abscessos cervicais

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ABSCESSOS CERVICAIS
Os abscessos cervicais profundos são coleções que se alojam em espaços delimitados por
planos fasciais. O entendimento da anatomia desta região ajuda no diagnóstico do foco de infecção e
de suas rotas de disseminação.
No passado, as infecções da região cervical representavam um risco importante de morte,
entretanto, com o advento e o aperfeiçoamento da antibioticoterapia, dos métodos diagnósticos por
imagem, e a intervenção cirúrgica precoce, as taxas de mortalidade têm caído significativamente.
Apesar disso são infecções de evolução potencialmente grave, e ainda apresentam uma
morbidade elevada, podendo evoluir rapidamente para complicações graves como a insuficiência
respiratória, empiema pleural, pericardite, trombose venosa, rupturas arteriais, choque séptico e
mediastinite, sendo a taxa de mortalidade ao redor dos 40 a 50% neste último caso. Dessa forma tornase essencial ao otorrinolaringologista estar alerta para realizar o diagnóstico precoce e o tratamento
adequado destas infecções.
1. Etiologia
O foco infeccioso inicial pode estar em qualquer região cervicofacial. Na era pré-antibiótico, 70%
dos casos apresentavam como foco infecções faríngeas e adenotonsilites, sendo o espaço parafaríngeo
o mais envolvido. Atualmente, as infecções odontogênicas parecem ser o foco inicial mais comum em
adultos, respondendo por cerca de 30% dos casos, geralmente apresentando disseminação direta,
sendo o espaço submandibular o mais acometido.
Outras etiologias freqüentes são as infecções das glândulas salivares, trauma, corpos estranhos,
complicações iatrogênicas (por exemplo, de endoscopia digestiva alta) e complicações de infecções
superficiais.
Na população pediátrica, as infecções de vias aéreas superiores (IVAS) e as tonsilites continuam
sendo as origens mais comuns, podendo haver disseminação direta, como no abscesso
periamigdaliano secundário a uma amigdalite, ou indireta, como no abscesso retrofaríngeo por infarto
ganglionar após IVAS.
Cerca de 20% dos casos não apresentam foco inicial definido, e acredita-se que, em parte
destes casos, a infecção seja originária de deformidades congênitas não diagnosticadas. Atualmente, o
uso de drogas endovenosas representa uma causa crescente de abscessos cervicais. O uso de
seringas contaminadas, aplicadas nos vasos cervicais profundos, violando a proteção das fáscias
cervicais, representa grande risco de complicação.
2. Anatomia da Fáscia Cervical
A apresentação clínica, disseminação e o tratamento dos abscessos cervicais profundos são
baseados na configuração anatômica da fáscia cervical.
A fáscia cervical é constituída por tecido conectivo, variando entre um tecido areolar frouxo e um
tecido fibroso mais denso e resistente.
Pode ser dividida em camada superficial e outra profunda, esta última subdividida em superficial,
média e profunda (figuras 1, 2 e 3).
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Figura 1: Corte sagital mediano do pescoço.
Figura 2: Corte axial ao nível da glândula tireóide.
Figura 3: Anatomia cervical. Fonte: Netter.
Atlas digital.
2.1 Fáscia cervical superficial (FCS)
É composta de um tecido subcutâneo equivalente ao tecido subcutâneo de todo o corpo e forma
um revestimento contínuo da cabeça e pescoço para o tórax, ombros e axila. Envolve o M. platisma e
estende-se superiormente envolvendo a musculatura da mímica facial. É separada da fáscia cervical
profunda por um espaço virtual no qual se encontram a V. Jugular Externa, linfonodos superficiais,
nervos e outros vasos menores.
No pescoço a gordura é relativamente frouxa, mas na face a gordura é muito mais densa, exceto
na região das pálpebras onde novamente se torna frouxa tanto superficial quanto profundamente ao M.
orbicular do olho. No escalpe, o tecido subcutâneo é denso e contém o M. epicrânio em sua porção
mais profunda. Abaixo da aponeurose do M. epicrânio e entre ela e o pericrânio há um tecido areolar
frouxo que permite a movimentação desse músculo e que, assim como o tecido sobre as pálpebras,
pode acumular grande quantidade de líquido.
A pele, a fáscia cervical superficial e o platisma funcionam como uma unidade morfológica
complexa. Dentro da FCS está um sistema de tecido de fibras conectivas finas e elementos musculares
menos definidos chamado de sistema músculo-aponeurótico superficial (SMAS). Apesar dos músculos
da mímica facial serem considerados como uma unidade funcional à parte, o SMAS relaciona-se com
esses músculos e os conecta com a derme. Portanto o SMAS amplia o efeito da contração da
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musculatura da mímica facial na pele. Desse modo, o SMAS é uma unidade funcional importante na
cirurgia cérvico-facial funcional.
2.2 Fáscia cervical profunda (FCP)
Corresponde às camadas de fáscia que envolvem a musculatura do pescoço. É subdividida em:
Š Camada superficial da fáscia cervical profunda (CSFCP)
Š Camada média da fáscia cervical profunda (CMFCP)
Š Camada profunda da fáscia cervical profunda (CPFCP)
2.2.1 Camada superficial da fáscia cervical profunda (CSFCP)
A camada superficial da fáscia cervical profunda, também conhecida como fáscia de
revestimento, se origina do processo espinhoso dos corpos vertebrais e se estende
circunferencialmente ao redor de todo pescoço, envolvendo os músculos esternocleidomastoideo e
trapézio. Na linha média, adere-se ao osso hióide e continua superiormente para envolver as glândulas
submandibulares e parótida. Nesta região também envolve os ventres anteriores do músculo digástrico
e o M. milo-hióideo, formando o assoalho do espaço submandibular. Na mandíbula, divide-se em uma
camada interna que recobre a superfície medial do músculo pterigóide medial até a base do crânio, e
uma camada externa que reveste o masseter e se insere no arco zigomático. Ela forma o espaço
cervical do trígono posterior do pescoço e o espaço supra-esternal na linha média do pescoço. O
espaço supraesternal contém gordura e uma veia comunicante entre a V. jugular anterior direita e
esquerda, que se for lesada inadvertidamente durante a traqueotomia pode causar sangramento
considerável.
2.2.2 Camada média da fáscia cervical profunda (CMFCP)
A camada média da fáscia profunda do pescoço também é conhecida como fáscia visceral, prétireoide ou pré-traqueal. Apresenta duas divisões:
• Muscular: envolve a musculatura infra-hioide Sua inserção superior se dá no osso hioide
e na cartilagem tireóide, e sua inserção inferior, no esterno e na clavícula.
• Visceral: envolve as vísceras anteriores do pescoço (faringe, laringe, esôfago, traquéia e
glândula tireoide). Estende-se inferiormente até o mediastino superior, onde se continua
com o pericárdio e recobre o esôfago e a traquéia torácica. Subdivide-se em fáscia
bucofaríngea, que recobre o músculo bucinador e constritores da faringe até a base do
crânio, e fáscia pré-traqueal, que reveste a parte cervical da via aérea (traquéia, M. tireohióideo e glândula tireoide).
2.2.3 Camada profunda da fáscia cervical profunda (CPFCP)
A camada profunda se origina no processo espinhoso das vértebras cervicais. No processo
transverso, divide-se em:
• Alar: divisão anterior. Estende-se da base do crânio até a segunda vértebra torácica,
onde se une a fáscia visceral.
