Física Atómica e Nuclear – Capítulo 3. Momento Magnético Orbital. Spin. 44 Física Atómica e Nuclear Notas de Aula 3 Momento Magnético Orbital. Spin Este capítulo é uma continuação do estudo do átomo de um electrão e trata da analise das propriedades magnéticas destes átomos, e para este fim, utilizaremos uma combinação de teoria electromagnética simples, teorias parcialmente clássicas (semi clássicas) como o modelo de Bohr, e a Mecânica Quântica. Não será possível um tratamento totalmente quântico porque exigiria um conhecimento mais aprofundado da teoria electromagnética. As experiências que medem o momento angular orbital L do electrão atómico não o fazem directamente, mas sim através da grandeza a ele relacionada, que é o momento de dipolo magnético orbital l , que interage com o campo magnético aplicado ao átomo. Ao considerar os resultados das medidas dos momentos de dipolo magnético atómicos, descobriremos um facto muito importante: os electrões têm um momento angular intrínseco chamado spin, e um momento de dipolo magnético de spin a ele associado. Em resumo, estudaremos neste capítulo o momento magnético l associado ao momento angular orbital L , o spin S do electrão, que está associado à um momento magnético s , e a experiência de Stern e Gerlach. 3.1 Momento Magnético Orbital do Electrão Uma partícula carregada, movendo-se numa órbita fechada, como é o caso do electrão no átomo, equivale a uma corrente eléctrica circular. Sabe-se da teoria electromagnética, que uma corrente eléctrica circular gera um campo de dipolo magnético. O mesmo acontece com o electrão em órbita em torno do núcleo. Convencionalmente o momento de dipolo magnético é representado pela letra grega “”, portanto a partir deste capítulo, não a utilizaremos para representar a massa reduzida do electrão. Não haverá confusão possível, já que a acuidade inerente tanto das experiências quanto dos cálculos normalmente não permite fazer distinção entre a massa reduzida do electrão e a massa do electrão. O momento de dipolo magnético orbital de um condutor circular é definido por: IA [Am2] (3.1) onde I é a corrente e o vector A é perpendicular ao plano do circuito cujo módulo corresponde a área A delimitada pela espira ( A = Auˆ , onde û é um vector unitário perpendicular ao plano de área A). O vector também é perpendicular ao plano do circuito. Veja os exemplos apresentados na Figura 3.1. Notas de Aula 2004/05 Ana Rodrigues Física Atómica e Nuclear – Capítulo 3. Momento Magnético Orbital. Spin. 45 (a) (b) (c) Figura 3.1. a) As linhas de B do dipolo magnético de um pequeno condutor circular com IA e b) um dipolo magnético fictício que produziria um campo idêntico num ponto P longe da órbita, como está indicado em c). Se colocarmos este dipolo num campo magnético homogéneo B , ele vai sofrer um torque: B (3.2) A energia potencial magnética (energia potencial de orientação) do dipolo será: Emagnética B B cos (3.3) onde é o ângulo entre e B (veja Figura 3.2). Notas de Aula 2004/05 Ana Rodrigues Física Atómica e Nuclear – Capítulo 3. Momento Magnético Orbital. Spin. 46 Figura 3.2. Espira rectangular de corrente I e vector área A , num campo magnético B . A energia potencial depende do ângulo entre o plano normal da espira e a direcção do campo magnético. Agora vamos transferir a definição de momento de dipolo magnético para o átomo de um electrão, e calcular o momento magnético de um electrão de carga q e , 2r que descreve uma órbita circular com velocidade v , em torno do núcleo ( 2r é o T comprimento da circunferência): I q e T T (3.4) onde T é o tempo que o electrão leva para descrever uma órbita completa (ver Figura 2 3.3). Substituindo T em (3.4), obtemos: l Figura 3.3. Cálculo do momento orbital. O electrão tem um momento angular L e um momento de dipolo magnético l . Como a carga do electrão é negativa, os vectores L e l têm direcções opostas. Notas de Aula 2004/05 Ana Rodrigues Física Atómica e Nuclear – Capítulo 3. Momento Magnético Orbital. Spin. I 47 e 2 (3.5) De acordo com a equação (3.1), e considerando A r 2 (área do círculo), o momento magnético desta corrente circular será: er 2 1 l IA er 2 2 2 (3.6) O momento angular orbital é dado por: L rp mevr mer 2 (3.7) Tirando o valor de e substituindo (3.7) em (3.6), obtemos o momento magnético em termos do momento angular: e L 2me l onde me é a massa do electrão. Podemos observar que a razão (3.8) l L e é uma 2me combinação das constantes universais, me e e. Escrevendo (3.8) na forma vectorial, fica: l e L 2m e (3.9) A proporcionalidade entre o momento angular e o momento magnético é conhecido também como