evaristo v. fernandes aprendizagem humana e suas - Free

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EVARISTO V. FERNANDES
APRENDIZAGEM HUMANA
E
SUAS DIFICULDADES
( CÉREBRO, EMOÇÃO, MENTE E ACÇÃO )
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ÍNDICE
CAPÍTULO I – O HOMEM E SEUS PROCESSOS CEREBRAIS .............................. 4
I - Dinamismos neuro-cerebrais do organismo humano na criação da mente ..........11
II – Cérebro e mente em recíprocas interacções e dinâmicas ..................................17
CAPÍTULO II – FUNÇÃO DO CÉREBRO E SUAS INTERFUNCIONALIDADES
CEREBRAIS
....................................................................................................................................27
I – Dinamismos neurocerebrais nos processos de interacção com os meios ...........35
II – Mente individual e consciência pessoal nos processos bio-neuro-psíquicos ......41
CAPÍTULO III – NATUREZA E MECANISMOS DOS ESTADOS MENTAIS E DOS
FENÓMENOS PSÍQUICOS ......................................................................................54
I – Dinamismos dos processos sensório-perceptivos dos estados mentais .............61
II – Endo-exogenias dos mecanismos processuais do cérebro humano ..................76
CAPÍTULO IV – ACÇÕES E INTERACÇÕES NEURO-SÓCIO-PSÍQUICAS NOS
PROCESSOS DE APRENDIZAGEM ........................................................................92
I – Interacções dos sistemas e dos não sistemas neuro-cerebrais .........................101
II – Causas e processos deficitários do aparelho neuro-cerebral ...........................112
CAPÍTULO V – MODALIDADES CAUSAIS DAS DISFUNÇÕES DO CÉREBRO
HUMANO .................................................................................................................123
I – Trissomia vinte e um ou Mongoloidismo ............................................................135
II – Disfunções nos processos neurocerebrais ........................................................150
III – Deficiências e níveis processuais das deficiências ..........................................163
CAPÍTULO VI – O EMOCIONAL NAS EMERGÊNCIAS PROCESSUAIS DAS
DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM ..................................................................180
I – Acções e inacções dos sistemas neuro-sócio-psíquicos nos processos das
dificuldades de aprendizagem .................................................................................190
II – Dos dinamismos dos sistemas neuro-psíquicos aos sócio-cognitivos ..............199
III – Fenómenos afectivos-emocionais em suas interacções com o dinamismo das
estruturas neuropsíquicas .......................................................................................204
IV – Dinamismos afectivo-emocionais nos processos de aprendizagem ...............212
V – Interactividades psicoemocionais da aprendizagem ........................................218
BIBLIOGRAFIA .......................................................................................................232
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CAPÍTULO I
O HOMEM E SEUS PROCESSOS CEREBRAIS
Sendo o ser humano uma concreta e indissociável realidade bio-neurosociopsicológica esta constitui um sistema que existe e age dentro de sistemas
sociais, culturais, económicos, familiares e políticos mais ou menos organizados,
certos ou incertos, estáveis e instáveis, transitórios ou duradouros. É, por isso, um
ser de acção sujeito a miríades de acções dos sistemas envolventes e, por tal facto,
é, simultaneamente, filho e progenitor de tais sistemas. A sua dimensão de filho
transforma-o em sujeito que busca uma crescente expansão, realização e poder, e,
a de progenitor um certo antagonismo. No seio de tal teia ele procura as suas vias
de desenvolvimento natural, o fervilhar da própria vida e a concretização das suas
intencionalidades.
As potencialidades de concretização de um tal pré-projecto existencial
emergem de sua própria dinâmica biológica em interacção mútua e recíproca com a
própria realidade envolvente. 0 biológico do indivíduo ou o seu corpo é uma máquina
com mais de 30 biliões de células constituídas por combinações de hidrogénio, de
carbono, de oxigénio e de azoto no todo de um aparelho neuronal ou cérebro que
faz com que o indivíduo pense, fale, relacione, escreva, leia, etc..
O cérebro ou encéfalo, constituído por massa nervosa contida na caixa
craniana, massa que é composta por células nervosas ou neurónios, interage
unitariamente com todo o corpo e é dos resultados de tais interacções que o cérebro
constitui seus quadros de referencias, os seus parâmetros de vivências e seus
esquemas de acções. Isto demostra que cérebro e organismo constituem uma
unidade indissociável com interacções mútuas e recíprocas , e que é o indivíduo, no
seu todo, que interage com os meios e os ambientes e que, se para estes se
projectam mensagens também deles se recebem informações. Isto porque o
aparelho cerebral contém, em si mesmo, um imenso potencial concentrado nos
principais receptores sensoriais, e é graças aos investimentos vindos do exterior que
um tal potencial se desenvolve, expande, enriquece e orienta no sentido de
encontrar a sua individualidade, a sua subjectividade e funcionalidade.
É que o aparelho cerebral, constituído por milhões de neurónios e por
hipercomplexas conexões, quais indiscritíveis arborescências, age e interage,
organiza-se e reorganiza-se em função da sua própria natureza, dinâmica e
exigências ou solicitações dos meios, processo este que gera no indivíduo o seu
aparelho genofenoménico, ou seja, a capacidade para organizar as suas relações
com o exterior, gerando ou regenerando informação, recebendo estímulos e
mensagens e desenvolvendo-se acentuadamente até se tornar um aparelho
neurocerebral que comportará mais de 30 biliões de neurónios e transformar-se-á no
órgão central de comando do organismo bem como de controlo das actividades
deste.
Este enorme potencial do aparelho neurocerebral do indivíduo possui
indiscritíveis potenciais de habilidades, de estímulos e de motivações, de acções e
de envolvimentos, de estratégias e de planificações, de ideias e raciocínios, de
retenções e concentrações. Porém, o desenvolvimento de um tal potencial do
aparelho neurocerebral é resultado de múltiplos e complexos processos de
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desenvolvimento da história da espécie humana, processos que geraram, num tal
aparelho, potenciais de flexibilidade e de adaptabilidade, de eficiência e de eficácia,
de organização e reorganização, de estratégias de planificação, de concretização,
expansão e contenção.
No entanto, o processo de desenvolvimento do cérebro humano é fruto de
milhões de anos de evolução, a qual, construída pela interactiva sincronia da dupla:
gènes-experiência, sucessivamente, efectua remodelações das redes neuronais sob
influência da acção da programação genética em interacção com os estímulos ou
solicitações dos meios. E isto apesar de todo o cérebro humano, no desenvolvimento do seu período fetal, passar pelo menos pelas seguintes etapas:
Indução da placa neuronal.
Proliferação localizada das células nas diferentes regiões.
Diferenciação dos neurónios imaturos.
Estabelecimento das conexões com outros neurónios.
Morte selectiva das células.
Eliminação de certas conexões estabelecidas inicialmente e estabilização de outras.
Segundo Edelman (1988,1991) o cérebro humano, já durante a fase de seu
desenvolvimento embrionário, possui elevadíssimas cotas de desenvolvimentos
individuais, as quais interdependem não só das características morfológicas gerais
da anatomia do cérebro, mas são, também, da origem rigidamente genética,
comuns à espécie e dizem respeito às densas arborescências das dendrites e dos
axónios das células cerebrais.
Uma tal diferenciação, que faz com que todo o cérebro se torne diferente
um do outro, já em sua fase fetal, é resultado de processos epigenéticos que não
são submetidos estritamente ao controlo genético e que regulam acentuadamente a
actividade, o desenvolvimento, a divisão, a emigração ou a morte das células
cerebrais. Uma tal individual revelação epigenética, orientadora da morfogènese do
sistema neuronal, interdepende, sobretudo, da acção de dois grupos de moléculas
morforeguladoras que agem a nível da membrana celular: as moléculas do primeiro
grupo favorecem os processos de adesão das células entre elas e as moléculas do
segundo grupo favorecem a adesão das células ao tecido conectivo, o que constitui
o substracto de adesão das moléculas, constituindo-se, assim, a existência de
grupos neuronais, os quais representam a unidade da selecção durante o percurso
do desenvolvimento e do funcionamento do sistema nervoso central, pois os grupos
neuronais diferenciam-se através da forma e dimensão da sua anatomia, pelo tipo
de desenvolvimento, pelas características das suas sinapses, pela natureza dos
inputs e segregam outros grupos de neurónios ou modificam-os desde que se
mudem as condições dos estímulos e das motivações, dos meios ou dos ambientes.
Ora, sendo a natureza do aparelho neurocerebral do indivíduo resultado de
uma progressiva e constante evolução da espécie humana, sem rupturas nem
saltos, e, quando muito, resultado de variedades, as quais diferenciam-se por
divergências e por isolamentos ou pelo acumular de pequenas modificações
sucessivas sofridas no decurso de seus processos de adaptação.
O cérebro do adulto, com aproximadamente 1450 g de massa , células e
neurónios, cresceu, ao longo de milhares de anos, debaixo para cima, tendo os seus
centros mais superiores desenvolvido como elaborações das partes inferiores, sendo
as mais antigas ou mais primitivas partilhadas com todas as espécies animais como
sejam, por exemplo, o tronco cerebral, o qual rodeia o topo da espinal medula.
É o tronco cerebral que regula as funções básicas da vida como, por
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exemplo, o respirar, o metabolismo, as reacções e os movimentos estereotipados,
mantém o corpo a funcionar como deve e a reagir de maneira que garanta a sua
própria sobrevivência. É um cérebro que não pensa, mas foi a partir deste que
emergiu o cérebro emocional, o qual, por sua vez, originou o neocórtex ou o cérebro
pensante.
Estas e as restantes instâncias, áreas, regiões ou localizações do cérebro
humano são constituídas por células nervosas e fluídos neuronais que geram no
indivíduo intencionalidades globais e parciais. A primeira e fundamental dessas
intencionalidades é a da sua organização em consonância com seus códigos
genéticos, sua actividade, dinâmica, potencial perceptivo e acção sensorial.
A coerente concretização de uma tal intencionalidade contém, em si mesma,
a potencialidade de organização do organismo humano não só horizontal ou vertical
mas também poligonalmente, isto é, em todas as suas dimensões, aspectos e níveis
do seu sistema, subsistemas e micro-sistemas, graças à vida, interacções e
retroacções das suas células e moléculas, as quais se organizam e reorganizam,
geram e regeneram, activam-se e sensibilizam-se através da sua própria acção e do
tecido nervoso do organismo, concretizações que necessitam de interacções
moleculares e de reacções às dinâmicas dos meios e dos ambientes,
intencionalidades cujas concretizações necessitam do sensorial, do motórico, de
exteriorizações e interiorizações, concretizações comportamentais cuja multiplicação
e aperfeiçoamento desenvolvem não só os receptores sensoriais mas também a
sensibilidade e a afectividade, alicerces essenciais ao desenvolvimento de
competências neurocerebrais, cujo progressivo desenvolvimento implica recíprocas
interacções entre o aparelho neurocerebral e o corpo, entre a motricidade e a
sensibilidade, entre o exterior e o interior, entre a acção e a emoção, interacções que
criam, simultaneamente, tanto a dependência do organismo humano como a sua
liberdade, visto ser a partir de um tal nível de desenvolvimento que o humano pode
desenvolver os seus comportamentos em todas ou só em algumas direcções ou
sentidos de exterioridade e de interioridade, o que diferenciará futuros comportamentos e produzirá diferentes níveis de sensações ou percepções, de sensibilidades
e emoções, de estímulos e motivações, o que condicionará, estimulará ou orientará,
teoricamente, a maior ou menor eficácia do aparelho neurocerebral do indivíduo.
É que, sendo o desenvolvimento do aparelho neurocerebral produto da
acção é sua profunda necessidade manter permanente relação com o exterior, o
qual, impregnando-se no cérebro, este elabora-o no seu interior e retém-o como algo
individualizado, íntimo e pessoalizado, e, por sua vez, projecta-o nos factos e
acontecimentos do exterior, gerando-se, então, interacções e retroacções que
elaboraram novas e diferentes impregnâncias, sensibiIidades, percepções, emoções
e interacções interior-exteriores.
Um tal enorme potencial de adaptação do organismo humano, acrescido
do enorme e riquíssimo património neuronal, gera, no organismo humano, ilimitados
potenciais de habilidades, destrezas e de competências cuja genialidade humana
jamais explorará ou desenvolverá na sua totalidade. É que os fluxos de energias das
células, moléculas, gènes, cromossomas, etc., das suas combinações e recombinações, das suas reacções, intensidades ou velocidades, dos seus equilíbrios ou
motivações parecem indecifráveis, apesar de sabermos que as células adaptam o
seu trabalho às suas necessidades, produzindo aquilo de que precisam e quando
precisam.
Um tal potencial de respostas às suas necessidades, por parte das células,
implica, para sua entrada na via da eficiente eficácia, desprovimento de rigidez e de
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desperdício, de parasitismo e fragilidade, de desvios e de erros e orientação verso
uma policêntrica organização, expansora dos fluxos e das energias nas várias
orientações e níveis de necessidades, de acções, de interacções e retroacções,
comportamentos generadores de organizações sensoriais e motoras equilibradas,
vivas, activas e dinamizadoras de espontaneidade, naturalidade e bioenergia, o que
facilita as acções de auto-organização e de reorganização, de vivência e de
restruturação.
O conjunto de tais interacções, qualidades, níveis e intensidades geram
estabilizações e dinâmicas selectivas, implementadas em função da estimulação do
meio e das necessidades percepcionadas pelo organismo do indivíduo, o que cria,
em sua dinâmica neurobiológica, variados níveis de necessidades de acção, de
interacção e reciprocidade com seu próprio meio, visto ser princípio essencial básico
que todo o indivíduo é um ser biológico em interacção com o meio, isto é, sujeito
activo e passivo do paradigma sistémico-comunicacional-informacional.
No seio de tal paradigma o ser biológico exige o funcionamento da sua
totalidade, apesar de correr os riscos de uma tal necessidade ser subvertida pela
acção ou acções do meio e, em tais subversões, não só distorcer mas também
anular tais necessidades vitais.
Um tal conjunto de necessidades é intrínseco à própria natureza do cérebro
do organismo humano. 0 cérebro humano, mais que nunca, tem necessidades de
alimentar-se a si mesmo e, uma tal alimentação é efectuada através do seu
funcionamento, isto é, pelo desenvolvimento das suas principais funções,
aperfeiçoamento dos seus centros de habilidades e processamentos de
informações. Torna-se impossível, no entanto, efectuar uma estimativa aproximada
do potencial do cérebro humano.
É que, de facto, cada célula cerebral ou neurónio contém um vasto e
complexo potencial electroquímico competente e um corpo central de dezenas,
centenas ou milhares de tentáculos que irradiam desde o centro ou núcleo da céluIa.
Estas irradiações ou ramificações da célula, conhecidas pelo nome de dendrites,
representam as expansões do corpo celular e o seu conjunto forma o pólo receptor
do neurónio. Uma das extremidades do neurónio, particularmente larga, domina-se
axónio, o qual desempenha a função da saída principal da informação transmitida
por essa célula. Entre um neurónio e outro encontra-se a sinapse e efectua a
articulação entre um neurónio e um músculo ou entre um neurónio e uma glândula e
faz com que a actividade ou excitação de um neurónio active ou iniba a acção do
outro.
Por isso, representando a sinapse um espaço de comunicação entre os
elementos excitáveis do cérebro, os seus fluxos desencadeiam a Iibertação de
neuro-transmissores ou neuro-mediadores e, por tal facto, a efectuação das
comunicações inter-neuronais, quer estas ajam como neuro-modeladores quer como
neuro-transmissores. E, como se distingue, em média, 40 mil sinapses mesma célula
do córtex cerebral não admira que tanto as dendrites como as sinapses possuam
substâncias químicas constitutivas dos principais mensageiros do processo do
pensamento humano, o qual, graças ao seu desenvolvimento, vai reduzindo,
progressivamente, as resistências bioquímicas e electromagnéticas até fazer com
que uma célula cerebral possa receber, por segundo, centenas de milhares de
pulsações provenientes de outros tantos pontos da conexão, o que faz com que os
neurónios actuem como vastas e hipercomplexas centrais telefónicas computando,
em micro-segundos, a soma dos dados de toda a informação, laboriosa actividade
que desenvolve, nessa emaranhada arquitectura cerebral, componentes de sistemas
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sintetizadores e tipos particulares de receptores neuronais (Watson, 1992), o que
reforça a ideia de que não só entre os cérebros humanos, mas, também, no interior
de um mesmo cérebro existem capacidades de inúmeros níveis de funcionalidade, de convergência, de divergência e de irradiação.
Em relação à existência de níveis e de diferenças de funcionalidade,
Sigmund Freud, pai da Psicanálise, em "Projecto de uma Psicologia" (1895) parece
admitir a distinção entre sistemas neuronais específicos e sistemas neuronais não
específicos ao efectuar a distinção entre neurónios fi e neurónios psi.
Apesar de uma tal distinção não contar, hoje em dia, com muitos adeptos,
a realidade é que a mesma estimulação ou estimulações dirigidas às mesmas áreas
neuronais dos cérebros humanos produzem efeitos diferentes, e, tais efeitos
compatizam-se com efeitos de outras acções, gerando out-puts diferentes de
indivíduo para indivíduo, os quais, por sua vez, impregnam a totalidade do organismo e se anexam ao seu potencial comportamental.
Como é óbvio, uma modificação mínima, mas duradoura, não só transforma
o indivíduo mas também o reorganiza diferentemente, o que gera, em si mesmo,
capacidades de novas reorganizações, restruturações ou invenções, e, daí,
simultaneamente, diferentes capacidades de utilização ou recombinações das
potencialidade do aparelho neurocerebral.
Um dos agentes da génese de tais modificações encontra-se também não
só no quantitativo dos neurónios cerebrais de cada um mas também na qualidade da
acção das sinapses. É que, de facto, as dendrites e sinapses pertencentes a cada
célula cerebral interagem com as sinapses de outra célula cerebral, de tal maneira
que, quando um impulso eléctrico atravessa a célula cerebral, produz-se
transferências de substâncias químicas através da brecha sináptica. Estas
substâncias introduzem-se na superfície receptora, criando impulsos que se
transmitem através da célula cerebral e, a partir daí, encaminham-se para as outras
células produzindo uma microscópia imagem de uma espécie de "abraços
neuronais". Em tal espécie de abraços, sinapses eléctricas e sinapses químicas,
pela acção do fluxo nervoso, efectuam a conversão do sinal eléctrico em sinal
químico, acção própria dos neurotransmissores, os quais, possuindo tanto funções
activadoras como inibidoras, desempenham um papel fundamental no
processamento e desenvolvimento das emoções, dos afectos, dos sentimentos, das
atitudes; no processamento da informação, do conhecimento e da aprendizagem,
visto a acção dos neurotransmissores ou neuro-mediadores expandir-se do sistema
periférico, do sisterna nervoso autónomo à junção neuro-muscular para aceder aos
dinamismos mais centrais do aparelho neuro-cerebral.
Aparecendo, então, a actividade neuro-cerebral do ser humano como um
efeito das inter e retroacções de todas as propriedades e potenciais do organismo
humano, este partindo da acção dos seus gènes, (generatividade) organiza-se e
reorganiza-se, estrutura-se e restrutura-se em função das suas actividades
fenoménicas e dos acontecimentos organizadores que surgem tanto do exterior
como do interior do próprio organismo.
No seio de um tão hiper-complexo turbilhão de mudanças e mutabilidades,
tanto exteriores como interiores, as células neuronais, as mais especializadas do
organismo, permanecem imutáveis, embora todo o cérebro humano possua
muitos milhares de neurónios de reserva, os quais, quando chamados a entrar em
função, asseguram a conservação da informação dos outros e possuem
capacidades de activar, dinamizar e especificar.
A existência de tais unidades neuro-cerebrais, que completam, reforçam ou
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substituem a actividade de outras, faz com que o ser humano não se submeta a
sistemas condicionantes nem a normas pré-estabelecidas, e com que a sua norma
seja a lei da contingência submetida ao jogo das interdependências, das interacções
e retroacções, das aferências e recorrências.
No entanto, no cérebro humano, como em geral em todo o organismo, não
existe uma organização, mas sim uma série de organizações encaixadas umas nas
outras e, a análise, revela uma certa hierarquia, cuja organização superior integra a
organização inferior e esta confere as suas propriedades à superior e assim
sucessivamente.
Face a uma tal interdependência e interactividade organizativa, e
considerando que o cérebro humano como mecanismo associativo possui pelo
menos as funções de recepção, retenção, análise, missão e controlo, potenciais
compatíveis com as funções cerebrais em geral, uns e outros se reforçam, se
estimulam ou inibem mutuamente. É que sendo o cérebro humano um hipercomplexo sistema, constituído por subsistemas, os quais, por sua vez, são dotados
de mini-micro-sistemas, precisa da participação activa de todos eles para
concretização de todas as suas grandes funções, como sejam, por exemplo, a
percepção, a linguagem, a memória, o pensamento, etc., etc..
O conjunto de funções do cérebro humano, apesar da descoberta de áreas
ou regiões cerebrais mais especificas para cada função, na sua eficiente e dinâmica
concretização necessita de um equilibrado, interactivo e cooperante dinamismo entre
todas as áreas, isto é, da activação do tronco cerebral, do cérebro reptílico, do
cérebro mamífero, do cérebro racional ou neo-córtex bem como da activação dos
canais neuronais, neuro-transmissores e neuro-receptores ou, por outras palavras,
e, em complemento do anterior, do cérebro intestinal (Sarna e Otterson, 1988), visto
o aparelho gastro-intestinal ser um órgão altamente inteligente, que sente não só a
presença dos alimentos mas também a sua composição química, a sua quantidade e
a sua viscosidade, visto a parede intestinal ser constituída por suaves camadas de
músculos, pelas estruturas neuronais e pelas células paracrinicas-endócrinas. 0
cérebro onírico, dos sonhos, durante o sono manifesta acentuada força e enorme
vitalidade e desperta o indivíduo para a consciência. 0 cérebro libidinal é, então, o
desencadeador das transformações da energia pulsional através de deslocamentos
e de sublimações orientando as energias, as tendências ou apetências. O cérebro
emocional é activador de manifestações fisiológicas expressivas e subjectivas como
as da excitação, do interesse, da alegria, da tristeza, do stress, da ansiedade, da
cólera, do medo, da vergonha, da dôr, da náusea, da ira, do desgosto, etc., e
desempenha uma função importantíssima tanto na saúde física como na psíquica,
bem como em todos os processos de somatização.
Este cérebro emocional situa-se, predominantemente, no sistema límbico do
aparelho neuro-cerebral do indivíduo, isto é, segundo Maclean (1970) entre o
cérebro primitivo (arquiocórtex) e o cérebro racional (neocórtex).
É óbvio, no entanto, que dadas as múItiplas conexões e recíprocas
interacções entre as partes do cérebro torna-se extraordinariamente difícil
separar as diferentes estruturas dos denominados cérebros do Cérebro de um
indivíduo ou os subsistemas do Sistema cerebral de uma pessoa.
Apesar de uma tal dificuldade sabemos hoje que o cérebro reptílico ou
primitivo funciona como sede dos actos e reflexos, e, por isso, mantém a autopreservação e a sobrevivência do indivíduo; que edita os seus comportamentos
motores de aproximação e de afastamento, de ataque e defesa, de sensorização e
de locomoção em função de sinais apercebidos no meio ambiente.
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O cérebro reptílico, por si só, não tem acesso à vontade nem à memória e
muito menos à consciência.
Por seu lado, o cérebro emocional (intermediário), com sede no sistema
límbico, possui a capacidade de efectuar preferências, escolher comportamentos e
reconhece as situações, memoriza atitudes e comportamentos, está liberto de
automatismos, hierarquiza sentimentos e afectos, objectivos e comportamentos,
consegue dar côres e afectos à vida e constitui a estrutura essencial de uma boa e
positiva dinâmica do desenvolvimento de uma personalidade equilibrada, visto
impregnar nesta os reflexos dos afectos, sentimentos e desejos; das experiências e
das vivências, sendo de capital realce as vivências efectuadas mais ou menos até
aos 7 anos de idade, apesar das posteriores, com maior ou menor intensidade,
impregnâncias ou forças continuarem a ser registadas no cérebro emocional e, por
tal razão, marcarem, esquematizarem ou condicionarem o futuro da pessoa.
O cérebro racional (néo-córtex), em seu aspecto macroscópico, compreende os hemisférios cerebrais que, por sua vez, possuem diversos tipos de córtex, isto
é, o córtex motor que se situa a nível do lobo frontal ascendente, o córtex sensorial
que se situa a nível da circunvolução parietal ascendente, o córtex auditivo que se
situa a nível da primeira circunvolução temporal e da fissura de Silvio e o córtex
visual.
As localizações das funções psíquicas situam-se mais ou menos a nível do
lobos pré-frontal, como sucede, por exemplo, com a memória, que é localizada mais
especificamente a nível do lobo temporal. A linguagem encontra-se localizada no
hemisfério esquerdo e, mais concretamente, no quadrilátero de Wernicke e a
linguagem articulada na zona da terceira circunvolução frontal, isto é, na zona de
Broca.
No entanto, sendo o néo-córtex o responsável essencial da cognição,
aprendizagem e abstracção também é nele que residem as possibilidades do
indivíduo prever ou antecipar o futuro, permitindo-Ihe imaginar soluções ainda não
previstas, colocar hipóteses, fantasiar ou projectar o futuro. Estas acções e
comportamentos, emanados essencialmente do córtex e néo-córtex, necessitam da
acção colaborante dos restantes cérebros, de maneira particular da acção do
cérebro emocional, visto as emoções, sentimentos e afectos, bem como seus
respectivos processos jamais deverem deixar de estar presentes nos
comportamentos harmoniosos ou equilibrados do ser humano.
O néo-córtex, por sua vez, dá ao indivíduo a possibilidade de inibir os seus
reflexos e de Ihe conferir a liberdade final da decisão nas suas relações com os
meios e os ambientes. 0 córtex pré-frontal ajuda o indivíduo a aceitar as demoras na
realização dos seus objectivos, refreia as suas pulsões e, para o melhor ou para o
pior, dirige a existência individual e social de cada um.
As acções e interacções cooperantes e convergentes de tais estratos e
subestratos neuro-cerebrais elaboram uma espécie de "secreção" que denominamos
pensamento (convergente, divergente, irradiante) e, como produto final, é efeito das
estruturas neuro-biológicas e da sua actividade, especialmente do córtex, das
células cerebrais, da memória, da aprendizagem, da inventividade e da criatividade,
e, para sua adaptação ou integração no social, precisa de ser alfabetizado, educado
e flexibilizado, libertando e orientando os potenciais do cérebro para investimento na
totalidade do próprio indivíduo, realização individual e pessoal, para bem da
comunidade e da sociedade em geral.
Apesar disso, porém, tendo a última década do Séc. XX sido denominada,
pelo Congresso Norte Americano, a década do cérebro e, tendo sido efectuado
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enormes progressos no desenvolvimento das neuro-ciências, talvez aquilo que ainda
haja para descobrir acerca do cérebro e sua funcionalidade seja muito mais que
aquilo que já se descobriu. No entanto, certas coisas são certas: é necessário
investigar-se e desenvolver-se uma Iiteracia cerebral, uma educabilidade mental,
uma dinâmica e uma flexibilidade comportamental e desenvolver-se as dimensões e
as capacidades do pensamento divergente e irradiante.
I - DINAMISMOS NEURO-CEREBRAIS DO ORGANISMO HUMANO NA CRIAÇÃO
DA MENTE
Gènes, cromossomas, moléculas, células e neurónios possuem em si
mesmos existência vital, a qual, interagindo com os elementos mais próximos,
retorna sobre si mesma, revitaliza-se e cria reflexos, impulsos e movimentos de
vários níveis e dimensões. Estes movimentos possuem geometria e lógica, criam
acções e coordenam-se, expressam a natureza da sua causalidade, exprimem
emoções, sensações e percepções, penetram na natureza mais profunda do
organismo humano, exteriorizam a sua natureza e vitalidade. Possuindo a sua sede
central no aparelho neurobiológico, as células neuro-cerebrais desempenham então
a função de uma espécie de empresa bioquímica de extraordinária hipercomplexidade associativa e funcional, sensorial e motora, bem como de coesão e
coordenação tanto dos órgãos como dos sentidos.
Encontrando-se a essência de um tal motor de produção, organização e
coesão no sistema nervoso central do organismo, o qual é formado principalmente
por corpos celulares de neurónios e axónios dos neurónios, tanto uns como outros
possuem os pilares do seu movimento e acção, operatividade e funcionalidade no
cérebro, no cerebelo, no tronco cerebral e na medula espinal. Neurónios sensitivos,
sensoriais e motores interagem, integram a acção, desenvolvem-a e expandem-a;
planificam novos comportamentos, mobilizam energias, criam e desenvolvem
emoções, emergindo, daí, sistemas e subsistemas os quais “são mais que a soma
das suas partes” formando então níveis de integração superiores aos constituídos
pelos seus próprios elementos de integração, elaborando-se níveis hierárquicos de
organização superior do ser vivo, os quais, por sua vez, interagem com os níveis
inferiores e cujos efeitos de tais interacções e retroacções não são necessariamente
lineares, nem previsíveis de maneira particular quando interagem com as variáveis
do meio, dos ambientes ou das circunstâncias. Estes imprevisíveis efeitos podem
interagir com suas estruturas causais e modificá-las a ponto de poderem ocasionar
funções ou desvios de funcionamento completamente inadequados às próprias
estruturas.
Ora, sendo as excepções confirmadas pela regra, parece factual que as
funções inferiores, pelas suas interacções, originam funções superiores, e estas
estimulam, aperfeiçoam e activam as inferiores, através de processos de retorno,
recorrência e emergência facilitadores de inter-comunicações, desenvolvimentos e
progressões, cuja meta final é e será impossível de determinar, como se pode
constatar, por exemplo, pela simples acção dos neurónios activadores do aparelho
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motor, os quais, conduzidos por seu potencial de informação, colocam o organismo
em acção e a acção deste implica recorrência à acção da espinal medula, do
mesoencéfalo, do diencéfalo e, em geral, recurso ao córtex cerebral, fazendo com
que o motor ou o sensório-motor se transforme em operacional, graças às
influências mútuas e recíprocas que tanto uns como outros efectuam.
Estas interligações e recíprocas influências entre motricidade e cérebro
geram efeitos multiplicativos não aditivos a nível de processos de ontogénese do ser
humano, e, por isso, este necessita não só de genoma ou hereditariedade mas
também de idade gestacional, maturacional, postural, cronológica e acção do meio
para que o seu desenvolvimento assente em princípios e em estruturas filogenéticas
e biológicas e efectue o seu desenvolvimento potencial.
Em tal processo de desenvolvimento quanto mais este se realiza mais a
acção do genoma é menor, como se constata, a nível de psicologia comportamental
e do desenvolvimento pelos estudos efectuados com crianças selvagens,
abandonadas, adoptadas ou mesmo com elementos de uma mesma constelação
familiar, demonstrando-se, assim que se as diferenças genéticas individuais de um
indivíduo possuiem um grande impacto no seu futuro desenvolvimento, acção ou
comportamento, as diferenças do meio, de forma alguma, tem menor impacto e
influência.
Daí o facto da existência de esquemas de acção e de comportamentos não
poderem, de forma alguma, serem interpretados rigidamente em termos de reflexo,
visto existir no cérebro um forte e acentuado potencial de actividade espontânea
para compreensão da qual bastaria recordarmo-nos dos diferenciados efeitos da
estimulação eléctrica a nível de sistema nervoso e das suas diferentes áreas de
estimulação como sejam, por exemplo, a nível de tronco cerebral, de hipotálamo, de
diencéfalo e de néo-córtex, cujos efeitos ou reacções são totalmente diferentes de
indivíduo para indivíduo.
Uma tal espontaneidade da actividade neuro-cerebral gera, no entanto,
flexíveis esquemas sensório-motores em cadeia, os quais, não sendo simples
acções materiais, estimulam e desenvolvem conexões anatómicas específicas no
seio do sistema nervoso, geram inputs sensoriais, estimulam a actividade perceptiva
e criam a "consciência primária", comum ao homem e aos animais superiores,
capacidade indissociável dos movimentos e das percepções de cujas recíprocas
interacções emergem sistemas ou estruturas de novas transformações e acções
como sucede, por exemplo, quando, por volta dos 6-8 meses de idade, o bebé inicia
o reconhecimento do rosto da sua mãe ou, entre os 8-9 meses de idade, descobre a
permanência de um objecto, isto é, começando a conceber que um objecto pode
passar dum estado de longínquo a um estado próximo, desenvolvimentos cujas
interacções, recriprocidades, exercitações, desenvolvimento e maturação
conduzem-o a novas descobertas e novas transformações, auto-alimentando-se
mutuamente e, reciprocamente, auto-auxiliando-se, o que faz com que a consciência
primária elabore imagens do próprio corpo e o corpo, graças a uma tal "consciência",
progressivamente se vá adaptando a meios e a ambientes que não podiam ter sido
previstos pelo próprio genoma do indivíduo.
Uma tal consciência, progressivamente, mentaliza o corpo e o corpo
sobrevive, desenvolve-se e adapta-se graças à acção mentalizadora de uma
12
consciência, construindo imagens tanto do seu próprio funcionamento exterior como
interior, e, por tais processos, interacções e retroacções o indivíduo desenvolve
flexibilidade e adaptabilidade aos meios ambientes, às circunstâncias e às
solicitações, auto-regulando estados de funcionamento bioquímico, neurofisiológico
e de representações.
Estas representações, distribuídas por diversas regiões cerebrais e
coordenadas por conexões neuronais, reconhecem a pele como abrangência, a qual
passa a funcionar como ponte de interligação do interior com o exterior e gera, na
dita consciência primária, a primeira dinâmica estrutural da existência do uno
individual, indivisível e homeostaticamente auto-regulado, solicitado por estímulos e
informações de diversas proveniências e controlado por sinais neuronais do cérebro,
o que gera evoluções, selecções e interacções complexas, bem como respostas
motoras e neuroconsciencializantes tanto ao organismo como ao meio ambiente.
Estas actividades de interacções e retroacções cérebro-corpo, efectuadas através
dos circuitos neuronais, configuram a génese da mente individual, a qual, para
funcionar normal e equilibradamente, terá de conter representações básicas do
organismo e representar os novos e diferenciados estados do organismo em acção
visto corpo e cérebro constituírem o conteúdo essencial do funcionamento de uma
mente normal.
A acção de tais circuitos neuronais, com os respectivos movimentos
corporais, percepções sensoriais, espontaneidade cerebral e respectivos efeitos das
acções interactivas criam processos cerebrais geradores da mente, da consciência e
da inteligência, faculdades que, por sua vez, interagem com os próprios dinamismos
corporais e processos cerebrais. Daí o facto dos processos cerebrais possuírem
potenciais preparatórios e desenvolvedores da mente e todo e qualquer facto ou
fenómeno mental possuir correspondência.
Por isso, encontrando-se a génese e dinâmica da mente humana de um
indivíduo nos efeitos das recíprocas interactivações corpo-cérebro, da funcionalidade
do seu dinâmico equilíbrio emerge também o equilíbrio da mente.
De facto, um tal equilíbrio pressupõe a existência de uma harmoniosa
interactividade entre órgãos e suas funções, sentidos, percepções, pulsões,
emoções, sentimentos e afectos como princípio activador da mente, a qual, por sua
vez, e, primeiramente, ocupar-se-à dos seus princípios e fundamentos. Isto porque a
mente, emergindo do próprio organismo, existe por ele, para ele e com ele. Por isso,
ocupa-se primeiramente do corpo e, após indispensável evolução, poder e reforços,
criação de múltiplas e variadas dimensões, ocupa-se não só do corporal mas
também do imaterial, do concreto e do abstracto, do real e do imaginário, do
presente, passado e futuro, funções comportamentais da mente, indissociáveis do
corpo, que, em simultâneo, estimulam o desenvolvimento dos potenciais
neurobiológicos do organismo, criam processos de operacionalização, fecundam
estruturas e fazem com que uns interajam com as outras, provocando
transformações e mudanças bem como proliferação de novos e diferenciados
processos e estruturas de cujas recíprocas interacções emergem novos e mais
evoluídos processos mentais e interiorizações corporais, das quais emergem as
funções superiores do ser humano, como o raciocínio e a criatividade, a
convergência e a divergência, a centração e a irradiação, a planificação e a
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projecção, a vontade e a responsabilidade, a consciência e a autoconsciencialização.
Este conjunto de capacidades superiores do ser humano, atributos
essenciais da sua mente, emerge de bases e estruturas cerebrais e, por acções de
retorno e recorrência, agem sobre o sistema nervoso central, sobre os órgãos e os
sentidos, sobre as percepções e as emoções, sobre os afectos e as sensibilidades.
Os órgãos, suas estruturas e funções, seus níveis de profundeza, de funcionalidade
e de interdependências tornam-se agentes essenciais das faculdades mentais, visto
as suas coordenações orientá-los para objectivos comuns e impulsionarem a
orientação da acção vital, apesar de submetida às mais variadas influências do
exterior e do interior. As pulsões das funções dos órgãos, caso sejam estimuladas,
elaboram processos de reanelamentos piramidais que, interagindo com a própria
mente, retornam sobre as próprias funções dos órgãos, tirando delas qualidade,
intensidade, vivacidade e ramificações que emergem dum único, singular, irreptível
e, simultaneamente, gerador e organizador da sua própria vida e existência.
A dinâmica organização de si mesmo, com suas sucessivas e necessárias
reorganizações ou restruturações, centraliza e orienta a força dinâmica da vida, as
suas propriedades vitais, a sua autonomia e faz com que estas interajam mais
acentuadamente com a realidade exterior e o cérebro capte uma tal realidade de
forma mais impregante e pragmática, construindo, assim, de maneira mais ou menos
eficiente, imagens ou representações da realidade exterior, fenómeno que interage
também sobre o processo do auto-conceito do indivíduo.
Face ao exposto infere-se que a mente é um produto do trabalho do cérebro,
da sua evolução e da sua história, da sua génese e dos seus processos, das suas
interacções e relações, das suas emoções e dos seus sentimentos, dos seus
estímulos e das suas motivações, dos seus neurónios e das suas sinapses, dos
seus neuro-transrnissores e neuro-receptores, das suas moléculas e dos seus
impulsos nervosos.
Gerald Edelman (1991), Prémio Nóbel da Medicina, (1972), considera a
mente humana como produto de uma actividade concertada de numerosas
estruturas cerebrais, submetida a desenvolvimentos anatómicos e a maturações de
funções cada vez mais complexas, emanadas da actividade concertada, a qual,
graças ao seu desenvolvimento e funcionalidade, origina consciência de ordem
superior cuja acção inicial se manifesta com a maturação das funções linguísticas.
No entanto, o estudo e a análise da mente humana não só foi objecto de
estudo de peritos e estudiosos em Neurociências mas também de filósofos e
metafísicos, de epistemólogos e historiadores, de psicólogos e psicanalistas. A
maioria deles, porém, concebeu a mente humana partindo de modelos teóricos e,
como é óbvio, todo o modelo, por mais perfeito que seja, implica rejeição de outros
modelos ou, pelo menos, a sua subvalorização. A psicanálise, por exemplo, ciência
que pretende analisar e intervir nos efeitos das interacções dos processos
psicológicos ou mentais com os neuro-fisiológicos, concebe a mente humana como
possuindo três partes ou funções distintas, que agem e interagem entre elas, isto é,
a razão, a actividade ou energia vital e os apetites inferiores que se completam mas,
não raras vezes, entram em conflito, apesar da mente, no seu todo, possuir uma
enorme série de propriedades, como sejam, a existência de aparelhos operacionais,
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mecanismos de defesa e de transferência, de projecção e de introjecção, libido e
afectos, emoções e resistências, inconsciente e consciente, eu e super-eu,
propriedades, capacidades e instâncias que agem e interagem, libertam-se e
recriam-se, estruturam-se e restruturam-se, organizam-se e reorganizam-se,
equilibram-se e desiquilibram-se.
A psicologia da forma, por sua vez, defende a existência de estrito
paralelismo ou de pontual correspondência entre fenómenos cerebrais e mentais,
devendo o mental e o cerebral formar duas redes paralelas e, de cada ponto da rede
mental, deveria ser possível traçar-se uma rede perpendicular em direcção a um
ponto específico da rede cerebral. De facto, uma tal correspondência segue e
assume a lógica dos princípios básicos e dinâmicos das suas concepções dos psicocomportamentos humanos. É que, uma tal corrente da psicologia contemporânea,
acentua os aspectos da configuração e da totalidade nas dinâmicas
comportamentais do homem, isto é, no domínio da percepção, da forma, das
estimulações sensoriais, intermediários indispensáveis entre os fluxos energéticos
vindos do exterior e do domínio da experiência perceptiva, visto a percepção não ser
uma soma de sensações nem a existência de campos cerebrais que constituiriam,
segundo uma tal corrente psicológica, o conteúdo essencial do objecto de estudo da
psicofisiologia.
Por seu lado, a psicologia geral atribui à mente a capacidade de generalizar
e, em seguida, individualizar ao passo que, por sua vez, a psicologia humanista
acentua, prioritáriamente, a capacidade da mente individualizar, e, seguidamente,
generalizar.
0 cognitivismo, doutrina ou corrente psicológica muito em voga nos nossos
dias, concebe como características ou funções essenciais da mente humana todas
aquelas que se relacionam com o conhecimento, o qual é analisado em termos de
tratamento da informação, modelos que, pretendendo seguir e orientar-se por
normas e metodologias de cientificidade, parece pretender reduzir as características
da mente humana a quase um simples processo de tratamento, recolha,
armazenagem e utilização da informação e, em parte, também à comunicação,
capacidades que o próprio cognitivismo, não lhe repugnando denominar de mentais
ou de fenómenos de consciência, não explica nem analisa cabalmente as suas
procedências ou origens, os seus substractos ou os seus suportes neurofisiológicos
ou neuropsíquicos, apesar de algumas subcorrentes do cognitivismo admitirem que
o cérebro constitui um órgão de tratamento da informação posto ao serviço da
adaptação biológica dos organismos, concepção que compara o cérebro ao
computador e as inter-relações das funções cognitivas procedentes mais do acaso e
da lógica, visto tal concepção da mente humana conter acentuadas carências de
conhecimentos a nível das bases neuronais da cognição, bem como a nível das
inter-relações e acções neurocerebrais, justificando as diferenças mentais,
cognitivas e psico-comportamentais através da existência de diferentes níveis
cognitivos, diferentes estilos de cognição e existência de diferenças individuais a
nível de tratamento da informação.
Porém, os vários pontos de vista e os modelos seguidos em tais
investigações conduzem a conclusões diferentes. Quanto a nós, rejeitando definir a
mente humana pelas suas propriedades, características ou funções não nos resta
outra alternativa que concebermos a mente como uma entidade produzida pelo
cérebro mas dele interdepende e o qual, em mútua e recíproca colaboração com o
corpo, a pele, as coisas, os objectos, os meios, os ambientes e as circunstâncias,
gera polivalência mental, vida psíquica e intelectual.
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Por isso, sendo a mente humana produto das acções e interacções,
retroacções e recorrências do hiper-complexo organismo humano no seu todo, ela
possui sua origem e seus alicerces essenciais nas estruturas e dinâmicas do cérebro
e é através das suas multidimensionadas e variadas interacções com os meios que
tanto o cérebro como a mente se desenvolvem, e, esta, graças à corrente e acção
psíquica com suas peculiares polivalências, flexibilidades e adaptabilidades, forma
uma imagem de si mesma, da própria vida, do mundo, codifica experiências e
descodifica vivências, elabora ideias e conceitos, imagens, símbolos, raciocínios e
referencias, alimentados ou reforçados pelas suas interactivantes relações
neuronais, o que faz com que o cérebro se desenvolva e a mente execute funções
que o cérebro, por si só, não conseguiria como, por exemplo, raciocinar, imaginar,
associar, referenciar, inferir, induzir, deduzir, inter-relacionar-se, querer, etc..
Estes hiper-complexos fenómenos mentais, originados pelas acções e
interacções do cérebro em si mesmo e do cérebro nas suas relações com os meios
e os ambientes, são propriedades de nível superior do cérebro, como sucede com o
consciente e a consciência, o raciocínio e a abstracção. A recíproca interacção de
tais propriedades do cérebro forma a entidade-mente que, de uma forma geral,
possui, como suas macro-funções: a percepção, a linguagem, a memória, o
pensamento e a consciência, as quais poderão ser deterioradas, distorcidas,
desequilibradas ou mesmo anuladas caso hajam anomalias, lesões ou
deteriorizações em certas zonas ou regiões cerebrais. De entre todas estas funções,
Edelman (1991) valoriza a consciência, a qual, possuindo elevado potencial de
adaptabilidade, possui, também, tanto a nível de consciência primária como a nível
de consciência superior, elevadíssimo potencial de funções. Assim da interacção da
consciência primária com a consciência de ordem superior gerar-se-iam as funções
de:
- Fornecer ao indivíduo meios explícitos para colocar em relação actos e
remunerações.
- Ajudar a organizar e evidenciar mudanças complexas em ambientes
contra-indicados por múltiplos sinais paralelos.
- Fornecer ajuda coerente à ascensão no colocar em sequência resultados
de aprendizagem complexa e no corrigir erros constatados nas acções
automatizadas ao mudar de condições. Uma tal interacção entre consciência de
ordem primária e consciência de ordem superior é também necessária para a
comunicação linguística. Por sua vez, a consciência de ordem superior possui as
funções de:
- Consentir a previsão de acontecimentos com grande antecipação e
colocá-los em relação com o passado através de conexões explícitas com a
memória a longo prazo.
- Aumentar a adaptabilidade, permitindo a planificação e a construção de
modelos do mundo não ligados ao tempo real.
- Permitir o confronto explícito dos resultados na base de valores individuais
e dos seleccionados anteriormente.
- Permitir a reorganização de recordações e de projectos.
Este complexo e interactivo conjunto de funções da mente humana, de cujas
interacções resulta a existência dos mais variados estados mentais, psicocomportamentais, emocionais e afectivos e dos quais emanam intencionalidades e
orientações comportamentais, hierarquias de valores e de necessidades que, por
sua vez, agem e interagem com as estruturas e dinâmicas neurocerebrais de um
indivíduo, e, estas, com o todo da sua corporeidade, gerando entradas e saídas
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que, por sua vez, desempenham funções de estimulação ou expansão, de inibição
ou frustração da própria mente, e, cujos efeitos dos seus processos de retroacção,
poderão possuir efeitos positivos sobre o próprio organismo humano (homeostasia,
equilíbrio, auto-regulação) ou negativos (psicossomatização, desequilíbrios, conflitos, neuroses, etc.), e cujo comportamento de uma dinâmica estrutural da mente,
elaboradora de policategorizados estados mentais, através dos quais o indivíduo,
em certo estado mental, se sente bloqueado ou inibido, angustiado ou ansioso,e,
noutro estado mental, sente enorme potencial de associação e de prazer no
aumento dos conhecimentos; noutro a apreensão fácil dos dados e dos registos das
experiências a efectuar, noutro vivência acentuada e eficiência nos processos de
aprendizagem ou na emergência da criatividade, etc., etc..
A constatação e análise fenomenológica de tais comportamentos evidenciam
o facto de que estudar a mente de um indivíduo é estudar a sua consciência, a qual,
de uma forma geral, é constituída pela função de síntese que permite ao sujeito
analisar a sua experiência actual em função da estrutura da sua personalidade e de
se projectar no futuro, a qual, por sua vez, se torna essência do psíquismo, ou seja,
a faculdade de permitir ao indivíduo tomar conhecimento do mundo exterior, bem
como daquilo que se passa nele mesmo e de regular ou orientar os seus
comportamentos.
A nível psicanalítico a consciência é, geralmente, como a qualidade que
caracteriza as percepções externas e internas no meio do conjunto de fenómenos
psíquicos, o que pressupõe a existência de sistemas percepção-consciência,
receptor das informações do mundo exterior e as provenientes do interior, e deixaria
de parte o estudo do inconsciente e do pré-consciente, bem como suas estruturas e
dinâmicas de capital importância na psicanálise, ciência cuja essencial razão de ser
é de fazer com que a acção e o conteúdo do inconsciente passe para o préconsciente e deste para a consciência.
A nível de síntese, porém, podemos dizer que a mente é uma produção do
cérebro e apresenta-se como sendo representação codificada de impressões
sensoriais, emanadas dos fluxos de experiências conscientes, pré-conscientes e
inconscientes produzidos pela acção e interacção dos seus elementos responsáveis,
isto é, dos neurónios, dos neuro-transmissores e das hormonas, elementos
essenciais à dinamização e ao funcionamento do cérebro e da consciência
individual.
II- CÉREBRO E MENTE EM RECÍPROCAS INTERACÇÕES E DINÂMICAS
0 cérebro do ser humano, massa em forma de capacete de tecido branco e
cinzento, enterrado dentro da caixa craniâna, possui uma superfície enrugada como
esponja e está sistematicamente organizado em partes como o telencéfalo, isto é,
cérebro terminal; o diencéfalo, cérebro intermédio; o mesencéfalo, cérebro médio; o
metencéfaIo, cérebro posterior e o mielencéfalo ou medula. De uma forma geral, e,
em linguagem do quotidiano, é formado pelo telencéfalo constituído pelos
hemisférios cerebrais enquanto que o restante recebe o nome de tronco cerebral.
Por sua vez, os hemisférios cerebrais encontram-se divididos em quatro lobos
superficiais, isto é, lobo frontal, parietal, temporal e occipital e, a nível de maior
profundidade, o lobo límbico.
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Nos lobos periféricos encontram-se numerosos sulcos, fissuras ou
circunvoluções que separam os diversos lobos. Tanto as circunvoluções como as
fissuras, apesar da sua esquematização geral, estão sujeitas a grandes variações e
variabilidades individuais.
Apesar da sua grande evolução biológica e de ter cumprido a sua missão de
sobrevivência, o verdadeiro significado e acção do cérebro humano encontra-se
oculto em seus mais íntimos pormenores. A sua massa é constituída por um hipercomplexo sistema de interligações de mais de 100 biliões de células nervosas
conectadas com outras células por centenas de milhares de terminações com
inúmeros circuitos e imensos padrões eléctricos. 0 seu actual desenvolvimento é
efeito de uma evolução que se perde no tempo e foi efectuada através de tentativas,
ensaios e erros em seus processos de sobrevivência e dinâmica, os quais fizeram
com que do instinto se gerasse a razão e da emoção a racionalidade, graças à
elevadíssima quantidade de circuitos de células vivas, ao aumento da sua
velocidade de transmissão e à diminuição do custo energético da sua construção e
manutenção, processos de evolução que têm como sua unidade básica as células
cerebrais, nervosas ou os neurónios que, simultaneamente, possuem funções de
recepção e de comunicação.