• Pré-vertebral: divisão posterior. Situa-se anteriormente aos corpos vertebrais e se
estende até o cóccix. Recobre os músculos vertebrais, músculos profundos do trígono
posterior e escalenos. Envolve ainda o plexo braquial, a A. subclávia e continua
lateralmente como fáscia axilar.
2.2.4 Bainha carotídea
A bainha carotídea é formada pelas três camadas da FCP e envolve a artéria carótida, a veia
jugular interna e o N. vago. Ela se estende da base do crânio através do pescoço na superfície anterior
da fáscia pré-vertebral e entra no tórax posteriormente à clavícula.
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3. Anatomia dos espaços cervicais profundos
A camada profunda da fáscia cervical divide o pescoço em uma série de espaços (tabela 1).
Embora esta divisão seja clinicamente importante, os espaços se comunicam entre si. Além disto, como
a disseminação das infecções segue as rotas de menor resistência, existem padrões previsíveis de
disseminação para os abscessos cervicais (figura 4).
Figura 4: Vias de disseminação das infecções cervicais.
O osso hioide é uma estrutura que limita a disseminação das infecções no pescoço, além de ser
um ponto de reparo cirúrgico importante. Desta forma, podemos dividir os espaços em três categorias:
espaços envolvendo todo o comprimento do pescoço, supra-hióideos e infra-hióideos (tabela 1).
Espaços envolvendo todo pescoço no sentido longitudinal
retrofaríngeo, danger, pré-vertebral, visceral vascular
Situados acima do hióide
parafaríngeo, submandibular, parotídeo, temporal, mastigatório, periamigdaliano
Inferiormente ao hióide
visceral anterior
Tabela 1: Espaços cervicais profundos.
3.1. Espaços envolvendo todo comprimento do pescoço
Espaço superficial: localizado entre a FCS e CSFCP, contém linfonodos superficiais, nervos, e
vasos, incluindo a veia jugular externa. O tecido areolar frouxo é o plano de dissecção para os flaps
subplatismais. O acometimento do espaço superficial geralmente não apresenta complicações, e pode
ser tratada com incisão na pele respeitando a linha de força, drenagem local e antibioticoterapia por via
oral.
Espaço retrofaríngeo: é o espaço potencial entre a divisão visceral da CMFCP ânteroinferiormente, fáscia bucofaríngea ântero-superiormente, divisão alar da camada profunda da fáscia
cervical profunda posteriormente, e bainha carotídea lateralmente. Este espaço estende-se da base do
crânio até o nível da primeira vértebra torácica, onde essas duas fáscias se fundem. Contém os
linfonodos retrofaríngeos que drenam as cavidades nasais e paranasais, palato mole e tuba auditiva.
São descritas duas cadeias ganglionares de cada lado (uma lateral e uma medial), separadas pela rafe
mediana. As cadeias linfonodais laterais são conhecidas como nódulos de Rouvière. A rafe se forma
onde os constritores superiores se aderem à divisão pré-vertebral da camada profunda da fáscia
cervical profunda.
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Espaço “Danger”: situa-se entre as divisões alar e pré-vertebral da fáscia cervical profunda. É
posterior ao espaço retrofaríngeo e anterior ao espaço pré-vertebral. Recebe esta denominação, pois se
estende da base do crânio até o nível do diafragma, e apresenta pouca resistência à propagação de
infecções. As divisões alar e pré-vertebral se fundem ao processo transverso para limitar o espaço
lateralmente.
Espaço pré-vertebral: é o potencial espaço entre a fáscia pré-vertebral anteriormente, e o
ligamento longitudinal anterior, musculatura profunda e corpo vertebral posteriormente. Estende-se da
base do crânio até o nível do cóccix. É limitado lateralmente pela inserção da fáscia pré-vertebral no
processo transverso.
Inflamação aguda acometendo qualquer desses três espaços acima pode resultar em espasmo
da musculatura pré-vertebral e conseqüentemente perda da lordose cervical normal. Celulite
retrofaríngea e abscessos podem causar o quadro acima e aparecem no RX cervical lateral e TC
cervical como um aumento de partes moles pré-vertebral.
Espaço visceral vascular: é o espaço contido pela bainha carotídea. Contém a A. carótida, a V.
jugular interna e o N. vago. Da mesma forma que o espaço pré-vertebral, este espaço contém pouco
tecido areolar frouxo, sendo resistente à propagação das infecções. Os vasos linfáticos nele contidos o
recebem drenagem secundária da maior parte dos linfáticos no pescoço. Além disto, por ser formado
pelas três camadas da fáscia profunda, este espaço pode ser envolvido por contiguidade pela infecção
de qualquer espaço cervical profundo.
3.2 Espaços localizados acima do osso hióide
Espaço parafaríngeo (ou faríngeo lateral): apresenta forma de cone, com a base voltada para
a base do crânio (osso petroso, esfenóide) e o ápice no osso hióide. Seu limite medial é a parede lateral
da faringe, e seu limite lateral a camada superficial da fáscia cervical profunda sobre a mandíbula,
pterigóide medial e parótida. A rafe pterigomandibular e a fáscia pré-vertebral formam seus limites
anterior e posterior, respectivamente. Apresenta comunicação com diversos espaços cervicais
(submandibular, retrofaríngeo, parotídeo, mastigatório) tendo importância na disseminação das
infecções. Pode ser dividido pelo processo estilóide em dois compartimentos: o pré-estilóide (anterior,
ou muscular) contém linfonodos, gordura, músculo, tecido conectivo e o lobo profundo da parótida,
sendo limitado pela fossa tonsilar medialmente e pterigóide medial lateralmente. O espaço pós-estilóide
(posterior) contém a bainha carotídea, e os pares cranianos IX, X, XI. A aponeurose estilofaríngea é
formada pela união das fáscias alar, bucofaríngea e estilomuscular, protegendo o compartimento pósestilóide da propagação das infecções cervicais. O compartimento pós-estilóide pode ser considerado
por alguns autores como espaço visceral vascular, não fazendo parte do espaço parafaríngeo.
Espaço periamigdaliano: localiza-se entre o leito muscular da loja amigdaliana (M. constritor
superior da faringe) lateralmente e a cápsula da tonsila palatina medialmente, sendo limitado pelos
pilares amigdalianos anterior e posterior (arcos palatoglosso e palatofaríngeo), que formam seus limites
anterior e posterior, respectivamente. Contém tecido areolar frouxo, principalmente próximo ao palato
mole, explicando a localização dos abscessos próximo ao pólo superior amigdaliano preferencialmente.
Espaço mastigatório: é formado pela camada superficial da fáscia profunda ao circundar o
masseter lateralmente e músculos pterigóideos medialmente. É anterior e lateral ao espaço
parafaríngeo, e inferior ao espaço temporal. Além desta musculatura, o espaço contém o ramo da
mandíbula, nervos e vasos alveolar inferior, e o tendão do músculo temporal. Está em contato direto
com o espaço temporal superior e profundamente ao zigoma.
Espaço temporal: é o espaço situado entre a fáscia temporal lateralmente e o periósteo do osso
temporal medialmente. Encontra-se dividido em superficial e profundo pelo músculo temporal, e contém
a artéria e nervo temporal e a a.maxilar interna.
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Espaço parotídeo: a camada superficial da fáscia profunda envolve a glândula parótida e
linfonodos para formar este espaço. A fáscia é incompleta e não recobre sua superfície interna
superiormente, resultando em comunicação direta com o espaço parafaríngeo. A artéria carótida
externa, veia facial posterior e nervo facial atravessam este espaço.
