Comunicativo e comunicacional no ensino de línguas

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Comunicativo e comunicacional no ensino de línguas
Communicative e communicational in language teaching
Elaine Ferreira do Vale Borges1
(USP)
Resumo: Este artigo visa contrapor o ensino comunicativo de língua (ECL) ao ensino
comunicacional de língua (ECCL), uma vez que são tidos como sinônimos ou como sendo um a
evolução do outro. O ECL é baseado especialmente no trabalho de Hymes (1972) e Widdowson
(1972, 1991[1978]), enquanto que o ECCL fundamenta-se no trabalho de Prabhu (1987). Assim, este
artigo expõe o surgimento dos dois enfoques, bem como os conceitos de ensino e de linguagem
subjacentes a eles. A presente discussão é estruturada na divisão entre o conceito de linguagem em
sentido micro (abordagem) e macro (movimento) – como definido por Borges (2009) – e, ainda,
essencialmente vinculada às críticas de Prabhu ao ECL.
Palavras-chave: comunicativo, comunicacional, ensino de língua.
Abstract: This article aims at counterpointing the communicative language teaching (CLT) to the
communicational language teaching (CCLT), once they are either taken as synonyms or as one being
the progress of the other. The CLT is especially based on the work of Hymes (1972) and Widdowson
(1972, 1991 [1978]), while the CCLT is based on the work of Prabhu (1987). Thus, this article
exposes the emergence of the two approaches as well as the concepts of teaching and language that
underlie them. The present discussion is structured on the division between the concept of language in
a micro (approach) and in a macro (movement) sense as defined by Borges (2009); yet, it is
essentially linked to the criticisms of Prabhu to the CLT.
Keywords: communicative, communicational, language teaching.
1. Introdução
A evolução nos estudos sobre a linguagem como comunicação e, principalmente,
como ato social e/ou comunicativo em diferentes linhas de reflexão (filosofia, psicologia,
linguística, antropologia, sociologia, etc.) contribuiu para o surgimento e desenvolvimento do
denominado movimento comunicativo no contexto de ensino de língua estrangeira e/ou
segunda língua no início da década de 1960. Historicamente, segundo Howatt (1988, p. 19), o
referido movimento foi designado como tal depois, e muito provavelmente em função, do
artigo clássico de Hymes (1972), On communicative competence, uma vez que o termo
"competência comunicativa foi universalmente adotado para descrever as metas e objetivos de
1
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todo o ensino de língua comunicativo2". O surgimento do termo abordagem comunicativa
igualmente ocorreu em decorrência do artigo de Hymes. Howatt e Widdowson (2004)
confirmam que o “pacote completo” do movimento comunicativo (MC), ou seja, a
competência comunicativa de Hymes e a abordagem comunicativa tornaram-se sinônimos de
ensino comunicativo de língua (ECL).
Em 1987, o linguista aplicado Nagore Prabhu revela o uso do termo comunicacional (e
seu significado) para descrever a visão de pedagogia de segunda língua (L2) e/ou ensino
comunicacional de língua (ECCL) subjacente ao projeto3 (coordenado por ele) de ensino de
inglês baseado em tarefas, em escolas primárias e secundárias de Bangalore na Índia. De
acordo com Prabhu (1987), o termo comunicacional foi escolhido para contrapor ao já usado
termo comunicativo, tendo em vista que a concepção de desenvolvimento de competência em
L2 (do projeto) foi além da sistematização de inputs da linguagem e/ou da maximização de
práticas planejadas como subentendido no ECL e/ou na abordagem comunicativa. No Projeto
Comunicacional de Ensino ou Projeto Bangalore, ao contrário da tentativa de se propiciar
situações de comunicação num processo que ao final se revela essencialmente unidirecional
(como acredita Prabhu), objetivou-se criar condições para que os aprendizes se engajassem
num esforço para lidar com a comunicação. Nesse contexto, explorou-se o desenvolvimento
da competência gramatical, como enfatizada em Palmer (1964[1921]), em detrimento da
competência comunicativa de Hymes como pressuposto no ECL. O projeto em questão
fundamentou-se (de forma pioneira para a área) no desenvolvimento e utilização de tarefas
em sala de aula, que Prabhu denominou como sendo uma "atividade que requer do aprendiz
chegar a um resultado de uma dada informação através de algum processo de pensamento,
controlado e regulado pelos professores" (p. 24).
