Pensamento do Dia Economistas analisam a Economia, o Brasil e o mundo, mundo, na mídia diária 24 08 2010 ------------------------------------------------------------------Valor Econômico - 24/08/2010 Uma revolução na teoria monetária Antonio Delfim Netto Está em construção, em resposta à crise de 2007/09, nova teoria monetária, mais ambiciosa e mais realista do que os modelos usados pelos BCs A "Federal Reserve Bank of St. Louis Review" é uma das mais importantes revistas que acolhem trabalhos teóricos e empíricos sobre a economia monetária. Quase centenária, ela acaba de publicar num número antológico (vol. 92, julho/agosto 2010), cinco artigos muito importantes. Quatro foram apresentados na 34ª conferência anual do banco, realizada entre 15 e 16 de outubro de 2009. Seu objetivo era focar na teoria e na sua aceitação empírica nas economias monetárias com fricções financeiras e analisar as políticas não convencionais propostas para superar as crises financeiras. Trata-se de leitura obrigatória para todos que se preocupam com o problema, principalmente para os que até hoje se supõem portadores de uma "ciência monetária". A informação global é que está em construção, em resposta à crise de 2007/09, uma nova teoria monetária, mais ambiciosa e mais realista do que os modelos que vêm sendo utilizados por todos os bancos centrais do mundo. Esses, praticamente, continuam a ignorar o papel da moeda, dos bancos, dos demais intermediários financeiros, das formas de pagamentos e o comportamento dos ativos financeiros. A tragédia da crise colocou em evidência a pobreza do modelito (novo-keynesiano ingênuo), de três equações que, com alguns adendos "ad hoc", orientam a política monetária, inclusive no Brasil. Os novos modelos (e são mais de um) e o fato de estarem em construção e não terem ainda sido submetidos à tortura empírica, dão uma justificativa ainda maior para os argumentos daqueles que: 1) apoiam a autonomia operacional dos bancos centrais, mas; 2) têm sérias dúvidas sobre se esses são mesmo portadores de uma "ciência monetária" incontestável. Não se trata apenas de incorporar àquele modelo a moeda, o crédito e os "spreads" dos ativos financeiros (inclusive a taxa cambial), mas de como retirar dos bancos centrais o incentivo perverso (quando no regime de metas inflacionárias) de conquistar sua credibilidade superestimando a ultradiscutível taxa de juro real de "equilíbrio" e subestimando o misterioso agregado a que se dá o nome pomposo de "produto potencial". O próprio criador da famosa fórmula de Taylor (o economista J.B. Taylor, autor de uma das equações do tal modelo) fala em introduzir nela a taxa cambial e os "spreads" dos ativos financeiros, o que tornará sua aplicação mais complexa. O reconhecimento da extrema complexidade que envolve a política monetária quando ela precisa cuidar de todos esses aspectos da realidade, reintroduziu "ferramentas" já utilizadas no passado ("quantitative easing"): empréstimo direto ao sistema financeiro, empréstimo direto ao sistema não financeiro pelo Tesouro e mudança na remuneração das reservas compulsórias para forçar a disseminação da "liquidez". Dá, assim, nova vida à velha suspeita que a política monetária controlada apenas pela taxa de juros pode funcionar mal. Sem os outros instrumentos (até aqui execrados pelos fundamentalistas do equilíbrio geral e crentes na autorregulação do sistema financeiro) ela tem muita dificuldade para superar a crise. O gráfico abaixo, onde se registra a "base monetária" e o "multiplicador", mostra como é correta a velha ideia que, por si mesma, a política monetária que usa só a taxa de juros é apenas "capaz de levar o cavalo à fonte, mas não pode obrigá-lo a beber"... Incidentalmente, a leitura dos quatro artigos (mais o outro no mesmo número da revista) reafirmou a minha simpatia com relação ao último comportamento do Copom, tão condenado pelos nossos "cientistas" financeiros. Surpreendido pelo que julgou ser uma "mudança" da situação e intuindo que a "teoria" em que confia "não é nenhuma Brastemp", revelou adequada cautela e alguma humildade. Optou pelo axioma de Brainard: quando você não sabe bem o que está fazendo, faça devagar, por favor. É claro que a situação externa pode mudar e elevar os preços das nossas exportações. Quando e se isso acontecer vamos apenas continuar valorizando o câmbio pela elevação da taxa de juros, como temos feito nos últimos 15 anos? Antonio Delfim Netto é professor emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento. ------------------------------O Estado de S.Paulo - 24/08/2010 A China e a renda diferencial de Ricardo Paulo R.Haddad Nos últimos cinco anos tenho trabalhado em atividades de consultoria em cerca de duas dezenas de municípios economicamente deprimidos, localizados principalmente no centro-norte do Pará e no leste de Minas Gerais. O objetivo é identificar oportunidades de investimentos diretamente produtivos visando a promover um processo de desenvolvimento desses municípios e suas microrregiões. Os principais obstáculos a ser enfrentados têm sido a profunda escassez de capital social e institucional, assim como o quadro de histerese socioeconômica que permeia as estruturas desses municípios e de seus habitantes. Faltam as condições necessárias para a mobilização social e política da população, de um lado, e para o empreendedorismo local, do outro, visando tanto a solucionar os problemas socioeconômicos quanto a ativar as potencialidades de crescimento econômico. Mas, em quase todos esses municípios, um evento portador de mudanças chega de forma inequívoca em suas economias. Com o crescimento acelerado da demanda mundial de produtos intensivos de recursos naturais renováveis e não-renováveis (alimentos, bioenergéticos, papel e celulose, minérios e metais, etc.), particularmente a partir da expansão intensificada do consumo e dos investimentos na China, tornou-se inevitável redefinir o nível de potencial econômico desses municípios. No médio prazo, pode-se dizer que a dotação de recursos de uma região menos desenvolvida é simplesmente o estoque de