BASES PARA A SUSTENTABILIDADE NA AGRICULTURA: A

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ISSN 1984-9354
BASES PARA A SUSTENTABILIDADE NA AGRICULTURA:
A OPÇÃO PELA AGROECOLOGIA
Mahmuod Abbas Raslan
[email protected]
(LATEC/UFF)
Resumo: O que determina a sustentabilidade na produção de alimentos pela prática agrícola é a maneira pela qual é
feito o gerenciamento humano dos diversos componentes de um agroecossistema. Cabe ao homem decidir sobre a
intensidade da importação e exportação de recursos, de insumos e de energia, tendo como base o conhecimento das
interrelações entre as variáveis bióticas e abióticas de um sistema agrícola. Leva-se em conta, também, a influência
externa determinada pela base sociocultural, pelo consumo, pelo mercado e pela tecnologia disponível. O dilema da
sustentabilidade tem por um lado a necessidade faminta e gigantesca de um mercado dominado por grandes industrias
multinacionais que produzem os fertilizantes e os biocidas químicos e as sementes de alta resposta produtiva ao uso
destes insumos, tendo como base uma tecnologia que induz a uma situação de esterilidade ambiental ou de monotonia
vital, como se observa nas extensas áreas de monocultura. Por outro lado, há um movimento cada vez mais evidente
que tenta remeter a agricultura para a sua origem de interação e respeito ao ambiente e aos aspectos socioculturais
dos agricultores e dos consumidores. O objetivo deste estudo será demonstrar o dilema básico para o desenvolvimento
de uma Agricultura Sustentável, determinado pela adoção da Agricultura Industrial ou da Agroecologia. Para tanto,
com base em revisão bibliográfica, se fará uma descrição histórica sucinta do estabelecimento da agricultura pela
civilização humana, se conceituará agroecossistemas, a agricultura industrial e a agroecologia, aqui considerada
como a base viável para a sustentabilidade da produção agrícola.
Palavras-chaves: Agroecossistemas, Agricultura Sustentável, Agroecologia.
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Engenheiro Agrônomo graduado na UFRRJ-Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro
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1 INTRODUÇÃO
A produção de alimentos segue na história da civilização imersa em questões cruciais para a
definição dos paradigmas que orientam o desenvolvimento de uma tecnologia sustentável capaz de
acompanhar adequadamente as necessidades da humanidade.
Mesmo sendo impreciso, estima-se que o inicio da agricultura, quando se semeou
intencionalmente para a produção de alimentos, tenha ocorrido por volta de dez mil anos atrás. O
estabelecimento das atividades agrícolas foi fundamental para a humanidade sedentarizar-se e
estabelecer sistemas sociais e culturais complexos (KHATOUNIAN, 2001, p.17).
Os desafios tecnológicos e as experiências desastrosas e de sucesso, quanto a domesticação da
natureza e o uso dos recursos naturais, ocorreram desde o início. A falência de um modo de produção
ou o esgotamento dos recursos naturais disponíveis eram determinantes na ascensão ou declínio de
uma determinada civilização. Como exemplo, Khatounian (2001, p.17 e 18) cita: a salinização nas
áreas irrigadas da Mesopotâmia antiga, que provocou a falência de sua economia; quando, na sua
antiguidade clássica, os gregos derrubaram suas florestas e exauriram seus campos de cultivos,
obrigando-os a se lançarem ao mar em busca de novas áreas; e os romanos, que empreenderam as
Guerras Púnicas contra Cartago para conquistar as então ricas terras agrícolas, cujo manejo
inapropriado propiciou o que hoje é um deserto.
A história apresenta belos exemplos de agricultura sustentáveis, como por exemplo as
“civilizações do arroz” que “há pelo menos 40 séculos ocupam o mesmo terreno e mantém,
exclusivamente com os recursos locais, rendimentos de 2t a 4t de arroz por hectare” (KHATOUNIAN,
2001, p.18). O autor lembra que na Europa feudal fazia-se a rotação trienal entre o trigo, o centeio ou a
cevada e o pousio, o que permitiu colheitas estáveis ao longo de séculos, com uma produtividade de 2 t
de grãos por hectare.
