseando-se apenas na história e exame físico, especialmente em pacientes que fizeram uso prévio de antibiotióticos. Desta forma, os estudos radiológicos tornam-se fundamentais para avaliação da presença de coleção, espaços cervicais acometidos, possíveis complicações e planejamento terapêutico. A apresentação clínica inicial depende do nível de progressão da doença, podendo variar desde sintomas localizados até mediastinite e choque séptico. Febre, dor e edema local são os sintomas iniciais mais comuns. 6 [Digite texto] O exame físico pode confirmar a presença de febre e edema cervical. Além disso, podem estar presentes desidratação, odinofagia, disfagia, disfonia (pelo acometimento do espaço paraglótico), dispnéia e trismo. Em casos suspeitos de usuários de drogas, devem der inspecionados os membros e extremidades. A síndrome de Horner (ptose ipsilateral, miose e anidrose facial) pode ser causada por infecções próximas a cadeia simpática. A radiografia cervical lateral tem sido usada como screening no diagnóstico de infecções dos espaços retrofaríngeo e pré-vertebral. A largura normal dos tecidos moles pré-vertebrais no nível de C2 é de 7mm e no nível de C6 é de 14mm em crianças e 22mm em adultos. No entanto, a qualidade do exame depende deste ser realizado com o pescoço em extensão, durante a inspiração e em boas condições técnicas. Estudos comparativos mostram que a radiografia cervical lateral apresenta uma sensibilidade de 83%, contra aproximadamente 95% da tomografia computadorizada (TC) para o diagnóstico destas infecções. Outros achados que também sugerem acometimento do espaço retrofaríngeo são a retificação da coluna e a presença de ar no espaço retrofaríngeo. O uso da ultrassonografia, embora possa fornecer informações úteis e ter baixo custo, não fornece os detalhes obtidos com estudo tomográfico pela complexidade da estrutura das fáscias cervicais. No entanto, a USG pode ser útil na realização de aspiração guiada de abscessos e no seguimento destes, além de não oferecer radiação ionizante, permitindo o uso em gestantes e crianças. A drenagem guiada por USG é indicada em casos de abscessos com loja única ou cistos congênitos infectados . No entanto, no geral, a TC de pescoço com contraste é o estudo radiológico de escolha na avaliação de pacientes com infecção cervical profunda. Ela é capaz de fornecer detalhes anatômicos, delimitando a infecção, sua extensão, as deformidades geradas pelo processo infeccioso, e diferenciando entre celulite e abscesso, sendo crucial na decisão cirúrgica. Os achados característicos de abscesso na TC cervical incluem: • • • • baixa atenuação realce periférico pós contraste edema dos tecidos adjacentes ao abscesso aparência cística ou multiloculada. No entanto, é fundamental a associação entre os achados da TC e o quadro clínico, pois há um índice de falso-positivos para presença de coleção de até 13%. As desvantagens incluem a exposição à radiação ionizante e potencial alergia ao contraste endovenoso. Um estudo comparando a acurácia do exame físico e da TC em identificar abscessos cervicais drenáveis, encontrou uma sensibilidade e especificidade de 55 e 73% para o exame físico, contra 95 e 53% para a TC. Embora revelasse uma alta taxa de falsos positivos, a TC foi decisiva na decisão cirúrgica em 25% dos casos. Além disso, existe 92% de correlação entre achados intraoperatórios e imagens de TC. Desta forma, a correlação entre o exame e a TC deve nortear a decisão terapêutica. A ressonância magnética (RNM) do pescoço, assim como a TC, fornece informações anatômicas detalhadas. As vantagens do exame incluem a ausência de radiação ionizante, a injeção de contraste mais seguro, aumento da sensibilidade para visualização de partes moles, menos artefatos produzidos por próteses dentárias. No entanto, é um exame dispendioso, mais demorado, mais dependente da colaboração do paciente, com custo elevado e pouca disponibilidade em pronto-socorro. Ainda, em pacientes com suspeita de comprometimento da permeabilidade de vias aéreas superiores, o exame fibroscópico pode ser útil. 6. Diagnósticos Diferenciais Entre os diagnósticos diferenciais de abscesso cervical profundo, incluem-se faringite com linfadenopatia, adenopatia supurativa e cisto branquial infectado. A TC com contraste pode ajudar em distinguir estas entidades. Em pacientes afebris e sem dor importante com linfonodos centralmente hipodensos deve-se considerar outras doenças, como infecção por micobactérias, doenças linfoproliferativas e metástases tumorais . 