Abomasite enfisematosa por bactérias do gênero Sarcina em um

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Abomasite enfisematosa por bactérias do gênero Sarcina em um ovino
Leite Filho, R.V., Oliveira, E.C., Laisse, C.J.M., Bianchi, M.V., Fredo, G., Driemeier, D., Pavarini S.P.
Autor correspondente: [email protected] (Pavarini, S.P.). Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Setor
de Patologia Veterinária, Av. Bento Gonçalves, 9090, Prédio 42505, Bairro Agronomia, Porto Alegre, RS, CEP
91540-000
PALAVRAS-CHAVE: Abomasite, enfisema, Sarcina.
INTRODUÇÃO: A abomasite associada ao timpanismo do abomaso é uma enfermidade relativamente rara e
reportada em ruminantes jovens como bezerros [1, 4, 6, 8], cordeiros [4, 11] e cabritos [3]. Caracteriza-se,
clinicamente, por início agudo, distensão abdominal, dor, choque e morte súbita. Esta condição clínica tem sido
associada a infecção por bactérias dos gêneros Clostridium e Sarcina e, também, pode estar relacionada ao
manejo alimentar [7]. Organismos do gênero Sarcina (família Micrococcaceae) são bactérias cocoides grampositivas, anaeróbias obrigatórias, não móveis, primeiramente documentadas no trato gastrointestinal humano
[2]. Bactérias desse gênero foram observadas em cordeiros com dilatação aguda do abomaso [4, 11] e relatadas
em associação ao timpanismo abomasal em bezerros e cabritos [3]. Bactérias do gênero Sarcina, foram
igualmente associadas a úlcera gástrica, gastrite enfisematosa e perfuração gástrica seguida de peritonite em
seres humanos [9]. Este trabalho descreve os achados macroscópicos e microscópicos observados em um caso
fatal de abomasite enfisematosa por bactérias do gênero Sarcina em um cordeiro.
MATERIAL E MÉTODOS: Um ovino, da raça Texel, com aproximadamente 25 dias de idade foi recebido pelo
Setor de Patologia Veterinária da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) para exame post-mortem.
Foram obtidas, com o médico veterinário e proprietário, informações da propriedade a qual o animal era
proveniente e o histórico do rebanho ovino. Após a necropsia, os órgãos foram fixados em solução de formalina a
10%, processados rotineiramente para histologia e corados por hematoxilina e eosina (HE). Para visualização
das bactérias, cortes do abomaso foram corados com ácido periódico-Schiff (PAS), prata metenanima de Grocott,
azul de Alcian e Brown-Hopps modificada (Gram).
RESULTADOS: O ovino era proveniente de uma propriedade localizada no município de Palmares do Sul
(30°15’S; 50°30’W), no Estado do Rio Grande do Sul. Esta propriedade possuía um total de 150 ovelhas e 80
cordeiros, entre 20 e 30 dias de idade, todos criados em campo nativo. Os cordeiros desmamados e as ovelhas
eram alimentados com casquinha de soja e milho. As mortes começaram a ocorrer após a introdução de sal
proteinado, composto por milho moído, farelo de soja, ureia pecuária, fosfato bicálcio e carbo-amino-fosfoquelatos, na dieta dos cordeiros. Três dias após a introdução do sal proteinado na dieta, oito cordeiros
morreram, contudo nenhum ovino adulto morreu na ocasião. Os cordeiros não apresentaram sinais clínicos
prévios, ocorrendo morte súbita. Após a retirada do sal proteinado da dieta não ocorreram mais mortes de
cordeiros na propriedade. Na necropsia, o abomaso estava distendido por gás, apresentando parede espessada e
aspecto enfisematoso, a mucosa exibia pequenos pontos brancos, além de grande quantidade de muco. No exame
microscópico, o abomaso apresentou enfisema difuso acentuado na submucosa, moderado na camada mucosa e
discreto nas camadas muscular e serosa. Notaram-se, ainda, áreas multifocais de discreta necrose superficial com
inúmeras pequenas estruturas cocoides, de aproximadamente 2 µm de diâmetro, isoladas ou em grupos de
quatro ou mais células, aderidas à mucosa, compatíveis com bactérias morfologicamente idênticas às do gênero
Sarcina. Essas estruturas bacterianas foram evidenciadas pela coloração de PAS e prata metenamina de Groccot.