Espaço submandibular: Corresponde a região cervical imediatamente abaixo da mandíbula.
Localiza-se entre o M. milo-hióideo superiomente e a fáscia superficial, platisma e pele inferiormente.
Contém a glândula submandibular, gordura e linfonodos.
Espaço submentoniano: entre os dois ventres anteriores do m. digástrico, abaixo do músculo
milo-hióide. Possui tributárias da v. jugular anterior e poucos linfonodos.
Espaço sublingual: localiza-se nos limites da mandíbula, entre a mucosa oral e a língua
superiormente e o M. milo-hióide inferiormente. Contém o XII, o ducto de Warthon, as glândulas
sublinguais e parte da submandibular. Local de abscessos do assoalho bucal, por vezes relacionados a
infecções do primeiro molar inferior, que é superior à linha milo-hióide.
3.3 Espaços situados inferiormente ao osso hióide.
Espaço visceral anterior: este espaço é circundado pela camada visceral da fáscia profunda, e
estende-se da cartilagem tireóide superiormente até o mediastino superior ao nível de T4, próximo da
crossa da aorta. Inferiormente ao nível da glândula tireóide, este espaço se comunica com o espaço
retrofaríngeo. Estão contidos nesse espaço a traquéia, glândula tireóide e esôfago.
4. Microbiologia
A maior parte dos abscessos cervicais contém uma flora polimicrobiana. O S. aureus era a
bactéria mais comum na era pré-antibiotico. Atualmente, os germes mais freqüentemente isolados são
aeróbios Gram-positivos (S. pneumoniae, S. viridans, S. pyogenes, S. aureus), aeróbios Gramnegativos (H. influenzae, E. coli, Klebisiella), anaeróbios Gram-positivos (peptoestreptococos,
peptococos) e anaeróbios Gram-negativos (bacterióides, inclusive B. fragilis). Sabe-se que nessas
infecções existe predomínio dos anaeróbios na proporção de 2:1, sendo que a presença de
anaeróbios provavelmente encontra-se subestimada pela dificuldade em realizar culturas adequadas.
Outras bactérias que podem estar envolvidas são: M. catarrhalis, Neisseria sp e difteróides.
A maior parte dos abscessos odontogênicos envolve anaeróbios, incluindo bacteroides spp.,
peptostreptococcus spp e fusobacterium spp. Eikenella corrodens resistente a clindamicina é menos
freqüentemente isolado.
É importante ressaltar que a porcentagem de aeróbios e anaeróbios produtores de β-lactamase
está crescendo, com conseqüência importante na cobertura antibiótica. Atualmente, mais de dois terços
das bactérias isoladas de abscessos cervicais profundos são produtoras de beta-lactamase (Brook,
2004). A presença de bactérias gram-negativas é rara, devendo ser lembrada em pacientes idosos,
diabéticos e imunocomprometidos.
Uma causa rara, mas de incidência crescente de abscesso cervical é tuberculose da junção
craniovertebral ou de coluna cervical (Shukla et al., 2005).
5. Diagnóstico
O diagnóstico de infecção cervical profunda pode ser difícil de ser feito baseando-se apenas na
história e exame físico, especialmente em pacientes que fizeram uso prévio de antibiotióticos. Desta
forma, os estudos radiológicos tornam-se fundamentais para avaliação da presença de coleção,
espaços cervicais acometidos, possíveis complicações e planejamento terapêutico.
A apresentação clínica inicial depende do nível de progressão da doença, podendo variar desde
sintomas localizados até mediastinite e choque séptico. Febre, dor e edema local são os sintomas
iniciais mais comuns.
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O exame físico pode confirmar a presença de febre e edema cervical. Além disso, podem estar
presentes desidratação, odinofagia, disfagia, disfonia (pelo acometimento do espaço paraglótico), dispnéia e trismo. Em casos suspeitos de usuários de drogas, devem der inspecionados os
membros e extremidades. A síndrome de Horner (ptose ipsilateral, miose e anidrose facial) pode ser
causada por infecções próximas a cadeia simpática.
A radiografia cervical lateral tem sido usada como screening no diagnóstico de infecções dos
espaços retrofaríngeo e pré-vertebral. A largura normal dos tecidos moles pré-vertebrais no nível de C2
é de 7mm e no nível de C6 é de 14mm em crianças e 22mm em adultos. No entanto, a qualidade do
exame depende deste ser realizado com o pescoço em extensão, durante a inspiração e em boas
condições técnicas. Estudos comparativos mostram que a radiografia cervical lateral apresenta uma
sensibilidade de 83%, contra aproximadamente 95% da tomografia computadorizada (TC) para o
diagnóstico destas infecções. Outros achados que também sugerem acometimento do espaço
retrofaríngeo são a retificação da coluna e a presença de ar no espaço retrofaríngeo.
O uso da ultrassonografia, embora possa fornecer informações úteis e ter baixo custo, não
fornece os detalhes obtidos com estudo tomográfico pela complexidade da estrutura das fáscias
cervicais. No entanto, a USG pode ser útil na realização de aspiração guiada de abscessos e no
seguimento destes, além de não oferecer radiação ionizante, permitindo o uso em gestantes e crianças.
A drenagem guiada por USG é indicada em casos de abscessos com loja única ou cistos congênitos
infectados .
No entanto, no geral, a TC de pescoço com contraste é o estudo radiológico de escolha na
avaliação de pacientes com infecção cervical profunda. Ela é capaz de fornecer detalhes anatômicos,
delimitando a infecção, sua extensão, as deformidades geradas pelo processo infeccioso, e
diferenciando entre celulite e abscesso, sendo crucial na decisão cirúrgica. Os achados
característicos de abscesso na TC cervical incluem:
•
•
•
•
baixa atenuação
realce periférico pós contraste
edema dos tecidos adjacentes ao abscesso
aparência cística ou multiloculada.
No entanto, é fundamental a associação entre os achados da TC e o quadro clínico, pois há um
índice de falso-positivos para presença de coleção de até 13%. As desvantagens incluem a exposição à
radiação ionizante e potencial alergia ao contraste endovenoso. Um estudo comparando a acurácia do
exame físico e da TC em identificar abscessos cervicais drenáveis, encontrou uma sensibilidade e
especificidade de 55 e 73% para o exame físico, contra 95 e 53% para a TC. Embora revelasse uma
alta taxa de falsos positivos, a TC foi decisiva na decisão cirúrgica em 25% dos casos. Além disso,
existe 92% de correlação entre achados intraoperatórios e imagens de TC. Desta forma, a correlação
entre o exame e a TC deve nortear a decisão terapêutica.
A ressonância magnética (RNM) do pescoço, assim como a TC, fornece informações
anatômicas detalhadas. As vantagens do exame incluem a ausência de radiação ionizante, a injeção de
contraste mais seguro, aumento da sensibilidade para visualização de partes moles, menos artefatos
produzidos por próteses dentárias. No entanto, é um exame dispendioso, mais demorado, mais
dependente da colaboração do paciente, com custo elevado e pouca disponibilidade em pronto-socorro.
Ainda, em pacientes com suspeita de comprometimento da permeabilidade de vias aéreas
superiores, o exame fibroscópico pode ser útil.
6. Diagnósticos Diferenciais
Entre os diagnósticos diferenciais de abscesso cervical profundo, incluem-se faringite com
linfadenopatia, adenopatia supurativa e cisto branquial infectado. A TC com contraste pode ajudar em
distinguir estas entidades. Em pacientes afebris e sem dor importante com linfonodos centralmente
hipodensos deve-se considerar outras doenças, como infecção por micobactérias, doenças
linfoproliferativas e metástases tumorais .