No exterior, as pesquisas sobre ensino de língua baseado em tarefas se intensificaram
desde as reflexões de Prabhu (e colaboradores) no Projeto Bangalore como, por exemplo, em
Candlin & Murphy (1987), Nunan (1989; 2004), Crookies & Gass (1993), Willis (1996),
Bygate, Skehan & Swain (2001), Ellis (2001) e Willis e Willis (2007), para citar apenas
alguns trabalhos. Na mesma proporção intensificaram-se também as interpretações e
reinterpretações do significado do termo tarefa. Todavia, o sentido de tarefa em Prabhu (1987)
é o que originalmente fundamenta o denominado ensino baseado em tarefas (Oxford, 2006)
2
Essa e outras traduções neste artigo são de minha inteira responsabilidade.
3
Implementado entre os anos de 1979 a 1984.
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e/ou ensino comunicacional de língua (Borges, 2009). No Brasil, as influências do
pensamento de Prabhu são visíveis em diversas pesquisas em ensino de língua na área de
linguística aplicada; porém, em muitos desses trabalhos (ALMEIDA FILHO &
BARBIRATO, 2000; BITAR, 2008; SILVESTRE, 2008; VEIGA, 2011) o ensino baseado em
tarefas é interpretado como compondo o ensino comunicativo de língua e/ou a abordagem
comunicativa. Contudo, essa interpretação (que julgo equivocada) é resultado da visão que se
tem na área do “pacote completo” citado em Howatt e Widdowson (2004) – com já exposto
acima. Nunan (1989), por exemplo, enfatiza que “é óbvio que o interesse corrente em tarefas
deriva amplamente do que tem sido denominada ´abordagem comunicativa´ de ensino de
língua” (p. 12, grifo meu). Na mesma linha de reflexão, no livro clássico de referência para
área Approaches and methods in language teaching, Richards & Rodgers (2001, p. 223)
explicitam que
O Ensino de Língua Baseado em Tarefas (ELBT) refere-se a uma abordagem baseada no uso
de tarefas enquanto uma unidade do núcleo do planejamento e instrução em ensino de língua.
Alguns de seus proponentes (e.g. Willis, 1996) o/a apresentam como um desenvolvimento
lógico do Ensino Comunicativo de Língua, já que se baseia em vários princípios que fazem
parte do movimento comunicativo de ensino de língua da década de 1980. (grifos meus)
Como foi destacado no início desta introdução, os termos MC, competência
comunicativa e abordagem comunicativa tornaram-se sinônimos de ECL. Nesse panorama, o
adjetivo masculino comunicativo (em MC e ECL) e o adjetivo feminino comunicativa (em
competência comunicativa e abordagem comunicativa) são usados como possuidores de um
mesmo significado em relação à concepção de comunicação e de linguagem no ensino e na
aquisição de LE/L2, qual seja, aquela subjacente à competência comunicativa de Hymes. Com
isso em mente, pode-se pensar que o termo comunicacional em Prabhu também compartilhe o
mesmo significado dos adjetivos destacados, inserindo-se, assim, no “pacote completo” do
MC como mais um de seus sinônimos. No entanto, essa reflexão pode se revelar não
totalmente verdadeira numa análise mais cuidadosa, tendo em vista que o comunicacional (do
ECCL) e o comunicativo (do ECL) tendem a incorporar diferentes significados da noção de
comunicação no ensino de língua em suas bases, embora compartilhem da visão de linguagem
em sentido macro (BORGES, 2009) do MC. Na verdade, as bases do ECL e do ECCL se
relacionam a diferentes formas de se compreender o processo de aquisição de LE/L2,
vinculadas ao tipo de competência que se deseja desenvolver, bem como a diferentes visões
de linguagem em sentido micro (BORGES, 2009).
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Inserido nessa reflexão preliminar, este artigo visa contrapor historicamente o ECL ao
ECCL, tendo como base as concepções de ensino de língua e de linguagem que os subsidiam.
Para tanto, recorrerei fundamentalmente ao trabalho de Borges (2009) – tópico 2 deste artigo
– que defende a divisão entre as abordagens comunicativa e comunicacional no contexto do
movimento comunicativo de ensino de línguas. A autora ainda argumenta em favor de uma
visão de linguagem em sentido micro (abordagem) e macro (movimento) no contexto de
ensino de línguas, baseando-se na concepção kuhniana de paradigmas nas ciências. No tópico
3, retomarei as reflexões de autores em obras importantes no panorama dos dois enfoques
destacados, com ênfase, todavia, às críticas de Prabhu (1987) dirigidas ao ECL. Na sequência,
passo as considerações finais.