Na coloração de Brown-Hopps elas coraram de azul (compatível com bactérias Gram-positivas). Não foram
evidenciadas alterações macroscópicas e microscópicas nos demais órgãos analisados.
DISCUSSÃO E CONCLUSÃO: Este trabalho descreve um caso de abomasite enfisematosa por bactérias do gênero
Sarcina em ovino, não sendo encontrado relato semelhante no Brasil. Bactérias do gênero Sarcina têm sido
descritas em cordeiros com timpanismo abomasal e ruptura, demonstrando a relação entre a presença dessa
bactéria e o acúmulo de gás no abomaso [4, 11]. Há relatos que associam a abomasite apresentada por cordeiros
e bezerros com a infecção por bactérias dos gêneros Clostridium [7, 11] e Sarcina [3, 7, 11]. Morfologicamente, as
bactérias do gênero Sarcina apresentam-se em grupos de arranjo cúbico, muitas vezes em tétrades e,
ocasionalmente, em cubos de oito [2]. Semelhante ao caso descrito, bactérias do gênero Sarcina foram
identificadas histologicamente em bezerros [1, 4, 6, 7, 11], cabritos [3] e cordeiros, que exibiram hemorragia
e/ou úlceras no abomaso [4, 11]. O crescimento de bactérias do gênero Sarcina é favorecido quando o ambiente
está alterado, como por exemplo, na ulceração da mucosa ou estenose. Sob circunstancias anômalas, o fluxo de
alimento para o intestino é retardado, de modo que o estômago funciona como um meio de enriquecimento para
essas bactérias, que se multiplicam rapidamente na presença de pH ácido e dos carboidratos contidos no
alimento [2]. O acúmulo de gás produzido por essas bactérias leva à distensão do abomaso, induzindo danos
secundários à mucosa e vasculatura, resultando em edema, hemorragia, erosões e úlceras e, até mesmo, em
ruptura do órgão [7, 11]. A rápida fermentação de alimentos seguida de acentuada produção de ácido e gás é
considerada a causa desta enfermidade e esse processo, similar ao descrito neste trabalho, é incriminado pela
frequente ocorrência de timpanismo do abomaso em ruminantes jovens alimentados por sistemas de
alimentação ad libitum e pelo consumo de grandes quantidades de alimentos fermentáveis, como leite ou
sucedâneos do leite [7]. Neste caso descrito, o substrato altamente fermentável implicado pode ser atribuído ao
excesso de milho procedente da dieta primária e da suplementação oferecidos aos cordeiros. Além disso, a
ingestão de alimentos contaminados por bactérias do gênero Sarcina por ruminantes jovens deve colaborar com
a exagerada fermentação e produção de gás, visto que o alimento ingerido por esses animais é conduzido
diretamente para o abomaso [4]. A abomasite enfisematosa tem sido raramente documentada, existindo
descrições de casos similares em bezerros e cordeiros no Reino Unido [4], em cordeiros na Noruega [11] e em
bezerros [1] e cabritos [3] nos Estados Unidos. Neste último caso, as bactérias do gênero Sarcina foram
observadas sobre a superfície e não no interior da parede do órgão [11]. Panciera et al. [7], sugerem que o
desenvolvimento da abomasite deve-se a ingestão de quantidades excessivas de um substrato altamente
fermentável e algum processo enzimático fermentativo capaz de permitir a fermentação exagerada. A presença
de organismos do gênero Sarcina juntamente com o timpanismo e o enfisema do abomaso é condizente com
relatos anteriores da associação deste organismo com o timpanismo e lesões da mucosa do abomaso em
cordeiros, bezerros e cabritos [1, 3, 4, 7, 10, 11]. A prevenção da doença deve ser através do manejo dietético ao
invés de medicação profilática ou terapêutica [7]. O diagnóstico definitivo neste caso foi realizado com base nos
achados histológicos observados no abomaso. A histologia é um método de diagnóstico confiável, simples e eficaz
para o diagnóstico de abomasite enfisematosa por bactérias do gênero Sarcina. Estudos adicionais são
necessários para esclarecer os fatores predisponentes e as interelações entre os fatores clínico-patológicos e
etiológicos desta condição.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
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4. Edwards, G.T., et al. 2008. Sarcina-like bacteria associated with bloat in young lambs and calves, Vet. Rec.
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5. Holt, S.C., Canale-Parola, E. 1967. Fine Structure of Sarcina maxima and Sarcina ventriculi, J. Bacteriol.
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