Diversos sistemas agrícolas espalhados pelo mundo evidenciam a sustentabilidade nas suas
conduções, quando feitas essencialmente por agricultores familiares nativos que produzem o suficiente
para seu consumo e mantêm, assim, os recursos naturais conservados. De acordo com Reijntjes (1999,
p.46), estas práticas sustentáveis estão relacionadas com o desenvolvimento de tecnologias pelos
próprios agricultores, caracterizados como “inovadores” e que usam como base o conhecimento
adquirido através de um processo informal de pesquisa, manejando adequadamente os recursos
disponíveis e entendendo as relações bióticas e abióticas observadas nos ecossistemas naturais, que são
adaptadas e praticadas nos seus sistemas agrícolas nativos.
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No âmbito da agricultura contemporânea, apesar de suas bases cientificas se iniciarem nos anos
de 1940, evidencia-se um novo paradigma a partir da década de 1970, quando se estabeleceu o pacote
completo da indústria química direcionado para a produção agropecuária: o uso intensivo e em
conjunto de adubos químicos, herbicidas, fungicidas e inseticidas. A base para a utilização destas
substâncias seria garantida pelo desenvolvimento de variedades de plantas selecionadas para que sua
produtividade máxima se expressasse através da utilização massiva destes insumos (KHATOUNIAN,
2001, p.23).
O melhoramento genético das espécies cultivadas é feito secularmente a partir da seleção
artificial de características desejáveis através de cruzamentos sucessivos de plantas ou animais. No
entanto, a partir de 1961, os resultados destas seleções passam a ter status de propriedades particular,
com o estabelecimento de patentes para o produto do melhoramento genético vegetal, quando a FAO
estabeleceu a primeira Convenção Internacional para a Proteção de Novas Variedades de Plantas.
Segundo Mooney (1987, p.54), este movimento estimulou as grandes organizações a entrarem neste
negócio.
Na versão mais atual desta dinâmica, que segue a lógica do uso intensivo de insumos e da
orientação para o mercado de capital, estabelece-se a criação dos Organismos Geneticamente
Modificados ou Transgênicos, que transcende a prática comum de melhoramento genético. Os OGM
são novos seres desenvolvidos a partir da engenharia genética, que incorpora e troca genes de espécies
ou reinos diferentes, cujo surgimento natural seria extremamente improvável. A dinâmica ecológica
destes seres na natureza bem como seu efeito na saúde humana é, ainda, uma grande incógnita.
O modelo de agricultura industrial se efetivou com o desenvolvimento e disseminação de
métodos de mecanização que aliados ao uso dos insumos químicos e ao desenvolvimento de sementes
melhoradas determinaram o que se convencionou chamar de “Revolução Verde”. Este grande
programa de exportação de tecnologia foi idealizado, desenvolvido e disseminado por grupos
americanos para os países do terceiro mundo. No Brasil, a principal estratégia de implementação deste
paradigma foi através de concessão de crédito rural subsidiado pelo estado exclusivamente para os
agricultores que adotaram o pacote tecnológico industrial.
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2 AGROECOSSISTEMAS
Segundo Odum (1984, p.11), qualquer unidade formada pela interação de um conjunto de todos
os organismos que interaja com um ambiente físico, abiótico e inerte, de maneira que haja um fluxo de
energia que conduza a uma estrutura trófica claramente definida, pode-se conceituar como um sistema
ecológico ou um ecossistema. Este ecossistema apresenta dois níveis fundamentais: o primeiro
formado pelos autotróficos, que são seres capazes de produzir o seu próprio alimento através da
fixação da energia luminosa, da utilização de elementos simples e da elaboração de substâncias
complexas e o segundo, formado por seres heterotróficos que, incapazes de produzir os próprios
alimentos, se utilizam dos primeiros para se nutrirem.
