NÚBIA OLIVEIRA ALMEIDA UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE – UFS [email protected] DANOS NOS SISTEMAS AMBIENTAIS DO ALTO CURSO DO RIO BRUMADO – BAHIA INTRODUÇÃO A distribuição irregular dos recursos hídricos no Brasil não é equiparada às regiões, em especial o Nordeste brasileiro com destaque as áreas que estão inseridas no polígono da seca. Dessa forma, a política hídrica no Nordeste priorizou a implantação de obras como barragens, projetos de irrigação e perfuração de poços para atender as populações castigadas pelos longos períodos de estiagem. A construção da Barragem Luís Vieira em Rio de Contas - BA fez parte dessa política que foi considerada o marco inicial do sistema de irrigação do Vale do Rio de Contas. Essa obra por sua vez, teve características definidas no meio físico em detrimento a um “modelo de desenvolvimento” aplicado às novas técnicas de irrigação estabelecidas no município de Livramento de Nossa Senhora. OBJETIVO Para tanto, este estudo tem como objetivo avaliar os danos nos sistemas ambientais físicos decorrentes da construção da barragem desde sua implantação até o atual momento. A GEOGRAFIA E O ESTUDO AMBIENTAL A relação do homem com o meio ambiente no começo dos tempos era no sentido de complementar as suas necessidades admirando e respeitando os limites da natureza. Mas com o passar do tempo essa relação começa a sofrer alterações, pois o homem vai adquirindo Realizado de 25 a 31 de julho de 2010. Porto Alegre - RS, 2010. ISBN 978-85-99907-02-3 1 novas habilidades, daí o desejo e anseio em conquistar e explorar o que o meio poderia oferecer. É nesse contexto que os problemas ambientais passam a ser palco de discussão de alguns pesquisadores e estudiosos das mais diversas áreas do conhecimento. Uma vez que existem elementos fornecidos pela natureza que não são renováveis e o homem cada vez mais se apropria do espaço para desenvolver atividades e atender suas necessidades. E toda ação gera modificações que irão refletir no ambiente em que vive. De acordo com Bastos & Freitas: A interação do homem com o meio ambiente quer seja de forma harmônica ou não, provoca sérias mudanças a nível global. Essas mudanças decorrentes da relação histórica sociedade-natureza, têm gerado profundas discussões sobre as questões ambientais em todos os segmentos da sociedade. (BASTOS & FREITAS, 2000, p. 17). Os diversos tipos de degradação ou alterações no meio ambiente terão incidência sobre alguma forma do relevo, ao se apropriar de determinadas superfícies, o homem intervém em áreas já modificadas ou em ambientes naturais deixando profundas mudanças na paisagem. Bastos & Freitas (2000) fazem inferência às alterações provocadas pelo homem sobre o relevo e que estas são locais e tem uma significação mais intensiva do que extensiva, mas os autores destacam ainda que existam ambientes sensíveis, como os rios, linhas costeira, regiões semi-áridas e subárticas, que podem ser desestabilizados e posteriormente entrar num processo de degradação. Guerra & Guerra (1997) definem que a ação do homem de forma intensa sem respeitar os limites da natureza provoca sérios danos ao meio. De acordo com Tricart: O conhecimento dos mecanismos de degradação, ou seu duplo aspecto natural e humano é indispensável para prever os riscos de destruição dos recursos em terras e águas e de diminuição do potencial ecológico. Impõe-se também para determinar as medidas a tomar para conservá-los e os reconstruir, tanto quanto possível, depois de uma má utilização. (TRICART, 1978, p. 159). Para falar dessa degradação, o meio ambiente que é estudado por outras ciências, também adquiriu sua importância nas análises da Geografia. Jollivet & Pavê (apud Realizado de 25 a 31 de julho de 2010. Porto Alegre - RS, 2010. ISBN 978-85-99907-02-3 2 TOMASONI, 2004) conceitua o meio ambiente como um conjunto de condições naturais e artificiais, onde o homem vive e explora; e ainda é aquele conjunto dos meios que não sofreram a interferência humana. O debate sobre o meio ambiente torna-se mais amplo no final da década de 1960, a partir de então a discussão científica ganha força a nível internacional devido a gama de problemas que surgem no globo terrestre, a ONU (Organização das Nações Unidas) através do PNUMA (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente) vem encaminhando fóruns de debate em todo mundo. Tomasoni (2004, p. 26) ao analisar o papel da Ciência Geográfica afirma que: “Pode-se definir o campo de ação da Geografia Física como o estudo do meio ambiente e dos fatos naturais modificados pelo homem, relacionados com os fatos humanos”. Dessa forma, esse ramo da ciência vai trabalhar com as relações do homem com a natureza, vice-versa, e não apenas com os elementos que a compõem, pois o objeto intrínseco da Geografia vai estar nesta relação. Assim essa ciência assume uma posição diferenciada dos demais conhecimentos afins. É importante frisar que a ciência geográfica tenha um posicionamento enquanto postura conceitual, já que esta temática também é abordada por outras ciências. POLÍTICA