2. Visão de linguagem no ensino de língua: os sentidos macro e micro
Borges (2009), partindo da visão de paradigma sociológico (conjunto) e
metaparadigma (subconjunto) em Kuhn (2001[1962]), alinha o significado do primeiro à
visão de movimento no ensino de língua, e o sentido do segundo à concepção de abordagem
de ensino de língua. Para Kuhn, o paradigma sociológico é a constelação dos compromissos
de grupo e/ou comunidade científica e teria um sentido e emprego mais global, constituindose num conjunto que abriga subconjuntos, metaparadigma ou paradigmas como exemplos
compartilhados. O metaparadigma, por sua vez, teria filosoficamente um sentido mais
profundo, porém um emprego mais restrito já que tende a isolar um gênero particularmente
importante de empenhamento de um determinado paradigma sociológico.
Pela sua fundamentação mais filosófica, o metaparadigma, segundo Borges,
compartilha significado com a noção de abordagem de ensino de língua em Anthony
(1965[1963]), a saber: “um conjunto de suposições correlatas tratando da natureza da
linguagem e da natureza do ensino/aprendizagem (...) sustenta um ponto de vista, uma
filosofia, um ato de fé – algo que se acreditam, mas não se pode necessariamente provar” (p.
8). Dessa forma, o termo movimento, no contexto de ensino de língua, seria um conjunto ou
um paradigma sociológico, enquanto que o termo abordagem seria um subconjunto do
movimento ou um metaparadigma.
Nessa divisão de conjunto e subconjunto, o movimento sustenta uma visão de
linguagem em sentido macro e a abordagem uma visão de linguagem em sentido micro. No
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caso do movimento comunicativo de ensino de línguas, a visão de linguagem em sentido
macro subjacente seria a de ato social ou comunicativo, vinculada ao que se pode entender no
campo de estudos da linguagem por virada linguística4 – com a influência principalmente das
reflexões em áreas como a filosofia da linguagem. A visão de linguagem em sentido micro da
abordagem, por outro lado, está diretamente relacionada à concepção do processo de
aquisição de língua defendida pela abordagem, que subentende, também, a prioridade do
desenvolvimento de uma determinada competência. Assim, a abordagem comunicativa, por
exemplo, fundamenta-se na visão de linguagem em sentido micro como processo de
comunicação e no desenvolvimento da competência comunicativa; assim como a abordagem
comunicacional baseia-se na visão de linguagem em sentido micro como esforço de
comunicação e no desenvolvimento da competência gramatical (BORGES, 20095). Ambas as
abordagens, no entanto, compartilham a visão de linguagem em sentido macro como ato
social do movimento comunicativo do qual são partes constituintes.
3. O comunicativo e o comunicacional no ensino de línguas
Um fato preliminar importante para o MC (embora não fazendo parte dele
diretamente) foi a publicação das ideias de Noam Chomsky em meados de 1960 sobre
competência (gramática da língua) e desempenho (uso linguístico) no contexto de língua
materna (LM). O pensamento de Chomsky – que acabou reestabelecendo "o papel da
cognição nos estudos da linguagem humana" (HOWATT, 1988, p. 18) – motivou a
comunidade de pesquisadores e professores de L2/LE da época devido às possibilidades de
uma guinada na compreensão do processo de ensino de línguas afastado dos modelos
puramente gramatical e/ou baseados na tradução. Porém, Hymes (1972) não concordou com a
visão chomskyana, já que o uso da linguagem e a produção de sentenças não deveriam ser
excluídos do conceito de competência. Dessa forma, Hymes propôs que o termo competência
(ampliado para competência comunicativa) fosse compreendido como um todo, ou seja,
subentendendo tanto a noção de gramática quanto o uso social dessa gramática. Fato que
4
Autores como Austin, Searle, Wittgenstein, Bakthin e Vygotsky são alguns dos que contribuíram para a
denominada virada linguística nos dos estudos da linguagem (cf. BORGES, 2009).