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7. Tratamento: princípios gerais
A primeira preocupação no tratamento de infecções profundas da região cervical deve ser
a manutenção de uma via aérea permeável. Os tecidos moles da região da cabeça e pescoço são
bastante frouxos, e na vigência de um processo inflamatório respondem com edema exacerbado,
aumentando muito de volume. As coleções também podem migrar por entre as fáscias, abaulando
espaços diretamente relacionados com as vias aéreas. O comprometimento aéreo ocorre classicamente
na angina de Ludwig (acometimento dos espaços submentonianos, sublinguais e submandibulares
bilateralmente, causando dispnéia pelo deslocamento póstero-superior da língua e assoalho da boca),
no abscesso parafaríngeo (abaulamento e edema da faringe, úvula, palato, língua e laringe) e no
retrofaríngeo (abaulamento da parede posterior da faringe associado ao edema adjacente). A traquéia
está freqüentemente deslocada da linha média, principalmente quando existe acometimento da bainha
carotídea e do espaço pré-traqueal.
A maior parte dos pacientes com dispnéia necessita apenas de oxigênio, entretanto pode ser
necessário garantir uma via aérea pérvia. A primeira opção é a intubação oro-traqueal (IOT), porém em
muitos casos ela pode ser difícil e perigosa. A presença de trismo e deformidade anatômica pelo
processo inflamatório são freqüentes. A manipulação na tentativa de intubação pode levar a
sangramento e ruptura da parede dos abscessos, com inundação das cavidades com sangue e
secreção purulenta, com risco de aspiração e asfixia. Assim, em casos de abscessos com
acometimento dos espaços pré-epiglótico, paraglótico e retrofaríngeo, com conseqüente risco de
ruptura para a via aérea, pode ser realizada a traqueotomia. Na presença de trismo intenso impedindo a
IOT, pode-se optar por intubação nasotraqueal por fibroscopia ou traqueotomia. Na presença de
insuficiência respiratória obstrutiva está indicada a realização de traqueostomia (ou cricotireoidostomia)
sob anestesia local.
Na suspeita de abscesso cervical profundo, os pacientes devem ser internados, com
instituição de antibioticoterapia endovenosa e corticoterapia (se possível), além dos cuidados com
hidratação, analgesia, entre outros. Se possível devem ser colhidas hemoculturas e culturas do material
obtido por aspiração do abscesso, além de exames gerais. A antibioticoterapia inicial é empírica, com
cobertura para gram-positivos e anaeróbios, dependendo da gravidade do caso, do foco mais provável,
e a existência de tratamento prévio (ex. penicilina cristalina com metronidazol, clindamicina
principalmente na suspeita de abscesso odontogênico ou glândulas salivares, ou em casos com
tratamento prévio, cefalosporina de terceira geração associado a clindamicina). Para o diagnóstico deve
ser realizado exame radiológico, preferencialmente a TC com contraste.
Na maioria dos casos apenas a instituição de tratamento clínico é insuficiente (apenas 10 a 15%
dos casos são tratados apenas com tratamento clínico), sendo geralmente necessária a drenagem
cirúrgica. Está indicada nos casos de abscessos cervicais extensos com suspeita de complicação,
quando não ocorre melhora após 24 a 48 horas de tratamento clínico, e dependendo do estado geral do
paciente.
Mesmo quando não há insuficiência respiratória, a via aérea é uma preocupação na drenagem
cirúrgica. Deve-se sempre discutir com o anestesista a possibilidade de intubação oro ou nasotraqueal,
sendo feita uma avaliação da laringoscopia sob anestesia tópica se o trismo não for importante. Se o
anestesista considerar a intubação de alto risco ou não se considerar capaz de realizá-la, está indicada
a realização de traqueostomia sob anestesia local.
Todos os espaços acometidos devem ser drenados, além do espaço envolvido primariamente.
Baseando-se na extensão do processo, deve-se escolher o tipo de anestesia e a via de abordagem
cirúrgica mais adequada Nas coleções restritas a um espaço e superficiais, como nos espaços faciais
(mandibulares, maxilares, mastigatórios, periamigdaliano e parotídeo), quase sempre é possível a
realização de uma drenagem satisfatória com anestesia local, deixando-se um pequeno dreno de
Penrose no interior da loja (com exceção do abscesso periamigdaliano).
Entretanto, nos abscessos dos espaços cervicais e nos faciais que envolvem mais de um
espaço, uma drenagem adequada, em geral, só é conseguida com anestesia geral. A(s) incisão (sões)
devem permitir acesso direto a todos os espaços comprometidos, evitando-se ao máximo grande
descolamento dos tecidos normais para não expô-los à infecção. Por exemplo, abscessos retrofaríngeo
ou pré-vertebral, sem complicações, podem ser acessados através da via transoral, mas quando
apresentam extensão para outros espaços devem ser drenados por via externa. Incisão paralela à
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borda anterior do esternocleidomastoideo ou uma incisão horizontal submandibular com extensão
vertical permitem acesso adequado ao espaço parafaríngeo e à bainha carotídea, estendendo-se
inferiormente ao espaço visceral. Infecções não complicadas do espaço sublingual também podem ser
drenadas por via transoral; entretanto, se ocorrer extensão à região submandibular, deve ser realizada
incisão horizontal submentoniana para permitir drenagem mais efetiva.
Se houver tecido inviável, deve sempre ser removido. Drenos devem ser posicionados de modo
a garantir a exteriorização de todas as lojas. Reintervenções devem ser realizadas de acordo com a
evolução do quadro e os achados de TC de controle. Sempre que possível deve ser colhido material
para bacterioscópico e cultura. A cultura é demorada e difícil, principalmente para anaeróbios ou
quando o paciente já está fazendo uso de antibióticos, mas é de grande importância para direcionar a
antibioticoterapia posteriormente.
A aspiração pode ser utilizada para obtenção de material para culturas, ou como opção
terapêutica para pequenos abscessos guiada por USG, podendo ser repetida em abscessos localizados
sem complicações.
História
Exame físico
Assegurar via aérea
Cultura, Atb IV
TC
Sem abscesso
Observação clínica 2448h
Abscesso pequeno
Punção para cultura e
drenagem
Melhora clínica?
Sim
Abscesso grande
Complicação
Não
Manter Atb
Exploração cirurgica e
drenagem
Figura 5: Algoritmo para o manejo de abscesso cervical.
Em um estudo prospectivo realizado no HC-FMUSP entre 1999 e 2001, foram levantados 57
casos de abscessos cervicais, celulites cervicais e fasceítes necrotizantes, tratados em concordância
com a conduta padronizada em nosso serviço, que consiste em manutenção de via aérea,
antibioticoterapia e drenagem cirúrgica nos casos de presença de conteúdo liquefeito entre os tecidos
e nos casos de fasceíte necrotizante. Em geral, nos casos onde há apenas uma celulite cervical, optase por tratamento clínico somente. Neste estudo o foco odontogênico foi o maior responsável como
foco das infecções, seguido pelas amigdalites. Além disso, a associação de Penicilina com
Metronidazol foi o esquema antibiótico mais utilizado, com boa resposta, seguido pela Clindamicina.
Segundo o estudo, os germes gram-negativos só devem ser cobertos na vigência de infecções graves
e na presença de comorbidades como DM e/ou imunossupressão.