7 [Digite texto] 7. Tratamento: princípios gerais A primeira preocupação no tratamento de infecções profundas da região cervical deve ser a manutenção de uma via aérea permeável. Os tecidos moles da região da cabeça e pescoço são bastante frouxos, e na vigência de um processo inflamatório respondem com edema exacerbado, aumentando muito de volume. As coleções também podem migrar por entre as fáscias, abaulando espaços diretamente relacionados com as vias aéreas. O comprometimento aéreo ocorre classicamente na angina de Ludwig (acometimento dos espaços submentonianos, sublinguais e submandibulares bilateralmente, causando dispnéia pelo deslocamento póstero-superior da língua e assoalho da boca), no abscesso parafaríngeo (abaulamento e edema da faringe, úvula, palato, língua e laringe) e no retrofaríngeo (abaulamento da parede posterior da faringe associado ao edema adjacente). A traquéia está freqüentemente deslocada da linha média, principalmente quando existe acometimento da bainha carotídea e do espaço pré-traqueal. A maior parte dos pacientes com dispnéia necessita apenas de oxigênio, entretanto pode ser necessário garantir uma via aérea pérvia. A primeira opção é a intubação oro-traqueal (IOT), porém em muitos casos ela pode ser difícil e perigosa. A presença de trismo e deformidade anatômica pelo processo inflamatório são freqüentes. A manipulação na tentativa de intubação pode levar a sangramento e ruptura da parede dos abscessos, com inundação das cavidades com sangue e secreção purulenta, com risco de aspiração e asfixia. Assim, em casos de abscessos com acometimento dos espaços pré-epiglótico, paraglótico e retrofaríngeo, com conseqüente risco de ruptura para a via aérea, pode ser realizada a traqueotomia. Na presença de trismo intenso impedindo a IOT, pode-se optar por intubação nasotraqueal por fibroscopia ou traqueotomia. Na presença de insuficiência respiratória obstrutiva está indicada a realização de traqueostomia (ou cricotireoidostomia) sob anestesia local. Na suspeita de abscesso cervical profundo, os pacientes devem ser internados, com instituição de antibioticoterapia endovenosa e corticoterapia (se possível), além dos cuidados com hidratação, analgesia, entre outros. Se possível devem ser colhidas hemoculturas e culturas do material obtido por aspiração do abscesso, além de exames gerais. A antibioticoterapia inicial é empírica, com cobertura para gram-positivos e anaeróbios, dependendo da gravidade do caso, do foco mais provável, e a existência de tratamento prévio (ex. penicilina cristalina com metronidazol, clindamicina principalmente na suspeita de abscesso odontogênico ou glândulas salivares, ou em casos com tratamento prévio, cefalosporina de terceira geração associado a clindamicina). Para o diagnóstico deve ser realizado exame radiológico, preferencialmente a TC com contraste. Na maioria dos casos apenas a instituição de tratamento clínico é insuficiente (apenas 10 a 15% dos casos são tratados apenas com tratamento clínico), sendo geralmente necessária a drenagem cirúrgica. Está indicada nos casos de abscessos cervicais extensos com suspeita de complicação, quando não ocorre melhora após 24 a 48 horas de tratamento clínico, e dependendo do estado geral do paciente. Mesmo quando não há insuficiência respiratória, a via aérea é uma preocupação na drenagem cirúrgica. Deve-se sempre discutir com o anestesista a possibilidade de intubação oro ou nasotraqueal, sendo feita uma avaliação da laringoscopia sob anestesia tópica se o trismo não for importante. Se o anestesista considerar a intubação de alto risco ou não se considerar capaz de realizá-la, está indicada a realização de traqueostomia sob anestesia local. Todos os espaços acometidos devem ser drenados, além do espaço envolvido primariamente. Baseando-se na extensão do processo, deve-se escolher o tipo de anestesia e a via de abordagem cirúrgica mais adequada Nas coleções restritas a um espaço e superficiais, como nos espaços faciais (mandibulares, maxilares, mastigatórios, periamigdaliano e parotídeo), quase sempre é possível a realização de uma drenagem satisfatória com anestesia local, deixando-se um pequeno dreno de Penrose no interior da loja (com exceção do abscesso periamigdaliano). Entretanto, nos abscessos dos espaços cervicais e nos faciais que envolvem mais de um espaço, uma drenagem adequada, em geral, só é conseguida com anestesia geral. A(s) incisão (sões) devem permitir acesso direto a todos os espaços comprometidos, evitando-se ao máximo grande descolamento dos tecidos normais para não expô-los à infecção. Por exemplo, abscessos retrofaríngeo ou pré-vertebral, sem complicações, podem ser acessados através da via transoral, mas quando apresentam extensão para outros espaços devem ser drenados por via externa. Incisão paralela à 8 [Digite texto] borda anterior do esternocleidomastoideo ou uma incisão horizontal submandibular com extensão vertical permitem acesso adequado ao espaço parafaríngeo e à bainha carotídea, estendendo-se inferiormente ao espaço visceral. Infecções não complicadas do espaço sublingual também podem ser drenadas por via transoral; entretanto, se ocorrer extensão à região submandibular, deve ser realizada incisão horizontal submentoniana para permitir drenagem mais efetiva. Se houver tecido inviável, deve sempre ser removido. Drenos devem ser posicionados de modo a garantir a exteriorização de todas as lojas. Reintervenções devem ser realizadas de acordo com a evolução do quadro e os achados de TC de controle. Sempre que possível deve ser colhido material para bacterioscópico e cultura. A cultura é demorada e difícil, principalmente para anaeróbios ou quando o paciente já está fazendo uso de antibióticos, mas é de grande importância para direcionar a antibioticoterapia posteriormente. A aspiração pode ser utilizada para obtenção de material para culturas, ou como