Como forma descritiva, Odum (1984, p.12) considera que um ecossistema contém os seguintes
componentes: 1) Substâncias inorgânicas, como C, N, CO2, H2O, etc.; 2) Compostos orgânicos, como
proteínas, carboidratos, lipídios, húmus, etc; 3) Os regimes climáticos; 4) Os seres autotróficos,
composto em grande parte por plantas verdes; 5) Os macroconsumidores ou fagótrofos, que
geralmente são os animais que se alimentam de outros organismos ou matéria orgânica em partículas;
6) Os microconsumidores ou saprótrofos, que são principalmente as bactérias e fungos, que se utilizam
dos compostos complexos, decompõem-nos e liberam elementos inorgânicos que serão utilizados
novamente pelos seres autotróficos. Desta forma, Odum (1984, p.12), descreve os itens de 1 a 3 como
sendo os componentes abióticos de um ecossistema e o restante como sendo a sua Biomassa.
Ao se estabelecer que todos os ecossistemas possuem todos estes componentes, o ponto
fundamental da sua definição são as interações que ocorrem entre os seres vivos e o seu ambiente.
Desta forma, considera-se que a principal função do pensamento ecológico é o de “dar realce às
relações obrigatórias, à interdependência e às relações causais” (ODUM, 1984, p.13) determinando
que os diversos componentes particulares do sistema sejam sempre inseparáveis do todo e que suas
interações determinam e definam um ecossistema específico e a sua ocorrência no tempo e espaço.
Sob o ponto de vista ecológico, é possível fazer uma analogia entre os sistemas de produção
agrícola e os ecossistemas naturais ou selvagens. Em ambos, o fluxo de energia ocorre a partir da
entrada da radiação solar, captada pelos seres autotróficos que a converte em produção de biomassa. A
parcela de energia que não é aproveitada pelos produtores é dissipada no ambiente através de calor, da
respiração dos organismos e pela decomposição da biomassa.
No agroecossistema, a ativação da vida ocorre também pela entrada da energia solar que passa
por numerosas transformações físicas, sendo incorporada como energia biológica pela fotossíntese e
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vai passando de um organismo para outro através da teia alimentar. Apesar da luz ser a principal fonte
de energia na maioria dos ecossistemas agrícolas, o trabalho humano e animal, os insumos energéticos
mecanizados e o conteúdo energético dos insumos químicos também são significativos. Segundo
Marten, citado por Altieri (1989, p.53) “a energia humana molda a estrutura do agroecossistema, uma
vez que determina o fluxo de energia através de decisões sobre a produção primária e a proporção
desta produção que é canalizada para produtos para o uso humano”.
O aspecto fundamental que diferencia um ecossistema selvagem de um agroecossistema é a
atuação antropogênica, através da gestão dos recursos naturais ou industriais. Portanto, todos os fatores
pertinentes ao gerenciamento humano irão influenciar nos efeitos do processo de produção agrícola.
Baseado nas decisões humanas quanto ao modo de produção agrícola, Reijntjes (1999, p.8)
observa que existe uma tendência para dois extremos, em uma escala que tem de um lado a Agricultura
Intensiva em Uso de Insumos Externos (HEIA- High External Input Agriculture) e do outro a
Agricultura Sustentável e de Baixo Uso de Insumos Externos (LEISA - Low External Input and
Sustainable Agriculture).
3 A INDUSTRIALIZAÇÃO DA AGRICULTURA
Os novos paradigmas que levaram à “modernização” da agricultura em detrimento da
agricultura tradicional, teve ênfase histórica nos meados dos anos de 1960 com o estabelecimento da
chamada “Revolução Verde”, cujas bases foram preconizadas pelo cientista americano Norman
Borlaug. Este viés tecnológico teve como objetivo o aumento máximo da produtividade agrícola cuja
justificativa era o combate a fome mundial. Apoiado pela ONU e financiado pela Fundação Rockfeller,
suas técnicas tiveram grande inserção nos países do terceiro mundo, como India, México e Brasil
(MOONEY, 1987 p. 41-46).
