Revista de Odontologia da Universidade Cidade de São Paulo 2006 maio-ago; 18(2)149-53 INTRODUÇÃO ACIDENTAL DE TERCEIRO MOLAR SUPERIOR EM SEIO MAXILAR ACCIDENTAL INTRODUCTION OF UPPER THIRD MOLAR INTO MAXILLARY SINUS Ronaldo Célio Mariano * Willian Morais de Melo ** Lúcia de Carvalho Freire Mariano *** RESUMO: Introdução: O deslocamento de dentes ou raízes dentárias para espaços anatômicos é uma complicação associada com forças inadequadas durante movimentos de luxação aplicados aos fórceps e extratores para extrações dentárias próximas de cavidades aéreas. Os autores descrevem o deslocamento acidental de terceiro molar superior não irrompido para dentro do seio maxilar. Método: Após 18 dias foi realizada a osteotomia da parede lateral do seio maxilar para remoção do dente deslocado. No pós-operatório de 7 dias foi removida a sutura e não foi observado qualquer sinal de infecção. Resultado e conclusão: Após 12 meses de acompanhamento, o paciente não relatou queixas de dor nem de infecção sinusal. DESCRITORES: Terceiro molar - Dente não-erupcionado - Seio maxilar. Abstract: Introduction: The displacement of the teeth or dental roots into anatomic spaces is a complication associated with inadequate forces during surgical movements applied by forceps and elevators, and proximity with air-filled cavities. The authors describe the accidental displacement of an unerupted maxillar third molar into maxillary sinus. Method: After 18 days, it was realized the osteotomy of lateral wall of the maxillary sinus to removal of the dislocated tooth. On seventh day postoperatively, the suture was removed and any signal of infection was not observed. Result and conclusion: After 12 months of accompaniment, the patient did not tell complaints of pain and nor of sinusal infection. DESCRIPTORS: Molar, third - Tooth, unerupted - Maxillary sinus * Professor Titular da Disciplina de Cirurgia Buco-Maxilo-Facial da Escola de Farmácia e Odontologia de Alfenas (Efoa)/Centro Universitário Federal (Ceufe). ** Cirurgião-dentista e estagiário na Disciplina de Cirurgia da Escola de Farmácia e Odontologia de Alfenas (Efoa)/Centro Universitário Federal (Ceufe). *** Cirurgiã-dentista e Mestre em Educação pela Universidade José do Rosário Vellano (Unifenas). 149 Mariano RC, Melo WM, Mariano LCF. Introdução acidental de terceiro molar superior em seio maxilar. Revista de Odontologia da Universidade Cidade de São Paulo 2006 maio-ago; 18(2)149-53 INTRODUÇÃO A cirurgia dos seios maxilares originou-se no Égito antigo, quando eram usados instrumentos para remover cérebro de cadáveres através da cavidade nasal como etapa do processo de mumificação. O seio maxilar se situa no corpo do osso maxilar e é o maior dos seios paranasais, tendo a forma de uma pirâmide deitada de lado com base medial, correspondente à parede lateral da cavidade nasal; seu teto é o assoalho da órbita e o seu assoalho é o processo alveolar da maxila e o ápice dessa pirâmide se prolonga em direção ao processo zigomático da maxila. O assoalho do seio maxilar está freqüentemente situado a 0,5 a 1,0cm abaixo do nível do assoalho da cavidade nasal (Gardner et al.1, 1988). O seio maxilar do adulto mede em média 34 mm no sentido ântero-posterior, 33mm de altura e 23mm de largura, com volume aproximadamente de 15cc. Os seios são revestidos pelo epitélio respiratório - um epitélio cilíndrico, pseudo-estratificado, ciliado, muco-secretor - e pelo periósteo (Peterson et al.10, 2000). Até o início da década de 1960, o seio maxilar havia sido estudado anatomicamente, porém pouco investigado cirurgicamente. O seio maxilar possui particularidades anatômicas, sobretudo por sua íntima relação com as raízes dos pré-molares e molares superiores, oferecendo uma série de problemas cirúrgicos, ocasionando freqüente a penetração de corpos estranhos no interior da cavidade sinusal no decorrer de acidentes ou mesmo de tratamentos odontológicos. Uma das vias de acesso para