no princípio era a palavra: o olhar de um tradutor

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Maria Sylvia Junqueira Ribeiro Campos
PROFT em Revista
NO PRINCÍPIO ERA A PALAVRA: O OLHAR DE UM
TRADUTOR
ISBN 978-85-65097-00-0
Anais do Simpósio Profissão Tradutor 2010
Vol. 1, Nº 1 Outubro de 2011
RESUMO
Maria Sylvia Junqueira Ribeiro Campos
O tema deste trabalho é a importância da palavra. A pesquisa foi
Historiadora, formada pela Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo.
feita a partir da análise do prólogo do Evangelho de São João e
Cursos de Especialização em Pesquisa
Histórica e História do Brasil, pela Pontifícia
Universidade Católica;
de Tradução da Língua Inglesa
Faculdades Claretianas, de São Paulo;
pelas
de Tradução de Termos Jurídicos pela
Faculdade Ibero Americana de São Paulo.
de estudos sobre a linguagem e mostra a importância, o
significado e poder das palavras. Analisamos também o intuito
do autor ao escrever este texto. O olhar do tradutor tem como
objeto a análise da fidelidade de diversas traduções em relação
ao texto original.
Palavras-chave: estudos de tradução, história da tradução,
palavra, fidelidade.
Maria Sylvia Junqueira Ribeiro Campos
Contato:
[email protected]
PROFT em Revista
Anais do Simpósio Profissão Tradutor 2010
No princípio era a palavra: o olhar de um tradutor
No princípio era a Palavra, a Palavra estava em Deus e a Palavra era Deus.
(Evangelho de São João 1,1)
Esta afirmação, no princípio era a palavra, encontra-se no prólogo do Evangelho de São João. Oras, tendo
por ofício a tradução de textos, achei interessante uma análise deste capítulo da Bíblia e assim foi feita
uma monografia com este título, procurando mostrar o significado da palavra na Bíblia e para o tradutor
de língua inglesa, em particular.
A frase “no princípio era a palavra, a palavra estava em Deus e a palavra era Deus” impressiona, pois nos
remete a duas análises: a explicação do mundo e a importância da palavra, identificada aqui com Deus!
Existem indagações que nasceram com o homem. A principal é a da origem da humanidade, até hoje sem
uma explicação científica.
Principiamos nosso estudo lendo esse capítulo, buscando também no Antigo Testamento trechos e
tradições que influenciaram o pensamento de São João.
Era preciso descobrir o intuito do autor e também determinar o significado e a importância da palavra na
Bíblia e para os estudiosos de línguas.
As palavras contêm muitas vezes um sentido simbólico que vai além do significado direto da primeira
nomeação de alguma coisa. Palavras podem ter duplo sentido. Palavras têm poder: de edificar ou de
destruir, de modificar comportamentos e emoções. Palavras, como no caso da Bíblia, transmitem
ensinamentos, deixam memória e testemunhos, tornam-se vivas nos espíritos durante séculos, mudam a
história.
Neste artigo vamos focalizar estas duas facetas:


O significado e a importância das palavras, segundo o olhar de um tradutor
O prólogo do Evangelho de São João e o Significado da Palavra na Bíblia
A IMPORTÂNCIA E O SIGNIFICADO DA PALAVRA – A ORIGEM DA TRADUÇÃO
O primeiro sinal e o mais evidente de um ser humano ao nascer é o som de sua voz chorando. A partir
desse momento, ele começa a interagir com o mundo e a se comunicar. E essa comunicação é pela sua
voz. O bebê chora toda vez que quer comer, chora quando sente algum incômodo.
Quem o observa tenta compreender o que está acontecendo e traduz em pensamento e palavras,
conforme sua interpretação, o som emitido pelo bebê. E age de acordo: vai alimentá-lo, acariciá-lo,
acalentá-lo. Ou vai chamar a mãe, se ela não estiver por perto.
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Daí vai um ano, mais ou menos, até as primeiras palavras. Essas são para nomear coisas, pessoas,
sentimentos. Vencidas as dificuldades de articulação, com maior ou menor habilidade, o que em geral se
aprende primeiro é como chamar a mãe e como pedir coisas. E logo lhe ensinam o “não”, “não pode”.
E tudo começa a ganhar vida e sentido. As coisas vão ficando familiares ao bebê, na medida do seu
conhecimento. O que não faz parte desse pequeno mundo, ele estranha.
O som emitido pelo recém nascido não é ainda uma palavra, mas já tem um sentido e esse é traduzido
por palavras e assim compreendido.1 Tão logo ele cresce, sua vida vai se estruturando em palavras. As
palavras provocam ações e reações. A vida se desenrola através das palavras, de sua compreensão e
tradução.
Tudo acaba por se traduzir em palavras. Sem as palavras, as coisas parecem não existir, pois precisamos
delas para transmitir nossos pensamentos e sensações.
Até aqui procurei mostrar com um exemplo próximo de nós, que é uma criança, a importância das
palavras e da tradução do sentir e do pensar.
Cientificamente essa expressão verbal é analisada pelo estudo da linguística.
Segundo diz Ingedore Villaça Koch, no seu livro “O texto e a construção dos sentidos”:
“Toda atividade humana, teria os seguintes aspectos fundamentais:
a) O estabelecimento de uma finalidade;
b) O estabelecimento de um plano de atividade, formado por ações individuais;
c) A realização de operações específicas para cada ação, de conformidade com o plano pré-fixado;
d) A dependência constante da situação em que se leva a cabo a atividade e a possível modificação no decurso da
atividade (troca das ações previstas por outros, de acordo com mudanças que se produzem na situação.)”1
Analisando a atividade da fala temos que as palavras surgem de uma motivação dentro de uma
determinada situação. Ainda é Ingedore Koch quem conclui:
“Na atividade de produção textual, o social/individual, alteridade/subjetividade, cognitivo/discursivo
coexistem e condicionam-se mutuamente, sendo responsáveis, em conjunto, pela ação dos sujeitos
empenhados nos jogos de atuação comunicativa ou sócio-interativa.”2
Citando outra fonte, Ogden e Richards no livro O significado do significado3 afirmam:
“Toda fala tem a finalidade de servir à comunicação de ideias.”
Segundo os autores há uma relação direta entre palavras e fatos:
– “...além disso, toda fala além de transmitir ideias, também expressa atitudes, desejos e intenções (pg.29)”
Um segundo tipo de relação se dá com coisas: “através de ideias e da relação de ideias com coisas”. Nesse
sentido estamos pensando no ato de “nomear”, “identificar” tudo o que nos rodeia.
O Simbolismo das palavras: Deste ato de nomear e identificar coisas, pessoas, sentimentos e fatos,
surgem também os simbolismos e outros significados para as mesmas palavras que são utilizadas com
outros sentidos. A nossa mente é capaz destes relacionamentos. Neste precioso livro de Ogden e Richards,
temos esta explicação para os significados simbólicos das palavras:
“As palavras nada significam por si mesmas. Só quando um pensamento as usa é que elas representam
alguma coisa, isto é, têm significado (pg. 31)”.
Mais adiante, ainda sobre as palavras, falam sobre seu significado emotivo, que criam um carater indireto
de relação entre palavra e coisa descrita:
“Há uma relação entre pensamentos, palavras e coisas de ordem reflexiva, sem contar com as complicações
resultantes de distúrbios emocionais, diplomáticos e outros”.
Koch, Ingedore Villaça, O texto e a construção dos sentidos, 3ªed., Contexto, São Paulo, 2.000
Koch, Ingedore Villaça, O texto e a construção dos sentidos, 3ªed., Contexto, São Paulo, 2.000 3 Ogden, C.K. & Richards, J.A., O significado do significado, Zahar Ed., R.J., 1972.
Cap. 1 – Pensamentos, Palavras e Coisas’
1
2
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No princípio era a palavra: o olhar de um tradutor
Portanto, quando falamos há um simbolismo, fatores sociais e psicológicos e estes símbolos atuam sobre
outras pessoas e reflexivamente sobre nossa própria atitude ou modo de pensar.
Quando ouvimos os símbolos levam-nos a um ato de referência que nos leva a uma atitude de acordo
com as circunstâncias daquele momento. Este ato estará de acordo com o ato e a atitude de quem falou.
Existe um significado além do significado direto entre “palavras” e “coisas”, “frases” e “situações”. Com
isso, Ogden e Richards, no livro mencionado acima nos mostram que existe, quanto à palavra o seguinte:
1) A palavra - como referência
2) A palavra - como propósito ou finalidade
A PALAVRA COMO REFERÊNCIA
Nosso intuito é determinar qual o verdadeiro significado de “palavra”.