opção terapêutica para pequenos abscessos guiada por USG, podendo ser repetida em abscessos localizados sem complicações. História Exame físico Assegurar via aérea Cultura, Atb IV TC Sem abscesso Observação clínica 2448h Abscesso pequeno Punção para cultura e drenagem Melhora clínica? Sim Abscesso grande Complicação Não Manter Atb Exploração cirurgica e drenagem Figura 5: Algoritmo para o manejo de abscesso cervical. Em um estudo prospectivo realizado no HC-FMUSP entre 1999 e 2001, foram levantados 57 casos de abscessos cervicais, celulites cervicais e fasceítes necrotizantes, tratados em concordância com a conduta padronizada em nosso serviço, que consiste em manutenção de via aérea, antibioticoterapia e drenagem cirúrgica nos casos de presença de conteúdo liquefeito entre os tecidos e nos casos de fasceíte necrotizante. Em geral, nos casos onde há apenas uma celulite cervical, optase por tratamento clínico somente. Neste estudo o foco odontogênico foi o maior responsável como foco das infecções, seguido pelas amigdalites. Além disso, a associação de Penicilina com Metronidazol foi o esquema antibiótico mais utilizado, com boa resposta, seguido pela Clindamicina. Segundo o estudo, os germes gram-negativos só devem ser cobertos na vigência de infecções graves e na presença de comorbidades como DM e/ou imunossupressão. O conhecimento do foco primário da infecção é importante pois permite inferir quais os germes envolvidos no processo, as vias de progressão e as complicações mais esperadas. Dessa forma, é possível direcionar a antibioticoterapia e escolher a melhor via de drenagem a ser empregada. Quando o foco primário é odontogênico, os microorganismos mais freqüentemente envolvidos são gram-positivos (estreptococos e estafilococos) e anaeróbios (bacterióides e fusobactérias). A penicilina 9 [Digite texto] em dose anaerobicida é a droga de escolha e a clindamicina é a opção para pacientes alérgicos. Entretanto, vem sendo observada a produção de beta-lactamase pelos anaeróbios da cavidade oral, conferindo resistência à penicilina. Por isso, nos casos mais severos está indicada a associação de metronidazol ou outro agente anaerobicida, para melhor cobertura. Nos casos graves, drogas antiestafilocócicas (oxacilina, clindamicina e vancomicina) e para bactérias gram-negativas (aminoglicosídeos, cefalosporinas de 2a ou 3a geração) também podem ser associadas. Quando o foco primário é uma infecção faríngea ou amigdaliana aguda, os germes mais comuns são S. pyogenes, S. pneumoniae, S. aureus, M. catarrhalis e H. influenzae, sendo os dois últimos mais freqüentes em crianças. Nos abscessos periamigdalianos, os germes mais comumente envolvidos são os estreptococos, fusobactérias e peptoestreptococos. Quando a “porta de entrada” é uma perfuração da hipofaringe ou esôfago, existe acometimento freqüente do espaço retrofaríngeo. Os germes mais freqüentemente envolvidos são gram-positivos e anaeróbios, e a penicilina (associada ou não a metronidazol) continua sendo a droga de escolha. Cobertura para Gram-negativos deve ser feita em casos mais graves. No abscesso de Bezold, uma complicação de otite média em que há infecção e perfuração da ponta da mastóide com disseminação de coleção para os espaços cervicais, os agentes diferem conforme o tipo de otite média. Se o paciente inicialmente apresentou uma otite média aguda, os germes mais comuns são S. pneumoniae, H. influenzae e M. catarrhalis. Nas otites médias crônicas e otites externas, existe uma flora mista aeróbia e anaeróbia, devendo-se lembrar de P. aeruginosa, Proteus sp. e B. fragilis, devendo ser instituída antibioticoterapia anti-pseudomonas e para anaeróbios (por exemplo, ciprofloxacino associado ou não a clindamicina ou metronidazol). Nos focos de glândulas salivares, os agentes mais freqüentemente envolvidos são o S. aureus e os anaeróbios (Bacterioides, Peptostreptococcus e Fusobacterium). Se o acometimento inicial for da submandibular, o espaço mais acometido é o submandibular; se for a parótida, são mais acometidos os espaços parotídeo e parafaríngeo. Nos processos decorrentes de infecção de cistos congênitos, devem ser considerados os germes de cavidade oral, já que os cistos branquiais de 2a., 3a. e 4a. fendas e o cisto tireoglosso se abrem na oro e hipofaringe. Já no cisto branquial de 1a. fenda, que se abre no conduto auditivo externo (coloboma), deve-se considerar a flora do CAE e das otites. Atualmente as punções venosas cervicais também têm funcionado como “porta de entrada” para os espaços do pescoço. Nesses casos, os germes mais encontrados são Streptococcus sp. e o S. aureus. 