5
Borges (2009) ainda toma a abordagem instrumental como independente e compondo o MC, que, por sua vez,
possui uma visão de linguagem em sentido micro como um instrumento que se adequa a propósitos/usos
específicos, priorizando o desenvolvimento da competência pragmática (veja também BORGES, 2011).
Linguagens e Diálogos, v. 3, n. 1, p. 29-42, 2012
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resultou na publicação de seu artigo clássico (já mencionado na introdução deste artigo) On
communicative competence.
A concepção hymesiana de competência comunicativa suplantou as expectativas
levantadas com o trabalho de Chomsky no contexto de ensino-aprendizagem de LE/L2, e
acabou se tornando uma das leituras básicas para especialistas e professores desse campo
específico. Nesse sentido, Rajagopalan (2004), salienta que a postura chomskyana em relação
à aquisição da linguagem ajudou pouco nas tentativas de se constituir uma nova metodologia
de ensino de L2/LE, já que Chomsky havia afirmado que a língua materna (LM) não se
aprende, mas se manifesta naturalmente. Todavia, ainda segundo Rajagopalan, Chomsky
contribuiu muito para a área se desvencilhar de uma tradição metodológica behaviorista.
Por outro lado, as ideias de Michael Halliday, que culminaram na elaborou da teoria
linguística sistêmico-funcional, também compactuava com a visão social da linguagem e seu
uso em detrimento do viés puramente inatista preconizada por Chomsky. Para Halliday,
todavia, o desempenho comunicativo não se separa da competência comunicativa (cf.
CANALE; SWAN, 1980) – como fora proposto por Hymes –, ou seja, o significado potencial
da linguagem humana está diretamente relacionado ao alcance das ações que, por sua vez, é
manifestado por meio das escolhas semânticas e linguísticas.
Em 1972, Henry Widdowson publicou um artigo intitulado The teaching of English as
communication – e depois, em 1978, o livro na mesma linha de reflexão Teaching language
as comunication; obras que, como o artigo clássico de Hymes, se tornaram uma leitura de
referência para a área de ensino de LE/L2. Widdowson, apesar de seguir a linha hymesiana de
reflexão, compreende o termo competência como dividido em forma (competência
linguística) e uso (competência comunicativa), enfatizando, todavia, a importância de uma
(comunicativa) sobre a outra (linguística). Em uma de suas obras, Widdowson (1972),
seguindo os pressupostos hymesianos sobre a concepção de linguagem (em sentido micro, cf.
BORGES, 2009), deixa latente a concepção de comunicação que alicerça o ECL e/ou a
abordagem comunicativa ao enfatizar que ensinar uma LE é ensinar a comunicar-se
naturalmente nessa LE e que não nos comunicamos apenas porque compomos sentenças
(gramaticalmente falando), mas usamos essas sentenças
[...] para produzir afirmações de diferentes tipos, para descrever, anotar, classificar e assim por
diante, ou para perguntar, fazer pedidos, dar ordens; ou seja, a comunicação só acontece
quando fazemos uso das sentenças para desempenhar uma variedade de diferentes atos de
natureza essencial social [mediados pelas funções comunicativas da linguagem]. (p. 118-119)
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Dessa forma, segundo Widdowson, uma unidade comunicativa só pode ser formulada
por meio da combinação de atos comunicativos, cujos valores subjacentes é que deve ser
ensinado aos aprendizes de uma L2/LE, e não o significado de itens do sistema gramatical da
língua, já que, uma vez combinados, esses itens não criam necessariamente uma unidade
comunicativa.
De acordo com Cardoso (2002, p. 38), outros autores como, por exemplo, van Ek,
Wilkins e Munby, também contribuíram para o desenvolvimento e evolução do MC e/ou
ECL, para citar apenas os mais importantes daquela época. van Ek desenvolveu a noção de
nível limiar (competência básica no processo de ensino-aprendizagem de L2/LE). Wilkins
analisou "a natureza do conhecimento subjacente aos usos comunicativos da linguagem",
distinguindo dois tipos de categorias: (1) nocionais, de natureza semântico-gramatical; (2)
funcionais, de natureza pragmática. Munby, por sua vez, intensificou os estudos sobre a
análise de necessidades influenciando diretamente os avanços nos estudos sobre o ensino de
inglês para fins específicos.