DE RECURSO HÍDRICO NA REGIÃO NORDESTE DO BRASIL Dentre a problemática existente no Brasil a distribuição irregular dos recursos hídricos não é equiparada às regiões, sendo que 70% da água do território brasileiro se concentram na região Norte, onde vivem apenas 7% da população; a região Sudeste com uma concentração populacional de 42,63% dispõe de 6% dos recursos hídricos e a região Nordeste que abriga 28,91% da população conta com apenas 3,3%, (MACHADO, 2003). E é nesta última que a população sofre os reflexos da escassez da água, principalmente as áreas que estão inseridas no polígono da seca. A política hídrica no Nordeste priorizou a implantação de obras como barragens, projetos de irrigação e perfuração de poços. Estudos feitos por Prates et al. (2007, p. 4) relatam que: “No caso de diversas áreas do Nordeste brasileiro, onde se tem a Realizado de 25 a 31 de julho de 2010. Porto Alegre - RS, 2010. ISBN 978-85-99907-02-3 3 disponibilidade de recursos hídricos, a ‘solução’ para a consolidação do projeto de ‘desenvolvimento’ passa a ser a implantação de projetos de irrigação”. Mesmo com a Lei nº 9.433 da Política Nacional de Recursos Hídricos (PNRH) que tem como um dos seus objetivos reverter a setorização e reunir os vários usos da água, ainda o Nordeste em especial a região semi-árida carrega a tradição de caráter concentrado e fragmentado no setor hídrico e isso perpassa até os dias atuais. As decisões sempre partiram dos governantes em detrimento do prestígio e ascensão social que se transforma num jogo de poder. A classe política brasileira como é relatada por Andrighetti (1998) com poucas exceções legisla em benefício próprio. Usam-se do poder para adquirir vantagens econômicas e eleitorais. Data-se por volta do final do século XIX um domínio aos eleitores nas áreas rurais do Brasil e principalmente do Nordeste, tendo o coronel como uma das figuras mais importantes, expressão esta, usada para denominar grandes fazendeiros e chefes políticos municipais de todo o país. Eles eram como autoridade máxima local. Na região Nordeste do Brasil, o desenvolvimento tem ficado como um teste submetido ao país. Ao que se refere a seca, um fenômeno natural, é visto por muitos da elite política como a indústria da seca. Este fenômeno há décadas é manipulado como uma forma de garantia na obtenção de votos, ficando os interesses da população e o desenvolvimento da região em segundo plano. O Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS) órgão federal encarregado em construir e gerenciar projetos em recursos hídricos se caracterizou pela ação governamental que deixou principalmente nessa área sua marca centralizada e autoritária, pois uma boa parte das obras foi executada no período do regime militar. Callado (apud COHN, 1978, p. 91) relata que: “[...] o importante para o DNOCS é fazer obras gigantescas para presidentes e governantes inaugurarem. É servir às famílias importantes da região”. Nesse sentido Cohn ainda reitera: [...] Não só os grandes latifundiários têm influência na determinação da localização das construções de açudes, como para eles é altamente vantajoso, como já foi visto que o DNOCS empregue seus trabalhadores em época de seca. (COHN, 1978, p. 91). Realizado de 25 a 31 de julho de 2010. Porto Alegre - RS, 2010. ISBN 978-85-99907-02-3 4 Sem garantir o uso público da água, os empreendimentos instalados pelo Nordeste acabaram tornando-se privados como muitos já estão por se localizarem dentro de propriedades particulares. Garjulli (2003) pensa sobre o assunto reafirmando as precárias condições físicas e econômicas em que se encontram os projetos públicos de irrigação. Pinto (1999) relata sobre os reflexos da seca a partir dessa visão política onde os planos, as estratégias e as políticas federais e estaduais nem sempre interagem entre si, o que conseqüentemente não trouxe resultados positivos devido a ausência de compromisso com as ações públicas. METODOLOGIA A metodologia foi baseada na literatura pertinente ao tema, buscando referências a fim de contemplar o trabalho. Também através de visita ao campo, observações e registros fotográficos, procurou-se identificar os problemas ambientais tomando como recorte espacial, o alto curso do rio Brumado, especificamente a área de influência direta da barragem, as áreas de empréstimo no seu entorno, até aproximadamente 3 km à jusante do lago por onde corta o Rio Brumado na cidade de Rio de Contas. RESULTADOS PRELIMINARES O estudo trará resultados interessantes sobre a atuação do poder público com a implantação de barragem em um rio da região Nordeste do Brasil. A partir da metodologia adotada concerne-se que a paisagem geográfica sofreu alterações relevantes. Por se tratar de um trabalho em andamento serão apresentados alguns resultados preliminares verificados a seguir. Foram identificados três pontos principais considerados áreas críticas onde executaram os empréstimos laterais. O primeiro está localizado às margens da barragem. O segundo está a direita do lago próximo ao vertedouro. E por último, o terceiro ponto, que