Anais do SEFiM, Porto Alegre, V.02 - n.2, 2016. A historicidade da música na Filosofia da Arte de Hegel Music’s historicity in Hegel’s Philosophy of Art Palavras-chave: Hegel; Arte; Música; Historicidade; Idealismo alemão. Keywords: Hegel; Art; Music; Historicity; German idealism. Adriano Bueno Kurle Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul [email protected] Nas Vorlesungen über Philosophie der Kunst, Hegel aborda sua leitura da arte através da relação da concepção de Ideia (da lógica) com a sua aparição sensível (o Ideal). Ao determinar o conceito de arte, Hegel o divide em três níveis, de acordo com as categorias básicas da sua dialética-especulativa: o nível universal, onde Hegel apresenta o conceito geral de arte, onde o belo é delimitado ao belo gerado pela atividade do Geist (sendo assim o belo natural negado como tendo valor artístico e estético); o nível particular, onde ocorre a manifestação histórica das formas de arte, que são divididas pela maneira como conteúdo (que tem origem ideal e espiritual) e forma (sensível, figuração – Gestalt) se relacionam: na arte simbólica, o conteúdo está aquém das formas, que não conseguem apreender nem determinar de maneira clara este conteúdo; na arte clássica há a harmonia entre o conteúdo e a forma, sendo o homem e sua ação enquanto o indivíduo-herói a representação intuitiva da relação de identidade entre o universal e o singular; já a última forma particular de arte é chamada por Hegel de arte romântica – o caso onde o conteúdo ultrapassa a forma e, poderíamos dizer, a forma sensível serve como sinal para apontar para algo que se coloca para além dela. Todas estas formas de arte também se desenvolvem em um processo gradual, onde internamente possuem seus momentos de nascimento, crescimento, cume, decadência e fim. Isto leva Hegel à declaração do “passado” da arte, enquanto algo relevante para o desenvolvimento do Geist absoluto (nível no qual se encontra a arte). Ainda no nível da singularidade, Hegel trata das formas de arte singular, que são as formas materiais nas quais a arte se manifesta: arquitetura, escultura, pintura, música e poesia. Elas estão relacionadas também com as formas particulares de arte. Focaremos aqui no caso da música. Há uma passagem progressiva de uma arte singular para outra, de acordo com a regra histórica da particularização da arte: primeiro, as artes visuais que estão mais ligadas ao mundo físico, ao peso da matéria: a arquitetura e a escultura. Estas funcionam principalmente enquanto arte simbólica (no caso da arquitetura) e clássica (no caso tanto da arquitetura quanto da escultura). Já a pintura é a arte visual que passa pelo processo de interiorização da imagem, e pertence à forma de arte romântica. Esta já se dá com maior liberdade de expressão subjetiva e em apenas duas dimensões. Quando a negação do espaço ocorre, e o movimento de vibração passa unidimensionalmente a representar as relações deste 36 movimento de corpos vibrando, e o relacionamos com o fenômeno do som, chegamos à música. A música também é considerada uma arte romântica, e está presa à temporalidade e à interioridade subjetiva. Porém, a abordagem de Hegel com relação à música não se aprofunda no desenvolvimento histórico imanente da música. A música é considerada uma arte romântica, o que já é suficiente para colocá-la em uma determinada situação fenomenológico-histórica. Porém isto seria ainda muito pouco. Devemos analisar como a música pode encontrar seu processo de avaliação e desenvolvimento histórico, dentro da própria forma romântica enquanto forma particular. Vemos, assim, que a forma de arte romântica, como todas as outras formas particulares de arte, possui seu momento de nascimento, crescimento, decadência e fim. Ora, este processo deve valer para o processo fenomenológico das artes singulares também, muito embora não seja necessário que as artes singulares, enquanto formas de expressão da singularização da prática artística, manifestem em cada uma delas todas as formas particulares de arte. Vemos, assim, que a manifestação histórica da arte está conectada com a manifestação e desenvolvimento do Geist absoluto, e que o processo histórico da arte, de maneira geral, encontra um esgotamento em termos de desenvolvimento do conteúdo substancial do Geist absoluto. Para compreendermos a historicidade da música, devemos levar em consideração os seguintes aspectos, além daqueles considerados na filosofia da arte: (1) o Geist absoluto enquanto o processo reflexivo de um grupo social e cultural, sendo este processo autorreflexivo cultural também sua construção cultural e de visão de mundo (Weltanschauung), assim não apenas a construção objetiva e subjetiva daquilo que este Geist é, mas a sua identidade entre aquilo que ele manifesta e aquilo que ele mesmo reconhece que é, o que, podemos dizer assim, é a consciência de si intersubjetiva de um grupo sóciocultural; (2) este processo mesmo de construção da identidade sócio-cultural (ou, do Geist absoluto) se manifesta historicamente; (3) as manifestações fenomenológico-históricas estão ligadas à estrutura da Ideia lógica; (4) a arte é considerada por Hegel enquanto Anschauung (intuição) do Geist absoluto, e o processo de desenvolvimento deste envolve a superação desta visão limitada para sua ampliação através da Vorstellung (representação, que se consuma através da religião) e do Denken (pensar, que se consuma na filosofia). Desta forma, a historicidade da música é parte de um processo de desenvolvimento histórico do próprio Geist. A questão, que propomos no final desta análise, é se e como o processo contínuo de desenvolvimento da música, especialmente no pensamento e na prática artística do século XX, deve ser considerado substancialmente relevante para o Geist ou se, como afirma Hegel nas Vorlesungen, do ponto de vista da expressão da verdade a arte é algo do passado. Concluiremos que uma resposta adequada a esta questão não deve se prender a análise da filosofia da arte, mas também buscar a relação entre a Ideia lógica e a filosofia da arte, em especial através da análise das concepções de teleologia e da dialética das modalidades (relação necessidade e contingência e a relação destas com a liberdade), e como estas se mantém na última categoria da Wissenschaft der Logik, isto é, na Ideia. Neste trabalho, po- 37 rém, apenas apontamos para a necessidade desta análise para a resolução deste problema, análise esta que não será apresentada aqui. Referências BERTRAM, G. W. Kunst: Eine philosophische Einführung. Stuttgart: Philipp Reclam, 2011. CANDÉ, R. História Universal da Música. 2 v. São Paulo: Martins Fontes, 2001. DUARTE, Rodrigo. “A morte da imortalidade: Adorno e o prognóstico hegeliano da morte da arte”. In: ______ (Org.). Morte da arte hoje. Belo Horizonte: Laboratório de Estética, 1994. p. 136–146. ______. “O tema do fim da arte na estética contemporânea”. In: Fernando Pessoa. Arte no pensamento. Vitória: Museu da Vale, 2006. p. 376–415. ESPIÑA, Y. “La Música en el Sistema Filosófico de Hegel”. Anuario Filosófico, n. 29, p. 53–69, 1996. ______. La Razón Musical em Hegel. Navarra: Ediciones Universidad de Navarra, 1996. FEIGE, Daniel Martin. “Die Zeitlichkeit der Musik als Form der Zeitlichkeit des Subjekts: Hegel über Musik und Geschichte. XXIII“. 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