Apesar do impacto das ideias, principalmente, de Hymes e Widdowson para a
evolução e o fortalecimento das bases teórica do MC e, mais essencialmente, do ECL, o viés
cognitivo inserido na competência linguística de Chomsky não fora totalmente descartada por
alguns estudiosos da aquisição de segunda língua (ASL). Alavancou-se, assim, uma tradição
de pesquisas em ASL preconizada por Pit Corder (1918-1990) a partir de 1967. Para os
estudiosos inseridos nessa linha haveria uma possibilidade de que, apesar das diferenças, a
aquisição de uma L2/LE pudesse seguir os mesmos passos da aquisição da LM. Autores
importantes no contexto do MC como Krashen (1981/2002) e Prabhu (1987) compartilharam,
em alguma medida, essa perspectiva.
Assim, no final da década de 1970 e início da década de 1980, os linguistas aplicados
Stephen Krashen e Nagore Prabhu, abordando diferentes aspectos em contextos de estudos
distintos, partem do campo de ASL na tentativa de obterem respostas pedagogicamente
diferentes daquelas, até então, encontradas nessa área. Conforme Howatt e Widdowson (2004,
p. 337), Krashen "adotou a visão de que uma compreensão bem sucedida seria uma condição
suficiente para a aquisição"; ao passo que Prabhu "insistiu na participação ativa dos
aprendizes no processo de produzir e comunicar significado". Contudo, Prabhu vai além e
(embora seus estudos sempre estiveram inseridos no MC) questiona as bases comunicativas
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que fortaleceram o movimento e o ECL, ou seja, a concepção de comunicação e linguagem
(em sentido micro, cf. BORGES, 2009) subjacentes à visão de competência comunicativa de
Hymes. Com os questionamentos de Prabhu, surge no decorrer dos anos de 1980 o termo
comunicacional em seus trabalhos, numa tentativa deste autor em enfatizar que sua visão de
linguagem (em sentido micro, cf. BORGES, 2009) e, consequentemente, sua visão sobre o
processo de ensino e de aquisição de LE/L2 é diferente da preconizada pelo ECL. Nesse
contexto, Prabhu (1987, p. 14) pontuou que "o desenvolvimento da competência gramatical
dos aprendizes é o objetivo (e problema) primário" no ECCL (proposto por ele e que diverge,
como salientado, da visão hymesiana de competência comunicativa).
Nesse contexto, ainda no final da década de 1970, Prabhu e colaboradores iniciaram
um projeto de ensino de L2 (inglês) baseados em tarefas em escolas primárias e secundárias
na Índia, nomeado de Projeto Comunicacional de Ensino ou Projeto Bangalore (como já
exposto na introdução deste artigo). Larsen-Freeman e Freeman (2008, p. 166) descreveram
bem esse momento ao enfatizarem que, de "um jeito interessante essa atenção em tarefa [no
projeto de Prabhu] enquanto um fator organizador do ensino em sala de aula promoveu a
ruína do pensamento unificado sobre o ensino comunicativo de línguas". Howatt e
Widdowson (2004, p. 350) também afirmaram que as bases sociolinguísticas do "ensino
comunicativo ortodoxo" têm pouco em comum com as bases psicolinguísticas do projeto
comunicacional de Prabhu. Refletindo sobre os argumentos de Howatt e Widdowson, pode-se
interpretar que o ECCL é um tipo de ensino comunicativo não-ortodoxo, ou seja, é algo novo
que surge em oposição ao que já se encontrava estabelecido, leia-se ECL, dentro do MC.
Nesse contexto, Prabhu (1980, apud LARSEN-FREEMAN and FREEMAN, 2008, p. 167;
ênfase do autor) revelou que o "Ensino Comunicativo na maior parte do pensamento ocidental
tem sido treinamento para a comunicação [...] enquanto que o Projeto Bangalore é ensino
através da comunicação; e, portanto, a noção de comunicação é diferente". A colocação de
Prabhu acaba não deixando dúvidas sobre as diferenças sobre a concepção de comunicação e
de linguagem (em sentido micro, cf. BORGES, 2009) inseridas no ECL e no ECCL;
concepções que se relacionam a diferentes maneiras de se compreender o processo de
aquisição de LE/L2 dentro do MC.