O evangelho de São João foi escrito em grego. “Palavra”, em grego, é “logos”. No texto que escolhemos
para base deste trabalho, em português, temos duas traduções diferentes para este 1º versículo do
capítulo 1 do Evangelho de São João:
No princípio era o Verbo, e o Verbo estava junto de Deus e o Verbo era Deus. 4
Ou:
No princípio era a Palavra, e a Palavra estava junto de Deus, e a Palavra era Deus.5
Por isso, começamos nosso trabalho buscando na etimologia a origem dos termos palavra e verbo.
Segundo o Dicionário Etimológico de Antonio Geraldo da Cunha:
Palavra – s.f, vocábulo, termo (latim: parabola); (grego: parabolé)
Verbo – s.m., “palavra” (gram) palavra que designa ação, estado, qualidade ou existência da pessoa,
animal ou coisa. (latim: verbum)6
Vamos consultar em seguida o Dicionário de Sinônimos do Microsoft Word Office (2007) sobre Palavra:
 expressão (s.), termo, vocábulo
 verbo (nesse sentido ver: verbalizar e verbalização)
 voz
Na mesma fonte a pesquisa sobre o termo Verbo, podemos encontrar:
 dicção, entonação (ver também: verbalizar, verbalização)
 elocução, eloquência, expressão (ver também: verbalizar, verbalização)
 palavra, vocábulo (ver também: verbalizar, verbalização)
 sabedoria eterna (ver também: verbalizar, verbalização)
No Dicionário Aurélio7 temos que:
Palavra:
 Fonema ou grupo de fonemas com uma significação, termo, vocábulo.
 Sua representação gráfica
 Manifestação verbal ou escrita
 Faculdade de expressar ideias por meio de sons articulados; fala
 Modo de falar
 Promessa ou garantia verbal que se dá a alguém.
 Palavra de honra. Aquela em que a pessoa empenha a sua honra, sua credibilidade pessoal.
(Pode ser usado como interjeição para prometer ou assegurar).
 Dar a palavra. Permitir que alguém fale.
Verbo:
Centro Bíblico Católico, Bíblia Sagrada, trad. Frei João José Pereira de Castro, da versão dos Monges Maredsous (Bélgica), 101ªed.,
Ed. Ave Maria Ltda., São Paulo, Brasil, 1996.
5 Centro Bíblico Católico, Bíblia Sagrada, trad. Frei João José Pereira de Castro, da versão dos Monges Maredsous (Bélgica), 101ªed.,
Ed. Ave Maria Ltda., São Paulo, Brasil, 1996.
6 Da Cunha, Antonio Geraldo, Dicionário Etimológico , 2 Ed., Nova Fronteira, 1982
4
7Ferreira,
Aurélio Buarque de Hollanda, Mini Aurélio, 7ª Ed, Editora Positivo, Curitiba, 2009.
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 Palavra, vocábulo
 Expressão
 Gram. Classe de palavra que tìpicamente indica ação e que pode constituir sozinha, um predicado, ou
determinar os elementos que este conterá.
 Rel. A segunda pessoa da Santíssima Trindade, encarnada em Jesus Cristo.
Voltando ao nosso texto, Deus se expressa numa ação criadora que traduz-se em Palavra e Vida. (Note-se
que as duas traduções utilizam-se da letra maiúscula para Palavra e Verbo). O pensamento de Deus,
utilizando-se da Palavra dá Vida.
Mais adiante iremos analisar a intenção do autor, reproduzindo o texto completo deste prólogo.
Para compreendermos a importância e o poder das palavras, numa espécie de jogo mental que estabeleci
a mim mesma, relacionei o seguinte:
 Palavra e algumas de suas consequências:
 blasfêmia, fofoca,
 murmúrios, queixas,
 elogios,
 diálogo, dialética (discurso),
 conversa, entendimento, comunicação,
 fala, vocalização, verbo.
 Relacionando Palavra – Nome, no sentido de identificação:
 Distinção – esclarecimento - luz
 Nome – alma – pessoa - vida
 Vida – memória - vida eterna
Esses significados e suas relações ajudam-nos a compreender o pensamento do evangelista São João no
prefácio do livro que iria escrever. Todos os temas, e esse era um jeito bem helenístico de desenvolver
uma ideia, vão se desenrolando como o efeito de uma pedra que é lançada num lago, criando à sua volta
ondas circulares que vão se propagando. Assim são nas palavras em si e no desenrolar do raciocínio que
se expande nesse texto: a palavra ou verbo como princípio, a ideia de luz, a palavra que se faz carne, sua
relação com o mundo, como luz do mundo e essa luz, diz São João, muitos não reconhecem.
Como vimos, há uma relação de palavra com luz.
Luz – Tudo que produz claridade tornando visíveis os objetos; brilho, fulgor, cavidade central de um
órgão tubuloso, publicidade, evidência, ilustração (latim: lux,lucis – da raiz leuk =brilhar) 8
Na Bíblia a luz é a palavra de Deus mostrando um caminho para os homens. Vem em contraposição às
trevas e ao mal.
A PALAVRA COMO PROPÓSITO
Sob este ponto de vista queremos descobrir a intenção por detrás das palavras e também descobrir o
poder que elas têm.
Estudando a História, descobrimos a origem desses conceitos que nos ajudam a compreender melhor os
significados simbólicos das palavras.
As definições mais antigas sobre esse tema encontram-se na história do Egito, que sabemos, teve uma
grande influência sobre a cultura hebraica, devido aos 400 anos em que os judeus foram escravos dessa
civilização.
Nos manuscritos encontrados nas pirâmides do Egito constam referências ao deus Khern, isto é, o deus
Palavra, com personalidade igual a de um ser humano. Junto às múmias os egípcios deixavam um rolo
com escritos feitos em papiros com orientações para a vida depois da morte. Esses papiros foram
designados “Livro dos Mortos” pelo egiptólogo alemão Karl Lepsius e compilados depois por Wallis
Budge para o Museu Britânico em 1890.
“A criação do mundo era devida à interpretação em palavras, por Thoth, da vontade da divindade.” 9
8
Da Cunha, Antonio Geraldo, Dicionário Etimológico , 2 Ed., Nova Fronteira, 1982
9
Budge, The Book of the Dead,pgs. LXXXVI – citação no livro de Ogden, C.K. & Richards, J.A., O Significado do Significado, pg. 48
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No princípio era a palavra: o olhar de um tradutor
O “nome” para os egípcios é o que designava a “alma” do homem. No mar, uma besta surgiu tendo na
cabeça “nomes de blasfêmia”. O “nome” ou a “alma”, mesmo para os deuses, eram motivo máximo de
cuidado pela profanação que a besta “Blasfêmia” poderia causar à sua identidade. 10
Na Grécia, o filósofo Hieráclito define “logos” (palavra em grego) como “consubstanciadora da natureza
das coisas”. A linguagem para ele era “a coisa mais constante num mundo de incessantes mudanças.” 11
O nome passa a identificar as pessoas e essas, por sua individualidade, sua personalidade única e
diferenciada, ao morrerem são lembradas e continuam vivas na memória.
A memória torna eterna não só a lembrança dos que se foram como também de suas experiências,
ensinamentos, ideias. A civilização romana, que muito nos influenciou, caracterizava-se pela importância
que dava aos nomes das pessoas. Nossos nomes derivam da convenção romana de nomes:
“Os nomes masculinos continham, em geral, três nomes próprios, classificados como praenomen
(prenome), nomen gentile (designava a gens: o grupamento familiar chefiado por um “pater famílias”) e
cognomen (cognome). Por vezes, um segundo cognome (chamado agnomen) era acrescentado.” 12
A palavra além de nomear tudo o que existe, de um modo geral, nomeia as pessoas e essas, por serem
dotadas de inteligência, são únicas e interagem, deixam memórias. Compreendemos aqui o conceito de
alma que se criou, ligado aos nomes que identificam as pessoas.
Uma blasfêmia, por outro lado, apaga um nome e atinge a alma. Anula uma pessoa.
A blasfêmia, segundo o Dicionário Aurélio é uma injúria, “são palavras que ultrajam a divindade, a
religião, ou pessoa ou coisa respeitável.”
A mentira é definida no Aurélio como “uma impostura, uma fraude” ou um “engano do espírito ou dos
sentidos”.