É que sendo os neurónios células do tecido nervoso eles possuem como sua
característica principal a excitabilidade da sua membrana, a qual pode ser
modificada pela acção de outros neurónios. 0 seu núcleo ou corpo celular apresenta
delgadas prolongações fibrosas, muitas vezes com grande comprimento e
abundantes ramificações. Estas ramificações, que recebem o nome de dendrites,
brotam do corpo da célula nervosa e constituem os seus tentáculos. Um desses
tentáculos, denominado axónio, é muito mais longo que os outros e, da sua
extremidade, emergem mais tentáculos. As mensagens são recebidas no corpo e
nos tentáculos curtos e deslocam-se através dos tentáculos longos para outras
células. Por isso, as dendrites, em comunhão com o corpo celular, constituem a
principal zona de recepção dos impulsos nervosos. Os seus pontos de conexão ou
conexões inter-celulares são denominadas sinapses. Cada célula nervosa envia
sinais a centenas ou a milhares de outras células através das suas sinapses e
recebe sinais de uma miríade semelhante de sinapses em seu corpo celular
principal.
Existindo diferentes tipos morfológicos de neurónios, diferenciados,
essencialmente, por seu número de arborizações e tamanho do axónio como, por
exemplo, neurónios aferentes, que conduzem os impulsos das zonas periféricas
para o centro; neurónios de associação ou intercalares, que formam parte de um
arco reflexo, situando-se entre um neurónio sensitivo, do qual recebe informação, e
outro motor, ao qual a transmite; neurónios corticais situados no córtex cerebral;
bipolares, isto é, neurónios com duas prolongações; neurónios eferentes, que
conduzem os estímulos desde as zonas centrais até às zonas periféricas; neurónios
inferiores, isto é, neurónios periféricos, motores ou sensitivos; neurónios de
projecção que transmitem os impulsos para um grupo de neurónios situados à
distância; neurónios sensoriais que recolhem os estímulos que se produzem nos
receptores ou órgãos dos sentidos; neurónios sensitivos; neurónios piramidais
característicos da área motora cortical, etc., etc.. Estes grupos de neurónios,
constituem, no seu conjunto, uma máquina cerebral que, procedendo por descargas
eléctricas, todos os neurónios, apesar de diferenciados, possuem em comum a sua
capacidade para reagir aos estímulos e transmitir com rapidez a excitação que
resulta das outras porções da célula, influenciando o funcionamento das outras
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células nervosas, musculares ou ganglionares, activando ou inibindo a sua acção,
graças aos níveis de energia dos neuro-transmissores que banham as sinapses
essencialmente ou os neuro-transmissores da acetilcolina, da seretonina e da
dopamina.
Constituindo-se os neurónios em sistemas, estes recebem e transmitem
sinais e, entrecruzando-se com outros, formam sistemas de sistemas nos quais cada
neurónio é tocado pelos ramos dos axónios terminais de muitos outros neurónios e
aí se decide se deverá permanecer activo ou passivo. É através de tal actividade ou
ausência dela que se esclarece o segredo da vida mental, bem como a actividade
geral do cérebro de um indivíduo.
Uma tal actividade, porém, interdepende da acção dos gènes, da sua autogeno-feno-organização, dos seus programas, das suas estratégias e das suas
intercomunicações hipercomplexas, visto ter-se descoberto, em 1995, que a
estrutura do cérebro possui, pelo menos, 3195 gènes diferentes, o que geram
indecifráveis processos do crescimento e da acção dos neurónios.
A nível de funcionalidade, os neurónios procedem por descargas,
despolarizando a membrana celular e transmitindo informação a partir da interacção
genótipo-fenótipo, informação que será tanto mais rica quanto mais potencial
informativo o seu universo tiver. Por tal razão, a informação neuronal circulará,
propagar-se-á e multiplicar-se-à em circuitos geno-feno-organizacionais cada vez
mais vastos, cada vez mais diversificados e mais complexos. Daí o facto da
informação circular da origem à informação generativa e sintética, passando de
emissor para receptor e de receptor para emissor transformando os acontecimentos
fornecidos pelos sistemas ambientais em signos ou em sinais que o aparelho
cerebral tratará em consonância com a sua estrutura e dinâmica e, parcialmente,
em interdependência da informação genética armazenada nas cadeias nucleares
do ADN. A partir daí o processo de informação torna-se um processo físico-bioneuro-psico e sociológico, pois passará a ser um processo, mútua e reciprocamente,
interdependente de tais poli-universos. Uma tal dinâmica reorganizará a estrutura
neurobiológica e alargará a esfera antropossocial. Átomos, enzimas, moléculas e
gènes interajudam-se mutuamente em suas funções principais. Muitas das propriedades de tais interacções tornam-se, então, imprevisíveis e os níveis dos seus
efeitos tornam-se numa relativizada hierarquia, que influenciará o desenvolvimento
de outras propriedades, capacidades ou aptidões, caso novas e diferenciadas
energias não se introduzissem em tais processos como, por exemplo, a emergência
ou desenvolvimento da linguagem, a acção e o desenvolvimento do córtex cerebral,
a consciência do eu individual, etc., que, em consonância com as características
predispostas, os potenciais ou as capacidades de seus agentes básicos, produzirão
novas propriedades, caso possuam ou encontrem os estímulos necessários e as
condições adequadas.
A organização e interligação dos agentes e factores neurocerebrais obedece
a uma ordem sistémica, não necessariamente rígida mas, caso existam erros, os
seus efeitos são catastróficos a nível de construção de símbolos e de imagens, de
atitudes e de comportamentos, visto parecer certo não existir no cérebro humano
lugares exclusivos da integração e dinamismo das funções, embora seja certo a
existência de predominâncias funcionais em certas regiões cerebrais, o que não
dispensa, de forma alguma, a necessária sincronização de conjuntos da actividade
neuronal em regiões cerebrais, como sucede, por exemplo, nos processos de
memória do trabalho e da atenção global para os quais a acção e dinâmica dos
córtices pré-frontais e algumas estruturas e dinâmicas do sistema límbico são
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essenciais. Lugares essenciais são também certas regiões do cérebro como, por
exemplo, o do tálamo em que este, caso tenha de ser extirpado, pode provocar a
morte mental do indivíduo, visto o tálamo funcionar como um centro de
retransmissão através do qual todas as informações sensoriais, excepto o cheiro,
são transmitidas ao córtex cerebral e, por conseguinte, à mente consciente. Até os
próprios sonhos são desencadeados por impulsos que passam pelos circuitos do
tálamo. A nível das ditas funções superiores da mente: linguagem, símbolos e
cultura, estas desenvolvem-se no neocórtex, que tem vindo a crescer e a
desenvolver-se acentuadamente com o aparecimento do Homo Sapiens.
Apesar do acentuado desenvolvimento do neocórtex ou cérebro racional, a
sincronização funcional do ser humano exige também integridade do metencéfalo e
do mesencéfalo o que constitui o tronco cerebral, e, sobre o qual repousa o
superdimensionado cérebro anterior. É que o metencéfalo envolve a ponte entre a
medúla e o cerebelo, os quais, em conjunto, regulam a respiração, os batimentos
cardíacos e a coordenação dos movimentos do corpo. 0 mesencéfalo, por sua vez,
regula parte dos reflexos auditivos e perceptivos e controla o sono e a excitação. 0
cérebro anterior, composto pelo sistema límbico, que regula a resposta emocional,
bem como a integração e a transferência de informações sensoriais, possui, como
seus principais centros, a amígdala, isto é, a emoção; o hipocampo (a memória a
curto prazo); o hipotálamo que controla a memória, a temperatura, o impulso sexual,
a fome e a sede, e o tálamo que percepciona a temperatura e todos os outros
sentidos, excepto o olfacto, a percepção da dôr e efectua a mediação de alguns
processos da memória.
0 córtice cerebral, incluído também o cérebro anterior, sendo a sede básica
da consciência, armazena e reúne informações dos restantes sentidos, dirige a
actividade motora voluntária e integra as funções superiores de entre as quais a fala
e a motivação. Por outro lado, o córtice cerebral detentor de funções sensoriais e
motoras em toda a sua área, como o demonstram os métodos de leitura óptica,
confirma a hipótese da existência de actividade de redes de células nervosas em
todo o cérebro vivo. Por tal razão, a funcionalidade integrativa e harmoniosa do
córtex cerebral humano, área cerebral constituída por milhões de corpos celulares,
dobrados e enrolados com muitas cristas e fissuras serpenteantes, necessita da
acção e das recíprocas e interactuantes retroacções de todas as restantes áreas do
cérebro. É que, apesar de parecerem nem sempre actuantes, os circuitos neuronais
permanecem sempre ligados e exercem suas funções de transmissores e
retransmissores de um nível de neurónios para os outros, integrando ou acumulando
cada vez mais informações captadas dos estímulos físicos, biológicos, emocionais,
afectivos ou psíquicos desencadeadores de descargas dos neurónios.
0 conjunto de tais interligações e intercomunicações não é efectuado única e
exclusivamente pelos estímulos vindos do exterior mas também por meio de
sensores corporais internos, que activam e regulam as funções fisiológicas do
indivíduo e, em grande parte, alimentam e activam as funções do córtice cerebral, o
qual, por sua vez, também estimula as sensações fisiológicas do corpo, o que
demostra que o desenvolvimento e a acção do ser humano processam-se num todo,
numa unidade e numa unicidade através de metamorfoses, fases, etapas, estádios e
subestádios reveladores de maturação neurobiológica, da aquisição e do desenvolvimento de novas atitudes e comportamentos.
Em tal processo de maturação e desenvolvimento progressivo, mas não
necessariamente contínuo, o ser humano desenvolve, adquire e reforça reflexos de
defesa e reacções automáticas face ao perigo, ao insólito e ao diferente que, em
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interacção com o sistema límbico, desencadeiam linguagem emocional, palidez,
sorrisos, ironia, medo, etc., consoante as culturas enraizadas no meio.
A força e dinâmica da emoção converte as reacções automáticas em fortes
ou fracas, em novas ou diferentes, integra o pensamento racional, activa-o e
dinamiza-o ou, lentifica-o e desintegra-o. Por seu lado, tanto o pensamento racional
como a consciência criam satisfações à emoção e situações de bem-estar, o que a
estimula e reforça para novos e diferenciados níveis de acção, de comunicação e
informação às restantes áreas do cérebro e, por conseguinte, à mente. Isto porque
as emoções primárias, activadas por circuitos do sistema límbico, activam as
reacções instintivas e inatas, os estímulos elementares e os comportamentos préprogramados e transmitem-se e integram-se nas emoções secundárias forjadas e
desenvolvidas pelos processos de socialização e da aculturação, as quais, por sua
vez, após terem sido integradas pelo córtex cerebral, activam, dinamizam e reforçam
os circuitos límbicos da emoção primária, bem como as funções da amígdala.
Um tal conjunto de dinâmicas e de interactivas funcionalidades, que
conduzem a actividade do cérebro a níveis de superioridade, enquadramento e
integração, em interactivas e recíprocas comunicações com as acções ou
actividades dos ecossistemas, dos meios ou ambientes, e emergindo, de tais
processos, o conjunto das características psíquicas dum indivíduo ou, sintetizando, a
sua estrutura mental, a qual, como se depreende, é produto de processos e de
activações bio-neuro-sociopsicológicos individuais, submetidos à sócio-biodinâmica
psicocomportamental de cada um e, em interacção com a força estimuladora,
constante e permanente ou não das constelações ecossitémicas ambientais,
culturais e civilizacionais.
Por tais razões, é um facto que ninguém nasce totalmente condicionado,
visto o humano ser permanentemente inacabado. As suas funções, capacidades e
aptidões vão aparecendo conforme o seu crescimento e, muitas delas, só se
manifestam após certos níveis de maturação neurofisiológica e maturidade psicoemocional. Das interacções de tais funções, aptidões ou capacidades surgem novas
e diferenciadas inter-relações e, por isso, também novas condições de vida que
actuam sobre o meio e se repercutem, positivamente, sobre o indivíduo.
No entanto, processando-se o desenvolvimento da região pré-frontal do
cérebro bem como algumas áreas temporais tardiamente, isto é, por volta dos 3
anos de idade, e constituindo o lobo pré-frontal uma espécie de "super-cérebro", só
a partir de tal idade se inicia o processo de consciencialização objectiva do eu do
indivíduo pois, segundo H.WaIlon (1925, pág. 287): "as funções pré-frontais tendem
a integrar-se totalmente não só nos sistemas de movimento mas também nos da
vida afectiva e nos da representação tanto perceptiva como das ideia “ As funções
pré-frontais organizam a afectividade adaptando-a às circunstâncias, às previsões e
à reflexão, mobilizam o campo intelectual, seleccionam as noções e os símbolos, a
abstracção, a renovação e a invenção, possuem actividade de iniciativa e de
orientação mental, do pensamento e da acção, demonstrando-se, assim, a
existência de capacidades de modificabilidade de comportamentos neurocerebrais,
cognitivos, emocionais e afectivos, principalmente através da criação e
desenvolvimento do pensamento divergente e do pensamento irradiante, o que
impõe a criação e o desenvolvimento de uma "literacia mental" processada,
desenvolvida e difundida através das técnicas e estratégias da criação de "mapas
mentais", técnicas que ajudam a mente a descobrir a sua própria natureza e, graças
a tal descoberta, alimenta-se dela, desenvolvendo, assim, a globalidade do cérebro
geradora de recíprocas e equilibradas inter-relações entre a mente, o corpo e o
21
cérebro.
A funcionalidade de tais inter-relações gera a funcionalidade global, a qual,
por sua vez, organiza e reorganiza funcionalidades específicas, dimensionais ou
sectoriais manifestadas através dos mais diversificados comportamentos, atitudes ou
reacções que, por sua vez, retroagem e reorganizam parcialmente, positiva ou
negativamente, a funcionalidade global do indivíduo.
Ora, dispondo o aparelho neurocerebral do ser humano de uma
generatividade própria, convertendo acontecimentos e acções em memória e
saberes, um tal virtual potencial de reflexividade faz com que ele entre em relação
consigo mesmo e tome consciência de si através dos impulsos e estímulos
transmitidos pelos receptores sensoriais, o que cria organizações e estas geram
representações da realidade exterior, graças ao original potencial do aparelho
cerebral, rico em dispositivos inatos e em competências de desenvolvimento
simultâneo de várias impressões sensoriais, oriundo do interior e do exterior, do
memorizado e do adquirido e criando imagens e cenários diferenciados pela acção
dos circuitos cerebrais e cuja eficiência interdepende não só da sua natureza mas
também da sua abertura e disponibilidade à recepção de estímulos exteriores,
factores essenciais do desenvolvimento de padrões da actividade neuronal do
córtice cerebral e de desenvolvimento de actividades específicas do tálamo, da
amígdala e do hipocampo em relação aos processos cognitivos.
Um tal conjunto de dinâmicas interfuncionais, criadoras de imagens,
representações e cenários, constituem a mente, espécie de república autoorganizadora de cenários, que individualmente desabrocham, evoluem, desaparecem e subsistem para criar pensamento e actividades físicas, motoras e psíquicas
com a salutar e eficiente ajuda da memória a longo prazo. A mente processa
informações com uma vertiginosa velocidade e esta faz com que a mente se torne
cada vez mais consciente, criando e recriando situações, associando factos e
acontecimentos, interligando pessoas e objectos, atributos, predicados ou
características.
Esta interactuante e interactiva cooperatividade entre processos cerebrais e
processos mentais, apesar de parecerem processos de natureza diferente, por um
lado, são fenómenos mecânicos, eléctricos ou químicos que se desenvolvem em
grupos neuronais e, por outro lado, ideias, recordações, fantasias, emoções e
raciocínios que entram em colaboração e elaboram acções comuns emergentes do
neuro-cerebral, do psíquico e do mental. Isto porque a mente, sem o seu suporte e a
colaboração do sistema nervoso central, não pode existir e, muito menos, funcionar.
Por outro lado, sendo o psiquismo uma produção das acções dos sistemas neurocerebrais, cérebro, psiquismo e mente cooperam mútua e reciprocamente e
necessitam uns dos outros, para existirem, funcionarem, desenvolverem-se,
cooperarem, estruturarem-se e restruturarem-se.
Um tal conatural processo bioneuropsíquico do mental, processo de
retroacção ou retroalimentação é efectuado individualmente e seus efeitos
constituem a estrutura dominante de suas estruturas mentais e atitudes psicocomportamentais face a si mesmo, aos outros e à realidade envolvente tanto em
seus processos e mecanismos de interiorização como de exteriorização, de
flexibilidade e maleabilidade, de adaptabilidade e de integração, procedimento
unitário, e, simultaneamente, unicitário que desenvolve e estimula, unifica e reunifica
as acções sensoriais e motoras, os comportamentos psicofísicos e as actividades
mentais.
Aparecendo então o psíquico como um produto do biofisiológico, e, o mental
22
como produto da acção do psíquico sobre o biofisiológico, uma tal unidade triunitária
procede por reprodução, reorganização e regeneração; por rememorização, reflexão
e recorrência. Por seu lado, a recorrência é constituída por processos cujos produtos
ou efeitos são necessários à sua generação e regeneração, constituindo-se, então, o
processo de permanente activador do reanelamento vital do ser humano, constitutivo
das dimensões do eu do indivíduo, da sua individualidade e identidade autoorganizadora e auto-generadora do próprio eu, genofenomenicamente desenvolvido,
expansivo e coerente, integrado, adaptável e gerador da própria consciência
individual.
Um tal conjunto de interactuações entre factos fisiológicos (objectivos) e
factos mentais (subjectivos), em cujos primeiros encontram-se envolvidos os
movimentos e as acções das moléculas, dos neurónios e das redes neuronais e, nos
segundos, os resultados de tais interacções, como as experiências subjectivas do
calor, do movimento, do sistema nervoso central ou periférico, etc., uns e outros
envolvem a acção do tálamo e de outras regiões cerebrais. As primeiras têm
causalidade biofisiológica e os segundos causas mentais. É, em tal sentido, da
interacção do objectivo com o subjectivo que emerge o processo cognitivo, o
conhecimento, o saber e a própria consciência do indivíduo. Daí o facto de tanto a
consciência como o saber ser mescla de juízos, de valores e de características
objectivas e subjectivas, aos quais não escapa o próprio mundo real descrito pela
física e pela química, pela biologia e pelas matemáticas.
Karl Popper e John Eccles (1977) ensaiaram a explicação do
interaccionismo humano, isto é, da existência das recíprocas e mútuas interacções
entre estados físicos e estados mentais, recorrendo à existência de 3 universos ou
mundos, isto é, ao mundo físico, do qual fazem parte as entidades ou corpos
materiais, os seus processos, as leis físicas e químicas das coisas e seres vivos,
seus campos de forças que, sendo sistemas abertos de moléculas, interagem com
algumas das partes constituintes do meio e, por isso, constituem estados físicos. 0
mundo 2 é constituído por estados de consciência, pelas disposições psicológicas e
pelos estados inconscientes e constitui estados mentais. 0 mundo 3 é formado pelos
conteúdos do pensamento e pelos produtos da mente humana como, por exemplo,
as teorias científicas, verdadeiras ou falsas; os problemas científicos, as obras de
arte, as instituições sociais, os mitos explicativos, as histórias, etc., objectivos
próprios da criação dos indivíduos, embora nem sempre tenham sido planificados.
Muitos dos objectos pertencentes ao mundo 3 pertencem, simultaneamente, ao
mundo 1) como sucede, por exemplo, com esculturas, pinturas ou livros que se
dedicam a temas científicos ou literários.
Existindo mútuas e recíprocas interacções entre os estados físicos (mundo
1) e estados mentais (mundo 2), de tais interacções emergem estados, produtos ou
efeitos, que são, simultaneamente, físicos e mentais, como sucede, por exemplo, no
de uma dôr, o que evidencia o facto da interactuacção entre físico e mental, isto é,
entre o corpo e a mente e entre a mente e o corpo ou, melhor dito, entre o cérebro e
a mente e a mente e o cérebro, interaccionismo efectuador da natureza e da
dinâmica psicofisiológica do ser humano.
Os três mundos, segundo os referidos autores, interaccionam
reciprocamente, pois tudo o que existe e é objecto de experiência se enquadra num
ou noutro dos três mundos. 0 mundo 1 é um mundo dos objectos e dos estados
físicos. 0 mundo 2 é um mundo dos estados de consciência e do conhecimento
subjectivo e o mundo 3 é um mundo da cultura produzida pelo homem e
compreende todo o conhecimento do objectivo. As interacções recíprocas efectuam-
23
se entre os mundos 1 e o 2 e entre os mundos 2 e 3, através da mediação do mundo
1, pois, quando, por exemplo, o conhecimento objectivo do mundo 3, isto é, o mundo
da cultura produzido pelo homem, está codificado em diversos objectos do mundo 1,
como livros, quadros, estruturas, máquinas, este apenas se torna percepcionado,
conscientemente, quando se projecta no cérebro, mediante os órgãos receptores e
as vias aferentes apropriados. Por seu lado, reciprocamente, o mundo 2, o da
experiência consciente, pode produzir mudanças no mundo 1, antes de chegar ao
cérebro pelas contracções musculares, tornando-se, então, o mundo 2 capaz de
actuar extensivamente sobre o mundo 1. Os três mundos reconhecem-se no mundo
2, graças às percepções que recebe emanadas dos órgãos e dos sentidos e da
ampla variedade de experiências cognitivas: pensamentos, recordações, intenções,
imaginações, emoções, sentimentos, sonhos, etc., o que faz com que, no centro do
mundo 2, se encontre o eu ou o ego do indivíduo, o qual constitui a base de
identidade e de continuidade da pessoa e apresenta-se como efeito do "nexo"
efectuado entre corpo, cérebro e mente, gerador de auto-identidade, de unidade e
unicidade.
J. P. Changeux (1990) em relação ao funcionamento do cérebro humano
diz: “ O cérebro do homem contém ou elabora pelo menos 3 grandes categorias de
representações do mundo, cuja cinética de formação e estabilidade abrangem
escalas de tempo que se distribuem entre o décimo de segundo e a centena de
milhões de anos. Cada uma destas modas de representação dilata o campo do
mundo representado. A rigidez de um encéfalo, totalmente determinado
geneticamente, limitaria, de imediato, o número de operações efectuadas. A
capacidade de construir representações lábeis abre a organização do encéfalo ao
meio social e cultural. Estes novos mundos poderão agora evoluir por sua conta,
segundo regras que, no entanto, se manterão limitadas pela capacidade de
actuação da organização cerebral". Um tal processo de elaboração deve-se ao facto
de que, ainda segundo o autor, o cérebro humano é constituído por milhares de
milhões de neurónios interligados por uma intensa rede de cabos e conexões, nos
quais circulam, nos seus filamentos, impulsos eléctricos ou químicos inteiramente
explicáveis em termos moleculares ou físico-químicos e, por isso, qualquer
comportamento explica-se pela mobilização interna de um conjunto, topologicamente
definido por células nervosas.
Seguindo de perto as perspectivas neurocerebrais desenvolvidas por
Edelman (1978) e Thom (1980), Changeux numa perspectiva bastante reduccionista,
ensaiando a análise da interacção do biológico-mental, afirma que o "objecto mental
é identificado com o estado físico criado pela entrada em acção (eléctrica e química),
correlacionada e transitória, de uma grande população ou reunião de neurónios
distribuídos por diversas áreas corticais bem definidas". Tanto o conhecimento,
como a imagem é "um objecto de memória mas possui apenas uma pequena
componente sensorial, ou até não possui nenhuma, por resultar da mobilização de
neurónios situados nas áreas de associação com especificidades sensoriais ou
motoras múltiplas (como lobo-frontal), ou entre um grande número de áreas
diferentes. A imagem é um objecto de memória, autónomo e fugaz, cuja evocação
não exige uma interacção directa com o meio. Sendo a percepção primária um
objecto mental, cuja actividade é determinada pela interacção com o mundo exterior,
a passagem desta à imagem requer uma estabilização do "acoplamento entre
neurónios do conjunto (consolidação) que a tornem independente do mundo
exterior”.
Segundo a perspectiva de Changeux, os estados mentais seriam idênticos
24
aos estados da activação dos conjuntos topologicamente definidos pelas células
nervosas, identificando, assim, a actividade mental à actividade cerebral.
Apesar disso, no entanto, a constatação e análise das experiências
vivenciais, psicofisiológicas e clínicas demostram que o cérebro e a mente são
partes do organismo, e, quando se desenvolve uma actividade mental, os dois
trabalham em cooperação com base nas respectivas competências de cada um,
facto que demostra que sem um cérebro funcional não existe uma mente funcional e
que sem uma mente funcional o organismo encontrar-se-ia na impossibilidade de
concretizar funções complexas, tipicamente humanas, como sucede com os
raciocínios, as previsões, os projectos, o imaginário, o falar, o decidir, o concretizar
acções voluntariosas, etc., etc..
Tanto as ansiedades como as angústias, os desejos como os prazeres, os
gostos como os pensamentos, as tristezas como as alegrias, o amor como o ódio, a
depressão como a euforia, são estados de natureza mental e psicofisiológica. Daí a
recíproca interacção entre fenómenos mentais e fenómenos físicos, entre estados
neurofisiológicos e estados psicofisiológicos, visto os estados mentais emergirem
das características do cérebro e causados por processos neuropsíquicos cerebrais
embora, por exemplo, a problemática do prazer e da alegria, da dôr ou da tristeza
possuam, não raras vezes, efeitos diversificados no corpo e na mente.
Uma tal constatativa meta-problemática impõe a necessidade de saber como
é que neurónios, sinapses, fendas sinápticas, receptores, fluídos transmissores,
mitocondrias ou células gliais produzem fenómenos mentais ou, por outras palavras,
como é que o cérebro funciona para produzir estados mentais conscientes, visto os
seus elementos neuro-anatómicos não serem eles próprios conscientes. Porém, o
produto da sua acção ou trabalho é consciente, visto eles efectuarem um tratamento
da informação extremamente sofisticado, recolherem abundantes conjuntos de
sinais de outros neurónios nas suas sinapses dendriticas e, tratando tais
informações a nível do seu corpo celular, reenviam-as para outros neurónios através
das suas sinapses axonais, originando, assim, o pensamento, e este é um processo
essencialmente mental, significando isto que o cérebro normal do ser humano possui
características neurobiológicas específicas, sendo, por isso, também específicas as
recíprocas e mútuas interacções e retroacções entre cérebro individual e mente
pessoal, fenómenos que, afastando a hipótese do dualismo cartesiano, evidenciam a
unidade do processo cérebro-mente, cooperando para alcance ou concretização de
objectivos comuns, visto, na sua essência, sendo a mente produto do corpo-cérebro,
é a mente que se torna a planificadora, a orientadora e a estimuladora do cérebrocorpo.
Ora, sendo o ser humano constituído por um corpo, um cérebro e uma
mente, interdependentes, indissociáveis e inseparáveis, correlacionadamente
activiadores ou asfixiadores eles são constituintes da mesma unidade. O corpo,
através do sistema nervoso central, desenvolve funções superiores como: raciocinar,
falar, imaginar, executar, mas, por outro lado, tais funções não se desenvolvem sem
a existência da mente, inseparabilidade que faz com que se torne impensável
conceber a mente sem o cérebro e o cérebro sem organismo ou corpo, o qual
origina a actividade do cérebro, processo de interdependências e vivências, facto da
actividade mental e efeito específico da actividade do cérebro, o qual, por sua vez,
interdepende da actividade global, nomeadamente de seu património genético,
emocional, afectivo e ambiental.
A interacção de tais agentes patrimoniais, constitutivos de uma determinada
biotipologia orgânica e caracteriológica, alicerça marcos activadores de estruturas e
25
de dinamismos neurofisiológicos, propulsores de identidades mentais, marcadores
de recíprocos e interactivos desenvolvimentos dos estados neurofisiológicos e dos
estados psíquicos, visto estes efectuarem inter-relações ascendentes e
descendentes, isto é, de nível inferior e de nível superior e originarem, por tais
processos, a identidade individual de cada um, mútua e reciprocamente
interactuante e mobilizadora dos processos cerebrais e processos mentais.
A razão de ser de uma tal unitária funcionalidade enraíza a sua causalidade
no facto de que, emergindo a mente dos processos cerebrais, esta está para o
cérebro como o cérebro está para os códigos genéticos do organismo. Por isso, os
produtos das funções da mente: consciência, subjectividade, intencionalidade,
desejos, certezas ou incertezas, interagem sobre os estados neurofisiológicos do
indivíduo e os estados neurofisiológicos interagem sobre os estados mentais.
CAPÍTULO II
26
FUNÇÕES DO CÉREBRO E SUAS INTERFUNCIONALIDADES
CEREBRAIS
Sendo todo e qualquer ser humano uma realidade biossóciopsicológica
única, indivisível e diferente de todos os outros seres humanos, também os seus
comportamentos, raciocínios, imagens e associações são diferentes uns dos outros,
bem como são únicas e individuais tanto as suas individualidades como as suas
identidades, e isto porque os seus cérebros também são únicos e singulares. Porém,
o ser humano, impregnado na sua natureza pelas próprias experiências individuais,
por seus comportamentos de imitação e pelos mecanismos e processos sócioculturais de seus próprios meios, está acentuadamente marcado para a acção, isto
é, para atitudes ou comportamentos de intervenção sobre os meios, os outros e
sobre si mesmo, o que provoca mudanças, mutações ou rupturas nos mecanismos
ou processos em curso.
A maior ou menor envolvência de um indivíduo em tais acções, em suas
características e objectivos interdepende não só das vaIorizações sócio-culturais do
meio em relação a tais atitudes ou comportamentos, mas, também, da força
emocional que o mesmo indivíduo investe nelas. A conjugação do investimento da
força emocional com as vaIorizações que o indivíduo efectua em relação às
dinâmicas sócio-culturais de seu próprio meio, criam nele hierarquias de soIicitações
e de necessidades que impregnam, em si mesmo, esquemas de acção, de atitudes
e de comportamentos que o conduzem à dinâmica de desenvolvimento e de
evoIução, de complementaridade e aperfeiçoamento.
Um tal sequencial processo de activação e dinamização, de exteriorização e
de interiorização conduz o indivíduo, ser biosóciopsíquico, à possibilidade de viver
em homeostasia funcional, caracterizada pela permanência do equilíbrio e lenta
adaptação às variáveis do meio, apesar de, não raras vezes, estas serem
aceleradas. Isto porque, graças aos potenciais auto-reguladores do cérebro do
indivíduo, os seus sensores detectam as mudanças e, simultaneamente, podem
corrigir os desequilíbrios e criar ou elaborar as necessárias adaptações através de
um sequencial processo de desenvolvimento de estímulos e motivações, impulsos e
necessidades.
Os sensores, formados por certas células localizadas no hipotálamo e na
área pré-óptica, localizada na frente do hipotálamo, geram funções de equilíbrio e de
adaptação, de acção e de comportamento progressivo, de estímulos motores e
sensoriais, factores essenciais para reconhecimento do próprio eu ou identidade
corporal. Isto porque tanto as captações como as informações sensoriais não se
efectuam de forma passiva mas processam-se através de mecanismos de
interacções não necessariamente lineares, que acompanham os processos e as
entradas dos estímulos através dos órgãos dos sentidos até às correspondentes
respostas efectuadas pelos processos bioneuropsicológicos. Esta entrada da
informação sensorial é influenciada não só pelas variáveis dos contextos sócioambientais e culturais, pelas atitudes pessoais do indivíduo, por seu potencial de
codificação e pelo estado ou valorização do emocional individual.
Estes sistemas de processos e mecanismos sensoriais de natureza bioneuro-psíquica interligam-se e interagem com várias áreas da estrutura cerebral, de
27
maneira particular ao nível de córtex e de sub-córtex como se constata, por exemplo,
através de um simples movimento de mão, o qual mobiliza sistemas neuronais e
activa sequências e estruturas motoras que, do cérebro, se expandem para as fibras
musculares do braço e da mão. No entanto, se um tal movimento em vez de ser
efectuado com a mão direita fôr com a esquerda os sistemas de neurónios
mobilizados já não são os mesmos que foram mobilizados com a mão direita.
Uma tal problemática é de capital importância nos processos de
desenvolvimento das estruturas de um ser humano, visto o tipo, a forma e a maneira
das captações e informações sensoriais, as variáveis dos contextos sociais e
culturais condicionarem, de forma acentuada, as futuras dinâmicas e disponibilidades
das próprias estruturas neurocerebrais de um indivíduo. Tais condicionamentos não
interdependem unicamente da informação genética recebida mas também de seus
processos de maturação neurobiológica, desenvolvimento emocional, maturidade
psico-afectiva e variáveis familiares, ambientais e sócio-culturais dos meios.
Um tal processo de intrincado e complexo desenvolvimento constata-se, por
exemplo, na análise do desenvolvimento de um bebé que, desde o seu nascimento,
apresenta-se com reflexos mútuos de sucção e de precisão e, mais tarde, sente-se
marcado pela reacção circular de pega-e-larga um objecto, de repetir um som, vindo
a reagir, mais tarde, neuromuscularmente, a estímulos de outros órgãos dos sentidos
tanto directa como indirectamente. Os seus reflexos primitivos iniciais passam, então,
a ser condicionados por actividades que emanam não só de si mesmo mas também
da acção do meio.
Um tal desenvolvimento sensorial e motor da criança incide, inicialmente,
sobre si mesma, e, em seguida, tal incidência recai mais sobre os objectos, as
coisas, as pessoas, os acontecimentos e as interacções. É a sua necessidade de
explorar o mundo dos objectos, de imitar e representar. Um tal comportamento é
acentuadamente marcado pelo seu potencial emocional e afectivo e, através de tais
factores, vai exercitando o desenvolvimento das suas sensibilidades, dos seus
órgãos sensoriais e motores, bem como dos seus mecanismos de reacção,
desenvolvendo os gestos e os movimentos, as sensibilidades próprioceptivas e
extroceptivas bem como sistemas de relações que diferenciam uma criança da outra.
Uma tal diferenciação, constatada no universo dos bebés, evidencia o facto
que todos os comportamentos dos indivíduos têm alicerces em suas estruturas e
dinâmicas bioneurológicas conaturais à espécie, mas, as suas atitudes
psicocomportamentais não serão condicionadas por tais estruturas, visto o ser
humano ser um ser antropológico e social, psicológico e cultural, afectivo e emocional
e estas dimensões não só podem modificar as estruturas iniciais mas também
aperfeiçoá-las, desenvolvê-las e corrigi-las. É que, sendo o cérebro humano
impregnado por todas estas dimensões, bem como por todas as suas múItiplas,
complexas e interactivas relações e retroacções, sabe-se, desde Auguste Conte, que
a função e a estrutura não se separam e, sabendo-se que o diencéfalo "regula" a
função, a funcionalidade do cérebro humano perpassa não só as estruturas do
cérebro, mas também o conjunto das suas acções, actividades e produtos, o que faz
com que um simples acto ou atitude comportamental do indivíduo possa possuir
múItiplas e variadas abordagens, análises ou interpretações como, por exemplo, a
simples abordagem biológica, psicocomportamental, fenomenológica, psicológica,
cognitiva, antropológica, cultural, psicanalítica, etc., etc..
A complexidade de uma tal dinâmica comportamental assenta, essencialmente, na hipercomplexidade do interaccionismo corpo-cérebro, visto da sua
unidade neurobiológica emergir potenciais cujos desenvolvimentos, vivências e
28
experiências metamorfoseiam-os, desenvolvem-os e transformam-os em aptidões,
faculdades e capacidades, como sucede, por exemplo, desde os mais primórdios da
existência humana em que o cérebro fetal integra sensações e, progressivamente,
após o nascimento, processa-as em sensações próprioceptivas (quinestésicas,
vestibulares e tácteis) e em sensações exteroceptivas (visuais e auditivas),
emergindo percepções, representações e imagens que originam respostas
adaptativas. Estas respostas adaptativas, essencialmente de natureza motora,
organizam e desenvolvem o cérebro, reorganizam-o, estruturam-o e reestruturam-o
segundo sequenciais que emergem, por um lado, da própria elasticidade do cérebro
e, por outro lado, dos estímulos, motivações e solicitações dos próprios meios.
Com efeito, o astronómico número de neurónios que um cérebro humano
possui, bem como a sua distribuição e sistemas, nas suas respectivas interacções
com os factores dos meios e dos ambientes, produzem múItiplas e acentuadas
biodiversidades, não só nas suas estruturas cerebrais, mas, também, nas suas
funções e dinâmicas de interfuncionalidades.
É que, na realidade, o cérebro humano possui uma extraordinária
plasticidade, uma enorme capacidade para se auto-renovar, para ser estimulado,
desenvolvido e adaptado às necessidades e solicitações dos meios e ambientes,
desde que seja alimentado positiva e convenientemente com estímulos e motivações,
solicitações e processos educativos apropriados, de maneira particular através das
suas fontes fundamentais de bioenergia como sejam, por exemplo, as
proporcionadas pelos órgãos dos sentidos: visão, audição, olfacto, tacto, gosto e pela
própria pele. Esta intrínseca e profunda necessidade da natureza próprioceptiva de
um indivíduo de ser estimulada pelos factores extroceptivos deve-se à objectiva
evidencia de que o mundo exterior não só estimula o desenvolvimento da dinâmica
cerebral mas também molda a sua própria arquitectura.
Com efeito, os trabalhos de Pete Huttenlocher, (1996), Professor na
Universidade de Chicago, conseguiram mostrar a espantosa mas também
hipercomplexa capacidade do cérebro humano ao conseguir, pela primeira vez,
contar as sinapses, isto é, as linhas comunicacionais que permitem que as células do
cérebro comuniquem umas com as outras. Através de amostras de cérebros
humanos recolhidas em autópsias constatou que numa massa cerebral de um feto de
vinte oito semanas havia, pelo menos, cento e vinte e quatro milhões de sinapses.
Com idêntico trabalho, numa amostra de massa cerebral de um recém-nascido, havia
duzentos e cinquenta e três milhões de conexões sinápticas e num bebé de oito
meses o número elevava-se a quinhentas e setenta e dois milhões de sinapses. A
velocidade do desenvolvimento de tais redes comunicacionais é vertiginosa e faz
com que o cérebro, no seu todo, atinja cerca de mil triliões de conexões nos primeiros
anos de vida. A partir dos sete anos de idade, o número das conexões vai
desaparecendo e, na idade adulta, um cérebro humano normal permanece
aproximadamente com cem biliões de células e quinhentos triliões de sinapses.
Constata-se, porém, que os neurónios, as células e as sinapses desenvolvem
uma espécie de competitividade entre si, e, aquelas que não estabelecem conexões
morrem, e isto, de maneira particular até aos dez anos de idade, visto o cérebro,
entre os quatro e os dez anos, ser hiperactivo, demonstrando-se, assim, que existem
períodos críticos do desenvolvimento em que o cérebro necessita da estimulação
adequada do mundo exterior para que as suas células saibam o que devem fazer.
A recorrente e dinâmica interdependência funcional das células cerebrais
fazem com que o cérebro deva ser visto e analisado como um todo, embora
anatomicamente, se encontrem zonas mais demarcadas que outras, como sucede,
29
por exemplo, com o que a anatomia descreve como núcleo central, sistema límbico e
hemisférios cerebrais descritos de forma concêntrica.
Por tal facto, o núcleo central inclui a maior parte do tronco cerebral, o
primeiro alargamento da coluna espinal, que penetra no crânio e controla a
respiração e alguns reflexos que ajudam o organismo a manter-se numa postura
erecta. 0 cerebelo coordena os movimentos e o sistema límbico, encontrando-se à
volta do núcleo central, está intimamente ligado ao hipotálamo e controla ou regula
certos comportamentos que emanam do tronco cerebral e do hipotálamo, permitindo,
assim, que o organismo humano seja flexível e adaptável às mudanças dos meios e
dos ambientes. 0 hipocampo, parte integrante do sistema límbico, exerce funções
essenciais sobre a memória recente e o sistema límbico em geral é a sede essencial
das emoções tanto positivas como negativas. Os hemisférios cerebrais, constituindo,
propriamente, o denominado cérebro humano ou, simplesmente, o córtex cerebral, é
constituído por corpos celulares nervosos e fibras desmielinadas, recebendo, por
analogia, o nome de “massa cinzenta". Por baixo do córtex, isto é, no seu interior,
existe acentuada massa de axónios mielinizados e possui uma côr branca. Por isso,
o córtex é a zona principal das associações, da memória, do pensamento e da
linguagem.
No entanto, sendo o córtex humano essencialmente dominado pelo
hemisfério direito e hemisfério esquerdo, estes possuem uma profunda divisão entre
eles. Cada hemisfério, anatomicamente, é dividido em quatro lobos, isto é: o frontal, o
parietal, o occipital e o temporal e constituem as zonas essenciais da visão, da
audição, da motricidade, da somatossensorização, da percepção, da associação e do
pensamento.
No entanto, embora uma análise superficial dos dois hemisférios cerebrais
revele simetria entre eles, as análises mais pormenorizadas manifestam reais
assimetrias. Em tais análises o hemisfério esquerdo apresenta-se quase sempre
maior que o direito, apresentando-se este, simultaneamente, com muitas fibras
neuronais longas, as quais conectam áreas amplamente separadas do cérebro
enquanto a estrutura do hemisfério direito contém muitas fibras mais curtas e geram
interconexões dentro de uma área limitada.
Porém, apesar dos dois hemisférios cerebrais encontrarem-se separados por
ampla faixa de fibras nervosas (corpo caloso) elas efectuam as interconexões entre
um hemisfério e outro. No indivíduo normal todas as partes do cérebro funcionam de
forma harmoniosa e integrada. 0 corpo caloso, ponte de conexão entre um hemisfério
e o outro, encontra-se, de uma forma geral, topograficamente situado, no sexo
feminino, mais profundo que no masculino e, se o hemisfério direito controla o
esquerdo, o esquerdo o direito.
Apesar disso, no entanto, embora o resultado da evolução filogenética e
ontogenética do cérebro humano tenha feito do córtice pré-frontal o pódio das
capacidades superiores do ser humano, nomeadamente do pensamento e da
linguagem, a sua interfuncionalidade harmoniosa implica intercolaboração e
cooperação de todas as restantes áreas como sucede, por exemplo, com a
necessária colaboração entre a amígdala e o córtice pré-frontal.
Ora, sendo a amígdala um complexo nuclear, situado na parte média e
inferior do cerebelo, por isso, numa região subcortical, ela faz parte do sistema
límbico e interconecta-se, mútua e reciprocamente, com o hipocampo, com o tálamo
e com hipotálamo. Intervém na elaboração, no controlo e orientação das emoções, as
quais são de importância capital para o equilíbrio, para o equilibrado funcionamento
psicossomático do indivíduo, operacionalidade da acção e do trabalho, para os
30
equilíbrios psico-comportamentais e os dinamismos auto-reguladores da mente.
É que, sendo as emoções desencadeadas pela amígdala e outras áreas do
sistema límbico, orientadas equilibradamente para o córtice pré-frontal, este não
necessitará de investir grande parte do seu potencial energético em controlar, filtrar
ou seleccionar um tal potencial. Isto porque, sendo os lobos pré-frontais os
coordenadores das informações sensoriais e das emoções, os seus registos,
análises, selecções e integrações necessitam de energias para, através dos seus
circuitos sequênciais, gerarem as respostas ou as reacções adequadas. Estas
recíprocas interacções entre cérebro emocional e cérebro racional conduzem os
lobos pré-frontais a seleccionarem, de entre as múltiplas reacções ou respostas
possíveis, a melhor, de acordo com as circunstâncias, as contingências ou os meios.
Porém, sendo o córtice pré-frontal, o gestor das emoções, quando este não se
mobiliza ou activa a vida mental permanece invadida pela acção emocional.
A anterior descrição revela que a cartografia do cérebro, embora possua
regiões mais preponderantes que outras, deverá ser concebida como um todo, pois
se as lesões, em certas regiões, implicam danos ou efeitos negativos, noutras
também a sua integridade e homeostasia funcional implicam positividade em todo o
cérebro. A maravilhosa autoplasticidade do cérebro faz com que todas as suas
dimensões corporais, motoras, emocionais, endócrinas, intelectuais e racionais ajam
e interajam coordenada e harmoniosamente.
Esta contínua e permanente recorrência interfuncional das dimensões,
potências e capacidades do cérebro humano sugerem, apesar da existência de
anatomopatologias neurocerebrais, como sucede, no caso das trissomias, a
desvalorização do inato e a valorização do adquirido, como muito bem foi sugerido
por René Zazzo, em “Les gemeaux, le couple et la persone”, solicitando a gémeos
provas de uma não-identidade que se apresenta como desafio ao determinismo da
hereditariedade e do meio.
Porém, apesar das evidentes probabilidades e análises constatativas se
inclinarem para a propensão evidenciadora da acção do meio sobre a estrutura
genético-hereditária do indivíduo, o estudo das leis, das normas e dos processos da
epigénese (efeitos das interacções ontogénese e filogénese) encontram-se ainda em
estados embrionários e incipientes.
Define-se epigénese como o conjunto de processos e de acontecimentos no
desenvolvimento de um indivíduo que intervém e deixam traços acentuados no
desenvolvimento da sua ontogénese, de maneira particular naqueles que não são
expressão directa dos programas genéticos e conferem ao indivíduo uma
individualidade própria e uma singularidade específica.
De facto, há mais de dois mil e quinhentos anos, Demócrito escreveu que
"tudo acontece por acaso e por necessidade". Charles Darwin, no estudo da evolução
natural das espécies, constatou que uma das causas da evolução era o conjunto das
mutações genéticas aleatórias e que algumas dessas mutações aumentavam a
probabilidade de melhorar a qualidade das espécies ao atingirem o estado adulto e
terem descendência. Jacques Monod, no seu célebre livro "0 acaso e a
necessidade", demostra, que nos processos de evolução, o acaso vence largamente
a necessidade, e, segundo ele, "nada predestinava a vida a aparecer sobre a terra e
o ser humano a emergir do mundo animal". Prigogine, por seu lado, vai mais longe e
pensa que já não há leis, mas sim unicamente probabilidades, visto a matéria ser
instável e o universo ser uma história. Por isso afirma: "0 nosso mundo físico não é
um relógio, mas sim um caos imprevisível. Todas as teorias deterministas baseadas
no encadeamento necessário das causas e das consequências são
31
progressivamente substituídas por estatísticas". Por isso, para este autor, reacções
químicas em condições de não-equilíbrio, podem provocar o aparecimento
espontâneo de estruturas que apresentam uma certa ordem, pois é consoante o tipo
de perturbação aleatória, que o sistema químico sofre no momento em que se torna
instável, assim surge um outro tipo de organização. 0 desenvolvimento do sistema
faz-se por uma sucessão de perturbações aleatórias, isto é, pelo aspecto caótico e
pela emergência de novas organizações cada vez mais complexas, o que gera o
aspecto da ordem.
Segundo Prigogine a vida nasceu de acasos da selecção natural e progride
no sentido de uma maior organização e maior complexidade, sendo, por isso, pouco
provável que toda a informação necessária à formação de um sistema vivo esteja
codificada a nível do ADN, mas simplesmente, o que parece codificado, é ser um
mecanismo universal de desenvolvimento e de evolução, que se auto-organiza por
auto-aprendizagens em função das interacções com o meio e isto a todos os níveis.
Um tal conjunto de estudos e de descobertas a efectuar, revelando de uma
ciência Sócio-bio-neuro-psicológica, ainda por implementar, manifesta a existência de
impregnâncias do meio e de penetrância incompleta nos factores genéticoshereditários. É que embora duas pessoas, por exemplo, possuam os mesmos gènes
activadores, existem traços caracterizadores numa e não na outra, o que a pode
tornar com um comportamento muito mais multifacetado e variável, tanto a nível
social como mental ou psicológico e, por tal facto, com maiores ou menores
interacções com os meios, com os ambientes, com as culturas ou com os próprios
saberes.
Uma tal factual realidade demostra a existência de uma inseparável triologia:
gènes - meio - cultura na coevolução e formação dos comportamentos do indivíduo.
Das interacções das células neuronais com os meios, estes efectuam um constante
bombardeamento daquelas e estas agem, reagem e interagem de forma imprevisível
à própria mente, o que faz com que os anteriores padrões neuronais se modifiquem
de forma imprevista e imprevisível, não só em relação aos anteriores padrões
comportamentais mas também em relação às opções de escolha, visto a estrutura do
organismo humano e de seus dinamismos neurofuncionais não serem simplesmente
de natureza material ou física. Por isso, a própria natureza neurobiológica do ser
humano pode continuar a acreditar no seu livre arbítrio, nas suas capacidades de
mudança e de adaptação, de sociabilidade e de aculturação, sem jamais se poder
enquadrar numa natureza física, num simples movimento de corpos ou numa
justaposição de moléculas. Daí o facto, da investigação-acção em genética, biologia,
sociologia e psicologia revelarem que gènes, neurónios, social e mental interagem
mútua e reciprocamente, e, de tais interacções resultam indivíduos únicos, singulares
e inseparáveis, e isto tanto dos efeitos dos seus gènes como dos efeitos dos seus
meios, ambientes ou culturas. Daí a intrínseca e profunda necessidade de se
investigar acerca das interacções, reciprocidades e influencias bio-neuro-culturais
como agentes desenvolvedores da mente individual e colectiva, dos raciocínios, dos
pensamentos e criação das próprias culturas.
Apesar disso, e, da inseparável existência entre gènes e cultura, a
interligação possui elevadíssimo grau de flexibilidade, a tal ponto que, se a mente
individual pode absorver continuamente parte integrativa da cultura, por outro lado, os
gènes do indivíduo escrevem regras de assimilação, de interiorização e de
desenvolvimento cognitivo das partes, das dimensões ou do conteúdo dessa cultura,
o que faz com que o indivíduo possua apenas uma mente, diferenciada de todas as
outras mentes, em forma, dimensão e conteúdo; em comportamento e acção, em
32
constituição e determinação, efeitos das regras ou estruturas epigenéticas herdadas
pelo cérebro do indivíduo e sujeitas às regras da mutabilidade, em função das acções
do meio, dos ambientes e das culturas, as quais possuem tanto maior influencia
quanto mais os seres vivos se elevam e se hipercomplexificam na escala ou
hierarquia da organização do biológico, o que faz com que, no vertente caso do ser
humano, este se sinta propendente para o bem e para o mal, para o positivo e para o
negativo de seus gènes e de seus sistemas ambiento-culturais. Isto porque cultura é
um produto das ideias, padrões e valores em que um indivíduo nasce, cresce,
desenvolve-se e amadurece. É um conjunto de símbolos, atitudes e de
comportamentos criados pelas interacções de mentalidades de um determinado
meio, tempo ou época, e cujos objectivos imediatos são, de maneira particular, os da
acomodação e da integração de uma parte desse sistema (indivíduo) no seu todo
funcional, isto é, na comunidade ou sociedade a que ele pertence. A partir da
dinâmica de uma tal envolvência, embora a cultura, remotamente, emirja da acção
dos gènes, estes passam a influenciar, de modo muito relativo, a acção, dinâmica ou
proliferação do cultural, a ponto de poder afirmar-se, em sentido antropológico e
sócio-psicológico, que todo o cultural emerge da própria natureza e dinamismos da
cultura.