paralelismo magnético – mecânico. A unidade do momento magnético dos átomos é tirada da antiga teoria de Bohr, e corresponde ao momento angular de um electrão na primeira órbita de Bohr, do átomo h . Este electrão produz um momento de hidrogénio ( L(n 1) n ): L 2 magnético, o Magnetão de Bohr, que é definido em termos das constantes características do electrão: B e 9.274078 10 24 [Am2] 2me (3.10) Normalmente os momentos magnéticos dos electrões são dados em unidades de B . Notas de Aula 2004/05 Ana Rodrigues Física Atómica e Nuclear – Capítulo 3. Momento Magnético Orbital. Spin. 48 O valor do momento magnético para o momento angular orbital definido em termos do número quântico l, também é quantizado, uma vez que L l l 1 . Assim: l B l l 1 (3.11) ou l e l l 1 2me (3.12) Escrevendo a equação (3.9) em termos de B : e L l g l 2me L l g l B (3.13) onde o factor orbital gl, tem o valor numérico gl =1 e é introduzido para preservar a simetria das equações que serão desenvolvidas mais tarde, e que incluirão factores g diferentes de um. Este factor foi introduzido por Landé, para o acoplamento spin órbita, a fim de caracterizar a razão entre o momento magnético (em B ) e o momento angular total (em unidades de ). Quando o momento magnético orbital B se encontra num campo magnético uniforme B , ele fica sujeito a um torque que tende a alinhar paralelamente o momento magnético com o campo magnético e que tem como objectivo ficar numa configuração de mínima energia (segundo a equação 3.3). Da definição de torque temos que: dL dt (3.14 ) Acontece que no caso do electrão em órbita em torno do núcleo, o momento magnético é proporcional ao momento angular, e o torque vai produzir uma variação do momento angular, que é perpendicular a ele (tem a mesma direcção de dL ), fazendo então com que o electrão se comporte mecanicamente como um giroscópio atómico, e precessione em torno da direcção do campo. De acordo com a Figura 3.4 a frequência angular de precessão do electrão em órbita, denominada frequência de Larmor, é: L L sin l B L sin l B sin g l B B L sin (3.15) Esta equação foi obtida através de um tratamento clássico. Fazendo um tratamento quântico, obtemos o mesmo resultado, isto é, os valores esperados das componentes perpendiculares ao campo magnético de um momento de dipolo magnético quântico variam de forma cíclica no tempo, de forma análoga às componentes perpendiculares ao campo de um momento de dipolo magnético clássico. Notas de Aula 2004/05 Ana Rodrigues Física Atómica e Nuclear – Capítulo 3. Momento Magnético Orbital. Spin. 49 A equação (3.15) pode ser escrita na forma: L B (3.16) Além do valor de L a equação indica que o sentido da precessão é o sentido de B . Este fenómeno é conhecido como precessão de Larmor e L é a frequência de Larmor. A nova variável que foi introduzida aqui, chama-se raio giromagnético e é igual a: gl B (3.17) A frequência de Larmor, L é independente do ângulo . Como já foi visto anteriormente, a orientação do vector L no espaço, não é aleatória. A solução da equação de Schrodinger (2.24) (Capítulo 2), sugere que quando um eixo é estabelecido, por exemplo pelo campo magnético aplicado, uma componente do momento angular é quantisada. São permitidos somente valores discretos do angulo entre o campo magnético B e L ou B e l . Figura 3.4. Diagrama vectorial para o cálculo da frequência de precessão L . dL L sin dt (arco raio angulo ). dL / dt L sin ). L / L sin ). Notas de Aula 2004/05 Ana Rodrigues Física Atómica e Nuclear – Capítulo 3. Momento Magnético Orbital. Spin. 50 Como vimos na equação (2.38) do Capítulo 2, as componentes do momento angular na direcção z , (ver Figura 3.5), são: Lz m , para m 0,1,2,3... l (3.18) Figura 3.5. Quantização direccional. Somente a projecção dos vectores L e l sobre uma escolha de z, pode ser observado. Aqui a direcção z é a direcção de B . Desta forma enfatizamos que o momento angular orbital está associado ao número quântico magnético, que pode ter 2l+1 valores diferentes. A maior componente possível de L na direcção z é l . A componente z do momento magnético l , é quantizada: l z e Lz m B 2me (3.19) que tem o seu valor máximo para lB . 