recursos naturais que são requeridos, em algum grau, pela economia nacional para atender às demandas interna e externa. À medida que os requisitos da economia se modificam no longo prazo, a composição do estoque se altera e, nesse sentido, o significado do que seja "dotação de recursos" muda com a dinâmica do crescimento econômico, ou seja, com os determinantes da demanda final (preferência dos consumidores, distribuição da renda e da riqueza, padrão do comércio exterior, etc.) e com as condições tecnológicas e de organização do sistema produtivo. Assim, o conceito de potencial de recursos é econômico, e não físico. O valor de um recurso natural não é, pois, intrínseco ao material que o compõe, mas depende da estrutura da demanda, dos custos de produção, dos custos de transporte e das inovações tecnológicas que sejam comercialmente adotadas. Ora, com a mudança do patamar da demanda global para produtos intensivos de recursos naturais, muitas áreas do País estão tendo sua potencialidade econômica redefinida. Ou porque os crescentes preços relativos desses produtos permitem o uso de recursos de pior qualidade (áreas ecologicamente degradadas) ou porque esses preços favorecem o uso de recursos geograficamente de menor acessibilidade (áreas mais distantes dos mercados consumidores). Dois economistas clássicos estudaram particularmente este processo de valorização de recursos naturais de menor produtividade ou pior qualidade (Ricardo) ou de pior acessibilidade e maiores custos de transporte (Von Thünen) gerando uma renda diferencial para os seus proprietários, num contexto de demanda induzida em expansão. Assim vem ocorrendo em muitos municípios do País, como no centro-norte do Pará, com o plantio de palmáceas de dendê para a produção de biodiesel em áreas de pastos degradadas; ou no leste de Minas, com a demanda de terras de menor produtividade para o plantio de eucaliptos para duplicação da capacidade produtiva da indústria de papel e celulose. O valor econômico do patrimônio fundiário se amplia seja por diferentes formas de arrendamento de parcelas das propriedades, seja por contratos de pré-compra com assistência técnica liderados por empresas-âncora. Como a expansão da demanda direta ou indireta por recursos naturais (ainda que de baixa produtividade ou de pior acessibilidade espacial) tende a ser sustentada, consistente e crescente em escala global, o crescimento da renda diferencial dos seus proprietários tende a se elevar e a contribuir para a formação do embrião de uma nova vertente da classe média rural nesses municípios. PROFESSOR DO IBMEC/MG, FOI MINISTRO DO PLANEJAMENTO E DA FAZENDA -------------------------Valor Econômico - 24/08/2010 A minha UPP Marcelo Neri A ocupação dos territórios anteriormente conflagrados pelo tráfico, ou pelas milícias, na cidade ou na periferia, se mostra como saída para a fonte primária de violência urbana Em 1994, o Brasil atacou de maneira frontal o seu maior inimigo: a inflação. Nós fomos o recordista mundial de inflação no período de 1970 a 1995, mas pelos dados do FMI que vão até 2008, mesmo após 14 anos de estabilidade, éramos ainda o segundo país do mundo em inflação acumulada de 1970 a 2008, perdendo apenas para a República do Congo. A inflação era um mal que afetava principalmente os mais pobres com o chamado imposto inflacionário, mas impactava praticamente todos de maneira adversa com as incertezas. Incertezas advindas não só da inflação nossa de cada dia mas de políticas bissextas adotadas no seu combate. O corolário é que uma vez que a estabilização foi atingida, praticamente todos brasileiros e todas brasileiras, como se dizia a época, ganharam. O principal ganho proporcionado pela estabilização, como o nome sugere, não foi a redução da desigualdade mas o aumento de certezas, disseminando na economia uma sensação de bem-estar, associado a cada um poder prever o comportamento da economia como um todo e poder se ver no futuro. O casamento da sociedade brasileira com estabilidade a partir do Real se revelou mais duradouro do que tentativas anteriores como o plano Cruzado que gozou de lua de mel com a população mais memorável e fugaz que a do Real. No momento imediatamente posterior ao lançamento desses planos parecia que o céu invadia a terra, que os problemas eram mais do que um cabo de guerra, mais do que um jogo de soma zero. Sou suspeito para falar sobre o tema pois a sensação foi tal que resolvi, em 1986, escrever minha tese de mestrado a esse respeito. De volta para o futuro, cá estamos em 2010, próximo de outra possível transformação, esta agora de caráter local. O Rio de Janeiro busca combater o mal coletivo da insegurança com o lançamento das Unidades Policiais Pacificadoras (UPPs) nas áreas conflagradas da cidade, por meio da ocupação desses territórios pelo Estado. A lógica da UPP é a da conquista de espaços físicos em relação à bandidagem, de liberar a população destas comunidades do poder paralelo lá estabelecido pela ausência do poder público. Confesso como não especialista de violência que a princípio desconfiei da eficácia das UPPs nessa nobre causa, pois o efeito mais palpável por mim percebido da primeira UPP estabelecida no morro Dona Marta em Botafogo, Zona Sul do Rio, foi o de exportar o seu principal traficante de drogas primeiro para Rocinha e depois para o Morro dos Cabritos, que fica atrás da minha casa, na Ladeira do Sacopã, com efeitos colaterais muito desagradáveis. Esse é um problema de equilíbrio parcial, praguejava eu. Como uma solução local pode prover um equilíbrio geral? Até que, no fim do ano passado, foi estabelecida uma UPP no Morro dos Cabritos. Pois bem, estou em minha lua de mel com a UPP. Eu como economista não posso deixar de reconhecer que os imóveis de minha área sofreram forte valorização, recuperando pelo menos parte da perda de capital anterior causada pelo risco da violência. Nas minhas idas, agora frequentes, ao Morro dos Cabritos, onde vou menos por questões sociais mas para me exercitar e ao fim contemplar a sua vista única para a cidade com a baía de Guanabara ao fundo, percebo uma