A cultura humana, no entanto, jamais alcançaria os actuais e posteriores
níveis de evolução e de enriquecimento, de construções e de saberes se os seres
humanos não possuíssem a natureza, a quantidade e a qualidade, a dinâmica e a
potencialização dos gènes e cromossomas que possuem. É por isso que, a nível
cognitivo e mesmo comportamental, os seres humanos poderão permanecer a nível
dos macacos-chimpanzés, mas os macacos jamais poderão ascender ao nível dos
seres humanos normais. Para tal bastaria efectuar uma análise comparativa entre o
comportamento de um chimpanzé em idade madura e o comportamento de um bebé
de três anos em que este surpreenderia tudo e todos através das suas atitudes e
comportamentos de imitação, acomodação e integração em novos meios, ambientes
e culturas, recriando, em si mesmo, novos, contínuos e diferenciados padrões de
actividade cognitiva e, por isso, neuronal, implicando, assim, a existência de novas e
diferentes conexões entre o sistema límbico e o sistema cortical, interconexões que
agem com o cultural e geram não só a sociogénese, mas também originam o seu
respectivo desenvolvimento, a interactuação e proliferantes efeitos a nível do social e
do cultural, do cognitivo e do mental.
De facto, embora milhares de gènes circunscrevam os processos fisiológicos,
o sistema sensorial e o sistema cerebral de um indivíduo, a forma e a acção do
ambiente, do social e do cultural fazem com que o cérebro humano produza as
propriedades da mente e da cultura, do saber e da acção comportamental humana.
Daí o facto do ser biologicamente humano só se tornar verdadeiramente humano
através das muItifacetadas, constantes, permanentes e recíprocas interacções
hereditariedade-meio.
Este recíproco interaccionismo gènes-ambiente-cultura desencadeia variáveis comportamentais diferentes, quando o portador de idênticos gènes reage
diferentemente às situações do ambiente ou da cultura, o que faz com que tais
diferenciadas reacções ao meio familiar, ambiental ou cultural desenvolvam, em tal
indivíduo, uma personalidade diferente daquele que não reagiu de forma idêntica ou
similar. Os conaturais efeitos de uma tal personalidade, de suas constelações de
estímulos, de envolvimentos e de motivações farão com que uma tal personalidade,
em desenvolvimento, efectue padrões neuronais, comportamentais e sociais face a si
mesmo e aos outros, à cultura e à sociedade em geral muito diferentes dos do
33
indivíduo que não reagiu de idêntica forma, o que faz com que aquele, em relação a
este, ou o contrário, possua quocientes de inteligência superior, níveis mais
elevados de adaptabilidade e de integrabilidade, bem como graus de flexibilidade e
maleabilidade mental e comportamental muito superiores.
No entanto, apesar da existência das linhas gerais de uma tal funcionalidade,
parece não haver dúvida que herdamos dos nossos progenitores e antepassados
certos traços neurobiológicos, que nos fazem ver, sentir e percepcionar o mundo de
certa maneira e aprender certos comportamentos de preferência a outros.
Apesar disso, uma tal hereditabilidade já não emana unicamente dos gènes
mas sim de gènes aculturados, isto é, de marcadores de propensão para inventar e
transmitir certos tipos de elementos de preferência a outros, fenómeno genéticocultural que, Martin Seligman (1972), denominou de "aprendizado preparado" ou de
predisposição para certo desenvolvimento, pretendendo, com isto, afirmar que os
seres humanos estão inatamente preparados para aprender certos comportamentos
e predispostos para rejeitar outros, comportamentos que, no entender do anterior
cientista, constituem uma subclasse das regras epigenéticas de um indivíduo, visto
tais regras compreenderem todo o conjunto de regras herdadas pela anatomia e
fisiologia do crescimento, da cognição, das atitudes e dos comportamentos. Tais
regras são, em síntese, como os algoritmos do crescimento e da diferenciação que
criam ou originam a plena funcionalidade de um ser humano, fazendo com que este
se adapte, sobreviva, se reproduza e se aperfeiçoe.
Embora existam evoluções progressivas nas regras epigenéticas do ser
humano, a título de conveniência intelectual, poder-se-á distinguir regras epigenéticas
primárias e regras epigenéticas secundárias. Fazem parte das regras epigenéticas
primárias os processos automáticos que se estendem da filtragem e da codificação
de estímulos nos órgãos dos sentidos até à percepção de estímulos no próprio
cérebro. Constituem regras epigenéticas secundárias os processos de integração de
grandes quantidades de informações, certos fragmentos de percepções, de memória,
bem como certos coloridos emocionais, que conduzem a mente a decisões prédispostas, através da escolha de certos gènes e reacções manifestas de preferência
a outras. É natural que existam certos níveis intermediários entre as regras
epigenéticas primárias e as secundárias, os quais fazem com que regras primárias
complexas mudem gradativamente para regras secundárias mais simples.
Face ao exposto anteriormente não há dúvida de que tanto o
desenvolvimento do organismo humano como o da mente é reciprocamente
influenciado pela acção dos gènes, do ambiente e da cultura, constituindo-se, assim,
predisposições para padrões de actividade cerebral, tanto a nível espacial como
verbal, tanto sensorial como lúdico, tanto perceptivo como emocional. Os efeitos
comportamentais de tais predisposições cerebrais ditam aos gènes quais deles
devem perecer, sobreviver e multiplicar-se de uma geração à outra, o que faz com
que as regras epigenéticas se alterem tanto no seu direccionamento como na sua
eficácia, tanto no potencial de aquisição cultural como no de interiorização dos
saberes, fenómenos geradores da multi-bio-diversidade e das proliferações das multiculturalidades desencadeadas, em sua base, pela multifuncionalidade das regras
epigenéticas dos indivíduos.
No seio de uma tal dinâmica epigenética, o cérebro do indivíduo procura,
permanentemente, significados, bem como relações e interrelações entre objectos e
suas qualidades, que, atravessando os sentidos, fornecem informações ao cérebro
sobre a existência exterior, o que, em consonância com um tal tipo e qualidade de
captação, faz com que o cérebro seleccione uma linha de acção de preferência a
34
outra e, por tal facto, faça com que o comportamento de um indivíduo emirja do seu
todo e não de simples agrupamentos de células ou constelações de neurónios, mas
sim das interacções sociais do indivíduo com o somatório das suas emoções e
percepções, intenções individuais, ambientais, sociais e culturais, dimensões
activadoras e dinamizantes do bipolar processo gènes-cultura e cultura-gènes.
I - DINAMISMOS NEUROCEREBRAIS NOS PROCESSOS DE INTERACÇÃO COM
OS MEIOS
Sendo um facto que o potencial genético-hereditário de um indivíduo
influencia o seu desenvolvimento biológico e psico-caracteriológico idênticas
evidencias não aparecem, de forma alguma, nas dimensões comportamentais,
psicológicas, emocionais, afectivas e intelectuais do mesmo indivíduo. É que, na
realidade, sendo os gènes segmentos de moléculas do ADN, que armazenam
informações, o resultado final de um tal potencial informativo, é poligénico, isto é,
efeito de muitos e incontáveis gènes que agem e interagem em conjunto, o que lhe
confere flexibilidade, impregnância e penetrabilidade dos efeitos das acções dos
meios, dos ambientes, das culturas e das civilizações a que o indivíduo pertence, o
que faz com que ele se transforme num efeito da sua génese hereditária, em
permanente e interactivas relações com suas heranças e factores dos meios
combinados com seus efectivos potenciais de acção, de envolvimento, vontade,
raciocínio e razão. É que a normalidade cromossomática transmite características
físicas como altura, estrutura óssea, côr dos olhos, etc, mas não estabilidade
emocional, força de acção, potencial afectivo ou bioenergia mental.
Não há dúvida, no entanto, que esse variável potencial das faculdades
superiores do ser humano possui os seus alicerces nas suas estruturas neuronais,
através das quais desencadeiam o seu potencial sensorial, motor, emocional,
afectivo, cognitivo e mental que, por sua vez, estimulam, reforçam, condicionam,
moldam ou determinam não só a estrutura do cérebro, mas, também, o
desenvolvimento das suas funções, bem como do seu potencial cognitivo e mental.
A nível de captações dos estímulos pelos neurónios, oriundas do exterior,
aquelas são extremamente variáveis, não só em quantidade mas também em
qualidade e, de maneira particular, em intensidade. Mesmo no caso de idênticas
captações ou recepções, os seus efeitos são utilizados pelos indivíduos das mais
diversas maneiras em função de condicionalismos sociais e culturais; de dinamismos
emocionais, de estruturas afectivas e gratificações pessoais. Por tais razões, os
efectivos potenciais de acção das estruturas neuronais de um indivíduo agem e
manifestam-se de forma relativa, de maneira diferenciada e subjectiva.
A própria acção dos neurotransmissores e neuroreceptores, não só devido a
processos bioquímicos mas também a condições psicológicas e factores do meio,
pode converter estimulações em inibições. Daí o facto do aparelho neurocerebral do
ser humano, essencialmente, na sua base neurofisiológica, constituída por
processos bioquímicos, gerar, graças aos canais de iões e bombas de iões,
encaixadas na membrana celular dos neurónios, canais constituídos por moléculas
de proteínas, que formam poros na membrana celular e regulam o fluxo dos iões
electricamente carregados, criar e desenvolver imagens, pensamentos e raciocínios,
psiquismo, mente e intencionalidade como efeitos das suas interacções relacionais
35
com os factores e agentes do meio. Em seguida, processos psíquicos e mentais
agem e retroagem com os processos bioneuronais do indivíduo e, reciprocamente,
se estimulam, influenciam e motivam, desinibem ou inibem, variáveis constituintes e
desenvolvedoras ou inibidoras de imagens, de unidades mínimas de informação ou
de mapas mentais, que integram, criam, desenvolvem ou associam novas unidades
de informação, da recordação ou espaços de armazenamento que, embora sejam
acentuadamente reforçados pela vontade pessoal, deveriam encontrar seus
desenvolvimentos naturais no respeito pelas normas, leis e propensões conaturais
da cartografia mental de cada um, reflectindo, então, a acção natural das redes de
comunicação interneuronais, as características do cérebro e do pensamento de cada
um.
Evidenciando o anterior que o pensamento humano emerge das activas
redes de interacções efectuadas entre neurónios, moléculas e iões dinamizados pelo
aparelho neurobiológico do ser humano no seu todo, tais hipercomplexas e
repercursivas interacções demostram que estas, se o são, podem deixar de ser o
que são, podem ser modificadas, alteradas ou mesmo inibidas e que, embora haja
inseparabilidade entre corpo e mente, o corpo não gera determinismos rígidos no
pensamento ou na mente, apesar de não deixar de ter o seu interesse recordar que
os estados dos processos cerebrais, em que o indivíduo se encontra, reflectem-se
sensivelmente na criação dos estados mentais, bem como nos estados
neurofisiológicos e motores como acontece, por exemplo, em situações de medo, de
raiva, de fracasso, dôr, insucesso, sucesso, optimismo, esperança, prazer,
relaxamento, etc., factos comportamentais que demonstram a existência de uma
indesmentível reciprocidade comportamental entre corpo, cérebro e mente e de
cujas recíprocas interacções emerge o eu individual, sede central da consciência e
lugar de manifestações do inconsciente, parte integrante do próprio eu.
Ora, sendo o Eu resultado das interacções: corpo, cérebro e meio, o eu não
pode existir separado do corpo e o corpo não sobrevive muito tempo sem o eu. É de
uma tal inseparabilidade e estrita, mútua e recíproca interdependência que emerge a
mente, o pensamento e a consciência. Daí o facto da mente necessitar da
hipercomplexa acção de funções, interactividades e retroacções de todas as partes
do cérebro, as quais, quer pela sua qualidade, quer pela sua quantidade ou
intencionalidade funcional são exigíveis para sua harmonia e eficiente
funcionalidade.
Por isso, as áreas ou regiões do cérebro requerem funcionalidade
homeostática para equilíbrio e dinâmica funcional do todo do ser humano. E isto não
só a nível das relações inter e intra-hemisféricas, mas, também, do tronco cerebral
com o sistema límbico, tálamo e hipotálamo, órgãos e sentidos dos órgãos. Os
métodos utilizados por Penfield (1991, pág. 42-43) conduziram este famoso
neurocirurgião e autor à descoberta das funções das áreas do córtice cerebral,
constatando, então, que um pequeno movimento da mão estimulava a área motora,
que uma sensação luminosa estimulava a área occipital da visão, que um fenómeno
de afasia tocava as regiões linguísticas e que as estimulações dos lobos temporais
produzia nestes “estranhas” experiências psíquicas, levando os pacientes a
reviverem, como em flaches cinematográficos, fragmentos detalhados da sua própria
vida. No decorrer das suas experiências e investigações descobriu que um tal
flache se verificava somente quando a estimulação temporal activava as estruturas
do sistema límbico, facto demonstrativo de que a mente interdepende directamente
das interacções de todos os mecanismos e processos neurocerebrais.
Sabe-se, no entanto, que, em sua escala de interdependências ascenden36
tes, o sistema límbico interdepende do tronco cerebral, isto é, da parte do cérebro
mais primitiva e que contém os mecanismos essenciais da sobrevivência e da autopreservação. 0 cérebro emocional, dinâmica emergente do sistema límbico,
desempenha funções de intermediário entre o cérebro primitivo e o cérebro racional
ou o neocórtice, a parte mais recente da evolução do cérebro.
Embora a evolução do cérebro primitivo, do cérebro emocional e do cérebro
racional, a nível de desenvolvimento neurofisiológico, possuam diferentes fases de
evolução na história da filogenética, eles possuem, entre si, hipercomplexas redes
de interconexões e intercomunicações. Por isso, residindo a vida emocional no
sistema límbico, de maneira particular na amígdala, situada na superfície interna dos
lobos temporais, as conexões entre a amígdala (componente essencial do sistema
límbico) e o neocórtice, afirmou Daniel Goleman (1995, pág. 27): “são o eixo das
batalhas ou dos acordos de cooperação estabelecidos entre a cabeça e o coração, o
pensamento e os sentimentos. De acordo com tais interconexões o próprio desejo
ou necessidade sexual emanado do sistema límbico necessita da acção do
neocórtice para o transformar em amor".
As anteriores exemplificações demostram que os fenómenos neuropsíquicos
interdependem dos fenómenos neurobiológicos e estes dos bioquímicos. Das
interacções de todos esses fenómenos emergem os fenómenos psicocomportamentais, psico-intelectuais e também os mentais. A rendibilidade e eficiência destes
últimos interdependerá de factores genéticos e hereditários normais, da activação
destes através de estímulos, sensorizações, motricidades e emoções; de factores do
meio familiar, social, cultural e de todos os ecossistemas que envolvem a existência
de um indivíduo.
É que, de facto, sendo o cérebro de um ser humano a parte mais complexa
de seu sistema nervoso, pois é ele que controla o corpo e tudo o que este faz,
percepciona, sente e pensa, ele recebe informações de todas as partes do corpo,
processa-as e reenvia-as sob forma de mensagens para os músculos, informandoos como devem proceder, agir ou comportarem-se. 0 córtice frontal, por exemplo,
controla o comportamento e as emoções; é responsável pelo intelecto, pela
aprendizagem e personalidade; pelo raciocínio, pela consciência e pelo julgamento.
A funcionalidade de uma tal área, que torna os homens muito mais evoluídos
que os restantes animais, exige, para seu desenvolvimento, não só acções positivas
e adequadas emanadas do meio e processos educativos adequados, mas, também,
vastas e ricas constelações de estímulos sensoriais e perceptivos, emocionais e
afectivos.
É, de facto, através dos sentidos que se percepciona e se conhece o mundo
que nos rodeia, é através deles que o indivíduo produz sensações e sentimentos, é
através deles que estimula a imaginação, cria representações e constrói imagens;
comunica consigo mesmo e com os outros, evoca melodias ou a voz de alguém,
recorda o gosto de um alimento ou se move em relação a lugares determinados;
evoca recordações e cria associações, pensa ou reflecte, imagina ou cria. Um tal
conjunto de representações ou de imagens mentais constitui acentuado pendor para
a eficiência e para o êxito tanto social como escolar, tanto profissional como
individual. E isto apesar de tais imagens constituírem o epicentro da subjectividade
de cada um.
É uma tal subjectividade, constituída pelo conjunto de representações ou
imagens que cada um possui, que está na origem da elaboração de seus próprios
mapas mentais e que, por sua vez, alargam ou redimensionam, estimulam ou
asfixiam o desenvolvimento de tais imagens, que se tornam não só parte integrante
37
da autoconsciência mas também constituintes essenciais da produção de factos e
fenómenos conscientes, os quais, por sua vez, se intercomunicam aos dois
hemisférios cerebrais, estimulam ou não o sistema límbico e dinamizam ou não
dinamizam o tronco cerebral, apesar de tanto o sistema límbico como o tronco
cerebral possuírem necessidades dos efeitos das interacções dos dois hemisférios,
isto é, necessidades de ritmo, de percepção global e espacial, de repercussões das
côres, de imaginação, de reactivações das dimensões; de sequências, de
linearidades, de lógicas, de números, de palavras e de análises para que das
interacções de tais produtos e de seus efeitos, nas mais diversas áreas cerebrais, se
originem pensamentos irradiantes e raciocínios divergentes, criadores e criativos, o
que deverá, inter e retroactivamente, activar, enriquecer e aperfeiçoar tanto a
percepção física como a psíquica, tanto a percepção emocional como a mental,
fontes essenciais de alimentação das células cerebrais, de activação das conexões
e de interactuações das informações genético-hereditárias com as dos meios
ambientes, interligações estabelecedoras e desenvolvedoras de activações
bioquímicas e electromagnéticas criadoras de imagens facilitadoras de percursos ou
vias, de esquemas neuropsíquicos e de mapas mentais, em consonância com o
factor de repetição, com a compensação obtida pelo próprio cérebro e o prazer
psico-emocional retido ou absorvido pelo próprio organismo, significando isto que,
quanto maior for a frequência e produção de um facto ou fenómeno mental, maior
será a probabilidade do seu acontecimento, visto tais factos estimularem grupos e
conexões de células e, simultaneamente, suas acções combinarem-se ou
permutarem-se com milhares de outras, permutações que, apesar de dependerem
de indivíduo para indivíduo, jamais um ser humano foi capaz de usar todo o
potencial do seu próprio cérebro.
Os desenvolvimentos dos presentes processos requerem interactuação dos
sentidos e dos órgãos dos sentidos: visão , tacto, olfacto, gosto e audição; do
sentido do equilíbrio, aceitação e interiorização das sensações corporais, centros
próprioceptivos, vivências do sensorial, bem como aceitação e desenvolvimento das
representações e imagens individuais.
A funcionalidade de tais dinamismos estruturais interdepende, em grande
parte, da riqueza ou potencial estimulatório das veiculações informacionais, da
captação e vivência das funções psicofisiológicas do organismo de cada indivíduo,
visto a vitalidade e interactivação deste possuir uma acentuada interdependência da
sua comunicação interior elaborada pela acção, pela impregnância e dinâmica
dos elementos do meio exterior, captados, percepcionados ou sentidos pela
hipercomplexidade dos órgãos dos sentidos do indivíduo, os quais possuem funções
de recepção e de estimulação e podem ser órgãos exteroceptivos, que analisam as
variações do meio exterior; órgãos interoceptivos, analisadores de tudo aquilo que
concerne o meio interior e visceral, e órgãos próprioceptivos (musculares e
articulatórios), os quais informam o sistema nervoso central da posição relativa das
diversas partes do corpo que constituem a somestesia e possuem funções de
natureza mecânica, química, fotográfica, térmica, eléctrica, magnética, etc..
A interactiva conjugação de tais dinâmicas dos órgãos e dos sentidos dos
órgãos, geradora do conhecimento sensorial imediato, constitui, por si e para si, um
manancial de fluídos e de emoções que, ainda que não sejam exteriorizadas através
de imagens ou palavras, formam, em si, uma corrente de pensamento, como se
demostra, através da análise da existência de intuições súbitas que, qual espécie de
flache, aparecem e desaparecem de forma repentina e sem serem solicitadas,
demonstrando-se, por tais experiências e vivências, que a génese e natureza do
38
pensamento ultrapassa o interactivo poder do consciente cognitivo, visto grande
parte da materialidade do pensamento encontrar-se na interfuncionalidade dos
sentidos, nutrientes essenciais desse grande potencial bioenergético que é o
inconsciente, reservatório de incomensurável energia pulsional e afectiva, biológica e
psíquica, motora e representativa, cujos dinamismos próprios exigem comunicação
com o consciente através do pré-consciente.
Um tal reservatório de energia, condensável e deslocável, é permanentemente alimentado, positiva ou negativamente, pelas interfuncionalidades neurofisiológicas dos órgãos dos sentidos, isto é, visão, ouvido, olfacto, gosto, sensibilidade à
dôr, ao frio, ao calor, ao movimento; pelos músculos, articulações e tendões; pelas
pressões e pelos contactos; pelos equilíbrios e pelas orientações e pela sensibilidade visceral, de maneira particular pela própria pele.
Um tal conjunto de dados, processados de forma unitária pelo indivíduo,
impregnam, estimulam e vitalizam o seu todo, e serão, em seu devido tempo e, da
maneira possível, parcialmente processados por diferenciadas áreas do córtice
cerebral, após a neurotransmissão efectuada e elaborada, cada qual segundo a sua
natureza funcional, pelo sistema nervoso periférico e pelo sistema nervoso central,
isto é, pelo sistema somático e autónomo, pela medula espinal e cérebro. 0 sistema
autónomo do sistema nervoso periférico controla actividades auto-reguladoras ou
independentes como, por exemplo, a circulação e a digestão, as quais não param o
seu funcionamento, mesmo quando o indivíduo está dormindo ou inconsciente. 0
sistema somático, por sua vez, controla os músculos esqueléticos, as glândulas, o
coração, os vasos sanguíneos, o estômago, os intestinos e recebe informações da
pele, dos músculos, de vários receptores sensoriais, e é do equilíbrio das suas
funções ou da sua harmoniosa interfuncionalidade que resulta o saudável equilíbrio
do próprio corpo. Um tal equilíbrio corporal interdepende, simultânea e
essencialmente, da acção do sistema endócrino, o qual, por meio de substâncias
químicas, chamadas hormonas, controla indirectamente as actividades de grupos
celulares em todo o corpo, visto tais substâncias percorrerem o corpo e agirem de
variadas formas e maneiras sobre as células, que estão equipadas com receptores.
A glândula pituitária, uma das maiores glândulas do sistema endócrino,
constitui, em parte, uma extensão do cérebro e, localizando-se abaixo do
hipotálamo, produz o maior número de hormonas, controla a secreção de outras
glândulas endócrinas e controla o crescimento corporal do indivíduo. Hormonas do
sistema endócrino e neurotransmissores dos neurónios transmitem mensagens
entre as células do corpo e, de tais hipercomplexas redes de comunicações
intercelulares, constitutivas do sistema neuronal de cada indivíduo, único, indivisível
e diferente do dos outros, os seus sinais ou impulsos bioeléctricos, propagados ao
longo dos axónios, em interacção com os impulsos ou sinais químicos que intervêm
na comunicação entre neurónios ao nível das sinapses, originam as faculdades
próprias do cérebro humano, de maneira particular a faculdade de criar e de
desenvolver representações mentais, cuja matriz de especificidade dependerá das
constelações de neurónios estimuladas pelas células, as quais, no momento,
respondem à hierarquia dos diversificados estímulos e, tais representações, são
reelaboradas pelo córtice, pelo cérebro e dão origem a operações mentais, a
conceitos e raciocínios individuais, interdependentes dos estados emocionais e
mentais do sujeito, visto este, num estado de equilíbrio psicoemocional, não julgar
um objecto ou a realidade da mesma forma que quando se encontra num estado de
depressão, de ansiedade ou de angústia.
Ora, constituindo as representações, as imagens, os conceitos, as ideias e
39
os raciocínios o cerne da actividade mental de uma pessoa é intencionalidade do
cérebro, nomeadamente, a do seu córtice frontal, a produção de uma tal actividade
mental, à qual,sendo produto da actividade cerebral, interdepende da acção do
organismo.
Esta mútua e recíproca interdependência: organismo-cérebro-mente produz
efeitos diferentes de pessoa para pessoa, originados não só pelas diferenciações
das circunstâncias, das vivências, dos meios, dos ambientes, dos ecossistemas; dos
potenciais ou disponibilidades de captação, estimulados ou motivadas por cada um,
mas, também, devido aos potenciais genéticos e hereditários, bem como às
estruturas e dinâmicas cerebrais próprias de cada ser humano, visto elas serem
diferentes de pessoa para pessoa, como sucede, grosso modo, no caso em que o
centro da linguagem, em muitas pessoas, se encontra à esquerda e noutras à
direita.
0 anterior exemplo demostra que a estrutura cerebral de um indivíduo, o seu
mapeamento ou a sua cartografia neuronal, dependerá de indivíduo para indivíduo,
e, embora as suas actividades mentais sejam produto ou efeito de um todo, a
interacção das áreas ou campos cerebrais interage mais eficientemente com os seus
campos vizinhos, embora, a nível de produto final, jamais deveremos esquecer a
enorme autoplasticidade do cérebro, pois toda a sua actividade mental é efeito de
uma acção integrada da corporeidade, da motricidade e da afectividade; do sistema
endócrino, do sistema nervoso periférico e do sistema nervoso central, conjugação
hipercomplexa da qual resultam complexas faculdades de criação e de desenvolvimentos, de cartografias mentais diferentes de indivíduo para indivíduo e diferenciadas, consoante os estados de humor, de optimismo ou de pessimismo, de mentalização ou de racionalização, de imagem pessoal ou de auto-conceito individual que, por
sua vez, interdependem não só dos traços psicocaractereológicos de cada um, mas,
também, dos seus níveis ou estados emocionais e afectivos, de prazer ou de
desprazer.
Daí o facto de se encontrarem pessoas que, na maioria dos seus
comportamentos, sobretudo novos, utilizam imagens mentais globais ou parciais,
coloridas ou não, adequadas ou inadequadas aos novos comportamentos e
extraídas ou não da realidade envolvente ou da própria comunicação interior, as
quais desempenham funções de maior ou menor facilitação na mudança das
atitudes e dos comportamentos, das actividades cerebrais e mentais.
Ora, sendo a actividade mental produzida pelas interligações das redes
neuronais, efectuadas pela excitação que amplia a imagem e envolve a emoção, a
elaboração dos respectivos cenários interdependerá não somente dos dados do
exterior, mas, também, da intensidade emocional da própria emoção ou
comunicação interior. A capacidade de um tal cérebro gerar novos e diferentes
cenários, de fixar-se ou de seleccionar os mais eficazes, dá origem à criatividade do
indivíduo.
Face a uma tal realidade factual parece não haver dúvida de que o cérebro é
um potencial gerador da mente, e, a actuação positiva da mente facilita a acção dos
processos cerebrais, os quais, assim facilitados, facilitam, também eles, não só os
processos de comunicações intercelulares, mas, também, os processos destas com
as realidades exteriores fisicamente observadas, as quais, quanto mais apreendidas
pelos sentidos dos órgãos, mais enriquecimento bioenergético e biomotivacional
ocasionam nos processos neurocerebrais, fazendo com que as suas produções, isto
é, a actividade mental se torne mais intensa, mais profícua, mais envolvente e mais
regeneradora.
40
A presente funcionalidade unitária, evidenciadora de que os processos
mentais interdependem dos processos neurocerebrais, constitui-se, apesar disso,
como realidades imateriais ou espirituais e, apesar do seu suporte na realidade
neurocerebral ou biológica, não possuir directamente, materialidade como, de facto,
a iluminação produzida pela electricidade, que, apesar de gerada pelos iões das
partículas, não é uma realidade material, significando isto que as actividades
mentais, sendo produzidas pelas actividades neurofisiológicas, não são mensuráveis
nem analisáveis segundo os mesmos critérios, pois a actividade mental de um
indivíduo, apesar de ser efeito da elaboração bio-neuro-cerebral do indivíduo, aquela
não é cópia desta, e isto não só a nível de natureza, mas, também, de dimensão,
visto a vida mental ser vida de estados e de fenómenos, e efeito de algumas
capacidades do cérebro, as quais nem sempre estão vigilantes, nem activas e nem
sempre mobilizadoras. Por isso, o cérebro, complexa massa de neurónios
implantados nas células gliais, contém, em si, o potencial de criar actividade mental
ou estados de consciência, desde que possua condições propiciadoras para tal.
Uma tal actividade gera factos e fenómenos mentais que, por sua vez, agem e
interagem na vida do organismo, do bioemocional e do biopsíquico, estimulando-os,
accionando-os e gerando neles impregnâncias de maiores ou menores níveis
positivos ou negativos, em consonância com experiências do passado, vivências
próximas ou remotas, maior ou menor efectivação do potencial associativo e das
imagens ou cenários evocativos de recordações e de lembranças, de reminiscências
ou resíduos inconscientes.
0 conjunto de reminiscências e de resíduos são não só produtos da
actividade neurocerebral, mas, também, podem ser efeitos da actividade mental do
indivíduo, a qual directa ou indirectamente, proíbida, reprimida ou recalcada, como
sucede com certas necessidades, pulsões ou desejos não assumidos, não aceites,
nem conscientemente vivenciados, os quais, mais cedo ou mais tarde, graças a
processos de maturidade, de aceitação e de expansão da actividade do consciente
podem ser assumidos e integrados tanto na actividade mental como no próprio
consciente. E isto apesar das leis e dos dinamismos do inconsciente possuírem uma
certa rigidez, a tal ponto que levou Jacques Lacan a afirmar: "0 inconsciente é
estruturado como uma linguagem", o que não significa que seja como uma língua e,
por isso, que não seja fonte de generatividade ou criatividade, de pulsão ou acção,
visto o próprio Sigmund Freud, no seu artigo sobre "0 inconsciente" (1915) ter-lhe
chamado "representante da pulsão", isto é, entidade situada na fronteira entre o
somático e o psíquico, e, o aparelho psíquico, segundo Freud, resulta da sucessão
de inscrições de sinais, o que nos leva a podermos falar de "escrita mental",
processada como "padrões eléctricos em tecido vivo", e que importa desenvolver,
enriquecer, orientar e educar através de mecanismos e processos a que
chamaríamos "literacia mental".
As dinâmicas de constantes aberturas e de constantes encerramentos do
inconsciente, com seus registos e suas parciais informações, constituem o agente
essencial da subjectividade do indivíduo, visto tal actividade nem sempre poder ser
controlada pela vontade e, se umas vezes permanece aberta, noutras tal actividade
permanece bloqueada por razões de inibição, de medos, receios, repressão ou
mesmo lesão cerebral e, por isso, interfere, em geral, em várias das múltiplas
funções cerebrais.
II - MENTE INDIVIDUAL E CONSCIÊNCIA PESSOAL NOS PROCESSOS BIO41
NEURO-PSÍQUICOS DOS SERES HUMANOS
0 estudo do fenómeno da mente humana tem sido, ao longo dos tempos,
objecto de estudo de várias concepções, teorias e modelos, que vão desde a própria
Física à Teologia. Algumas destas concepções identificam a mente com consciência
e subjectividade. Outras analisam a mente humana como sendo produto emergente
das estruturas e dinâmicas do cérebro, e, outras, ainda, constatam que o fenómeno
da mente é o factor essencial da linguagem, da cognição e da criação dos próprios
estados mentais de um indivíduo.
Esta terceira tendência parte do objectivável princípio de que a mente
humana deve ser estudada através de metodologias científicas e, sendo concepção
tradicional que a ciência é objectiva, devido ao facto de que a realidade que ela
estuda é objectiva, por tal razão, também os factos estudados por ela deverão ser
objectivos, isto é, no caso dos comportamentos ou processos cognitivos, as
objectividades observadas, como sejam, por exemplo, o estudo da linguagem, da
cognição e dos comportamentos inteligentes, comunicacionais ou informacionais.
Uma tal atitude científica emana, directa ou indirectamente, do pressuposto de que
tudo o que existe é físico e, tal realidade, é oposta ao mental.
Esta dualista concepção do corpo-mente dominou, ao longo dos últimos
séculos, não só a Teologia e a Filosofia mas também as Ciências Humanas e
Psicológicas e encontra em René Descartes o seu teorizador inicial: a res extensa e
a res cogitans distintas na sua génese e na sua essência, ou seja, a existência de
um corpo e de um espirito, de uma matéria e de uma mente, funcionando em
paralelo e interligadas pela glândula pineal, interligação que efectuaria o
desencadear de fenómenos neurobiológicos e neuropsíquicos, problema reducionista unicamente ultrapassado pelas mais recentes descobertas neurocientíficas da
última década. Estas descobertas, ao explicarem a existência da subjectividade, da
consciência e a existência de fenómenos mentais subjectivos, internos, intrínsecos,
conscientes e inconscientes questionam vários Séculos de tradição científica, visto
um tal dualismo interaccionista do corpo-mente, passando por Descartes, encontra
sua origem em Aristóteles, o qual não duvidava que o corpo e a mente
interactuavam, apesar de tanto Aristóteles como Sócrates e Platão terem reconhecido o carácter não-material do psiquismo. No entanto, em Homero, encontra-se
uma pluralidade de palavras para designar a alma e as suas funções como:
sentimentos, percepção, pensamento, desprezo, ira, etc., constituintes dos processos da consciência.
No entanto, estudos epistemológicos acerca do conceito de mente revelam
que, ainda hoje, a ciência se encontra profundamente enraizada em esquemas,
conceitos e tradições fortemente enraizados na nossa cultura manifestadora das
concepções materialistas e dualistas da mente humana.
Estas concepções impregnaram as nossas culturas e civilizações ocidentais,
criaram pressupostos e princípios de orientações científicas e impuseram a
existência de evidencias em dualidades falsas como, por exemplo, materialismo
versus imaterialismo, corpo versus mente, matéria versus espírito, etc., dualismos
cuja origem, segundo tais concepções científicas, não poderiam emanar da mesma
realidade.
A realidade parece ser hoje aceite e assumida, pelas mais recentes
investigações em neurociências, em neurobiologia molecular e em sòciobiopsicologia, que a mente humana é manifestação da hipercomplexa e superior42
mente rica unidade sòciobioneurocerebral do ser humano, cuja evolução encontra
suas raízes na filogenética do desenvolvimento da complexidade do cérebro
humano. Este desenvolvimento, assente no identicamente complexo desenvolvimento do sistema nervoso central da espécie humana, é, simultaneamente, o
gerador do pensamento e da autoconsciência. Por tais razões, mente, pensamento
e consciência, são constelações das capacidades superiores do ser humano, bem
como as actividades espirituais e religiosas são manifestações da própria actividade
unitária da estrutural dinâmica bioneurocerebral do ser humano, a qual, em seu
desenvolvimento funcional e homeostático, possui impulsos nervosos, instintos,
pulsões, oxigénio, sangue, batimentos cardíacos, actos respiratórios, etc., etc.. Por
isso, todas as partes constituem um todo. Este todo é diferente da soma das suas
partes e constitui uma unidade, única, insubstituível e indivisível. Daí o facto de
todas as partes desta unidade ou os seus subsistemas do sistema individual
humano interagirem e retroagirem uns sobre os outros, uns com os outros e uns
paralelamente aos outros como sucede, por exemplo, com a acção da mente na
modificação do cérebro ou sobre o sistema nervoso do indivíduo. É que a própria
mente, aceite e assumida pelo cérebro, exercita não só a actividade deste, mas,
também, a desenvolve, delineia atitudes e comportamentos e faz com que o cérebro
possa funcionar em sintonia com a actividade graças às suas capacidades de
modificabilidade e de novas ou diferenciadas acções. E isto sem se esvaziar ou
comprometer o potencial bioenergético contido nas estruturas e dinâmicas cerebrais
do indivíduo, mas, bem pelo contrário, como sucede, por exemplo, com os efeitos da
concentração mental na aplicação de projectos ou na consagração a ideais, cujos
efeitos manifestos e comportamentais de tais atitudes são desenvolvimentos de
novas e diferenciadas energias. Idêntica influencia da mente sobre o sistema
nervosos do indivíduo efectua-se através do seu interaccionismo, tanto pela positiva
como pela negativa, visto a própria mente possuir capacidade para exercitar,
estimular, activar, inibir, distorcer ou anular a própria acção das células ou das fibras
cerebrais, como se demostra, hoje em dia, através das mais avançadas
investigações em Psicossomática, nas situações de stress, de neurose, psicose,
bem como numa grande maioria de patologias mentais, significando isto que a
mente de um indivíduo possui potenciais de activação ou desactivação, de excitação
ou de inibição, de orientação ou de desorientação de todo o seu sistema nervoso.
Esta mente individual, manifestação da extrema hipercomplexidade e
evolução do cérebro do indivíduo, é auto-consciente do seu mútuo e recíproco
interaccionismo com o corpo e, em tais complexos jogos de interacções recíprocas,
torna-se cada vez mais auto-consciente. Estes jogos de actividades interactivas,
recíprocas e funcionais geram no indivíduo vivências e experiências subjectivas,
únicas e exemplares, de buscas ou rejeições, originando sentimentos, emoções,
afectos ou rejeições, e, tais processos dão origem ao desenvolvimento da
consciência, parte integrante e indissociável da mente individual. É que, na
realidade, um tal conjunto de constelações vitais procede e processa-se no
organismo humano, sujeito de processos evolutivos com sistemas nervosos, sendo
alguns destes dotados de capacidades para gerarem e manterem estados e
processos conscientes.
Por isso, sendo o cérebro o gerador da consciência, um certo nível de
desenvolvimento desta transforma-se também em autoconsciência, isto é,
consciência de si mesmo, e, enquanto ser distinto e separado do outro, fenómeno
gerador do próprio Eu, dos mecanismos fundamentais do desenvolvimento psíquico
tanto a nível de pessoa como a nível de pensamento com graus diferentes de
43
desenvolvimento e tendência a edificar a atenção para si mesmo, pois que - embora
Sigmund Freud qualificasse a consciência do indivíduo como uma qualidade do
psiquismo - esta consciência exerce, em si mesmo, a função de síntese que lhe
permite analisar a sua experiência actual em função da estrutura da sua
personalidade e se projectar no futuro, pois a consciência, como essência do
psiquismo, é, fundamentalmente, a faculdade que permite ao homem tomar
conhecimento do mundo exterior como do que se passa nele mesmo, e, assim,
autoregular os seus próprios comportamentos, fenómeno psíquico que, segundo
Jacques Lacan, é um dos pilares da concepção do mundo ou uma espécie de
espelho, através do qual o indivíduo vê ou percepciona a realidade exterior segundo
os seus próprios mecanismos e processos de filtração do exterior verso o interior.
A presente análise constatativa demostra, mais uma vez, que a consciência
individual é manifestação das interactuações dos processos neurocerebrais, visto a
mente humana como a consciência do indivíduo e o seu próprio pensamento serem
manifestações dos efeitos da interactividade da hipercomplexidade neurocerebral do
ser humano, bem como das suas aptidões para capacidades ou aptidões superiores,
para a aptidão da linguagem e para as discriminações perceptivas, que resultam,
na prática, das sucessivas, permanentes e recorrentes interacções, mútuas e
recíprocas, de seus genótipos com fenótipos ou da sua genofenotipia dinâmica
estrutural, que faz com que, não raras vezes, consciência seja identificada com
percepção, com conhecimento imediato, com experiencialidade familiar, com
consciência de aspectos factuais de uma realidade, com capacidades de plano de
fundo, embora tais pseudo-sinónimos não signifiquem, exactamente, a mesma
realidade, mas sim manifestações da realidade que é a consciência.
Uma tal manifestação, própria de cada indivíduo, emergida da sua realidade
físico-bioneurocerebral, é individual, é mental e, por isso, subjectiva. Esta
subjectividade emerge da hipercomplexa interacção das propensões neuronais de
cada um e de seus padrões de actividade cerebral, de suas emoções, sentimentos,
afectos, processos e dinamismos cerebrais; da capacidade de filtração das
realidades exteriores e das pessoais envolvências nos meios, nos sistemas ou nos
ecossistemas circundantes, de maneira particular da primeira e segunda infâncias de
cada um.
Esta subjectiva entidade da individualidade, a consciência, gera hierarquias
de valores positivos ou negativos, com cenários mais ou menos dominantes, que
vitalizam ou energizam a mente, fazendo com que esta encontre, reforce e dinamize
a sua direcção e a sua auto-regulação, visto, da interacção da mente com a
consciência, emergir o Eu individual de cada um, isto é, a instância mediadora entre
as reivindicações do inconsciente e as exigências da realidade exterior, encarregada
dos interesses da totalidade da pessoa, da sua autonomia, afirmação e
independência.
E isto apesar de uma tal independência ou autonomia serem relativas, visto
jamais alguém se poder libertar totalmente - e, nem sequer dever fazê-lo - das
dinâmicas funcionais e perceptivas do seu inconsciente, bem como de uma grande
parte dos dinamismos do seu próprio superconsciente ou superego, instâncias que
manifestam e impregnam no indivíduo as dinâmicas do social, do cultural, do
económico, do civilizacional e do tecnológico.
Tanto os efeitos da acção do inconsciente como do super-eu são filtrados
pela própria consciência e interagem sobre a mente, dinamizando-a ou mobilizandoa, inibindo-a ou bloqueando-a e os seus efeitos repercutem-se não só sobre a
própria consciência, mas, também, sobre a acção do inconsciente e do super44
consciente.
Uma tal acção e comportamentos, emanados da unidade funcional do ser
humano, demostram sobejamente que ele é uno, único e indivisível e que a sua
consciência é uma manifestação ou produto da própria mente e a mente um produto
dos processos e neuroactivações cerebrais.
A génese da consciência individual remonta, então, ao ponto em que a
evolução do cérebro individual se torna capaz de utilizar e investir as suas próprias
capacidades e desenvolvimentos na efectuação de alterações que não possuem
características exclusivamente cerebrais mas sim contributos ou conteúdos mentais.
Por isso, a consciência de cada um emerge dos efeitos das interacções das
experiências passadas com as presentes, bem como dos efeitos das interacções da
memória com as percepções, a qual, em seguida, coadjuvada pela mente, terá por
função essencial seleccionar, optar e decidir.
Edelman (1991), admitindo a existência de uma consciência primária e de
uma consciência de ordem superior, define a consciência primária como sendo o
estado de estar mentalmente responsável de qualquer coisa, estando a actividade
de um tal tipo de consciência ligado fundamentalmente à regulação do
comportamento apetitivo e defensivo, sendo a sua função a de adaptar
homeostaticamente o organismo, visto este receber sinais introceptivos provenientes
do interior do organismo e, particularmente, do sistema nervoso autónomo.
A consciência de ordem superior teria por funções correlacionar as
categorias perceptivas, a memória, a aprendizagem e o desenvolvimento de
conceitos, visto um tal nível ou categoria de consciência trabalhar, quase
exclusivamente, pelos seus inputs sensoriais extroceptivos e os seus sinais
próprioceptivos, e ser caracterizada por uma rica e complexa representação do
mundo e depender, principalmente, do córtice cerebral e do tálamo, e, secundariamente, do cerebelo, do hipocampo e dos gânglios basais.
Apesar de se poder discordar das teorias de Edelman, de maneira particular
dos seus dois tipos de consciência e das fundamentações acerca das suas
interligações, parece não haver dúvida que o cérebro humano causa fenómenos
mentais, fenómenos de consciência e que uma elevada percentagem dos comportamentos sociais interdependem de tais fenómenos e, embora o comportamento
motor, respiratório e sanguíneo não dependam directamente deles, não há dúvida
que eles recebem a sua influencia positiva ou negativa.
Ora, possuindo o cérebro humano possibilidades de gerar fenómenos
mentais e fenómenos conscientes, o cérebro não só possui funções de captar e
desenvolver humores, de purificar incapacidades, de distribuir e investir o seu
potencial, de se exprimir, compensar ou negar, mas, também, de se desenvolver e
de progredir através da sua própria acção, interacções com a sua própria mente e
com o seu próprio organismo ou corpo. É que, sendo o cérebro humano o autoorganizador e desenvolvedor das suas próprias funções, estas, ao serem acolhidas
pelas próprias estruturas cerebrais, determinam as estruturas graças ao imperioso
poder das funções.
Uma tal dinâmica processual do próprio cérebro possui a capacidade de
envolver e dinamizar o todo do indivíduo nas suas mais diversas funções, níveis ou
dimensões e, de maneira particular, a nível de percepções, inferindo das
informações sensoriais e intelectivas, inconscientes e conscientes, visto a
percepção, na perspectiva metapsicológica de Freud, ser um sistema da
consciência, e, um tal sistema percepção-consciência, do ponto de vista tópico,
estaria situado na periferia do aparelho psíquico, recebendo, ao mesmo tempo, as
45
informações do mundo exterior e as provenientes do interior, isto é, as sensações
que se inscrevem na série desprazer- prazer e as revivências menésicas ligadas ao
sistema préconsciente-consciente.
A dinâmica da percepção do desenvolvimento da unidade mente-corpo de
um sujeito é tal que Freud tentou desenvolver a teoria de que a consciência
"aparece no sistema perceptivo em lugar dos traços duradouros", deduzindo-se,
então, logicamente, que os estados mentais são tanto mentais em si mesmos como
inconscientes em si mesmos, o que faz com que a consciência não se enquadre no
todo de uma tal problemática mas apenas nos acontecimentos, fenómenos ou
estados conscientes.
Apesar do anterior, não há dúvida, que o potencial perceptivo de um
indivíduo possui vários e diversificados poderes, não só a nível da relação do
indivíduo consigo mesmo, com a sua própria imagem ou auto-conceito, mas,
também, com a realidade exterior, com o outro e com os outros, com as captações
das mensagens, das informações e das comunicações tanto interiores como
exteriores, poderosa alavanca de elaboração de associações e de criação de mapas
mentais, elaboradores não só de processos de eficiência, divergência e criatividade,
mas também de riquíssimas e pluridimensionadas relações com os outros, com os
objectos, com as coisas e com o mundo exterior, o que faz com que a pessoa se
centralize e se envolva no presente, prospective o futuro e minorize o passado,
fenómeno psicocomportamental gerador de novos e diferentes sistemas de
representação de si mesmo, dos outros e da realidade, sistémicos processos de
enriquecimento e de irradiação das próprias representações individuais, das
imagens pessoais e, graças a seus mecanismos de projecção, também das
realidades exteriores a si mesmo.
É que tanto a realidade como a percepção da sua mudança, é efeito não só
dos níveis lógicos de um indivíduo mas, essencialmente, dos estados das suas
percepções.
De facto, a nossa percepção da realidade não é a realidade, mas, apenas,
uma representação dela, como um mapa de uma região não é a região. Uma tal
representação é efectuada através dos sentidos, e, estes não só estão codificados a
níveis de espécie para espécie, mas, também, de indivíduo para indivíduo.
Por isso, as percepções não só se diferenciam de espécie para espécie mas
também de indivíduo para indivíduo, apesar de estarem submetidas aos efeitos da
acção, do uso, do trabalho, do desenvolvimento e dos meios.
Um tal fenómeno e suas respectivas variabilidades farão com que um
indivíduo percepcione não só diferente dos indivíduos de outras espécies, mas,
também, diferente no seio dos indivíduos da própria espécie, factos e fenómenos
evidenciadores de que o mapa mental, que cada um possui em relação ao mundo,
não passa de uma relação deste ou, melhor, de uma representação da realidade. A
consciência de uma pessoa reage à percepção da realidade e não à realidade em si
mesma, fenómeno perceptivo que leva uma pessoa a compreender que as suas
manifestações ou seus problemas não estão na realidade, mas, sim na
representação que essa pessoa tem da realidade.
É um facto, por isso, que as percepções que um indivíduo possui acerca
desta ou daquela realidade interdependem dos seus sequenciais condicionalismos
evidenciados durante toda a sua existência, os quais interdependem mais do
desenvolvimento de seu potencial filogenético que genotípico, embora a
representação do real, que cada um possui, interdependa dos efeitos do
desenvolvimento da sua fenogenotipia, a qual é condicionada pelo nosso ambiente
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familiar, social, cultural, civilizacional, vivências e experiências vitais, as quais não
são apenas positivas, mas, também, não raras vezes, acentuadamente negativas.
Por tais razões, a representação do mundo ou da realidade que cada um
possui não se assemelha à de nenhum outro, significando isto, no concreto, que a
subjectividade é uma das características essenciais das percepções, das mentes e
das próprias consciências individuais, apesar de umas representarem ou
descreverem o mundo de forma mais verdadeira ou autêntica que outras, como um
mapa de um território é mais objectivo que outro, e, por tal razão, continuando a
metáfora, ajuda-nos a concretizar os objectivos da viagem, por melhores ou piores
caminhos e com maior ou menor eficiência, e, por prazer, obrigação, imposição,
desprazer ou sofrimento. Todos os indivíduos, no entanto, possuem capacidades de
aprender, de desenvolver e de conseguir os seus objectivos e realizar-se desde que
estes se insiram na esfera da sua própria conaturalidade.
Uma tal dimensão da conaturalidade humana encontra-se enfatizada pelos
mais recentes desenvolvimentos da Ciência de programação neurolinguística (PNL),
a qual possui, como seu princípio básico, a afirmação de que impulsionar um
comportamento é por sua natureza positiva e, sequencialmente, todo o comportamento tem uma função positiva, isto é, útil para a pessoa que concretiza uma tal
atitude ou comportamento, fazendo-a sentir-se segura de si mesma ou evitar um
hipotético perigo, como sucede, por exemplo, quando alguém se mete em cólera ou
manifesta ira. Um tal comportamento possui, para ele, a função positiva de
pretender proteger-se, selecção comportamental efectuada, consciente ou
inconscientemente, em consonância com as opções ou alternativas que no momento
disponha.
Um tal modificável e adaptável potencial humano, emanado das estruturas
bioneurocerebrais do indivíduo, fazem parte integrante do seu ilimitado potencial de
modificabilidade e de adaptação, de competências e habilidades, de destrezas e
conhecimentos.
É que, de facto, o cérebro humano, em interacção com o seu organismo,
que o suporta, possui complexas e interactivas capacidades e habilidades mentais,
de infinitos armazenamentos, ilimitadas associações, bem como indeterminados
potenciais de gerar associações e ideias novas. A sua pulsão e curiosidade inata
conduz os indivíduos à necessidade de exploração de todos os aspectos dos meios,
dos ambientes e do universo em si e o seu potencial de flexibilidade e maleabilidade
conduz os indivíduos a permanentes melhorias do seu potencial psicológico e
intelectual.
