Em defesa do feijão. 1990. Ciência Hoje. Tome Ciência 11(65)

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TOME CIÊNCIA
EM D E F E S A DO F E I J Ã O
adulto, ele tem aproximadaQuando
mente seis milímetros de comprimento
e apresenta corpo verde, cabeça
castanha e manchas amarelas nas asas.
Conhecido popularmente como vaquinha,
seria apenas mais um pequeno besouro,
entre tantos existentes no campo, se não
tivesse o hábito de se alimentar das folhas
do feijoeiro, planta de grande
importância para a alimentação dos
brasileiros.
No Paraná, este inseto da família dos crisomelídeos, que recebeu o nome científico
de Diabrotica speciosa (figura 1), tem sido responsável por elevadas perdas nas safras de feijão, em todo o estado, e pela utilização crescente de agrotóxicos na cultura. Em alguns casos, a infestação da lavoura exige quatro aplicações de inseticida,
com prejuízos evidentes para o meio ambiente e a população humana.
Indesejável do ponto de vista ecológico,
o controle químico da praga também vem
se revelando insatisfatório. Observações e
experimentos demonstraram que as migrações de insetos adultos representam a principal forma de infestação, já que o desenvolvimento de gerações de D. speciosa no
feijoeiro é muito reduzido. Assim, a população eliminada pelos inseticidas é rapidamente substituída.
Diante dessa constatação, o Instituto
Agronômico do Paraná (Iapar) está pesquisando alternativas biológicas que diminuam o emprego de defensivos químicos,
substituindo-os por produtos mais eficientes, atóxicos, biodegradáveis e de baixo
custo para os agricultores. Uma das opções
em estudo — a pulverização da lavoura infestada com um extrato de vaquinhas trituradas, diluído em água — tem apresentado resultados "promissores nos testes
efetuados.
Essa técnica, aplicável também no combate a outras pragas, é recomendada pelos
defensores da chamada agricultura orgânica, que evita insumos químicos. Os mecanismos responsáveis pela redução da infestação não estão definidos, mas acredita-se
que os feromônios, substâncias voláteis
através das quais os insetos de uma mesma espécie se comunicam (ver 'Feromônios
no controle de pragas', em Ciência Hoje
n? 60), estejam envolvidos, atuando como
fator de atração ou repulsão.
As migrações de insetos são determinadas justamente por esses dois fatores básicos: o comportamento de repulsão, que resulta da pressão de seleção para maximi64
zar a disponibilidade dos recursos necessários à sobrevivência, e o comportamento
de atração, que decorre da pressão de seleção para maximizar a utilização desses recursos. A relação entre as tendências conflitantes define a movimentação e, portanto, a densidade populacional em uma determinada área.
Os estudos sobre o uso de feromônios
para controle de insetos concentram-se nos
feromônios sexuais, exceto no caso de espécies com comportamento de agregação
ou dispersão evidente, e não há comprovação de que isso ocorra na espécie D. speciosa. Os resultados preliminares das pesquisas do Iapar, porém, conduzem à hipótese de que o feromônio de dispersão atua
na redução da população da vaquinha,
quando é aplicado o extrato de animais triturados.
A distribuição populacional de insetos
adultos na lavoura do feijão segue um padrão levemente agregado, o que sugere a
presença do feromônio de agregação. No
entanto, pesquisas recentes no Japão e nos
Estados Unidos mostram que a mesma
substância química envolvida na agregação
dos indivíduos pode ter efeito inverso,
quando liberada em doses mais elevadas.
O comportamento de dispersão observado
nas pesquisas com o feijoeiro provavelmente obedece a esse mecanismo.
Obtido pela trituração dos animais em liquidificador, o extrato foi coado em tecidos finos, diluído em concentrações predeterminadas e utilizado em testes de campo
que comprovaram a redução da infestação.
Um dia após a pulverização, em concentrações de 1,25% e de 0,005%, houve drástica redução na população infestante (figura 2), em relação à área não pulverizada
(testemunha). O efeito foi mais forte na
área tratada com o extrato mais concentrado, mantendo-se por período prolongado
(uma semana na menor concentração e todo o período de observação, no caso do extrato mais concentrado). Só após 20 dias
o declínio natural da população igualou a
densidade nas três áreas.
Outros experimentos demonstraram que
pequenas variações na concentração, quando esta é menor que 0,05%, alteram consideravelmente a população infestante, mas em
concentrações maiores as alterações foram
pouco expressivas, restando uma população
residual. As concentrações ideais para uso
agrícola estão relacionadas aos níveis de infestação. Concentrações de 0,0045%, que
correspondem à trituração de 700t insetos
adultos por hectare, proporcionaram reduções significativas, mas níveis de infestação
mais severos exigiram extratos mais concentrados. Essa relação ainda não está quantificada.
FIGURA 1 A vaquinha IDiabrotica speciosa) infesta as plantações de feijão, alimentando-se de suas folhas e
provocando severas perdas de safra. Na foto, vaquinhas sobre ramos do arbusto Cayaponia martiana.
VOL. 11/N? 65 CIÊNCIA HOJE
FIGURA 2 Efeito da pulverização com extrato de vaquinha na população infestante
FIGURA 3. Exemplar de Cayaponia maniana, do grupo das taiuiás, plantas que
em feijoeiro (Londrina, PR).
exercem forte atração sobre a vaquinha.
A pesquisa evidencia a quantidade extremamente baixa das substâncias que atuam
no processo, pois concentrações de grande eficiência equivalem à trituração de apenas oito gramas de insetos por hectare de
lavoura. Além disso, o componente ativo
existe em pequena proporção no corpo do
inseto. Isso reforça a idéia de que há feromônios envolvidos, pois esse tipo de substância atua a baixas concentrações e pode
atingir longas distâncias. O Iapar está realizando testes em laboratório para identificar o processo biológico e as substâncias
químicas envolvidas.
AGOSTO DE 1990
A viabilidade do uso desse método de
controle, em grande escala, está condicionada à obtenção de vaquinhas em quantidade suficiente para a preparação do extrato. A solução para essa dificuldade está
nas espécies da família das cucurbitáceas,
arbustos ou trepadeiras (como por exemplo a aboboreira) que exalam um composto químico, a cucurbitacina, atraente para
os insetos adultos do género Diabrotica.
Uma dessas espécies é a Cayaponia martiana (figura 3), do grupo das taiuiás ou tajujás, nativa do Sul do país e bastante rústica. As raízes de diversas taiuiás já são uti-
lizadas, em pequenas propriedades, em armadilhas destinadas à captura das vaquinhas. C. maniana, entretanto, exerce atração também pelas folhas e ramos, o que facilita seu uso como planta-isca. A capacidade de atração da planta sobre a vaquinha e sua associação com métodos biológicos de controle da praga também estão
sendo investigadas pelo Iapar.
SUELI MARTINEZ DE CARVALHO
INSTITUTO AGRONÓMICO DO PARANÁ
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