Paulo Yokoda (2014), diretor do Banco Central do Brasil em 1971 e do INCRA em 1979, faz
um relato pessoal de como esta difusão tecnológica ocorreu com o uso do crédito rural subsidiado no
Brasil:
“Esta revolução chegou ao Brasil quando na segunda metade da década dos sessenta do
século passado tive a honra de participar pessoalmente deste memorável trabalho como
diretor de crédito rural do Banco Central do Brasil. O crédito rural subsidiado era um
dos principais instrumentos para induzir os pobres e simples agricultores brasileiros a
aumentarem a produtividade de suas lavouras pelo uso de sementes selecionadas,
corrigindo o solo ácido predominante no país com a utilização de calcários, uso de
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fertilizantes com formulações de NPK – Nitrogênio, Fósforo e Potássio, além de
defensivos agrícolas.”
Uma das bases da tecnologia utilizada neste modelo agrícola é o melhoramento genético das
plantas cultiváveis através de seleção artificial, nas quais se mantém e se reproduzem as características
de expressão de máxima produtividade, considerando um ambiente homogêneo e padrão e com alta
disponibilidade de insumos químicos. O ambiente padrão pressupõe a alta disponibilidade de minerais
para as plantas e a monocultura, que é o estabelecimento de uma única população de uma única
cultivar de interesse econômico, o que também caracteriza uma alta uniformidade genética
(MOONEY, 1987 p. 53-56).
Para este modelo, o solo passa a ser apenas a sustentação física das plantações. As relações
biológicas são desconsideradas e a esterilidade, mantendo apenas a espécie de interesse econômico,
passa a ser desejada. Através da mecanização, o solo passa a ser revirado, pulverizado e sistematizado
para a aplicação de abundantes quantidades de fertilizantes minerais solúveis, principalmente o
chamado NPK, que é a base para disponibilizar Nitrogênio (N), Fósforo (P) e Potássio (K). Brady
(1980), citado por Khatounian (2001, p.38) como sendo o principal autor utilizado na ciência de solo,
fazia a seguinte definição deste elemento natural:
“Um conjunto de corpos naturais, sintetizados em forma de perfil, composto de uma
mistura variável de minerais despedaçados e desintegrados e de materiais orgânicos em
decomposição, que cobre a terra com uma camada fina e que fornece, desde que
contenha as quantidades necessárias de ar e de água, amparo mecânico e subsistência
para os vegetais”
Para atingir o potencial máximo de produtividade da cultura, utiliza-se grande quantidade e alta
diversidade de biocidas, como herbicidas, fungicidas e inseticidas, afim de eliminar ou minimizar a
competição com outros seres. De um modo geral, quando um agroecossistema invade uma área onde
ocorre um ecossistema selvagem, a tendência é sempre que o sistema original se reestabeleça
naturalmente (ODUM et all, 1997). Assim, não há colaboração entre os dois sistemas: o industrial e o
selvagem são antagônicos.
A base econômica deste modelo de agricultura obedece às necessidades do mercado
internacional. Lopes (2012) apresenta alguns dados que informam quantitativamente como ocorreu
esta evolução:
“De 1960 a 2012, a pauta de exportações do agronegócio cresceu. São mais de 350
itens, quase US$ 96 bilhões. Parte disso veio da venda de bens industrializados. Só
farelo e óleo de soja, açúcar, etanol, celulose, papel e suco de laranja renderam US$ 32
bilhões. Parte veio de bens primários: soja, milho, café cru, algodão em pluma, fumo e
carnes in natura renderam mais de US$ 46 bilhões.”
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Os países de terceiro mundo, como o Brasil, são encorajados a se especializar em safras de
interesse dos países desenvolvidos. Sua produção obedece às necessidades do amplo mercado
consumidor dos Estados Unidos e Europa. Os produtos usuais para atender a esta demanda são
principalmente o açúcar, o café, a soja, o milho, o trigo, algodão, além de proteína animal, provinda de
criações de bovinos, suínos e aves.