O conhecimento do foco primário da infecção é importante pois permite inferir quais os germes
envolvidos no processo, as vias de progressão e as complicações mais esperadas. Dessa forma, é
possível direcionar a antibioticoterapia e escolher a melhor via de drenagem a ser empregada.
Quando o foco primário é odontogênico, os microorganismos mais freqüentemente envolvidos são
gram-positivos (estreptococos e estafilococos) e anaeróbios (bacterióides e fusobactérias). A penicilina
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em dose anaerobicida é a droga de escolha e a clindamicina é a opção para pacientes alérgicos.
Entretanto, vem sendo observada a produção de beta-lactamase pelos anaeróbios da cavidade oral,
conferindo resistência à penicilina. Por isso, nos casos mais severos está indicada a associação de
metronidazol ou outro agente anaerobicida, para melhor cobertura. Nos casos graves, drogas antiestafilocócicas (oxacilina, clindamicina e vancomicina) e para bactérias gram-negativas
(aminoglicosídeos, cefalosporinas de 2a ou 3a geração) também podem ser associadas.
Quando o foco primário é uma infecção faríngea ou amigdaliana aguda, os germes mais comuns
são S. pyogenes, S. pneumoniae, S. aureus, M. catarrhalis e H. influenzae, sendo os dois últimos mais
freqüentes em crianças. Nos abscessos periamigdalianos, os germes mais comumente envolvidos
são os estreptococos, fusobactérias e peptoestreptococos.
Quando a “porta de entrada” é uma perfuração da hipofaringe ou esôfago, existe acometimento
freqüente do espaço retrofaríngeo. Os germes mais freqüentemente envolvidos são gram-positivos e
anaeróbios, e a penicilina (associada ou não a metronidazol) continua sendo a droga de escolha.
Cobertura para Gram-negativos deve ser feita em casos mais graves.
No abscesso de Bezold, uma complicação de otite média em que há infecção e perfuração da
ponta da mastóide com disseminação de coleção para os espaços cervicais, os agentes diferem
conforme o tipo de otite média. Se o paciente inicialmente apresentou uma otite média aguda, os
germes mais comuns são S. pneumoniae, H. influenzae e M. catarrhalis. Nas otites médias crônicas e
otites externas, existe uma flora mista aeróbia e anaeróbia, devendo-se lembrar de P. aeruginosa,
Proteus sp. e B. fragilis, devendo ser instituída antibioticoterapia anti-pseudomonas e para anaeróbios
(por exemplo, ciprofloxacino associado ou não a clindamicina ou metronidazol).
Nos focos de glândulas salivares, os agentes mais freqüentemente envolvidos são o S. aureus e
os anaeróbios (Bacterioides, Peptostreptococcus e Fusobacterium). Se o acometimento inicial for da
submandibular, o espaço mais acometido é o submandibular; se for a parótida, são mais acometidos
os espaços parotídeo e parafaríngeo.
Nos processos decorrentes de infecção de cistos congênitos, devem ser considerados os
germes de cavidade oral, já que os cistos branquiais de 2a., 3a. e 4a. fendas e o cisto tireoglosso se
abrem na oro e hipofaringe. Já no cisto branquial de 1a. fenda, que se abre no conduto auditivo
externo (coloboma), deve-se considerar a flora do CAE e das otites.
Atualmente as punções venosas cervicais também têm funcionado como “porta de entrada” para
os espaços do pescoço. Nesses casos, os germes mais encontrados são Streptococcus sp. e o S.
aureus.
8. Tratamento Específico
8.1 Espaço retrofaríngeo
Infecções que acometem este espaço geralmente são secundárias as infecções de vias aéreas
superiores, cuja drenagem linfática ocorre para os linfonodos retrofaríngeos (ou linfonodos de
Rouvière). Esses linfonodos geralmente regridem até os 4 ou 5 anos, sendo esta infecção mais
comum na faixa pediátrica. Mais raramente a causa é uma infecção odontogênica do terceiro molar,
sendo nesses casos muito grave, pois para alcançá-lo as coleções já acometeram os espaços faciais
e o parafaríngeo. A extensão do processo para o mediastino é muito precoce.
A história prévia de IVAS, acompanhada de febre, edema doloroso do pescoço, disfagia,
dispnéia, está presente em menos de 10% dos casos. Os achados mais freqüentes são adenopatia
cervical, com dor e limitação à mobilização cervical, e eventual rigidez de nuca, regurgitação
esofageana, febre alta e toxemia. Em adultos, os sintomas de dor, disfagia, respiração ruidosa e
limitação da mobilidade cervical apontam para acometimento retrofaríngeo. Nesses pacientes, as
etiologias mais comuns são o trauma por corpo estranho, procedimentos cirúrgicos e endoscópicos,
ou extensão de outros espaços (ocasionalmente pelo parafaríngeo). Menos freqüentemente, ocorre
de forma secundária a infecção do espaço pré-vertebral por acometimento vertebral por tuberculose,
ou sífilis.
O exame físico revela abaulamento lateral da parede posterior da faringe com eritema local, com
possível sulco na região sagital (devido a rafe mediana que tende a conter o abscesso de um só lado).
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Exames radiológicos, como citados anteriormente, são fundamentais para o diagnóstico. O
espaço retrofaríngeo pode ser avaliado pela radiografia cervical simples de perfil, e seus achados
incluem:
• Aumento das partes moles da região pré-vertebral: a espessura normal é de até 7 mm
em C2 e 20 mm em C6
• Inversão da curvatura cervical normal (lordose cervical): na presença de coleção pode
haver retificação ou cifose
• Presença de ar no tecido mole pré-vertebral
• Erosão do corpo da vértebra cervical associada.
Aumento de tecidos moles na região posterior da faringe, maior que 50% da largura de qualquer
vértebra cervical exige avaliação completa.
A TC é essencial para avaliação do quadro, diagnóstico e planejamento terapêutico.
O tratamento é eminentemente cirúrgico, porém alguns casos precoces, localizados, com
predomínio de celulite, podem ser tratados apenas com antibioticoterapia e acompanhamento.
Sempre deve ser avaliada a permeabilidade das vias aéreas, sendo que cerca de 10% dos pacientes
necessitam de traqueotomia. Abscessos pequenos e localizados podem ser drenados por via oral.
Nesses casos o paciente deve ser protegido da possibilidade de aspiração sendo colocado em
posição de Rose, com extensão do pescoço (cabeça pendente). Abscessos maiores devem ser
drenados por via externa, com incisão na borda anterior do esternocleidomastoideo estendendo-se do
nível do hióide até a clavícula.
O quadro de dispnéia intensa, dor torácica e febre persistente levam a suspeita de mediastinite,
com alto índice de mortalidade.
8.2 Danger space
Infecções desse espaço são caracteristicamente secundárias a infecções dos espaços
retrofaríngeo, parafaríngeo e pré-vertebral. Através do tecido areolar frouxo, a infecção estende-se
rapidamente ao mediastino. O tratamento é cirúrgico, semelhante à abordagem descrita para o
espaço retrofaríngeo, com eventual abordagem torácica.
8.3 Espaço pré-vertebral
Antes da era dos antibióticos, infecções desse espaço geralmente eram secundárias ao
envolvimento piogênico ou tuberculoso (doença de Pott) dos corpos vertebrais. Atualmente as causas
mais comuns são o trauma penetrante e a iatrogenia, entretanto observamos aumento de incidência
da tuberculose associado à AIDS. Esse espaço virtual estende-se até o cóccix, consistindo via direta
de disseminação para o tórax e mediastino ou para o espaço retroperitonial. As infecções deste
espaço podem levar a osteomielite vertebral com instabilidade da coluna cervical. O quadro clínico é
semelhante àquele de outras infecções dos espaços profundos posteriores do pescoço. A terapia
recomendada é a instituição de antibioticoterapia, estabilização da coluna e drenagem cirúrgica por
via externa.