forte transformação em curso. Se eu como vizinho ganhei muito com a UPP, imagine quem mora lá na comunidade. Tenho ouvido relatos fantásticos das pessoas que lá moram de como suas respectivas vidas mudaram para melhor que são consistentes com o movimento das pessoas e dos negócios na comunidade. Há que se criar programa de ordenamento urbano para que as UPPs não engendrem mais construções irregulares e crescimento da desordem futura. Há que entender as externalidades negativas geradas para fora da melhora do equilíbrio local. Este fim de semana vivemos no Rio um exemplo de violência na Rocinha que, por não ter UPP, ainda é reduto dos traficantes. Mas na medida que a experiência da UPPs se expandir como tem sido citado no debate eleitoral, estas externalidades serão internalizadas ao processo. Já tive oportunidade de discutir neste espaço alguns dos chamados problemas coletivos brasileiros como inflação, desigualdade, informalidade que estão avançando ao longo do tempo. A bola da vez talvez seja a violência urbana e o instrumento novo a ser utilizado parece ser a UPP. As agendas de combate à inflação e à violência são de natureza distintas, uma nacional, outra local mas guardam a promessa de gerar um ganho de qualidade de vida a quase todos os envolvidos mais do que proporcional aos custos envolvidos no processo (coluna de 11/6/2007). Ambas envolvem a necessidade de coordenar ações. Se a UPP for adotada em outras áreas como modelo de combate à violência, observaremos sucessivos grandes choques em pequenas áreas gerando mudança gradual nos indicadores de violência agregados e ganhos de capital e de arrecadação a todos o que pode mais do que compensar os custos fiscais da pacificação. A ocupação dos territórios anteriormente conflagrados pelo tráfico, ou pelas milícias, sejam morros no meio da cidade, sejam guetos da periferia, se mostra como saída para a fonte primária de violência urbana que afeta antes e acima de tudo aos moradores das comunidades. UPP para todos! Marcelo Côrtes Neri, economista-chefe do Centro de Políticas Sociais e professor da EPGE, Fundação Getulio Vargas. Autor dos livros "Ensaios Sociais", "Cobertura Previdenciária: Diagnóstico e Propostas" e "Microcrédito, o Mistério Nordestino e o Grammen brasileiro". ------------------------------Estadão Online – 23/08/2010 Invencionices Paul Krugman De acordo com a Bloomberg, as argumentações de Raghuram Rajan são agora mais específicas: ele quer que Bernanke aumente a taxa básica de juros do Fed em 200 pontos-base diante de um desemprego de 9,5% e de uma inflação inferior a 1%. Tentarei explicar o que é que me incomoda nesse tipo de coisa, além do fato de isso representar um completo desastre para a economia: o problema é que Rajan e muitos outros economistas parecem inventar novas doutrinas para atender à necessidade de justificar seus preconceitos em relação às medidas econômicas. Sou totalmente favorável às ideias inovadoras. Mas sou da opinião de que os comentários feitos a respeito da política econômica em qualquer momento devem ter como base algum tipo de modelo – que deve ser válido também para outras situações, e não apenas um exemplo pontual empregado para justificar o favorecimento a uma medida específica no contexto presente. Os comentários que fiz ao longo desta crise tiveram como base o mesmo modelo de política macroeconômica que costumo usar em períodos de normalidade; o detalhe é que estamos numa situação diferente. A versão rápida e mal-acabada se assemelha ao seguinte: Ou seja, mantidos constantes os demais fatores, quanto maior a demanda, menor a taxa real de juros. Será que alguém quer contestar isso? Mas, no momento, graças às consequências da crise financeira, mesmo um juro nominal equivalente a zero, que representa um juro real minimamente negativo, não seria baixo o bastante para proporcionar o pleno emprego. Em tempos normais, quando o limite inferior zero não representa um impedimento, este paradigma básico sugere que a política monetária convencional seria capaz de desempenhar o papel chave na estabilização. Assim, em tempos normais, sou totalmente a favor de que o Fed assuma o trabalho de administrar o ciclo econômico, propondo uma política fiscal focada no longo prazo. Mas, no momento, estamos diante do limite inferior zero; e isso muda tudo. A ideia de que seria bom se pudéssemos elevar as expectativas de inflação emana desse paradigma minimalista: a economia “quer” um juro real negativo, e a única maneira de proporcionar isso – levando-se em consideração o limite inferior zero – é ter uma expectativa de inflação positiva. A defesa da expansão fiscal também decorre quase diretamente desta argumentação: se não podemos reduzir o desemprego por meio de cortes nos juros, os gastos deficitários – que não sufocam o gasto do setor privado quando os juros são mantidos – se tornam uma maneira de mobilizar recursos desempregados. O importante é que não estou inventando isso conforme me convém; tenho uma opinião consistente, que no momento produz resultados pouco ortodoxos simplesmente porque nos encontramos numa situação incomum. E qual é o modelo seguido por Rajan? Qual é a justificativa para elevar os juros reais diante de um alto desemprego? Como este modelo funcionaria em tempos normais? Me parece, obviamente, que muitos daqueles que defendem um aperto monetário partem de um preconceito – eles simplesmente detestam a ideia de dinheiro fácil – e depois procuram algum argumento para defender o próprio preconceito. E não é assim que se faz economia. ----------------------------Valor Econômico - 24/08/2010 Acordo pode beneficiar o mercado de capitais Peter Sester Em maio, a União Europeia e o Mercosul recolocaram em pauta um amplo acordo de livre comércio A América Latina, em especial o Brasil, está na ordem do dia na Europa, particularmente na Alemanha. Finalmente! Em maio deste ano, a União Europeia e o Mercosul, após anos de pausa nas negociações, recolocaram em pauta um amplo acordo de livre comércio. A primeira rodada das novas negociações deu-se em julho deste ano. No dia 5 de agosto, o