Considerando a abordagem de Reijntjes (1994,p.8), que relativiza os sistemas agrícolas entre o
HEIA e o LEIA, a agricultura moderna descrita nesta seção, se aproxima da definição da Agricultura
Intensiva no Uso de Insumos Externos. O mesmo autor observa que os insumos necessários para a
adoção das técnicas preconizadas na HEIA são de alto custo. Além disto, para se atingir o equilíbrio
deste investimento, sendo considerado sustentável no ponto de vista econômico, há a necessidade de
alta escala de produção. Só assim será possível a utilização do capital da própria produção agrícola
para a sua reprodução. O retorno econômico por unidade de área é baixo o que determina a
necessidade de grandes extensões, restringindo a sua viabilidade para os estratos sociais que têm
acesso a grandes áreas e a capital.
Hobsbawm (1995,p. 282-288), observa que a consequência deste modelo agrícola é um
movimento migratório de nível global partindo do meio rural para as áreas urbanas a partir dos anos de
1960, quando do início da “Revolução Verde”, com clímax no final da década de 1970. Este fluxo
ocorre principalmente nos países de terceiro mundo, em função do empobrecimento do agricultor
tradicional que abandona sua atividade por falta de sustentação econômica. A dimensão desta
migração é determinada por alguns números destacados aqui como exemplo: na América Latina, a
população rural diminuiu a metade na Colombia (entre 1951 e 1973), no México e Brasil (entre 1960 e
1980). Assim, o mundo na segunda metade do século XX se urbaniza como jamais ocorreu,
esvaziando o campo e enchendo as cidades, impactando definitivamente a infraestrutura necessária
para a sustentação desta população.
Khatounian (2001, p.17-23) aponta os desequilíbrios sanitários dos ambientes agrícolas como
consequência da simplificação dos sistemas agrícolas modernos em comparação aos sistemas agrícolas
tradicionais, cuja “manutenção da sanidade e da fertilidade dependiam de processos de rotação e de
trabalhosos sistemas de adubação orgânica” (KHATOUNIAM, 2001, p.22). Estes desequilíbrios eram
relativamente raros, a ponto de serem citados em histórias bíblicas como no caso do ataque de
gafanhotos aos trigais do Egito Antigo.
A restrição da biodiversidade, tanto pela homogeneidade das culturas e criações quanto pela
destruição dos ecossistemas naturais, é um dos impactos mais relevante deste modelo industrial.
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Mooney (1987, p.12) sugere o termo “erosão genética” ao aumento da uniformidade genética das
espécies utilizadas para a produção de alimentos. Considera que é um convite para uma epidemia
devastadora. Esta “erosão” se refere sobretudo a destruição da diversidade original de determinadas
espécies nos seus centros de origem. Há relatos de extinção de incontáveis variedades de trigo no
Afeganistão e na Grécia, onde as sementes tradicionais desapareceram em consequência da introdução
das variedades de alto rendimento e na Turquia, onde milhares de variedades de linho que foram
substituídas por apenas uma, que havia sido importada da Argentina.
A fragilidade deste sistema em consequência desta uniformidade genética tem vários
precedentes históricos. Mooney (1987, p.14) destaca o caso da fome da batata na Irlanda, em 1840,
como sendo um dos mais dramáticos da história do mundo ocidental. A utilização de uma única
variedade levada das américas para a Europa e que se tornou a sua principal fonte de alimento,
determinou um ataque de uma doença fúngica que dizimou o seu cultivo. A consequência foi a morte
de pelo menos dois milhões de pessoas e a emigração de outros dois milhões.