8. Tratamento Específico 8.1 Espaço retrofaríngeo Infecções que acometem este espaço geralmente são secundárias as infecções de vias aéreas superiores, cuja drenagem linfática ocorre para os linfonodos retrofaríngeos (ou linfonodos de Rouvière). Esses linfonodos geralmente regridem até os 4 ou 5 anos, sendo esta infecção mais comum na faixa pediátrica. Mais raramente a causa é uma infecção odontogênica do terceiro molar, sendo nesses casos muito grave, pois para alcançá-lo as coleções já acometeram os espaços faciais e o parafaríngeo. A extensão do processo para o mediastino é muito precoce. A história prévia de IVAS, acompanhada de febre, edema doloroso do pescoço, disfagia, dispnéia, está presente em menos de 10% dos casos. Os achados mais freqüentes são adenopatia cervical, com dor e limitação à mobilização cervical, e eventual rigidez de nuca, regurgitação esofageana, febre alta e toxemia. Em adultos, os sintomas de dor, disfagia, respiração ruidosa e limitação da mobilidade cervical apontam para acometimento retrofaríngeo. Nesses pacientes, as etiologias mais comuns são o trauma por corpo estranho, procedimentos cirúrgicos e endoscópicos, ou extensão de outros espaços (ocasionalmente pelo parafaríngeo). Menos freqüentemente, ocorre de forma secundária a infecção do espaço pré-vertebral por acometimento vertebral por tuberculose, ou sífilis. O exame físico revela abaulamento lateral da parede posterior da faringe com eritema local, com possível sulco na região sagital (devido a rafe mediana que tende a conter o abscesso de um só lado). 10 [Digite texto] Exames radiológicos, como citados anteriormente, são fundamentais para o diagnóstico. O espaço retrofaríngeo pode ser avaliado pela radiografia cervical simples de perfil, e seus achados incluem: • Aumento das partes moles da região pré-vertebral: a espessura normal é de até 7 mm em C2 e 20 mm em C6 • Inversão da curvatura cervical normal (lordose cervical): na presença de coleção pode haver retificação ou cifose • Presença de ar no tecido mole pré-vertebral • Erosão do corpo da vértebra cervical associada. Aumento de tecidos moles na região posterior da faringe, maior que 50% da largura de qualquer vértebra cervical exige avaliação completa. A TC é essencial para avaliação do quadro, diagnóstico e planejamento terapêutico. O tratamento é eminentemente cirúrgico, porém alguns casos precoces, localizados, com predomínio de celulite, podem ser tratados apenas com antibioticoterapia e acompanhamento. Sempre deve ser avaliada a permeabilidade das vias aéreas, sendo que cerca de 10% dos pacientes necessitam de traqueotomia. Abscessos pequenos e localizados podem ser drenados por via oral. Nesses casos o paciente deve ser protegido da possibilidade de aspiração sendo colocado em posição de Rose, com extensão do pescoço (cabeça pendente). Abscessos maiores devem ser drenados por via externa, com incisão na borda anterior do esternocleidomastoideo estendendo-se do nível do hióide até a clavícula. O quadro de dispnéia intensa, dor torácica e febre persistente levam a suspeita de mediastinite, com alto índice de mortalidade. 8.2 Danger space Infecções desse espaço são caracteristicamente secundárias a infecções dos espaços retrofaríngeo, parafaríngeo e pré-vertebral. Através do tecido areolar frouxo, a infecção estende-se rapidamente ao mediastino. O tratamento é cirúrgico, semelhante à abordagem descrita para o espaço retrofaríngeo, com eventual abordagem torácica. 8.3 Espaço pré-vertebral Antes da era dos antibióticos, infecções desse espaço geralmente eram secundárias ao envolvimento piogênico ou tuberculoso (doença de Pott) dos corpos vertebrais. Atualmente as causas mais comuns são o trauma penetrante e a iatrogenia, entretanto observamos aumento de incidência da tuberculose associado à AIDS. Esse espaço virtual estende-se até o cóccix, consistindo via direta de disseminação para o tórax e mediastino ou para o espaço retroperitonial. As infecções deste espaço podem levar a osteomielite vertebral com instabilidade da coluna cervical. O quadro clínico é semelhante àquele de outras infecções dos espaços profundos posteriores do pescoço. A terapia recomendada é a instituição de antibioticoterapia, estabilização da coluna e drenagem cirúrgica por via externa. 8.4 Espaço visceral vascular As infecções do espaço parafaríngeo são as que mais comumente se estendem para o espaço visceral-vascular, porém, qualquer espaço profundo pode estender-se para o espaço parafaríngeo. Clinicamente, observamos quadro de dor e endurecimento situados profundamente ao músculo esternocleidomastoideo, com torcicolo em direção ao lado não envolvido. O tratamento consiste de antibioticoterapia e eventual anticoagulação. Deve ser agressivo, já que o quadro pode evoluir para choque séptico, endocardite, trombose de seio cavernoso, trombose de veia jugular interna ou ruptura da artéria carótida. Caso não ocorra melhora clínica em 48 horas ou na evidência de complicação, deve ser realizada drenagem cirúrgica por via externa. Em alguns casos pode ser necessária a ligadura da veia jugular interna (em casos de trombose) ou da artéria carótida (em casos de sangramento por erosão). 