ministro das Relações Exteriores alemão, Guido Westerwelle, anunciou um plano estratégico para a América Latina. O Brasil detém, em todas essas iniciativas, uma posição especial. E para isso existem muitas razões econômicas, políticas e sociais. Não menos importante, ao lado da força econômica do Brasil, é a sua recente participação no processo G-20 e na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Para empresas e agentes do mercado de capitais, o acordo de livre comércio pode abrir enormes chances para o futuro. Mas, neste momento, para tanto, terão de impor as devidas exigências aos negociadores, não podendo deixar o campo somente aos representantes da economia agrícola, que interferiram massivamente no passado, atrapalhando o processo de negociações. Para que as propostas e questões em relação ao acordo de livre comércio sejam corretamente colocadas, faz-se imprescindível o conhecimento sobre as principais manobras do Direito Econômico europeu. Atualmente, as relações entre a União Europeia e o Brasil baseiam-se no acordo-quadro de cooperação UE-Brasil de 1992, no acordo-quadro de cooperação UE-Mercosul de 1995, assim como no acordo de cooperação científica e tecnológica de 2004. No ano de 2007, foi acordado na primeira cimeira UE-Brasil em Lisboa o início de uma parceria estratégica, cujos fins foram formulados pela UE no documento de estratégia para o Brasil. O planejado acordo de livre comércio, que vai muito além de questões econômicas, deve se tornar o "motor" dessa parceria. A propósito, há alguns anos Chile e México fecharam um acordo de livre comércio com a União Europeia. Em que consistem as mencionadas manobras do Direito Econômico europeu? As leis europeias sobre direito societário e mercado de capitais distinguem, fundamentalmente, dois grupos de atores e produtos financeiros. Um grupo abrange os atores estabelecidos num Estado-membro ou os produtos primeiramente admitidos para a negociação no mercado europeu; o outro grupo abrange atores e produtos de terceiros Estados, como o Brasil. Enquanto "passaportes" europeus são exarados aos atores e produtos do primeiro grupo, podendo eles, em princípio, moverem-se livremente dentro do mercado europeu, os membros do segundo grupo devem, antes de tudo, superar o obstáculo de obter o reconhecimento jurídico europeu. Esse reconhecimento só será concedido se, de fato, os atores e produtos forem regulados, em seus países de origem, de forma comparável à regulação existente na União Europeia. Por exemplo, uma companhia emissora, que já possui prospectos de distribuição pública credenciados pela CVM, pode também distribuir na Europa valores mobiliários utilizando o mesmo prospecto, se a instrução da CVM pertinente puder ser comparada com a diretiva europeia. Regras de reconhecimento similares para a permissão de operar no mercado financeiro existem, também, na diretriz europeia para fundos de investimento, assim como, na diretriz planejada para private equity e hedge funds. De acordo com as leis europeias, esse reconhecimento depende do pré-requisito de que a regulação do terceiro país esteja em conformidade com as normas internacionais. Aqui o Brasil tem uma vantagem decisiva, já que a CVM persegue, há anos, uma política de adaptação aos padrões internacionais, como às normas da Organisation Internationale des Commissions de Valeurs (OICV). E mais: justamente nos últimos anos, demonstra-se uma harmonia cada vez maior entre as instruções da CVM e as diretrizes europeias. Um exemplo proeminente deste ano é a sugestão da CVM para a reforma da instrução sobre oferta pública de aquisição. Essa política da CVM, que se orienta em padrões internacionais, pode criar uma nova vantagem para as empresas brasileiras e para os atores do mercado financeiro. Mas para que se tire proveito dessa vantagem, os dois grupos devem exigir que o acordo de livre comércio tenha regras claras para o reconhecimento das permissões concedidas pela comissão. Isso lhes garantirá o acesso ao mercado de capitais europeu com baixos custos de transação. No entanto, essas exigências por parte do Brasil não poderão ser feitas sem que, ao mesmo tempo, seja feita uma proposta recíproca aos europeus. Enquanto as instruções da CVM correspondem aos padrões internacionais, esse não é sempre o caso das leis brasileiras. Fora dos padrões internacionais, por exemplo, estão as normas para o reconhecimento das sociedades estrangeiras, bem como a lei do direito internacional privado, promulgada em 1942, na Era Vargas. Peter Sester é professor do curso sobre União Europeia, no Insper, é professor honorário na Universidade de Freiburg e professor na Universidade de Karlsruhe (ambas na Alemanha). --------------------------------O Estado de S.Paulo - 24/08/2010 Restrições aos chineses Celso Ming O presidente da Fiesp e dono da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), Benjamin Steinbruch, em entrevista ao Estado, defendeu restrições a investimentos da China no Brasil. As suspeitas externadas por Steinbruch coincidem com as de dirigentes da Confederação Nacional da Indústria. Mas as restrições que defende à atuação de capital chinês levam o risco de não passarem de puro casuísmo. A desenvoltura com que a China vem adquirindo terras e concessões de mineração em todo o mundo tem despertado preocupações de que possa praticar dumping e, assim, alijar deslealmente as empresas brasileiras do mercado. "A China é uma força no mundo. A partir do momento em que ela tenha o domínio da matéria-prima, sendo a maior consumidora de minério, pode tirar os outros do jogo", avisou. A China tem despertado admiração e medo em todos. Detém nada menos que US$ 2,45 trilhões de reservas externas, a maioria delas aplicada em títulos do Tesouro dos Estados Unidos. Apenas o tamanho desse cacife tem gerado temores de que ela possa usá-lo como arma. Bastaria que despejasse seu arsenal de reservas no mercado para provocar o aviltamento das cotações tanto dos títulos do Tesouro americano como do próprio dólar. O governo Lula foi um dos primeiros a reconhecer que a China é uma economia de