A falsidade é aquilo que tem a “qualidade de falso”, “mentira”, “calúnia”.
Todos estes termos nos mostram o uso da palavra com um propósito negativo, destrutivo.
No dia 24 de setembro, o jornal “Folha de São Paulo” desmentiu a notícia publicada maldosamente na
véspera a respeito da morte do senador Romeu Tuma. Uma mentira ou falsidade pode anular uma pessoa
literalmente. E foi esse o intuito nas vésperas de uma eleição: anular um importante candidato.
Vem dessas tradições o aparecimento na Bíblia de temas relacionados às palavras: os nomes, a
murmuração, a mentira, a blasfêmia, a falsidade.
Dois dos mandamentos da lei de Deus referem-se especìficamente às palavras: “não tomarás o seu santo
nome em vão”, referindo-se ao nome de Deus e, no oitavo: “Não levantarás falso testemunho!” (Livro do
Êxodo, cap. 23)
Todo esse simbolismo das palavras tem suas origens na história e nela reconhecemos “a mão invisível do
passado”, como define Dr. J.G. Frazer (1854-1941):
“O poder das palavras é a força mais conservadora em nossa vida. O herdado esquema comum de percepção que nos
cerca, nos penetra, natural e irresistivelmente, como o ar que respiramos... foi adotado e assimilado antes mesmo de
podermos começar sequer a pensar por nós próprios”.......... “a superfície da sociedade, como a do mar, pode estar, em
perpétuo movimento, mas as suas profundezas, como as profundezas oceânicas, permanecem quase imóveis.”13
Nesse mar profundo vão se cristalizando ideias e preconceitos.
Com isso queremos dizer que ideias, traduzidas em palavras, estão na base de nossos pensamentos.
No século XVIII, um filósofo francês, René Descartes (1596-1650), resolveu questionar tudo o que existia,
buscando a origem de tudo. Criou um método de pesquisa conhecido como ceticismo metodológico. Com
o método da dúvida, que não é um ceticismo na realidade e sim um questionamento sobre o que existe,
ele procura provar a existência do próprio eu e de Deus, chegando ao famoso conceito: “ego cogito ergo
sum”, isto é, eu penso logo existo! 14
O pensamento vem primeiro, portanto. Assim parece-nos lógico que um ser pensante seja a origem de
tudo. Este Ser, segundo a Bíblia, que reflete a tradição oral dessas primeiras civilizações, seria Deus.
Ogden, C.K. & Richards, J.A., O significado do significado, Zahar Ed., R.J., 1972.
Cap. 1 – Pensamentos, Palavras e Coisas, pg.48
11 Idem, cap. 1.
12 (http://pt.wikipedia.org/wiki/Convencao_romana_de_nomes)
13 . Dr. J.G. Frazer em “Psyche´s Task”, pg. 169,(1909).
10
14
http://pt.wikipedia.org/wiki/Ren%C3%A9_Descartes
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A Palavra na Bíblia:
Pela tradição oral todas essas memórias de pessoas e fatos foram sendo transmitidas até serem escritos os
primeiros cinco livros da Bíblia, que nos relatam a história, presumida pelo povo judeu, da origem do
mundo e de sua civilização.
Segundo a Bíblia no livro de Gênese, cap.1: Deus disse: “Faça-se” o sol, a lua, as estrelas, a noite, o dia, as
águas, as terras, as plantas e os animais, o homem e finalmente, a mulher. Tudo se fez e Ele “viu que era
bom.” Portanto, temos: um Ser pensante que fala alguma coisa e esta coisa passa a existir. Tudo surgiu da
palavra de Deus.
Deus conversa com seu povo: fala com Abraão, com Noé, com Moisés e estabelece “alianças” ou
promessas. Como poderíamos dizer, Ele dá a sua palavra, promete uma descendência numerosa a
Abraão estabelecendo assim uma aliança com seu povo. (Gênese, cap. 6,12-15; Êxodo, cap.3)
Deus fala diretamente a Moisés no famoso episódio da sarça ardente e revela o seu nome: “Eu SOU.”
Quer dizer: Deus É!
Em inglês, temos apenas um verbo para definir: TO BE. Em português, temos: SER e ESTAR. Nessa
definição dada por Ele mesmo, há um sentido de permanência, de eternidade. Ele sempre É e ESTÁ
conosco. Ele é Javé – aquele que é. (Êxodo, cap. 3)15 São Mateus, no seu evangelho, nos dá um outro nome:
Emmanuel, que significa “Deus conosco”, repetindo o sentido do “estar”.
Para Moisés, Deus dá as Tábuas da Lei, isto é, os 10 Mandamentos da Lei de Deus, que nada mais são do
que a palavra de Deus a ser obedecida pelo seu povo.
Segundo a crença cristã e judaica, a Bíblia contém a palavra de Deus e assim torna-se objeto de
veneração por esses povos. A salvação do povo de Deus vem sempre através dela. O pecado é o
desconhecimento e a desobediência dessa palavra de Deus. Os males vêm, segundo os ensinamentos da
Bíblia, do distanciamento ou do esquecimento da palavra de Deus.
Por isso, pastores, rabinos, padres e todos os seguidores passam a transmitir a palavra de Deus, palavra
essa que, segundo a Bíblia, é a origem de tudo e é a lei que rege nosso mundo.
Deus libertou seu povo da escravidão no Egito. A palavra de Deus foi sendo transmitida através dos
profetas e, diferentemente de outras civilizações, o povo judeu e sua cultura sobreviveram às invasões
dos assírios, babilônios, gregos e romanos. Tiveram o templo destruído no ano 71 DC e foram dispersos
pelo mundo. Mas, a palavra de Deus jamais deixou de ser propagada.
Incrivelmente, no século IV DC, o imperador romano converte-se ao Cristianismo e torna a religião cristã
oficial no seu Império! A expansão do cristianismo é conhecida por nós todos, em todos os rincões da
Terra.
Do mesmo modo, os judeus, que não aderiram ao cristianismo, conservaram através do “Torá” 16sua
identidade e etnia nos diversos países onde habitam, seguindo a palavra de Deus.
15
16
Javé, que significa: “aquele que é”, em hebraico.
nome dado aos cinco primeiros livros da Bíblia, que constituem o texto central do judaísmo
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No princípio era a palavra: o olhar de um tradutor
Na Bíblia encontramos este pronunciamento de Jesus: “Passarão o céu e a terra, mas minhas palavras
não passarão!” (Lucas 21,23 e Mc 13, 31)
O poder das palavras:
A influência e o poder das ideias contidas na Bíblia só nos confirmam o poder das palavras.
Os gregos, cuja influência foi marcante na cultura judaica e romana, foram os primeiros a estudar com
profundidade as palavras. Aristóteles em sua dialética procurou determinar um significado único para
cada termo e “influenciou o pensamento humano por 2.000 anos.”, segundo Mauthner.17
Logo, o uso das palavras começou a ter uma finalidade de dominação. Tulcíades referindo-se à guerra do
Peloponeso disse: “O significado das palavras já não tinha a mesma relação com as coisas, mas foi mudado pelos
homens como julgaram apropriado”. 18 Consequentemente, é natural que se encontre na Bíblia uma
“engenhosidade verbal”, dizem Ogden e Richards.19
Essa engenhosidade verbal passou a ser estudada e desenvolvida principalmente com o advento das
modernas democracias. Com o surgimento do rádio, no século XX, o domínio da mídia sobre as massas
começou a ser sentido com graves consequências como a do fascismo e do nazismo, com Hitler na
Alemanha e Mussolini na Itália. Seus discursos monopolizaram os ouvintes e levaram às guerras do
Século XX.
Lembramos aqui a história de um jovem repórter americano que sozinho espalhou o pânico:
“No dia 30 de Outubro de 1938, a população mundial viu o poder devastador que um meio de comunicação poderia
ter. Através de um programa de rádio, um locutor anunciava uma invasão alienígena nos Estados Unidos. O que era
para ser apenas uma brincadeira tornou-se um fenômeno. Com o passar dos minutos de narração do fato, o pânico
tomou conta de boa parte da região leste do país, sendo noticiado na TV e outros jornais ao redor do mundo. A “pegadinha” foi tão bem feita que no dia seguinte, todos queriam saber a identidade do seu autor. Foi o começo promissor da carreira do jovem locutor Orson Welles, que narrou passagens do livro A Guerra dos Mundos, de uma
forma bem realista como um boletim de notícias. Foi também o ponta-pé inicial para a fama de Welles que, anos mais
tarde iria realizar uma das mais cultuadas obras-primas do cinema mundial, Cidadão Kane, para em seguida, ver
sua carreira acabar em pequenos papeis no cinema e na televisão, bem longe do sucesso que o fez emergir. 20”
Ao longo da História temos infinitos casos que comprovam o poder das palavras. Cientificamente foram
os gregos os primeiros a estudar esse poder, como dissemos acima, mas foi no século XX que, com a tecnologia moderna, ficou mais evidente este fato.