11 [Digite texto] 8.5 Espaço parafaríngeo (faringo-maxilar) Seu acometimento geralmente é secundário a focos odontogênicos ou a evolução de abscessos periamigdalianos. Pode ocorrer também por extensão de infecções linfáticas, mastoideas (abscesso de Bezold), ou dos espaços parotídeo, mastigatório, retrofaríngeo, e submandibular. É potencialmente muito grave, pois pode conduzir as coleções de forma rápida inferiormente, para a bainha carotídea, posteriormente, para o espaço retrofaríngeo, e superiormente, para o endocrânio. O quadro clínico é variável, geralmente exuberante, com dor, disfagia, voz abafada e trismo (por espasmo inflamatório do m. pterigóide medial). No exame físico pode haver abaulamento da região inferior ao ângulo da mandíbula. O paciente tende a manter a cabeça imóvel, levemente fletida e rodada contralateralmente ao lado do abscesso na tentativa de diminuir a tensão neste espaço. Infecções do compartimento anterior (pré-estilóide) apresentam abaulamento da parede faríngea lateral e trismo precoce. O compartimento posterior é atravessado pela bainha carotídea, cadeia simpática cervical e os pares cranianos IX a XII, sendo mais graves o envolvimento dessas estruturas. Geralmente o quadro clínico é de abaulamento do pilar posterior e trismo discreto. A infecção pode acometer os dois espaços havendo somação do quadro e o abaulamento anterior do pescoço deve-se a extensão do abscesso para o limite inferior do osso hióide. A maioria dos pacientes requer drenagem cirúrgica, podendo ser necessária traqueotomia quando há obstrução de VAS e o trismo dificulta a IOT. A drenagem é indicada quando o paciente não melhora em 24-48hs ou apresenta piora do estado geral. Havendo abscesso, ele poderá ser drenado, mediante cervicotomia submandibular atingindo o espaço parafaríngeo anterior em posição medial ao ventre posterior do músculo digástrico. A drenagem transoral pode ser perigosa por causa da dificuldade em identificar e preservar importantes estruturas vásculo-nervosas adjacentes ao espaço parafaríngeo. A incisão pode ser em T com a parte horizontal paralela a mandíbula (corpo) e a vertical seguindo a borda anterior do m. esternocleidomastoideo ou somente realizando a incisão vertical pela borda anterior deste músculo. Infecções desta região podem se estender aos espaços adjacentes (parotídeo, mastigatório, submandibular), necessitando de drenagem dos espaços secundários. 8.6 Espaço submandibular Aproximadamente 70% das infecções desse espaço são odontogênicas, entretanto pode ocorrer acometimento a partir das glândulas submandibulares ou linfonodos da região. As infecções dentárias de origem anterior ao segundo molar drenam inicialmente ao espaço sublingual, e as posteriores envolvem inicialmente o espaço submandibular. As infecções do segundo molar propagam-se para o espaço submandibular quando sua raiz é inferior à linha de inserção do M. milo-hióideo (fig 5). As manifestações precoces incluem o envolvimento da mucosa oral próxima ao dente afetado e edema das regiões sublingual e submentoniana. Observa-se abaulamento da região submandibular ipsilateral, podendo alcançar a região do hióide. Na evolução do processo pode alcançar o lado oposto, levando a um abaulamento de toda a região submandibular. O processo pode evoluir para celulite severa, com endurecimento dos tecidos do assoalho da boca e supra-hioídeos, característico da Angina de Ludwig. A angina de Ludwig é um quadro clássico, descrito em 1836 por Wilhelm von Ludwig, e consiste na infecção dos espaços submandibulares, submentonianos e sublinguais bilateralmente. De acordo com Grodinsky & Holyoke, acomete os dois componentes do espaço submandibular (espaço sublingual e espaço submaxilar). Para se firmar o diagnóstico, as seguintes características devem ser observadas: 1º) o processo inicia-se no assoalho da boca, usualmente com a infecção de 2o ou 3o molar inferior; 2º) a disseminação ocorre para o espaço submandibular mais por contigüidade, pelos planos das fáscias, do que pelos vasos linfáticos; 3º) a infecção apresenta-se como um endurecimento da região submandibular, sem formação de muita secreção purulenta; 4º) o processo poupa as glândulas salivares e linfonodos; 5º) a infecção é, usualmente, bilateral. 12 [Digite texto] O quadro clínico da angina de Ludwig consiste em trismo progressivo, sialorréia, dificuldade de fala, febre, calafrios, sudorese e taquicardia. Na angina de Ludwig, o edema leva ao deslocamento da língua em direção posterior e superior, acarretando obstrução respiratória, causando dispnéia e taquipnéia, podendo causar estridor, cianose e obstrução fatal da via aérea. O tratamento é combinado, na maioria dos casos, devendo-se introduzir precocemente, antibioticoterapia contra germes gram-positivos aeróbios e anaeróbios. Devem ser feitos rápido controle e descompressão do processo infeccioso, evitando-se complicações sépticas e respiratórias. A abordagem cirúrgica consiste na drenagem da loja submandibular e na traqueotomia, quando necessária, o que pode chegar a 50% dos casos. Havendo dispnéia, a intubação oro ou nasotraqueal é difícil e perigosa, pela presença do trismo importante e pelo risco de aspiração de secreção e desencadeamento de laringoespasmo. Nesses casos, a traqueostomia sob anestesia local é o procedimento mais indicado. 8.7 Espaço sublingual Processos infecciosos dessa região provêm do pré-molar e primeiro molar inferiores e, eventualmente, das glândulas sublinguais. Caso a raiz do segundo molar seja superior à linha de inserção do M. milo-hióideo, este dente também pode ser responsável pelo processo. Seu acometimento leva a manifestações intra-orais, com abaulamento do assoalho da boca do lado acometido e elevação da língua. No processo mais avançado ocorre comprometimento bilateral, com elevação importante da língua, podendo levar a dificuldade de fala, deglutição e dispnéia. O espaço sublingual comunica-se amplamente com o submandibular posteriormente, e manifestações extrabucais só aparecem quando o submandibular também é afetado. 