mercado, querendo com isso demonstrar que não teme chantagens comerciais do tipo que está sendo denunciado pelo presidente da Fiesp. E, se é para defender o País de eventuais manobras desleais de capitais originários da China, então é preciso ter uma política abrangente de tratamento a investimentos estrangeiros, e não só aos chineses. Hoje, a Constituição não faz distinção entre empresa nacional ou estrangeira, nem mesmo para exploração de recursos minerais. Basta que seja constituída de acordo com as leis brasileiras e tenha sede no País para que uma empresa passe a ser considerada de capital nacional. Tampouco há restrições de que uma detentora de concessão mineral, nacional ou estrangeira, repasse seus ativos para os interessados, sejam eles chineses ou quaisquer outros. Restringir capitais chineses e, ao mesmo tempo, manter abertura irrestrita a capitais americanos, ingleses, japoneses, coreanos ou alemães seria desembocar num oportunismo desmoralizador. A Petrobrás precisa urgentemente de recursos para o desenvolvimento do pré-sal e vem aceitando com votos de boas-vindas o concurso de investimentos chineses. E, no entanto, petróleo é um produto bem mais estratégico - para ficar com outra expressão de Steinbruch - do que minério de ferro. Não tem sentido, de um dia para outro, a Petrobrás avisar que não quer mais capitais carimbados com a bandeira vermelha da China. De mais a mais, por que a China não poderia adquirir concessões de exploração mineral no País se o empresário brasileiro Eike Batista, que se prepara para vender sua EBX (empresa de minério de ferro) e mais uma fatia da OGX (exploração de petróleo), pode fazê-lo sem restrições? A proposta de exigir contrapartidas do governo de Pequim para os investimentos de chineses no Brasil não parece adequada, pela quase impossibilidade de represálias em caso de transgressão. Ou seja, não basta querer por querer, como parece manifestar o empresário Benjamin Steinbruch. É preciso também saber o que fazer, para evitar ciladas provocadas por imaturidade estratégica. Volta ao mundo São quatro os principais fatores que estão produzindo os déficits recordes com viagens ao exterior. O primeiro é o câmbio: é o dólar relativamente barato em reais que torna mais acessíveis ao brasileiro as despesas de viagem. O segundo é o salto da renda: o brasileiro está ganhando mais e, com isso, está podendo viajar mais. O terceiro é a expansão do crédito que aumentou o financiamento dos pacotes turísticos e reduziu as prestações. E o quarto, a queda em todo o mundo das tarifas aéreas, que, em parte, foi consequência da própria crise global. ---------------------------------Correio Braziliense – 24/08/2010 Clima de pós-jogo Por Antonio Machado O ambiente na campanha de José Serra anda à base do “onde foi que nós erramos”. Quanto mais Dilma Rousseff impressiona nas pesquisas de intenção de voto, indicando que pode liquidar a eleição já em 3 de outubro, mais as lideranças do PSDB procuram explicações. É típico dos políticos não reconhecer os próprios erros, e muito menos reconhecer os méritos do adversário. É mais fácil, como nos jogos de futebol, o time derrotado culpar o juiz, se a derrota for por placar apertado. Ou o medalhão do time, o que é mais prosaico, sobretudo quando o adversário vence de goleada e ainda dá olé. Na política é praticamente a regra: a derrota é sempre solitária. Quem perde é o candidato, não o partido, os aliados se apressam a justificar – e é ai que a política difere do futebol. Nele, não há trânsfugas, que trocam de time quanto mais se avizinha a derrota. O ex-governador vinha liderando as sondagens para a sucessão do presidente Lula desde a derrota de Geraldo Alckmin em 2006 e a sua vitória em primeiro turno, na mesma eleição, para o governo de São Paulo. Foi assim até que o eleitorado, passada a Copa do Mundo, se interessou pelas eleições e “achou” Dilma como o verso de Lula. É provável que assim tenha sido mais pelo efeito-lembrança, o tal “recall” de que falam os marqueteiros de campanhas. Se houvesse um nome mais conhecido que Dilma como sucessor natural de Lula desde a sua reeleição – e no PT não se alimentasse a idéia do terceiro mandato -, e talvez a liderança antecipada de Serra nunca tivesse se pronunciado. E a oposição, incorrido em ilusões. O recall de Serra fez mais mal a ele que a Lula, já que desarmou a oposição, ao criar a impressão de que não haveria nexo entre a amazônica popularidade do presidente, a boa avaliação do governo e a medida de satisfação do eleitorado. É provável também que a sua autoestima o tenha levado a superavaliar os seus atributos. Há também quem impute parte do mau juízo sobre o sentimento do eleitor pelo PSDB aos jantares do tucanato emplumado com editores, banqueiros e analistas de ocasião da cena nacional, convencidos de que a questão ética e o moralismo da classe média seriam valores dominantes em 2010. E só não teriam sido em 2006, segundo os que pensam assim, pela suposta inabilidade de Alckmin diante de Lula. Veneno de pragmáticos É novamente como no futebol, quando o time derrotado busca algum culpado para não reconhecer méritos do adversário. Mas isso deve ser veneno de pragmáticos que não querem por em discussão as suas análises. Se elas não se confirmarem, a culpa é do candidato. Tais reflexões contam um pedaço da má vontade de muita gente na oposição e também em setores da sociedade com os resultados da economia e do social. Problemas existem, e parte deles já está em estudos pela equipe de Dilma e por grupos privados, ainda que ela não os reconheça para não turvar a tranquilidade de sua campanha. Onde cravar a estaca O que há de ruim caberia aos adversários dizer, não ao candidato da situação – e terem feito isso ao longo do segundo mandato de Lula, não em seu ocaso, suscitando a suspeita de oportunismo. Mas, primeiro, teriam de saber com certeza onde cravar a estaca. E isso eles nunca souberam. Com os resultados da economia inflando a percepção de melhora do bemestar da sociedade, era questão de tempo o que se assiste: a consagração de Lula por meio de Dilma. Pergunta