Esta múltipla e complexa actividade do cérebro humano permanece, ainda
hoje, muito aquém da sua potencial realidade factual pois, apesar do senado
americano ter decretado a década de 1990-2000, década do cérebro, e apesar das
enormes investigações efectuadas recentemente no âmbito das neurociências,
uma tal investigação permanece ainda muito fechada no campo da neurofisiológia. E
o cérebro humano, a sua acção, as suas funções, as suas determinantes, suas leis,
seus requisitos, domínios e âmbitos, interacções e desenvolvimentos ultrapassam a
barreira de qualquer ciência metodologicamente tradicional ou clássica.
As leis, as condicionantes ou as determinantes do sucesso ou do insucesso,
da eficiência na aprendizagem ou das suas dificuldades, da adaptação ou das
inadaptações, da maleabilidade ou da rigidez comportamental, da memória ou seus
défices não emergem unicamente da Física nem da Bioquímica Molecular, da
Neurofisiologia ou de Psicofisiologia, mas sim do todo bioneuropsicoemocional e
afectivo-emocional de um indivíduo. Por isso, o estudos das potencialidades
47
humanas, de suas atitudes e comportamentos envolve o todo científico, isto é, mais
directa ou indirectamente, todas as ciências naturais, espirituais, afectivas, emocionais, psicológicas, sociais e humanas.
Por tais razões, o estudo do cérebro, da mente e do conhecimento não pode
ser redutível a uma ou mais ciências que investigam separadamente. O seu estudo
exige uma sólida e dinâmica interdisciplinaridade entre as neurociências e as
ciências do comportamento, as correntes de Psicologia e a Psiquiatria, a Bioneuropsicologia e a Sociologia, a Anatomia e a Fisiologia, sem negligenciar as
importações da Psicologia do senso comum.
De facto, o estudo da génese, bem como da análise das funções superiores
da mente humana, dos seus desenvolvimentos e flexibilidades, associações e
dissociações, continuidades e rupturas, equilíbrios e desequilíbrios não são
explicáveis unicamente através das ciências neuropsicológicas, psicolinguísticas ou
neurofilosóficas.
É que, de facto, os progressos e desenvolvimentos efectuados através dos
métodos de bio-imagens e das suas aplicações às Ciências neuropsicológicas
demostram que, embora existam localizações no cérebro próprias desta ou daquela
função, tais funções não alcançam o seu natural desenvolvimento sem as
interactivas, recorrentes e funcionais interacções de outras áreas do cérebro, ao
contrário do que, através da neurocirurgia o tentaram demonstrar Brocca, Wernick e
o próprio Goldstein, embora estes tenham sido os grandes impulsionadores das
investigações no domínio da anatomopatologia neurocerebral. Apesar disso, no
entanto, a polémica entre localizacionistas e globalistas das funções mentais, a nível
de cérebro, continua em aberto.
Os estudos até hoje efectuados demostram que o cérebro humano possui
áreas ou regiões cerebrais mais adequadas ao desenvolvimento de certas funções
que outras, embora o seu maximal desenvolvimento implique o desenvolvimento da
sua globalidade de forma harmoniosa e, em recíprocas interacções, com o todo do
organismo.
Luria, R. (1902-1977), tendo dedicado o essencial da sua obra de
investigação à análise das funções superiores do homem, (1962): “As funções
corticais superiores do homem” conclui, no essencial, que os sistemas funcionais
responsáveis do comportamento humano são sistemas complexos, plásticos,
capazes de auto-regulação e resultantes da interacção de uma constelação das
áreas do cérebro. Considera, porém, a organização do meio social como uma
determinante fundamental destes sistemas funcionais.
A determinante funcional do social, acentuada por Luria, parece, no entanto,
ser importada de seu colega de investigação Vygotski (1896-1934), o qual, tendo
consagrado suas investigações à volta da criança anormal, atrasada mentalmente e
da defectologia, elaborou uma teoria histórico-cultural do psiquismo, segundo a qual
a inteligência desenvolve-se graças a certos instrumentos psicológicos que a criança
encontra, primeiramente, no seu ambiente social, sobretudo através da linguagem, a
qual é o instrumento fundamental, sendo, em seguida, a actividade prática,
interiorizada em actividades mentais, cada vez mais complexa, graças às palavras,
fontes de formação dos conceitos.
A linguagem, segundo este autor, teria um carácter social e transformar-seia, em seguida, em linguagem interior do adulto, sendo o mediador necessário no
desenvolvimento e funcionamento do pensamento. Por isso, estruturas cerebrais,
social e linguagem criam, segundo ele, os pilares essenciais dos processos
cognitivos do ser humano, bem como do seu desenvolvimento "proximal".
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Tradicionalmente, no entanto, os neurocientistas, inspirados nos trabalhos
das "unidades funcionais" do cérebro, segundo Luria (1973, 1980), admitem a
existência, no cérebro humano, de três grandes unidades funcionais, que agem de
forma concertada e cuja interactiva participação é necessária para qualquer tipo de
actividade mental ou cognitiva.
A primeira unidade está associada ao tronco cerebral, ao diencéfalo e às
regiões médias dos hemisférios cerebrais e é, segundo Luria, a sua formação que
mantém a tonicidade e o estado de activação. É a unidade responsável pela
manutenção e o controlo da atenção. Por isso, qualquer insuficiência ou limitação
em tal unidade, quer por defeito, quer por excesso, implica, segundo Luria, na maior
parte dos casos, dificuldades acrescidas no processo da informação, tanto
simultâneo como sucessivo, bem como no da planificação.
As funções da segunda unidade são reguladas pelos lobos occipital, parietal
e temporal, posteriores ao sulco central e inclui as "duas formas básicas de
actividade do córtex cerebral, "as quais recebem, processam e armazenam a
informação proveniente do meio, através da utilização de sistemas de
processamento tanto simultâneo como sucessivo ou sequencial para codificação da
informação.
As funções da terceira unidade do cérebro são reguladas pelos lobos
frontais, especialmente pela sua região pré-frontal, e é a unidade que permite ao
indivíduo elaborar planos de acção, pô-los em prática e constatar a sua eficiência ou
eficácia. Por isso, esta unidade programa, regula e dirige a actividade cerebral e é a
responsável pelo controlo dos processos de atenção e de processamento da
informação para obtenção dos objectivos propostos. Está, simultaneamente,
interdependente da segunda unidade funcional para poder processar os diferentes
componentes do plano, e, à primeira unidade para manter o nível adequado de
atenção e de monitorização do plano. Além disso, a terceira unidade é, também, a
responsável por actividades, como o controlo dos impulsos, a regulação das acções
voluntárias e algumas funções linguísticas.
Embora cada uma dessas unidades ou áreas funcionais do cérebro
possuam funções específicas na actividade processual do conhecimento e do
comportamento social, elas permanecem em mútua e recíproca interdependência e
é através de seus equilibrados dinamismos que os processos mentais superiores do
ser humano se formam, desenvolvem, expandem e irradiam.
Além destas três grandes unidades ou áreas funcionais do cérebro humano,
neste encontram-se várias outras áreas corticais com funções específicas, como
sucede, por exemplo, com a área motora que controla os movimentos voluntários do
corpo, a área somato-sensorial que, quando estimulada, produz experiências
sensoriais em algum ponto, no lado oposto do corpo, isto é, sensações corporais; as
áreas de associação, as quais, não estando directamente ligadas aos processos
motores ou sensoriais, são denominadas áreas de associação e desempenham
funções importantes nos processos dos pensamentos necessários à resolução de
problemas, bem como às áreas de audição, de visão, etc., etc..
0 desenvolvimento das tecnologias modernas, aplicadas ao cérebro,
nomeadamente a radiografia, a electroencefalografia e a imagiologia cerebral, bem
como a tomografia magnética ou ressonância magnética nuclear (R.M.N.), utilizadas,
hoje em dia, para exploração dos tecidos cerebrais, bem como para os actuais
desenvolvimentos no domínio da ressonância magnética nuclear ou para a
angiografia cerebral, que têm por objectivo estudar o desenvolvimento ou exploração
das artérias cerebrais, que permitem-nos estabelecer uma cartografia cerebral
49
bastante pormenorizada.
Por isso, dado que para os objectivos do presente trabalho não interessa
debruçarmo-nos sobre os pormenores das estruturas e dinâmicas dos sistemas
cerebrais, globalmente, para os objectivos que nos proposemos, com a presente
investigação, interessa, primeiramente, salientar a existência do sistema límbico e
sua importância no domínio das actividades cerebrais.
Com efeito, de acordo com tais estudos, à volta do núcleo central do
cérebro, existem diversas estruturas, as quais, globalmente, se designam por
"estruturas do sistema límbico". Este sistema interconecta-se com o hipotálamo e,
por tal facto, regula, parcialmente, alguns comportamentos instintivos, visto o
sistema límbico possuir, por um lado, um certo potencial inibitório, o que faz com que
o organismo do mamífero seja flexível e adaptável não só às mudanças do ambiente
mas também às sucessivas progressões do desenvolvimento. Por outro lado, o
hipocampo, parte integrante do sistema límbico, exerce primordial importância sobre
a memória pois ele é de capital importância para o armazenamento e retenção de
novos eventos. Também o sistema e desenvolvimento do emocional encontra-se
envolvido com o sistema límbico. Daí a aceitação, hoje em dia, da existência do
cérebro emocional e do cérebro racional.
0 cérebro emocional, segundo leis epigenéticas do desenvolvimento
humano, terá surgido das necessidades de sobrevivência do tronco cerebral e, de
tais mecanismos, terão emergido os sentimentos e as emoções que se encontram
no sistema límbico, significando isto que, na dinâmica do desenvolvimento da
genofenotípia, o cérebro emocional terá surgido antes do cérebro racional.
Este cérebro emocional, de acordo com Goleman (1995), é agente essencial
do autocontrolo, da motivação intrínseca, da persistência e do zelo, características
essenciais de sucesso na actual sociedade pós-industrializada.
A emergência do cérebro emocional, isto é, a inteligência emocional,
apresenta-se, então, como uma aptidão essencial ou como uma capacidade que
afecta, pela positiva ou negativa, todas as outras capacidades do indivíduo. É que,
segundo este autor, Goleman (1995), a inteligência emocional possui consideráveis
potenciais de reconhecimento das suas próprias emoções, de discriminação dos
diferentes sentimentos (auto-conhecimento emocional), de controlo emocional, isto
é, de reconhecimento dos seus próprios sentimentos para lidar com eles nas
situações mais diversificadas, de auto-motivação, ou seja, capacidade para orientar
as emoções em função dos objectivos individuais; de empatia, ou seja, de
capacidade de reconhecer as emoções dos outros e capacidade de relacionamento
pessoal, ou seja, capacidade para se gerir e conviver com as emoções e
sentimentos dos outros.
Esta emanação do cérebro emocional, isto é, a inteligência emocional, não é
nem cristalizada nem imutável, mas, sim, um potencial ou capacidade que pode ser
desenvolvida, ensinada e promovida em nós próprios, nos outros e, de maneira
particular, nas crianças, adolescentes e jovens como, de facto, parece ser
demonstrado pelas mais recentes investigações no âmbito da Neuropsicologia. O
próprio Freud, já no primeiro quartel do século XX, tentou demonstrar que as
experiências vivenciadas por uma criança até aos 6-7 anos de idade moldam em
grande parte o seu próprio futuro.
Este cérebro emocional, em recíproca interacção com o neocórtex, isto é,
com a sede do pensamento racional, e estes dois em interacção com os contextos e
conteúdos sócio-culturais dos meios, ditam, em grande parte, o futuro sucesso ou
não-sucesso de um indivíduo. Isto porque o pensamento racional, tendo seus
50
alicerces essenciais no córtex cerebral, emerge de trocas constantes entre o corpo e
o cérebro, através de descargas nervosas, dos fluxos hormonais e através do
sangue, sendo influenciadas, por sua vez, por controlos emocionais que regulam o
estado mental, a atenção, a selecção de metas e de objectivos, bem como suas
respectivas concretizações tanto a nível intelectual como social, individual como
colectivo.
A nível de cartografia cerebral, o cérebro humano apresenta-se dividido em
dois hemisférios e, cada uma das duas partes laterais e simétricas do cerebelo,
derivam do telencéfalo. Estão reunidas por comissuras inter-hemisféricas e pelo
tronco cerebral, os quais, sendo muito desenvolvidos, recobrem todas as outras
partes do cérebro. Separados um do outro pelo corpo caloso, espessa lâmina de
substância branca que reúne os dois hemisférios, ele é a mais importante das
comissuras inter-hemisféricas que formam uma verdadeira ponte telencefálica dum
hemisférico ao outro e possui cerca de duzentos milhões de fibras, cuja maioria são
fibras mielinizadas que constituem uma estrutura intracerebral de cooperação
funcional entre os dois hemisférios cerebrais. Cada um desses hemisférios possui
vários lobos cerebrais, isto é, os lobos frontais, parietais, temporais, occipitais.
Embora, aparentemente, pareçam simétricos, na realidade, os dois
hemisférios cerebrais possuem assimetrias. É que o hemisfério esquerdo é quase
sempre maior que o hemisfério direito, mas, por outro lado, o hemisfério direito
possui muitas mais fibras neuronais e mais longas que o hemisfério esquerdo. As
fibras do hemisfério direito conectam áreas amplamente separadas do cérebro e as
fibras do hemisfério esquerdo efectuam suas interconexões dentro de uma área
limitada. Os hemisférios intercomunicam entre si e completam-se nas suas funções,
embora um funcione de forma diferente do outro. A sua comunicação é efectuada,
essencialmente, através do corpo caloso, ampla faixa de fibras nervosas que
efectuam a conexão entre um hemisfério e o outro, o que faz com que se
completem, desenvolvam e harmonizem nas suas funções específicas.
De facto, já no século XIX, Brocca e Wernicke, através de cirurgias
efectuadas, foram levados a conclusões de que os dois hemisférios cerebrais tinham
funções distintas. Observaram, então, que as lesões efectuadas no hemisfério
esquerdo implicavam a existência de acentuados problemas da linguagem. Por outro
lado, J.H. Jackson descobriu que as lesões efectuadas no hemisfério direito
provocavam considerável diminuição da visão. Por isso, na primeira metade do
século XX era consenso, entre os neurologistas, que o hemisfério esquerdo do
cérebro humano era especializado na linguagem e o hemisfério direito possui as
funções não-linguísticas. Em 1981, Roger Sperry, Prémio Nobel de Medicina, por
seus trabalhos sobre o funcionamento dos hemisférios, observou que, se tirar o
corpo caloso de um paciente, as comunicações inter-hemisféricas são neutralizadas,
visto estas efectuarem-se através dos milhões de neurónios que compõem o corpo
caloso.
Os estudos posteriores vêm confirmadas tais descobertas e, hoje em dia,
sobretudo através dos trabalhos efectuados com câmaras de positrões, é
comumente aceite que os hemisférios cerebrais de uma pessoa funcionam de
maneira diferente, mas complementar. 0 hemisfério esquerdo é, portanto, o
hemisfério da linguagem digital, linear, lógica e directa; das regras gramaticais e
sintácticas, da análise sequencial, das explicações, das recordações, das
sequências amplas e do predomínio do fundo sobre a forma, enquanto que o
hemisfério direito é o hemisfério das imagens, do não-verbal, da linguagem corporal,
do analógico, do gesto, das posturas, das mímicas, das entoações, dos ritmos, da
51
melodia, das frases, dos silêncios, etc., bem como da análise global, da intuição, da
forma e das recordações de imagens complexas. De uma forma sintetizada digamos
que o hemisfério esquerdo do cérebro governa a capacidade de expressão através
da linguagem, as actividades lógicas e analíticas e as computações matemáticas,
enquanto o hemisfério direito responde a substantivos comuns, selecciona
objectos e responde a associações desses objectos sentindo-se inábil para
compreensão de formas linguísticas abstractas.
Apesar da existência das distintas funções dos hemisférios cerebrais, e, de
nos encontrarmos numa futura civilização que valoriza, essencialmente, as funções
do hemisfério esquerdo, de maneira particular a nível escolar e profissional, no
cérebro normal, os estímulos que entram num hemisfério são rapidamente
comunicadas ao outro por meio do corpo caloso, de maneira que o cérebro funciona
como um todo unitário, facto que não acontece quando a corpo caloso sofre danos
ou é cortado.
No entanto, a nível de pragmatismo funcional, é possível utilizar, para
exercitação de desenvolvimento, os hemisférios separadamente, para, em seguida,
combinar e interrelacianar suas funções, facto que as desenvolve acentuadamente.
Estas exercitações passam, sem dúvida, pelo emprego das técnicas de
cartografia mental ou literacia mental, fazendo com que as funções do cérebro direito
se desenvolvam de forma mais acutilante, expansiva e manifesta. É que, como o
Professor Sperry, da Califórnia, demonstrou as funções do hemisfério esquerdo:
palavras, lógica, números, sequências, linearidade, análise, etc, estão muito mais
desenvolvidas que as funções do hemisfério direito: percepção espacial, ritmo,
imaginação, figura global, entoação, côr, dimensão, etc..
Estes predomínios funcionais dos hemisférios cerebrais, em certas
actividades, parecem, de facto, serem mais efeitos das valorizações culturais e
civilizacionais, em que os indivíduos se encontram, que dos próprias potenciais das
estruturas hemisféricas, como de facto se pode demonstrar não só através dos
estudos das culturas e civilizações, por exemplo, a ocidental e a oriental, mas
também através de estudos de interculturalismo.
De facto, a partir das investigações de Ornstein e Michael Biach está-se
demonstrando que as potencialidades ou habilidades cerebrais descritas por Sperry
encontram-se distribuídas em todo o córtex cerebral e, classificar as pessoas em
função do predomínio do hemisfério esquerdo ou do hemisfério direito é
contraproducente, visto uma tal classificação limitar o desenvolvimento e a
organização das capacidades humanas.
No entanto, encontrando-nos nós nos contextos e dinamismos de uma
cultura e civilização, que valorizam essencialmente as funções do hemisfério
esquerdo descritas por Sperry e, encontrando-se as funções do hemisfério direito em
estado de manifesto subdesenvolvimento, por razões de subvalorização ou nãoaceitação, uma tal tese pode levar imenso tempo a desmontar. É que Sperry,
seguindo a sua tese de valorização dos sintomas neuropsíquicos de desconexão ou
de desunificação da consciência, após certo tipo de intervenções neurocerebrais,
demonstrando a existência potencial de uma auto-suficiência a nível de cada
hemisfério cerebral e com características próprias, não é difícil constatar-se que,
quando as funções lógicas e analíticas do hemisfério esquerdo ficam saturadas, este
deixa de funcionar e, geralmente, só entra de novo em funcionamento após recurso
às funções ou à acção do inconsciente ou do hemisfério direito, através do jogo de
palavras, do saltitar para outros temas, de associação de imagens, de colorações de
conteúdos, etc.. É que, se nos cingirmos apenas ao problema da informação, o
52
hemisfério esquerdo prefere dissecar a informação para a analisar melhor e
concentrar-se nos pormenores, enquanto que o cérebro direito relaciona a
informação com os seus conjuntos mais amplos para ter uma visão geral da
situação. Por isso, com frequência, se passa de um a outro, do geral ao particular e
do particular ao geral. E a harmonia neurofuncional dos hemisférios exige tais
valorizações, pois se a sociedade escolar e profissional exige desenvolvimento do
pensamento lógico e analítico, isto é, do hemisfério esquerdo, a qualidade de vida
exige desenvolvimento das características funcionais do hemisfério direito, isto é,
das artes, dos sentimentos e da criatividade. Por isso, os conceitos ou sistemas
conceptuais de um indivíduo, embora sejam produtos da sua própria mente, eles
possuem as suas fundamentações neuropsíquicas essencialmente no hemisfério
esquerdo sem prescindirem das importações e dinamismos exercidos pelo
hemisfério direito. É que, na realidade, raciocinar, conceptualizar ou resolver
problemas são actividades próprias da mente humana e esta emerge de uma
entidade pessoal ou de um eu individual.
Apesar disso, no entanto, a neurobiologia e mesmo a neuropsicologia
continuam a afirmar que o córtex pré-frontal conceptualiza e raciocina e que o
hemisfério esquerdo é o centro da linguagem. Porém, os conteúdos da linguagem, a
sua função holística, pragmática e generativa exigem a participação activa do
hemisfério direito.
É um facto, no entanto, que efeitos de cirurgias neurocerebrais demostram
que o hemisfério esquerdo do cérebro possui funções predominantes sobre a
linguagem, mas tais efeitos deverão ser inter-analisados nas suas relações e
interdependências dos sentidos e órgãos dos sentidos. Isto porque em relação à
linguagem, como de resto em relação a todas as outras funções humanas, é
necessário ter-se em linha de conta as inter-relações e interdependências das
capacidades linguísticas com o sistema nervoso central do indivíduo em todas os
níveis, e isto tanto a nível anatómico como fisiológico, psicoemocional como
psicocomportamental. É que todas as funções humanas, umas mais que outras,
estão imbuídas e emergem do universo psíquico do indivíduo e, por conseguinte,
possuem os seus potenciais de polivalência, de flexibilidade e maleabilidade, como o
tentam demonstrar os modelos globalistas da psicologia da forma.
Uma tal globalidade, porém, não existe em certas casos de anormalidade ou
em certo tipo de cirurgias neurocerebrais, o que demostra que, como o escreveu
Sperry (1984, pág. 663): "cada hemisfério separado cirurgicamente mostra possuir
uma mente sua própria, capaz de controlar o comportamento do corpo e incapaz de
reconhecer os acontecimentos conscientes do hemisfério oposto".
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CAPÍTULO III
NATUREZA E MECANISMOS DOS ESTADOS MENTAIS E DOS
FENÓMENOS PSÍQUICOS
Entendendo-se aqui, na sua globalidade, fenómenos psíquicos como efeitos
ou produtos das leis epigenéticas de um indivíduo, resultantes das interacções da
sua ontogénese com a sua filogénese, meio, cultura e civilização, tais fenómenos
individuais, em recíproca e mútua interacção, geram fenómenos colectivos e sociais,
devendo estes serem mutáveis, criativos, geradores, dissociados e restruturadores.
Estes comportamentos psicológicos, emocionais, culturais e, também,
relacionais constituem características essenciais de um estado mental de um
indivíduo.
Estado mental é o plano de dinâmica estrutural em que um indivíduo se
encontra num determinado momento e circunstâncias, e, a causalidade de uma tal
realidade factual deverá ser procurada em factores genéticos, predisposições
biopsíquicas, processos afectivos e emocionais, elementos psicocaracteriológicos,
circunstâncias e meios vivênciados, interiorizações culturais e assimilações
civilizacionais, ideias pessoais, conceitos, raciocínios, imagens e símbolos
individuais, etc., inter e retroactiva hipercomplexidade de conjugações constitutivas
de estados, de níveis, de expansões e de vivências de estados mentais individuais.
Apesar de um tal generalizado quadro referencial de mapeamento mental,
não há dúvida que, entre todas as características dinamizadoras de um tal estado, a
concepção de si mesmo, bem como a sua própria auto-imagem, é um dos maiores
e dinâmicos factores da gestação progressiva de estados mentais positivos, visto o
mental perceptuar ou ordenar a dinâmica funcional, o seu enquadramento topológico
e a sua arquitectura. Isto porque as funções mentais e de mentalização possuem
seus substratos neurofisiológicos em constelações ou grupos de neurónios e, os
pensamentos, as ideias e os raciocínios elaboram suas retroactivas dinâmicas, bem
como suas respectivas intercomunicações. Por isso, pensamentos ou estados
mentais falsos ou negativos deixam de interagir eficazmente com suas necessárias
redes neuronais e as necessárias descargas destas não se processam de modo
funcional. Pelo contrário, imagens ou estados mentais positivos, bem como
conceitos reais, objectivos e operacionais, entram em interactiva funcionalidade com
os dados perceptivo-sensoriais, psicocorporais e emocionais do indivíduo e,
estimulam, reforçam e dinamizam não só as suas próprias funções, mas, também,
se enraízam na própria mente, a qual, por sua vez, actuará sobre tais dados, não só
de forma recorrente, mas, também, retroactiva, fazendo com que processos e mente
se envolvam em mais e melhores mecanismos de interactuação, de expansão e de
desenvolvimento.
Uma tal meta-problemática interactiva, consoante a funcionalidade entre
processos neuropsíquicos e estados mentais, encontra seus alicerces fundamentais
na sequencial concepção de si mesmo, nos sucessivos processos de identificação e
nas mobilizantes identidades que um indivíduo vai efectuando ao longo de sua
própria vida, elementos determinantes de sua própria configuração, unidade e
unicidade, bem como factores de sua própria generatividade, a qual implica,
simultaneamente, interacções com suas envolvencias sociais, técnicas, culturais ou
políticas. Isto porque a acção difusa dos estados mentais implica utilizações da
mente, do cérebro, da vontade, bem como, de uma forma geral, de todos os
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processos psicocorporais, isto é, de maneira particular, da interiorização, da vivência
e da expansão do próprio eu corporal.
Uma tal necessária propensão para a activação e dinâmica de tais
mecanismos e processos, tanto psicocorporais como mentais, emerge da conatural
unidade do corpo-cérebro e da mente-consciência, resultantes da desejável e,
necessariamente, harmoniosa coordenação inter-hemisférica de cada pessoa,
essencialmente eficiente a nível de harmonia e funcionamento do sistema nervoso
central, periférico e autónomo, que exigem actividade das conexões interhemisféricas, activações sensoriais dinâmicas, e expansões emocionais e afectivas.
A essência de tais dinâmicos fluxos vitais de cada indivíduo deverá emanar,
essencialmente, dos conaturais processos da mente humana, visto esta envolver o
todo da existência de um indivíduo, possuir necessidades da sua totalidade e
autodinamizar-se através da integrabilidade de todas as suas partes, de todos os
seus subsistemas ou constituintes bioneurocerebrais, emocionais, sòcioafectivos e
culturais, que, lenta e progressivamente, se vão desenvolvendo, adquirindo,
renovando e expandindo como sucede, por exemplo, com o cérebro, o qual aumenta
cerca de três vezes em peso e em dimensão depois do nascimento, e, durante um
tal processo maturativo, as arborescências dendríticas dos neurónios corticais
multiplicam-se de forma considerável. Estes excelentes e progressivos desenvolvimentos estimulam-se reciprocamente, organizam progressivamente as suas funções
principais necessárias aos comportamentos e às adaptações necessárias tanto
motoras como expressivas, tanto inteligentes como linguísticas. Com o
desenvolvimento do cérebro linguístico, o peso do cérebro aumenta, desde o seu
início, mais de 100 g, o que traduz a importância das interacções socioambientais
com o sistema nervoso e seus processos maturativos, revelando, simultanea-mente,
o potencial da selectividade de certos mecanismos adaptativos do indivíduo, os
quais seleccionam funções tanto linguísticas como expressivas, simbólicas como
intelectivas em detrimento de outras.
Uma tal realidade processual emana do facto de que a mente humana é um
produto das realidades experiênciais, em estreita e recíproca interdependência dos
processos neuropsíquicos individuais, das envolventes sociais e culturais, das
situações sociais e dos modelos existenciais impostos às mais variadas e
diversificadas realidades contextuais, fenómenos que fazem com que uns indivíduos
se envolvam mais que outros, e outros sejam mais refractários que muitos.
A factualidade de uma tal realidade evidencia o facto de que a mente
humana é um produto e função do seu cérebro, envolve comportamentos instintivos
e atitudes pulsionais, comportamentos sociais básicos emanados do sistema límbico
e comportamentos intelectuais racionados e emanados, essencialmente, do
néocortex. Tanto uns como outros interdependem de estruturas e de mecanismos
psicomotores, afectivos e cognitivos; de diferentes modalidades de comunicação
interna e de variados estados de percepção externa; de potenciais genéticos e
psicossomáticos, bem como de processos de informação e de interpretação dos
códigos que são absorção de mensagens e de comunicações.
Um tal conjunto de características processuais da mente humana demostranos que esta não é um conjunto de pulsões nem a dinâmica do próprio cérebro,
mas, sim a totalidade da pessoa em acção. No entanto, a mente emerge do cérebro,
das suas funções, dos nervos, dos órgãos e dos sentidos dos órgãos em interacção
com todas as variáveis históricas, sociais, culturais e ambientais do indivíduo,
filtradas através das pulsões e das percepções, das emoções e dos sentimentos, da
inteligência e da vontade.
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O diferenciado potencial de filtração de cada um, emanado das interactivas e
interdependentes constelações de apetências, faculdades, aptidões e capacidades
individuais, em interacção com o potencial de selectividade que cada indivíduo
possuí em relação aos meios e suas respectivas características de dinamização e
vitalidade, constitui o cerne vitalizador da mente individual.
Uma tal concepção do potencial activante da mente humana envolve a
aceitação da positividade das tendências e capacidades naturais e a interacção
destas com os factores sòcioambientais, bem como um maleável controlo destes
pela própria mente, significando isto que corpo e mente, cérebro e pensamento não
estão dissociados, mas sim unitàriamente interdependentes, e, uns são os
resultados da acção de outros, e, todos eles, em processos de mútuas e recíprocas
recorrências, promovem, activam, dinamizam, desenvolvem, deterioram, subdesenvolvem ou asfixiam.
Por isso, certos neurologistas, de maneira particular os ligados às teorias da
comunicação, nomeadamente Gregory e Batesom, eminentes investigadores da
escola de Palo Alto, evidenciam o facto de que os processos mentais têm origem no
funcionamento dos sistemas cerebrais, organizados em níveis diferentes, como
sejam os níveis moleculares, celulares, orgânicos, transorgânicos e, cada um destes
sistemas podem ainda subdividirem-se em níveis inferiores, mas, todos em
interacção.
Da interactiva hipercomplexidade de tais sistemas resulta a mente humana,
pois as subdivisões de tais sistemas, cada vez em níveis mais inferiores e simples,
vão fazer com que as partes daí resultantes, quando consideradas separadamente,
não tenham critérios de espírito (mente), por não possuírem a complexidade
suficiente. Em tal sentido, o espírito ou mente seria resultante de um agregado de
partes ou componentes que actuam em si e, em conjunto, de forma sistémica. Uma
tal interacção, entre as partes, seria provocada pela diferença do fenómeno não
substancial e não localizada nem no tempo e nem no espaço.
W. James (1950), ensaiando a análise das funções de natureza dos estados
mentais do ser humano, diz-nos que a mente humana procede de qualquer coisa e
tende verso qualquer coisa de outro; que a consciência depende da polivalência da
mente e que todo o pensamento ou palavra procede da consciência pessoal, os
quais, estando em constante e permanente mutação, fazem com que a consciência
também mude, provocando, assim, mudanças no estado mental de cada pessoa. O
pensamento, por sua vez, aparece sempre relacionado com objectos independentes
dele e, por tal facto, centraliza-se em algumas partes de tais objectos, exclui outras,
selecciona entre eles, aceita-os ou rejeita-os.
Uma tal dinâmica processual do pensamento faz com que os estados
mentais de uma pessoa modifiquem, evoluam, regridam, se restruturem ou
proliferem, visto os estados mentais serem elaborados pelos níveis de interactividade funcional dos mais diversificados conjuntos das funções e potencialidades de
um ser humano, as quais vão da mais simples sensação ao mais complexo
raciocínio, comportamento emocional e afectivo-relacional.
As anteriores características, próprias da natureza de qualquer estado
mental de uma pessoa, fenómeno factual de natureza individual, interdependente da
consciência de cada um e de seus respectivos níveis, é, na sua essência, subjectivo,
único, individual e particular. Por isso, na realidade, não existem o medo, a inibição,
a confiança, a empatia ou a expectativa em geral, mas sim os meus medos, as
minhas empatias, as minhas expectativas, apesar destas influenciarem, directa ou
56
indirectamente, todos os do meu ambiente familiar, social ou profissional com que
me relaciono.
As múltiplas e recíprocas interacções dos estados mentais e individuais
constituem, então, factores essenciais da criação ou mudança de estados mentais
comunitários, grupais ou sociais, como de facto se torna evidente nos seios
familiares, nas dinâmicas grupais , nos trabalhos de grupo, nos trabalhos de equipa,
a nível escolar, profissional ou organizacional, e, mesmo nas próprias comunidades
residenciais.
Estes recíprocos efeitos, emanados da epistémica subjectividade de cada
indivíduo, são, ontologicamente, propriedade de cada um, embora cada um possua
partes dos outros e os outros interpretem cada um em função de seus próprios
estados mentais e em função dos efeitos somáticos e dos comportamentos que cada
estado mental produz. Por isso, a interpretação dos estados mentais de outrém,
apesar de poder ser efectuada através de alguns comportamentos empíricos,
tangíveis ou mensuráveis, possui sempre uma elevada dose de projecção individual
do próprio avaliador ou observador, razão pela qual jamais se poderá falar de
análises objectivas, o que nem por isso deixam de ser científicas.
As características de cientificidade encontradas nos estados mentais,
fenómenos psicológicos e individuais mas reais, intrínsecos e subjectivos; interiores,
privados e qualitativos, interdependem, em grande parte, das dinâmicas sensórioperceptivas, dos dinamismos conscientes e inconscientes de cada um que, mútua e
reciprocamente, intercontaminam-se sobrepticiamente, originando produtos, obras,
factos e acontecimentos; atitudes e comportamentos; ideologias, crenças e valores
que se auto-transcendem, expandem e difundem; mudam, transformam, regeneram
e perecem, originando novos estados mentais, reduzindo-os, asfixiando-os ou
aniquilando-os, e, fazendo com que os interactivos efeitos de várias súmulas de
estados mentais, umas vezes se transformem em mitos e outras vezes em
paradigmas, umas vezes em axiomas e outras vezes em valores, umas vezes em
optimismos e outras vezes em pessimismos, umas vezes em regenerações e outras
vezes em destrutividades opostas a todo o tipo de razão, de lógica, de raciocínio e
de criatividade.
A realidade factual dos anteriores possíveis comportamentos, subjectivos e
individuais, reais e concretos, demostra, sobejamente, que, a própria realidade
mental, psicológica e psicocomportamental de cada pessoa, não só emerge de
estruturas neurocerebrais e orgânicas ou biocelulares, mas, também, de seus
próprios dinamismos emocionais e afectivos, interrelacionais e culturais,
ecossistémicos e sociais, significando isto que os condicionalismos ou estimulações
dos meios físicos, familiares, sociais e culturais, também condicionam ou estimulam
os potenciais estados mentais de um indivíduo. É que, embora uma pessoa possua
intrínseca necessidade de ser ela mesma, mesmo quando se torna ela mesma,
torna-se através dos outros.
No entanto, as estruturas neurofisiológicas do indivíduo possuem uma
intencionalidade, e, todos os factores e agentes do meio, deveriam cooperar com
ela, tanto na ascendente hierarquia de desenvolvimento da cognição como na
aquisição dos conhecimentos, na elaboração dos valores como no desenvolvimento
das normas, das leis, dos costumes e das éticas. Um tal conjunto de factores, por
sua vez, retroagem diferenciadamente sobre os dinamismos neurocerebrais de cada
pessoa, e, ao reorganizá-los, deveriam motivar a sua própria intencionalidade de
desenvolvimento, expansão, irradiação e divergência, fazendo com que, a metaorganização cerebral de cada um, se torne cada vez mais flexível e activante, mais
57
profícua e proliferante em relação não só aos seus dinamismos corporais mas
também bioenergéticos, sensoriais e emocionais, condições e factores essenciais da
vivência de um todo harmonioso, equilibrado, total e pleno, apesar de
permanentemente inacabado.
Um tal conjunto de recíprocas interacções indivíduos-meios faz com que os
factos históricos, sociais e culturais e os comportamentos interrelacionais,
emocionais e afectivos restruturem, reactivando, as redes comunicacionais dos
dinamismos neurocerebrais e estes, por sua vez, originem factos cognitivos,
culturais, históricos, sociais e tecnológicos diferentes em parte ou na totalidade.
É que, de facto, sendo reais as interacções funcionais entre estruturas
cerebrais, processos e estados mentais, uma tal trilogia constitui, funcionalmente,
uma realidade única e de verdadeira e indissociável interdependência das estruturas
e interactividades das regiões cerebrais específicas, alicerçadas em sistemas
anatómicos, celulares e biológicos, processadores das géneses cognitivas, psíquicas
e mentais induzidas pelo funcionamento do encéfalo e pelas redes neuronais,
constituídas por mais de cem mil milhões de células nervosas, que se interconectam
em sistemas que produzem a nossa percepção do mundo, centralizam a atenção do
indivíduo e controlam a sua máquina, bem como seus mecanismos responsáveis
pela acção.
Ora, apesar de na última década se terem efectuados prodigiosos progressos na
descoberta do cérebro humano e da sua funcionalidade, muitas das conexões das suas estruturas
são ainda desconhecidas por completo, e isto apesar das neurociências nos ensinarem que cada
11
neurónio realiza, em média, mil conexões e recebe muitas mais, e que o encéfalo humano tem 10
14
neurónios e estabelece 10
conexões, encontrando-nos, de facto, perante uma realidade
neurocerebral extremamente hipercomplexa, cujos verdadeiros e reais potenciais estamos longe de
antever.
No entanto, apesar de uma tal extrema hipercomplexidade, cujos potenciais
se tornam impossíveis de prodiagnosticar a nível neurocerebral, um tal fenómeno
torna-se ainda muito mais complexo ao saber-se da existência da cooperação
intrínseca, mútua e recíproca, retro e interactivamente funcional entre processos
cerebrais e estados mentais. Uma tal cooperação não só é qualitativa, mas também
funciona de forma unitária e orientada para concretização da própria intencionalidade do cérebro, fazendo com que fenómenos mecânicos, químicos, eléctricos,
celulares, activadores de grupos neuronais, sendo desencadeadores dos fenómenos
psíquicos, entrem em colaboração com o emocional e com o afectivo, com o
corporal e com o mental e produzam acções comuns, conaturais aos processos, aos
níveis e aos estados mentais de cada pessoa, a qual, sem a sua própria actividade
cerebral e a colaboração do seu sistema nervoso central, não funciona, visto ser a
silenciosa actividade do cérebro que torna possível a mente, e, uma tal recíproca e
unitária organização impregna não só as funções superiores do ser humano, mas,
também, todas as restantes funções orgânicas.
É que, de facto, actividades orgânicas, funções cerebrais e funções mentais
interagem no sistema nervoso central e sobre ele, evidenciando, assim, a unidade e
unicidade de cada ser humano. Por isso, cérebro e mente, nervos e músculos,
intestinos e estômago, coração e pulmões, colaboram, unitàriamente, no desenvolvimento e na expansão, na concretização e na realização de cada ser humano.
Uma tal unidade funcional do ser humano procede por interactivas hierarquias de
capacidades e aptidões, percepções e sensações, sensibilidades ou mobilizações constituintes de
“planos de fundo”. Estes planos possuem complexas hierarquias de intencionalidades como, por
exemplo, a da motricidade, da sensorização, da lateralização, da tonicidade, da cerebração, da
comunicação, da linguagem, da simbolização, do raciocínio, da conceptualização, da imaginação, da
criatividade, da compreensão, da interpretação, das crenças, dos desejos, das experiências e das
58
vivências, etc.; etc.. E é da dinâmica concretização do conjunto destas hipercomplexas, múltiplas e
interactivas intencionalidades que emerge o facto do ser humano se sentir ele mesmo.
No entanto, este complexo conjunto de intencionalidades não teria sentido nem
coordenação se não existisse uma estrutura de fundo única e unitária, a qual coordena as aptidões e
as capacidades, as destrezas e as competências, as intencionalidades e as satisfações, as realidades
e as realizações. Tal estrutura é, simultaneamente, dinâmica, mobilizadora e de natureza
genofenotípica, desenvolvedora do natural e interiorizadora do adquirido. Faz com que dados
exteriores, mesmo de natureza científica, se tornem partes integrantes da sua dinâmica como
sucede, por exemplo, hoje em dia, com os postulados : “ a acção precede o conhecimento e não há
acção sem percepção, nem percepção sem acção”.
De facto, o perceptível move os mecanismos através dos quais o organismo
toma conhecimento e o este, através das suas excitações sensoriais, receptores e
transmissores, move o potencial da actividade cognitiva de um indivíduo. A nível
factual, porém, duas realidades distintas se confrontam: o objecto material,
cognoscível e a mente, cognoscente. Estruturas e dinâmicas mentais procuram,
então, adaptar-se a estruturas materiais, através de acordos multiformes,
fragmentários, jamais gerais e muito menos universais. É que, como escreveu Edgar
Morrin : “ o ser não tem existência lógica e a existência não tem ser lógico ” ( O
Método 4. as ideias: a sua natureza, vida, habitat e organização, p. 180 ).
De facto, embora a mente humana possua capacidades de permanentes
computações e de efectuar computações-descomputações, tanto o espaço como a
temporalidade, as evoluções como as interlógicas, as emergências como as
entropias, e, tanto os permanentes desafios e rupturas com as próprias lógicas
tornam-as inadequadas à própria realidade. Por isso, as intenções, criações,
resoluções ou soluções emanadas da própria mente são, simultaneamente, produto
de algo mais que ultrapassa a esfera do mental, isto é, também do sensorial e do
emocional, do lógico e do extralógico, do consciente e do inconsciente. Por tal razão,
a tradicional dedução lógica mitifica ou desmitifica o real e a lógica indutiva
parcializa-o. Apesar disso, da necessária intercooperação entre as duas lógicas e da
necessária interacção entre a lógica do abstracto e a lógica do real, o cognoscível
permanece aquém ou além da sua própria realidade, isto é, um subfragmento ou um
superconceito do real. Os superconceitos, constitutivos de modelos, construtos e
ideologias, mitificam a realidade e os subfragmentos desvalorizam-a. Os primeiros
impelem o ser humano para um mito divinizante e as segundas não dão resposta às
expansivas necessidades do cérebro humano. É que este não só possui
potencialidades, necessidades, aspirações e desejos, mas, também, é alimentado
pelos sentidos e pelos órgãos dos sentidos, pelas pulsões e pelas emoções, pelas
atracções e pelas defesas, pelas intuições e pelas comparações, pelas emissões e
pelas transmissões, pelo inconsciente e pelo consciente. As potencialidades e
capacidades funcionais do conhecer emergem do todo do ser humano e é esse todo
que deve ser valorizado. É que, como muito bem o formulou A. Heyting, em 1930: «a
possibilidade de pensar não pode ser reduzida a um número definido de regras
construídas anteriormente». K. Gobel, em 1931, formulou o seu teorema da seguinte
maneira: “ a descrição epistemológica completa de uma linguagem A não pode ser
dada na mesma linguagem A, porque o conceito da verdade das preposições de A
não pode ser definido em A “. Sendo um facto que um tal teorema afunda com o mito
e com a existência de uma lógica auto-suficiente, Karl Popper, insistindo na
insuficiência da indução e da verificação, destruiu o carácter universal da certeza
que tanto a indução como a verificação podiam trazer.
Face a uma tal realidade factual das limitações do saber, não há dúvida que
o que conhecemos é apenas um efeito da interacção da nossa mente com o mundo
pelo qual somos envolvidos e, por tal razão, aquilo que conhecemos não é a
59
realidade, mas sim uma certa realidade dos seres, das coisas e dos objectos; dos
factos e dos fenómenos. Por tal razão, as nossas estruturas e dinamismos do
conhecimento são coproduzidos ao longo dos nossos processos e ciclos vitais, e
influenciam os aspectos do conhecimento das realidades, visto estas serem, pela
própria mente individual, organizadas e reorganizadas, estruturadas e restruturadas
em função das percepções e das sensibilidades, do intelecto e dos conhecimentos,
do potencial de integração e da absorção de cada unidade biossociopsicomental. É
uma tal unidade que impõe ou projecta as suas formas e estruturas mentais sobre o
mundo exterior, sobre o real, os factos e os fenómenos, e, graças a tais interacções,
ressensibiliza, restrutura, reforma ou reformula as suas relações raciocinantes,
pensantes e mentais com as realidades exteriores, e, esse conhecimento, do
exterior, pode ser objectivo, mas, apenas, nas nossas percepções e relações com o
mundo exterior, com os factos e os fenómenos e não com a realidade em si. Isto
porque as actividades cognitivas do ser humano ligam e interligam processos lógicos
de dedução e de indução e, procurando alhear-se da contradição, conectam
racionalidade com postulados, axiomas e operações lógicas, chamando, aos seus
efeitos, certezas racionais emanadas do que Castoriadis denominou «lógica
conjuntista-identitária», a qual procede de forma idêntica à lógica clássica,
construtora de regras computacionais para todo o pensamento e para qualquer
sistema tradicional de ideias, enraízado suporte das normas intelectuais, dos
conjuntos de atitudes e de comportamentos, da criação e do desenvolvimento de
culturas e de civilizações, das relações sociais, das convivialidades pessoais e das
manifestações afectivo-emocionais.
Pensamentos e raciocínios, actividades cognitivas e actividades mentais
aparecem, então, como produtos ou efeitos das estreitas, mútuas e recíprocas
interdependências funcionais de tais características, e, o ser humano, avaliando-se
por tais atributos, permanece sem saber que o é, e, muito menos, o que deve ser. É
que, através dos seus raciocínios dedutivos, aplicando as regras gerais aos casos
particulares, os indivíduos anulam as suas especificidades, e, através das suas
lógicas indutivas perdem-se no específico e especulam sobre o geral, atitude
raciocinante que fez com que Russell escrevesse: «eu não posso deixar de pensar
que a nossa crença obstinada na indução apresente certas relações com a
expectativa animal». No entanto, apesar do pensamento racional possuir os
potenciais necessários para associar, em simultâneo, indução e dedução, visto o
ponto de chegada de uma indução tornar-se ponto de partida de uma dedução, a
real e autentica certeza que um ser altamente computante possui é a certeza de
possuir a certeza de não poder adquirir a certeza nem a não-certeza.
Na dinâmica de uma tal hipercomplexa ambiguidade, o ser humano pensa e
repensa, busca e rebusca, procura e investiga, e, apesar de encontrar relações e
interrelações entre ele e o real, solidariedades, emergências, parcialidades ou
totalidades cuja a concepção da realidade é sempre uma concepção que a mutila.
As lógicas humanas, indutivas e dedutivas, por mais abstractas, são lógicas de
instrumentalização do real, de manipulação deste em função das necessidades
individuais e, manipulando-se o real, manipulam-se os conceitos e, ao manipular-se
os conceitos mutila-se as capacidades do conhecimento, do pensamento e da
mente.
Um tal conjunto de comportamentos inter-humanos, bem como das suas
inter-relações com as realidades factuais e fenoménicas, evidencia a existência das
multidimensionadas concepções científicas acerca da mente, da racionabilidade e
60
da consciência humana, bem como das suas potencialidades, dimensões e
intencionalidades da indivisível união da mente-cérebro.
É que de uma tal indivisível e homeostática unidade emergem necessidades
próprias, quantitativas e qualitativas, materiais e psicológicas, emocionais e mentais,
subjectivas e objectivas, emanadas de estruturas corporais, sensoriais e perceptivas;
de instintos e de desejos, de pulsões e de intenções conaturais à natureza biossociopsicológica e psico-afectiva-emocional de cada ser humano, o qual necessita
de respostas satisfatórias, complementares e estimuladoras.
No entanto, todo este conjunto de necessidades emerge das interacções dos
processos bioneurocerebrais, em recíprocas interacções com os factores do
ambiente, dos meios, dos trabalhos e das motivações individuais, e cujos efeitos
desenvolvem necessidades de intencionalidades, de orientações, de expansões, de
concretizações e de congruências, estimuladoras de comportamentos novos, de
transformações e mudanças a nível de atitudes, de ruptura com os passados e de
emergência dos presentes, bem como de prospectivações dos devires e dos futuros.
Tal é o efeito da intrínseca e profunda necessidade de segurança do ser humano, o
qual possui necessidade de caminhar e de se desenvolver sem acentuadas
desidentificações com o passado, mas sim liberto dos viciosos e pandemoníacos
círculos das esteriotipias do presente, o que implica a existência de respostas
satisfatórias às necessidades vitais, funcionais e homeostáticas de um indivíduo no
seu presente, as quais, interiorizadas na sua individual estrutura de fundo,
colaboram com os restantes factores estruturais da sua natureza na elaboração e
desenvolvimento de novas e diferentes intencionalidades, objectivos, metas e
concretizações reais, factores originadores de novos níveis de consciência
individual, bem como de novos e diferenciados estados mentais, e, por tais factos
processuais, os indivíduos elaboram novas e diferentes estruturas cognitivas, tanto a
nível qualitativo como quantitativo, o que os potencializa para novas e diferentes
interrelações e interacções.
I - DINAMISMOS DOS PROCESSOS SENSÓRIO-PERCEPTIVOS DOS ESTADOS
MENTAIS
Sendo a comunicação do ser humano com o seu meio e ambiente efectuada
através de sua própria pele, órgãos e sentidos dos órgãos, que conduzem a
informação às regiões cerebrais, uma tal actividade, dependente da importância e do
valor que seu proprietário lhe dá, tanto em qualidade como em estima, em
desenvolvimento como em acção, seria o suficiente, caso outras razões não
existissem, para hieràrquicamente, tanto em qualidade como em quantidade, se
distinguirem as capacidades de apreensão do real de um indivíduo do outro.
É que, de facto, a recepção das informações do exterior interdepende,
enormemente, da acção e do desenvolvimento dos tipos de sensibilidades que seus
próprios receptores possuem, quer estes sejam de natureza química, mecânica,
térmica, exteroceptiva ou próprioceptiva.
A interactividade dos receptores constitui e desenvolve no indivíduo
fenómenos sensitivos, de sensibilização e de sensações, não só enriquecedores das
próprias vitalidades mas também desencadeadores bioenergéticos e motivadores de
acção. Isto porque o sensorial, globalmente, bioenergiza as estruturas nervosas e
61
estas, através das informações e mensagens que veiculam, elaboram dinâmicas
específicas de libertação, de expansão, de orientação, de estimulação ou de
condicionamento tanto do sistema nervoso periférico como do sistema nervoso
central.
Um tal conjunto de dinamismos processuais positivos ou negativos informa
o cérebro e este, em função das suas estruturas, experiências, vivências e
associações, valoriza ou desvaloriza tais informações, elaborando, a partir destas,
as suas próprias mensagens. Tanto a qualidade como a quantidade de tais
mensagens geram no indivíduo intencionalidades pré-condicionantes, embora, do
conjunto de tais interacções, da sua natureza, dinâmica e vivências, resultem
maiores ou menores aberturas, disponibilidades, maleabilidades e flexibilidades
geradoras de sequenciais atitudes e comportamentos positivos, estimulantes e
motivadores.
