controle social

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CONTROLE SOCIAL
Pedro Rodolfo Bodê de Moraes
Fábia Berlatto
O sentido mais geral de “controle social” diz respeito aos mecanismos
de fiscalização da sociedade civil sobre as atividades públicas (em maior
medida) ou privadas (em menor medida). São principalmente formas de
monitoramento da ação do Estado e das suas burocracias, típicas de regimes
democráticos. Nesses regimes, a administração pública tem de ser
transparente e os gestores devem, idealmente, prestar contas dos seus atos à
sociedade. Essa forma de controle social das medidas de governos demanda
a participação ativa dos cidadãos. Tudo gira então em torno da ideia de
controle social sobre os processos de tomadas de decisões que afetem a vida
de uma comunidade.
Como conceito sociológico, a noção de “controle social” possui pelo
menos dois significados intimamente conectados. Eles podem ser revelados
quando se faz a história e a sociogênese (Elias, 1993) do termo.
A noção de “controle social” tornou-se popular no cenário acadêmico
entre os anos de 1896 e 1898 após a publicação, por Edward Alsworth Ross, no
American Journal of Sociology, de vários artigos que foram reunidos, em 1901,
no livro Social Control: A Survey of The Formation of Order (Gurvitch, 1965, pág.
243 e Ross, 1939). Neste livro, o autor indaga sobre a construção e
manutenção da “ordem”, entendida aqui como a forma como qualquer
sociedade se organiza, tornando-se assim viável. Ross, ao questionar sobre os
fundamentos e os meios de controle que permitem a vida em comum,
argumenta que eles são sociais e encontram-se distribuídos entre diferentes
instituições, práticas e atributos. Eles se formam à medida que os próprios
indivíduos e a sociedade se constituem. O controle social não é, portanto,
algo natural, no sentido de biológico e/ou pré-existente aos indivíduos e à
sociedade, mas é algo artificial, isto é, socialmente construído.
Ross, assim como a maioria dos pensadores e cientistas sociais
americanos até a primeira metade do séc. XX, inspirou-se no pragmatismo,
filosofia tipicamente norte-americana (Joas, 1998). É necessário, portanto,
identificar tal referência na formulação do conceito de controle social.
Na visão dos pragmatistas “a ordem social” é produto “do controle
social” e esse é entendido “como auto-regulação e resolução coletiva de
problemas” (Joas, 1998, p. 24). Esta proposição é de fundamental importância
já que controle social associa-se aqui à exclusivamente à manutenção da
conformidade social, que não era o que o teóricos do pragmatismo
propugnavam.
Gurvitch ressalta que a noção de controle social não fique restrita
ao papel de instrumento do conservadorismo e do
tradicionalismo sociais, (...) como se a renovação
permanente dos símbolos, aspirações a valores sempre
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novos, a criação de ideais, as reformas, as revoltas, as
revoluções, etc., não fossem elementos essenciais do
controle social e especialmente daquelas formas de
controle como a moralidade, a educação, a arte e o
conhecimento (Gurvitch, 1965, p. 249).
Vem de John Dewey, expoente do pragmatismo norte-americano, um
exemplo que complementa a discussão acima. Analisando o papel da escola
na formação moral dos indivíduos, dedica um capítulo de seu livro Experiência
e educação (2010[1938]) ao tema do controle social. Dewey destaca três
importantes questões: 1. não há sociedade que não produzam regras que
derivam e possibilitam a vida social e, por conseguinte, a própria sociedade; 2.
estas regras não se opõem a liberdade individual e; 3. tem como resultado o
bem estar coletivo.
A maior parte daqueles filósofos e cientistas sociais pragmatistas
considerava o conflito como elemento constitutivo do controle social e da
ordem. Ordem não como ausência ou oposição ao conflito. Só haveria
sentido falar em algo efetivamente ordenado e organizado se tomássemos os
conflitos como um elemento estruturador da ordem. Neste cenário, a ordem
social “deve ser assimilada pelos próprios atores tanto individualmente quanto
coletivamente, tanto consensuada como conflitivamente” (Joas, 1998, p. 50 e
51).
Considerando que o controle social é efeito do processo de
socialização, outra referência fundamental a ser abordada é Emile Durkheim.
Se houver uma questão que perpassa toda a obra de Émile Durkheim,
ela diz respeito ao processo que mantém a sociedade coesa e às dificuldades
de manutenção da coesão social. Estamos novamente diante da clássica
questão da ordem e das formas de regulação e controle que as sociedades,
em sua dinâmica, mantêm e produzem. Conduzimos-nos, assim, a outro
problema clássico: o da integração social.
Durkheim experimentou um longo processo de mudanças cujo
resultado, para ele, teria sido um grau de desorganização social sem
precedentes na História humana. Considerando a mudança social, assim
como a tendência à ordem, um elemento intrínseco à vida social, Durkheim
acreditou ser possível mudar com menos efeitos colaterais se soubéssemos
como fazê-lo. Nesse caso, às Ciências Sociais caberia conhecer as
regularidades, a estrutura, os elementos (segundo Augusto Comte, relativos à
dinâmica social) que são passíveis de mudança e aqueles (relativos à estática
social) cuja mudança deveria acontecer de forma mais orgânica.
Para tanto, Durkheim construiu um modelo teórico para refletir, primeiro,
sobre o porquê de temos a tendência para viver em grupo. Neste intuito,
lançou as bases de uma teoria da reciprocidade ou, para usar o termo
durkheimiano, da solidariedade. Em segundo lugar, sua teoria procurou dar
conta das mudanças trazidas pela passagem de sociedades primitivas,
tradicionais, predominantemente religiosas e coletivistas para sociedades
industrializadas, laicas e formadas por indivíduos. Durkheim nomina como
mecânica a forma de solidariedade presente nas sociedades tradicionais ou
primitivas, e orgânica a solidariedade típica das sociedades modernas.