sem resposta Já era tarde para Serra se apresentar na propaganda eleitoral na TV como o mais preparado para administrar o país no pós-Lula. Ele se ausentou do debate nos últimos três anos. Quando abriu a boca, atacou os juros, o câmbio – questões abstratas, importantes para a economia, e provavelmente interpretadas como desejo de mudar “tudo isso que está aí”. Mas mudar por que, muita gente poderia ajuizar, se não for para melhorar o que está aí, como Dilma diz que fará? A oposição não respondeu, e a resposta pode ter passado da hora. Agora, depende de sortilégios. Se esse quadro estiver configurado, é tempo de o eleitor se preocupar com os candidatos ao Senado e à Câmara Federal, as instâncias que tanto podem prejudicar o governo bem intencionado como potencializar as suas más escolhas. BC dá ou tira votos? A predileção da crítica em relação aos juros altos talvez seja um bom ponto de reflexão sobre o discurso ensaiado por Serra contra o Banco Central, sem encontrar maior audiência junto ao eleitor. Quem de fato foi prejudicado, noves fora estar ai uma das maiores distorções da economia? Aos fatos: o funcionalismo, os aposentados e parte dos assalariados têm o crédito consignado, em que o juro é abaixo dos correntes. O crédito rural no Banco do Brasil beneficia o agricultor com juros incentivados, assim como o BNDES atende o industrial e o construtor é atendido pela Caixa Econômica Federal. E o pessoal do piso social? Só agora começa a chegar perto de um banco, graças aos aumentos do salário mínimo e ao Bolsa Família. A Selic é neutra para tais linhas de crédito e classes sociais. A maior parte dos efeitos da política monetária foi insulada sobre a classe média e pequenas empresas, clientes do crediário bancário mais caro. Mas também aliviados com o aumento de prazos do crédito e a inflação estável. Mesmo ao acaso, a política monetária é parte relevante da política de conciliação de Lula. E isso poucos viram. -------------------------------- O Globo - 24/08/2010 Juros devem parar Míriam Leitão A pesquisa feita toda semana pelo Banco Central com instituições financeiras registrou que a expectativa é de juros em 10,75% no fim do ano. Há boas razões para os juros pararem de subir: o IPCA de julho foi zero, o IPCA-15 de agosto, também, e as projeções de inflação estão em queda. No mercado, há quem avalie que a razão é eleitoral. Não acho. Há fundamentos técnicos para o fim do ciclo de alta. Quando os juros começaram a subir em abril houve reação dentro do governo. Na época, o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, disse que juros mais altos não provocariam perdas eleitorais para o governo, mas inflação em alta, sim. A próxima reunião do Copom que será realizada a um mês das eleições pode interromper a elevação da taxa de juros. A interrupção favorece a candidata do governo? Claro que sim. Mas existem sólidos motivos para o fim da alta. A previsão de inflação este ano está caindo. Era 5,2% há uma semana e foi reduzida para 5,1%, nesta. Para 2011, as projeções são de uma inflação ainda mais perto da meta: 4,86%. As estimativas subiram um pouquinho na última pesquisa e até consideram uma elevação dos juros no ano que vem. Mas não há sinais de aceleração inflacionária. Tudo permite ao Banco Central uma suspensão no aumento da Selic. No início de setembro, logo após a reunião do Copom, o IBGE vai divulgar o PIB do segundo trimestre e ele mostrará uma desaceleração. Os primeiros sinais do terceiro trimestre indicam que o nível de atividade voltou a subir. O mercado interno continua aquecido, as exportações mais fortes são apenas as de matériasprimas, mas o país continua com superávit comercial. Tendo em mãos os indicadores antecedentes, os economistas fazem previsões para o PIB do segundo trimestre. O Itaú Unibanco aposta em 0,6%. O mesmo da projeção divulgada ontem pelo Serasa Experian. A Tendências acha que pode ficar em torno de 0,4%. Todos eles preveem um crescimento maior no terceiro trimestre: 1,2%, a Tendências; 1,1%, a MB Associados. A indústria voltará a crescer, depois de cair 2% no segundo trimestre, acumulando perdas por três meses seguidos. É fácil de entender. O consumo cresceu muito no começo do ano, aproveitando a onda da redução dos impostos. A indústria antecipou a produção para atender à antecipação do consumo e depois reduziu o ritmo para não acumular estoques. Em julho, os dados já mostram um ritmo maior. Ontem, saiu o crescimento do consumo de energia de 13,7% em relação a julho do ano passado. Caiu 0,5% em relação ao mês anterior, mas isso não estava no release da Empresa de Pesquisa Energética (EPE). Mas o consumo industrial subiu na margem em 1,6%. Estamos, sem dúvida, acelerando de novo. Mas longe de se esperar um cenário de aquecimento como o do primeiro trimestre porque acabaram os incentivos fiscais e aumentaram os juros. “Os condicionantes da demanda são fortes como renda, crédito, emprego e confiança do consumidor e dos empresários. O terceiro trimestre será um meio termo entre os dois primeiros”, disse Bernardo Wjuniski, da Tendências. A MB está prevendo uma inflação de 5% este ano, mas acha que pode ser menos. Segundo o economista Sérgio Vale, como se espera zero de inflação para agosto, a inflação poderia ficar em até 0,44% ao mês até o fim do ano para fechar em 5%. Por isso, ele também acredita que o Banco Central vai interromper a alta de juros. O que a consultoria prevê é que a médio prazo o crescimento pode encontrar o obstáculo do déficit em transações correntes. Ontem, o Banco Central divulgou o déficit de julho, de US$ 4,5 bilhões, e ele foi o pior para o mês desde 1947. O acumulado em 12 meses está em 2,2% do PIB, o que é um percentual crescente, mas bem abaixo do que em outros momentos em que o país enfrentou crise. Isso sem falar nas reservas cambiais de US$ 256 bilhões. O problema é que sustentar um déficit externo aumentando e, com ele, financiar o crescimento econômico sempre esbarra em limites. Há muitas distorções na forma escolhida pelo governo para manter o crescimento e eu tenho falado desses problemas aqui na