Ainda em 1978, um ano antes do início do projeto indiano, os trabalhos de Wilkins
(1976) e Widdowson (1978[1991]) foram expostos no Instituto Regional de Inglês em
Bangalore, com o intuito de que os especialistas em ensino de língua de Bangalore, incluindo
Prabhu, pudessem conhecer melhor as ideias do MC e do aclamado ECL (cf. PRABHU,
Linguagens e Diálogos, v. 3, n. 1, p. 29-42, 2012
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1987). No entanto, a visão de que comunicar em uma L2/LE é usar a língua naturalmente,
porém deslocada de uma preocupação pedagógica com a competência gramatical e
direcionada a outras competências, como a comunicativa, por exemplo, levou os pensadores
indianos a não concordarem com esse princípio comunicativo. Para Prabhu (1987),
comunicar-se na sala de aula é "um processo de lidar com uma necessidade de fazer sentido
ou passar significado" (p. 16). E esse processo envolve primordialmente uma preocupação
pedagógica de se trazer à tona (de forma implícita e por meio de tarefas) a capacidade
subconsciente do aprendiz de colocar em uso o sistema gramatical da língua, ou seja, a
competência gramatical ou linguística. Dessa forma, "o desenvolvimento da competência
gramatical nos aprendizes continuou sendo visto [como já era antes da exposição das ideias de
Wilkins e Widdowson6] como o objetivo (e problema) principal no ensino de inglês na Índia"
(PRABHU, 1987, p. 14).
No que diz respeito às diferentes visões do termo comunicação que acabam por
distinguir o ECL do ECCL no MC, Prabhu, ao escrever um artigo intitulado Communicative
teaching: ‘communicative´ in what sense? (PRABHU, 1984), discute (fazendo uma análise
conceitual) cinco diferentes sentidos do fenômeno subjacente à compreensão do termo
comunicativo7, inserido em distintas linhas de percepção sobre a pedagogia de ensino de
línguas, a saber:
(1) ênfase na forma com exercícios comunicativos – características de um planejamento
linguístico (gramatical) baseado em ensino comunicativo;
(2) ênfase nas regras de uso que se entende ser o produto da conversão ou extensão das
regras da gramática da língua – inserido na divisão entre “uso” e “forma” proposta nos
trabalhos de Widdowson (1972, 1991[1978]);
(3) ênfase no significado do enunciado em detrimento do foco em termos estruturais da
língua – como proposto no planejamento nocional-funcional de Wilkins (1972);
6
Antes da apresentação dos seminários de Wilkins e Widdowson o ensino de inglês na Índia era baseado no
método S-O-S (Structural-Oral-Situational), cujos princípios pedagógicos eram baseados na visão de Palmer
(1921). De acordo com Prabhu (1987, p. 13), "a pedagogia do S-O-S objetiva promover nos aprendizes uma
competência gramatical interna que poderia se manifestar no uso natural da língua gramaticalmente correta".
Muitos dos princípios do S-O-S foram questionados no desenvolvimento do Projeto Bangalore, mas a visão da
competência gramatical implícita de Palmer agradava aos pensadores indianos.
7
Entende-se, aqui, que Prabhu se refere às diferentes concepções sobre o significado de comunicação e de
linguagem em sentido micro (subconjuntos) que compõem o MC. Este, por sua vez, possui em seu âmago um
significado de comunicação e de linguagem em sentido macro (conjunto) – veja o trabalho de Borges (2009).
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(4) ênfase na análise de necessidade de uma situação-alvo, com combinações de traços
teórico-práticos de cunho estrutural, sociolinguístico, semântico e discursivo – como
formulado por Munby (1978);
(5) ênfase em atividades focadas no significado, irrefreável por qualquer pré-seleção ou
predição da língua – como desenvolvido por Prabhu (1987).
Prabhu (1987) – compartilhando do significado expresso no quinto sentido do termo
comunicativo, acima – enfatizou que a concepção comunicacional pretende desvencilhar-se
da visão subjacente à pedagogia de ensino de línguas dita comunicativa (do ECL, da
abordagem comunicativa e da competência comunicativa de Hymes). Isso devido ao fato de a
pedagogia do ECL conceber o papel e a natureza da comunicação como atingindo um nível
aceitável de apropriação situacional ou centralizando-se em noções/funções no uso da línguaalvo. A apropriação, no primeiro caso, subentende um alcance de precisão gramatical dentro
do contexto de sala de aula e fora dele. Essa precisão gramatical no ECL, no entanto, é tida
como secundária no processo de aquisição. Na concepção comunicativa de ensino/aquisição
do ECL, então, a gramática da língua (ou a competência linguística) é adquirida
inconscientemente pelo aprendiz na medida em que a semântica dessa mesma língua
(subentendida no desenvolvimento da competência comunicativa) é trabalhada com o e/ou
adquirida pelo aprendiz. Porém, ainda de acordo com Prabhu, os procedimentos nocionalfuncionais e/ou os de apropriação social da linguagem acabam, na verdade, mascarando
formas linguísticas na apresentação dos itens semânticos e, ao fazê-lo, ocorre uma inevitável
perda da sistematização gramatical.