De facto, um tal conjunto de interacções retroactivas e recorrentes,
reciprocamente efectuadas entre o sensorial, os sentidos, os órgãos dos sentidos e
o cérebro em geral geram fenómenos sensitivos e aumentam ou diminuem as
capacidades de percepção e de transmissão das sensações cutâneas e
exteroceptivas, fontes de alimentação do próprio cérebro e, simultaneamente, do seu
descondicionamento, graças aos processos de sensibilização deste, o qual, por sua
vez, se torna epicentro de energia, de vitalidade, de estímulo e motivação, e faz com
que o cérebro se adapte, com maior ou menor flexibilidade, às circunstâncias,
originando, através de tais interacções, mecanismos e processos de percepção com
hierarquias de maior ou menor actividade-realismo, utilização ou prazer. Em
consonância e dependência de tais categorias, o cérebro assimila, acomoda-se,
interioriza ou interpreta as informações oriundas do sensorial, graças à actividade e
interactuação deste ou daquele conjunto de neurónios, estimulados ou motivados
pela acção mais ou menos rica da natureza, de conteúdos e dos contextos
sensoriais, riqueza que se irá diluindo através da acção dos lobos frontais e préfrontais, e, da interacção com suas diversas áreas, as quais elaboram a imagem, a
ideia, o conceito e os raciocínios, tornando possível a elaboração mental e a
concretização da acção voluntária, o que faz com que, a partir daí, mente, vontade,
experiência e meio interajam mútua e reciprocamente, combinando-se e
estimulando-se, inibindo-se ou bloqueando-se, como de facto se constata através
das análises efectuadas com recém-nascidos ou com os resultados dos efeitos dos
meios ambientes, dos processos de desenvolvimento emocional, afectivo e cognitivo
das crianças. É que, se o meio, marca significativamente o cérebro, também a
restruturação do cérebro ou a sua reactivação gera no indivíduo diferentes relações
com o meio.
Os próprios factores de crescimento biológico, em sua dependência de
outros factores de natureza física e química, ambientais e sociais, ilustram bem a
necessidade que as estruturas cerebrais de um ser humano possui de ambientes
adequados à sua própria natureza e funcionalidade, as quais são, de forma
acentuada, modeladas, estimuladas, reactivadas ou inibidas por estes,
originando-se, assim, fenómenos de polivalentes correntes biossociopsicológicas,
caracterizadoras tanto de comportamentos biofísicos como psicomentais e, por
conseguinte, também de experiências com maiores ou menores níveis de
consciência individual, e, por tal facto, subjectivas, marcadoras da individualidade,
da percepção e das relações com o exterior, sintetizadoras da anterioridade vivencial
e reorganizadoras do todo presencial, apesar da apreensão da dita “objectividade”
62
não passar de dois ou três aspectos do real, em consonância com a maior ou menor
momentânea intencionalidade do cérebro.
É que, a nível dos factos, o cérebro capta o real em função da sua
organização e é ele que deverá conseguir a flexibilidade necessária para a
apreensão do mundo dos factos e dos fenómenos, visto a relativa apreensão da
objectividade depender da sensibilidade neurocerebral, do seu actuante estado de
plasticidade, de flexibilidade e maleabilidade; da interactividade das suas funções e
dos seus potenciais de envolvência. De uma tal interactiva correspondência entre o
cérebro e o real, o facto ou os factos, o fenómeno ou os fenómenos, dependerá a
maior ou a menor objectividade do conhecimento, a maior ou menor eficiência, bem
como o maior ou menor grau de certeza ou incerteza, visto o cérebro alimentar-se de
informações, e, quantas mais possuir, sem atingir o seu nível de saturação, mais rico
permanecerá, e, por conseguinte, mais e melhores mensagens elaborará, e, por tal
razão, caso oriente tais mensagens, mais possibilidades terá de adequar a mente ao
facto real, visto, em seu sentido tradicional, a verdade ser a adequação da mente à
coisa ou ao facto, isto é, adequação da sua organização cognitivo-mental às
situações dos factos ou à organização dos fenómenos, visto tratar-se de uma
reprodução mental e não de uma cópia ou de um reflexo da realidade, resultando,
então, o conhecimento das correspondências cognitivas, efectuadas entre o
cognoscente, o seu conhecimento e o cognoscível, o que faz com que o
conhecimento do cognoscente desempenhe a função de dispositivo de ligação e de
interacção oscilatória entre o cognoscente e o cognoscível.
O conhecimento do cognoscente mobiliza a realidade factual ou fenoménica,
e, esta permanecerá sempre relativa ao conhecimento, visto este jamais poder
conhecer a totalidade que está por detrás de um facto ou fenómeno. Pretender
conhecer exaustiva ou radicalmente uma verdade total constitui, por isso,
denominador da antirazão. No entanto, não só certos cognoscentes, mas, também,
certos processos cognitivos e estados mentais de este ou daquele cognoscente
fazem com que uns se aproximem mais da verdade que outros ou que uns tenham
muitas mais limitações que outros, e, outros nem sequer de longe se aproximem de
tais verdades. Restringindo-nos, aqui, as exemplificações de normalidade funcional,
a nível neurocerebral tais limitações tornam-se, mais ou menos acentuadas, quando
o cognoscente, a nível de processos cognitivos, se conduz por normas de excessiva
simplificação, efectua, de modo acentuado, apenas operações analíticas, sintéticas,
disjuntivas ou redutivas, e não envolve o todo do seu potencial neurocerebral nas
camadas ou estruturas primordiais do real, dos factos ou dos fenómenos que
pretende conhecer, significando isto que, a maior ou a menor objectividade do
conhecimento, possui, como seu fundamento basilar, a relacionalidade do sujeitoobjecto e da mente-mundo, o que faz com que o conhecimento seja sempre realismo
relativo, umas vezes mais repleto de realidade que de irrealidade e outras mais de
irrealidade que de realidade.
Uma tal oscilante dialéctica entre irreal-real e vice versa, efectuada pelo
indivíduo cognoscente, interdepende não só do desenvolvimento e da dinâmica do
seu próprio conhecimento, mas, também, de primordiais factores como a
temporalidade e a espacialidade , o meio e a cultura, os estímulos e as motivações,
factores que condicionam o flexível potencial de todo o sujeito cognoscente.
Uma tal realidade gera no indivíduo consciência de limitações, as quais são
relativamente superadas após consciencialização dos processos de consciência, ou
seja, reflexão acerca das razões causais das próprias limitações, o que gera fluídos
conscientes, geradores de positivos auto-conceitos, imagens de si mesmo e
63
eliminação das disparidades entre sujeito-objecto, visto estes comportamentos
restruturarem as imagens de fundo, desierarquizarem as hierarquias cognitivas,
refundirem as suas estruturas e ressocializarem os seus dinamismos.
Uma tal intrínseca e processual dinâmica do próprio cérebro, dinamizadora
de figuras e de imagens de fundo, enraíza na acção conectiva do seu potencial, cuja
intencionalidade é restruturar-se e expandir-se, desenvolver-se e assumir-se em
processos de inter e retroacções com os factores do mundo real. Um tal conjunto de
tais hipercomplexas interacções não pode seguir, regra geral, uma simples
linearidade da relação causa-efeito, visto uma elevada energia dos agentes
cognitivos não pertencer, directamente, à esfera da cognição mas sim à esfera do
instintivo, do pulsional, do emocional e do afectivo, elementos essenciais da
natureza e dinâmica do inconsciente individual.
Por isso, a mente de um indivíduo, como seus estados mentais, bem como
seus respectivos processos de conhecimento não estão todos envolvidos na
consciência e, caso ousássemos matematizar, diríamos que estão mais no
inconsciente que no próprio consciente. A dinâmica de uma positiva funcionalidade
cognitiva exige que as forças e os dinamismos do inconsciente sejam assumidos e
relaborados pelo próprio consciente, para que este possa efectuar, expandir e
dinamizar o seu potencial e dinâmica de cognição. Por isso, o consciente deverá
procurar no inconsciente e transformar, sucessivamente, maior ou menor parte dos
elementos do inconsciente em consciente, integrando-os neste, restruturando-o e
revitalizando-o.
Apesar da intrínseca necessidade da realização efectiva de um tal processo,
imenso potencial de uma tal relação permanece, ainda hoje, insondável . É que o
consciente de um indivíduo emerge do seu próprio inconsciente, através de
processos inconscientes, os quais não só originam vitalidade, consciência e
autoconsciência, mas, também, possuem, em si mesmo, a capacidade de elaborar
ou desencadear a maioria absoluta das doenças ou desequilíbrios mentais,
emocionais ou psicossomáticos. Uma tal constatação torna-se mais que evidente ao
tomar-se consciência de que a própria consciência do indivíduo conhece
extremamente pouco acerca do organismo, do cérebro, da operatividade do seu
funcionamento, das maneiras como este age e reage em relação ao mundo exterior,
à sua própria interioridade, à cultura, à sociedade, etc.. Por isso, sem inconsciente
não existe consciente e este persegue, incessantemente, o primeiro na tentativa de
descobrir o seu mistério e de conhecer ou explorar, minimamente, o seu saber
acumulado através da evolução sócio-bio-psicológica.
Por isso, sendo o consciente uma parte muito limitada do ser humano, ele
encarrega-se, apenas, de uma parte do conhecimento, visto este elaborar-se, na sua
maioria, através de processos inconscientes, efectuações que explicam a existência
de actividades intelectuais durante o sono e de certas descobertas ou soluções de
problemas poderem aparecer como iluminações súbitas ao fim de um longo trabalho
inconsciente, factos que explicam que as operações lógico-matemáticas ou lógico
linguísticas utilizadas para comunicação dos nossos pensamentos ou conhecimentos não são nem total nem necessariamente conscientes. É que a criação surge, na
maioria absoluta dos casos, das interacções ou interferências entre o consciente e o
inconsciente, e, em seguida, retroage sobre o elemento do qual emergiu, processo
que torna o consciente frágil, com relativa autonomia, inseguro e inconstante, pois
ele sente que pode ser alterado, desregulado e mesmo descontrolado, mais ou
menos estimulado ou mais ou menos inibido por contingências, acidentes ou
incidentes que afectem o inconsciente ou a própria dinâmica da máquina cerebral.
64
No entanto, infelizmente, nem sempre a dinâmica do consciente toma
consciência das suas disfuncionalidades relacionais com o inconsciente, visto a
própria porta de passagem, o pré-consciente, não se encontrar em situação ou com
dinamismos adequados à harmoniosa confluência de elementos ou factores do
consciente e do inconsciente, o que conduz o indivíduo a regressões, a rupturas
consigo mesmo, a falsas consciências e a vivências no mundo das confabulações,
fenómeno comportamental que se torna muitíssimo pior que a inconsciência, visto o
indivíduo passar a viver num mundo que, sendo ilusório ou fantasmagórico,
permanece convencido de que vive no mundo real. No entanto, desenvolvimentos
ou progressos do conhecimento de um indivíduo não implicam, necessariamente, o
desenvolvimento e a expansão da sua autoconsciência, o que faz com que o sábio
ou o génio possam ser, ao mesmo tempo, um inconsciente, um desequilibrado ou
um doente mental, visto a consciência ser móvel e instável e, por isso, ser passível
de desenvolvimento ou de atrofiamento, de expansão ou de bloqueamento.
A análise da existência de tais comportamentos leva à inferência da
existência de constelações de neurónios mais ligados à elaboração da consciência
que outros, e, tanto o equilíbrio como o hipotético desenvolvimento do seu proximal
potencial implicam acção e retroacção, não só de todas as contelações neuronais,
mas, também, interactivação de todas as redes e guias neurocerebrais, efectuada
com aceitação do inconsciente e seu respectivo potencial e em interacção com a
sensibilidade, flexibilidade, maleabilidade e criatividade emanadas da própria
consciência.
Uma tal exigência da própria funcionalidade equilibradora do ser humano
evidencia subjamente que ele não é um mero efeito, que é um produtor
neurofisiológico e mental de entradas-saídas e que, tanto a nível de sua natureza
como a nível de seus próprios processos e mecanismos de evolução ou
aprendizagem, possui imenso por descobrir.
Sabemos, no entanto, de forma global, que o ser humano normal é dotado
de inconsciente e de consciência e que se o inconsciente possui maiores ou
menores impregnâncias biossensoriais, o consciente possui intencionalidade, a qual,
apesar de não envolver a totalidade do consciente, gera nele, normalmente,
capacidade de orientação e de concretização de uma grande parte dos actos, das
atitudes e dos comportamentos que pretende concretizar, embora, como é obvio,
quando um dado estado mental se deixar evoluir pela depressão, angústia ou
desânimo, pessimismo ou negativismo, ele sinta acentuado esmorecer na
efectivação da intencionalidade, e isto apesar da existência vivencial das anteriores
experiências conscientes. É que as anteriores características de muitos estados
mentais obnubilam a intencionalidade da mente e, a interactiva reciprocidade
funcional consciente-inconsciente permanece ofuscada, através das “portas-janelas”
do pré-consciente ou subconsciente.
Demonstrando a análise de uma tal realidade que a equilibrada
individualidade de um ser humano é efectuada através de uma interactiva expansão
de seus processos bioneuropsicológicos, inacessíveis, em grande parte, à
consciência, esta, porém, pode não só desencadear, mas, também, activar enormes
potencialidades de tais processos, desde que desempenhe funções de marcadores
conscientes e de regeneradores de autoconsciência, bem como de familiarização
com esta, a qual, voltada quer para o interior, quer para o exterior, gera no indivíduo
qualidades, sensações muito variadas de diferença, e, a diferença, segundo Freud,
depende das relações com o mundo exterior, encontrando-se, nela, séries,
semelhanças ou diferenças qualitativas e jamais quantitativas, o que nos leva a
65
afirmar que existem hierarquias de qualidades e de percepções, vitalizadores e
restruturadores dos estados mentais e, por conseguinte, também da sua
optimização, fazendo com que estes se tornem estados mentais familiares,
coerentemente estruturados, abertos e disponíveis à absorção de novas sensações,
percepções, imagens, associações, inferências, induções e deduções.
Ora, sendo a consciência de um indivíduo o epicentro da sua vida mental,
ela influencia não só seus estados mentais, mas também activa ou desactiva, em
maior ou menor escala, os mecanismos e os processos de elaboração e de
desenvolvimento do conhecimento, bem como as relações deste com o mundo
exterior e a comunicação interior.
A existência e dinâmica desta comunicação interior é de capital importância
na elaboração dos estados mentais de um indivíduo, visto estes possuírem os seus
dinâmicos alicerces na existência e dinâmica de sentimentos novos, de experiências
e emoções e na capacidade de compreender o que cada um destes dinamismos
comunica ou produz em tais estados, como sucede, por exemplo, com as
comunicações efectuadas pelos sentimentos de alegria, de tristeza, de ira, de
cólera, de medo ou de amor, podendo, então, entender-se estado de uma pessoa
como sendo os resultados psicocomportamentais e afectivoemocionais das suas
experiências subjectivas vivênciadas num momento determinado.
Estes estados, a maioria das vezes caracterizados por elevadas doses de
emoções e de sentimentos, que interactuam abaixo dos limiares da autoconsciência,
possuem poderosíssima influência não só nas reacções com os outros, mas,
também, em relação a nós mesmos, às atitudes e aos comportamentos, como aos
processos de aquisição do conhecimento e da aprendizagem, sem se tomar
consciência, de facto, de tais dificuldades. Porém, quando a sensatez, a iluminação
ou a força do próprio consciente levam o indivíduo a tomar consciência de tais
causalidades comportamentais, tais mensagens são registadas no córtex cerebral e,
a partir daí, o indivíduo poderá avaliar ou analisar tais dificuldades numa nova
perspectiva, decidir, libertar-se de tais dificuldades ou obstáculos e, então,
perspectivar-se a si mesmo, ao mundo, aos factos e aos fenómenos de maneira
substancialmente diferente.
Um tal processo de auto-consciencialização, quando familiarizado, tem
tendência a captar as dimensões negativas ou obstaculizantes da fluidez de tais
processos e, quanto mais possível no seu início, melhor, pois, após um processo de
captação interiorizada, o indivíduo tende a libertar-se de tais causas, quer estas
sejam de natureza ansiosa, deturpe as imagens ou as ideias da rejeição de novas
emoções, sensações ou sentimentos ou do medo de abertura a novos mecanismos
ou modalidades comportamentais, o que reforça a dinâmica revitalizadora do
indivíduo, economiza-lhe energias, expande-lhe a sua individualidade e desenvolvelhe não só a sua inter-comunicabilidade, mas, também, as suas relações
interpessoais e, através de continuas exercitações, o indivíduo passa a possuir e
manifestar comportamentos muito mais positivos e aprendizagens muitíssimo mais
eficientes, com estruturas cognitivas muito mais interdimensionadas e activadoras,
com consciência muito mais acutilante e pensamento muito mais autónomo e
independente.
De facto, a nível de estruturas e de dinâmicas do conhecimento, embora
vivamos em sociedades, cujo inconsciente colectivo impregna o frágil consciente
individual, constantes modelos do pensar, do conceber e do apreender tanto as
estruturas como as dinâmicas individuais de cada um, na sua realidade funcional,
não são iguais às de nenhum outro. Constatam-se, porém, semelhanças nas suas
66
variáveis, e, o desenvolvimento de algumas destas variáveis influenciam o
desenvolvimento de outras ou o desenvolvimento de umas interdependem do
desenvolvimento de outras. Tal é a pulsão da dinâmica sistémica de um indivíduo, a
qual, a nível das suas intencionalidades profundas, possui necessidades de
desenvolvimento harmonioso, de equilíbrio pessoal e de adaptação social, cuja
concretização, graças à forte influência das dinâmicas socioculturais dos meios, faz
com que, a nível de personalidade pessoal, o ser humano desenvolva estruturas
sociopsíquicas em conformidade com os modelos dominantes dos meios na
sociedade e na cultura, não raras vezes cristalizadores da necessária e
imprescindível flexibilidade, das genuínas destrezas e habilidades, bem como
desviadores da totalidade do potencial desenvolvimento, embora, sociologicamente,
auto-reguladores das formas comportamentais que a sociedade exige para
fundamento da sua coesão. Um tal comportamento do inconsciente social, no
entanto, desvaloriza a realidade factual e o desenvolvimento das estruturas
psicoemocionais do indivíduo, as quais, na essência da normalidade funcional de
suas dinâmicas bioneuroemocionais, possuem como fortes e acentuadas
intencionalidades, a concretização da espontaneidade e o desenvolvimento da
autenticidade, a adaptabilidade e a flexibilidade, a criatividade e a congruência
comportamental, emergentes das interfuncionalidades do cérebro-corpo, bem como
dos retroactivos efeitos da mente em interacção com factores socioambientais.
Do dinâmico conjunto destas últimas interacções resulta a consciência social
do indivíduo, a qual, apresentando-se a ele como a fonte arbitral dos seus
comportamentos, constitui-se, simultaneamente, como uma faculdade que permite
ao indivíduo tomar conhecimento de si, do mundo exterior e das interacções
existentes ou a existir entre um e o outro.
A consciência, segundo Freud, significando consciente, conhecimento,
moral, e, também, essência do psiquismo, permite a síntese e a análise das
experiências do indivíduo em função da estrutura e da dinâmica da sua própria
individualidade.
Por isso, a consciência, possuindo intencionalidades, lida e toma
conhecimento de si mesma, dos outros, das coisas, dos factos e dos
acontecimentos. É selectiva tanto no tempo como em relação aos aspectos dos
objectos com que lida e é receptiva a modificações, embora, em sua progressão de
normalidade, permaneça continua.
Esta consciência elaborada de um indivíduo, formada ao longo de múltiplas
e complexas experiências, vivências, conhecimentos e reconhecimentos, implica o
reconhecimento, por um sujeito pensante, dos seus próprios actos, afectos,
emoções, pulsões, desejos, intencionalidades e projectos individuais. Esta
consciência, ao contrário da consciência básica ou primária, que é o estado em que
o indivíduo se encontra mentalmente, é, no fundo, o estar-consciente de ser
consciente, o que envolve, simultaneamente, consciência das experiências e das
vivências pessoais, das emoções e dos sentimentos, das sensações e das
percepções individuais, subjectivas e pessoais, e, por isso, objectivamente
intransmissíveis, apesar de um indivíduo poder contar a outrém a sua experiência ou
vivências, as suas percepções ou emoções, mas, estas mensagens serão sempre
interpretadas em função da estrutura sòcioemocional e psicomental do interlocutor.
O reconhecimento de uma tal realidade conduz o emissor à consciência da sua
autoconsciência, da sua individualidade e da sua identidade, características
exclusivas do reino humano, alcançadas através dos desenvolvimentos e das
67
evoluções genofenotípicas da espécie humana, geradoras de incessantes
capacidades adaptativas.
A existência de um tal hipercomplexo conjunto de qualidades, propriedades
e características de um indivíduo, demonstra, que todas elas, emergem das suas
estruturas e dinâmicas estruturais, das suas acções e das suas funções
neurocerebrais, as quais, interfuncionalmente, emergem de um todo: o ser humano
individual.
Uma tal interfuncionalidade é, simultaneamente, interdependência e, por
isso, não só a consciência e o consciente, mas, também, o pensamento de um
indivíduo é dependente de múltiplas e complexas variáveis, não só, individualmente,
neurocerebrais, mas, também, de condições e factores antropológicos, sociais,
ambientais e culturais, o que nos coloca face à problemática das hipercomplexas
intencionalidades de um cérebro humano em mútuas e recíprocas interacções com a
complexidade da sua própria consciência.
Tornou-se evidente, porém, que, uma das características essenciais do
cérebro, bem como de todo o organismo vivo em geral, é a de dar início à acção ou,
pelo menos, a de preparar-se para dar. Uma tal afirmação encontra èco nas palavras
de Jean Piaget quando afirma: « a acção precede o pensamento ». Uma tal acção
do cérebro ou, pelo menos, a sua predisposição para a acção, processada
inconscientemente, e, em função de uma impregnada intencionalidade do cérebro
e, em consonância com a sua própria natureza, origina algo de elaboração mental,
elaboração cujos sucessivos processos originam as sucessivas actividades
cerebrais, actividades que, com os seus sucessivos desenvolvimentos e
alargamento, poderão não só desviar, mas até deteriorar ou mesmo asfixiar as
dinâmicas funcionais primárias da actividade cerebral. Tal é, no fundo, a força do
consciente, o qual, por suas decisões, rejeições, bloqueamentos, negações ou
traumas, poderá não só bloquear o desenvolvimento do seu potencial bioenergético
mas até asfixiar, e, mesmo deteriorar as conaturais actividades da sua própria
máquina cerebral.
Esta factível realidade demostra que as conaturais actividades cerebrais,
anteriores à existência da mente, da consciência e do pensamento, deveriam
completar-se, mútua e reciprocamente, interajudarem-se e expandirem-se em
função de todos os seus potenciais, e não o contrário, fazendo com que, em todas
as decisões que um indivíduo tome, estas sejam efectuadas em consonância com as
estruturas cerebrais, a mente, a consciência e o pensamento, visto tais factos
mentais aparecerem depois dos cerebrais e, por isso, dando ordens ao cérebro, a
certos pontos, áreas ou regiões cerebrais, estas executam, com maior ou menor
fidelidade, a ordem recebida da mente, da consciência ou do pensamento, e estas
execuções, por sua vez, não só estimulam e desenvolvem a acção das estruturas
cerebrais, mas, também, intensificam e redimensionam tanto as funções da mente
como da consciência ou do pensamento, graças aos processos de retroacção e de
introinspecção efectuados por tais interacções.
A presente análise do funcionamento do ser humano demostra que este é
um ser biossociopsíquico, em permanente desenvolvimento de intencionalidades,
em busca de acção e de sentido, de orientação e de progressão em sua escala de
desenvolvimento ontofilogenético, genofenoménico, sòcio-emocional e psicoafectivo. Por tais razões, não é difícil aceitar, factualmente, que o funcionamento
cerebral de um indivíduo e sua respectiva dinâmica condicionam, de forma
acentuada, a maneira como ele elabora e desenvolve a sua mente, o seu
pensamento, a sua linguagem e o seu próprio comportamento. No entanto, as
68
variáveis e hipercomplexas consequências de tais elaborações, inobserváveis e
observáveis, interactuam, por sua vez, sobre o funcionamento, a dinâmica e as
funções do cérebro, o que nos coloca perante a hipercomplexa problemática de
natureza neuropsicológica de sabermos como se relacionam as moléculas
responsáveis pela actividade das células nervosas e a hipercomplexidade dos
processos mentais ou, por outras palavras, segundo Kendel e outros ( 1997: 5 )
perante a questão de «entender as bases biológicas da consciência e dos processos
mentais pelos quais percebemos, actuamos, apreendemos e recordamos.».
A tentativa de responder a tais questões teve início no século XIX com os
trabalhos do médico italiano Golgi e do espanhol Ramón Cajal, os quais tentaram
descrever, pormenorizadamente, as estruturas das células nervosas. A partir de
posteriores estudos ao nível da fisiologia, da embriologia e da farmacologia os
estudos acerca das células nervosas, do encéfalo e do comportamento humano,
tornaram-se mais rigorosos, mais precisos e concretos.
Franz Gaal (século XIX) interrelacionou o estudo do comportamento humano
e os conceitos biológicos com conceitos psicológicos. Segundo ele existiam regiões
do córtex cerebral que controlavam funções específicas. Por isso, segundo ele, o
cérebro dividir-se-ia em trinta e cinco órgãos, correspondendo cada um deles a uma
faculdade intelectual ou emocional específica e, ainda segundo ele, devidamente
exercitada, produziria um aumento do tamanho da respectiva área do encéfalo,
aumento esse que seria visível ao crescer e, por tal razão, provocaria um
aparecimento de bossas cranianas que indicavam quais as zonas do encéfalo mais
desenvolvidas. Florens, por sua vez, reexaminou a teoria de Gaal através do estudo
do encéfalo de animais e concluiu que as condutas específicas dos comportamentos
humanos não dependem exclusivamente de regiões específicas do encéfalo mas
que todas as regiões do encéfalo participam, directa ou indirectamente, em cada
função mental, o que faz com que, segundo ele, tanto as percepções como a
vontade tenham acento nos órgãos e nas estruturas cerebrais.
H. Jackson, baseando os seus estudos em pacientes com epilepsia, pôs em
causa a teoria de Florens e, nos princípios do século XX, K. Wernicke, C.
Sherrington e Ramón Cajal desenvolveram a teoria do conexionismo celular, a qual
defende que os neurónios individuais são as unidades de sinalização do encéfalo,
organizando-se, geralmente, em grupos funcionais, conectando-se uns com os
outros de forma precisa. Wernicke, neurólogo alemão, por sua vez, demonstrou que
os diferentes comportamentos são medidos por diferentes regiões do encéfalo, as
quais interconectam-se mediante vias neuronais particulares.
A particularidade neurofuncional de cada indivíduo fora, em síntese,
analisada por Francis Galton (1822–1911) em seus estudos de psicologia
diferencial, o qual, estando convicto que os factores hereditários desempenhavam
um papel importante na determinação das diferenças individuais, tentou demonstrar
a existência de um factor geral da inteligência sobre factores específicos, apesar de
não ter valorizado suficientemente a acção dos factores do meio sobre o
desenvolvimento das capacidades intelectuais.
As técnicas modernas do estudo do cérebro e de análise dos
acontecimentos cerebrais, por exemplo, a tomografia por emissão de positrões
(TEP) revelam-nos ser possível localizar o local onde se deu um afluxo sanguíneo,
devido a uma activação sensorial, motora ou cognitiva. A magnetoencefalografia
(MEG) é uma técnica que regista os campos magnéticos produzidos pelo cérebro,
através de um aparelho que mede a intensidade ou a grandeza do campo magnético
na proximidade do couro cabeludo. Por sua vez, a electroencefalografia ( EEG ) é
69
uma técnica que mede os potenciais eléctricos dos influxos nervosos transmitidos
pelos neurónios através de eléctrodos presos ao couro cabeludo e ligados a um
potencial ultra-sensível, que vai registando a actividade espontânea do cérebro, a
que se sobrepõem outros sinais mais específicos ligados a tarefas motoras,
sensoriais e cognitivas particulares que a pessoa efectua durante o exame.
Além dos objectivos específicos de tais técnicas, estas demostram-nos que
os efeitos dos estímulos sensoriais enviados ao cérebro exercem a sua acção nas
mais variadas regiões, e, não necessariamente, apenas numa região, área ou lugar
exclusivamente. Mesmo quando os estímulos ou constelações estimulares são, a
nível de cartografia cerebral, específicas de certas áreas, como sucede, por
exemplo, com a linguagem, com o emocional, com a visão ou com o raciocínio, etc.,
os efeitos de tais estímulos expandem-se a outras áreas, as quais agem e reagem
interactiva e reciprocamente, demonstrando-nos, assim, a existência do enorme
potencial de elasticidade e de maleabilidade que possuem as estruturas cerebrais,
que são diferentes de pessoa para pessoa ou de indivíduo para indivíduo.
No entanto, estas características de maleabilidade, elasticidade e
adaptabilidade, apesar de serem próprias do cérebro, as suas potencialidades
manifestam-se extraordinárias na primeira e segunda infância, menos reveladoras
na juventude, e, ainda menos no estado adulto, apesar de, naturalmente, se
constatar a existência de enormes excepções, o que, no fundo, confirma a regra.
Estas excepções, porém, são normalmente efeito de acentuadas mudanças
individuais na vida das pessoas como sucede por exemplo, com a mudança de uma
pessoa para novos e diferenciados níveis socioculturais, com os efeitos de
prolongadas psicoterapias estruturantes, visto as personalidades das pessoas
manifestarem, em seguida, atitudes e comportamentos dos seus reencontros
individuais e restruturações pessoais.
A análise de tais efeitos pode demonstrar-nos que, possivelmente, a
actividade das estruturas neuronais de um indivíduo não perdem a sua elasticidade
ou maleabilidade adaptativa, visto todas as mudanças ou aprendizagens desencadearem alterações no cérebro e reforços das interligações sinápticas mas,
provavelmente, tais ausências ou prováveis perdas de elasticidade do cérebro são
efeito dos esquemas mentais e das estruturas cognitivas que os indivíduos, ao longo
de sua vida, foram criando, reforçando ou estimulando.
É que, de facto, sendo os esquemas mentais, culturais ou civilizacionais
conjuntos estruturados de conhecimentos, de imagens, de ideias ou abstrações, um
tal conjunto de estímulos e de objectos de estímulos estimulam o desenvolvimento
de certas zonas cerebrais em prejuízo de outras, como é evidente, por exemplo, na
civilização ocidental, em que a intensidade de estímulos está virada para o
raciocínio tecnológico, matemático ou tradicionalmente dito científico, em
desvantagem de estímulos voltados para o criativo, o espontâneo, o natural, o
emocional ou o afectivo, comportamentos socioeducativos e culturais que
desenvolvem padrões mentais diversificados, tanto de raciocínio como de memória,
de atitudes como de comportamentos, de concepções individuais como de valores
pessoais que estimulam umas áreas cerebrais e subvalorizam, bloqueiam, asfixiam
ou anulam outras. E, a partir daí, jovens e adultos seleccionam, maioritariamente, os
estímulos adequados a tais áreas já desenvolvidas, reforçando, então, os esquemas
de raciocínio, de conceptualização ou de ideologização, em prejuízo do
desenvolvimento de esquemas sensoriais, emocionais, afectivos, interpessoais,
interrelacionais ou intracomportamentais, o que, como é óbvio, inibe, bloqueia ou
70
asfixia o potencial bioenergético de elasticidade e de adaptabilidade do próprio
cérebro.
A partir da existência de tais estruturas e dinâmicas mentais, comandadas
por esquemas e subesquemas psicocomportamentais, as pessoas filtram, tratam,
codificam e armazenam as informações, avaliam e prevêem situações, inferem
comportamentos e decidem acções, tipificando, então, a sua funcionalidade
cerebral, padronizando o seu desenvolvimento socio-cognitivo e reduzindo o seu
potencial de activação neurocerebral, devido à ausência de hierarquias de estímulos
sensorioperceptivos, psicocorporais, emocionais e afectivos, próprios das adesões,
das envolvências e das totalizações.
É que, apesar da existência de áreas cerebrais mais propícias ao
desenvolvimento de uma faculdade que de outra, tais áreas constituem subsistemas
abertos, que agem e reagem positiva ou negativamente, e, de modo interactivo,
sobre outras, apesar de mais imediata e directamente sobre umas que sobre outras.
A dinâmica das estruturas cerebrais obedece, por isso, a uma
funcionalidade, cuja intensidade, qualidade e dimensão interdependem de múltiplas
e hipercomplexas variáveis combinadas e recombinadas em maior ou menor
sintonia, harmonia, equilíbrio e cujos graus de intensidade, interactivação e dinâmica
poderão situar-se entre os níveis mínimos e os máximos. O seu nível de
aproximação máximal exige acentuada intensidade e interactivação de todas as
áreas.
Seguindo de perto os resultados das investigações de Luria acerca das
funções corticais superiores do homem, estas interdependem, segundo o autor, do
trabalho do sistema nervoso da pessoa, em interacção particular com as prestações
mentais e comportamentais, interdependendo, uma tal funcionalidade, da
participação das três unidades funcionais de base do indivíduo, e é da
interfuncionalidade das três áreas ou unidades cerebrais que resultam as funções
superiores da mente humana. Cada uma destas unidades manifesta uma estrutura
hierárquica e assiste, pelo menos, a três zonas corticais, construídas uma em cima
da outra, isto é: as áreas da projecção, que recebem os impulsos e os enviam; as
áreas da projecção-associação nas quais as informações são processadas ou os
programas preparados, e as áreas da superposição, últimos sistemas dos hemisférios cerebrais, responsáveis pelas formas mais complexas da actividade mental,
visto requererem a participação de várias áreas corticais.
A primeira unidade do cérebro modela e regula o tónus cortical e não se
situa no próprio córtex, mas abaixo dele, isto é, no subcórtex e no tronco cerebral.
Possui, porém, uma dupla relação com o córtex, pois tanto influencia o tónus cortical
como está sujeita à sua influência reguladora. É que, como demonstraram Magoum
e Moruzzi, uma tal unidade apresenta uma formação cuja estrutura se assemelha a
uma rede nervosa e em cujo seio se encontram dispersos os corpos celulares de
neurónios, conectados uns com os outros por meio de processos curtos, e, a
estrutura mais importante de uma tal unidade, é a sua formação reticular, que se
desenvolve verticalmente desde a profundidade do tronco encefálico até aos núcleos
subcorticais, mesencefálicos e límbicos.
A estrutura de uma tal unidade, assemelhando-se a uma rede nervosa, faz,
com que excitações ou activações funcionem, não segundo o princípio do « tudo ou
nada » mas, sim com mudanças lentas, que originam modulações graduais no tonos
energético de todo o sistema nervoso. Algumas fibras desta estrutura reticular
dirigem-se para o mesencéfalo, o hipotálamo e o tronco cerebral e, outras, para o
tálamo, o núcleo caldado, o arquicórtex e o neocórtex.
71
Uma tal estrutura, como aparece evidente, possui funções activadoras e
também funções inibidoras, de maneira particular a nível dos processos metabólicos,
do equilíbrio homeostático do organismo, do hipotálamo, do mesencéfalo, do
sistema límbico, e, também, a nível de activação dos estímulos, oriundos do mundo
exterior, facilitando-lhe ou não reconhecimento e orientação.
A via descendente de uma tal estrutura reticular dentro do córtex atinge a
estrutura profunda do cérebro, e, um tal descendente processo é fundamental, visto
ser este, segundo Luria, que transmite a acção das conexões que influenciam a “
actividade reguladora do córtex sobre as estruturas interiores do tronco cerebral e
que constituem o mecanismo por meio do qual as configurações funcionais da
excitação, que nascem no córtex, recrutam os sistemas da formação reticular do
« velho cérebro e recebem dele a sua carga de energia » ( Luria 1977: 67 ). Tudo
isto porque, na realidade, o córtex cerebral serve-se da formação de uma tal
estrutura reticular descendente para procurar a energia necessária à realização de
programas por ele criados.
Por tal facto, os sistemas da primeira unidade funcional do cérebro não
mantém apenas o tónus cortical, mas, também, sofre ela própria a influência
diferenciada do córtex pois, como aparece evidente, os níveis superiores do córtex
pré-frontal recrutam os sistemas inferiores e tornam possíveis formas mais
complexas da actividade consciente do indivíduo.
A Segunda unidade funcional do cérebro preside à recepção das informações, à sua análise e ao seu armazenamento e localiza-se, fundamentalmente, nas
regiões laterais e posteriores do córtex, ocupando as áreas occipitais, temporais e
parietais, isto é, nas regiões da visão, da audição e da sensorização geral. Ao
contrário da primeira unidade, esta não é formada por uma rede nervosa continua,
mas sim por neurónios isolados, que recebem impulsos a partir de sectores
periféricos e se transmitem a outros grupos de neurónios .
Organizado o cérebro hierarquicamente em três áreas : primária, secundária
e terciária, a área primária ou de projecção é, essencialmente, constituída de
neurónios concentrados no quarto estrato celular do néo-córtex, apresentando, os
seus neurónios, uma completa especificidade modal, sensível à propriedade dos
estímulos altamente diferenciados, como sucede, por exemplo, no sistema de visão,
no da direcção do movimento, na natureza das linhas ou na coloração das côres,
etc., o que faz com que a função essencial da área seja a recepção e a
decomposição dos estímulos.
A área secundária do cérebro, que circunda a área primária, é constituída,
predominantemente, por neurónios do terceiro e do segundo estrato celular, ou
seja, fundamentalmente, por neurónios de natureza associativa, cuja função
essencial é a de organizar os elementos analisados na área primária, ainda em
configuração dinâmica, mas já predispostos a uma síntese multimodal.
A área terciária encontra-se localizada na parte inferior do lobo parietal,
hemisféricamente lateralizada, e a sua função essencial é a da realização das
configurações perceptivas multimodais, contribuindo, por exemplo, para conversão
da percepção em pensamento abstracto, memorização de experiências organizadas
e elaboração do pensamento lógico e simbólico.
Esta unidade é regulada essencialmente por três leis, que, no essencial,
dizem o seguinte : a primeira, de estrutura hierárquica, define que o amadurecimento
faz-se por etapas, sendo, nas crianças, de baixo para cima e, nos adultos, de cima
para baixo. A segunda, denominada lei da especificidade decrescente, afirma que,
cada vez menos, existe especificidade por parte do estímulo, mas, maior
72
complexidade na relação com outros sistemas. A terceira lei, ou seja, a lei da
lateralização progressiva das funções superiores do córtex, encontra a sua
aplicabilidade através da operacionalização das zonas secundárias e terciárias, que
estão vinculadas à codificação, ou seja, à organização funcional das informações
que chegam ao córtex, processo que é efectuado com o auxílio da fala. A partir daí
as funções secundárias e terciárias do hemisfério dominante, geralmente, o
esquerdo, começam a diferenciar-se substancialmente das das zonas secundárias e
terciárias do hemisfério não dominante, geralmente o direito.
A segunda unidade funcional do cérebro humano funciona em consonância
com a especificidade modal decrescente e da lateralização funcional crescente e,
representando o meio pelo qual o cérebro pode levar a cabo as suas formas mais
complexas de funcionamento, está na base de todo o tipo de actividade cognitiva, a
qual está, na sua génese, vinculada ao trabalho e à participação da linguagem na
organização dos processos mentais.
A terceira unidade funcional do cérebro humano, propriedade exclusiva das
pessoas, organiza a actividade consciente e programa, regula e verifica o
armazenamento e a codificação dos processos cognitivos da informação. E isto no
sentido em que o ser humano não só reage passivamente à informação, que entra e
cria intenções, forma planos e programas das suas acções e autoregula os seus
comportamentos de maneira que estejam em conformidade com os seus planos e
programas, e, verificando, então, a sua actividade consciente, confronta os efeitos
das suas acções com suas intenções originárias e corrige os erros que tenham sido
efectuados.
Esta unidade, possuindo funções amplamente lateralizadas, ocupa os lobos
frontais e a sua actividade cerebral procede, ao contrário das unidades funcionais
anteriores, da área terciária à área primária.
As áreas primárias desta terceira unidade funcional do córtex são
constituídas pelo córtex motor, situado no giro pré-central, o qual tendo uma área de
projecção, as suas grandes células piramidais dão início aos sistemas de enervação
e de movimento.
A terceira área desta unidade funcional encontra-se localizada nas regiões
pré-frontais dos lobos frontais e caracteriza-se por uma riquíssima rede de conexões
efectuadas tanto com os estratos profundos do cérebro como com o todo da
superfície do córtex, significando isto que as regiões pré-frontais, por um lado,
estruturam, ao nível mais alto, os impulsos elaborados em todas as partes do
encéfalo e, por outro lado, organizam a sua actividade, actividades essas que fazem
com que seja do cérebro pré-frontal que dependem, substancialmente, as
elaborações das intenções e dos planos de acção, a sua actuação e o seu controlo e
que a actividade mental se torne uma actividade hipercomplexa; que se efectue a
relação entre o pensamento e a linguagem e que o desenvolvimento do pensamento
necessite da participação da linguagem.
Ora, como se depreende da sumária descrição, a dinâmica de cada uma
destas unidades é extremamente complexa e, a interactiva funcionalidade de todas
as três unidades, necessariamente, participa e contribui para a construção dos
processos mentais e para a organização cerebral da actividade consciente humana.
Apesar de tudo, a base cerebral da actividade humana emerge do funcionamento
combinado das diferentes unidades.
Estas três unidades interagem entre si e interagem de modo recíproco e
funcional, e, de maneira vertical , horizontal e oblíquamente entre todas as estruturas
73
e subestruturas cerebrais, graças à acção das redes e às vias de recepção e de
transmissão.
Esta persistente e activadora actividade, emergente das estruturas e
dinâmicas das vias e constelações neuronais, criadora de acção e de pensamento,
graças à sua actuante frequência, reduzem as resistências bioquímicas,
bioeléctricas e magnéticas existentes nas vias neuronais dos neuro-transportadores.
A frequência da sua acção tem efeitos de libertação das dificuldades, de
amplificação dos estreitamentos, de redução do desprazer a prazer e, graças a uma
tal exercitação, tais vias tornar-se-ão amplas, sem transtornos, sem dificuldades ou
acidentes, o que facilita, de forma acentuada e eficiente, o desenvolvimento de
mapas mentais e de estruturas cognitivas, visto o fenómeno da repetição, por sua
própria natureza, incrementar a probabilidade de que esse acto ou fenómeno se
repita, elaborando e ordenando pensamentos e ideias, intencionalidades e
objectivos, associando e dissociando imagens e pensamentos, de forma multifactorial, policategórica e multiramificante, implicadora de hierarquias mentais ordenadas,
avaliativas, analíticas e descritivas, e facilitadora de processos de memorização, de
informação e de criatividade.
Uma tal forma de acção energizante, de elaboração e desenvolvimento de
mapas mentais, possui, em si, intrínseca necessidade de sair fora dos simples
mapas didácticos, escolares ou pedagógicos tradicionais, visto tais formas de
envolvimento do pensamento ou de cartografia mental possuírem não só
necessidades de convergir mas, também, e, sobretudo, de divergir, de irradiar e de
expandir.
Uma tal factual necessidade do cérebro humano emerge dos efeitos das
elaborações intercelulares, das intencionalidades do cérebro individual, das
associações efectuadas nos processos do adquirido e dos “ qualia ”, percepcionados
e retidos, dos objectos pelo indivíduo, visto os out-puts ou saídas de um cérebro
não corresponderem, necessariamente, de maneira alguma, aos seus inputs ou
entradas, nem o cérebro elaborar relações lineares de causa-efeito.
Com efeito, o cérebro humano, no melhor do seu potencial receptivo, não
pode reter, na sua memória imediata, mais de sete items importantes de informação.
No entanto, tratando-se de respostas a uma dada informação, o cérebro pode gerar
múltiplas e complexas respostas, em quantidade e qualidade muito superiores às
informações retidas, visto ele poder criar, associar, dissociar, policategorizar,
sintetizar, analisar, processar, classificar, definir, personalizar, historiar, questionar
ou prospectivar, graças ao multidiversificador potencial de seus mapas mentais.
Porém, o tradicional e dito científico paradigma ocidental, formulado por
Decartes no século XVII e imposto às nossas culturas filosóficas e científicas,
dissociou investigação reflexiva de investigação objectiva: sujeito de objecto, espírito
de matéria, qualidade de quantidade, finalidade de causalidade, sentimento de
razão, liberdade de determinismo e existência de essência, fazendo com que, a nível
pragmático, sensibilidade, emoção, espírito, subjectividade e individualidade se
antagonizassem com objectividade, ciência e técnica, constituindo-se, assim, os
reinos das ciências do espírito e das ciências da matéria que, no seu pragmatismo
funcional, fizeram com que um rejeitasse o outro, apesar de parecer óbvio,
sobretudo hoje em dia, que os dois reinos partilham a mesma realidade, participam e
colaboram mútua e reciprocamente na elaboração, desenvolvimento, expansão e
criação da mesma.
Com efeito, sendo o cérebro humano, na sua globalidade, constituído por
estruturas, e, estas por subestruturas, que agem e interagem, com maior ou menor
74
intensidade, com os efeitos, mais ou menos directos, da actividade intelectual,
comportamental, ambiental e interrelacional do sujeito, estas intercolaborações
deverão ser valorizadas desde a sua própria base, isto é, desde a sua própria
natureza e dinâmicas biocorporais, ou seja, desde a estrutura e dinâmica cérebroreptílica, que regem os processos vitais da própria existência como as condutas
instintivas e os impulsos e autoregula a energia e a tonicidade, a estrutura mamífera
do cérebro (cérebro-mamífero), valorizadora dos comportamentos instintivos,
reguladora dos comportamentos apreendidos, motivadora ou inibidora de
aprendizagens e da acção do cérebro humano, própria e exclusiva dos homens e
fonte do livre arbítrio, da vontade e da liberdade, da aprendizagem intelectual e do
conhecimento, das mudanças e das finalidades racionais.
Embora cada uma de tais estruturas possua funções específicas, a dinâmica
e interactividade de um tal conjunto de funções tornam-se imprescindíveis para a
totalidade funcional, harmoniosa e equilibrada do cérebro humano, visto as suas
células nervosas não só colaborarem entre si, mas, também, mais directa ou
indirectamente, com todas as restantes células.
É imprescindível, por isso, ao harmonioso e funcional maquinismo
neurocerebral de uma pessoa as recíprocas interacções e activações das estruturas
anatómicas, isto é, da medula, do tronco cerebral, do cerebrelo, das estruturas
límbicas, dos hemisférios cerebrais, do lobo frontal, do lobo temporal, occipital, etc.,
etc. .
No entanto, os efeitos e acções do cérebro humano interdependem de tais
interactivações, da acção de seus neuroreceptores e neuro-transmissores, e isto
porque o cérebro humano possui um indeterminado potencial de activação em seus
estados emocionais, afectivos e mentais, isto é, na estrutural dinâmica da sua
experiência subjectiva e individual, a qual não só é efeito do seu passado mas
também da natureza das suas virtuais inter-relações consigo mesmo, com os outros,
com os meios, com as crenças, com os valores e com o futuro, as quais geram
interpretações positivas ou negativas do indivíduo e das situações, das sensações e
das emoções, dos afectos e dos desejos, das necessidades e das contrariedades,
das atitudes e dos comportamentos, do ser e do dever ser e conseguem até
substituir a tristeza por calmia, o desânimo por aceitação, os estados de ira por paz
e os de restrição ou proibição por liberdade ou libertação.
Um tal conjunto de estados sensitivos, emocionais ou afectivos não só
possuem, em si, enormes potenciais biopsíquicos, mas, também, funcionam como
marcos estabilizadores e dinamizadores das próprias funções neurocerebrais,
fazendo com que as suas estruturas se activem, interdinamizem, rentabilizem a sua
acção e os seus efeitos, estimulando comportamentos e motivando sequências de
acções, estruturando e dinamizando comportamentos de persistência,
desbloqueando inibições bem como criando imagens positivas de si mesmo e da
própria realidade.
II – ENDO-EXOGENIAS DOS MECANISMOS PROCESSUAIS DO CÉREBRO
HUMANO
Sendo certo que todo o cérebro humano possui seus ritmos, movimentos,
actos e comportamentos em consonância com suas estruturas nervosas, células
75
neuronais e vias de intercomunicação, a acção e dinâmica de tais processos
interdependem, fundamentalmente, dos estímulos desencadeadores de tal
actividade, os quais são, em grande parte, exógenos ou exteriores ao próprio
organismo do sujeito em causa, e tornam-se, então, factores desencadeadores das
actividades do cérebro, os quais são, por este, hierarquizados, aceites ou rejeitados,
valorizados ou subvalorizados consoante a natureza e a relação emocional e
afectiva que o sujeito investe em tais factores estimuladores ou motivadores da
acção e das inter-relações que o cérebro efectua com o exterior, de maneira
particular com a dinâmica cultural, social e tecnológica do meio ambiente.
As interacções entre as acções do cérebro e os meios são mútuas e
recíprocas e, se o cérebro impregna seu cunho individual no meio, o meio gera no
cérebro novas e diversificadas formas de actuação, processando-se, por tais factos
e processos, sucessivas e piramidais interacções de colaboração, de reciprocidade,
de desenvolvimento, de expansão ou de asfixia, de bloqueamento ou sobrevalorização. E isto porque o cérebro humano possui suas leis, suas necessidades e suas
normas de desenvolvimento, de expansão, de totalização e de homeostasia.
Sucede, no entanto, que o meio incultura o cérebro, e, tais processos, de natureza
sociobiopsicológica, não lhe trás unicamente benefícios. Para que uma tal
operatividade seja sempre positiva seria necessário que o meio-ambiente e suas
respectivas condições interactuassem em conformidade com a totalidade da
logicidade funcional do cérebro, a qual assenta na recíproca interacção de alicerces
instintivo-pulsionais, em factores emocionais, afectivos, sensoriais e racionais.
No entanto, graças às essenciais características do cérebro humano:
elasticidade, plasticidade, flexibilidade e maleabilidade, a acção e os comportamentos dos meios moldam a acção do cérebro, orientam a sua actividade, infiltramlhe a sua cultura, induzem-lhe o seu comportamento e fazem com que o próprio
cérebro reproduza a cultura do meio, a qual gera conhecimentos, os quais, por sua
vez, regeneram a cultura. Daí os condicionamentos das esferas do próprio
conhecimento, das orientações, dos pragmatimos , das categorizações mentais, das
classificações tipológicas, das percepções do real e das visões do mundo.
Face a tais constelações condicionadoras do pensamento humano, ao peso
e poder manipulativo do meio, facilmente se chegaria à conclusão que, tanto o
cérebro como o pensamento ou o conhecimento, jamais se poderiam libertar de tais
condicionadores encadeamentos. Embora difícil, no entanto, o enorme potencial do
cérebro do humano possui capacidades para romper com tais estruturas, para gerar
desvios às normas socioculturais e aos condicionalismos impostos pelos
conhecimentos gerados pelas estruturas e dinâmicas socioculturais reinantes.