Quando um agricultor, adaptado a condição de LEIA, tenta utilizar os insumos externos
utilizados pelos agricultores com capacidade econômica para praticar a HEIA, geralmente encontra as
seguintes dificuldades: os insumos não estão facilmente disponíveis ou são caros; os riscos de sua
utilização aumentam em condições ecológicas variáveis e vulneráveis; podem não gerar lucros quando
utilizados sob esta condição; a inadequação da comunicação entre os técnicos e os agricultores pode
provocar perigosas falhas na sua utilização. As consequências podem ser: a perda da diversidade de
seus sistemas agrícolas, tornando-os imutáveis e frágeis a riscos ecológicos e econômicos; a perda de
recursos genéticos locais; a perda de conhecimentos tradicionais de manejo de seus sistemas agrícolas;
a desintegração social e cultural, juntamente com a marginalização de agricultores mais pobres; danos
ambientais resultantes do uso excessivo ou inadequado de agroquímicos (REIJNTJES, 1999, p. 21,22).
4 AGROECOLOGIA OU SIMPLESMENTE AGRICULTURA
A história da agricultura incorpora o desenvolvimento e a definição das práticas científicas e
tecnológicas na concepção dos sistemas de produção de alimentos da humanidade. Quando o homem
pré-histórico ainda utilizava apenas a coleta de vegetais e a caça como fonte primordial de alimentos,
as decisões eram relativamente simples, evidentemente adaptados às suas necessidades imediatas.
No período do Paleolítico superior, que vai de 40.000 a 11.000 anos ac, ocorre um considerável
avanço tecnológico e cultural do ancestral direto do homem moderno, o Homo sapiens sapiens, com a
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adoção de armas complexas, fabricadas com mais de um material, como ossos e marfins, que fornecem
arpões, pontas, lanças, garfos, propulsores, retificadores de flechas e agulhas com furos. Os objetos
fabricados agregam fatores culturais e apresentam cuidadosos acabamentos, sendo, por vezes, até
finamente decorados (MAZOYER, 2010, p.63).
O período imediatamente posterior, que vai de 10.000 a 5.000 ac, o Neolítico, é o último da
pré-história da humanidade. É nesta idade que se estabelece as bases da domesticação da natureza,
passando-se da coleta e predação para a agricultura, ou seja, a “revolução agrícola neolítica” que,
segundo Childe citado por Mazoyer (2010, p.70) “foi sem dúvida a primeira revolução que
transformou a economia humana”. Desde então, introduziu-se e desenvolveu-se espécies animais e
vegetais domesticadas na maior parte dos ecossistemas do planeta, transformando-os em ecossistemas
cultivados, cada vez mais distintos dos ecossistemas naturais originais, a partir da ação humana
(MAZOYER, 2010, p.70).
Com a domesticação de plantas e animais para utilizar como alimentos e com a administração
dos ecossistemas artificiais ou cultivados, a humanidade estabeleceu uma evolução cultural e biológica
que só foi possível existir a partir da adaptação às condições locais. Esta prática cultural determinou o
desenvolvimento de técnicas tradicionais herdadas a partir de sistemas agrícolas complexos,
desenvolvidos localmente, que os possibilitaram suprir as necessidades de subsistências por séculos.
Empregaram-se práticas que determinaram a otimização da produtividade a longo prazo. Os insumos
utilizados eram de regiões imediatas e o trabalho da força humana ou animal. Por conta destas
limitações, estes agricultores aprenderam a reconhecer e utilizar melhor os recursos disponíveis no
local (ALTIERE, 1984, p.87).
No entanto, nem todos sistemas tradicionais se consolidaram. Segundo Reijntjes (1994, p.23),
“A maioria das práticas agrícolas nativas que se mostraram não sustentáveis não sobreviveu. Outras,
que abasteceram populações humanas por séculos, tornaram-se obsoletas na medida em que as
condições mudavam”.
Os sistemas tradicionais sobrevivem por conta de cuidadoso manejo de solo, da água e dos
nutrientes, procedimentos fundamentais para a prática da agricultura sustentável. Agricultores nativos
encontraram formas de integração funcional entre os diversos usos da terra: para produção de
alimentos e de lenha; para a conservação do solo e da água; para a proteção sanitária das lavouras; para
a manutenção da fertilidade do solo; diferentes componentes biológicos, como grandes e pequenos
animais; diversos tipos de plantas, de diversos estratos biológicos e diversas funções. São sistemas
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estáveis que aumentam a produtividade e conseguem conservar os recursos naturais (REIJNTJES,
1994, p.24).