8.8 Espaço submentoniano Pode ser afetado quando a raiz dos dentes incisivos for longa o suficiente para que processos infecciosos periapicais alcancem a borda inferior da mandíbula (abaixo da inserção dos músculos digástrico e milo-hioideo), o que não é freqüente. Clinicamente se manifesta como abaulamento doloroso e tenso na região submentoniana. 8.9 Espaço parotídeo Geralmente secundárias a infecção da glândula, o acometimento deste espaço ocorre em pacientes desidratados, debilitados e com má higiene oral. Essas condições muitas vezes existem em pacientes no período pós-operatório, sendo este um grupo de risco. O quadro costuma ser de edema doloroso e eritema sobre o ângulo da mandíbula, sem associação de trismo. O tratamento se inicia com hidratação, higiene oral, sialogogos e antibióticos (com cobertura para estafilococos). A terapia cirúrgica para abscessos pequenos e limitados consiste de incisão sobre o abscesso, paralelamente aos ramos do facial. Punção com aspiração cuidadosa do abscesso também pode ser utilizada. Para abscessos maiores, é necessária identificação do nervo facial com drenagem do abscesso, através de incisão vertical. 8.10 Espaço mastigatório A maioria das infecções envolvendo o espaço mastigatório tem origem dentária, geralmente nos molares. O paciente apresenta trismo importante, pela irritação e espasmo dos músculos da mastigação, podendo também ocorrer edema sobre os ramos da mandíbula e sobre o tecido sublingual posterior. A infecção pode se estender para os espaços parotídeo, temporal ou parafaríngeo, ocorrendo somação de sintomas. Atrasos no diagnóstico podem resultar em osteomielite de mandíbula. A antibioticoterapia deve incluir cobertura para anaeróbios e a drenagem cirúrgica deve ser realizada através de incisão abaixo da mandíbula, até o periósteo, com dissecção romba em ambos os lados da mandíbula. 8.11 Espaço periamigdaliano 13 [Digite texto] As infecções do espaço periamigdaliano geralmente resultam de extensão tonsilar, e freqüentemente envolvem o espaço parafaríngeo, tipicamente em adolescentes e adultos jovens. Também podem ocorrer após infecção das glândulas salivares supra-amigdalianas de Weber. Devem ser suspeitadas quando não existe a melhora esperada apesar da antibioticoterapia adequada. O quadro clínico consiste em toxemia, dificuldade de deglutição, dificuldade de fala (com a típica voz de "batata quente"), sialorréia, dor intensa, trismo e prostração. Ao exame da orofaringe nota-se a presença de abaulamento do pilar amigdaliano anterior para a linha mediana, geralmente unilateral, com deslocamento da úvula contralateralmente e abaulamento do palato mole. Exceção deve ser feita no caso raro de haver abscesso periamigdaliano bilateral, em que ambos os pilares amigdalianos anteriores e regiões adjacentes do palato mole estarão igualmente edemaciados e eritematosos, apresentando um desafio diagnóstico. A presença de eritema e exsudato amigdaliano tanto pode ser severa como surpreendentemente discreta. O tratamento ideal para abscessos periamigdalianos tem sido objeto de controvérsia entre os otorrinolaringologistas por duas décadas. Estudos recentes sugerem que a punção aspirativa tem índice de melhora de 85-90% e pode ser mais efetiva em termos de custo e menos mórbida que a drenagem. No entanto, a maioria dos estudos ainda consideram que o padrão ouro para o tratamento é a drenagem intra-oral sob anestesia local (Khayr e Taepke, 2005). A anestesia local é realizada pelo bloqueio do ramo tonsilar do nervo glossofaríngeo (responsável pela inervação sensitiva da área) na fossa amigdaliana. Realiza-se uma incisão de cerca de 1,5 cm no pilar amigdaliano anterior, geralmente após punção para localização da coleção. O material obtido deve ser enviado para culturas. Como a microbiologia destas infecções geralmente é polimicrobiana, deve ser utilizada antibioticoterapia de amplo espectro. Os agentes envolvidos são, em geral, bactérias Gram-positivas (Streptococcus) e anaeróbios (Peptostreptococcus e Fusobacterium), estando indicado o uso de penicilina ou clindamicina. Eventualmente e principalmente em crianças menores, o H. influenzae pode estar envolvido, podendo-se optar pelas associações com ácido cluvunônico ou cefalosporinas de 2a. geração. A prescrição de antiinflamatórios está sempre indicada em razão do intenso edema intra-oral e desconforto; os corticoesteróides são muito úteis no controle desses sintomas. Se o paciente apresentar desidratação, sepse, debilidade, comprometimento imunológico ou potencial comprometimento de vias aéreas superiores, deve ser hospitalizado para observação e administração de fluidos e antibioticoterapia endovenosa. Amigdalectomia eletiva pode ser realizada quando houver resolução do quadro inflamatório. No serviço de otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, considerase indicação de amigdalectomia a ocorrência de dois ou mais abscessos periamigdalianos. Em casos em que ocorre falha no tratamento com antibióticos e drenagem, alguns autores indicam a amigdalectomia. Uma vez indicada cirurgia, um estudo prospectivo sugere que a amigdalectomia em vigência do abscesso seria mais eficiente em termo de redução de custos, e que o procedimento, ao contrário do que se preconizava antes, não se acompanha de mais sangramento que a amigdalectomia eletiva (Chowdhury e Bricknell, 1992). Extensão da infecção para o espaço parafaríngeo deve ser excluída e, se presente, esse espaço deve ser adequadamente drenado. 