É que as características do cérebro humano fazem que este crie, invente,
mude ou transforme e, toda a mudança ou transformação, pode desencadear no
meio rupturas, mudanças ou transformações nas próprias estruturas e dinâmicas
sòcioculturais. Tal é o preço da necessária ascensão do pensamento humano, o
qual, no seio das suas certezas, descobre e centraliza-se nas incertezas para lhe
fornecer informações, criar soluções e resolver problemáticas, significando isto que,
graças aos enormes potenciais do cérebro humano, ainda hoje estamos longe de
sabermos quais são alguns dos efeitos essenciais da sua acção, visto o
conhecimento poder ultrapassar as próprias estruturas, organização e dinâmicas do
sòciocultural, ultrapassagens que, sendo aleatórias, numa primeira fase, poderão ser
aceites como fonte de poder em casos posteriores, ou seja, quando forem aceites
por uma elevada percentagem ou maioria dos elementos do meio.
76
Uma tal realidade factual demostra-nos, em primeiro lugar, que sendo os
comportamentos humanos produtos das próprias mentes, e, estas, em geral, efeitos
das estruturas e dinâmicas socioculturais do meio, os comportamentos humanos
emergem dessas mesmas culturas, apesar de sabermos, que, a mente de um
indivíduo, possui individualidade e autonomia, convergência e divergência, irradiação e expansão, o que faz com que as mentes, mesmo face a causas idênticas,
produzam efeitos muito diferentes.
A existência de uma tal variada e complexa gama de efeitos diferentes, face
a condições socioculturais idênticas, interdepende, essencialmente, das anteriores e
essenciais características e comportamentos mentais dos indivíduos,
comportamentos que, por sua vez, emergem não só das estruturas e dinâmicas
neurocerebrais de cada um, do seu carácter e temperamento, dos seus níveis de
sensibilidade, dos seus padrões emocionais, das suas capacidades de envolvência
e dos seus estilos de cognição. É que, de facto, não existindo uma estrutura
neurocerebral igual a outra também não existe um carácter individual nem um
temperamento igual a outro, apesar dos estudos da psicocaracterologia fornecerem
um vasto e complexo conjunto de características comuns a este ou aquele carácter
ou a este ou àquele temperamento.
Apesar disso, no entanto, mesmo concedendo uma certa fiabilidade às
características básicas de um bom ou mau carácter, à combinação das suas
dimensões essenciais, tanto pela sua qualidade quanto pela sua intensidade, elas
fariam com que um indivíduo, apesar das suas semelhanças com outros, fosse
diferente, não só nas suas reacções individuais, mas, também, nas suas atitudes de
percepção face á realidade e nos seus comportamentos interpessoais.
É que, mesmo se ficássemos apenas pela aceitação das dimensões
fundamentais de um indivíduo, como pretenderam analisar certos psicocaracteriólogos tradicionais, isto é, pelas dimensões da passividade-emotividade, da
inactividade-actividade e da primaridade-secundaridade, a tónica ou prioridade das
suas combinações fariam com que os indivíduos tivessem todos eles reacções
psicobiológicas diferentes, bem como diferentes seriam as reacções individuais das
pessoas face a elas mesmo, aos meios sociais e à sociedade em geral, visto tais
combinações gerarem níveis de operacionalidade e de pragmatismo, de
reflexibilidade e de impulsividade, de intercomunicabilidade e de tonicidade, de
emoções e de afectos, de resiliência e de persistência diferentes.
Um tal conjunto de diferenças gera nos indivíduos padrões emocionais e
afectivos, níveis de resiliência e de envolvência, bem como estilos de cognição
diferentes uns dos outros, e, tais factos, seriam mais que suficientes para explicar a
existência de níveis de aceleração e de desenvolvimento, de evoluções e de
orientações constantes e variáveis existentes nos indivíduos, umas mais ricas que
outras, e que, em mútua e recíproca interacção com o património genético ou
herdado de cada indivíduo, caracterizam a individualidade de cada um, a sua
maneira de agir e de se comportar face a si mesmo, ao meio e aos outros, maneiras
e modos de ser, que, por sua vez, aumentam ou diminuem o nível de emoções, de
sensibilidades e afectos, estimulam ou inibem o próprio património genético, bem
como a actividade neurocerebral de cada um, potenciais que podem ser alterados,
modificados, desenvolvidos, deteriorados ou asfixiados consoante os factores de
estímulo ou inibição do meio, das circunstâncias, das atitudes e dos
comportamentos não só individuais mas também dos outros em relação aos
indivíduos.
77
Apesar de um tal conjunto de variáveis e de seus aleatórios processos de
combinação, constitutivos de condicionalismos do pensamento individual, as estruturas genético-hereditárias de cada indivíduo, o seu património genético, bem como a
sua inteligência e memória genética possuem potenciais de criatividade e
inventividade, de espontaneidade e naturalidade, de autenticidade e expansividade.
Torna-se evidente, porém, que as condensadas estruturas socioculturais e
históricas do paradigma do conhecimento da cultura ocidental não facilitam, de
forma alguma, o desenvolvimento das originárias formas de ser e de estar de cada
indivíduo em consonância com o desenvolvimento da totalidade do seu potencial
contido em seu código genético.
A análise sòciopsicanalítica revela-nos que, embora o ser humano possua
virtualmente um espaço único e exclusivamente seu, os mecanismos socioculturais
envolventes tendem a privá-lo de tal espaço e a limitá-lo, quase exclusivamente, ou
a ser um efeito, em sua maioria, das condições e factores históricos e socioculturais
de seus meios. É que, mesmo antes do seu próprio nascimento, o indivíduo é
marcado pelos factores relacionais, positivos ou negativos da afectividade relacional
da mãe com o próprio feto e, após o nascimento, é envolvido por estruturas
socioculturais e psicocomportamentais emergentes do inconsciente colectivo, que
impregna, em suas células neurocerebrais, marcos determinantes e orientadores da
sua futura maneira de percepcionar a realidade, de se relacionar com ela, consigo
mesmo, com as pessoas do meio-familiar e com as estranhas.
A partir de um tal processo, a mente ou o espírito de cada um originam
ideias , absorvem saberes, interiorizam e elaboram conhecimentos, cujas matrizes já
se encontravam nas dimensões sòcio-históricas e psicoculturais da realidade
envolvente, fenómenos de natureza sociobiopsicológica que fazem com que o
homem seja o que é, apesar das suas necessidades e exigências de ultrapassagem
e transcendência, de espiritualidade e realização totalizante.
É no seio de uma tal dialéctica e dinâmica conflituantes, envolvidas por
determinismos, condicionalismos e potenciais necessidades intrínsecas de os
romper, que a pessoa vai emergindo, elaborando sua personalidade, encontrando
sua identidade e aceitando a sua individualidade, o que nem sempre acontece. Vai
elaborando o seu pensamento e construindo os seus conhecimentos, simultaneamente tiranos e libertadores, opressores e regeneradores de hábitos, de
normalizações, de crenças, de costumes, de organizações, de axiomas, de modelos,
de postulados ou de teorias, tanto normativas como proibitivas, construtoras de
verdadeiros marcos delineadores e orientadores de determinadas formas de pensar,
de percepcionar, de agir e de comportar-se, reduzindo as potenciais variáveis de
pensamentos divergentes ou irradiantes e acentuando as constantes dos pensamentos convergentes, o que impõe determinações e limitações ao pensamento e aos
saberes, às faculdades e às aptidões, aos potenciais emergentes e às intrínsecas
necessidades de total homeostasia funcional, apesar de sabermos que o cérebro
humano não é uma trivial máquina, mas sim um hipercomplexo organismo cuja
dinâmica e funcionalidade podem fazer com que seus out-puts divirjam de seus
inputs, e, tais divergências constituem desobediências aos determinismos e às
normas, originam os imprevistos e os imprevisíveis, as autonomias e as inovações,
as polissectorizações e os novos desenvolvimentos.
O desenvolvimento de um tal potencial, de emergência individual e de
divergência interactuante, nos actuais dinamismos socioculturais, não é tarefa de
fácil acessibilidade, visto as mentes condicionarem, acentuadamente, os comportamentos e os comportamentos condicionarem as mentes, visto estas emergirem dos
78
estados do cérebro e do sistema nervoso central, e isto de forma idêntica,
metaforicamente falando, à relação que se efectua entre o relâmpago e as
descargas eléctricas das nuvens ou entre a água e as moléculas de H2O.
Um tal conjunto de recíprocas conexões existentes entre cérebro-mente
efectua estruturas condicionadoras do pensamento, tornando-o auto-conservador e
auto-rejeitante das mudanças de suas estruturas ou esquemas, e, adverso à
aceitação da diversidade e da divergência, a situações novas e a mudanças, bem
como “míope” face às suas verdadeiras intencionalidades, capacidades, objectivos e
fins, desperdiçando suas energias na acumulação de dados inúteis, na fuga a seus
verdadeiros e reais interesses e na consolidação de estruturas fechadas às
permanentes mutabilidades dos factos e dos fenómenos, visto tais estruturas
permanecerem enraízadas nos medos de serem ameaçadas em sua própria
existência. Por isso, tais estruturas mentais resistem não só à contestação e à
inovação, mas, também, à informação e a todas as formas de redimensionamento,
visto elas estarem cristalizadamente organizadas sobre sistemas e subsistemas de
categorias lógicas e paradigmas, comportamentos que, tornando-se evidentes nos
universos do conhecimento científico, com muita mais razão tais evidências se
tornam imediatas nos restantes domínios. No domínio do científico seguem-se, por
vezes, durante décadas e décadas, paradigmas e modelos, repete-se ou resume-se,
de uma forma ou de outra, o que outros já proclamaram e só face aos evidentes
desmentidos de factos, que contrariem com evidência os paradigmas ou modelos
anteriores, é que se aceita a mudança, se crítica o anterior e se analisa as carências
ou insuficiências de tais modelos ou paradigmas.
Apesar da existência de tais brechas ou aberturas nos densificados
universos reinantes do conhecimento, as novas e diversificadas brechas e aberturas
a novas formas do saber, do conhecimento e da investigação, apesar dos novos
avanços e novas rupturas efectuadas nas cristalizações mentais do pensamento
colectivo, aquelas não passam de epifenómenos de conteúdo e natureza diferentes
dos anteriores pois estes, de uma forma geral, tendem a sobrevalorizar ou
subvalorizar a realidade e, se por acaso, a encontram, a mente humana, por um
lado, oscila permanentemente da incerteza à certeza e da certeza à incerteza e, por
outro lado, a própria fonte e natureza do pensamento emerge essencialmente das
constantes caracterizadoras dos fenómenos socioeconómicos e psicoculturais
dominantes nos meios, apesar do pensamento humano permanecer produto da
dinâmica e da acção sociobioneuropsicológica do indivíduo.
Por tais razões, embora existam sujeitos-pensantes, em permanentes
desafios em relação ao mundo que deve ser conhecido, as suas próprias mentes,
quer o queiram ou não aceitar, são produtos sociopsicoculturais das suas individuais
emergências históricas, sociais, culturais, económicas e genético-hereditárias. Os
seus comportamentos emanam de padronizantes normalizações, e, só o debate face
à constatação da existência de brechas, de rupturas e de evidências factuais ou
fenoménicas, é que o seu pensamento acentua a reflexão, a emergência da
radicalidade e a erupção de fenómenos novos emanados de factos velhos,
colocando-se, então, face a verdadeiros problemas que exigem respostas novas.
Esta busca de respostas novas para os novos problemas apresenta-se como
um processo lento e dificultado não só pela massificante organização dos nossos
conhecimentos, pela modelação que eles efectuaram nas nossas estruturas
cerebrais, mas também pela maneira quase exclusivamente racicionante como
foram absorvidos e interiorizados nas nossas estruturas neurocerebrais, as quais
não envolveram o todo afectivo e emocional, pulsional e divergente da totalidade do
79
indivíduo, o qual deveria interiorizar os conhecimentos de forma encadeada e
sequencial, por aproximações desenvolvimentais e não com rupturas.
A implementação de uma tal metodologia da cognitividade encontra enormes
obstáculos se ousarmos pensar que a civilização ocidental alicerça-se, ainda hoje,
sobre os grandes paradigmas da racionalidade pura, da cosmovisão científica do
abstracto, das matrizes das convergências e na subvalorização do individual, do
aleatório e do divergente.
Apesar disso, no entanto, é através da acção do individual, do aleatório e do
divergente que o pensamento se desenvolve e o desenvolvimento se efectua, visto
ser a acção das características e predicados individuais que mobilizam o devir
pessoal e reorganizam ou restruturam, dinamizam e revitalizam as estruturas
cognitivas individuais.
Apesar da existência de balbuciantes tendências de aceitação e orientação
do todo do indivíduo para conquista e desenvolvimento da sua homeostasia
funcional, no qual se valoriza o inconsciente, a pulsão, a emoção, o afecto, a
divergência, a irradiação, a convergência para estimulação e integração das funções
cerebrais do ser humano, os alicerces dos ainda actuais paradigmas científicos da
sociedade ocidental, baseados na organização, na racionalização, na redução à
ordem e à sistematização, à medida e ao quantitativo, não só asfixiam mas, também,
deterioram as potenciais emergências das qualidades, das interacções e das
totalidades, bem como as possibilidades de abertura e de envolvimento do indivíduo
cognoscente ao objecto cognoscível.
Esta necessária viragem verso assunção da totalidade do Homem encontrase profunda e enraizadamente dificultada pelas actuais e abstractas estruturas
mentais, as quais, predominantemente dominadas por conceitos, ideias, programas,
máquinas e instrumentos fizeram com que as estruturas neurocerebrais não só se
tornassem produtos, mas, também, reprodutoras dos mesmos conceitos, programas,
máquinas e instrumentos. É o efeito da simplificação e da dissociação, da separação
da cultura científica da humanista, da redução das qualidades às quantidades e do
desprezo pelo particular e o divergente, pelo individual e pelo aleatório que fizeram
com que o indivíduo ignorasse o que é genuinamente seu, o que ele trás em si
mesmo e o que é produto dos outros. E a este produto dos outros chama-lhe
certeza, progresso ou razão, assumindo comportamentos mutilantes para a sua
própria individualidade, identidade e dever ser.
No entanto, a constante sensação de fragilidade, que permanentemente
acompanha o ser humano, conduze-o mais facilmente à aceitação dos produtos dos
outros que à valorização dos seus, visto a conformidade com o dos outros gerar nele
certezas, seguranças e não contradições embora, como o disse Pascal : « nem a
contradição é indício de falsidade, nem a não-contradição é indício de verdade ».
Um tal conjunto de processos, matrizes desenvolvedoras dos nossos
básicos e construtivos alicerces, dinamizadores das actuais orientações e formas de
pensar, conhecer, racionar e julgar, são socioculturalmente colectivas, mas, também,
simultaneamente, individuais.
É que, a nível individual, todo o cérebro é, simultaneamente, activo e
activador, dinâmico e dinamizador, caso responda às intrínsecas necessidades da
sua natureza individual. A sua individualidade emerge do todo do indivíduo e deverá
ser através deste seu todo, que ele, em coerência consigo mesmo, deverá funcionar,
respeitar os pontos de vista dos outros, possuir as suas crenças individuais,
efectuar a sua lógica própria, a sua organização pessoal, os seus níveis de logicida-
80
de do pensamento, bem como seus próprios processos de autodesenvolvimento,
individuação e pessoalidade.
Estes níveis de logicidade pessoal de pensamento e de acção organizam os
níveis de lógica e informação inferiores e, qualquer mudança efectuada num nível de
lógica superior, possui fortes repercussões sobre os níveis inferiores, mas não
necessariamente sobre os níveis superiores, o que faz com que se torne
verdadeiramente impossível resolver um problema no mesmo nível em que ele foi
criado.
No entanto, a criação ou gestação de problemas é fruto de confusão e de
ambivalência entre os níveis lógicos, de maneira particular das emergências que
resultam da interacção com o individual, com o social ou ambiental; do pensamento
com as acções, das acções com as capacidades ou aptidões, das aptidões com as
crenças ou valores sociais e dos valores sociais com os valores espirituais,
psicológicos ou com a própria identidade.
A nível de análise da causalidade de uma tal conflitualidade resulta evidente
que a própria necessidade de coerência individual e de intencionalidade pessoal,
bem como as dinâmicas dos contextos pessoais envolventes, pressionam a
individualidade de uma pessoa e a intrínseca necessidade desta se expandir,
harmonizar, irradiar e realizar entram em conflito com as acções e os
comportamentos do meio. Estes comportamentos, quer queiramos quer não, são
filtrados e absorvidos, em maior ou menor escala, pela nossa personalidade em seu
respectivo estádio de desenvolvimento, e, quando este se insurge contra suas
próprias limitações, cerciamentos ou estruturas, a interioridade dialoga com a
exterioridade e com a intencionalidade de possuir mais e melhor espaço, e, caso
este não lhe seja concedido, interioridade-exterioridade entram em conflito. Por seu
lado , a necessidade de maior interioridade e sua efectiva concretização fizeram com
que o indivíduo tomasse maior consciência das suas aptidões e, por isso,
desenvolvesse mais e melhores capacidades, competências, destrezas e habilidades, o que o levou a abandonar certas atitudes e comportamentos e a restruturar ou
criar novos, não só a nível de estar ou de ser, mas, também, a nível de
percepcionar, de se afirmar, de compreender e de raciocinar, de assimilar e de
julgar, o que faz com que o indivíduo, face à retrovisão dos comportamentos e
formas de aprendizagem anteriores, não necessariamente os despreze, mas tome
consciência das suas limitações e modifique ou restruture tanto uns como outras.
Estes processos de evolução, de mudança e aprendizagens levam os indivíduos,
individualmente, cada um da sua forma e maneira, a desenvolver a autoconfiança e
a criar hierarquias de valores individuais, que deverão funcionar em consonância
com seus necessários níveis de desenvolvimento, meios socioculturais e graus de
integrabilidade.
Um tal processo, revelador da intrínseca necessidade da efectuação de
contínuas adaptabilidades, processo simultaneamente implicador de sucessivas e
permanentes aprendizagens, adaptações e readaptações exige que as estruturas
bioneurocerebrais de um indivíduo possuam elasticidade, maleabilidade, fluência e
adaptabilidade potencialmente inscritas em seus potenciais genéticos, os quais
deveriam, ao longo de todos os ciclos vitais de uma existência humana, permanecer
activos, interactuantes e dinamizadores, visto constituírem, por si mesmo, os
alicerces essenciais da individualidade de cada um, marcarem a sua diferença, a
sua unidade e unicidade e, a partir de tal vivênciada interioridade, o indivíduo deverá
construir seus vários níveis de lógica comportamental, suas constelações de crenças
81
e de valores, bem como suas hierarquias de motivações pessoais e de pertença a
grupos de valorização social.
Esta perspectiva de um integrado e sequencial desenvolvimento da
totalidade do indivíduo não se opõe às perspectivas de desenvolvimento
multifactorial mas, bem pelo contrário, pelas suas exigências de interactuacção e
retroacção, une as dimensões numa única unicidade, visto ser a partir desta que as
aptidões e as capacidades, as competências e as funções de um indivíduo
proliferam, completam-se, desenvolvem-se e interactuam, embora, como é óbvio,
existam capacidades mais atraídas por certos objectos que outras e existem certos
objectos que atraem mais certas capacidades que outras. Esta recíproca, mas
diferenciada atracção, gera no cérebro uma imagem que pode possuir diferentes
graus de atracção, de vida, côr e força que, por sua vez, se associará a outras
imagens, tanto do passado como do presente, e, tal fenómeno associativo,
desenvolverá a percepção individual, motivará actividades comportamentais e
desabrochará habilidades e potenciais não só a nível de todo o cérebro, mas, de
maneira fundamental, a nível cortical. Tal é o processo de criação de imagens e de
mapas mentais, essenciais à eficiência da aprendizagem, da mudança de atitudes e
de comportamentos, e cujo desenvolvimento exige a acção do potencial
bioenergético de um indivíduo. Este potencial, emergente do todo do indivíduo, isto
é, do seu corpo e da sua mente, é diferenciado e diferenciador, constitui a sua
unidade e energiza não só a mente mas também o corpo, vitaliza os estados
interiores de um indivíduo e faz com que estes encontrem respostas satisfatórias à
transitividade das suas necessidades, desenvolva processos de encadeamentos
mentais de interacções e de retroacções circulares, modificadoras de atitudes e de
comportamentos, de percepções e de emoções, de sensibilidades e de afectos
geradores de novas perspectivas e descobridores de novas realidades, factos e
fenómenos, que, assim como “ o mapa não é o território “, não podem ser assumidos
como sendo a simples objectividade do real, mas, simplesmente, efeito da
transformação ou codificação individual, resultante das sequências de acção do
indivíduo ou de seus novos padrões de percepção, os quais impõem-se ao indivíduo
como efeito das sequências de seus contextos de aprendizagem e de modificação,
de adaptação e de integração do novo no anterior e do anterior no novo, o que faz
com que o indivíduo inove, crie, se invista, mobilize e sucessivamente se adapte.
Este bioenergético potencial, polivalente e psiquicizante, cujos fundamentos
ou alicerces primários se encontram nas acções e interacções do neurocerebral com
o socioambiental, transcende, em natureza e espacialidade, sua própria matriz,
intervém na acção e desenvolvimento das capacidades mentais, é facilitador das
relações com o todo e as partes, ajuda a integrar ou desintegrar a relação cérebromente e torna-se, tanto por sua acção como por suas modalidades funcionais,
agente essencial da vida psíquica e, simultaneamente, do pensamento e da acção,
da razão e da reflexão, da consciência e da autoconsciência.
É que, embora os actos mentais de um indivíduo jamais sejam os mesmos,
bem como os estados que os originam, eles têm sempre uma procedência e esta,
segundo W. James ( 1950 ) é originada pelo facto de que :
- Todo o pensamento tende a fazer parte de uma consciência pessoal.
- No seio de toda a consciência pessoal o pensamento está sempre em
mutação e é sempre continuo.
- O pensamento aparece sempre em relação com objectos independentes
dele.
82
- O pensamento aceita ou selecciona algumas partes desses objectos e
exclui ou rejeita outras.
A presente descrição de processamento da vida mental e psíquica acentua a
característica da fluência ou da corrente do pensamento, da consciência e da vida
subjectiva, a qual é pessoal, contínua, selectiva, orientada e em constante mutação,
apesar de possuir, como seus mecanismos de limitações, uma procedência e um
direccionamento verso qualquer coisa de outro, mesmo quando nas correntes de
pensamento aparecem certas iluminações, intuições ou flashes que rompem,
aparentemente, tal corrente e que, racionalmente, parecendo sem sentido, um tal
sentido tem razão de ser, pois, apesar de não ser conhecido, encontra-se no “
misterioso “ universo da dinâmica do inconsciente individual.
Uma tal análise da procedência do psiquismo encontra eco nos resultados
das investigações de Leontiev, ex. colega de investigação de Luria, o qual
considerou a existência de dois tipos de fenómenos nos processos psíquicos, isto é,
os fenómenos que procedem dos processos interiores do indivíduo, como as
imagens, os conceitos, as sensações, os processos do pensamento, da imaginação
e da memorização voluntária, e os que procedem do mundo material exterior, como
sejam, por exemplo, a realidade concreta, que envolve o indivíduo, o corpo e os
fenómenos fisiológicos, que se realizam no corpo, etc., e que pertencem ao domínio
do físico, sendo a partir das interacções de tais fenómenos e processos interiores e
exteriores que procede a vida psíquica, a vida do pensamento e do cógito.
Esta dupla procedência da vida psíquica, interior e exterior, cujas origens
encontram-se na natureza bioneurocerebral do indivíduo e na sua história pessoal,
feita de acções e de interacções, de experiências e vivências, optimismos ou
pessimismos, compensações ou frustrações, caracteriza-se pela sua maior ou
menor fluência, envolvência e desenvolvimento, apego e desapego, o que acentua
ou diminui o seu efectivo potencial de diferenciação, de orientação, de objectividade
ou subjectividade, de eficácia ou ineficiência.
É um processo de clareza e de obscuridade, de subjectividade e
objectividade, de desenvolvimentos e estagnações, e, de maior ou menor
polivalência, que tipificam não só a mente individual, mas, também, constituem
alicerces da constituição e natureza de seus estados mentais, os quais, apesar de
serem modificáveis, os processos de tais modificações exigem eficientes
investimentos não só de natureza emocional e afectiva, mas, também, psicológica e
mental, ou seja, educação emocional, afectiva, psicológica e mental.
O processo de consciencialização de uma tal e imprescindível educação
passa pela tomada de consciência dos circunstanciais condicionalismos do
psiquismo e da mente, das suas altas referências, paradigmas e esquemas
conceptuais do passado, bem como pela consciencialização, apesar do próprio
indivíduo apenas utilizar uma reduzida parte dos seus próprios instrumentos e meios
de desenvolvimento mental, psicológico e cognitivo, estados e situações fortemente
acentuados, de maneira particular, a nível dos potenciais de desenvolvimento do seu
pensamento divergente e irradiante, bem como a nível de criação e de
desenvolvimento de marcadores de emergências de novos paradigmas, de novas
potencialidades e de capacidades que emanam da bioneuropsíquica totalidade do
indivíduo, expansão necessária que fará com que ele se mobilize muito mais
plenamente e, através de um tal comportamento, crie e recrie, eleja e seleccione, se
exercite e desenvolva, se eduque e auto-eduque, se restruture e oriente em seus
desenvolvimentos mentais e psíquicos, orgânicos e biológicos, sociais e cognitivos,
emergentes do seu todo único e indivisível, e, realimente suas energias, vitalidades,
83
potencialidades e capacidades interconectadas com o todo e as partes, com as
partes e o todo.
Uma tal capacidade de interconexão emerge do psíquico, da mente ou do
espírito do indivíduo, os quais, emergindo das estruturas neurocerebrais de um
indivíduo, constituem « um processo e não um material » e, por tal facto, podem
referir-se a outros seres ou coisas, o que constitui característica específica dos seres
dotados de espírito, elaboradores de organizações e de processos mentais, que,
seguindo, unicamente, os resultados das investigações das neurociências, encontrariam a sua origem no funcionamento dos sistemas cerebrais, organizados em níveis
diferentes: moleculares, celulares, orgânicos e transorgânicos e, cada um destes
níveis pode, ainda segundo as neurociências, subdividir-se em níveis inferiores,
todos em interacção.
O espírito aparece, então, como autoregulador de tais interacções, como
efectivador de energias e autonomias, como o unificador e estabilizador de tais
subsistemas, como o orientador de potencialidades, o corrector de desvios, como o
seleccionador de informações e o transmissor de mensagens, fazendo com que,
através da efectivação de tais potencialidades, estas se tornem cada vez maiores,
sempre mais aperfeiçoadas, sempre mais eficientes e mais rentáveis e, por isso,
sempre com mais consciência do seu próprio potencial, tanto a nível de pensamento
como de acção, de intercomunicação como de inter-relação, o qual, apesar de tudo,
não só depende da sua relação com o meio, mas, também, da relação do meio
consigo, visto tanto os sistemas de inter-relacionamento como os do conhecimento
interdependerem, de forma acentuada, das relações meio-cultura-indivíduo, visto, na
realidade, o conhecimento interdepender das múltiplas e complexas condições
sócio-culturais, as quais, devido à sua força de massificação, condicionam
fortemente o conhecimento, visto entre o cognoscente e o cognoscível gerar-se uma
espécie de círculo bastante fechado, isto é, na sua forma global, a cultura produz
cultura e uma tal cultura produz o modo de conhecimento, e, estes conhecimentos
geram nova cultura, a qual é cognoscível através dos processos de cognição
gerados por essa mesma cultura.
O espírito individual, no entanto, possui, em si mesmo, potenciais de
libertação de tais mecanismos, graças às suas potencialidades de novas percepções
da realidade e de novas visões do mundo, de sua relativa autonomia e abertura,
características que geram, no indivíduo, libertação e transcendência, insurreição e
desobediência aos mecanismos culturais de seus próprios meios ambientais.
Um tal processo de libertação e de autonomia, face às acentuadas
condicionantes do meio, gera no indivíduo consciência de tais limitações e, uma tal
consciência, desenvolve-lhe auto-reflexão, pilar essencial de encontro de aberturas
em tais sistemas, de passagens e ultrapassagens, de negações e afirmações,
gerando objectivos e criando metas de pensamento e de acção, de acção e de
conhecimento, o que conduz o indivíduo ao alcance de níveis superiores de reflexão,
isto é, a processos de objectivação-subjectivação, de concentração e descentração
próprios das funções superiores da mente humana, a qual, devendo alimentar-se de
seus processos lógico-indutivos e dedutivos, deverá funcionar e organizar-se em
níveis de coerência e de organização, de criatividade e de invenção segundo
processos conaturais à natureza individual de cada indivíduo.
A logicidade de uma tal dialéctica, no entanto, emerge das sequênciais
interacções que um indivíduo, sujeito pensante, efectua não só com o mundo das
coisas materiais exteriores, mas também com o mundo das próprias experiências
individuais vividas, e, também, com o mundo que o indivíduo trás consigo mesmo,
84
mundo constituído pelas coisas do espírito, pela cultura, pela linguagem, pelos
conceitos, teorias, percepções, emoções e mesmo conhecimentos objectivos,
comportamentos factuais que fazem com que o sujeito pensante não seja apenas
uma realidade material, nem tão pouco uma realidade específica, mas sim uma
realidade actuante, que vivencia, armazena, recorda, relaciona, inventa, cria, produz,
reproduz, estrutura-se, restrutura-se, espiritualiza-se, materializa-se, diviniza-se e
animaliza-se, o que faz com que o ser humano seja, em grande parte, um produto de
todos os seus processos vivênciais, comportamentais, socioculturais e de
conhecimento, com natureza individual, identidade pessoal e uma entidade
relativamente autónoma. Segundo Jacques Monod (O acaso e a necessidade: 2324) o humano é: «capaz de emergência e de teleonomia, de se conservar, de
crescer, de aumentar de complexidade e, no universo do psíquico, com potencial de
auto-organização e de auto-reprodução».
No entanto, tanto os potenciais de auto-organização psicológica e mental
como os de reprodução interdependem de factuais e potenciais energias genéticas e
hereditárias, sociais e mentais, individuais e colectivas emanadas e orientadas por
um eu individual, consubstanciado na sua realidade biopsíquica e na evolutiva
perenidade da sua própria identidade, a qual, nas suas relações com o tu ou o ele,
tanto se pode completar como hostilizar, contagiar como rivalizar, e, dessas relações
interactivas, a própria identidade tanto pode sair reforçada como inferiorizada,
enriquecida como empobrecida, acalmada como agressiva, activa ou passiva em
consonância com a natureza dos filtros neuropsíquicos, positivos ou negativos que
o indivíduo possuí das mensagens e das recepções, das comunicações e das
informações.
Em tais processos de activação-passividade, o eu do indivíduo pode e
sente-se positivamente influenciado pelas comunicações e mensagens do tu ou do
ele, caso possua dinâmicas psicoemocionais positivas, optimistas e reforçantes. Sai
desgastado, inferiorizado ou humilhado, caso os seus mecanismos sejam negativos
ou as mensagens e informações do outro sejam de nível muito superior às suas
próprias capacidades de filtração momentânea.
Esta factual realidade comportamental de um indivíduo interdepende,
enormemente da sua subjectividade psíquica, mental, emocional e afectiva,
características essenciais da constituição dos estados mentais de uma pessoa, o
que cria acentuadas assimetrias entre os estados mentais e os processos cognitivos
de um indivíduo, bem como entre as faculdades de conhecimento de si próprio e da
realidade exterior.
No caso de identidade autentica e verdadeira, o indivíduo prossegue no
caminho da sua positividade, organizando e reorganizando os seus estados mentais
em conformidade com a natureza do seu próprio eu, o seu nível de expectativas
individuais e as estimulações ou motivações oriundas de seus próprios meios,
conjunto de mecanismos e processos que fazem com que o indivíduo crie e
desenvolva seus níveis de adequada logicidade, de coerência e aceitação em
conformidade com suas reais capacidades presentes e em devir e em conformidade
com as modificações ou transformações, solicitações ou exigências do meio físico,
social e humano.
Estes processos, de permanentes oscilações entre o ser e o dever ser
mental, emocional e psicológico, constituem denominadores dos meta-programas
individuais, que são utilizados pelos indivíduos para organização e estruturação das
informações, oriundas do mundo exterior, estruturação de esquemas e definição de
categorias mentais que condicionam, em maior ou menor percentagem, os filtros
85
com que um indivíduo concorda ou não concorda, aceita ou rejeita, selecciona ou
elege as informações ou as mensagens vindas do exterior, criando-se e
desenvolvendo-se através de tais processos e hierarquias de valores e que, em
maior ou menor escala, coincidem com a natureza individual da própria identidade
do indivíduo.
Além da capital importância de tais factores no desenvolvimento, expansão e
plenitude, a nível de eficiência e rentabilidade de um indivíduo, torna-se identicamente importante o seu nível de reais e concretas expectativas, bem como a
eficiência do seu investimento na sua própria educação mental.
Esta auto-educação mental interdependerá, no entanto, dos reais e efectivos
investimentos emocionais e afectivos de um indivíduo, bem como das suas reais e
actuantes capacidades de observação, de inter-relacionamentos, de interactuações
do exterior com o cérebro, da memória e criatividade, da descoberta e
aprendizagem, da transformação e da inovação, e encontra eficientíssima
metodologia de orientação, educação e expansão no uso das estratégias de
mapeamentos mentais.
A utilização dos mapas mentais ou da cartografia mental deverá,
primeiramente, corresponder ao estilo individual de cada pessoa e apresentar-se
clara e atractiva, visto a clareza do exterior estimular não só a comunicação no
interior, mas, também, a clareza do pensamento, a qual, por sua vez, desencadeia
estímulos no desenvolvimento das redes de comunicação cerebral e facilita o
desenvolvimento dos pensamentos mais característicos, mais próprios e mais
adequados à conatural dinâmica do cérebro de cada um, o qual, por sua vez,
desenvolverá, cada vez mais, capacidades de associação e de dissociação, de
coloração e vivência, de multidimensionalidade e de integração.
Na realidade, a utilização de mapas mentais na educação da mente, no
desenvolvimento dos processos sensório-cognitivos, no desenvolvimento do potencial emocional e das capacidades cognitivas, não só estimula o cérebro a elaborações
profundas, mas, também, aqui, este exterioriza suas intencionalidades, descobre
sentido para o seu funcionamento, conteúdos e sequências de conteúdos nos seus
processos e motivantes envolvências nas captações do exterior, fazendo com que
as profundas motivações intrínsecas do indivíduo se enlacem com várias dimensões
da realidade exterior. Por tais razões, torna-se evidente que a utilização de mapas
mentais facilita enormemente a planificação da aprendizagem, o controlo dos seus
efeitos, estimula, de forma concentrada, o pensamento global, evidencia o factorial,
gera no indivíduo compensações imediatas e faz-o sentir que relaciona e
correlaciona de forma segura, interiorizada e vivenciada.
De facto, a utilização da cartografia mental constitui parte integrante das
estratégias de reforço mental, do desenvolvimento do quociente emocional e da
estabilidade da afectividade, expandindo as dimensões intelectuais de um indivíduo,
estimulando o seu desenvolvimento emocional e afectivo e fazendo com que ele
encontre retenção fácil, envolvimento aprazível e investimento lúdico em suas
actividades , atitudes e comportamentos.
As estratégias da educação da mente, através da utilização de mapas
mentais, evidencia-se como técnica importantíssima, visto esta facilitar, enormemente, o estabelecimento das conexões entre as partes de um todo, direccionar o
pensamento verso objectos ou entidades globais e concretas, certas côres utilizadas
nos mapeamentos estimularem o desenvolvimento das dimensões afectivas,
emocionais e de adesão, favorecerem a memória, o potencial de associação, o
desenvolvimento da criatividade e da autenticidade, características essenciais ao
86
desenvolvimento da total funcionalidade do cérebro humano, ao equilíbrio
introspectivo e à recíproca interacção mente-corpo.
Constituindo estas últimas características alicerces essenciais da criação e
dinâmica de estados mentais positivos, é um facto que estados mentais positivos
criam e desenvolvem interpretações positivas da realidade, dos meios e das
circunstâncias e geram no indivíduo sensações e vivências de liberdade interior, de
disponibilidade para acção, exteriorização de contentamento, alegria e bem-estar.
Estas características de um tal estado interior, que interligam e dinamizam
mente, afectos e emoções, geram no indivíduo vitalidade, entusiasmo, optimismo e
acção, e fazem com que a sua mente e suas atitudes e comportamentos se
direccionem e centralizem no essencial, criem valores de ascendência e de
expansão, de desenvolvimento e de emanência de si mesmo, o que faz com que a
pessoa, permanentemente dentro de si mesmo, desenvolva a força, a energia e a
vitalidade necessárias para a positiva e eficiente concretização de suas ideias,
projectos e comportamentos, sentindo que o contínuo desenvolvimento de seus
recursos interiores e de sua evolução pessoal são realidades factuais e que o seu
potencial bioenergético e mental não têm limites.
Um tal conjunto de características positivas, emanado de positivos
direccionamentos da mente, torna-se alicerce essencial da total e harmoniosa
funcionalidade do próprio cérebro, faz com que este accione todas as suas habilidades corticais, gerando nele necessidades de vigia e de receptividade, de
confiança em suas próprias capacidades, permanentes necessidades de aprender
cada vez mais, de deixar fluir os pensamentos, as associações e as ideias e de
desenvolver as suas competências de maleabilidade e de adaptabilidade, visto a
educação da mente ser, simultaneamente, educação do cérebro, e, este, em tais
processos de educação, volta-se para o real e acciona-se em função deste,
activando-se individualmente e, seguindo as intencionalidades de sequenciação
lógica e multidimensional, aumenta enormemente os poderes de concentração e de
associação, de interiorização de valores positivos, hábitos de trabalho, auto-estima
individual, autoconfiança em suas próprias capacidades mentais e cognitivas,
entusiasmo e cumplicidade com o novo e o diferente, evitamento das angústias e
das frustrações, dos medos, dos aborrecimentos e dos desleixos.
O desenvolvimento destas novas e funcionais qualidades, imprescindíveis
ao equilíbrio do ser humano e necessárias como meio de resposta às necessidades
das novas viragens sociais, económicas, profissionais e tecnológicas da sociedade
pós-industrializada, implica o desenvolvimento de todas as potencialidades corticais,
bem como o desenvolvimento de todos os mecanismos receptores do cérebro, pois
que, por um lado, jamais ser humano algum desenvolveu a totalidade da potencialidade do seu cérebro e, por outro lado, ele funciona de forma sinergética, associativa
e irradiante, fortemente motivado pelo emocional e pelo afectivo, pela consciência de
si mesmo e pela autoconsciência de sua totalidade identitária.
É que, de facto, o cérebro humano, no seu vazio emocional e afectivo,
parasita ou bloqueia, permanece mórbido e sem energia, desvitaliza ou bloqueia em
seus circuitos cerebrais, significando isto que a acção permanentemente activadora
do cérebro assenta na interactiva simbiose da lógica da mente pulsional, da mente
emocional e da mente racional, ou, por outras palavras, na lógica do inconsciente,
do pré-consciente e do consciente, instâncias que deverão funcionar sintonizada e
interactivamente, recíproca e mutuamente em suas mais vastas e hipercomplexas
dimensões.
87
A presente e necessária necessidade de implementação de desenvolvimentos de literacias pulsionais, perceptivas, emocionais e mentais, constitui bases
essenciais de novos paradigmas educacionais, interrelacionais e profissionais, visto
uma grande percentagem de dificuldades da aprendizagem serem desencadeadas
por ausência de comunicações, por conflitos provocados por ausências de
aceitações das divergências, e por problemas de ineficiências profissionais desencadeados por falta de estímulos, de motivações e de envolvências.
A presença de um tal conjunto de carências a nível de formação e de
desenvolvimento da personalidade individual encontra-se, essencialmente, na
privação da cultura do eu, na desconexão das suas dimensões e no jogo de
abstracções que a actual cultura envolve. Isto porque a formação integrada e
harmoniosa de um indivíduo implica harmonia funcional entre seu eu corporal,
emocional, afectivo, psicológico e intelectual, dimensões essenciais à constituição de
uma verdadeira e autêntica individualidade e, tais dimensões, nas nossas culturas,
continuam dissociadas.
A reconversão de tais orientações, com objectivos de autenticidade,
harmonia e funcionalidade, implica a existência de uma cultura de encontro e de
aceitação de si mesmo; da sua identidade e individualidade e investimento,
aplicação e adaptação deste “ si-mesmo “ em conformidade com a fluência do seu
próprio estilo pessoal e com as suas profundas e conaturais formas de ser para que
as suas próprias e potenciais aptidões, capacidades, habilidades e destrezas se
desenvolvam e concretizem segundo a sua conatural forma de ser, a qual, quando
não condicionada, distorcida ou mutilada, originará personalidades livres e
autênticas, espontâneas e criativas, eficientes e rentáveis em todos os níveis e
dimensões do seu embrionário potencial do qual estamos muitíssimo longe de o
podermos conhecer.
Urge, por isso, acentuado investimento nas técnicas e estratégias de
desenvolvimento e expansão de todas as potencialidades, capacidades e funções
do cérebro humano, e não apenas a valorização das tradicionalmente denominadas
funções cognitivas, tão sublimarmente pseudovalorizadas pela “incultura” da nossa
cultura socioeconomicista, visto os potenciais do ser humano emergirem do seu todo
e não apenas dos lobos cerebrais.
As implicações da presente análise impõem a existência não só de novos
paradigmas do pensamento, mas, também, do comportamento face a si mesmo, aos
outros e à realidade em geral, os quais ameaçam não só conceitos, ideias ou teorias
mas, também, o estatuto, o prestígio e a carreira de todos os que vivem material,
cultural e psiquicamente enraizados nas concepções socioculturais, psicológicas e
económicas desses paradigmas, os quais, envolvendo, ainda hoje, o todo do ser
humano, são inadaptados às suas necessidades de plena aceitação, total desenvolvimento, expansão e cabal funcionamento. Porém, como o afirmou Bourguignon
(1981) : « se, para a física, uma mudança de princípio universal provoca uma
modificação do mundo inteiro, para as ciências do homem uma mudança
semelhante provoca uma mudança do homem na sua totalidade ».
Esta mudança passa, em primeiro lugar, por uma tomada de consciência
psicoantropológica e socioemocional do ser humano, para que, a partir daí, surjam
novos conteúdos mentais, emanados da totalidade da natureza dos indivíduos, os
quais, por sua vez, originarão constelações de novas atitudes, hierarquias de novos
comportamentos e de valores, novas representações e novos pensamentos, que
deverão conduzir o humano à elaboração de novos conteúdos mentais, ao
percepcionamento e captação de novas informações e à emanação de novas
88
inferências tanto interpessoais como relacionais, tanto emocionais como afectivas,
tanto intelectuais como cognitivas, o que cria e desenvolve no cérebro humano
orientações e intencionalidades mais emanadas do seu todo que das suas partes e,
por isso, representações individuais de tendências totalizantes e unificadoras das
dinâmicas inconscientes e conscientes, libertadoras de passados, envolventes dos
presentes e perspectivadoras de futuros mais correspondentes às necessidades
funcionais do todo humano, bem como às suas necessidades de elasticidade e
flexibilidade, de adaptabilidade e integrabilidade.
A lenta mas progressiva interiorização deste novo paradigma de unificação
funcional do organismo-cérebro-mente-emoção-afectos implica a existência de
crenças no próprio potencial humano, de necessidades de elevação, de desenvolvimento e de expansão, bem como aceitação do seu todo individual, único e
indivisível, e, um tal conjunto de crenças, emanadas tanto das análises de suas reais
capacidades como das suas intrínsecas necessidades de real expansão e de
concreto desenvolvimento, trilharão e desenvolverão no indivíduo constelações de
novas percepções, em relação a si mesmo, em relação aos outros e ao mundo em
geral, e, das quais emergirão hierarquias de novos valores individuais e, daí, novos
paradigmas e novos modelos comportamentais.
É que, sendo um facto que as crenças possuem enorme influência sobre as
nossas capacidades, estas agem de forma determinante sobre o nosso autoconceito, e, este, constitui, de maneira particular, o motor essencial dos nossos
processos de aprendizagem, de desenvolvimento, de eficiência, de competitividade
e de adaptabilidade.
É que tanto as crenças como os valores “ movem montanhas “ e é, tanto por
causa de umas como de outros, que as pessoas agem e se movem em direcção a
fins e objectivos, e, por tais necessidades, se investem e desenvolvem nas vias de
concretização do seu próximal potencial, meta que facilita a dinâmica e a retroactiva
interacção dos estímulos interiores com as motivações exteriores, gerando, no
indivíduo, respostas às suas ascendentes necessidades de valorização individual e
de realização pessoal, de aceitação da sua totalidade e de expansivo investimento
das suas capacidades.
A entrada do ser humano em tais processos de desenvolvimento não é, de
forma alguma, nem utópica nem irrealizável, nem abstracta nem redutora, mas sim
uma concreta forma de tornar educável o cérebro, a mente e os processos de
cognição de um indivíduo, hipercomplexa triologia que, em consonância e perfeita
harmonia, exige crescimento e irradiação, desenvolvimento e comunicação,
naturalidade e criatividade, aprendizagem e aceitação.
A resposta a tais exigências e necessidades do anterior trilógico processo
exige libertação de processos condicionadores das realizações do ser humano. Não
desconhecemos, no entanto, que os seus obstáculos e barreiras são gigantescos,
desencoragadores e desmotivantes.
De facto, tanto o senso comum como o conhecimento do quotidiano
emergem das interacções das percepções sensoriais com as construções culturais,
das intuições verdadeiras e falsas, de induções verdadeiras e erradas, de
racionalidades e de irracionalizações, de ideias recebidas e de ideias inventadas, de
sabedorias ancestrais e de saberes actuais, de crenças inculcadas, valores
dogmatizados e opiniões pessoais, constituintes essenciais de modelos
comportamentais interiorizados e de paradigmas cristalizados.
O dito paradigma científico, por outro lado, fez da mente humana, sujeita à
razão e à não-razão, à cegueira e à alucinação, ao erro e à correcção do erro, o
89
alicerce fundamental das suas construções e desenvolvimentos, das suas
observações e experiências, de informações e trocas, de descobertas e meios de
descobertas, colocando, assim, a incerteza onde imperava a certeza e as certezas
no reino das incertezas sem efectuação de intrínseca distinção entre verdadeiras e
falsas certezas.
Uma tal logicidade, organizadora da mente humana, fez com que esta se
exercitasse na razão, na critica, na experiência, na práxis, na comunicação, na
reflexão e, apesar de tudo, pudesse tomar consciência de que não está certa de
possuir as certezas, o que faz com que ela, permanentemente, se exercite na
dialógica fecundação da acção-conhecimento, reflexão-crítica, informaçãocomunicação, razão-antirazão, sem já mais ter a certeza de possuir o certo.
Estes processamentos e utilizações da mente humana fizeram com que esta
se investisse sobre o fragmentado ou o parcial, gerando-se uma cultura de
especialização dita científica, que passou a ser transmitida através de linguagem
formal e através de disciplinas fechadas, organizadas em função de modelos e
paradigmas mais rígidos que flexíveis e com poucas correspondências com as
substanciais e profundas características qualitativas do cérebro humano, isto é,
características de elasticidade, plasticidade, flexibilidade, maleabilidade, adaptabilidade, interactividade e retroactividade, o que gera não só reduções e cristalizações
do potencial do todo do cérebro humano, mas, também, disfunções na sua natural
natureza e desequilíbrios a nível de atitudes e de comportamentos.
Parecem, por isso, bastante desenraízadas as raízes das quais emerge a
cultura do homem moderno, visto esta emanar das possíveis mesclas do dito senso
comum, do conhecimento do quotidiano e da racionalidade científica, e, constituindo,
em simultâneo, uma espécie de personalidade social do ser humano, e, esta, por
sua vez, inscreve nele normas e práticas comportamentais que o levam a memorizar
certos dados cognitivos e a desprezar ou negligenciar outros, institucionalizando
uma espécie de programas que impõem ao homem o que ele deve ou pode
conhecer e o que não deve ou lhe é interdito, imperativos condicionadores do
desenvolvimento do cérebro-mente do homem que, simultaneamente, alienam-o da
sua própria realidade, alienação que, por sua vez, constituindo ascendentes
processos de piramidal circulação, fazem com que, apenas o espontâneo pressentir
do natural funcionamento do humano conduza esse mesmo humano a distinguir o
normal do anormal, o equilíbrio do desequilíbrio e o natural do patológico.
É que, de facto, tanto as estruturas de uma cultura como os seus
dinamismos tanto abrem como fecham o homem ao desenvolvimento das suas
potencialidades bio-antropológicas, ao seu natural desenvolvimento de potenciação
cognitiva e à expansão das suas capacidades, como o fecham, reduzem, anulam ou
aniquilam, graças aos saberes que impõe, aos paradigmas que o forçam e aos
modelos que “inculca”, aos métodos de aprendizagem que o indivíduo é obrigado a
seguir, aos esquemas que ele elabora e à lógica de convergência que é obrigado a
institucionalizar, constituindo-se, assim, o conjunto de forças e de resistências de
uma generalizada super-estrutura, organização e desenvolvimento do psicossocial e
do cérebro-mental.
90
CAPÍTULO IV
ACÇÕES E INTERACÇÕES NEURO-SÒCIO-PSÍQUICAS NOS
PROCESSOS DE APRENDIZAGEM
acerca
Os científicos e criteriosos estudos e análises sòciopsicológicas efectuadas
da natureza do ser humano, da sua personalidade e de sua
91
psicocaracteriologia; das suas pulsões e das suas tendências, dos seus interesses e
das suas necessidades centralizam-se, de maneira particular, nas dimensões
sòciopsicológicas e sòcioanalíticas do ser humano, isto é, nas suas necessidades de
sobreviver com, de estar, de interagir, de comunicar, de pertencer a, de socializarse, de integrar-se, etc. .
Ora, sendo a necessidade resultante de um efeito da discordância efectuada
entre dois termos de comparação, resulta que, no ser humano, todo o desequilíbrio
existente entre as pulsões, as orientações ou normas neurofisiológicas e seus meios
culturais, ou, entre as informações do interior e as do ser exterior, entre a acção e a
representação, constituem estados de desequilíbrio e, por conseguinte, hierarquias
de necessidades individuais. Daí a actual e urgente necessidade das actuais,
culturas e investigações no domínio da Neuropsicologia, Neuropsiquiatria e Genética
psicológica se voltarem para o estudo do Homem como um sistema constituído de
subsistemas e micro-sistemas em interacção e acção, em função ou disfunção, em
progressão ou regressão, em evolução ou involução, em equilíbrio ou desequilíbrio,
em adesão ou rejeição, em normalidade funcional ou anormalidade.