fica nas proximidades da cidade, atualmente já existe um bairro em formação conhecido como Vermelhão. Realizado de 25 a 31 de julho de 2010. Porto Alegre - RS, 2010. ISBN 978-85-99907-02-3 5 Foto 1: Área de empréstimo (1º ponto) Fonte: Pesquisa direta em março de 2010. Foto 2: Área de empréstimo (2º ponto) Foto 3: Área de empréstimo (2º ponto) Realizado de 25 a 31 de julho de 2010. Porto Alegre - RS, 2010. ISBN 978-85-99907-02-3 6 Fonte: Pesquisa direta em março de 2010. Fonte: Pesquisa direta em março de 2010. Foto 4: Área de empréstimo (3º ponto) Foto 5: Área de empréstimo (3º ponto) Realizado de 25 a 31 de julho de 2010. Porto Alegre - RS, 2010. ISBN 978-85-99907-02-3 7 Fonte: Pesquisa direta em março de 2010. Fonte: Pesquisa direta em março de 2010. Através das fotografias pode-se observar que nos referidos pontos os solos se encontram totalmente desnudos e em outros o afloramento rochoso é visivelmente crítico onde há uma intensa erosão decorrente do intemperismo, além da ocorrência dos desmatamentos acompanhados da exploração de cascalheiras. Neste caso, há 26 anos desde o término da barragem a superfície do solo não possui mais a cobertura natural, camada de terra rica em nutrientes inorgânicos e materiais orgânicos que permitem o crescimento da vegetação. Como essa camada foi retirada e não houve nenhum trabalho de regeneração, esses materiais desapareceram e o solo perdeu a propriedade de fazer crescer qualquer tipo de vegetação. Já na cidade de Rio de Contas, o impacto maior sofrido ao meio ambiente é o assoreamento do rio Brumado conforme pode ser verificado na foto 6 que atualmente tem uma aparência de lago devido ao grande acúmulo de areia e outros materiais resultantes da erosão desprendidos das chuvas e pela própria correnteza da água que escoa ao longo do leito do rio. Foto 6: Rio Brumado no perímetro urbano Realizado de 25 a 31 de julho de 2010. Porto Alegre - RS, 2010. ISBN 978-85-99907-02-3 8 Fonte: Pesquisa direta em março de 2010. O surgimento de plantas aquáticas também foi outro aspecto levado em consideração durante a pesquisa. Estas são conhecidas pelos pesquisadores como macrófitas aquáticas, são plantas que habitam desde brejos até ambientes totalmente submersos (debaixo d’água). Existem várias espécies dessas plantas, no caso do trecho avaliado do rio, há predominância de macrófitas aquáticas emersas devido ao seu enraizamento no sedimento e da predominância de folhas fora da água, estas são conhecidas como o Junco ou a Taboa (foto 7). Moradores que residem próximos as margens do rio reclamam do mau cheiro e da presença de insetos oriundos das plantas aquáticas. Foto 7: Plantas macrófitas Foto 8: Assoreamento do Rio Brumado Fonte: Pesquisa direta em março de 2010. Fonte: Pesquisa direta em março de 2010. Realizado de 25 a 31 de julho de 2010. Porto Alegre - RS, 2010. ISBN 978-85-99907-02-3 9 A foto 8 mostra parte do rio no perímetro urbano de Rio de Contas totalmente degradado, pois o assoreamento refletiu reduzindo o espelho d’água em decorrência da enorme quantidade de sedimentos depositados ao longo desses anos no seu leito após a construção da barragem. A partir da observação de campo e das fotografias podem-se avaliar os impactos diretos e seus reflexos no rio Brumado, como o assoreamento, a erosão, a alterações do regime hídrico e o surgimento de plantas aquáticas. Normalmente o que é mais comum na ocorrência do assoreamento (conseqüência direta da erosão) de rios é que se aconteça a sua jusante, ou regiões de fundo de vales, ou em lugar em que o nível de base da drenagem permita um processo deposicional, mas neste caso o processo se deu a sua montante devido o seu barramento. Os impactos ambientais avaliados no alto curso do rio Brumado decorrentes do processo de barramento configuram a intensificação da alteração da paisagem, assim como da dinâmica da natureza. Segundo Ross: Como toda causa tem seu efeito correspondente, todo benefício que o homem extrai da natureza tem certamente também seus malefícios. Desse modo, parte-se do princípio de que toda ação humana no ambiente natural ou alterado causa algum impacto em diferentes níveis, gerando alterações com graus diversos de agressão, levando às vezes as condições ambientais a processos até mesmo irreversíveis. (ROSS, 2000, p. 14-15) É lógico que a política hídrica no Nordeste trouxe sim pontos positivos até onde ela pode estabelecer vantagens e benefícios, como também se assinalou pelos problemas, pois as construções de barragens e outras obras semelhantes freqüentemente danificam a dinâmica dos recursos hídricos refletindo na qualidade ambiental. BIBLIOGRAFIAS ANDRIGHEZZI, Yná. Nordeste, mito & realidade. São Paulo: Moderna, 1998. BASTOS, Anna C. S.; FREITAS, Antônio Carlos de F. Agentes e processos de interferência, degradação e dano ambiental. In: CUNHA, Sandra Batista; GUERRA, Antônio José T. et al. (orgs). Avaliação e perícia ambiental. 2ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2000. Realizado de 25 a 31 de julho de 2010. 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