Na visão de Prabhu, no entanto, a competência linguística e/ou gramatical é uma
resposta imediata à necessidade e ao esforço de se comunicar e deve, por esse motivo, ser o
objetivo primeiro das preocupações na pedagogia do ensino de línguas. Dessa forma, a
competência gramatical é tida por Prabhu como mais complexa do que é compreendida na
visão comunicativa de ensino do ECL e por Hymes ao elaborar a noção de competência
comunicativa. Todavia (como já foi enfatizado), essa preocupação deve se manifestar, no
contexto de ensino, através do desenvolvimento de atividades focadas no significado que
promovam e/ou provoquem no aprendiz um esforço para comunicar-se, ou para lidar com a
comunicação.
Em 2003, em um artigo intitulado Communication – a help or hindrance to language
learning?, Prabhu reiterou sua crítica ao MC e à visão de comunicação e de linguagem (em
Linguagens e Diálogos, v. 3, n. 1, p. 29-42, 2012
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sentido micro, cf. Borges, 2009) a ele subjacente8. Prabhu argumentou que a concepção de
comunicação desse movimento é de uma "contínua troca de mensagens" (na relação
professor-aluno ou aluno-aluno) ou de "dois atos comunicativos unidirecionais" – o que
subentende uma visão de linguagem (em sentido micro, cf. Borges, 2009) como processo.
Nessa concepção tem-se a ideia de que para a aprendizagem da língua é essencialmente
necessário estar exposto a ela, o que impede um "prolongado período de compreensão e
absorção – o nomeado ´período de silêncio´ na aprendizagem da língua" (PRABHU, 2003, p.
22). Assim, professor e aluno(s) são sempre emissores e acabam envolvidos num processo
essencialmente passivo – numa alusão ao processo linear de comunicação. Para Prabhu, o
período de silêncio no processo de comunicação e/ou aquisição de LE/L2 é essencial para se
perceber subconscientemente que "cada amostra da língua em uso é uma incorporação de
algum significado da forma linguística", e é nesse período que o aprendiz promove "um
esforço ativo da mente" (ou desenvolvimento cognitivo) para reconhecer esse significado,
mas isso ocorre dentro
[...] de sucessivos encontros com amostras da língua, sucessivos eventos de produção e revisão
de conexões e sucessivos estágios de consolidação ou firmamento, até que um corpo
substancial de formas linguísticas, junto com o sistema que as interrelacionam e controla suas
combinações, estejam no lugar. A produção da língua pelo aprendiz torna-se possível somente
quando a aquisição formou uma substancial base para suportá-la. (p. 22)
Dessa forma, o aprendiz passa por um processo de aquisição através de um
desenvolvimento mental de produção de significado e/ou compreensão de amostras da língua,
em que professor e aluno(s) participam ativamente.
A concepção enfatizada por Prabhu, que subentende ter a noção de comunicação e de
linguagem (em sentido micro, cf. Borges, 2009) no ECL, é também discutida, ainda que
indiretamente, por Koch e Cunha-Lima (2007, p. 281). As autoras sugerem que a Teoria dos
Atos de Fala de John Austin (How to do things with words, 1962) e John Searle (Speech acts,
1969) foram um referencial para a constituição do ECL, ao conceber a língua como um tipo
de ação e não apenas como um sistema de regras. No entanto, as autoras enfatizam que o
ECL, apesar de advogar possuir uma visão de linguagem como ato social (em sentido macro,
cf. BORGES, 2009), acaba tratando
8
Na verdade Prabhu parece dirigir suas críticas ao ECL e/ou à abordagem comunicativa e não exatamente ao MC (embora
ele o faça explicitamente), já que esse autor é um expoente importante do MC e não do ECL. Compreende-se que a crítica de
Prabhu é dirigida ao MC devido ao fato de que o MC é tido na área como sinônimo de ECL, de abordagem comunicativa e de
competência comunicativa – conforme já foi salientado no início deste artigo.