É que, de facto, como as variáveis de tais desequilíbrios constituem no ser
humano o seu conflito-motor de acção, de desenvolvimento ou de progressão; de
estacionamento, de involução, regressão ou disfunção, estes constituem estruturas
ou estádios deficitários, isto é, de necessidades neuropsíquicas e psico-emocionais
básicas, de organização ou de reorganização dos próprios sistemas inter-celulares e
intra-neurais, de inter-relações e de interacções, de emoções e de sensações, de
percepções e de adesões, de entendimento individual e de adições interpessoais.
O presente desenvolvimento, em suas hipercomplexas dimensões de
transversalidade e de longitudinalidade, de esfericidade e de diagonalidade, constituirá a homeostasia evolutiva, harmoniosa e equilibrada do indivíduo, o qual, como
ser inacabado ou repleto de incompletude, permanecerá sedento da sua própria
integridade, faminto de interiorizações e sequioso de adaptações, recorrendo, devido
a um tal conjunto de necessidades, a processos de busca de satisfação através de
estímulos neuropsíquicos, de sensorizações corporais, contactos humanos e estimulações individuais, necessidades que, quando satisfeitas, constituirão a estrutura
dinamizante básica das posteriores necessidades de cognição, de sociabilidade e de
aculturação.
Estes processos decorrem da dinâmica e homeostatica natureza bio-sòciopsicológica do ser humano, única e singular, igual e diferente, contínua e descontínua, constante e renovável, conservadora e evolutiva, integrada e proliferante,
egoísta e altruísta, repetitiva, variada e inovadora, graças à sua intrínseca e indissociável natureza de essências-existências com seus ciclos vitais próprios, para os
quais existir é viver e, viver é existir com singulares experiências, egocentrismos e
altruísmos próprios de um indivíduo-sujeito, actor existencial da sua própria
existência que joga a sua vida no palco das incertezas, dos acasos e dos
obstáculos; das dificuldades e das ameaças, mas veiculador de potencializações,
de transcendências e de reorganizações; de introjecções e de acumulações, de
projecções e de informações, de percepções e de interacções.
É, portanto, no seio de um tal conjunto de interacções que o ser humano,
progressiva ou regressivamente, evolutiva ou involutivamente, se organiza ou
desorganiza, forma e transforma, emerge, age e retroage no seu permanente
reanelamento bio-sòcio-psicológico, único e relativo, tríplice e múltiplo, alicerces
essenciais dos sistemas vivos, com princípios, leis, normas, revelações e autorevelações próprios de cada espécie.
92
Tal realidade emana do facto da existência do ser humano apresentar-se
como fenómeno constituído por sistemas celulares. Estes, por sistemas de
moléculas, os quais, por sua vez, são constituídos por sistemas de átomos. É dessa
interacção, encadeamento, cruzamento ou sobreposição de sistemas, que emerge o
ânimus e o psíquico, o emocional e o afectivo, o social e o cultural, os quais, tanto
pela lógica da complementaridade como pelo princípio da inclusão, não deveriam
opôrem-se nem descentralizarem-se, mas sim completarem-se, aperfeiçoarem-se e
harmonizarem-se.
Porém, alimentando-se os sistemas de interacções e de trocas, como muito
bem o entendeu e desenvolveu Edgar Morin ( O Método I, pág. 95, Publicações
Europa-América ): « As partículas têm nas propriedades do sistema muito mais do
que os sistemas têm das propriedades das partículas ».
Por isso, não admira que, não raramente, os sistemas sociais se oponham
ou sobreponham aos sistemas naturais, os sistemas adquiridos aos sistemas inatos,
os educacionais aos sistemas psicológicos, e os sistemas políticos aceitem,
abençoem e enalteçam tais anomalias como as virtudes dos tempos.
E, no entanto, está sabiamente assumido que, construindo-se e evoluindo os
sistemas por processos de interacções e de transações entre os sujeitos-objectos,
tanto a eficácia como a harmonização, tanto a eficiência como a expansão dos
indivíduos-sujeitos somente se efectuam através da complementaridade dos sistemas, e não através da sua distorção ou eliminação, visto o sujeito ser uma unidade e
uma unicidade genofenómenicamente constituída, nas quais, o seu todo, é diferente
e superior à soma das suas partes, o que constitui a hipercomplexidade e
originalidade dos sistemas humanos, diferenciados e diferenciadores, reproduzidos e
reprodutores, desenvolvedores e desenvolvidos e, simultaneamente, uni-sistémicos
e poli-sistémicos, o que faz com que não exista harmonia previamente determinada,
mas sim evolução sujeita a contínuos e descontínuos, a progressões e regressões, a
estádios evolutivos e estacionários, interdependentes dos acasos, das contingências, das comunicações e das receptividades, das informações e de seus conteúdos,
das mobilizações e das adesões, das pulsões e dos desejos, dos afectos e das
envolvências, e, das suas formas, dos seus estímulos e das suas motivações. E,
tudo isto, efectuado por um interactuante humano, com carácter único, jamais
exactamente igual ao outro, e, com particularidades, diferenças e variações únicas,
características que, de acordo com a congruência da lógica, conduzem os humanos
a indefinidos sistemas de ramificações, caracterizadores dos indivíduos, das suas
atitudes e comportamentos, potencialidades e capacidades, emoções e aptidões.
Porém, como que impondo limites à inteligência humana, as metodologias e
as lógicas das ditas Ciências empírico-dedutivas ensinaram-nos que, para se fazer
Ciência, era necessário: « juntar, como que em ramalhetes, as plantas que se
assemelham, e separá-las das que não se assemelham », permanecendo as
dissemelhanças ou diferenças à margem da acção ou ao cuidado do seu tratador.
No entanto, apesar do sujeito humano possuir sistemas vegetativo, biológico
e inconsciente, ele possui, também, sistema consciente, antropocêntrico e
metafísico. Necessita da acção, de interacções e de interdependências para se
organizar e reorganizar genofenoménicamente em suas dimensões psico-corporais,
afectivo-emocionais e sócio-culturais, de maneira integrada e integrativa, adaptada e
adaptativa, e, de maneira indissolúvel, num processo existencial de ser para si e de
se transcender a si através de desenvolvimentos e de generatividades emanadas e
produtoras de conflitos e de dilaceramentos, de vinculações e de desvinculamentos
processados nas e através das instâncias do id, do eu e do super-eu e respectiva
93
flexibilidade, maleabilidade, condensação ou rigidez das próprias instâncias do seu
sistema psicológico.
Sabendo-se, no entanto, que a existência do sujeito precede a sua
consciência e que no ser humano o sujeito é “ primeiro inconsciente “ ( Lacan, 1978,
pág. 76 ), o indivíduo-sujeito, é condenado à sua unicidade e originalidade e
encontra-se, também, condenado à separação, à solidão e à incerteza. É em função
de tais frágeis condições que ele vivencia a sua intrínseca necessidade de
comunicar, de computar, de informar e de informar-se, e, através de tais processos
de intercomunicações com os seus congéneres , vai encontrando e gerindo as suas
acomodações, adaptações e assimilações ou não; os desenvolvimentos correctores
do seu eu ou os desenvolvimentos desarmónicos, as semelhanças ou as
acentuadas dissemelhanças com os outros eus, que o circunscrevem, rodeiam ou
envolvem e, da natureza de uma tal interacção, das suas harmonias e
complementaridades ou vice-versa emergirá o seu princípio e dinâmica do prazer, da
realidade e da auto-construtividade ou o princípio do desprazer, da distorção e da
auto-anulação, atributos e percepcionamentos inerentes à própria dinâmica dos
processos da evolução harmoniosa ou da elaboração desarmonica, do erro, do
isolamento e da separação, acentuando, por tais processos, as suas carências a as
suas asperezas, as suas solidões e as suas disrupções, as suas frustrações e as
suas feridas, as suas insatisfações e as suas decepções, o que o torna pobre em
emoção e em afectividade, em vitalidade e em objectividade, em desenvolvimento e
em afirmação, em receptividade e em projecção, tanto a nível de desenvolvimento
dos receptores sensoriais como da dinamização e da interactuação das suas
estruturas neuro-cerebrais, visto, como afirma Morin: « a qualidade auto-referente e
egocêntrica do sujeito faz do indivíduo vivo um centro de solidão e um centro de
comunicação, um centro de sensibilidades ou de sensações que se tornará centro
de sentimentos e de afectividade, um actor-jogador cuja praxis está toda ela
marcada pelas eventualidades, pelas asperezas, pelas tragédias da existência ».
( Morin, O Método II, Publicações Europa-América, 2ª Edição, pág. 182 ).
É, com efeito, através dos processos de referências e de auto-referências
que o sujeito humano tende para o seu solipsismo ou sociologismo, que se isola do
mundo exterior ou se envolve, traduzindo, para si mesmo, em sua própria
linguagem, as informações que do seu mundo exterior pode extrair, significando isto
que a abertura, a harmonia e o desenvolvimento do ser-humano é efeito de um
processo de múltiplas e complexas interdependências do universo circundante,
interdependências progressivas em função dos níveis de desenvolvimento, visto o
sujeito humano quanto mais desenvolvido mais dependente da necessidade de ser e
de viver, de se desenvolver e de se expandir, de se informar e de auto-realizar-se. E
isto através de processos de abertura em relação aos outros, de sociabilidade e de
socialização, de comunicabilidade e de comunicação, de cooperatividade e de
cooperação com os alter-egos, o que gera em si capacidades de escapar ao
solipsismo, de não exacerbar o seu sociologismo e de desenvolver-se na sua
identidade-objectividade, na sua identidade e individualidade em relação aos seus
meios, aos outros, às comunidades de pertença e à sociedade em geral.
Por isso, apesar do inevitável, positivo e necessário conjunto de tais
atributos e potencialidades de socialização, o observador e analisador dos tradicionais modelos científicos, dedutivamente impostos - apesar de, não raramente, terem
sido concebidos a partir de métodos indutivos – não só se fecharem em crassos
erros, mas, também, levantaram densas fortalezas de resistências à progressão e ao
desenvolvimento do científico quando, em seus posicionamentos autistas e
94
contemplações umbilicais, partindo da contemplação da existência de multidões de
indivíduos semelhantes, conceberam hierarquias de atitudes, padrões de comportamentos e processos de aprendizagem idênticos ou semelhantes para todos numa
atitude de mera abstracção dos indivíduos e de projecção do “ em si mesmos “.
Com efeito, embora o ser humano resulte dos efeitos dos sucessivos
reanelamentos e, por conseguinte, seja possuidor da identidade da sua espécie,
todo o humano é um ser diferente, diferenciado e diferenciador, visto o seu património e potencial informacional estar sujeito aos efeitos das variáveis evolutivas,
fenoménicas e experiênciais tanto do singular como do individual, do social como do
colectivo, segundo lógicas de auto-referência, de imagens pessoais, de autoconceitos individuais, de expectativas sociais e de projecções individuais. Daí o facto
de todo e qualquer ser humano possuir uma generatividade própria e insubstituível,
um património genético-informacional diferente do dos seus progenitores e uma
identidade processual, exteroproprioceptiva única e irrepetível, desenvolvível e
realizável através dos processos de reanelamentos e de recorrências, de adaptações e de renovações, de assimilações e de interiorizações, de projecções e de
regressões, de mudanças e de mutações conaturais à espécie e próprias ao
indivíduo, o que faz com que este evolua ou involua, progrida ou estacione, se
liberte ou asfixie, se integre ou desintegre, se harmonize ou desarmonize, se
actualize ou desactualize, se adapte ou se inadapte, se torne um ser normal ou
anormal, equilibrado ou patológico em termos sociopsicológicos e socioanalíticos.
É que, de facto, o processo informacional de um ser humano e do seu
respectivo desenvolvimento não é efeito da interacção de algumas das suas partes,
mas sim resultado da acção do seu todo em interactividade e em interacção, em
processos de generação e regenerações, de revelações e auto-revelações
realizados em contextos familiares e sociais, bioecológicos e sistémicos, técnicos e
culturais, psicológicos e educativos.
Uma tal hipercomplexidade processual, devido aos desequilíbrios ou
desnivelamentos, disfunções ou anomalias, paragens ou asfixias das interacções
dos subsistemas originam desvios, anomalias, carências, atrasos, insuficiências,
perturbações ou deficiências nos processos e nas necessárias dinâmicas da
necessária e equilibrada homeostasia do indivíduo, o qual, em seus processos de
retroacções, reproduzirá os desequilibrios, os atrasos, as insuficiências, os déficits
ou as deficiências, caso a acção dos estímulos interiores, conjugada com os efeitos
das motivações e das acções do exterior, não regulem o irregulável, não equilibrem
o desequilibrado nem harmonizem o desarmonizado.
Uma tal dialéctica bio-orgânica do ser humano com os seus meios de
vivência, confere-lhe ambiguidade e incerteza, inoportunidades e desigualdades,
diferenças e diferenciações, semelhanças e dissemelhanças a nível de atitudes e de
comportamentos, de sensibilidades e de percepções, de autonomias e de
autonomizações, de expectativas e de ambições, de aprendizagens e inserções.
E tudo isto porque o ser humano é, simultaneamente, sujeito e objecto,
insubstituível e substituível, autónomo e dependente, único e irredutível, total e
incompleto, auto-organizado e desorganizante, emergente e desenvolvedor, com
individualidade própria mas, simultaneamente, produto do exterior, de processos
anónimos e impessoais; fruto das suas computações e acções, das suas atitudes e
comportamentos genofenomenicamente interdependentes, com uma consciência
capaz de o controlar perante a sua própria realidade de ser frágil e imaturo,
dependente e inacabado, com necessidades de desenvolvimento e completude, de
expansão e de totalidade, de vivências e de convivências, de aprendizagens e de
95
realizações através dos princípios da realidade e do prazer, da emergência e da
interactividade e com profundas e radicais necessidades interiores de movimento e
de sensibilidades, de emoções e de percepções, de afectos e de envolvências, de
cognições e de computações, de saberes e de aprendizagens, o que põe em causa
a tradicional concepção de realidade humana, das aprendizagens e dos
desenvolvimentos.
É que, de facto, emergindo o ser humano, os seus desenvolvimentos,
dignificações e afirmações das sucessivas, progressivas e recíprocas interacções
bio-sòcio-psicológicas e eco-culturais, pois, como afirmou Henri Wallon: « o homem
psicológico realiza-se entre dois inconscientes: o inconsciente biológico e o
inconsciente social e a sua integração um no outro é diversificada ». Mas, se
pretende conhecê-los, tem de se estabelecer correlações entre um e outro, visto
todo o edifício da vida mental construir-se, nos seus diferentes níveis, através da
adaptação da actividade individual ao objecto, pois o que orienta o indivíduo para a
adaptação são os efeitos da adaptação sobre a própria actividade. Por isso, ainda
segundo Wallon – « é impossível imaginar a vida psíquica sem ser sob a forma das
suas relações recíprocas ».
Por tal facto, o processo inicial de todo o desenvolvimento humano encontrase no acto e no processo de adaptação que une o inconsciente biológico e o
inconsciente social.
Uma tão simbiótica matriz, génese da hipercomplexidade da unidade da
existência humana, pelo facto de ser complexa, contém, em si mesma, diversidade e
multiplicidade, organização e desorganização, entropia e neguentropia, o que lhe
confere unidade e desunidade, simplicidade e complexidade, ordem e desordem,
homogeneidades e heterogeneidades, pluralidades e diversidades, concorrências e
antagonismos com processos auto-organizadores e desorganizadores, singulares e
originais.
Ora, parecendo ser um facto que é da simbiose do inconsciente biológico
com o inconsciente social que emerge o propulsar inicial do self, é a partir da
intrinsidade de uma tal união que as diversidades evolutivas do indivíduo, as suas
mutações e morfogéneses se enunciam. Daí a vital importância de estimuladas e
motivadoras interacções genofenoménicas, visto ser da lógica da estrutura inicial
que a intensidade e a qualidade dos ciclos vitais se desenvolverão, que as
actividades fenoménicas do organismo humano encontrarão sentido e que a
formação dos códigos genéticos desenvolver-se-á em contínuos e interactivos
processos de diacronia e de sincronia e em função das específicas necessidades de
cada um.
É, com efeito, da natureza, simbiose e vitalidade de uma tal “ dupla
articulação “ dos fenómenos do desenvolvimento que as informações genéticas se
desenvolvem, as sociais se adquirem, as psico-emocionais se sedimentam e as
produções ou reproduções intelectuais se desenvolvem, e isto através de um
contínuo e dinamizador processo de reanelamento inter-sistémico do genótipo e do
fenótipo, do organizado e do organizador, do produzido e do reprodutor, do
estimulado e do estimulador, do social e do individual, do informacional e do nãoinformacional, factores de generatividade e de regeneração afectivo-emocional e
psico-intelectual.
Daí o facto dos défices funcionais e das insuficiências psico-intelectuais
serem asfixias, mutilações ou desvios da extraordinária capacidade de autoorganização, integrabilidade e integração da própria singularidade e originalidade do
ser humano, apesar da Biologia moderna, no seguimento dos trabalhos científicos
96
do Prémio Nobel Jacques Monod, inscrever nos princípios e estruturas que
governam a reprodução, a individualização e a evolução do ser humano, a noção de
“acaso”, o que nos obriga a concebermos o sujeito humano não só como uma
essência existencial ou uma forma do ser mas, de maneira particular, como uma
qualidade do seu próprio ser, a qual emerge dos seus próprios processos de autogeno-feno-organização, processos de cujas interacções emergem resultados ou
efeitos não só diferentes mas também superiores às suas próprias causas.
É que, na realidade, nos seres vivos, mas especialmente nos humanos, o
todo, isto é, a unidade, identidade e unicidade do sujeito humano, não só é diferente
da soma das suas partes, mas, também, superior, visto as interacções das suas
partes não só modificarem o ser computante, mas, também, fazerem com que ele,
permanentemente, se auto-recomece e auto-regenere, significando isto que, tanto a
individualidade como a qualidade da sua própria subjectividade, interdepende não só
de processos subjectivos mas, de maneira particular, de processos, de acções e de
comportamentos objectivos. E, tanto os processos subjectivos como os objectivos
necessitam de consciencialização das suas interdependências, visto ser os efeitos
destas que agem, interagem e retroagem nos processos de evolução de novos
estádios, de novas fases e de novos desenvolvimentos, graças à acção e à
funcionalidade, à maturação e à estimulação, à emoção e à motivação do aparelho
neuro-cerebral do sujeito-humano.
Um tal aparelho ou centro neuro-cerebral, cuja acção resulta da interacção
inter-neuronal e das interacções entre células que se multiplicam e diferenciam,
estas não só se desenvolvem, dinamizam, asfixiam ou anulam em função da sua
estrutura e potencial ontogenético, mas, também, em função das normas e das
regras culturais em que cada indivíduo vive, em função dos meios familiares e
sociais a que um indivíduo pertence e em interdependência da estrutura, qualidade e
dimensionalidade dos centros de comando, de controlo e de decisão em que um
indivíduo se encontra inserido.
Daí a intrínseca necessidade das condições objectivas em que um indivíduo
se move deverem reforçar e desenvolver o seu potencial ontogénico e darem
resposta às suas múltiplas necessidades de desenvolvimento auto-organizacional e
de auto-referência, de auto-afirmação individual e de acção social, de emoção e de
afectividade, de auto-informação e de auto-computação, de auto-conhecimento e de
auto-comunicação de forma indissociável, apesar da concepção de multidimensionalidade do ser humano.
É que, de facto, por um lado, se é verdade que a fragilidade da mente
humana necessita de dividir ou de subdividir o todo para compreensão de parte do
real, por outro lado, não é menos verdade que um movimento, um gesto, uma acção
ou uma atitude; uma emoção ou um afecto, um pensamento ou uma ideia, um
raciocínio ou uma argumentação são efeitos do todo do ser humano. Isto porque, em
tal ser biocerebral, está impregnado o cultural e o social, o subjectivo e o objectivo, a
organização e a desorganização, a ordem e a desordem.
Com efeito, é pela Cultura e pela acção dos meios culturais, da linguagem e
das interacções comunicacionais e informacionais que o ser humano se hominiza
biológicamente e humaniza psicossocialmente.
A potencialização e força da acção de uma tal dinâmica psicossocial é de tal
poder que, não raras vezes, nos seus processos de interacções e retroacções,
controla o gènes biológico ou orienta-o, condiciona-o ou governa-o, estimula-o ou
inibe-o, motiva-o ou reprime-o, recalca-o ou liberta-o. Isto porque nem sempre o
império do meio colabora com o império dos gènes e, nesse processo de ausência
97
de colaboração, de participação envolvente, de antagonismo ou de oposição, o
antro-psico-social ou o ser fenoménico toma posse e controlo dos gènes e manipulaos em função da concretização dos seus próprios objectivos e fins. Uma tal
retroacção sobre os gènes não só os pode fragilizar como reforçar, expandir como
condicionar, potencializar como reduzir, o que faz com que o sujeito humano
permaneça objecto de disputa entre a autoridade do genetismo e do ambientalismo,
apesar de parecer óbvio que os seres humanos, a partir de uma certa fase de
desenvolvimento do seu aparelho neuro-cerebral e de auto-conhecimento tornam-se
capazes de desenvolverem a sua autonomia, de explorarem as experiências, de
capitalizarem saberes, de elaborarem estratégias de conhecimento, de atitudes e de
comportamentos.
Uma tal autonomia permanece, no entanto, geno-eco-interdependente, visto
as experiências, os conhecimentos e as aprendizagens só se efectuarem em meios
e em ambientes.
As disputas entre gènes e ambientes desencadeiam rupturas, equilíbrios e
desequilíbrios, conflitos e pacificações, subjectividades e objectividades, transsubjectividades e solidariedades que oscilam entre os altos e os baixos, entre os
níveis quentes e frios, fazendo com que o indivíduo se transfira para a sociedade em
caso de perigo, e, a Sociedade para o indivíduo em caso de segurança, deslocando
tais oscilações, variabilidades e inter-conexões através de mútuos e recíprocos
intercâmbios, de interacções comunicacionais e de trocas intersubjectivas, processos que desenvolvem um duplo desenvolvimento do indivíduo para a sociedade e da
sociedade para o indivíduo, o que desenvolve ou mutila, estimula ou asfixia a acção,
os comportamentos e as evoluções dos seres computantes e reforça a máquina
social, fazendo com que esta possa desviar-se do sociocentrismo psico-humano dos
indivíduos e opere, em exclusivo, em função das suas próprias necessidades e
interesses vitais imediatos, fazendo com que os indivíduos desprezem as suas
necessidades de auto-vivência e de auto-consciência, de identidade e de
individualidade, de autenticidade e de movimentação psico-individualizada no vasto
e complexo campo da máquina social e económica.
Um tal societal comportamento massificador, constrangedor da acção dos
indivíduos e de individualidades, de autenticidades e de identidades, não só se
deverá assumir como isolador do código genético, mas, também, como redutor das
suas próprias mensagens e informações, visto tanto as redundâncias como os
ruídos ou poluições do exterior submeterem o incomensurável potencial do código
genético dos indivíduos a um mero conjunto de acções e de comportamentos do
“aqui e do agora”, com impregnação dos traços e perfis de repetição, de
regularidades e de multiplicações reprodutivas, criando e desenvolvendo esquemas,
dificuldades ou inutilizadores desnecessários, imprescindíveis e permanentes
reorganizações singulares e individuais, informacionais e cognitivas, espaciais e
temporais.
A própria Sociopsicobiologia constata, no entanto, que o próprio ser humano
é, simultaneamente, sensorial e motor, agente de regulação térmica e de fluxos
sanguíneos, de modelação de ondas electroquímicas e sonoras, de ritualismos e de
dissuasões; social e psíquico, isto é, senhor de uma aptidão policompetente que
ultrapassa toda a especialização, visto as especializações funcionais interdependerem dos desenvolvimentos de tais policompetências, inerentes não só a órgãos
polifuncionais e polivalentes, mas, também, a um aparelho computante de
competências, isto é, ao cérebro humano, o qual desenvolve organizações, elabora
reorganizações, produz especializações e, simultaneamente, luta contra as
98
especialidades; associa e combina, antagoniza-se e opõe-se, complementa-se e
concorre.
No seio de uma tal multidiversidade de dinamismos é factual a nãoirreversibilidade das células e dos efeitos das suas interacções e, por tal razão, a
diferenciação das potencialidades, das capacidades, das organizações e das
reorganizações, dos estímulos e das motivações, a qual é efectuada não só através
de processos de actualização ou progressão, mas, também, em processos de
retroacção ou de regressão dos próprios processos organizativos, sendo,
precisamente, em tais processos de retrodiferenciação que as desespecializações
ou mudança de esquemas se efectuam, maleabilizam e flexibilizam, o que faz com
que o indivíduo, progressivamente, se autonomize, redimensione horizontes, recrie
intencionalidades e desenvolva potenciais generativos e auto-organizadores,
polivalentes e polifuncionalmente adaptáveis aos múltiplos e intercomplexos meios
ambientes e circunstâncias, agentes desenvolvedores de policompetências e
especializações funcionais ou disfuncionais, normais ou anormais, e tanto
emocionais como afectivas, sociais como psicológicas, graças à acção do aparelho
cogitante do ser humano: o cérebro, de cujas interacções e revelações com o próprio
nem sempre são consoantes, funcionais, dinâmicas, rentáveis e eficazes, orientadas
e auto-controladas, mas, sim, tendencialmente diversificáveis e diferenciáveis, tanto
a nível de desenvolvimentos como de organizações, de dissemelhanças como de
diferenças, de diferenciações como de divergências que, graças à acção e efeitos
interactivos do meio, fazem com que tais comportamentos tendam para a
convergência, a qual exige rapidez, perspicácia, precisão e funcionalidade,
exigências que, condicionando o indivíduo para maiores acções quantitativas, fazem
com que ele perca, no seu qualitativo e no global potencial, o seu desenvolvimento
tanto genético como psicológico, tanto social como humano.
É, com efeito, da acção e de seus relativos efeitos totalizantes de
desenvolvimento que interdependem os efeitos das interacções dos estados de
progressão, estacionamento e inibição existentes ou efectuados nos princípios de
ordenação e de desenvolvimento das constelações inter-celulares, inter e
intraneuronais de excitação e de estímulos. Porém, dos conflitos entre excitaçõesestímulos e inibições, resultantes das interacções da estrutura e da dinâmica
genética com as acções do meio, resulta o início da acção do processo de
variabilidade e variação não só estimuladora mas também comportamental e
sociopsíquica bem como seu potencial funcional e seus níveis de funcionamento e
de interacções, desencadeadas e desenvolvidas, por um lado, pelos efeitos das
acções das conexões sinápticas interneuronais e, por outro lado, pela acção e
eficiência da mente auto-consciente do sujeito-indivíduo.
Por isso, das interacções das conexões sinápticas com a mente autoconsciente e vice-versa resultam unidades bio-energéticas, biodinamizantes, propulsoras e propulsantes de força e vitalidade, de acção e potencialidade, de conflito e
consciência, que fazem com que os estados de tais unidades sejam ultrapassados,
desenvolvidos e aperfeiçoados através da acção e do investimento, da consciência e
da consciencialização do seu “ em si mesmo “, do outro e dos outros; dos meios e do
universo, de forma discriminatória e discriminante, mediante a acção das conexões
mútuas e recíprocas das constelações ou grupos de células, os quais, devido à
natureza da sua própria auto-estimulação, excitação e propulsão tendem a subdesenvolver grupos vizinhos de células, o que faz com que estes, para manterem a
sua vitalidade própria, sejam obrigados a recorrer a vitalidades e energias que
emergem de estruturas mais profundas do ser humano, movidas essencialmente
99
pela emoção e pela pulsão, pelo instinto e pela intrínseca necessidade de
homeostasia.
Um tal processo de desenvolvimento e de organização, de acção e de
interacções do ser humano, demostra que este é um ser biológico e neurocerebral,
de subjectividade e de objectividade, de afectividade e de emoção, de pulsões e
instintos submetidos a processos de desenvolvimentos e asfixias, de equilíbrios e
desequilíbrios, de transcendentalidades e dialécticas, de culturas e de subculturas,
incapaz, por mais desenvolvido que seja, de analisar o todo como todo, sem
parcelarizar ou dicotomizar e, totalmente impotente para conceber o infinitamente
grande ou infinitamente pequeno.
Apesar de tais limitações parece ser verdade irrefutável que o ser humano
ainda não atingiu um terço do desenvolvimento do seu potencial, de maneira
particular a nível de orientação do seu potencial biopsíquico, próprioceptivo,
sensitivo, intercomunicativo e emocional, pois uma elevada percentagem do seu
potencial bioenergético encontra-se, ainda hoje, centralizado ou subdesenvolvido,
disperso ou mal orientado, comprimido ou recalcado, inibido ou subestimulado ao
nível das células ou dos neurónios, do pulsional ou do afectivo, do emocional ou do
psíquico, do social ou do intelectual, resultando, de tais mecanismos processuais,
acentuadas desvantagens para o desenvolvimento integral e harmonioso do
indivíduo e com acentuados desequilíbrios à necessária funcionalidade da
homeostasia do indivíduo-sujeito humano.
Por tal razão, procurar a orientação e o desenvolvimento do total potencial
bio-energético e psico-emocional do indivíduo é, sem dúvida, a missão essencial da
nova Psicologia Educacional, a qual deverá centralizar os seus objectivos
primordiais no total desenvolvimento do potencial bioenergético do sujeito-educando,
potencial que é alimento bio-psíquico, actividade e acção, estado de alma e
incomensurável força do espírito, sensibilidade interior e motor de dinamismo, de
vitalidade e intencionalidade, introversão e extroversão, potencial de concentração e
de desenvolvimento dos conhecimentos.
No entanto, tanto dos estudos ortossomáticos como dos estudos
psicogenéticos infere-se que as tipologias psico-físicas são múltiplas, variadas e
hiper-complexas, o que faz com que a manifestação, concretização e o desenvolvimento de um tal potencial bio-energético sejam distintos de indivíduo para indivíduo
e diferentes nas aplicações, concretizações, assimilações e interiorizações, visto a
matriz de tal diferenciação encontrar-se na particularidade e na especificidade de
cada ser humano, manifestadas não só através da diferenciação dos gestos e dos
movimentos, do corpo e dos interesses, mas, também, através da sua estrutura e
dinâmica somatopsíquicas, as quais funcionam segundo hierarquias de abertura ou
de encerramentos tanto ao real como à prova da realidade, tanto à dinâmica do
emocional como ao seu desenvolvimento, tanto às aceitações dos seus próprios
desenvolvimento como às interacções e absorções dos factores, agentes, estímulos
e motivações dos seus próprios meios, o que faz com que uns, tendencialmente, se
enquadrem na hierarquia da actividade, e, outros, na da passividade; uns nas
hierarquias das atracções e outros nas das rejeições; uns nas hierarquias dos
afectos e outros nas dos sentimentos; uns nas hierarquias da envolvência e outros
nos da combatividade.
Estas múltiplas e inter-correlacionáveis possibilidades de ordenações
comportamentais fazem com que os seres humanos, a nível bio-neuronal, somente
se possam definir pela sua unicidade, pela sua realidade e pela sua individualidade.
100
No entanto, a nível sociopsicológico, o indivíduo-sujeito-humano aparece
como epifenómeno de insuficiência e de tendência, de relativa quantidade e de
subjectiva qualidade, de individualidade e trans-individualidade, sujeito a processos
e mecanismos, a singularidades e originalidades, a eventualidades, a riscos e
acasos desencadeados quer pela fragilidade das determinísticas normas do bioneuronal como pela interdependente natureza do psicológico, tanto pela asfixia, subdesenvolvimentos ou desvios emocionais e afectivos como pela força asfixiadora,
massificante e desintegradora do social e educativo, agentes, não raras vezes,
desorganizadores, entrópicos e neguentrópicos, interactivos e retroactivos, autoprodutores e auto-organizadores, espécie de máquina social cujos efeitos do seu
próprio poder poderão fazer e fazem com que os elementos constitutivos da
individualidade do ser humano se combinem, permutem, desenvolvam ou substituam
de forma diferente do exigido pelo conatural e complexo processo da própria
individualidade humana.
É que, de facto, a funcionalidade harmoniosa da intrínseca natureza e
dinâmica da homeostasia do indivíduo exige permanente evolução e continuado
equilíbrio da sua dinamizante acção gèno-fenoménica.
Um tal situacional processo encontra-se, no entanto, visceralmente
envolvido numa mega-máquina social que, apesar de tingida de côres psicobiológicas e antropológicas, impõe orientações ao indivíduo, distribui-lhe funções e tarefas,
cria-lhe leis, regulamentos e normas; diz-lhe o que tem de fazer e o que não pode
fazer; pede-lhe autonomia mas exige-lhe subjugação, motiva-o para o
desenvolvimento mas impõe-lhe as competências e as especializações que deverá
desenvolver, adquirir, conquistar ou aprender e retém-o num processual desenvolvimento de uma dialógica de subjugações e de emancipações, de desenvolvimento e
de subdesenvolvimentos, de autonomias e de dependências e, a meio ou quase no
final de tal processo, quase como prémio de consolação, diz-lhe que é normal ou
anormal, equilibrado ou desequilibrado, com sucesso ou insucesso, atrasado ou
adiantado.
I – INTERACÇÕES DOS SISTEMAS E DOS NÃO SISTEMAS NEURO-CEREBRAIS
Sendo o ser humano efeito e causa de um hipercomplexo e multi-interactivo
processo, com constituintes bio-neurocerebrais, instintivas, pulsionais, emocionais,
afectivas, perceptivas, espirituais, cognitivas, psicológicas e intelectuais, ele será
sempre, por mais perfeito que seja, um ser inacabado ou mal acabado e,
simultaneamente, comandado, controlado, orientado, transformado e manipulado
para fins ou objectivos sociais, económicos, emocionais ou psicológicos, visto até a
própria acção do aparelho neurocerebral de uns ser utilizado para orientar, controlar,
manipular ou ajudar a desenvolver as estruturas neurocerebrais de outros seres
humanos. É a lógica da dependência-independência, da progressão-retroacção, da
autonomia-subjugação, as quais trespassam os próprios fluxos bio-energéticos do
indivíduo, o desenvolvimento ou a asfixia da informação do código genético, a
dinâmica da organização-desorganização.
É que, na realidade, dispondo cada célula de um organismo vivo , mesmo as
especializadas, da mesma mensagem de qualquer outra célula, a variabilidade e
heterogeneidade das informações e dos desenvolvimentos interdependem das
reacções electroquímicas e neuronais, interactivamente estimuladas pelos constela-
101
cionais movimentos dos instintos, das pulsões e das emoções, em interacção com a
acção das percepções, dos símbolos, das imagens interiores e dos estímulos e
motivações, das expectativas e ambições desencadeados pela acção do meio e
pelos comportamentos dos ambientes.
Na sequência de uma tal dinâmica processual, em que os comportamentos
das células são redundantes, mas submetidos ao aleatório, ao perturbante e
entrópico originam-se organizações generativas e degenerativas, neguentrópicas e
entrópicas, surgindo, de tais processos, paradigmas em que o acontecimento se
transforma em novidade e o próprio erro em vontade. Isto porque a própria
redundância das células, em interacção com algo de diferente, transforma-as em
potenciais de variedade, a qual, por sua vez, organiza e reorganiza o sistema,
dispersa-o, complexifica-o e torna-o mais flexível, mais maleável e, por isso, com
mais heterogeneidade e mais diversidade, com mais inovação e mais desenvolvimento, com mais informação e mais comunicação.
Uma tal factual arborescência, potencialmente emergente da dinâmica bioenergética e do potencial informativo contido no código genético do ser humano,
obedece às contingentais normas da desordem e da ordem, da organização e da
desorganização, do necessário e do acaso, do certo e do incerto, do neguentrópico
e do desenvolvimento aleatório do entrópico.
Por isso, tanto o crescimento como o desenvolvimento humano, tanto o
enriquecimento como o empobrecimento do informacional é efeito de alterações e de
mudanças, de mutações e de colaborações, de interacções e reorganizações, de
aleatoridades e generatividades, características alicerçantes e essenciais à
hipercomplexidade organizacional do ser humano, tendencialmente imerso no seu
universo de variedade e dispersão, de homogeneidade e heterogeneidade, de
organização e desorganização, de evolução e progresso, de ruído e redundância, de
informação e generatividade.
A variabilidade organizativo-comportamental e funcional de um tal conjunto
de possíveis combinações celulares explicam a existência de anomalias genéticas,
de redução da acção biológica, de lesões a nível embrionário e de mal-formações
físicas, com catastróficos efeitos a nível psíquico, originando desordens, alterações
ou perturbações a nível de órgãos, funções e exageros ou deficiências a nível de
funcionalidade ou desenvolvimento de certos processos e dinamismos neuro-biopsíquicos, originando-se, então, a diferença do semelhante, o anormal do normal, o
patológico do não-patológico, factos que fazem com que um indivíduo-sujeitohumano seja obrigado a viver com as suas próprias deformidades simplesmente
porque é um “ ser ferido durante a sua vida fetal “.
As deformidades apresentam-se, por conseguinte, como sendo efeitos da
presença simultânea de dois estados que, originariamente, se sucedem um ao outro
e obedecem a certas regras de correlação, de subordinação e de coordenação, as
quais fazem com que no deformado nem tudo seja possível como o não é no nãodeformado.
Por isso, sendo um facto que algumas anomalias ou mal-formações podem
transmitir-se por acção genético-hereditário, a sua maioria derivam de traumatismos
sofridos pelo embrião durante a vida fetal, o que faz com que a informação do
código genético, a organização do ser e o desenvolvimento não se efectuem como
se efectuariam se tal traumatismo não tivesse existido.
Por tal razão, todo e qualquer erro na comunicação ADN, na Imunologia, na
representação mental ou nas estratégias provoca comportamentos deficientes.
102
Porém, toda a organização viva, nomeadamente a do ser humano, pode
tolerar, resistir, detectar e corrigir erros; pode tirar lições dos erros, isto é, aprender.
Pode utilizar positivamente certos erros e até transmutar os erros no seu contrário,
fazendo com que os erros se tornem pedras de toque, estimuladoras de novas
reorganizações e descobertas, factores de eventualidades e diversidades, de
concorrências e de antagonismos, apesar da lógica e ordem biológicas fazerem da
acção dos processos e dinamismos a sua complexidade organizacional, isto é, o seu
potencial auto-organizacional e eco-reorganizativo, o qual, por sua vez, retroaliment-se, parcialmente, da utilização e integração da desordem, visto a própria evolução
biológica ser efeito de uma sucessão de variações de invariantes, as quais,
passando pela desordem, recuperam a ordem, depois de se adaptarem à desordem
e superá-la, utilizá-la e trabalhá-la, o que faz com que se desenvolvam estratégias
de inventividade e de criatividade, visto estas serem não só efeito da ordem –
desordem – organização, mas, também, das respostas às desordens, pois todos os
progressos humanos são efectuados através das desordens e, simultaneamente,
também contra as desordens. É que, como afirmou Bateson (1972): “ o ruído é a
única fonte de novos padrões “, significando isto que não existe desordem criadora
sem a cooperação e a reorganização da dinâmica auto-geno-fenoménica informacional, computacional e comunicacional.
Uma tal trilogia, essencialmente emergente da organização do biológico,
gera, em interacção com o exterior, a activação do cérebro, pois, como o demostram
estudos de Embriologia, o próprio cérebro desenvolve-se como a pele a partir da
ectoderme, isto é, da membrana externa do embrião, o que significa que o seu
desenvolvimento é efeito da acção e da reacção no seio do seu ambiente, e, o
conhecimento resulta das estratégias e acções em relação e sobre o mundo exterior.
Porém, apesar disso, o desenvolvimento da acção exterior interdepende do
desenvolvimento da sensibilidade e da subjectividade interior do indivíduo, as quais,
por sua vez, interdependem da multiplicação e do aperfeiçoamento dos receptores
exteriores, da irrigação nervosa, das pulsões, emoções e afectos, bem como de
habilidades estratégicas do indivíduo, o que desenvolve, continuadamente, as suas
aptidões, habilidades e competências neurocerebrais, flexíveis, maleáveis,
adaptativas, evolutivas, perspicazes e vigilantes. Daí o facto de todo e qualquer
conhecimento, mesmo o mais físico, sofrer condicionantes sociológicas e determinantes antropossociais, isto é, interdependências de uma sociedade, de uma
cultura, de um lugar, de um meio, de um “ aqui e agora “, e, apesar disso, jamais
sujeito conhecedor ou Ciência quiseram conhecer ou aceitar tal evidência, isto é, a
da sua origem geográfica, social e cultural.
A recusa de tal evidência levou sábios, mestres e políticos a analisar o
indivíduo excluído da sua própria Sociedade e do seu meio, a sociedade excluída da
sua espécie, a espécie dos seus indivíduos e os indivíduos excluídos da sua própria
natureza, vida e existências concretas, circundantes e reais.
Foi a tentativa de objectivar a subjectividade do conhecimento, de
universalizar as realidades concretas, de excluir o indivíduo cognoscente do
conhecimento, o ser pensante do seu próprio pensamento, de abstrair conhecimento
dito científico do sujeito e de distribuir o objecto do conhecimento pelas várias
ciências, matérias ou disciplinas, forma hábil e subtil de escamotear as dificuldades
do conhecimento, que se criou o medo de enfrentar o real, pois este é concreto, rico
e complexo, e não abstracto, pobre e simplificador. É que o conhecimento abstracto
é um conhecimento que ignora aquilo que desconhece e aquilo que conhece, visto
as suas condições lógicas, linguísticas e culturais serem preconceituosas e, por tal
103
facto, efectuarem a disjunção absoluta do objecto e do sujeito, dos objectos entre si
e das noções ou conceitos entre eles mesmos.
Face a tais procedimentos em relação ao real e ao princípio da realidade
não admira a existência de proliferações de elites que rejeitam a anarquia biológica,
a desordem micro-social, a diferença cognitiva, a ordem especializada ou as
divergências biopsicossociais denominando, tais sujeitos-portadores, de anormais,
difíceis, inadaptados, desintegrados, excluídos, insuficientes ou deficientes.
E, no entanto, sabe-se que não existe um gène ou um conjunto de gènes da
inteligência, da linguagem ou do desequilíbrio. Sabemos, outrossim, que não é
possível atribuir uma função, um conjunto ou uma hierarquia de funções cerebrais a
um só neuro-transmissor ou a um único centro cerebral, mas sim a um sistema ou
conjunto de sistemas neuro-cerebrais que se implicam, encadeiam e interdependem
e, por tal motivo, reagem, exprimem-se ou manifestam-se sequencialmente e
diferencialmente durante o seu desenvolvimento, produzindo ou reproduzindo, por
tal processo, as sucessivas etapas de organização do cérebro do indivíduo, bem
como as suas invariáveis comportamentais. Sabemos, por outro lado, que os neurotransmissores do cérebro de um indivíduo estão em permanente interacção com os
seus suportes biológicos, orgânicos e sensoriais, bem como com os efeitos da sua
acção, isto é, com as estruturas mentais, cognitivas, sociais, emocionais e afectivas.
É, com efeito, da dinâmica de uma tal interactividade, natureza e nível que o
sujeito humano elabora a sua própria imagem, percepciona-a, dinamiza-a e envolvea no real e nas respectivas provas da realidade, emergindo, de um tal conjunto de
interacções, as suas ressonâncias ou dissonâncias cognitivas, perceptivas,
intelectuais, afectivas ou emocionais resultantes dos efeitos dos estímulos extroceptivos em interacção com os proprioceptivos ou conjunto de neurónios em confronto
ou colaboração, resultando potenciação de actividade quando o conjunto de
neurónios colaborarem e a inibição ou extinção quando se encontrarem em
confronto ou dissonância. A activação ou inactivação de tais factuais processos
constituem e desenvolvem processos psico-emocionais de selecção e de
selectividade cognitiva, bem como de padronizações neuro-comportamentais.
É sabido, no entanto, que todo o ser vivo de natureza humana transporta,
consigo mesmo, graças ao seu programa genético, incomensurável potencial de
adaptabilidade e enormes potenciações de diversidade predispostas ao
desenvolvimento e aperfeiçoamento, à maleabilidade e flexibilidade, à mudança e
selectividade. No entanto, como o afirmou François Jacob ( A Lógica da Vida, 2º
Edição, pág. 17, Publicações D. Quixote ): « as modificações do programa aparecem
às cegas. Só depois da manifestação dessas modificações é que intervém a
selecção, pelo próprio facto de se pôr à prova da reprodução todo o organismo que
aparece ». É, de facto, baseado nesse potencial de selecção que a heterogeneidade
de objectos e de expectativas, a divergência de percepções e de interesses, o
desenvolvimento de aptidões específicas, a selecção de técnicas, os instrumentos
ou meios, os relacionamentos consigo mesmo e com os meios-ambientes se
efectuam, e que os sistemas de acção se desenvolvem e a integração, a todos os
níveis, se realiza.
Um tal conjunto de factores e agentes constitui não só a natureza do
indivíduo, mas, também, condiciona a sua própria dinâmica, investida nos processos
de aprendizagem e estimuladora ou inibidora de padrões disposicionais neuronais,
adquiridos ou desenvolvidos em vários locais do cérebro, e, que, comandam outros
padrões, tornando, assim, possível que a actividade neuro-psíquica se efectue
104
noutros sítios, neurológicamente interconectados com os primeiros, constituindo,
assim, as denominadas « zonas de convergência ».
Não admira, portanto, que moléculas, neurónios ou padrões retorcidos
originem pensamentos ou raciocínios distorcidos e raciocínios ou pensamentos
distorcidos dêem origem, acentuem ou desenvolvam neurónios, conjuntos de
neurónios ou padrões distorcidos, originando falsas percepções da realidade, de si
mesmo e dos outros, desadaptações aos meios-ambientes, desordens internas e
desorganizações interiores, bem como anomalias, disfunções ou dificuldades nos
processos de envolvência e de aprendizagem, apesar do enorme potencial de
tolerância, integração, utilização ou rejeição que o ser humano possui.
Ultrapassadas tais zonas de potencialidades e de acção, por excesso ou
defeito, por hiperactividade ou asfixia, presença de estímulos a mais ou, simplesmente, unidimensionais, ou, a menos, o ser humano corre o risco de perda da sua
homeostasia funcional e, por consequência, da sua queda em desordens ou
disfunções, em desagregação ou deteriorizações, em insuficiências ou em défices, o
que o priva dos necessários e imprescindíveis conflitos de mobilidade e de acção, de
competetividade e de concorrência, de selectividade, de complementaridade ou de
antagonismo, bem como da aceitação e selecção das estimulações exteriores.
Daí o facto da intrínseca necessidade de se procurar as causa dos défices,
tanto das dificuldades de aprendizagem como das dificuldades comportamentais,
tanto das insuficiências como das deficiências cognitivas e mentais em causas
endógenas e exógenas, em causas funcionais e disfuncionais, em causas
emocionais e em causas afectivas, em causas ambientais e em causas escolares,
em causas sociais e em causas educacionais.
É que, de facto, sendo a aprendizagem resultado da acção de uma
totalidade humana, ela deverá mobilizar todo o potencial do indivíduo, isto é, todas
as suas potencialidades e capacidades: visuais e auditivas, todas as suas funções
intra e inter-neuro-sensoriais a nível neuro-psíquico e todas as suas potencialidades
pulsionais, emocionais, cognitivas, sociais e intelectuais para que o indivíduo
vivencie as experiências integradas e, por conseguinte, deduza, daí, aprendizagens
ditas normais. Isto porque no cérebro humano, apesar de formado por sistemas
semi-autónomos, existem muitas vezes em que todos os sistemas funcionam de
modo inter-relacionado e interdependente. Às vezes um sistema funciona semiindependente de outros sistemas, outras de maneira complementar, e, outras ainda
de forma suplementar.
Daí a intrínseca necessidade de se possuir consciência das partes e do
todo do cérebro de um indivíduo, da semi-autonomia dos seus sistemas e da sua
interdependência, da sua coordenação e da sua descoordenação funcional, da sua
parcial funcionalidade e da sua funcionalidade simultânea e total.
Porém, consistindo a homeostasia biopsicoemocional, bem como o processo
de pleno desenvolvimento psico-emocional, cognitivo e intelectual na dinâmica
interactividade de todos os sistemas neurofisiológicos com os psicoemocionais e
afectivos, não admira que, a maioria das vezes, as passagens ao acto, as atitudes e
os comportamentos dos indivíduos, tanto individuais como sociais, tanto cognitivos
como emocionais, tanto pulsionais como afectivos, emanem, por vezes, apenas de
sistemas neuro-sensoriais, outras vezes apenas de sistemas tácteis e auditivos,
outras vezes apenas da combinação de alguns sistemas e outros da interacção e
acentuada interactividade de todos os sistemas nos quais interagem variáveis neuropsíquicas, genético-hereditárias, biológicas, sociopedagógicas, sociais, afectivas,
emocionais, e de acções criativas e inventivas, cujos efeitos, por sua vez, integram-
105
se em sistemas mais hierarquizados e interdependentes da maturação neuropsíquica e social do indivíduo e da sua maturidade mental, psicológica, afectiva e
emocional.
Por isso, na tentativa de nos dar uma visão lúcida e fecunda do Homem, o
médico-psicólogo francês, Henri Wallon, opondo-se a certas tradicionais doutrinas
(1932 ), que concebiam o deficiente como uma criança ou um primitivo, afirmou:
“existe algo de paradoxal nas semelhanças que alguns psicólogos fizeram, em
conjunto, entre o primitivo e a criança ou o alienado do nosso tempo, visto ser então,
suficiente que a criança ou o alienado se convertesse em estranho às ideologias ou
modalidades intelectuais dos seus contemporâneos para que aparecessem neles
concepções ou crenças que, no primitivo, têm como fundamento ou consequência,
práticas e ritos e um sistema de vida rigorosamente preciso, concreto e
determinado”. Tais analogias, prossegue Wallon, são de carácter negativo. « De
facto tem de se postular que a crença mental da criança pode passar por uma
sucessão de estados psicológicos, os quais têm de franquear a sua espécie ou raça
e, pelo contrário, jamais uma deficiência mental poderá fazer retroceder o indivíduo a
uma etapa de mentalidade humana que pertence ao passado. ...Porém, por
surpreendente que pareça, às vezes, as coincidências, entre o pensamento do
primitivo e o da criança, não impedem que se constatem diferenças profundas entre
o pensamento do primitivo e o da criança, pois esta começa por estar muito menos
evoluída, mas, também, muito mais próximo de nós do que o primitivo ».
Por isso, seguindo a linha de coerência do seu próprio pensamento, Wallon
ensaia a sua tentativa de definir o deficiente afirmando: que o ser humano se realiza
ou aliena a nível de organismo, de pensamento e das relações interpessoais.