a abordagem cirúrgica dessa cavidade é a técnica de Caldwell-Luc (Kruger5, 1984; Graziani2, 1995, Peterson et al.10, 2000). Em situações como a ressecção de tumores intra-sinusais, tratamento de traumatismo facial com acometimento dos seios maxilares, infecções fúngicas severas, processos infecciosos em que os demais métodos de tratamento não estão indicados e quando for necessário acesso cirúrgico para a fossa pterigo-maxilar está indicado o acesso cirúrgico do seio maxilar, (Romagnoli2, 1998). São bem conhecidas as relações anatômicas dos prémolares e molares superiores com a cavidade sinusal (Punwutikorn et al.11, 1994). Assim, no decorrer de uma exodontia, pode-se seguir uma abertura acidental do seio maxilar com deslocamento ou não do elemento dentário. É um acidente que pode ser ocasionado pelo emprego inadequado de extratores associados à relação anatômica 150 com o seio maxilar (Graziani2, 1995). Em se tratando de terceiros molares, superiores não erupcionados que se encontram na altura dos ápices das raízes dos segundos molares observa-se que aqueles elementos constituem parte da parede posterior do seio maxilar (Peterson et al.10, 2000). Outro fator importante que pode favorecer o deslocamento do terceiro molar superior para o interior do seio maxilar é a densidade óssea que está estritamente relacionada com a idade do paciente. Sabe-se que, quanto mais novo é o paciente, menos denso e mais elástico é o osso (Peterson et al.10, 2000), então facilitando o deslocamento acidental do dente para dentro do seio maxilar. Nessas situações, o total deslocamento do dente para dentro do antro nem sempre determina a sua infecção, considerando-se principalmente que o elemento dentário deslocado encontra-se hígido. A infecção sinusal é mais freqüentemente manifestada nos deslocamentos de raízes dentárias previamente contaminadas, associadas às doenças periodontais ou lesões apicais (Yamazaki et al.13, 1970; Yasuma14, 1971). Assim, torna-se prudente a observação por parte do cirurgião de estabelecer medidas preventivas que envolvem o conhecimento anatômico da região, aplicação adequada dos movimentos de luxação dentária bem como o conhecimento de técnicas cirúrgicas que envolvem os acessos ao seio maxilar. Relato do caso: E.J.S.A, 19 anos, sexo masculino, leucoderma, residente em Alfenas, Minas Gerais, nacionalidade brasileira, portador de terceiro molar superior direito retido, intraósseo profundo, próximo ao seio maxilar, foi submetido à exodontia por indicação ortodôntica. Como medicação pré-operatória foram prescritos 4mg de betametasona (Celestone®) e 500mg de dipirona sódica (Anador®), ambos 1 hora antes da intervenção. A anestesia local empregada foi do tipo infiltrativa subperióstica e do nervo palatino maior com dois tubetes de lidocaína a 2% com adrenalina 1:100.000. A incisão envolveu a região do túber da maxila estendendo-se para os sulcos distal e vestibular do segundo molar superior direito associada à incisão de alívio vestibular. Em seguida procedeu-se ao descolamento do retalho mucoperiosteal e ostectomia com cinzel na face vestibular do 18. A localização foi rápida e durante a luxação ocorreu o deslocamento do dente para dentro do seio maxilar (Fig.1). Diante da impossibilidade da retirada do elemento dentário pelo Mariano RC, Melo WM, Mariano LCF. Introdução acidental de terceiro molar superior em seio maxilar. Revista de Odontologia da Universidade Cidade de São Paulo 2006 maio-ago; 18(2)149-53 Fig. 1 – Radiografia panorâmica com o terceiro molar deslocado para o interior do seio maxilar. acesso cirúrgico original, procedeu-se à sutura com fio de seda 3-0, pontos interrompidos, para coaptar as margens da ferida e evitar o estabelecimento de uma comunicação bucossinusal. As medicações pós-operatórias incluíram 500mg de amoxicilina (Amoxil®) administrada de 8 em 8 horas, por sete dias e 500mg de dipirona sódica (Anador®) de 4 em 4 horas durante os três primeiros