8.12 Espaço temporal O quadro clínico é de dor na região temporal, trismo e ocasionalmente desvio da mandíbula para o lado afetado. Geralmente provém de disseminação de infecção do espaço mastigatório. O tratamento consiste em drenagem externa dos compartimentos superficial e profundo e administração de antibióticos. 8.13 Espaço visceral anterior A maioria das infecções atingindo o espaço visceral anterior resulta de perfurações da parede anterior do esôfago por manipulação, corpo estranho ou trauma; raramente ocorre extensão de outras infecções a partir da tireóide ou de outros espaços profundos do pescoço. A queixa inicial nesses pacientes é de dificuldade para deglutir. Com o progresso da infecção pode ocorrer rouquidão, dispnéia e obstrução de vias aéreas. Ao exame físico nota-se a presença de crepitação, por enfisema 14 [Digite texto] de subcutâneo, e a laringoscopia pode revelar edema e eritema da hipofaringe. O tratamento consiste em jejum via oral, administração endovenosa de antibióticos e drenagem externa. Se o abscesso é bem localizado, uma incisão sobre sua área pode ser suficiente, caso contrário, deve ser realizada incisão ampla. Os pacientes devem ser tratados de maneira agressiva e devem permanecer sob observação cuidadosa, uma vez que existe risco alto para insuficiência respiratória e mediastinite. 8.14 Fasceíte Necrotizante Representa um quadro infeccioso com acometimento das fáscias cervicais, inicialmente superficial, caracterizando-se por extensa necrose do tecido conectivo (pele, subcutâneo, fáscias e músculos) com difícil reconhecimento das estruturas cervicais, associada a grave toxemia. Uma história de trauma (exemplo: picada de inseto) ou infecção odontogênica geralmente precedem o início da doença. Geralmente é causada por estafilococos ou estreptococos, mas a flora mista também é encontrada. É mais comum em pacientes portadores de imunodeficiências ou alterações da microcirculação, como diabéticos. O quadro clínico inicialmente corresponde a edema, eritema, calor local e tensão dos tecidos, podendo haver crepitação destes. Há evolução fulminante, com trombose dos vasos cutâneos, que se não tratada leva a um estágio rapidamente progressivo de necrose da pele, com aspecto escurecido, líquido e gangrena cutânea extensa. Sintomas sistêmicos severos de toxemia, inclusive com sepse (leucocitose / leucopenia, anemia, hipocalcemia, falência hepática, hipoalbuminemia) são freqüentes. O diagnóstico é baseado na presença de necrose de tecido subcutâneo e fáscia superficial. A TC pode identificar gás nos tecidos e demonstrar a extensão do processo. A cultura deve ser obtida sempre que possível. O tratamento consiste em diagnóstico precoce, debridamento agressivo, doses altas de antibióticos intravenosos e controle clínico das doenças de base. Múltiplas abordagens cirúrgicas podem ser necessárias até que se obtenha tecido de granulação saudável. A câmara hiperbárica pode ser de grande ajuda. Complicações são comuns, e incluem neuropatias, erosão vascular, asfixia e mediastinite. A mortalidade gira ao redor de 20 a 36%, sendo conseqüência de sepse, falência respiratória, falência de múltiplos órgãos ou erosão vascular. 9. Complicações As complicações secundárias a infecções profundas do pescoço persistem apesar das técnicas diagnósticas, ampla utilização de antibióticos potentes e intervenções cirúrgicas eficientes. São decorrentes do acometimento de estruturas anatômicas próximas importantes, como A. carótida, V.jugular, cadeia simpática e Nervos cranianos IX, X, XI, XII. Atrasos no início do tratamento podem resultar em propagação da infecção além do pescoço. Osteomielite da mandíbula ou da coluna cervical podem ocorrer. Na tabela 2 encontram-se as complicações graves já descritas de abscessos cervicais. COMPLICAÇÕES GRAVES DE ABSCESSOS CERVICAIS PROFUNDOS Mediastinite Efusão pericárdica Choque séptico Pericardite Trombose jugular Fístula aortopulmonar Pseudoaneurisma/ ruptura carotídeos SARA Insuficiência respiratória aguda Abscesso epidural Embolia séptica CIVD Pneumonia c/ ou s/ empiema pleural Tabela 2. Complicações graves dos abscessos cervicais profundos. Em estudo recente, determinou-se que pacientes com dois ou mais espaços acometidos estão sob maior risco de desenvolvimento de complicações, ao passo em que a origem odontogênica do abscesso confere um menor risco (Lee et al, 2007). Outros fatores que podem estar relacionados a um risco aumentado de complicações incluem doenças sistêmicas, como diabetes mellitus, leucocitose acima de 14.000/mm3 e envolvimento do espaço visceral anterior (Boscolo-Rizzo et al, 2006). 