Atualmente, além do uso político, a mídia e a publicidade invadiram outras as áreas, como a econômica,
por exemplo. As pesquisas de mercado e de opinião passaram a comandar o nosso mundo. Descobriu-se
a influência reflexiva do poder das palavras.
George Soros, uma das maiores fortunas do mundo, explica esse fenômeno em seu livro “The New
Paradigm for Financial Markets”. As pesquisas e notícias espelham uma realidade cuja simples
divulgação cria uma segunda realidade em cima dessa. 21
As pesquisas passaram a ser utilizadas não mais para mostrar um resultado, mas para mudá-lo. Pesquisas
falsas encomendadas tornam-se comuns em tempos de eleições. Por isso questiona-se muito sobre sua
veracidade. O que é certo é que elas criam outra realidade em cima do que está acontecendo. É o que
chamamos de o poder da mídia.
A internet tornou-se um poderoso canal de comunicação. De um lado, contra a mídia que tenta
monopolizar a opinião pública: o que a mídia deixa de publicar, a Internet divulga e tudo se sabe. A força
desse novo canal é tão grande que muitos atribuem a ele o resultado favorável a Obama nas últimas
eleições presidenciais dos Estados Unidos.
“Many commentators have noted Obama's strong support amongst social networking sites such as MySpace and
Facebook.com. An Internet consulting site, tracking each candidate's online performance, measured Sen. Obama as
the candidate that connects the most with potential voters via the Internet ]”22
Ogden, C.K. & Richards, J.A., O significado do significado, Zahar Ed., R.J., 1972, pg.55.
Idem, pg. 55
19 Idem, pg. 37
20 http://empautaufs.wordpress.com/2009/06/12/dos-marcianos-ao-deus-da-imprensa-do-glamour-ao-esquecimento/
21 Soros, George, The New Paradigm for Financial Markets, Public Affairs, USA, 2008, no capítulo 3: “ The Theory of Reflexivity”., pg.
25.
17
18
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Concluindo esse capítulo sobre o poder das palavras quero citar uma frase de um grande escritor francês
Victor Hugo, 1800 anos depois de São João:
“A palavra, convém que se saiba, é um ser vivo... A palavra é o verbo, e o verbo é Deus.”23
A PALAVRA NO PRÓLOGO DO EVANGELHO DE SÃO JOÃO
Vários documentos atestam a autoria do evangelho de São João. O mais famoso deles é o “Canon de
Muratori” escrito por Pápias de Hierápolis, discípulo de São João. Santo Irineu, Bispo de Lião, no ano de
130 afirma que o Evangelho foi escrito em Éfeso. Nascido em Esmirna, lá conheceu São Policarpo, que
teria sido ungido Bispo de Esmirna pelo próprio São João. 24
São João, irmão de Tiago – também apóstolo de Jesus, era filho de Zebedeu e Salomé, família de
pescadores. Nasceu em Betsaida, na Galileia e estava com Pedro e André, quando Jesus os encontrou nas
margens do rio Jordão. Ele tinha sido discípulo de João Batista e ouviu deste que Jesus era “o cordeiro de
Deus” (isto é, o filho de Deus, o Messias, ou Salvador, aguardado pelos judeus).
Tinha por volta de 20 anos quando, chamado por Jesus, passou a segui-lo. Em seu evangelho ele colocase, discretamente, como o preferido por Jesus: “o discípulo que Jesus amava” 25A ele Jesus crucificado,
pouco antes de morrer, entrega a guarda de sua mãe. 26Com Pedro, ele encontra o túmulo vazio e depois,
segundo seu relato, é o primeiro a reconhecer Jesus ressuscitado.
Em Atos dos Apóstolos, escrito por São Lucas, vemos a presença constante de João junto a Pedro
escolhido por Jesus para chefe de sua Igreja. No ano 50, no 1º Concílio da nova Igreja, em Jerusalém,
Pedro, João e Tiago aparecem como os pilares da nova fé.
Segundo os relatos de São Policarpo de Esmirna, de Polícrates( bispo de Èfeso), São João teria ido pouco
depois deste concílio, para Éfeso. Em 95, período do imperador Domiciano, ele é desterrado para a ilha de
Patmos, onde escreveu o Apocalipse. Morrendo Domiciano, ele volta para Éfeso onde faleceu. No fim de
sua vida, escreveu suas famosas cartas. Segundo a tradição, ele teria cuidado da mãe de Jesus, e ela
provavelmente, teria ido para Éfeso com ele.
Seu Evangelho é completamente diferente dos três outros, que narram a história de Jesus de modo quase
que paralelo, na mesma sequencia, com os mesmos episódios sob diferentes aspectos, mas muito
semelhantes entre si. O Evangelho de São João, escrito mais tarde, parece completar e esclarecer os outros.
Omite alguns fatos narrados pelos outros e, por outro lado, conta passagens que só existem nele, como a
ressurreição de Lázaro. Segue um raciocínio lógico, como a apresentação de uma tese. Ele mesmo diz,
com suas palavras, seu principal intuito:
“Para que acrediteis que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que acreditando, tenhais vida em seu
nome.” 27
São João é simbolizado pela figura de uma águia porque seu evangelho procurou “voar mais alto” e não
só contar os fatos, como mera testemunha. Ele nos fala que a palavra de Deus é vida, verdade, luz e
salvação das trevas. Termina por definir: “Deus é amor”. 28 29
Vimos o significado de alguns termos, que são o ponto de partida do prólogo de seu evangelho, que
tomamos como base deste trabalho: palavra, verbo, luz.
Vimos também, quais suas origens culturais e históricas, que deram significado a estes termos. Por fim,
analisamos a importância e o poder das palavras.
Faremos em seguida a uma análise comparativa, acrescida de alguns comentários de duas versões
populares em português e inglês deste prólogo.
Nesta análise foi de grande importância a pesquisa em diferentes Bíblias e também a pesquisa etimológica
encontrada na internet através da página: www.http//interlinearbible.org/John/1.htm, donde extraímos
o quadro ilustrativo abaixo:
John 1:1 Greek Study Bible (Apostolic / Interlinear)
Ἐν ἀρχῇ ἦν ὁ λόγος, καὶ ὁ λόγος ἦν πρὸς τὸν θεόν, καὶ θεὸς ἦν ὁ λόγος.
In the beginning was the Word and the Word was with God and the Word was God
22
http://en.wikipedia.org/wiki/Barack_Obama_presidential_primary_campaign,_2008
Bíblia Sagrada, Universidade de Navarra, Ed. Theologica, Braga, 1994 – pgs. 1070
Jo 13,23; 19,26; 20,2; 21,7.20.
26 Jo 19,26
27 Jo 20,31.
28 I Jo, 4,16.
29 Bíblia Sagrada, Universidade de Navarra, 1994, pgs. 1078-1081
24
25
PROFT em Revista
Anais do Simpósio Profissão Tradutor 2010
No princípio era a palavra: o olhar de um tradutor
Greek
Transliteration
Morphology
English
Ἐν
en
PREP
In
ἀρχῇ
archē
N-DSF
beginning
ἦν
ēn
V-IAI-3S
was
ὁ
o
T-NSM
λόγος
logos
N-NSM
word
καὶ
kai
CONJ
and
ὁ
o
T-NSM
λόγος
logos
N-NSM
word
ἦν
ēn
V-IAI-3S
was
πρὸς
pros
PREP
with
τὸν
ton
T-ASM
θεόν
theon
N-ASM
God
καὶ
kai
CONJ
and
θεὸς
theos
N-NSM
God
ἦν
ēn
V-IAI-3S
was
ὁ
o
T-NSM
λόγος
logos
N-NSM
word
ΚΑΤΑ ΙΩΑΝΝΗΝ 1:1 Greek NT: Westcott/Hort with Diacritics
Ἐν ἀρχῇ ἦν ὁ λόγος, καὶ ὁ λόγος ἦν πρὸς τὸν θεόν, καὶ θεὸς ἦν ὁ λόγος.