coluna. Hoje, as análises externas comemoram o crescimento brasileiro, mas sempre apontam os riscos de ele não ser sustentável, principalmente pelos gargalos fiscais óbvios. No curto prazo, o país continuará, no entanto, crescendo e com inflação baixa, o que justifica a decisão que o Banco Central pode vir a tomar na semana que vem de interromper a escalada dos juros. O economista José Márcio Camargo, da Opus Gestão de Recursos, não acha que um ritmo maior do nível de atividade seja um problema para o Banco Central. “O crescimento nos próximos quatro trimestres dará uma média anual em torno de 4%. Isso é bem diferente do ritmo acima de 7% que o Brasil está tendo este ano”, diz. A arrecadação federal de julho, divulgada na semana passada, teve um aumento de 10,8% em relação a julho de 2009, e de 12,2% no acumulado do ano. O governo tem aumentado as despesas baseado nesse quadro favorável, que não é eterno. Nos próximos meses, segundo o Itaú Unibanco, há riscos de redução no superávit primário por causa da forte expansão do gasto. COM ALVARO GRIBEL ----------------------------Folha de S.Paulo - 24/08/2010 Um bilhetinho aos brasileiros Vinicius Torres Freire EM MAIO, Dilma Rousseff (PT) foi a Wall Street dizer que: 1) A política macroeconômica em seu eventual governo ainda será orientada pelo objetivo de reduzir a dívida pública, por meio de superavit primários relevantes, e de diminuir os juros, por meio da política de metas de inflação, as quais seriam gradualmente reduzidas; 2) A dívida líquida cairia para 30% do PIB em 2014, o que é bem factível. Em conversa reservada, disse que gostaria de baixar a taxa real de juros básica para "perto de 3%, mas sem fazer mágica"; 3) O Banco Central continuará operacionalmente autônomo. Seu presidente ainda terá status de ministro. Ou seja, nada muda: nem mais nem menos autonomia; 4) O aumento do crédito por meio de bancos públicos chegou "ao limite"; é preciso estimular o crédito de longo prazo por meio de incentivos a fundos de pensão e ao mercado de capitais. É preciso tirar do BNDES a responsabilidade pelos financiamentos compridos e volumosos; 5) A difícil reforma tributária é uma de suas prioridades. A campanha de Dilma reafirmou várias dessas diretrizes e revelou a intenção da candidata de levar o superavit primário, a poupança do governo desconsiderados gastos com juros, de volta a 3,3% do PIB. Tais ideias do comando dilmista foram publicadas ontem, nesta Folha, em reportagem de Kennedy Alencar e Valdo Cruz. O texto foi traduzido na manchete do jornal como "Dilma estuda aperto econômico". Em "solo nacional", seria a primeira conversa séria desta campanha. Ontem ainda, Dilma negou que sua campanha discuta tais coisas: "Lamento, mas vou desmentir". Dilma não poderia dizer outra coisa, claro. De outro modo, a campanha adversária poderia alardear "Dilma promete arrocho" etc. O de sempre. Mas o que está em estudo ou se conversa na campanha da candidata é aquilo mesmo que está no texto de Alencar e Cruz. Se, uma vez no poder, Dilma mudaria de ideia ou seria incapaz de implementálas, são outros quatrocentos. Note-se que o comando de Dilma difunde tais informações de propósito. Trata-se de uma espécie de "bilhetinho aos brasileiros", parodiando a "Carta aos Brasileiros" de Lula, na campanha de 2002. Foi por meio desse discurso que o PT trocou sua roupa ideológica em público, quando as finanças do país derretiam e o "mercado" estava em polvorosa com a perspectiva de que os petistas cumprissem seu programa econômico doidivanas. Por fim, é preciso lembrar que os "estudos" da campanha dilmista estão no centro do debate econômico. Não vai haver mais investimento, capital privado de longo prazo, distribuição de renda e, quiçá, impostos menores se a taxa de juros não baixar. A fim de baixar os juros, é preciso levar a dívida pública para 30% do PIB ou menos, e rápido. Para tanto, é preciso mais superavit primário: "aperto econômico". É possível fazer um governo de esquerda ou "democrático e popular" baixando a dívida. Aliás, é preciso. Para início de conversa, dívida alta leva dinheiro para quem já o tem (quem empresta ao governo). Para pagar a dívida, cobra-se relativamente mais imposto de quem é pobre. Se, como o comando de sua campanha o dizia ainda ontem, Dilma está preocupada com esses problemas, isso é boa notícia. ---------------------------Valor Econômico - 24/08/2010 Quadro incerto derruba juro de longo prazo Eduardo Campos As dúvidas sobre a saúde da economia americana e mundial continuam beneficiando o mercado de juros locais Enquanto bolsas, moedas e commodities seguem com preço volátil, sem uma indicação clara de tendência, as dúvidas sobre a saúde da economia americana e mundial continuam beneficiando o mercado de juros locais. Os contratos de Depósito Interfinanceiro (DI) com vencimento em janeiro de 2013 em diante começaram a semana com firme movimento de baixa, ilustrando, mais uma vez, a forte demanda pelas taxas locais. Fatores domésticos e externos explicam tal movimento de mercado. Começado pela influência internacional, o vice-presidente de tesouraria do Banco West LB, Ures Folchini, chama atenção para os títulos da dívida dos Estados Unidos e da Alemanha, por exemplo, que seguem fazendo mínimas históricas. De acordo com Folchini isso mostra que os investidores não querem arriscar sua poupança dentro desse ambiente incerto, pois preferem garantir o principal relegando a rentabilidade a segundo plano. E dentro desse movimento de procura por ambiente seguro o Brasil também acaba se beneficiando. Com o diferencial de também oferecer rendimento. "Os estrangeiros que estão com acesso a esse dinheiro barato fazem aportes do Brasil." Folchini lembra que, por estarmos dentro do país, perdemos um pouco da noção de como o Brasil é visto lá fora. E a percepção, diz o especialista, é bastante positiva. O Brasil é visto como um dos países que mais vai crescer nos próximos anos, é um mercado confiável com um sistema financeiro sólido. "Estamos em um momento muito bom", diz. O senão, de acordo com Folchini, é que alguns ajustes ainda precisam