8.4 Espaço visceral vascular
As infecções do espaço parafaríngeo são as que mais comumente se estendem para o espaço
visceral-vascular, porém, qualquer espaço profundo pode estender-se para o espaço parafaríngeo.
Clinicamente, observamos quadro de dor e endurecimento situados profundamente ao músculo
esternocleidomastoideo, com torcicolo em direção ao lado não envolvido.
O tratamento consiste de antibioticoterapia e eventual anticoagulação. Deve ser agressivo, já
que o quadro pode evoluir para choque séptico, endocardite, trombose de seio cavernoso, trombose
de veia jugular interna ou ruptura da artéria carótida. Caso não ocorra melhora clínica em 48 horas ou
na evidência de complicação, deve ser realizada drenagem cirúrgica por via externa. Em alguns casos
pode ser necessária a ligadura da veia jugular interna (em casos de trombose) ou da artéria carótida
(em casos de sangramento por erosão).
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8.5 Espaço parafaríngeo (faringo-maxilar)
Seu acometimento geralmente é secundário a focos odontogênicos ou a evolução de abscessos
periamigdalianos. Pode ocorrer também por extensão de infecções linfáticas, mastoideas (abscesso
de Bezold), ou dos espaços parotídeo, mastigatório, retrofaríngeo, e submandibular. É potencialmente
muito grave, pois pode conduzir as coleções de forma rápida inferiormente, para a bainha carotídea,
posteriormente, para o espaço retrofaríngeo, e superiormente, para o endocrânio.
O quadro clínico é variável, geralmente exuberante, com dor, disfagia, voz abafada e trismo (por
espasmo inflamatório do m. pterigóide medial). No exame físico pode haver abaulamento da região
inferior ao ângulo da mandíbula. O paciente tende a manter a cabeça imóvel, levemente fletida e
rodada contralateralmente ao lado do abscesso na tentativa de diminuir a tensão neste espaço.
Infecções do compartimento anterior (pré-estilóide) apresentam abaulamento da parede faríngea
lateral e trismo precoce. O compartimento posterior é atravessado pela bainha carotídea, cadeia
simpática cervical e os pares cranianos IX a XII, sendo mais graves o envolvimento dessas estruturas.
Geralmente o quadro clínico é de abaulamento do pilar posterior e trismo discreto. A infecção pode
acometer os dois espaços havendo somação do quadro e o abaulamento anterior do pescoço deve-se
a extensão do abscesso para o limite inferior do osso hióide.
A maioria dos pacientes requer drenagem cirúrgica, podendo ser necessária traqueotomia
quando há obstrução de VAS e o trismo dificulta a IOT. A drenagem é indicada quando o paciente não
melhora em 24-48hs ou apresenta piora do estado geral. Havendo abscesso, ele poderá ser drenado,
mediante cervicotomia submandibular atingindo o espaço parafaríngeo anterior em posição medial ao
ventre posterior do músculo digástrico. A drenagem transoral pode ser perigosa por causa da
dificuldade em identificar e preservar importantes estruturas vásculo-nervosas adjacentes ao espaço
parafaríngeo. A incisão pode ser em T com a parte horizontal paralela a mandíbula (corpo) e a vertical
seguindo a borda anterior do m. esternocleidomastoideo ou somente realizando a incisão vertical pela
borda anterior deste músculo. Infecções desta região podem se estender aos espaços adjacentes
(parotídeo, mastigatório, submandibular), necessitando de drenagem dos espaços secundários.
8.6 Espaço submandibular
Aproximadamente 70% das infecções desse espaço são odontogênicas, entretanto pode ocorrer
acometimento a partir das glândulas submandibulares ou linfonodos da região. As infecções dentárias
de origem anterior ao segundo molar drenam inicialmente ao espaço sublingual, e as posteriores
envolvem inicialmente o espaço submandibular. As infecções do segundo molar propagam-se para o
espaço submandibular quando sua raiz é inferior à linha de inserção do M. milo-hióideo (fig 5).
As manifestações precoces incluem o envolvimento da mucosa oral próxima ao dente afetado e
edema das regiões sublingual e submentoniana. Observa-se abaulamento da região submandibular
ipsilateral, podendo alcançar a região do hióide. Na evolução do processo pode alcançar o lado
oposto, levando a um abaulamento de toda a região submandibular.
O processo pode evoluir para celulite severa, com endurecimento dos tecidos do assoalho da
boca e supra-hioídeos, característico da Angina de Ludwig. A angina de Ludwig é um quadro clássico,
descrito em 1836 por Wilhelm von Ludwig, e consiste na infecção dos espaços submandibulares,
submentonianos e sublinguais bilateralmente. De acordo com Grodinsky & Holyoke, acomete os dois
componentes do espaço submandibular (espaço sublingual e espaço submaxilar). Para se firmar o
diagnóstico, as seguintes características devem ser observadas:
1º) o processo inicia-se no assoalho da boca, usualmente com a infecção de 2o ou 3o molar inferior;
2º) a disseminação ocorre para o espaço submandibular mais por contigüidade, pelos planos das
fáscias, do que pelos vasos linfáticos;
3º) a infecção apresenta-se como um endurecimento da região submandibular, sem formação de muita
secreção purulenta;
4º) o processo poupa as glândulas salivares e linfonodos;
5º) a infecção é, usualmente, bilateral.
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O quadro clínico da angina de Ludwig consiste em trismo progressivo, sialorréia, dificuldade de
fala, febre, calafrios, sudorese e taquicardia. Na angina de Ludwig, o edema leva ao deslocamento da
língua em direção posterior e superior, acarretando obstrução respiratória, causando dispnéia e
taquipnéia, podendo causar estridor, cianose e obstrução fatal da via aérea. O tratamento é
combinado, na maioria dos casos, devendo-se introduzir precocemente, antibioticoterapia contra
germes gram-positivos aeróbios e anaeróbios. Devem ser feitos rápido controle e descompressão do
processo infeccioso, evitando-se complicações sépticas e respiratórias. A abordagem cirúrgica
consiste na drenagem da loja submandibular e na traqueotomia, quando necessária, o que pode
chegar a 50% dos casos. Havendo dispnéia, a intubação oro ou nasotraqueal é difícil e perigosa, pela
presença do trismo importante e pelo risco de aspiração de secreção e desencadeamento de
laringoespasmo. Nesses casos, a traqueostomia sob anestesia local é o procedimento mais indicado.
8.7 Espaço sublingual
Processos infecciosos dessa região provêm do pré-molar e primeiro molar inferiores e,
eventualmente, das glândulas sublinguais. Caso a raiz do segundo molar seja superior à linha de
inserção do M. milo-hióideo, este dente também pode ser responsável pelo processo. Seu
acometimento leva a manifestações intra-orais, com abaulamento do assoalho da boca do lado
acometido e elevação da língua. No processo mais avançado ocorre comprometimento bilateral, com
elevação importante da língua, podendo levar a dificuldade de fala, deglutição e dispnéia. O espaço
sublingual comunica-se amplamente com o submandibular posteriormente, e manifestações
extrabucais só aparecem quando o submandibular também é afetado.