ΚΑΤΑ ΙΩΑΝΝΗΝ 1:1 Greek NT: Greek Orthodox Church
Latin: Biblia Sacra Vulgata
in principio erat Verbum et Verbum erat apud Deum et Deus erat Verbum
Evangelho de São João, capítulo 1, versículos 1 a 18.
São muitas as traduções nas duas línguas. Escolhemos duas versões muito populares:
1. Bíblia da Ave Maria:
Editada pela primeira vez em 1957, até hoje a mais popular das Bíblias no Brasil. Recentemente, a CNBB
(Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) lançou uma edição com uma linguagem mais atualizada, mas
escolhemos a Ave Maria por ser mais conhecida e por ter buscado seguir mais de perto as línguas
originais dos evangelistas: segue uma tradução francesa feita por monges beneditinos de Maredsous, na
Bélgica, que buscaram os originais dos escritos em hebraico, aramaico e em grego. As Bíblias anteriores
em português seguiam a tradução feita para o latim por São Jerônimo no século IV, a conhecida
“Vulgata”.30
2. A Bíblia do Rei James I: A Bíblia do Rei James, publicada em 1611, foi também traduzida diretamente
do original hebraico e do grego, pois o rei não gostava da tradução mais popular da época que era a Bíblia
30
Biblia Sagrada, Editora AVE-MARIA, São Paulo, Brasil, 1996
PROFT em Revista
Anais do Simpósio Profissão Tradutor 2010
Maria Sylvia Junqueira Ribeiro Campos
de Genebra. Durante 7anos, um grupo de 47 tradutores seguiu regras restritas de tradução e fizeram este
trabalho que se tornou logo a versão mais popular em inglês. Interessante para nós o prefácio desta
Bíblia, feito pelos tradutores:
“Tradução é o que abre a janela para deixar entrar a luz; o que quebra a casca para poder comer a semente; o que abre
a cortina para que possamos olhar para o lugar mais sagrado; o que remove a tampa do poço para que possamos dele
beber, assim como Jacó rolou a pedra da boca do poço e através disso os rebanhos de Labão foram saciados.” 31
BIBLIA SAGRADA- AVE MARIA
1No princípio era o Verbo, e o Verbo estava junto de Deus e o
Verbo era Deus.
2 Ele estava no princípio junto de Deus.
3Tudo foi feito por ele, e sem ele nada foi feito.
4Nele havia vida, e a vida era a luz dos homens.
5A luz resplandece nas trevas, e as trevas não a
compreenderam.
6Houve um homem, enviado por Deus, que se chamava João.
7Este veio como testemunha, para dar testemunho da luz, a fim
de que todos cressem pó
r meio dele.
8Não era ele a luz, mas veio para dar testemunho da luz.
9(O Verbo) era a verdadeira luz que, vindo ao mundo, ilumina
todo homem.
10Estava no mundo e o mundo foi feito por ele, e o mundo não
o conheceu.
11Veio para o que era seu, mas os seus não o receberam.
12Mas todos aqueles que o receberam, aos que crêem no seu
nome, deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus,
13os quais não nasceram do sangue, nem da vontade da carne,
nem da vontade do homem, mas sim de Deus.
14E o Verbo se fez carne e habitou entre nós, e vimos sua glória,
a glória que o Filho único recebe do seu Pai, cheio de graça e de
verdade.
15João dá testemunho dele, e exclama: “Eis aquele de quem eu
disse:
O que vem depois de mim é maior do que eu, porque existia
antes de mim.”
16Todos nós recebemos da sua plenitude graça sobre graça.
17Pois a lei foi dada por Moisés, a graça e a verdade vieram por
Jesus Cristo.
18Ninguém jamais viu Deus.
O Filho único, que está no seio do Pai, foi quem o revelou.
AMERICAN KING JAMES VERSION**
1In the beginning was the Word, and the Word was with God,
and the Word was God.
2The same was in the beginning with God.
All things were made by him;
3And without him was not any thing made that was made.
4In him was life; and the life was the light of men.
5And the light shines in darkness;
And the darkness comprehend it not.
6There was a man sent from God, whose name was John.
7The same came for a witness,
To bear witness of the Light,
That all men through him might believe.
8He was not that Light, but was sent to bear witness of that
light.
9That was the true Light, which lights every man that comes
into the world.
10He was in the world, and the world was made by him, and
the world knew him not.
11He came to his own, and his own received him not.
12But as many as received him, to them gave he Power to
become the sons of God,
Even to them that believe on his name:
13Which were born, not of blood,
nor of the will of the flesh, nor of the will of man, but of God.
14And the Word was made flesh, and dwelled among us, (and
beheld his glory, the glory as of the only begotten of the Father),
full of Grace and truth.
15John bore witness of him, and cried, saying: “This was he of
whom I spoke,
He that comes after me is preferred before me: for he was before
me.”
16And of his fulness have all we received, and grace for grace.
17For the law was given by Moses,
But Grace and truth came by Jesus Christ.
18No man has seen God at any time;
The only begotten Son, which is in the bosom of the Father, he
has declared him.
1ª Estrofe: “No princípio era o Verbo, e o Verbo estava junto de Deus, o Verbo era Deus.”
O substantivo Verbo, em maiúscula, traduzido assim na maior parte das Bíblias pelo significado teológico
atribuído a ele – como sendo a essência de Deus. Em inglês encontramos “Word”.
Em português, temos também “Palavra”:
“No princípio era a Palavra, e a Palavra estava junto de Deus, e a Palavra era Deus”. Essa é a tradução
da Bíblia recentemente lançada pela CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil). Lá encontramos
uma justificativa histórico–teológica para esta tradução: “o Verbo corresponde à teologia patrística, acentua a
31
http://www.allabouttruth.org/portuguese/biblia-do-rei-james.htm
PROFT em Revista
Anais do Simpósio Profissão Tradutor 2010
No princípio era a palavra: o olhar de um tradutor
presença eterna, em Deus, de sua auto-expressão. Mas, a “Palavra” evoca melhor a palavra na criação e nos
profetas”.... “Jesus é o portador da palavra de Deus.” 32
Recentemente é essa a tradução preferida. Mas, a teologia patrística, nome dado à teologia dos primeiros
doutores da Igreja, privilegia “Verbum” (tradução de São Jerônimo para o latim), pois como explica Santo
Agostinho:
“a palavra Verbo significa o pensamento e a palavra que o exprime; a palavra do espírito e a palavra da boca. O
pensamento é o verbo interior, a palavra é o sinal que o manifesta, é o verbo exterior. Jesus é o Verbo de Deus, a
palavra eterna de Deus manifestada aos homens e porque essa palavra de Deus é substancial e eterna como Deus,
Jesus é também Deus.”33
O primeiro versículo é composto de 3 sentenças, em inglês todas com o mesmo verbo “to be”. No texto
em grego, língua original do prólogo, o verbo é o mesmo. Portanto, esta distinção só existe em português,
temos o verbo “ser” na primeira e na última e o “estar” na sentença do meio (“a palavra estava em Deus).
Dois sentidos decorrem deste verbo: existir e permanecer, como se vê pela tradução da Bíblia Ecumênica
Internacional. 34
Empregado junto à palavra “princípio” reforça a ideia de eternidade.
“Princípio”: termo utilizado por São João também em sua 1ª Carta significa “antes de tudo o que existe”.
A preposição junto de corresponde a “with”.
O significado da frase, portanto é que: O “Verbo”, ou a “Palavra” (logos, em grego) existia desde sempre,
estava com Deus, era Deus, isto é, tinha a mesma substância de Deus.
A explicação ao sentido de “palavra” no primeiro versículo, do ponto de vista de interpretação teológica,
encontra-se no comentário da People’s New Testament: a “palavra existe acima de todas as coisas, mostra
uma diferença entre a Palavra, que é o Filho de Deus e as leis de Deus, também conhecidas como palavra
de Deus. Além disso, mostra que há uma distinção de pessoas aqui.”
35
O segundo versículo da primeira estrofe: “Ele estava no princípio junto de Deus” traz uma evolução,
quase imperceptível quando se lê rapidamente, mas substancial para o propósito de São João.
Temos repetição da segunda sentença do primeiro versículo acrescida do termo “princípio” (beginning):
vem para esclarecer e salientar uma mensagem que veremos no decorrer do prólogo: o Verbo estava com
ou junto de (with) Deus e “estar com” indica duas pessoas. Parece um pouco contraditório com a
sentença anterior: era Deus.