3.2 Spin e Momento Magnético do Electrão. A experiência de Stern e Gerlach. Os estados s com momento angular orbital L=0, não tem momento magnético orbital e por isso o átomo de um electrão deveria ser diamagnético no estado fundamental. Entretanto estes átomos na realidade são paramagnéticos. Isto acontece porque existe o spin do electrão que está associado a um momento magnético. O mérito da introdução do spin do electrão, é geralmente atribuído a Uhlenbeck e Goudsmit em 1925, para explicar os desdobramentos das linhas espectrais, quando os átomos são colocados num campo magnético (efeito Zeeman). Postulou que o electrão tem um momento angular S intrínseco ou spin, onde: Notas de Aula 2004/05 Ana Rodrigues Física Atómica e Nuclear – Capítulo 3. Momento Magnético Orbital. Spin. S ss 1 51 (3.20) e um momento magnético intrínseco associado: s g s e S 2me (3.21) 1 onde s corresponde a 2 um novo número quântico: o número quântico de spin. As equações (3.21) e (3.13) não são idênticas, porque os valores de gs e gl, não são iguais. O factor gs, denominado de factor g do electrão ou raio giromagnético do electrão, tem em conta as suas propriedades internas. O seu valor experimental é gs=2.0023. A Figura (3.6.a) representa um desenho esquemático do spin e do momento magnético do electrão. Dirac em 1928 mostrou que o spin do electrão é uma consequência necessária da Teoria Quântica Relativística (a teoria de Schrödinger é não relativística). Através dessa teoria obtêm-se g=2. A pequena diferença entre o valor previsto teoricamente e o valor empírico, explica-se através da electrodinâmica quântica quando é levado em conta a interacção do electrão com o seu próprio campo de radiação. onde e é o valor absoluto da unidade de carga do electrão, s (a) (b) Figura 3.6. a) O spin e o momento magnético do electrão. b) O spin do electrão tem duas orientações possíveis num campo magnético com direcção z, que são 1 caracterizadas pelo número quântico s . 2 Notas de Aula 2004/05 Ana Rodrigues Física Atómica e Nuclear – Capítulo 3. Momento Magnético Orbital. Spin. 52 Em 1922 através da experiência de Stern e Gerlach, observou-se pela primeira vez, que na presença de um campo magnético B (ou na presença de um eixo definido z) o spin só podia ter duas orientações no espaço: “paralelo” ou “anti-paralelo” ao campo (ver Figura 3.6.b). Stern e Gerlach mediram os valores possíveis do momento de dipolo magnético de átomos de prata enviando um feixe desses átomos através de um campo magnético não uniforme, como indica a Figura (3.7). Os feixes de átomos neutros foram formados pela evaporação de prata num forno. O feixe é colimado por um diafragma e entra num imã. Placa colectora dB dz S N Figura 3.7. O aparelho de Stern-Gerlach. Notas de Aula 2004/05 Ana Rodrigues Física Atómica e Nuclear – Capítulo 3. Momento Magnético Orbital. Spin. 53 O efeito deste campo magnético não uniforme na direcção z, sobre um dipolo magnético é exercer uma força, cuja direcção e módulo dependem da orientação relativa do campo magnético e do dipolo. Se o dipolo magnético estiver orientado paralelamente ao campo magnético, tende a mover-se na direcção em que o campo magnético aumenta. Pelo contrário, se o dipolo magnético estiver orientado antiparalelamente ao campo magnético, se moverá na direcção em que o campo diminui. Um dipolo que é perpendicular ao campo magnético não se move. A força de deflexão é derivada da energia potencial do campo magnético, Emagnética B : Fz z dB dz (3.22) dB dz é a rapidez com que ele cresce. Os átomos deflectidos colidem contra uma placa metálica, sobre a qual condensam deixando uma marca visível. A Figura 3.8 mostra a configuração da deflexão registada na placa detectora e que consiste de duas componentes discretas devidas à quantificação espacial. onde z é o eixo de coordenadas na direcção do aumento da intensidade do campo e As suas componentes na direcção z são: S z ms com ms 1 2 (3.23) Figura 3. 8. Configuração da deflexão observada na placa detectora de uma experiência de Stern-Gerlach de medida de z do momento de dipolo magnético dos átomos de prata. onde ms é o número quântico magnético de spin. O momento angular é orientado, portanto o momento magnético também é orientado. A componente z do momento magnético de spin é: Notas de Aula 2004/05 Ana Rodrigues Física Atómica e Nuclear – Capítulo 3. Momento Magnético Orbital. Spin. 54 s z g s ms B (3.24) s z 1.00116B (3.25) ou numericamente: Intuitivamente falando, o spin e o momento magnético precessionam em torno do eixo do campo magnético (comparar com o que vimos na secção 3.1). O raio giromagnético, definido em 3.17, como sendo a razão entre o momento magnético e o momento angular: s (3.26) não é o mesmo. Para o magnetismo orbital puro temos: l 1 e 2 me (3.27) e para o magnetismo de spin: s 1.00116 e me (3.28) Podemos obter o g, ao multiplicarmos por e é definido para o magnetismo orbital puro como sendo: l 1 e gl B 2 me (3.29) e para o magnetismo de spin puro é: s 1.00116 Notas de Aula 2004/05 e g s B 2.0023 B me (3.30) Ana Rodrigues