15 [Digite texto] Abscessos retrofaríngeos podem drenar para a faringe, causando aspiração e, conseqüentemente, pneumonia e abscesso pulmonar. Abscessos pré-vertebrais, além de atingir o mediastino e cavidade pleural, podem se propagar através do diafragma, levando a acometimento abdominal. Algumas complicações também podem resultar de intervenções cirúrgicas, uma vez que os tecidos encontram-se inflamados e os planos cirúrgicos alterados. O início de antibioticoterapia préoperatória, manuseio gentil dos tecidos e utilização de marcos anatômicos para evitar danos a estruturas nervosas e vasculares diminuem a incidência desse tipo de complicações, de septicemia e de infecções de ferida cirúrgica. Complicações pelo acometimento da bainha carotídea A propagação da infecção à região carotídea pode resultar em erosão da carótida, evento raro (existem poucos relatos de casos) com mortalidade elevada. São sinais de ruptura iminente: • equimose da mucosa oral e da região cervical • múltiplos episódios de pequenos sangramentos orais O quadro clínico consiste em sangramento pela faringe, aparecimento de hematoma na região cervical ou choque. Sangramento proveniente do conduto auditivo externo (CAE) ocorre mais raramente e requer imediata intervenção cirúrgica, sendo secundário ao deslocamento lateral da parótida pelo abscesso, o que leva a erosão da parte cartilaginosa do CAE e drenagem de pus e/ou sangue. O tratamento consiste em ligadura de emergência da A carótida, com risco de isquemia cerebral e morte. Pode ocorrer também tromboflebite da V. Jugular interna, quadro relativamente frequente porém pouco diagnosticado, já que na maioria das vezes seus sintomas são semelhantes ao do próprio abscesso em si. O quadro clínico se caracteriza por febre alta, edema na região do músculo esternocleidomastoideo, rigidez cervical, disfagia, pletora de face, engurgitamento de veias e quadro séptico, podendo levar à trombose ou embolia séptica. O diagnóstico é feito antes do óbito em apenas 20% dos casos. Na TC, observa-se realce anular com luminescência central na veia jugular interna. A conduta inicial é conservadora, com antibioticoterapia de amplo espectro com boa cobertura para anaeróbios. O papel da anticoagulação é controverso. Caso não haja melhora em 48 horas, a intervenção cirúrgica está indicada, sendo realizada ligadura da veia. O quadro de trombose de veia jugular interna e septicemia acompanhado de embolia séptica com infecção primária de orofaringe é conhecido como Síndrome de Lemiere e está relacionado com o Fusobacterium necrophorum. Êmbolos sépticos atingem os pulmões, sistema músculo-esquelético e, ocasionalmente, o fígado. Pacientes com envolvimento da cadeia simpática ou de nervos cranianos podem apresentar síndrome de Horner ou outros déficits neurológicos, como rouquidão (acometimento do X) ou paresia unilateral da língua (acometimento do XII); o acometimento do IX é mais difícil de detectar. O XI par se localiza mais profundamente, sendo mais raramente atingido. Mediastinite Infecções profundas do pescoço constituem fator de risco para mediastinite, já que a fáscia cervical profunda é contínua com o mediastino. A infecção cervical pode descender através do espaço retrofaríngeo (71% casos) ou vascular (21% dos casos), facilitada pela gravidade e pela pressão negativa intratorácica. Outras vias possíveis, mas menos comuns, de disseminação são os espaços: visceral, “danger” e pré-vertebral. O diagnóstico requer observação dos sinais de envolvimento mediastinal, tais como: • febre persistente • taquipnéia • desconforto respiratório • dispnéia intensa • dor torácica • edema e eritema acometendo o tórax • disfagia Pode ser realizado raio-x de tórax, mas os sinais de mediastinite (alargamento de mediastino, pneumotórax, pneumomediastino ou edema pulmonar) são freqüentemente tardios (X-Y Cai et al, 16 [Digite texto] 2006). TC de tórax confirma o diagnóstico com grande acurácia, e, aliada ao exame físico, mostra sensibilidade de 95% (Miller et al, 1999). O tratamento adequado envolve debridamento cirúrgico agressivo, se necessário, por múltiplos acessos, que pode requerer toracotomia dependendo da localização das coleções. Antibioticoterapia segue os princípios gerais já discutidos para os abscessos cervicais. Mesmo com a abordagem correta, a mortalidade dos pacientes que desenvolvem mediastinite purulenta gira em torno de 50%. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Scott, BA et al. Deep neck space infections in Bailey Head & Neck Surgery - Otolaryngology; 1998. 2nd Ed, vol.1pg 819-835. 2. Cummings et al. Otolaryngology-Head and Neck surgery. Baltimore, Mosby year book.1993 3. Gidley, PW et al. Contemporary management of deep neck space infections. Otolaryngol Head Neck Surg. 1997; 116: 16-22. 4. Wetmorre, RF et al. Computed tomography in the evaluation of pediatric neck infections. Otolaryngol Head Neck Surg. 1998; 119: 624-627. 5. Ochi, K et al. US-guided drainage of deep neck space abscess. Acta Otolaryngol Suppl (Stockh). 1996; 522p: 120-123. 6. Jang, YJ et al. Retropharyngel abscess associated with vertebral osteomyelitis and spinal epidural abscess. Otolaryngol Head Neck Surg. 1998; 119: 705-708. 7. Fradis, M et al. 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