Em português fica bem claro por essa tradução: “junto de”. Vem do grego “pros” ou πρὸς que significa,
segundo pesquisei num dicionário Greco-Francês:
1) Na presença de, em face de
2) Sentido figurado: vindo de, ao lado de36
A tradução deste versículo em inglês é, por outro lado, mais fiel em relação ao sujeito da frase: “the
same”, que é como está em grego. Em português, a tradução por “ele” não altera o sentido, mas o termo
original é mais determinante.
“Tudo foi feito por ele e, sem ele nada foi feito” - All things were made by him;
And without him was not any thing made that was made.
A tradução em inglês é mais enfática, mas o sentido permanece fiel ao original.
Na Bíblia da CNBB, citada acima, temos:
Tudo foi feito por meio dela (a Palavra), e sem ela nada foi feito de tudo o que existe.
Consultando o original grego, a tradução mais literal seria: Tudo veio por meio dele e sem Ele nem mesmo nós
existiríamos.37
Os dois versículos seguintes, do ponto de vista de tradução, correm paralelos: a tradução é quase que
literal.
Bíblia Sagrada, tradução da CNBB, São Paulo, 1908, pg.1310
Duarte(Cônego), Concordância dos Evangelhos, Ed. Desclée e Cia, Paris, 2ªed., 1928.
34 International Standard Version (©2008)
In the beginning, the Word existed. The Word was with God, and the Word was God.
32
33Leopoldo,
No People's New Testament< http://pnt.biblecommenter.com/john/1.htm:)> temos o comentário: “This word the points out to us
a peculiar and choice thing above all others, and puts a difference between this Word, which is the Son of God, and the laws of
God, which are also called the word of God. This word with points out that there is a distinction of persons here”
36 Carrez, Maurice et Morel, François – “Dictionnaire Du Nouveau Testament, Ed. Du Cerf, Paris, 1971
37 http://whdc.biblos.com/John/1.htm
35
PROFT em Revista
Anais do Simpósio Profissão Tradutor 2010
Maria Sylvia Junqueira Ribeiro Campos
O texto destes versículos traz uma ideia nova: que o Verbo é luz e vida e que resplandece (em inglês:
shines) nas trevas. São dois simbolismos muito importantes do ponto de vista teológico e muito bonitos do
ponto de vista literário. Como vimos na primeira parte deste trabalho, a palavra realmente transforma-se
em conhecimento, ilumina e tem vida própria.
Quanto ao quinto versículo: “a luz resplandece nas trevas, e as trevas não a compreenderam.” –
- o significado de trevas ou darkness (inglês) é onde não há luz, ou seja, a escuridão. Mas, simbolicamente
refere-se ao mundo sem Deus e ao mal (ausência de Deus)38. As trevas não a compreenderam, traduzido
do mesmo modo para o inglês, pode ter dois significados: as trevas não apagaram essa luz ou não a
acolheram, isto é, não a abraçaram. O mundo sem Deus, não recebe a vida e a luz. A tradução feita pela
CNBB é um pouco diferente:
“E a luz brilha nas trevas e as trevas não conseguiram dominá-la.”
Os versículos 6, 7 e 8 falam da pessoa de João Batista, enviado por Deus para dar testemunho da luz, to
bear witness of the Light.
Transcrevo abaixo em grego, com transliteração e em português:
οὗτος ἦλθεν εἰς μαρτυρίαν ἵνα μαρτυρήσῃ περὶ τοῦ φωτός, ἵνα πάντες πιστεύσωσιν δι' αὐτοῦ.
outos elthen
eis marturian
Iná marturese Peri
tou photos, iná pantes pisteusosin di autou.
O mesmo veio como testemunha para testemunhar sobre a luz, para que todos acreditem
nele.39
Achei interessante o termo grego “photos” que para nós é luz e que deu origem a foto e fotografia.
A expressão “to bear witness” é própria do inglês e tem o significado “dar testemunho.”
O propósito de São João é realmente dar testemunho da verdade que ele vai relatar no Evangelho. Ele
próprio conta a história de Jesus como testemunha, na qualidade de ser seu amigo mais íntimo. Como
num tribunal, as testemunhas servem como verificação da verdade de um fato, segundo confima New
American Bible: 40
“O tema de testemunho é introduzido aqui e retrata Jesus como num julgamento de todo seu ministério.
Todos são testemunhas de Jesus: João Batista, a mulher samaritana, a escritura, seus feitos, as multidões, o
Espírito Santo e os discípulos.”
Conta a Bíblia de Jerusalém, na introdução ao Evangelho de São João que:
“No capítulo 5, 31-47, o evangelista enumera as testemunhas em favor da missão de Cristo, aos quais ele opõe a
recusa de crer dos judeus; ora, o verbo “testemunhar” aparece sete vezes nessa passagem. 41 Portanto, este é um
termo importante para o autor no desenvolvimento de sua narrativa.
Segundo comentário desta mesma Bíblia, na pg. 1842, esses versículos de 6 a 8, originariamente, vinham
no fim do prólogo, pois os versículos seguintes começam a relatar a história de São João e a sequencia
parece mais natural.
Na estrofe seguinte, realmente, retomando a frase: “a luz resplandece nas trevas e as trevas não a
compreenderam” do versículo 5, verificamos que na sequencia natural deveriam vir os versículos 9, 10,
11:
9(O Verbo) era a verdadeira luz que, vindo ao mundo, ilumina todo homem.
10Estava no mundo e o mundo foi feito por ele, e o mundo não o conheceu.
11Veio para o que era seu, mas os seus não o receberam.
9That was the true Light, which lights every man that comes into the world.
10He was in the world, and the world was made by him, and the world knew him not.
11He came to his own, and his own received him not.
Aqui há uma diferença entre a tradução portuguesa e a inglesa: o sujeito de “vindo” é o Verbo e em
inglês, “comes” tem como sujeito “every man”.
Contudo, na versão da American New Bible temos:
Bíblia de Jerusalém, 5ªed., Paulus, São Paulo, 2002, pg.1842
http://whdc.biblos.com/John/1.htm
40 New American Bible http://www.vatican.va/archive/ENG0839/_INDEX.HTM
41 Bíblia de Jerusalém, 5ªed., Paulus, São Paulo, 2002, pg.1838
38
39
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Anais do Simpósio Profissão Tradutor 2010
No princípio era a palavra: o olhar de um tradutor
The true light, which enlightens everyone, was coming into the world. 42
A Bíblia de Jerusalém tem o Verbo como sujeito.
Quanto ao significado do versículo 10 notamos uma evolução: antes eram as trevas que não a
compreenderam. Agora é o mundo que não conheceu a Palavra-Verbo, Luz. O sentido é claro e foi
traduzido do mesmo modo nas duas línguas. Mundo tem um sentido figurado na Bíblia. Nos comentários
teológicos, o mundo, a que se refere o texto, e os crentes são dois mundos na realidade: o dos que vivem
afastados de Deus e os que acreditam e praticam a religião:
“O mundo pode designar simplesmente o universo mas, de acordo com as tradições judaicas, tem frequentemente
conotação pejorativa. Submetido ao poder de Satã, o mundo recusa crer no Cristo e persegue Jesus e seus discípulos.”
43
É nesse sentido que o evangelista introduz o versículo 11:
11Veio para o que era seu, mas os seus não o receberam.
Nas Bíblias que consultamos o comentário sobre o significado de seus (his own) é que esta é uma alusão,
que tanto pode referir-se à humanidade dividida nesses dois mundos, como pode referir-se ao povo
judaico.
Mas, há um prêmio para aqueles que receberam essa luz nos versículos seguintes:
12Mas todos aqueles que o receberam, aos que crêem no seu nome, deu-lhes o poder de se tornarem
filhos de Deus,
13Os quais não nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas sim
de Deus.
12But as many as received him, to them gave he Power to become the sons of God,
Even to them that believe on his name:
13Which were born, not of blood,
nor of the will of the flesh, nor of the will of man, but of God.
Apesar de não se referir ainda ao nome de Jesus, que aparece no fim (versículo 17), percebemos
claramente agora, que São João, desde o início referia-se a Ele, quando falava numa entidade junto de
Deus, que era Deus, mas estava junto. Interessante, aqui fala em nome, cuja relação com palavra foi vista
na parte I deste trabalho.