dias, caso o paciente sentisse desconforto doloroso. Aos sete dias removeu-se a sutura e o paciente não apresentava sinais indicativos de desconfortos no local ou infecção do seio maxilar. Dezoito dias após a intervenção, quando a abertura bucal mostrou-se adequada, sob novo planejamento radiográfico, iniciou-se a segunda abordagem cirúrgica sob anestesia local com lidocaína a 2% e adrenalina 1:100.000. Incisão trapezoidal (Wassmund) foi, então, realizada. Após descolamento mucoperiosteal, ostectomia com broca-tronco cônica (702XXL) permitiu confecção de uma janela óssea na parede lateral do seio maxilar (Fig.2), rompimento da membrana do seio e localização do elemento dentário. O dente foi removido Fig. 3 - Aspecto do terceiro molar superior removido da cavidade sinusal. Fig. 4 - Síntese dos tecidos moles com pontos interrompidos simples com fio de seda 3-0. Fig. 5 - Radiografia panorâmica de um ano de pós-operatório. Fig. 2 - Osteotomia na parede lateral do seio maxilar. com auxílio de pinça hemostática curva. O seio maxilar foi irrigado com soro fisiológico e Rifamicina B dietilamina (Rifocina M® 75mg). A Fig. 3 mostra o dente 151 Mariano RC, Melo WM, Mariano LCF. Introdução acidental de terceiro molar superior em seio maxilar. Revista de Odontologia da Universidade Cidade de São Paulo 2006 maio-ago; 18(2)149-53 com alteração de cor. O retalho foi reposicionado com sutura de seda (Fig.4). A medicação pós-operatória incluiu 500mg de amoxicilina (Amoxil®) de 8 em 8 horas, mantida por 7 dias. A sutura foi removida nesse tempo e a evolução pós-operatória ocorreu sem intercorrências infecciosas. O paciente não relatou queixas sintomatológicas. Tomadas radiográficas após 12 meses mostraram ausência de velamento de seio maxilar (Fig.5). DISCUSSÃO Os seios maxilares são geralmente maiores que quaisquer outros seios e situam-se primordialmente no corpo da maxila. Eles são também denominados antros de Highmore, porque essa cavidade especialmente encontrada no osso foi descrita pela primeira vez por Nathaniel Highmore, um anatomista inglês do século XVII (Kruger5, 1984). O deslocamento acidental de raízes defragmentos de raízes ou elementos dentários completos para dentro do seio maxilar é uma complicação associada com a exodontia de molares superiores. A raiz palatina do primeiro molar é a mais freqüentemente envolvida embora anatomicamente não seja a mais próxima do seio maxilar (Oberman et al.8, 1986). O deslocamento de um dente inteiro para dentro do seio maxilar envolve quase que exclusivamente o terceiro molar superior (Patel e Down9 1994; Peterson et al.10 2000). Em 1967, Killey e Kay4 analisaram 250 casos de fístulas oroantrais tratadas por cirurgias reparadoras com retalhos vestibulares. Observaram que 79 tinham uma associação com raízes deslocadas para o seio e, em duas instâncias, os segundos e terceiros molares foram empurrados inteiramente para o antro. Punwutikorn et al.11 (1994) observaram maior envolvimento dos primeiros molares superiores, seguido dos segundos e terceiros molares superiores, em comunicações oroantrais. Norman e Craig7 (1971) investigaram 100 casos de fístulas oroantrais e constataram que 80% dos casos foram causados por deslocamento de raízes dentárias. O deslocamento acidental de fragmentos ou dentes infectados para o seio maxilar pode predispor ao paciente o surgimento de sinusite maxilar aguda, que se caracteriza por dor forte, constante e localizada, sensibilidade dolorosa nos dentes junto ao seio infectado, existência de secreção nasal que pode ser mucopurulenta, além de provocar dificuldades na respiração (Kruger5, 1984). Entretanto, caso o seio não esteja infectado não é necessária a curetagem e remoção da membrana sinusal (Graziani2, 152 1995). O presente caso não mostrou alterações infecciosas no seio maxilar sendo desnecessária a sinusectomia. Afirma-se que a penetração acidental de dente hígido tratada imediatamente permite a conservação