Esta relação entre os agricultores tradicionais com os ecossistemas naturais, tem uma
importância fundamental para a forma como os agroecologistas desenvolvem a sua visão do mundo.
As pessoas são parte dos sistemas locais de desenvolvimento. Percebem que cada agroecossistema
desenvolvido reflete a natureza da organização social, do conhecimento, das tecnologias e dos valores
do povo que o originou. Durante sua evolução, os povos selecionaram características de espécie por
séculos e ajudaram a manter relações biológicas desejáveis de acordo com seus valores, com a forma
como se organizam socialmente para interagir com o meio-ambiente e com o sistema biológico, e com
as técnicas disponíveis (ALTIERE, 1989, p.44).
Altiere (1989, p.47) apresenta o que considera como a diferença entre os cientistas
convencionais, que se empenham em trazer novas tecnologias derivada da ciência moderna para os
agricultores tradicionais para que eles “desenvolvam-se”, e os agroecologistas, que se detêm em
estudar o “desenvolvimento” dos sistemas agrícolas tradicionais, a fim de aprimorar a ciência da
ecologia, inoculando características na agricultura moderna para torna-la mais sustentável.
Assim, a fusão de ciências que constitui a nova ciência da Agroecologia procura combinar
elementos tanto das ciências agrícolas como das ciências ecológicas convencionais, buscando que o
estudo dos princípios fundamentais desta nova ciência possibilite uma maior compreensão sobre como
originar sistemas de Agricultura Sustentável e de Baixo Uso de Insumos Externos (REIJNTJES, 1994,
p.72).
Como em um ecossistema natural, os sistemas agrícolas com alto grau de diversidade tendem a ser mais
estáveis do que aqueles compostos por uma só espécie, como é o caso da monocultura em áreas extensas. No
entanto, a diversidade por si só não garante a sustentabilidade do sistema. Em alguns casos pode até causar
instabilidades, como no caso em que haja competição entre algumas culturas, animais domésticos e espécies
arbóreas por mão-de-obra, nutrientes, água e luz. Levando-se em conta os conhecimentos ecológicos, deve-se
buscar combinações complementares de espécies a fim de que sejam envolvidas em interações sinergéticas
positivas, possibilitando o aprimoramento e até o aumento de produtividade dos sistemas agrícolas de baixo uso
de insumos externos (REIJNTJES, 1994, p.73).
A correta adoção dos princípios, conceitos e técnicas da LEIA, propiciando sistemas agrícolas
adequados, permite que as plantas cultivadas, as árvores, as plantas forrageiras e os animais
desempenhem mais do que um papel produtivo. Cada um deste elemento passa a desenvolver uma
função ecológica, proporcionando para o sistema a produção de matéria orgânica, a transferência de
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nutrientes, a criação de um reservatório de nutrientes no solo, a proteção natural contra pragas e
doenças e o controle da erosão do solo, contribuindo para a continuidade e estabilidade da agricultura
(REIJNTJES, 1999, p.11).
Para Khatounian, (2001, p.51), embora a situação atual seja muito distinta e os problemas
ambientais e de saúde causados pela agroquímica sejam bem conhecidos, permanece a questão
primordial de como alimentar uma população mundial crescente e se a agroecologia tem ou não o
potencial para tal intento. Para o autor, a humanidade já fez a sua opção pelos alimentos sem o
agroquímico e considera como uma obrigação o desenvolvimento de meios técnicos para atender a este
anseio. Por conta disto, as indústrias químicas tentam desenvolver produtos com maior apelo
ecológico, mas não planejam mudar o enfoque de dependência para os agricultores. Nesse aspecto,
entram em choque com as ideias do movimento orgânico, que tem como um dos objetivos promover
sistemas mais autossustentáveis, baseados nos mecanismos naturais de controle de pragas e doenças e
de renovação da fertilidade.