No versículo 12, São João anuncia a grande novidade trazida pelo Novo Testamento: não somos mais
apenas criaturas de Deus, mas tornamo-nos filhos de Deus, graças a Jesus. Com uma condição: de
acreditar em seu nome. O sujeito da frase é o Deus Filho: a quem recebeu Jesus, “(este) deu-lhes o poder
de se tornarem filhos de Deus.”
No versículo 13, a palavra sangue lembra Gênesis 6,1-5:
“No sangue das mulheres vós vos poluístes e no sangue da carne gerastes e no sangue dos homens cobiçastes.”
Dizer que não nasceram da carne e nem do sangue, refere-se à condição de humanidade. Não nascemos
também por nossa própria vontade, mas da vontade de Deus.
Aqui ele se refere ao nascimento espiritual, como filhos de Deus. A Palavra ou o Verbo, para aqueles que
acreditam em seu nome, os torna filhos de Deus.
Os textos em inglês e português são muito semelhantes, não cabendo nenhum comentário especial sob
este ponto de vista da tradução.
No versículo 14: E o Verbo se fez carne e habitou entre nós.
And the Word was made flesh, and dwelled among us.
O Verbo ou Palavra que era Deus e que estava junto de Deus, portanto, outra pessoa da divindade,
tornou-se “carne”, isto é, assumiu a humanidade: um Deus-Homem que assume todas nossas fraquezas e
nossa mortalidade.44
O verbo “habitou” vem da tradução do verbo grego “eskénosen” – que tem origem, por sua vez no termo
grego skené, que significa: “tenda”. Uma alusão à tenda que abrigou a palavra de Deus (Êxodo 26,1). 45 A
Idem: ref. 38.
Bíblia de Jerusalém, pg. 1842.
44 Biblia de Jerusalém, pg. 1842
42
43
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Anais do Simpósio Profissão Tradutor 2010
Maria Sylvia Junqueira Ribeiro Campos
tenda na Bíblia era o local em que, através da guarda de sua palavra (taboas da lei), acreditava-se que
havia a presença de Deus.
Por isso, o termo “habitou”, correspondendo ao termo “dwelled” em inglês significa nesta frase a
presença da “palavra” revestida de humanidade, em forma de homem, morando entre nós, isto é, Deus
conosco.
E vimos sua glória, a glória que o Filho único recebe do seu Pai, cheio de graça e de verdade.
(and beheld his glory, the glory as of the only begotten of the Father), full of Grace and truth.
(American King James version)
and we saw his glory, the glory as of the Father's only Son, full of grace and truth.
(Catholic New American Bible)46
O verbo inglês behold é arcaico mas, ainda consta nos textos bíblicos: significa take notice; see (preste
atenção, ou veja).47 Assim começavam os anúncios feitos pelos arautos do rei em praça pública. Por isso,
apresentamos também a tradução atual da Associação Católica Bíblica dos Estados Unidos, de 2002.
A “glória” em textos bíblicos significa uma “garantia da presença de Deus”, uma prova visível de Deus
que é invisível para nós, conforme atesta a Bíblia de Jerusalém, citada acima, na pg. 1842, referindo-se a
outras passagens onde aparece este termo com o mesmo significado (Êxodo 24,16 e Êxodo 33, 20+). Esta
presença de Deus foi vista através dos prodígios como a fuga do Egito, quando o mar se abriu para a
passagem dos judeus e outros milagres em favor do povo eleito (Êxodo 15, 7 e 16,7).
Há uma diferença de traduções entre as Bíblias em língua portuguesa, com relação à segunda sentença: _
que o filho único recebe do seu pai (Bíblia da Ave Maria);
_que recebe do seu Pai como filho único (Bíblia da CNBB); versão mais correta, correspondendo
com as duas versões inglesas acima. Em latim temos: “unigenit a Patre” 48 e por isso algumas Bíblias
falam em Filho Unigênito. Com referência a esta expressão a Bíblia de Navarra comenta que a expressão
“filho de Deus” não tinha um valor transcendental: os judeus, povo eleito, os reis e “o justo perseguido”
eram chamados de “filhos de Deus”. Daí o emprego de “unigênito” para distinguir aquele que era um
Deus unigênito.
Cheio de graça e verdade – estes termos nos fazem lembrar a definição que Deus dá de si mesmo em
Êxodo 34,6 (“rico em graça e fidelidade”).
Versículo 15: João dá testemunho dele, e exclama: “Eis aquele de quem eu disse:
O que vem depois de mim é maior do que eu, porque existia antes de mim.” (Bíblia Ave Maria)
John bore witness of him, and cried, saying: “This was he of whom I spoke,
He that comes after me is preferred before me: for he was before me.”(American King James Version)
João dá testemunho dele e proclama: “Foi dele que eu disse: aquele que vem depois passou à minha
frente, porque antes de mim ele já existia.” (Bíblia da CNBB, 2008)
John testified to him and cried out, saying, "This was he of whom I said, 'The one who is coming after me ranks
ahead of me because he existed before me.” ( New American Bible, 2002)
Aqui temos 4 versões, as duas mais tradicionais que selecionamos como principais neste trabalho e duas
com linguagem mais contemporânea: a da CNBB e a da Associação Católica Bíblica Americana, que já
citamos anteriormente. A expressão “bore witness” (to bear witness) na versão atualizada foi substituída por
“testified”. Em português, temos a mesma expressão: dá testemunho.
Existem outras pequenas variações mas, destacamos:
_é maior do que eu <is preferred before me
_passou à minha frente<ranks ahead of me
Nas duas versões tradicionais, tanto em português, como em inglês, o significado é de “importância”. O
termo “maior” e “preferred” dão essa ideia de superioridade deste que veio depois de João Batista, mas é
mais importante do que ele.
As duas versões contemporâneas refletem uma pesquisa feita em relação às origens histórico-culturais do
texto: para os semitas o andar na frente mostrava uma posição de superioridade, quem vem atrás é menos
importante.
Idem, ibidem.
The Catholic Biblical Association of America, The Catholic University of America, Washington, DC,2002.
47 A. S. Hornby, Oxford Advanced Dictionary of Current English, Oxford University Press, 22ºEd, England, 1985.
48Bíblia Sagrada, Universidade de Navarra, Ed. Theologica, Braga, 1994, pg.1126
45
46
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Anais do Simpósio Profissão Tradutor 2010
No princípio era a palavra: o olhar de um tradutor
A última sentença repete o verbo “to be” ou “ser” do início do prólogo, no sentido de “existir” indicando
que esta pessoa já existia antes, desde o princípio, na eternidade.
No versículo 16, temos: Todos nós recebemos da sua plenitude (fullness) graça sobre graça.
Outras traduções: graça por graça, grace for grace, grace in place of grace.
O significado de “graça”, segundo o Dicionário Aurélio 49: “favor dispensado ou recebido; mercê,
benefício; clemência do poder público” e também: “favor ou mercê concedida a alguém por Deus.”
No sentido bíblico, as graças são concedidas por Deus significam não só benefícios, mas a salvação do
homem. A plenitude de Deus, isto é, o poder infinito de Deus nos concede através de seu Filho unigênito
“graça sobre graça” – no sentido de “super abundância de graças”.
Mas, há outra interpretação, segundo comentário encontrado na Bíblia de Navarra e também na de
Jerusalém: nas versões “graça por graça” , “grace for grace”, “grace in place of grace” o sentido é de
substituição, isto é: uma graça em lugar de outra.
“Na interpretação de São João Crisóstomo e dos primeiros papas há a substituição da “economia”
salvífica do Antigo Testamento pela nova economia da graça trazida por Jesus Cristo.”50
“A antiga Aliança é substituída pela nova Aliança.” 51
No versículo 17: Pois a lei foi dada por Moisés, a graça e a verdade vieram por Jesus Cristo.
Esta frase completa a ideia do versículo anterior: no antigo Testamento temos que Deus faz a aliança com
seu povo e dá a sua lei, mas a graça (salvação) e a verdade (o caminho certo) vieram com Jesus Cristo.
Segundo São Paulo (Romanos 8, 7-10), a lei indica apenas um caminho a seguir e a graça tem o poder de
nos salvar pois “o pecado não terá domínio sobre vós, pois não estás sob a lei, mas sob a graça.”
(Romanos 6, 14).
Neste versículo aparece pela primeira vez o nome de Jesus Cristo.
Todas as outras versões que estamos analisando, traduzem este versículo do mesmo modo.
No versículo 18:
Ninguém jamais viu Deus. O Filho único, que está no seio do Pai, foi quem o revelou.