da integridade da mucosa sinusal, enquanto que o tratamento tardio normalmente requer a ablação da mucosa, associada à drenagem naso-maxilar por estarem geralmente associadas à sinusite crônica (Martorelli e Vasconcellos6, 1993). Patel e Down9 (1994) indicam a sinusectomia total com o objetivo de prevenir complicações infecciosas no seio maxilar. No presente caso o tratamento imediato de remoção do dente deslocado para o seio maxilar não foi empregado em função da dificuldade de abertura bucal que o paciente apresentou no final do procedimento de tentativa de extração do 18. A opção por sua remoção tardia criava riscos de infecção sinusal, o que foi controlada com a medicação antibiótica e pelo fato do dente deslocado estar hígido. O acesso ao seio maxilar é definido em função da exata localização anatômica através de radiografias oclusais, panorâmicas e radiografias pela técnica de Waters. Os elementos dentários podem se movimentar dentro da cavidade sinusal e as tomadas radiográficas preferencialmente devem ser realizadas em momentos antes da cirurgia (Patel e Down9, 1994). A localização radiográfica nem sempre é simples em função das sobreposições de estruturas anatômicas. O dente do presente caso, deslocado para o seio maxilar, foi localizado através de radiografias panorâmica e oclusal permitindo um acesso mais direto acima dos ápices do segundo pré-molar e primeiro molar superiores. Após a localização radiográfica do dente deslocado é que se fez o acesso cirúrgico do seio maxilar pela operação de Caldwell-Luc. A técnica de Caldwell-Luc foi realizada a partir de uma incisão em “U” (Kruger5, 1984), conhecida também como incisão de Wassmund (Gregori3, 1988). Graziani2 (1995) recomenda que a técnica de Caldwell-Luc seja realizada a partir de uma incisão linear, sobre a mucosa do fórnix vestibular. Essa incisão não foi aplicada no presente caso uma vez que poderia se ter ausência de osso íntegro após ostectomia não se conseguindo, portanto, o seguimento do princípio de técnica cirúrgica que recomenda o traçado incisional com apoio ósseo. A incisão de Wassmund garante boa visibilidade do campo operatório. Pequenas incisões podem ser aparentemente menos traumáticas, porém, considerando-se o ato operatório como um todo, a exposição ampla dos tecidos subjacentes permite que Mariano RC, Melo WM, Mariano LCF. Introdução acidental de terceiro molar superior em seio maxilar. Revista de Odontologia da Universidade Cidade de São Paulo 2006 maio-ago; 18(2)149-53 manobras fundamentais de maior agressividade sejam efetuadas com menor trauma (Gregori3, 1988). Para Peterson et al.10 (2000), o dente deslocado para o seio maxilar deve ser removido de 4 a 6 semanas depois, pois durante o período inicial de cicatrização ocorre fibrose e estabilização do dente numa posição mais firme. Kruger5 (1984) corrobora as recomendações de Peterson et al.10 (2000). Então no caso em questão, o segundo tempo cirúrgico realizado 18 dias após o deslocamento dental permitiu manipulação dos tecidos moles gengivais numa melhor fase de sua reparação e ainda não havia sinais de comprometimento infeccioso ou degene- rativo da membrana sinusal. CONCLUSÃO A prevenção do deslocamento dental para cavidades aéreas é conseguida a partir de boa identificação das relações anatômicas do seio maxilar e cavidade nasal, adequada visibilidade trans-operatória através de um retalho vestibular e afastamento tecidual. A eliminação do dente deslocado para o seio maxilar, neste caso, foi melhor realizada num segundo tempo cirúrgico quando procedeu-se a adequado planejamento radiográfico, cirúrgico e medicamentoso. REFERÊNCIAS 1. Gardne E. Gray, DJ. O’Rahilly, R. Anatomia: Estu- 9. Patel M, Down K. Accidental displacement of im- 2. Graziani M. Cirurgia bucomaxilofacial. 8. ed. Rio de 10. Peterson LJ et al. Cirurgia oral e maxilofacial con- do regional do corpo humano 4a ed. 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