ser feitos, como maiores investimentos. Fora isso, o crescimento do consumo doméstico requer atenção, para afastar problemas como inflação e bolha no preço de alguns ativos. O diretor e economista-sênior do Wells Fargo Securities, Eugenio J. Alemán, também acredita que essa queda nos juros brasileiros está inserida em um movimento global de taxas mais baixas, conforme os EUA não crescem e seguram o seu juro básico em mínimas históricas. Aliado a isso, diz Alemán, parece que há uma renovada confiança de que a inflação no país está bem controlada e que o Banco Central conseguirá manter as expectativas dentro da meta. O risco a esse cenário, diz o economista, é a probabilidade de alguma instabilidade derivada do período eleitoral. Para o curto prazo, o boletim Focus, apresentado ontem, mostrou uma alteração na projeção do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de 2011. Após 18 semanas estacionado em 4,8%, o prognóstico subiu a 4,86%. Para alguns analistas, isso pode ser visto como um sinal de que o mercado compra o cenário de estabilidade na taxa básica em 10,75%, mas vê algum aumento no risco inflacionário de 2011. No entanto, pela reação do mercado, essa possibilidade ainda carece de novas confirmações. Fora isso, cabe lembrar que pela metodologia de apuração das expectativas do Focus é possível que a deflação do Índice de Preços ao Consumidor Amplo -15 (IPCA-15) de agosto não tenha sido completamente captada pela sondagem. Ainda de acordo com o Focus, o IPCA para 2010 cedeu de 5,19% para 5,10%. A sondagem também mostra Selic a 10,75% como consenso entre os analistas agora em 2010. Na sondagem anterior, a o juro estimado era de 11%. Para 2011, os agentes trabalham com Selic em 11,50%. Eduardo Campos é repórter ----------------------------------- ECONOMIA E OUTRAS NOTÍCIAS O Globo - 24/08/2010 Déficit externo é o maior em 63 anos Aumento de gastos com turistas no exterior mais remessas e dividendos de empresas, além do saldo comercial em queda, fizeram com que o Brasil registrasse em julho déficit de US$ 4,5 bi nas contas externas, o maior desde 1947. Gastos dos brasileiros em viagens batem recorde e déficit externo atinge US$ 28 bi Com real forte e renda em alta, rombo nas contas de viagens dobra no ano Patrícia Duarte BRASÍLIA. Com o turista brasileiro gastando como nunca no exterior, a balança comercial mostrando saldos cada vez menores e as remessas de lucros e dividendos ainda intensas, o país fechou julho com o maior déficit de todos os tempos para o mês em transações correntes que traduz boa parte das operações com o exterior, como viagens internacionais e comércio. Segundo o Banco Central (BC), o saldo ficou negativo em US$ 4,499 bilhões no mês passado. A série histórica é de 1947. No ano, o rombo nas contas externas chega a US$ 28,261 bilhões, também recorde, mas ainda sem tirar o sono dos especialistas. As transações correntes formam com a conta de capital (investimentos diretos e financeiros) o balanço de pagamentos do país com o exterior. Esse número ainda não representa 3% do PIB (Produto Interno Bruto, conjunto de bens e serviços gerados no país). Está em 2,24% num fluxo de 12 meses e o Brasil tem condições de reverter esse déficit disse o economista-chefe do WestLB, Roberto Padovani. Segundo ele, o país tem instrumentos para fazer frente a esse cenário, como o câmbio flutuante e a capacidade de administrar o crescimento por meio da política monetária. As contas correntes brasileiras afundaram no vermelho porque, sobretudo, o país está crescendo mais do que o resto do mundo este ano (cerca de 7%, contra 3,5%). Como não tem condições de suprir todas as demandas, precisa importar. De acordo com o BC, o saldo comercial em julho, por exemplo, ficou em só US$ 1,357 bilhão. Segundo o chefe do Departamento Econômico do BC, Altamir Lopes, veio abaixo do esperado. Ele não revelou qual era sua projeção. Remessas de multinacionais chegam a US$ 16,7 bilhões Pesaram ainda no desempenho das transações correntes os gastos com viagens internacionais que, no mês passado, ficaram em US$ 1,535 bilhão recorde absoluto para todos os meses. As receitas, ou gastos de turistas estrangeiros no país, somaram no período US$ 438 milhões, gerando saldo líquido negativo em US$ 1,098 bilhão. No ano, o descasamento na área de viagens já está em US$ 5,208 bilhões, quase 110% mais do que em igual período de 2009. Em agosto, até o dia 23, o saldo já estava negativo em US$ 584 milhões. Segundo Lopes, isso ocorre porque a economia mundial cresce menos, bem como a renda, afetando o número de turistas estrangeiros no Brasil: E aqui, no Brasil, temos mais renda e o câmbio (valorizado), que ajuda nas viagens internacionais. As remessas de lucros e dividendos feitas por multinacionais instaladas no país também contribuíram para o pior resultado das contas externas em 63 anos, somando US$ 1,802 bilhão em julho. No ano o saldo é negativo de US$ 16,769 bilhões. Para Lopes, esse segmento mostrou certa acomodação em relação aos meses recentes, mas é cedo para falar que isso seja uma tendência. Já o pagamento de juros, ainda segundo o BC, foi de US$ 1,545 bilhão no período. Mais uma vez, os investimentos estrangeiros diretos (IED, voltados para o setor produtivo) não cobriram o rombo das transações correntes, com apenas US$ 2,643 bilhões em julho. No ano, esses investimentos que são de longo prazo e não sofrem com instabilidade dos investimentos financeiros somam US$ 14,701 bilhões, tornando cada vez mais difícil atingir a projeção do BC para o ano, de US$ 38 bilhões. O mercado, segundo a pesquisa Focus, está bem menos otimista, apostando em uma entrada líquida de apenas US$ 31 bilhões em 2010. O BC informou também que os investimentos estrangeiros em carteira (ações e títulos, por exemplo) tiveram saldo positivo de US$ 5,806 bilhões em julho, somando no ano superávit de US$ 28,964 bilhões. O volume mensal é quase o dobro ao visto em junho, com US$ 2,984 bilhões. Em agosto, até ontem, as aplicações em ações no país somavam US$ 2,968 bilhões, enquanto que títulos de renda fixa, US$ 1,877 bilhão.