No man has seen God at any time;
The only begotten Son, which is in the bosom of the Father, he has declared him.
A afirmação incisiva da primeira sentença constata o seguinte: no Antigo Testamento, Deus fala com seu
povo através de Abraão, Moisés, Elias e dos profetas através de visões indiretas. Nunca ninguém viu a
face de Deus e sim revelações de sua presença: a sarça ardente vista por Moisés (Exodo 3,6); Elias sente
uma brisa no Monte Horeb (I Reis 15, 11-13) e Isaías vê o esplendor de sua majestade (Isaías 6, 1-3).
Jesus, por ser o Verbo encarnado, tornou-se a imagem visível do Deus invisível. Segundo São João no
capítulo 14, versículo 9 de seu Evangelho, Jesus disse: “Aquele que viu a mim, viu o Pai”.
Mais tarde, São João da Cruz, em seu livro Subida ao Monte Carmelo, (liv.2, cap.22) diz:
“Ao nos dar o Filho, que é sua única palavra,.....nos disse juntamente e de uma única vez, e não tem mais
o que falar.”52
A expressão “no seio”, em inglês “bosom”, aparece nas outras versões como “na intimidade”ou“at father´s
side”. Reforça a ideia da origem divina de Jesus e explica porque Ele, como filho unigênito pode revelar
Deus.
Finalmente, a última sentença “foi quem o revelou”, em inglês “he has declared him” pode ser traduzida
por “quem o narrou” ou “quem o explicou” e São João quer nos dizer que Jesus personificou a palavra de
Deus, foi a face de Deus na Terra , dando seu exemplo de vida para nós homens.
Através deste estudo concluímos que o valor das palavras vai muito além da simples nomeação de
pessoas, fatos, objetos etc. As palavras, frutos de comunicação, fato essencial da natureza humana têm
realmente um poder e uma importância tão grandes que nos permitem afirmar que tudo principia com
elas. Sem palavras provavelmente nada pode ser feito ou acontecer, numa quase paródia do texto que
acabamos de analisar, quando diz: “no princípio era a palavra”.
Mini Aurélio, Ed, Positivo, 7ª Ed, Curitiba, Brasil, 2009
Biblia de Navarra, pg.1127
51 Bíblia de Jerusalém, pg.1844
52 Biblia de Navarra,pg.1131
49
50
PROFT em Revista
Anais do Simpósio Profissão Tradutor 2010
Maria Sylvia Junqueira Ribeiro Campos
Fica bem clara a intenção do autor: apresentar Jesus, como o Verbo ou Palavra encarnada, testemunhar
que Jesus é o Filho de Deus. Além disso, dizer que a Palavra é Luz e Vida, que muitos não receberam,
mas que os que a receberam, se tornaram filhos de Deus e possuidores de suas graças. Ao longo do
Evangelho muitas serão as testemunhas e provas da divindade de Jesus e o seu exemplo de vida será para
provar, como ele explica em sua primeira Epístola, que Deus é amor.
A construção do texto é muito bonita: as ideias vão se desenvolvendo paulatinamente, repetindo os
termos como numa construção, pedra por pedra, até atingir o cume. Ninguém jamais viu a Deus, apenas
o Filho, que o revelou. Daí a conclusão que se tira: a palavra de Jesus é o Novo Testamento.
Queremos falar também da experiência de trabalho: foi gratificante perceber a facilidade atual com o
acesso pela internet de traduções em todas as línguas, a partir do grego. Tivemos a alegria de encontrar
apenas na internet mais de 10 traduções diferentes em inglês! Escolhemos quatro versões como base. Em
português: a versão da Editora Ave Maria e a da CNBB, editada pela editora Paulus, em 2.008.
Em inglês, através da internet, escolhemos a versão americana da tradução ordenada pelo rei James I, por
ser a tradução mais tradicional em língua inglesa e similar à inglesa da Inglaterra. Como segunda opção
em inglês, escolhi a tradução católica encomendada pelos bispos católicos dos Estados Unidos, a partir de
um pedido feito pelo papa Pio XII, recentemente revisada, em 2.002.
Existe uma fidelidade muito grande das traduções com o texto original. Nem poderia ser de outra
maneira. Há uma preocupação imensa com a fidelidade nos textos bíblicos, pela sua própria essência.
Acreditando os tradutores de se tratar de uma mensagem divina, desde São Jerônimo, um dos primeiros
tradutores na história da humanidade, e por isso mesmo, patrono dos tradutores, a intenção sempre foi a
de ser fiel. Sua tradução para o latim foi tão prestigiada que perdurou por vários séculos e temendo uma
alteração no sentido, a Igreja católica preservou-a até o século passado, como principal texto.
A reforma protestante foi a primeira a introduzir uma versão em língua moderna. A versão do rei James
I, católico, foi para discordar da versão de Genebra (de Calvino). A preocupação com a fidelidade foi tão
grande, que foram contratados 54 tradutores, dos quais, 47 levaram a termo a grande obra, traduzida não
da Vulgata de São Jerônimo, mas diretamente do grego, hebraico e aramaico.
O mesmo fizeram os monges belgas que traduziram a versão que deu origem à Bíblia da Editora Ave
Maria. A New American Bible, dos bispos americanos, contou também, com 50 tradutores e também se
originou dos textos originais gregos, hebraicos e aramaicos.
A edição de 2.002 desta Bíblia e a Bíblia da CNBB, de 2008 vieram atualizar a linguagem, mas como
vimos em nosso trabalho, não alteraram muito o texto, permanecendo uma semelhança muito grande
com os mais antigos.
Portanto, as traduções bíblicas são um exemplo de fidelidade e o meu olhar de tradutora não passou de
algumas observações não muito substanciais com relação às diferenças que porventura foram
encontradas.
BIBLIOGRAFIA:
Carrez, Maurice e Morel, François, Dictionnaire Grec-Français du Nouveau Testament, Éditions du Cerf,
Paris, França & Delachaux et Niestlé, Neuchâtel, Suíça, 1971.
Centro Bíblico Católico, Bíblia Sagrada, trad. Frei João José Pereira de Castro, da versão dos Monges
Maredsous (Bélgica), 101ªed., Ed. Ave Maria Ltda., São Paulo, Brasil, 1996.
Centro Bíblico Católico, Bíblia Sagrada, trad. Frei João José Pereira de Castro, da versão dos Monges
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Cunha, Antonio Geraldo, Dicionário Etimológico, ed. Nova Fronteira, 2ª Ed., São Paulo, 1982.
Faculdade de Teologia da Universidade de Navarra, Bíblia Sagrada, trad. Portuguesa e notas de
comentário de José A. Marques, Edições Theologica, Braga, Portugal, 1994.
PROFT em Revista
Anais do Simpósio Profissão Tradutor 2010
No princípio era a palavra: o olhar de um tradutor
Furlan, M., Brevissima História da Teoria da Tradução no Ocidente: Os Romanos. In: “Cadernos da Tradução”,
n.8. Florianópolis: PGET, 2.003.
Galache, Gabriel C., Bíblia Sagrada- Tradução Ecumênica, Ed. Paulinas, S. Paulo, Brasil, 2002.
Holy Bible, Harper Collins Publishers, Harper, Estados Unidos, 2007
Koch, Ingedore Villaça, O texto e a construção dos sentidos, 3ªed., Contexto, São Paulo, 2.000
Leopoldo, Duarte(Cônego), Concordância dos Evangelhos, Ed. Desclée e Cia, Paris, 2ªed., 1928.
New American Standard Bible , The Lockman Foundation, La Habra, Estados Unidos, 1995.
Ogden, C.K. & Richards, I.A., O Significado do Significado-Um Estudo da Influência da
Linguagem sobre o Pensamento e sobre a Ciência do Simbolismo, Trad. De Alvaro Cabral, Zahar Editores, Rio
de Janeiro, 1972.
Soros, George, The New Paradigm for Financial Markets, Public Affairs, USA, 2008
Zevini, Jorge, Evangelho Segundo São João-comentário espiritual, Trad. Hugo Neves Ferreira, Ed. Salesiana
Dom Bosco, São Paulo, Brasil, 1987.
REFERÊNCIAS DA INTERNET:
http://strongsnumbers.com/greek/1510.htm
http://kjvs.scripturetext.com/john/1.htm
http://vul.scripturetext.com/john/1.htm
http://bibliaparalela.com/john/1-1.htm
http://study.interlinearbible.org/john/1.htm
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