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[...] a interação como se ela fosse um conjunto de trocas sistemáticas entre dois indivíduos
autônomos, ligados por um código comum (a língua falada por ambos). Ao ouvinte/leitor
caberia uma função meramente passiva: a de receber e decodificar corretamente as mensagens.
Essa concepção [ao privilegiar o método da introspecção e da análise de sentenças isoladas]
desconsidera o importante papel que o ouvinte/falante desempenha no estabelecimento de
interpretações e na sanção de sentido. Ignora o fato de que, para decidir por uma determinada
formulação linguística, o falante prevê e conta com conhecimentos prévios do ouvinte, com
suas reações e habilidades. O falante não constrói o seu ´projeto de dizer´ sem projetar sua
audiência e sem que cada decisão seja influenciada por essa projeção.
A visão de Koch e Cunha-Lima (2007) vai ao encontro das críticas de Prabhu (1987)
sobre o MC – que entendo serem dirigidas ao ECL. Nesse contexto, é possível perceber nas
falas das autoras as complicações para a área ao se considerar – como é de praxe (cf.
HOWATT, 1988) – o MC, o ECL, a abordagem comunicativa e a competência comunicativa
de Hymes como sinônimos. Compreende-se, aqui, que as noções em Austin e Searle sobre a
teoria dos atos de fala, no que esta teoria se relaciona diretamente à concepção de linguagem
(em sentido macro, cf. BORGES, 2009) como comunicação/ato social, são as que
fundamentam o MC; já as noções sobre a interação como “um conjunto de trocas
sistemáticas” são as que fundamentam o ECL. Ou seja, a noção de interação e/ou
comunicação como um conjunto de trocas sistemáticas é uma das diferentes visões sobre
comunicação e linguagem (em sentido micro, cf. BORGES, 2009) que compõem o MC. E
estas diferentes concepções sobre a interação, a linguagem, a comunicação e,
consequentemente, a aquisição de LE/L2 são as que subsidiam um e outro tipo de pedagogia
de ensino de língua (do ECL e do ECCL) dentro do MC.
4. Considerações Finais
No panorama de ensino de línguas, tanto no Brasil como no exterior, há uma tendência
em assumir os termos comunicativo e comunicacional como sinônimos (ou como esse sendo a
evolução daquele), principalmente ao se associar o ensino baseados em tarefas (como
proposto por Prabhu, 1987) como compondo os pressupostos da abordagem comunicativa ou
do ensino comunicativo de língua (ECL). No alicerce de tal tendência, muito provavelmente,
reside a compreensão geral de que a base do ensino baseado em tarefas ou ensino
comunicacional de línguas (ECCL) em Prabhu é a competência comunicativa de Dell Hymes.
Essa forma de pensar pode ser explicada pela compreensão que se tem do surgimento do
movimento comunicativo (MC) e da abordagem comunicativa que, como explica Howatt
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(1988), foram nomeados muito provavelmente em função do artigo clássico de Hymes (1972),
On communicative competence. No entanto, com o surgimento das reflexões sobre o ECCL
em Prabhu (1987), questionando os fundamentos da visão de comunicação inseridas na
concepção hymesiana de competência comunicativa, faz se necessária uma reinterpretação
dos alicerces do MC e das diferenças entre o que se pode entender por ECL e ECCL dentro do
movimento. A compreensão da diferença entre o ECL e o ECCL, e de que o MC não é um
sinônimo dos dois enfoques, pode direcionar melhor as pesquisas em ensino de língua
baseado em tarefas que ainda são recorrentes tanto no exterior como no Brasil; ainda, pode
viabilizar a fundamentação teórica na formação de professores de língua pré e em serviço,
com reflexos para a prática em sala de aula. Tendo em vista tais contribuições, este artigo
objetivou contrapor, historicamente, o ECL ao ECCL; como também discutir o surgimento e
as concepções subjacentes aos dois enfoques. Foi enfatizado, para tanto, as críticas de Prabhu
ao ECL e a divisão que Borges (2009) faz entre visão de linguagem em sentido micro
(abordagem) e macro (movimento).
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Recebido em 10/07/2012.
Aprovado em 17/07/2012.
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