8.8 Espaço submentoniano
Pode ser afetado quando a raiz dos dentes incisivos for longa o suficiente para que processos
infecciosos periapicais alcancem a borda inferior da mandíbula (abaixo da inserção dos músculos
digástrico e milo-hioideo), o que não é freqüente. Clinicamente se manifesta como abaulamento
doloroso e tenso na região submentoniana.
8.9 Espaço parotídeo
Geralmente secundárias a infecção da glândula, o acometimento deste espaço ocorre em
pacientes desidratados, debilitados e com má higiene oral. Essas condições muitas vezes existem em
pacientes no período pós-operatório, sendo este um grupo de risco. O quadro costuma ser de edema
doloroso e eritema sobre o ângulo da mandíbula, sem associação de trismo. O tratamento se inicia
com hidratação, higiene oral, sialogogos e antibióticos (com cobertura para estafilococos). A terapia
cirúrgica para abscessos pequenos e limitados consiste de incisão sobre o abscesso, paralelamente
aos ramos do facial. Punção com aspiração cuidadosa do abscesso também pode ser utilizada. Para
abscessos maiores, é necessária identificação do nervo facial com drenagem do abscesso, através de
incisão vertical.
8.10 Espaço mastigatório
A maioria das infecções envolvendo o espaço mastigatório tem origem dentária, geralmente nos
molares. O paciente apresenta trismo importante, pela irritação e espasmo dos músculos da
mastigação, podendo também ocorrer edema sobre os ramos da mandíbula e sobre o tecido
sublingual posterior. A infecção pode se estender para os espaços parotídeo, temporal ou
parafaríngeo, ocorrendo somação de sintomas. Atrasos no diagnóstico podem resultar em
osteomielite de mandíbula. A antibioticoterapia deve incluir cobertura para anaeróbios e a drenagem
cirúrgica deve ser realizada através de incisão abaixo da mandíbula, até o periósteo, com dissecção
romba em ambos os lados da mandíbula.
8.11 Espaço periamigdaliano
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As infecções do espaço periamigdaliano geralmente resultam de extensão tonsilar, e
freqüentemente envolvem o espaço parafaríngeo, tipicamente em adolescentes e adultos jovens.
Também podem ocorrer após infecção das glândulas salivares supra-amigdalianas de Weber. Devem
ser suspeitadas quando não existe a melhora esperada apesar da antibioticoterapia adequada.
O quadro clínico consiste em toxemia, dificuldade de deglutição, dificuldade de fala (com a típica
voz de "batata quente"), sialorréia, dor intensa, trismo e prostração. Ao exame da orofaringe nota-se a
presença de abaulamento do pilar amigdaliano anterior para a linha mediana, geralmente
unilateral, com deslocamento da úvula contralateralmente e abaulamento do palato mole.
Exceção deve ser feita no caso raro de haver abscesso periamigdaliano bilateral, em que ambos os
pilares amigdalianos anteriores e regiões adjacentes do palato mole estarão igualmente edemaciados
e eritematosos, apresentando um desafio diagnóstico. A presença de eritema e exsudato amigdaliano
tanto pode ser severa como surpreendentemente discreta.
O tratamento ideal para abscessos periamigdalianos tem sido objeto de controvérsia entre os
otorrinolaringologistas por duas décadas. Estudos recentes sugerem que a punção aspirativa tem
índice de melhora de 85-90% e pode ser mais efetiva em termos de custo e menos mórbida que a
drenagem. No entanto, a maioria dos estudos ainda consideram que o padrão ouro para o tratamento
é a drenagem intra-oral sob anestesia local (Khayr e Taepke, 2005). A anestesia local é realizada
pelo bloqueio do ramo tonsilar do nervo glossofaríngeo (responsável pela inervação sensitiva da área)
na fossa amigdaliana. Realiza-se uma incisão de cerca de 1,5 cm no pilar amigdaliano anterior,
geralmente após punção para localização da coleção. O material obtido deve ser enviado para
culturas.
Como a microbiologia destas infecções geralmente é polimicrobiana, deve ser utilizada
antibioticoterapia de amplo espectro. Os agentes envolvidos são, em geral, bactérias Gram-positivas
(Streptococcus) e anaeróbios (Peptostreptococcus e Fusobacterium), estando indicado o uso de
penicilina ou clindamicina. Eventualmente e principalmente em crianças menores, o H. influenzae
pode estar envolvido, podendo-se optar pelas associações com ácido cluvunônico ou cefalosporinas
de 2a. geração. A prescrição de antiinflamatórios está sempre indicada em razão do intenso edema
intra-oral e desconforto; os corticoesteróides são muito úteis no controle desses sintomas.
Se o paciente apresentar desidratação, sepse, debilidade, comprometimento imunológico ou
potencial comprometimento de vias aéreas superiores, deve ser hospitalizado para observação e
administração de fluidos e antibioticoterapia endovenosa.
Amigdalectomia eletiva pode ser realizada quando houver resolução do quadro inflamatório. No
serviço de otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, considerase indicação de amigdalectomia a ocorrência de dois ou mais abscessos periamigdalianos. Em
casos em que ocorre falha no tratamento com antibióticos e drenagem, alguns autores indicam a
amigdalectomia. Uma vez indicada cirurgia, um estudo prospectivo sugere que a amigdalectomia em
vigência do abscesso seria mais eficiente em termo de redução de custos, e que o procedimento, ao
contrário do que se preconizava antes, não se acompanha de mais sangramento que a
amigdalectomia eletiva (Chowdhury e Bricknell, 1992). Extensão da infecção para o espaço
parafaríngeo deve ser excluída e, se presente, esse espaço deve ser adequadamente drenado.
8.12
Espaço temporal
O quadro clínico é de dor na região temporal, trismo e ocasionalmente desvio da mandíbula
para o lado afetado. Geralmente provém de disseminação de infecção do espaço mastigatório. O
tratamento consiste em drenagem externa dos compartimentos superficial e profundo e administração
de antibióticos.
8.13
Espaço visceral anterior
A maioria das infecções atingindo o espaço visceral anterior resulta de perfurações da parede
anterior do esôfago por manipulação, corpo estranho ou trauma; raramente ocorre extensão de outras
infecções a partir da tireóide ou de outros espaços profundos do pescoço. A queixa inicial nesses
pacientes é de dificuldade para deglutir. Com o progresso da infecção pode ocorrer rouquidão,
dispnéia e obstrução de vias aéreas. Ao exame físico nota-se a presença de crepitação, por enfisema
14
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de subcutâneo, e a laringoscopia pode revelar edema e eritema da hipofaringe. O tratamento consiste
em jejum via oral, administração endovenosa de antibióticos e drenagem externa. Se o abscesso é
bem localizado, uma incisão sobre sua área pode ser suficiente, caso contrário, deve ser realizada
incisão ampla. Os pacientes devem ser tratados de maneira agressiva e devem permanecer sob
observação cuidadosa, uma vez que existe risco alto para insuficiência respiratória e mediastinite.
8.14
Fasceíte Necrotizante
Representa um quadro infeccioso com acometimento das fáscias cervicais, inicialmente
superficial, caracterizando-se por extensa necrose do tecido conectivo (pele, subcutâneo, fáscias e
músculos) com difícil reconhecimento das estruturas cervicais, associada a grave toxemia. Uma
história de trauma (exemplo: picada de inseto) ou infecção odontogênica geralmente precedem o
início da doença. Geralmente é causada por estafilococos ou estreptococos, mas a flora mista
também é encontrada. É mais comum em pacientes portadores de imunodeficiências ou alterações da
microcirculação, como diabéticos.
