Os caminhos da Responsabilidade Social O termo Responsabilidade Social teve como uma de suas primeiras definições a conceituação clássica de Howard Bowen, em 1953 (apud ASHLEY, 2003, p.6). Para ele, significava "a obrigação social do homem de negócios de adotar orientações, tomar decisões e seguir linhas de ação que sejam compatíveis com os fins e valores da sociedade". Segundo Bowen, cinco são os tipos de públicos que podem ser beneficiados com a Responsabilidade Social: funcionários, clientes, fornecedores, competidores e outros que de alguma maneira tenham algum vínculo com a empresa (definição que contempla o conceito moderno de stakeholders). Para Patrícia Ashley, a Responsabilidade Social pode ser definida como: compromisso que uma organização deve ter com a sociedade, expresso por meio de atos e atitudes que a afetem positivamente, de modo amplo, ou a alguma comunidade, de modo específico, agindo pro-ativamente e coerentemente no que tange a seu papel específico na sociedade e a sua prestação de contas para com ela. A organização, nesse sentido, assume obrigações de caráter moral, além das estabelecidas em lei, mesmo que não diretamente vinculadas às suas atividades, mas que possam contribuir para o Desenvolvimento Sustentável dos povos. Assim, numa visão expandida, Responsabilidade Social é toda e qualquer ação que possa contribuir para a melhoria da qualidade de vida da sociedade. (ASHLEY, 2003, p.6) Com o passar dos anos, o conceito de Responsabilidade Social, porém, acabou se deteriorando, esvaziado num mar de definições. O objetivo deste artigo é esclarecer que tipo de responsabilidade cada agente social contempla e os mecanismos de consagração traçados ao longo desse percurso. Para tanto, nos discursos dos mais diversos teóricos e empresas pode-se diferenciar dois níveis fundamentais de abordagem em relação ao tema: um, comprometido com as razões do mercado e aqui denominado Responsabilidade Social de Mercado (RSM). E outro vinculado à questão do desenvolvimento, da cidadania, chamado de Responsabilidade Social Cidadã (RSC). Responsabilidade Social do Mercado (RSM) Para poder compreender o que significa a conceituação e a prática perseguida pela RSM se faz necessário importar algumas considerações sobre o conceito de 'campo social' presente ao longo da obra de Pierre Bourdieu. Os campos sociais são espaços de relações estruturados e relativamente autônomos. Essa relativa autonomia pressupõe singularidades e aspectos comuns a outros campos. O nível da estruturação interna de um campo qualquer é definidor do maior ou menor grau de sua autonomia em relação aos demais campos. O campo jornalístico, por exemplo, possui suas próprias regras de funcionamento, como o exercício diário de pautas, matérias sobre prestação de serviço, reportagens investigativas etc. Da mesma forma, o campo institucional/publicitário detém mecanismos próprios de funcionamento, como os releases, informes e anúncios. Um campo funciona de maneira autônoma do outro, o que não implica que ambos ou demais campos possam estar em contato mutuamente. Assim, nesses espaços de relações sociais constituem-se regras de ação que são em parte autônomas e em parte coincidentes com outros espaços. Por essas normas de conduta, define-se o dizível e o indizível, o adequado e o inadequado, o 1 pertinente e o impertinente, bem como se distingue o que eticamente é aceito e aplaudido pelo campo da conduta moralmente condenável. Um campo será tanto mais autônomo quanto mais específicos forem os seus troféus, isto é, os objetos de luta social que lhe caracterizam. A atribuição ou a identificação do valor social dos prêmios ABERJE (Associação Brasileira de Jornalismo Empresarial), Top of Mind, bem como os concedidos pelo Instituto Ethos e pelo jornal Valor Econômico implicam um certo engajamento num espaço singular de relações e de disputas. Essas disputas atribuem competência social aos atores envolvidos e passam a ganhar uma carga ideológica maior, materializando-se na forma como são vistos os agentes perante a sociedade. O fator de premiações e títulos proporciona aos atores sociais uma exposição maior ou superexposição, agregando a si mesmos, através dos mecanismos internos de funcionamento, um capital social maior e qualificação na defesa de suas posições. Assim, uma empresa como a Shell, ao obter o título de empresa Top of Mind, por exemplo, passa a deter o valor de reconhecimento social pelas atividades que desenvolve, dentro de seu campo. O prêmio em si, tendo como um de seus patrocinadores a Folha de S. Paulo, é a prova material de sua importância social. A maior prova de que os campos dialogam entre si é a atribuição do prêmio por uma empresa jornalística oriunda de um outro campo social, neste caso, o jornalístico. Finalmente, a maior ou menor autonomia do campo se objetiva na especificidade de suas instâncias de legitimação, isto é, posições sociais que quando ocupadas por este ou aquele agente lhe permitem o acúmulo de um capital específico. Da mesma forma, podemos associar a busca de uma empresa pelo seu reconhecimento socialeconômico. Uma corporação que investe em fundos sociais na Bolsa de Valores está buscando demonstrar à sociedade que é preocupada com o desenvolvimento social através de suas intervenções, o fortalecimento de sua marca, e por fim, o objetivo principal, que é a valorização de seus fundos no mercado, ou seja, maximização do seu lucro. Assiste-se a uma transferência do capital institucional acumulado por esta ou aquela organização a um de seus representantes, ou porta-vozes. A especificidade das relações sociais e a existência de troféus almejados por todos permitem