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Dentre os vários itens que distinguem os dois tipos de solidariedade,
destaca-se aqueles que produzem moral. A religião seria, nas sociedades
cimentadas pela solidariedade mecânica, a base sobre a qual a sociedade
estaria estruturada; enquanto nas sociedades organizadas pela solidariedade
orgânica, a dependência recíproca teria por base a divisão do trabalho.
Durkheim pretendia enfatizar que a primeira forma de solidariedade é
marcada pelas similitudes ou semelhanças entre os indivíduos, enquanto a
segunda forma de solidariedade seria marcada pela diferença.
Entretanto, a divisão do trabalho “não é específica ao mundo
econômico; [...] ela é, e se torna cada vez mais, uma das bases fundamentais
da ordem social”, ultrapassando “infinitamente a esfera dos interesses
puramente econômicos, porque consiste no estabelecimento de uma ordem
social e moral sui generis”. E, em segundo lugar, seja lá onde se apresente, na
fábrica, na família etc., a função mais importante da divisão do trabalho não
é aumentar “o rendimento das funções divididas”, mas antes torná-las
“solidárias” e assim contribuir para a “integração geral da sociedade” (1977
[1893], p. 76 e 79).
Todavia, no momento histórico analisado por Durkheim, as condições
gerais as quais os trabalhadores estavam submetidos não colaboravam para a
produção da integração e da coesão social. Segundo sua análise, os
trabalhadores, principalmente os fabris, se encontravam submetidos a formas
anômicas de divisão do trabalho. Anômicas porque incapazes de produzir
solidariedade e, pior, porque fontes de “degradação moral”.
A situação de anomia, segundo Durkheim, seria produto de um “estado
de indeterminação jurídica” (1977 [1893], p. 161) sob a qual estavam
submetidas às relações entre o trabalho e o capital. Além de prejudicar de
forma extraordinária o trabalho, esta conjuntura também geraria efeitos
nefastos para todo o corpo social. Este resultado dar-se-ia conforme dois
processos: o primeiro e mais importante seria que a desregulamentação da
vida econômica e sua incidência sobre a divisão do trabalho “não pode
deixar de estender os seus efeitos para além do próprio mundo econômico e
de implicar em seguida um rebaixamento da moralidade pública” (1977
[1893], p. 11; grifamos). O segundo está em que a submissão dos mais fracos
pela força, na ausência de um contrato que regule a relação entre as partes,
faz com que “a lei do mais forte” reine soberana. Sem tal regulação, “o estado
de guerra é necessariamente crônico”, uma vez que as “tréguas impostas pela
violência são sempre apenas provisórias e não pacificam os espíritos” (1977
[1893], p. 9). A ausência da sujeição à regras ou, dito de outra maneira, sem
meios que impeçam a subordinação violenta dos trabalhadores, estaríamos
diante de uma divisão forçada do trabalho, situação em que a divisão do
trabalho é tão somente o “efeito de uma imposição exterior” (Durkheim, 1977
[1893], p. 171). Essa é uma condição impeditiva para que ela gere
solidariedade.
A falta de regulamentação da vida econômica permitiria que uma
“razão mais geral e mais poderosa”, o egoísmo, se impusesse. Não haveria
como impedir que indivíduos deixassem “de viver no seio de um vazio moral
em que sua própria moralidade individual” definhasse (Durkheim, 2002 [1950],
p. 52 e 17). Nessas condições, as paixões e interesses individuais podem tornarse ilimitados e “desejos ilimitados são por definição insaciáveis, e não é sem
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razão que a insaciabilidade é considerada como um indício de morbidez”
(Durkheim, 1992 [1897], p. 240 e 241).
Contrariamente, uma sociedade devidamente regulamentada
permitiria a emergência do indivíduo moral que, para Durkheim, é aquele que
internalizou as regras sociais, leis e outras normas que, por sua vez,
realimentariam a moral, a coesão e a organização social.
A conseqüência geral do raciocínio acima descrito seria a criação de
um espaço social pacificado, integrado e, portanto, coeso, resultante de uma
dinâmica que tendo controlado o egoísmo e regulado as relações entre os
fortes e os fracos permitiu a emergência de uma moralidade que perpassa
todo o espaço social. Os indivíduos socializados nesse sistema são, pelo
processo mesmo de socialização naquele mundo, indivíduos comprometidos
com a continuidade dos valores que internalizaram. Seriam indivíduos morais
ou, em outros termos, indivíduos com transcendência, uma vez que suas
individualidades completam-se na relação e compromissos com outros
indivíduos e instituições das quais participam. Bem-estar e segurança seriam o
resultado líquido de uma sociedade integrada e coesa.
O terceiro e último uso do conceito de controle social nos remete para
uma percepção negativa que o limita a produção da disciplina e da
vigilância e o critica exatamente em função disto (cf. Foucault) ou a redução
do termo a manutenção da ordem pelo sistema e justiça criminal, ou dito de
forma, como um caso de polícia (cf. também segurança pública).
Referências bibliográficas
Gurvitch, G. El control social, In Gurvitch, G. & Moore, W.E. Sociologia del siglo
XXI. Barcelona: Editorial El Ateneo, 1965. (págs. 243 – 270).
Ross, E. Social Control: a survey of the foundations of order. London: The
Macmillan Company, 1939.
Joas, H. El pragmatismo y la teoria de la sociedad. Espanha: CIS/Siglo XXI Ed.,
1998.
Dewey, J. Experiência e educação. Petrópolis, RJ: Vozes, 2010[1938].
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