O quadro clínico inicialmente corresponde a edema, eritema, calor local e tensão dos tecidos,
podendo haver crepitação destes. Há evolução fulminante, com trombose dos vasos cutâneos, que se
não tratada leva a um estágio rapidamente progressivo de necrose da pele, com aspecto escurecido,
líquido e gangrena cutânea extensa. Sintomas sistêmicos severos de toxemia, inclusive com sepse
(leucocitose / leucopenia, anemia, hipocalcemia, falência hepática, hipoalbuminemia) são freqüentes.
O diagnóstico é baseado na presença de necrose de tecido subcutâneo e fáscia superficial. A
TC pode identificar gás nos tecidos e demonstrar a extensão do processo. A cultura deve ser obtida
sempre que possível.
O tratamento consiste em diagnóstico precoce, debridamento agressivo, doses altas de
antibióticos intravenosos e controle clínico das doenças de base. Múltiplas abordagens cirúrgicas
podem ser necessárias até que se obtenha tecido de granulação saudável. A câmara hiperbárica
pode ser de grande ajuda.
Complicações são comuns, e incluem neuropatias, erosão vascular, asfixia e mediastinite. A
mortalidade gira ao redor de 20 a 36%, sendo conseqüência de sepse, falência respiratória, falência
de múltiplos órgãos ou erosão vascular.
9. Complicações
As complicações secundárias a infecções profundas do pescoço persistem apesar das técnicas
diagnósticas, ampla utilização de antibióticos potentes e intervenções cirúrgicas eficientes. São
decorrentes do acometimento de estruturas anatômicas próximas importantes, como A. carótida,
V.jugular, cadeia simpática e Nervos cranianos IX, X, XI, XII. Atrasos no início do tratamento podem
resultar em propagação da infecção além do pescoço. Osteomielite da mandíbula ou da coluna
cervical podem ocorrer. Na tabela 2 encontram-se as complicações graves já descritas de abscessos
cervicais.
COMPLICAÇÕES GRAVES DE ABSCESSOS CERVICAIS PROFUNDOS
Mediastinite
Efusão pericárdica
Choque séptico
Pericardite
Trombose jugular
Fístula aortopulmonar
Pseudoaneurisma/ ruptura carotídeos
SARA
Insuficiência respiratória aguda
Abscesso epidural
Embolia séptica
CIVD
Pneumonia c/ ou s/ empiema pleural
Tabela 2. Complicações graves dos abscessos cervicais profundos.
Em estudo recente, determinou-se que pacientes com dois ou mais espaços acometidos estão
sob maior risco de desenvolvimento de complicações, ao passo em que a origem odontogênica do
abscesso confere um menor risco (Lee et al, 2007). Outros fatores que podem estar relacionados a um
risco aumentado de complicações incluem doenças sistêmicas, como diabetes mellitus, leucocitose
acima de 14.000/mm3 e envolvimento do espaço visceral anterior (Boscolo-Rizzo et al, 2006).
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Abscessos retrofaríngeos podem drenar para a faringe, causando aspiração e,
conseqüentemente, pneumonia e abscesso pulmonar. Abscessos pré-vertebrais, além de atingir o
mediastino e cavidade pleural, podem se propagar através do diafragma, levando a acometimento
abdominal.
Algumas complicações também podem resultar de intervenções cirúrgicas, uma vez que os
tecidos encontram-se inflamados e os planos cirúrgicos alterados. O início de antibioticoterapia préoperatória, manuseio gentil dos tecidos e utilização de marcos anatômicos para evitar danos a
estruturas nervosas e vasculares diminuem a incidência desse tipo de complicações, de septicemia e de
infecções de ferida cirúrgica.
Complicações pelo acometimento da bainha carotídea
A propagação da infecção à região carotídea pode resultar em erosão da carótida, evento raro
(existem poucos relatos de casos) com mortalidade elevada. São sinais de ruptura iminente:
• equimose da mucosa oral e da região cervical
• múltiplos episódios de pequenos sangramentos orais
O quadro clínico consiste em sangramento pela faringe, aparecimento de hematoma na região
cervical ou choque. Sangramento proveniente do conduto auditivo externo (CAE) ocorre mais raramente
e requer imediata intervenção cirúrgica, sendo secundário ao deslocamento lateral da parótida pelo
abscesso, o que leva a erosão da parte cartilaginosa do CAE e drenagem de pus e/ou sangue. O
tratamento consiste em ligadura de emergência da A carótida, com risco de isquemia cerebral e morte.
Pode ocorrer também tromboflebite da V. Jugular interna, quadro relativamente frequente porém
pouco diagnosticado, já que na maioria das vezes seus sintomas são semelhantes ao do próprio
abscesso em si. O quadro clínico se caracteriza por febre alta, edema na região do músculo
esternocleidomastoideo, rigidez cervical, disfagia, pletora de face, engurgitamento de veias e quadro
séptico, podendo levar à trombose ou embolia séptica. O diagnóstico é feito antes do óbito em apenas
20% dos casos. Na TC, observa-se realce anular com luminescência central na veia jugular interna. A
conduta inicial é conservadora, com antibioticoterapia de amplo espectro com boa cobertura para
anaeróbios. O papel da anticoagulação é controverso. Caso não haja melhora em 48 horas, a
intervenção cirúrgica está indicada, sendo realizada ligadura da veia.
O quadro de trombose de veia jugular interna e septicemia acompanhado de embolia séptica
com infecção primária de orofaringe é conhecido como Síndrome de Lemiere e está relacionado com o
Fusobacterium necrophorum. Êmbolos sépticos atingem os pulmões, sistema músculo-esquelético e,
ocasionalmente, o fígado.
Pacientes com envolvimento da cadeia simpática ou de nervos cranianos podem apresentar
síndrome de Horner ou outros déficits neurológicos, como rouquidão (acometimento do X) ou paresia
unilateral da língua (acometimento do XII); o acometimento do IX é mais difícil de detectar. O XI par se
localiza mais profundamente, sendo mais raramente atingido.
Mediastinite
Infecções profundas do pescoço constituem fator de risco para mediastinite, já que a
fáscia cervical profunda é contínua com o mediastino. A infecção cervical pode descender através do
espaço retrofaríngeo (71% casos) ou vascular (21% dos casos), facilitada pela gravidade e pela
pressão negativa intratorácica. Outras vias possíveis, mas menos comuns, de disseminação são os
espaços: visceral, “danger” e pré-vertebral. O diagnóstico requer observação dos sinais de envolvimento
mediastinal, tais como:
• febre persistente
• taquipnéia
• desconforto respiratório
• dispnéia intensa
• dor torácica
• edema e eritema acometendo o tórax
• disfagia
Pode ser realizado raio-x de tórax, mas os sinais de mediastinite (alargamento de mediastino,
pneumotórax, pneumomediastino ou edema pulmonar) são freqüentemente tardios (X-Y Cai et al,
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2006). TC de tórax confirma o diagnóstico com grande acurácia, e, aliada ao exame físico, mostra
sensibilidade de 95% (Miller et al, 1999). O tratamento adequado envolve debridamento cirúrgico
agressivo, se necessário, por múltiplos acessos, que pode requerer toracotomia dependendo da
localização das coleções. Antibioticoterapia segue os princípios gerais já discutidos para os abscessos
cervicais. Mesmo com a abordagem correta, a mortalidade dos pacientes que desenvolvem mediastinite
purulenta gira em torno de 50%.
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