Considerando que hábitos alimentares são determinantes para o desenvolvimento de sistemas
de produção agrícola adequados, há a necessidade de mudanças culturais relacionadas ao consumo da
humanidade. A médio e longo prazo, a despeito de todos esforços técnicos científicos citados
anteriormente, possivelmente pouco se atingirá sem uma política global de reeducação dos
consumidores, seja com agroecologia ou agricultura industrial. Citando o relatório intitulado “Os
Limites do Crescimento” publicado pelo Clube de Roma na década de 1970, Khatounian, (2001, p.52)
afirma que o padrão de consumo dos países ricos não poderá ser estendido ao conjunto da humanidade,
por uma simples questão aritmética: “simplesmente o planeta não tem recursos naturais para sustentar
este padrão de consumo para toda humanidade”.
Ainda, segundo Khatounian, (2001, p.52):
“No que se refere à agricultura e à alimentação, ocorreram nas últimas décadas
modificações profundas, não sustentáveis, que precisarão ser revertidas. Dentre elas,
destacam-se: (1) o aumento do consumo de produtos de origem animal e açúcar, (2) o
desrespeito à sazonalidade e à regionalidade, (3) a universalização das dietas à base de
trigo”.
5 CONCLUSÕES
A história da civilização humana se deu evidentemente a partir do estabelecimento da
alimentação através do cultivo de plantas e da criação de animais. A domesticação de espécies e o
manejo dos fatores ambientais foram decisivos para o sucesso secular das práticas agrícolas. Durante
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sua história, estas práticas foram se moldando às necessidades humanas e às alterações climáticas. O
que se observou através do acumulo das experiências dos agricultores tradicionais, é que quanto mais
adaptadas às condições socioculturais, às tecnologias desenvolvidas localmente, às possibilidades
econômicas e às variações ambientais, maior a possibilidade de alcançar a sustentabilidade do sistema.
Esta condição de sustentabilidade está mais próxima da Agricultura de Baixo Uso de Insumos
Externos do que da Agricultura Intensiva em Uso de Insumos Externos. A primeira privilegia as
diversas interações simbióticas e sinergéticas positivas entre os elementos do agroecossistema,
estimulando a adequada diversificação e o suporte à vida. O segundo trabalha com uma situação de
produção máxima, com intensa utilização de capital e recursos naturais. Sua base de sustentação é o
uso de espécies melhoradas para condições ambientais pouco diversificadas, cuja uniformidade
provoca a fragilidade do sistema. A primeira se aproxima dos ecossistemas naturais, já a segunda
necessita destruir estes ecossistemas para se implantar.
Apesar da ênfase no dilema tecnológico, o estudo aponta para uma reeducação do consumo da
humanidade. Há a necessidade de se estabelecer padrões que privilegiem a produção e o consumo
local, invertendo a lógica da produção de Commodities para o mercado internacional dominado pelas
multinacionais dos países desenvolvidos.
Por fim, entendo que a agroecologia é a base adequada para o estabelecimento da
sustentabilidade da alimentação da humanidade e através de sua prática espera-se a eliminação da
contaminação do ambiente e dos alimentos por agroquímicos, a conservação do solo e dos mananciais
de água e o respeito e manutenção dos ecossistemas naturais que ainda ocorrem no mundo. É possível
que o impacto global desta prática seja uma convivência mais harmônica entre o homem e os demais
seres e elementos que fazem parte deste ser vivo que se chama Terra.
De um modo geral, e dentro de uma lógica urbana de desenvolvimento, pensa-se o
ambientalismo como uma atividade de final de semana, na qual o homem da cidade busca visitar áreas
mantidas em unidades de conservação para interagir com o estado natural e biodiverso da natureza.
Seguindo uma lógica diferente, considerando a sua origem em ecossistemas naturais, o meio rural
deveria dar uma dimensão diferenciada para esta tendência ambientalista urbana.
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XI CONGRESSO NACIONAL DE EXCELÊNCIA EM GESTÃO
13 e 14 de agosto de 2015
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