ainda a comparação do funcionamento de um campo com um jogo. Para que este seja jogado é fundamental que todos se submetam a certas regras e que todos admitam desde o início o valor indiscutível do prêmio a ser obtido. Desta forma, todo o agente social, ao agir, sempre um complexo de causas materiais daquela estratégia. Isto não significa, no necessariamente racionais, ou seja, operem um cálculo racional de custos e benefícios. respeita uma certa lógica. Isto é, há que lhes faculta a adoção desta ou entanto, que estes agentes sejam para cada instante de sua existência Os jogos sociais são processos estruturados de relação que não se deixam flagrar como jogos. A importância de participar não é calculada, mas implícita, considerada óbvia. Essa evidência decorre de uma certa atribuição de valor a este ou aquele objeto de luta definida em processos de socialização e decorrentes do pertencimento ao campo. Em outras palavras, atribuir um certo valor a um troféu é também condição de pertencimento a campo e condição de participação no jogo, no seu jogo. O troféu é considerado objeto de valor porque é socialmente definido como troféu no interior do campo. 2 Resumidamente, as empresas criam ou fomentam a criação desses troféus e a partir deles, passam a adquirir o capital do qual são originariamente desprovidas, que é o capital social. Como exemplo podemos citar a criação do Instituto Ethos, que recebe financiamento indistintamente das corporações, quer elas estejam preocupadas com a efetivação do social ou não. Desta forma, as instituições criam, jogando o jogo, mecanismos de legitimação própria, dentro das regras estabelecidas pelos concorrentes e pelo mercado. Estabelecem parâmetros para se enquadrarem como capazes socialmente de promover o bem seja através dos troféus sociais, seja através da autopremiação com a aquisição de selos (AA 1000, SA 8000, BS 8800, ISO 14000, Empresa Cidadã, Empresa Amiga da Criança etc) e normas distribuídas sem o devido rigor, ou sem estabelecimento de conexões com as causas defendidas. Isto, sem falar na criação de fundos sociais que legitimam a busca pelo lucro. Em nenhum momento do jogo, a busca pela cidadania ou responsabilidade social é colocada como fundamental. Como afirma o próprio porta-voz do pensamento neoliberal Milton Friedman, não é função das empresas praticar a responsabilidade social, mas sim gerar lucros. Responsabilidade Social Cidadã (RSC) Por outro lado, temos a Responsabilidade Social Cidadã, uma visão muito mais abrangente que refuta determinados aspectos dentro do cumprimento das normas. Nesta visão, os agentes sociais têm uma visão de campo necessariamente interligada, ainda que por temas específicos, mas de relevância extra-campo. Para esses agentes, a responsabilidade social transcende o conceito de campo específico e engloba piamente a terminologia do campo social, pois entende que a sustentabilidade e o desenvolvimento social invadem os demais campos. Sumariamente, o conceito de Desenvolvimento Sustentável comporta simbolicamente os pilares econômico, ambiental e social. Mas, no entanto, a responsabilidade social no sentido específico, estudado a partir do ponto de vista cidadão, engloba as demais instâncias sociais como cultura, política etc. A própria busca de troféus deixa de ser o objetivo principal do jogo. Esse mesmo jogo passa a ser direcionado a outros troféus não legitimadores do poder simbólico, mas das relações entre os indivíduos do campo e da valorização das próprias ações dentro do jogo. Tal ótica é compactuada pela significação do conceito de sustentabilidade, segundo Ignacy Sachs (apud VIEIRA e BREDARIOL, 2001, p.58): (...) um processo criativo de transformação do meio, com a ajuda de técnicas ecologicamente prudentes, concebidas em função das potencialidades deste meio, impedindo o desperdício inconsiderado dos recursos e cuidando para que estes sejam empregados na satisfação das necessidades reais de todos os membros da sociedade, dada a diversidade dos meios naturais e dos contextos culturais. Promover o Eco-desenvolvimento é, no essencial, ajudar as populações envolvidas a se organizar, a se educar, para que elas repensem seus problemas, identifiquem suas necessidades e os recursos potenciais para receber e realizar um futuro digno de ser vivido, conforme os postulados de justiça social e prudência ecológica. Os troféus sociais tornam-se objetos secundários dentro do campo de origem das ações sociais. Ainda assim, eles podem continuar coexistindo nos demais campos, com ou sem o consentimento dos atores sociais. Neste contexto, o conceito de responsabilidade social ganha nova dimensão, podendo ser definido como "o exercício planejado e sistemático de ações e 3 estratégias e a implementação de canais de relacionamento entre uma organização, seus públicos de interesse e a própria sociedade" (BUENO, 2003, p. 106). O campo passa a ser delimitado por novas regras. Empresas tabagistas, bélicas, e fabricantes de agrotóxicos, por exemplo, tornam-se excluídas, através de especificidades (morais e éticas) do campo social. Por outro lado, o maior troféu a ser conquistado é o balanço social, instrumento de mensuração de conduta, desde que observadas as suas especificidades já descritas. No entanto, o troféu neste caso (balanço social) não passa a ser um objetivo em si, mas um meio para se atingir a sustentabilidade. Este sim, o maior troféu daqueles que a elegeram como campo fértil para o exercício da cidadania plena. Fonte MARCOS, Eduardo da Rocha. Os caminhos da Responsabilidade Social. Disponível em: <http://www.comtexto.com.br/2convicomcomcrsEduardoMarcos.htm>. Acesso em: 26 ago. 2014. 4