No caso da alienação trata-se de « falhas nas estruturas do sistema nervoso
e, por tal razão, é fundamental que a criança deficiente encontre, num alter-eu, o
intermediário, o nexo da união entre o mundo interior e o mundo concreto que o
rodeia ».
Tentando explicar o seu pensamento, Wallon cita os casos das crianças
chamadas perversas, cuja agressividade é uma consequência de não terem
encontrado nunca uma pessoa que as ajude a verem-se, a mudarem-se, a mudarem
e a amarem-se.
Jean-Luc Lambert, por sua vez, define a deficiência intelectual ou o atraso
mental em termos de intelecto defeituoso, de inteligência deficitária ou em termos de
não inteligência, encontrando-se as causas de um tal sub-desenvolvimento
intelectual em variáveis biológicas, físicas e sociais, sendo o atraso ligeiro
constituído por 85% do conjunto dos atrasados mentais, e constituintes da maioria
das crianças acolhidas no ensino especial, causado pela acção ou influência das
interacções ambientais e genéticas.
No entanto, não podendo e não devendo um efeito ou sintoma de um
comportamento ser considerado isoladamente, mas sim como resultado de um todo,
definir atraso mental em relação à inteligência e às respectivas características da
maioria de uma população, não passa de uma falsa questão.
É que, definindo-se, tradicionalmente, e, ainda hoje, inteligência como poder
de compreender, como capacidade de resolução de problemas e de pensar
abstractamente; como capacidade de tratar com símbolos e relações ou de
adaptação a situações novas, tais caracterizações ignoram ou negligenciam
substanciais potencialidades, acentuadamente diferenciadas nos indivíduos, bem
como as hierarquias de aptidões, de estímulos, de necessidades e de motivações de
cada um. A nível de potencialidades e de aptidões diferenciadas pensa-se, por
106
exemplo, no indivíduo que tem grandes habilidades para o desenho, a pintura ou a
arte, mas sente-se incapaz de fazer discursos, de efectuar composições,
diferenciando-se daqueles que, sentindo grande facilidade na história ou letras, em
geral possuem grandes dificuldades na matemática.
As simples exemplificações anteriormente evidenciadas demostram que, na
prática, a inteligência não funciona como uma força unitária da estrutura ou dinâmica
cognitiva ou mente de um indivíduo, mas que é uma hipercomplexa teia de aptidões,
capacidades, interesses, emoções, afectos e envolvimentos.
A maioria das vezes, no entanto, embora já existam técnicas e meios de
uma relativa avaliação das capacidades intelectuais de um indivíduo, as estruturas
sociopsicológicas, no seu comportamento quotidiano, não avaliam a inteligência
como uma teia de múltiplas e hiper-complexas capacidades, mas centralizam-se,
apenas, na valorização de algumas funções, nem sempre as mais equilibradoras da
mente do indivíduo. Não raras vezes toma-se a não aquisição de uma função
cognitiva ou intelectual por um déficit ou uma função subdesenvolvida por um
desequilíbrio comportamental.
Ora, sendo a Neuropsicologia a ciência que estuda ou deverá estudar as
relações e inter-relações efectuadas ou efectuáveis entre o sistema nervoso, as
atitudes e os comportamentos exteriores de um indivíduo e vice-versa, constata-se
que a prática da Psicologia Educacional, em múltiplas das suas actuações, não
passa de um amontoado de postulados ou axiomas, sem fundamento ou interligação
com as estruturas biopsíquicas do ser humano, seus interdependentes sistemas e
suas respectivas unidades funcionais, resultantes das interdependências de um
conjunto de órgãos ou de áreas corticais, e constituintes de um macrosistema
neuropsíquico da aprendizagem humana, sistema estrutural e funcional responsável,
no seu todo, pela aprendizagem, visto, apesar da existência de zonas específicas no
cérebro, não existir nele uma única zona que não tenha alguma responsabilidade e
função no processo de aprendizagem. Estas zonas, com maior ou menor
responsabilidade, potenciação ou capacidade participam activamente nas operações
neurofisiológicas e neuropsíquicas, associam, organizam, combinam, assimilam,
acomodam-se, importam, transportam e transferem.
É que, sendo a aprendizagem o resultado de um processo de adaptação e
de habituação, de acomodação e de associação, de receptividade e de aquisição, a
base fundamental da sua ontogènese encontra-se na interacção das moléculas, das
células e dos neurónios e em seus respectivos agentes físicos, químicos e
electroquímicos.
O conjunto de tais interacções, sua natureza e nível constituem factor
determinativo no funcionamento do cérebro humano, apesar da acção deste e de
seu respectivo desenvolvimento possuir vasta e hipercomplxa influência e
impregnância do antropossocial, sociocultural, psicoafectivo e emocional.
Um tal conjunto de factores e agentes, no processo de aprendizagem e seus
respectivos resultados, jamais deverão ser dicotomizados ou sobrevalorizados uns e
desvalorizados outros.
As suas desvalorizações reais ou efectivas conduziriam o aprendiz à
privação das necessárias e equilibradas dinâmicas interiores e com os meios
exteriores, às privações sensoriais, sociais e emocionais, culturais e afectivas e, por
tais razões, às privações de estímulos e motivações, às ausências de assimilações e
interiorizações, de informações e cognições e, por conseguinte, à existência de
disfuncionalidade no sistema nervoso central, isto é, a perturbações ou distúrbios
nos processos de aprendizagem, resultantes quer da privação de informações, da
107
incapacidade de recebê-las ou de utilizá-las. É que, apesar da habituação ser a
forma mais primitiva da aprendizagem humana, ela, graças ao seu poder
impregnante, em interacção com a filogènese de um indivíduo, desenvolve,
condiciona ou estimula processos de selecção deste ou daquele ser humano, apesar
da sua mudança, aperfeiçoamento ou distorção ser possível ao longo do
desenvolvimento do indivíduo, graças aos efeitos das múltiplas influências
acumulativas, tanto de natureza genética como ambiental, cognitiva ou emocional,
psicológica ou afectiva.
Apesar disso, não restam dúvidas que a génese funcional do processo de
aprendizagem encontra-se na estrutura e reorganização do aparelho neurocerebral
do indivíduo, na acção e nos efeitos dos seus desenvolvimentos evolutivos, nas
interacções e retroacções dos seus sub-sistemas, bem como nos efeitos das suas
correlações com o exterior e de cuja funcional osmose resultam potenciais
reorganizativos de novos níveis de complexidade, de novos e diferenciados
processos organizacionais, de saltos qualitativos e quantitativos, de novos sistemas
e meta-sistemas, dos quais emergem novas estruturas e novas dinâmicas
submetidas à rigidez e à desordem numa primeira fase ; à ordem, à flexibilidade, à
maleabilidade e adaptabilidade em seguida, e, das quais deverá ou poderá, pelos
menos, emanar auto-consciência das qualidades individuais, bem como do seu
potencial estratégico, criativo ou inventivo.
Daí o facto de quase nada ser mais relativo que os conteúdos geralmente
atribuídos aos conceitos de atraso mental ou de dificuldades de aprendizagem.
É que tais conceitos são, genericamente, criados em função de tarefas e de
desempenhos, de sequenciações e de programas, de aquisições e de interiorizações a concretizar, de possuir ou de manipular numa determinada idade cronológica,
em determinados contextos e numa determinada cultura ou civilização. A
determinação de tais critérios, que emana de factores, juízos e condições totalmente
alheios ao aprendiz e englobam pretensões e exigências dos sistemas educacionais,
concretizações de estratégias pedagógicas, métodos e materiais didácticos para os
quais os interessados jamais foram consultados, ouvidos ou objectivamente
diagnosticados, ignorando-se, assim, que cada aprendiz é um sistema único,
constituído por sub-sistemas específicos, que agem e retroagem em função das
suas potencialidades e em consonância com as suas especificidades. Por isso,
deixando de parte uma percentagem de alunos, que se eleva a um máximo de 2%
com lesões cerebrais mínimas; e um máximo de 5% de crianças em idade escolar
com problemas de audição e visão, e, por conseguinte, com dificuldades de
processamento da informação, as restantes 25% diagnosticadas como sendo
crianças com dificuldades de aprendizagem ou atraso mental são efeito de causas
psico-escolares, isto é, de ausência de motivação, de desinteresses em relação a si
mesmo e ao meio, de imagens negativas de si, de reforços negativos, bem como de
ausência de comportamentos interactivos, de programas inadequados e de
dispedagogia relacional, etc. .
Com efeito, sendo a natureza, organização e dinâmica do ser humano
polissèmicas e multifuncionais, não é possível o encontro nem a utilização de
métodos e instrumentos de avaliação capazes de avaliar objectivamente nem de
eliminar completamente da natureza do indivíduo o erro ou o desperdício, a
desordem ou a concorrência, o conflito ou o risco.
É certo, no entanto, que todos os extremos são perigosos. Por conseguinte,
o ser humano deverá eliminar de si mesmo todo o excesso de ordem e de
desordem, deverá conciliar a sua neguentropia com a entropia, para que possa
108
integrar, em si mesmo, as eventualidades e as incertezas, as desordens e os
antagonismos, sem integrar o todo das suas capacidades nessa pseudoracionalização da Sociedade pós-industrial, que pretende banir o risco, o conflito ou
a desordem própria de toda a evolução, visto ser necessidade de toda a natureza
humana não só ser funcionante e funcionar, mas, também, ser capaz de enfrentar as
eventualidades e as incertezas, os erros e os perigos, factores e agentes
comportamentais de concretização e de evolução de aptidões evolutivas e
estratégicas, adaptativas e socializantes, criativas e inventivas, características
fundamentais de um verdadeiro e autêntico processo de aprendizagem.
É no seio de tal dinâmica, dialéctica ou contra-dinâmica que deverão ser
procuradas as causas básicas das dificuldades neuropsíquicas da aprendizagem,
avaliadas através das técnicas, métodos ou instrumentos de avaliação das funções
integrativas, receptivas ou expressivas de um indivíduo. No entanto, a questão:
«dificuldades para aprender o quê ?» continua levantada e à procura de respostas
objectivas e jamais satisfeita com o seu simplismo contextualizado.
É que, de facto, o conceito de inteligência não pode permanecer cristalizado
nas concepções dos nossos prestigiados mestres de « capacidade geral de
adaptação a situações novas através de processos cognitivos ». A sua definição
deverá também conter as múltiplas e complexas aptidões e faculdades do
conhecimento, como diferenciação genética, pulsões e apetências individuais,
sensibilidades e interesses pessoais; emoções, afectos e envolvências individuais;
bio-energias, aptidões físicas e espaciais, numéricas e verbais, perceptivas e
menésicas, etc., bem como suas respectivas interacções, ordenações e hierarquias.
Uma tal concepção de inteligência e de seu suporte cognitivo encontra sua
plena justificação nos resultados da investigação de J. P. Guilford ( 1967), o qual,
partindo da análise das correlações factoriais, analisa o intelecto humano em função
das tarefas que ele executa, isto é, de conteúdo, de operações e de produtos. A
nível de conteúdos Guilford chama a atenção para os visuais, auditivos, simbólicos,
semânticos e comportamentais; a nível de operações para a cognição, memória,
produção divergente, produção convergente e avaliação; e, a nível de produtos para
os de unidades, classes, relações, sistemas, transformações e implicações,
permitindo-nos, uma tal concepção e análise da organização e dinâmica do intelecto
humano, distinguir nele 150 factores de base ( 5 x 5 x 6 ), sujeitos às lógicas das
correlações, ordenações e hierarquizações, e, constitutivos das dinâmicas das
actividades intelectuais, isto é, do modo de tratamento da informação simbólica, da
utilização dos conhecimentos, do raciocínio, da compreensão, da resolução de
problemas, etc., características da inteligência abstracta, que jamais se deverão opôr
às características da inteligência prática como, de uma forma geral, psicólogos,
psicopedagogos e professores ainda hoje o fazem.
É no seio e dinâmicas de uma tal discrepância, dissonância ou erro que se
torna necessário questionar o tradicional conceito de disfunção cerebral, de atraso
mental e de dificuldades de aprendizagem. É que, tal tríade dicotómica e seus
respectivos níveis, parecem alicerçar-se simplesmente sobre o princípio da
sócioequipotencialidade direccional, isto é, centralizado na exigência e avaliação de
que um determinado sistema funcione de determinada maneira e no
desconhecimento de que o cérebro codifica e classifica não somente com base no
facto da informação ser visual, auditiva, verbal, familiar, social , escolar, etc., mas,
sobretudo, e, de maneira particular, no facto da informação recebida ter ou não
significado para o aprendiz.
109
Por isso, pelo facto do resultado de esta ou daquela aprendizagem não dar a
resposta pretendida ou satisfatória a este ou aquele objectivo pretendido, não
significa, de forma alguma, que um tal aprendiz seja portador de disfunções
cerebrais.
A nível fisiológico e neuropsíquico existem provas da existência de ondas
cerebrais alfa, beta e teta e de padrões electro-corticais, portadores de relações e de
inter-relações entre os neurónios e seus sub-sistemas, facilitadores ou dificultadores
de estimulações sensoriais e de associações mentais, que explicam a maior ou
menor funcionalidade ou disfuncionalidade cerebral e que se adaptam, de uma
forma mais positiva, aos normais padrões de aprendizagem escolar ou, devido a
uma não-adaptação, impõem a alteração de tais padrões, visto uma tal tipologia, de
denominadas disfunções cerebrais, perturbar os ditos normais processos de
aprendizagem.
Uma tal concepção de disfunção, a nível de aprendizagens, assenta,
simplesmente, em conceitos de necessidades de homogeneização, tanto
comportamentais como educacionais, sem interrogação acerca da vida e da
estrutura afectiva e emocional, dos processos sensoriais, visuais ou auditivos do
aprendiz ou mesmo porque os processos de aprendizagem deste ou daquele
indivíduo são diferentes dos exigidos ou impostos pela, quiças inconsciente,
dinâmica da instituição escolar, e não poderão ser avaliados tão positivamente como
os que a escola exige.
É que a exigência de um tal princípio direccional dificulta a necessária e
equilibradora, dinâmica e interactiva permeabilidade neuro-bio-psíquica, obstaculiza
a funcionalidade das interacções proprioceptivas, impede o desenvolvimento e a
acção das pré-disposições, bem como das diferenças qualitativas a favor das
pseudo-semelhanças quantitativas, desprezando-se o facto de que é pela qualidade
que nos tornamos eficientes na quantidade e que é pela divergência que se encontra
e aprofunda a convergência.
O conjunto de uma tal caracterização da aprendizagem, torna-se ainda mais
evidente quando se analisa o processo sensório-neuro-psicológico da aprendizagem
com base nas funções dos hemisférios cerebrais.
É que, de facto, embora a colaboração inter-hemisférica seja conatural à
estrutura e dinâmica dos dois hemisférios cerebrais, dos seus sistemas, subsistemas, intra-sistemas e inter-sistemas, efectuada, de maneira particular, através
do corpo caloso, cuja maior ou menor profundidade parece ser factor de maiores ou
menores sensibilidades e sensorizações, a predominância funcional de um
hemisfério sobre o outro parece ser também factor de selecção nos sistemas
escolares.
É que, sendo o hemisfério direito, na sua globalidade, responsável pelos
conteúdos não-verbais, pelos processos emocionais, pela memória auditiva nãoverbal, percepção do espaço, poder de síntese e funções difusas, um tal conjunto de
capacidades parece, infelizmente, ainda hoje, não ser suficientemente valorizado
pelos sistemas escolares e educacionais. Pelo contrário, as funções mais
específicas do hemisfério esquerdo: conteúdos verbais, organização, seriação,
análise, atenção auditiva, fluência verbal, vocabulário, raciocínio, linguagem, cálculo,
leitura, escrita, praxias, expressão do pensamento, comunicação, são as aptidões e
as capacidades altamente valorizadas pelos nossos sistemas.
Daí o facto da avaliação, tanto dos atrasos como dos défices, na sua
intrínseca realidade, não ser, a maioria das vezes, que resultado dos efeitos da
110
acção neuro-psíquica do indivíduo, avaliados em relação aos objectivos exigidos,
propostos ou impostos pelo sistema escolar.
No entanto, e apesar disso, sendo o ser humano resultado de um processo
constituído por hipercomplexos mini-processos, a sua natureza é de permanente
inacabamento e, portanto, sujeito de permanentes devires, eventualidades e
incertezas, que procura as suas certezas nos caminhos das incertezas e que
somente caminhando é que faz os seus próprios caminhos. Daí o ser humano ser,
por natureza existencial, um ser de necessidades e de carências, de progressões e
regressões, de adaptações e inadaptações, de integrações e desintegrações.
Porém, uns são mais carentes e deficitários que outros, mais regressivos e
dependentes, mais inibidos e mais solitários, mas todos eles, como escreveu Edgar
Morin, « remoínhos computantes ».
Estes seres computantes, de natureza neuro-psíquica e afectivo-emocional,
são seres de insuficiências, de necessidades e falhas, cujas necessidades de
superação ou de satisfação caracterizam o carácter indelèvel de um indivíduo, a sua
necessidade de acção e de desenvolvimento evolutivo, tornando-se digno de registo
que, quanto mais rica é a vida de um indivíduo mais forte será a sua marca
existencial da necessidade e do desejo, tornando-se, não raras vezes, « um ser de
necessidades insaciáveis e de desejos infinitos... ».
Daí parecer-nos insustentável o paradoxo da definição de atraso mental em
comparação como denominado « normal desenvolvimento mental », isto é, mediana
de desenvolvimento cognitivo ou mental de uma população, obtida através de testes,
que fixam a natureza do material, a formulação das questões, as modalidades das
respostas, bem como as regras de avaliação de tais respostas.
Uma tal normalizante métrica, utilizada de maneira particular em psicologia,
é uma medida de comodidade, que ignora, em grande parte, a hipercomplexa
variabilidade de diferenciações individuais, de estados de espírito ou de processos
de cognição e de inferências psico-comportamentais, sòcio-cognitivas, afectivas e
emocionais de tais variáveis.
Por isso, definir atraso mental, simplesmente, pelo facto do desenvolvimento
cognitivo de um indivíduo ou a dita idade mental não se encontrar na esfera do
institucionalizado padrão para os ditos normais, ou, pelo facto da existência de
maiores ou menores disparidades entre a idade cronológica e a dita idade mental,
sem aceitação nem análises dos princípios neuro-psíquicos, afectivos e emocionais
que governam as atitudes e os comportamentos dos ditos « atrasos mentais », das
suas percepções e interesses, estímulos e motivações, sensibilidades e diferenças,
performances não padronizadas e diferenciações nos processos cognitivos, no
processos de reforço e de estimulação anteriores, parece não sairmos da
embrionária Ciência psiquiátrica, que dicotomizava os seres em normais ou
patológicos, em evoluídos ou atrasados, quando estes são, apenas e unicamente,
seres diferentes do dito normal.
Existe, no entanto, uma vasta e complexa gama de seres humanos que
possuem dificuldades ou subdesenvolvimentos a nível de competências adaptativas,
a nível de linguagem e de cultura, de funcionalidade e de comunicação, de
comportamento e de integração, em níveis ligeiros, moderados, severos e profundos
e, por tal razão, necessitam de apoio diferenciados ou específicos, sociais ou
cognitivos, profissionais ou integrativos. Por tal razão, o dito atraso mental, não é,
por si, uma doença médico-clínica, nem tão pouco uma doença mental, mas,
simplesmente, um estado particular de funcionamento, que se caracteriza,
simultaneamente, por limitações na inteligência e nas consequências adaptativas,
111
que reflecte a inadaptação entre as capacidades dos indivíduos e a estrutura e
expectativas do seu meio envolvente. Daí a característica essencial de avaliação de
um indivíduo atrasado ou não dever ser a sua funcionalidade a nível da totalidade de
todo o seu potencial bio-socio-psíquico face às exigências e constrangimentos dos
seus próprios meios envolventes.
É notório, no entanto, que o potencial desenvolvimento da sua totalidade
pode não só ser efectuado por causalidades inerentes à sua própria natureza neuropsíquica, instintivo-pulsional, emocional e afectiva, mas, também, e, fundamentalmente, pelas características e qualidades dos contextos sociopsicológicos,
antropológicos, económicos, educacionais, culturais e profissionais em que vive.
II – CAUSAS E PROCESSOS DEFICITÁRIOS DO APERELHO NEURO-CEREBRAL
Sendo a estrutura neurocerebral do Homem constituída por milhares de
milhões de neurónios ligados entre si por uma hiper-complexa rede de cabos e de
conexões em cujos filamentos circulam impulsos eléctricos e químicos, analisáveis a
nível físico-químico e molecular, as suas células nervosas não só dinamizam, mas,
também, mobilizam uma tal estrutura, visto aquelas gerarem sensações e
percepções, estímulos e comunicações, aberturas e encerramentos, relações com o
interior e com o exterior, intra e extra-comunicações.
Esta viva e activadora neurocerebral estrutura, regida por níveis de evolução
atómica, molecular, macromolecular, celular, genética, neuronal, mental, social e
epigenética, é coordenada e, simultaneamente, dinamizada e hierarquizada por
sistemas de neutrões, electrões e protões, átomos, moléculas, células intercomunicativas, circuitos de células, processos neuronais, ambientais e comunicacionais
geradores de desenvolvimento neurofisiológico, mental e humano.
Uma tal dinâmica organizacional, emanada das interacções dos níveis de
evolução e das interacções de seus sistémicos elementos, constitui a prodigiosa
organização do ser neurobiológico, origina a dinâmica do seu funcionamento e este,
progressivamente, gera sucessivas transformações e cria, por tal facto, novas e mais
desenvolvidas estruturas, novos desenvolvimentos e funções em parte
condicionados pelo tempo, espaço, meios e ambientes, factores criadores da
contingência e da não-necessidade, caso os agentes essenciais a um normal
desenvolvimento não satisfaçam os requisitos essenciais de um ascendente e
polifuncional desenvolvimento humano.
É que, na realidade, o desenvolvimento do organismo efectua-se através da
multiplicação, diferenciação e organização das células, e isto tanto em sentido
vertical como horizontal. E uma só célula do encéfalo pode estar ligada a mais de 10
mil outras células e, recebendo informações das outras, decide se deve transmitir ou
não as mensagens. O seu potencial de decisão interdepende da quantidade de
carga eléctrica que se acumula na sua superfície, e, um tal potencial, interdepende
de múltiplos e complexos factores genéticos, hereditários, nutricionais e
desenvolvimentais, que vão desde o momento da fecundação até ao estado da
adultícia humana.
No primeiro trimestre após a fecundação, o feto humano desenvolve-se
rapidamente e, durante o primeiro mês, prossegue a divisão e a diferenciação das
células; começa a formar-se a placenta, órgão alimentador do feto, e, durante o
112
segundo mês, desenvolvem-se saliências que darão origem aos braços e às pernas,
emergindo daí os dedos das mãos e dos pés e as características do rosto. Durante o
segundo trimestre, os órgãos continuam o seu desenvolvimento e tomam formas
mais complexas e, no terceiro trimestre, continua o período do crescimento e da
maturação neurofisiológica.
Ora, sabendo-se hoje, mais ou menos pormenorizadamente, como se
desenvolve o conjunto do sistema nervoso e do cérebro humano, o qual vai da forma
oval da região cefálica da ectoderme até à constituição e desenvolvimento do neocórtex, uma tal riquíssima e complexa dinâmica de constituição bio-neurocerebral é
composta por enorme número de neurónios interconectados e por suas redes
específicas de comunicação e recepção, carentes de estímulos e solicitações
externos e internos, dando, assim, resposta às necessidades dos órgãos sensitivos
e sensoriais e seus necessários desenvolvimentos, os quais vão, progressivamente,
dinamizando, libertando e aperfeiçoando não só as mensagens genéticas do
indivíduo, mas, também, a rigidez do seu programa hereditário, e cujos interactivos
desenvolvimentos aumentam a capacidade de integração e de dinamização do
próprio cérebro, fazem com que este liberte novas propriedades como as de
simbolizar, bem como as de interpôr uma « espécie de filtro » entre o organismo e o
meio, cadeia de sucessões de desenvolvimentos e de modificações em que cada
grupo de órgãos ou de funções evoluem, regra geral, de determinado modo e
consoante uma velocidade que é própria da sua natureza e, por sua vez, formam e,
dinamizam novos sistemas de comunicação e de regulação que funcionam a níveis
mais elevados, mais coordenados e mais interactivos nas permutas de
comunicações e mensagens entre as células e moléculas, as quais, graças à acção
e potencial dos neuro-transmissores e neuro-receptores geram no cérebro humano
os ritmos funcionais, os quais, necessitam de encontrarem energia no cérebro, e,
esta, é-lhes fornecida não só pelo oxigénio respirado em combinação com a
combustão de uma porção muito apreciável de glicose. Uma tal energia é utilizada
pelo próprio cérebro para manter a excitabilidade própria das células, propagação
dos respectivos fluxos e alimentação dos potenciais eléctricos ao nível das
membranas e das sinapses neuronais, nível este que interdepende enormemente de
substanciais químicos e de estímulos mediadores, susceptíveis de facilitar ou
dificultar a condução e a transmissibilidade dos fluxos e dos impulsos. Tanto os
fluxos como os impulsos são transmitidos de neurónio para neurónio por intermédio
de certas substâncias químicas, denominados neurotransmissores ou, raramente, no
ser humano, através de um íntimo contacto entre as terminações neuronais.
Os neurotransmissores acusam, aparentemente, um movimento permanente
através da sua metabolização, libertação, síntese e recaptação, graças à intervenção de seus numerosos mecanismos de adaptação, que regulam os processos
bioquímicos e influenciam os funcionamentos da actividade humana. As sinapses,
pontes de comunicação entre as células nervosas ou neurónios desempenham uma
função de excitação, mas, também, podem desempenhar função de inibição.
É um facto, no entanto, que a maior parte dos neurónios formam numerosas
sinapses excitadoras e inibidoras, e, o efeito de um impulso de um axónio inibidor
impõe-se ao impulso do axónio excitador, quando ambos os impulsos chegam à
região da sinapses simultaneamente ou dentro de um curto período de tempo.
Nesse caso, para que o efeito de um impulso excitador possa ter seus efeitos
positivos, a sua energia despolarizante e comunicacional tem de exceder o efeito da
polarização dos neurotransmissores dos axónios inibidores. Estes neurotransmissores, mais de 30, descobertos até hoje, constituídos por substâncias químicas,
113
surgem na extremidade da célula logo que a mensagem se aproxima da sinapse.
Em tal situação, a energia eléctrica, que, até aí, fazia mover a mensagem, é cortada
e o retransmissor transporta-a consigo, através do canal, até à próxima célula do
percurso. Aí, a electricidade surge de novo, repetindo-se o processo até a
mensagem atingir o seu destino. Em seguida, o cérebro, no seu conjunto, reelabora
as mensagens e regista-as em função de sua própria dinâmica estrutural, de seus
filtros, códigos genéticos, hereditários, dinâmicas sensitivas e processos sensoriais.
É que, embora o cérebro humano se desenvolva de forma ascendente, isto
é, desde o tálamo ao córtex, na sua etapa inicial de desenvolvimento,
provavelmente, a maioria absoluta dos neurónios do neo-córtex humano se
encontrem gerados antes da segunda metade do desenvolvimento intra-uterino. Por
isso, os neurónios do sistema primário, isto é, os neurónios piramidais, e que
crescem desde o tálamo até ao córtex, necessitam de uma recíproca e mútua
interacção para seu harmonioso e eficiente desenvolvimento.
Tanto os neurónios do córtex como os do tálamo necessitam de interactiva
vitalidade e intercomunicação para, progressivamente, se elaborarem, desenvolverem e constituírem interactivas conexões neuronais e, assim, desenvolverem vastos
e complexos conjuntos de sinapses no córtex cerebral que aparecem durante o
período neo-natal. Neste período, o desenvolvimento de um elevado potencial do
neurocerebral interdependerá, em grande parte, do nível de complexidade estrutural
do cérebro, do seu potencial comunicacional, dos seus estímulos interiores e de
seus respectivos potenciais de comunicação com o exterior. É que, embora tanto a
geração como a diferenciação dos neurónios corticais, se desenvolvam de dentro
para fora, vastas constelações de estímulos que eles necessitam para se
desenvolverem vão de fora para dentro como sucede, por exemplo, com as áreas de
desenvolvimento da somatossensorização, da visão, da audição, da linguagem, etc.,
as quais necessitam da acção das suas propriedades funcionais e, através de tais
desenvolvimentos, de um estado de multi-potencialidade inicial passam a um estado
de potencial funcionalidade única, graças à orientação das conexões e funções
guiadas e desenvolvidas através ou daquelas sequências de dinamização
orientativa.
Um tal potencial de dinamização e de vitalização, orientadores do próprio
cérebro, emergem da natureza da sua própria elasticidade funcional, propriedade
emergente, capaz de, quando devida e harmoniosamente desenvolvida, recuperar
efeitos de lesões cerebrais ou compensar lesões cerebrais produzidas durante a
infância, visto, mais directa ou indirectamente, existirem intercomunicações entre
todas as áreas ou partes do cérebro de um indivíduo normal.
É que sendo o ser humano uma totalidade, o seu cérebro também funciona
como um todo, e, caso em certas partes se sinta descompensado, o seu potencial
de unidade sistémica equipotencial, quando harmoniosamente activado, possui
capacidades de orientação dos seus desenvolvimentos, não só através da
reorganização de suas conexões neuronais, mas, também, através da reordenação
adaptativa das conexões sinápticas do grupo ou grupos residuais de neurónios e, de
maneira particular, através da estimulação e activação das células do tálamo
conectadas com seus campos de recepção, emanados, fundamentalmente, do
organismo do indivíduo, graças à acção dos nervos motores e sensoriais periféricos,
que transportam sinais de todas as partes do corpo para o cérebro e do cérebro para
todas as partes do corpo e fazem com que o corpo e o cérebro constituam uma
unidade e unicidade únicas e indissociáveis, mútua e reciprocamente em interacção.
Daí os órgãos e os sentidos dos órgãos, suas funções e percepções influenciarem o
114
funcionamento do cérebro, por um lado, e, por outro lado, o cérebro actuar, através
dos nervos, em todas as partes do corpo, e isto através do sistema nervoso
autónomo ou visceral ( amígdala, hipotálamo, tronco cerebral ) e do sistema nervoso
músculo-esquelético ou voluntário, com origem em vários córtices motores e núcleos
motores subcorticais.
Esta recíproca e mútua interacção corpo-cérebro faz com que o ser humano
se deva vivenciar como uma estrutura dinâmica, indissociável, indivisível, e, por isso,
também as suas acções e atitudes são indissociáveis de uma tal unidade, a qual
emerge de estruturas e funcionamentos neurobiológicos, com potenciais níveis de
funcionalidade indecifráveis e comandados por o cérebro, por um lado, mas,
também, condicionados, por outro lado, visto o real e concreto corpo do ser humano
ser condicionado por programas cromossómicos ou células reprodutoras.
Um tal tipo de células, programadas para o desempenho de certas funções
específicas, umas executam as funções melhor que outras, tanto em intensidade
como em qualidade, e, outras, podem adiar a execução de tais funções,
permanecendo inibidas ou reprimidas, o que não significa ficar inactivas, facto que,
manifestando existência de certas particularidades comportamentais a nível de
células, demostra também a existência de diferenciações morfológicas com sinais e
manifestações diferentes a nível de relações intercelulares, fenómenos constitutivos
de potenciais genéticos e de interacções genes-desenvolvimento diferentes na
constituição de uma específica ontogénese de cada ser humano, e cuja natureza e
dinâmica de sua própria evolução, emanadas das mensagens genéticas diferentes,
constituem sistemas, interacções de sistemas, níveis de sistemas e integrações de
sistemas diferentes.
Por isso, desde o momento da fecundação, o factor hereditário do ser
humano permanece quase reduzido aos cromossomas recebidos dos seus
progenitores, bem como às fases de desenvolvimento, à forma e às propriedades
que emergem de cada ovo, permanecendo quase todo o resto sob os planos da
arquitectura do futuro organismo, o que implica acção, desenvolvimento, expansão,
interacções, envolvências, aculturações, transformações, modificações, reproduções, etc., factores estruturadores e caracterizadores de bio-diversidades desenvolvimentais e emanadas não só das sucessivas reproduções das células mas
também, e, talvez, essencialmente, da acção inter-influenciadora das variadas forças
e impressões que exercem a sua acção sobre o desenvolvimento do próprio embrião
ou feto como sejam, por exemplo, sonhos maternos, sensações dos progenitores,
estados mentais em relação à criança, de calma, paz, irritabilidade, ansiedade ou
angústia, etc., factos e fenómenos que, emanados do exterior do próprio feto, fazem
com que a futura criança, ainda sem estar no mundo, acarrete, no futuro, as
influências desse mundo exterior a si mesma, mas em cuja própria natureza
individual já se reflecte esse mundo.
Após o nascimento dessa criança, o mundo exterior inicia seus processos de
pressão sobre ela, não só a nível das variáveis físicas como o ar, a água, a
alimentação, o movimento, o calor, a luz ou a electricidade, mas também a nível de
pressões emocionais, comportamentais, culturais, ambientais e psíquicas, e, o seu
organismo reage de forma multivariada, o que faz com que os efeitos de tais
reacções organismo-meio-ambiente sejam diferentes de indivíduo para indivíduo, e,
uma tal diversificação reaccional vai, caso os factores do meio-ambiente lhes sejam
propícios, desenvolver atitudes e comportamento, maneiras de ser e de estar, de
percepcionar e vivenciar, o que faz com que o hereditário permaneça como « a raíz
da árvore », mas seus rebentos, isto é, os seus crescimentos, desenvolvimentos,
115
expansões, vivificações e ramificações interdependerão, sobretudo, do emocional,
do afectivo, do social e do cultural.
De facto, a contingência genético-hereditário do emergir de um ser humano
faz com que ele se encontre dotado de elevadíssimas potencialidades de adaptação
do seu organismo ao meio e, as suas sucessivas mudanças e mutações e sua
respectiva margem de plasticidade interdependerão, enormemente, da natureza e
positividade de suas primordiais reacções do organismo.
O organismo humano, no entanto, portador de vários órgãos dos sentidos,
sobretudo da visão e da audição, ao utilizá-los, estimula e desenvolve o núcleo de
células correspondentes e, de acordo com as estimulações desencadeadas em tais
fibras nervosas, obtêm respostas e desenvolvimentos de tais células sensoriais,
desenvolvendo-se, então, sequências de estímulos, de apetências e pulsões,
criadoras de out-puts corticais e de desenvolvimentos e ligações ao córtex
sensorial.
Constituindo as vias sensoriais uma importantíssima entrada no cérebro,
fundamentalmente através dos núcleos do tálamo, tais vias participam, também, na
análise dos sinais do cérebro e, agindo verticalmente, isto é, de baixo para cima,
podem projectar-se até à superfície das áreas corticais especializadas, expandindose numa espécie de arborização, cujas ramificações estabelecem sinapses com as
dendrites e os corpos celulares que aí se encontram, e, devido à disposição vertical
de tais células, os estímulos vão-se propagando verticalmente através da espessura
do córtex, gerando-se, então, saídas corticais. Estas saídas desencadeiam acção,
estímulo e reacções aos próprios meios e fazem com que estímulos interiores ou
endógenos, energias provenientes do interior do organismo, interajam com estímulos
oriundos do exterior ou exógenos e, de tais interacções, emergem verdadeiras
fontes bioenergéticas geradoras de « impulsos instintivos ».
Uma tal concepção de funcionamento do organismo humano, elaborada por
Freud em 1895, quando tratou da passagem do sistema fi ao sistema psi, é um dos
alicerces essenciais da sua metapsicologia. É que, segundo Freud, « à medida que
aumenta a complexidade interna do organismo, o sistema neuronal recebe estímulos
dos próprios elementos somáticos - estímulos endógenos -, que também necessitam
de ser descarregados. Estes estímulos originam-se nas células do organismo e dão
lugar às grandes necessidades fisiológicas como fome, respiração, sexualidade ».
Na dinâmica de tal actividade aparece o impulso que, segundo Freud, sendo
resultado de energias, por um lado, estas são descarregadas através da
motricidade, e, por outro lado, sustentam a actividade psíquica em geral.
É que, encontrando-se a origem dos instintos nos efeitos das
interactividades celulares, a orientação do seu poder bioenergético é de suma
importância não só para desenvolvimento do potencial intrassomático de um
indivíduo, mas, também, para eficiência da sua própria acção. Isto porque os
impulsos instintivos constituem, a nível biológico e orgânico, um potencial motor não
só de estimulações a nível neuro-cortical mas também um forte economizador e
orientador de energias biológicas, emocionais e psíquicas, visto o instinto, segundo
Freud, « ser uma espécie de elasticidade orgânica resultante da tendência do
organismo à reconstrução de um estado anterior e se diferenciar do estímulo por
emanar do interior do corpo e actuar como uma força constante e à qual a pessoa
não pode escapar, enquanto que, tratando-se de um estímulo externo, o indivíduo
pode ou não reagir a ele ou nem sequer distinguir qual a sua origem, o seu objectivo
ou fim e os instintos constituírem uma constante energia somática interior e,
simultaneamente, a representação psíquica de uma fonte de excitação continua-
116
mente corrente ou intrassomática, diferenciando-se, assim, do estímulo o qual é
oriundo do exterior » ( G. W. 5º, 67 ).
O conceito de instinto em Freud é completado pelo conceito de pulsão ou
pulsões, conjunto de energias fundamentais de um indivíduo que, emergindo do
mais profundo de si mesmo, forçam-o a uma dinâmica funcional, dinâmica motora e
bioenergética, e fazem com que o indivíduo tenda para um alvo, de maneira
particular para sua auto-conservação, através de seu enraízado princípio de vida,
vitalização de suas englobantes unidades que tendem a « manter a coesão entre as
partes da substância viva » e, em consonância com o princípio de constância, a
estabelecer e a manter formas organizadas e diferenciadas, bem como o aumento
de níveis energéticos entre o organismo e os meios.
As anteriores concepções psicanalíticas, tanto acerca dos instintos como
das pulsões, demostram que tanto os primeiros como as segundas constituem
fontes de estímulos funcionais, são de natureza intercelular, endógenos e gerados
de forma contínua e « só periodicamente se convertem em estímulos psíquicos ».
(Freud, O. C. I, 228 ).
Apresentando-se, por isso, a pulsão, como factor parcial de energia psíquica
e como base da dinâmica neurofisiológica do ser humano, a necessidade de
desenvolvimento e de orientação de um tal potencial biopsicológico impõe-se não
só como factor de estimulação e de equilíbrio do organismo, mas, também, como
estrutura dinamizante e vitalizadora do próprio psiquismo, pois, ainda segundo
Freud, a pulsão « não é, virtualmente, mais que uma pura exigência de trabalho para
a vida psíquica e, uma tal energia pulsional é, em concreto, de natureza biopsíquica
e gradualmente acumulada no organismo tendendo, constantemente, à sua
descarga ou descompressão. Uma tal descarga energética é a verdadeira
responsável do rendimento do trabalho e constitui a base geral de toda a actividade
psíquica ».
Por isso, sendo objectivos das pulsões interdinamizar o anímico e o
somático, conectar estímulos oriundos do interior do organismo com estímulos
vindos dos meios ambientes, bem como gerar energia de trabalho, a pulsão
representa, simultaneamente, a unidade biopsíquica do ser humano, essencial à
compressão do funcionamento sócio-bio-psíquico de um indivíduo, pois é a pulsão
que faz interaccionar estímulos interiores e exteriores, somáticos e psíquicos e que
gera energias e estimula as percepções dos estímulos exteriores, é fonte de
estimulação e de fluência contínua e, numa estrutura sadia do aparelho psíquico,
uma tal energia pulsional, continuamente fluente, canalizará, habitualmente, as suas
descargas ou saídas suficientemente maduras e adequadamente satisfatórias, as
quais serão facilmente orientadas para investimentos em suas dimensões
bioenergéticas, intrassomáticas, emocionais, psíquicas, ambientais, culturais, cognitivas e intelectuais.
As mútuas e recíprocas interacções intrassomáticas de instintos, pulsões e
estímulos endógenos necessitam de estimulações, acções e motivações exógenas
para prosseguimento de suas conaturais intencionalidades, objectivos, fins e
expansões. Uma tal dinamizante e dinamizadora contínua retroactividade é
absolutamente necessária não só para o indivíduo alcançar seus estados de
equilíbrio, mas, também, para dinamizar os seus consequentes processos de
equilibração, isto é, para conseguir a passagem de patamares de equilíbrios
inferiores a patamares superiores, diferentes não só qualitativamente, mas, também,
quantitativamente, graças não só aos novos desenvolvimentos biológicos e
neurofisiológicos, mas, também, emocionais, cognitivos e intelectuais, efectuando-
117
se, então, os sucessivos possíveis estados de homeostasia alcançáveis pela própria
dinâmica interior-exterior da acção do indivíduo.
A presente dinâmica interfuncional impõe-se como denominador comum de
uma existencial potenciação da normalidade entendida mais em seu sentido e
dinâmica psico-emocional que social, isto é, alcance de bem-estar físico, emocional,
mental e social relativamente duradouro, através do qual o indivíduo sente-se bem
adaptado e integrado nos grupos e na sociedade, possui alegria de viver, é autoaceitante, possui projectos e consegue auto-realizações, graças à força autoreguladora e dinamizadora, interactiva e interactivante de seus próprios sistemas e
subsistemas interiores, em recíprocas interacções com a acção e dinâmica dos
próprios sistemas exteriores, visto, ser próprio da natureza do ser vivo, dinâmica e
abertura ao meio exterior como meio e factores de intercâmbio de energias, de
informações e mensagens, processos de transações e de renovações, de autoregulações, mudanças e inovações.
No ser humano, porém, estes são processos de auto-equilibração, autoregulação, auto-dinamização, de adaptação e de integração tanto das suas próprias
potencialidades como às exigências e solicitações dos meios. Porém, a eficiente
dinamização e activação de tais processos exige sincronizada e interactiva
funcionalidade da estrutural dinâmica dos órgãos corporais e de seus respectivos
sentidos.
No entanto, a tradicional cultura ocidental não só subvalorizou, mas,
também, desvalorizou ou distorceu a função dos órgãos dos sentidos, não só como
fonte de equilíbrio homeostático do ser humano, mas, também, como órgãos
receptores e emissores de informação e mensagens, de relações e interacções, de
actuações e de participações não só em relação ao meio, mas, também, em relação
ao indivíduo em si mesmo e do organismo do indivíduo com o seu próprio cérebro,
em constelações de dinâmicas funcionalidades, mútuas e recíprocas, reanelantes e
recorrentes, ascendentes e descendentes, verticais e horizontais tanto do organismo
em relação ao cérebro como do cérebro em relação ao meio ambiente.
De facto, é pelos órgãos dos sentidos que o cérebro, através dos nervos
sensitivos, recebe impressões ou informações e transmite mensagens, desenvolve
sensibilidades e sensações, desencadeia e desenvolve emoções e orienta o seu
potencial energético e psíquico para investimento em objectos, coisas, pessoas,
factos ou acontecimentos.
Por tais razões, os órgãos dos sentidos desempenham funções de canais,
através dos quais são recebidas informações do mundo exterior e do próprio
organismo, efectuando, assim, processos sensoriais que ligam todo o organismo
com o mundo exterior e fornecem informações não só para o exterior, mas, também,
informações do funcionamento do próprio organismo, criando, em simultâneo, com
a ajuda do sistema nervoso periférico, sensações, e, com a do sistema nervoso
central, percepções e interpretações.
Tudo isto porque os sentidos são faculdades pelas quais a informação do
mundo exterior e do mundo interior do nosso corpo é reunida e transmitida ao
sistema nervoso central ( cérebro e espinal medula ), captada por milhões de
estruturas microscópicas designadas receptores e, grande parte de tal informação,
dirige-se para o córtex cerebral, e, outra para áreas do encéfalo ou, mais
pormenorizadamente, para o tronco cerebral, como sucede, de maneira particular,
com os órgãos do equilíbrio dos ouvidos, com os receptores dos músculos e das
articulações, com os órgãos internos, com a pele, a língua, etc..
118
Uma elevada percentagem de tais estímulos sensoriais chega ao córtice
após terem passado pelo tronco cerebral e, após terem sido descodificados pelo
córtice, tornam-se, parcialmente, consciencializados. A própria pele do ser humano
possui em si múltiplos e variados tipos de receptores, de dinâmica e natureza tanto
extroceptiva como proprioceptivas, e, cada um dos seus grupos possui capacidades
de diferenciação das diferentes sensibilidades.
Face à evidente importância dos órgãos dos sentidos como receptores e
comunicadores de informações e mensagens torna-se necessário que, em todos os
processos de desenvolvimentos neuro-cerebral e biopsíquico, se valorize não só os
órgãos dos sentidos, mas, também, se estimule os sentidos dos órgãos, visto estes
serem fontes de energia e de acção, de estimulação e de envolvimento de um
indivíduo na aquisição e desenvolvimento de mudanças, na dinâmica estruturação
de novas percepções e emoções, bem como fonte bioenergizante de comunicação e
mobilidade interior. Daí a capital e vital importância do ser humano viver ou criar
meios ricos de exploração sensorial para que, de maneira adequada, possa viver
enquadrado no seu mundo e meio-ambiente. É que, de facto, o desenvolvimento das
percepções é originado pelas informações provenientes dos vários sentidos e todas
as respostas, solicitadas pelos outros, pelos meios ou pelas circunstâncias, possuem
a sua origem nos processos e dinâmicas perceptivas de cada um.
A vital importância e necessidade de desenvolvimento, dinamização e
reforço dos processos de sensorização evidencia-se nos primeiros anos de vida de
uma criança pois, em tal fase de desenvolvimento, ela aprende e desenvolve-se
através das experiências sensoriais, isto é, olhando, escutando, cheirando, provando
e tocando, desencadeando, então, multidiversidade de sensações que a abre para
os outros e para si mesma, para o mundo e para o meio que a rodeia e fazem com
que ela explore e desenvolva o seu próprio « eu corporal » e, a partir daí, também as
variáveis dos meios que a circundam.
A riqueza dos anteriores processos de sensorização torna-se denominador
do enriquecimento de informações cerebrais, as quais, descodificadas pela acção do
próprio cérebro, em consonância e dinâmica com a estrutura de seus próprios
processos perceptivos, transformam-se em mensagens ou em cadeias de
informação, graças à acção e características de suas acções musculares ou de
padrões de impulsos nervosos.
É que, tanto as células em geral, como os neurónios em particular possuem
actuantes sensibilidades e poderosas vitalidades, não só a nível de produção, mas,
também, de recepção e de emissão de impulsos nervosos, desencadeados ou
alimentados pelos estímulos dos órgãos dos sentidos e registados ou elaborados a
nível do próprio córtex. As próprias unidades neurocerebrais possuem, em si
mesmas, um diferencial potencial de acção entre o interior e o exterior e um tal
potencial transmembranar efectua mensagens através do sistema nervoso,
conduzindo, através de impulsos, as mensagens do cérebro para os músculos das
respectivas partes do corpo.
Um tal potencial de actividades e de acção dos próprios neurónios,
essencialmente dinamizado pela concentração de iões, gera correntes eléctricas, as
quais, dando resposta ao estímulo ou estímulos, despolarizam os seus efeitos ou
respostas e abrem canais para novas recepções e emissões.
O presente funcionamento dos neurónios, de suas dendrites e axónios
constitui a dinâmica estrutural do aparelho neuronal e é das recíprocas interacções
de tais unidades funcionais que emerge a acção dos sistemas motores, sensitivos e
perceptivos, os quais, graças à acção tanto dos neuro-transmissores como dos
119
neuro-receptores, orientam e conduzem as energias para as mais diversificadas
regiões do organismo, desde que este não ofereça acentuadas resistências físicas,
emocionais, afectivas ou intelectuais.
O presente processo de comunicação inter-orgânica é originador de
dinâmicas biopsíquicas, e, tais activadoras dinâmicas, dão origem a conaturais
processos psíquicos, os quais envolvem a totalidade do ser humano em todas as
suas dimensões e inter-relações dimensionais.
Esta unidade biopsicológica do ser humano, em que a permeabilidade de
suas unidades neuronais, em interacção com os estímulos, efectuam elementares
processos psíquicos, de onde emergem sistemas de auto-percepção, por sua vez,
tendem a auto-regular, qualitativamente, os efeitos dos estímulos procedentes do
exterior com as descargas efectuadas pela acção do interior do organismo,
descargas que interdependem não só das interactivantes funcionalidades dos
neurónios motores e perceptivos, mas, também, das constelações do animismo
instintivo do organismo, fonte bioenergizante do eu corporal, bem como das
hierarquias individuais dos impulsos e pulsões, factores determinantes das géneses,
do desenvolvimento e da elaboração do psiquismo, conjunto de caracteres que
levam um ser humano, auxiliado por seus contextos sociais, a criar e desenvolver
uma estrutura mental que possui bases orgânicas, neurofisiológicas e
neurocerebrais.
Com efeito, a funcionalidade dos instintos, dos impulsos e das pulsões do
próprio organismo interage dinamicamente e, de tal dinâmica, emanam hierarquias
de estímulos e de necessidades que agem, interagem e retroagem sobre o próprio
sistema nervoso do indivíduo. Este, com seus estados manifestos ou latentes,
estabelece comunicações entre o organismo e os meios e, tanto as propriedades
bioquímicas como as eléctricas dos nervos estimulam, de forma mais ou menos
acentuada, as conexões bem como a organização das redes comunicacionais. Isto
porque os tecidos do sistema nervoso comunicam instantaneamente entre as suas
células situadas em diversos pontos do organismo e com células de outros tecidos.
É que, no fundo, o sistema nervoso comanda toda a actividade humana, isto é, o
funcionamento dos órgãos internos, os movimentos , as percepções, as emoções e
até os pensamentos. As suas comunicações ou mensagens são efectuadas por
meio de estruturas, em forma de fios, camadas de fibras nervosas. Estas fazem
parte das células nervosas ou neurónios, os quais, quanto à sua função, são
aferentes ( sensitivos ou sensoriais ), isto é, conduzem impulsos apenas em
direcção ao cérebro ou à espinal medula. São eferentes ( os motores ) e possuem
função oposta aos anteriores, isto é, conduzem os impulsos do cérebro ou da
espinal medula para os músculos ou glândulas. Existem também os neurónios
intermediários ou de associação, e, toda ou qualquer condução do impulso nervoso,
dentro de qualquer dos tipos de neurónios, é sempre feita no sentido das dendrites
para o axónio.
A natureza da dinâmica de tais comunicações do sistema nervoso é
complexa, visto também ser complexa a estrutura e dinâmica do próprio sistema
nervoso. É que o sistema nervoso é constituído pelo sistema nervoso central, que
inclui o encéfalo e a espinal medula e pelo sistema nervoso periférico, que inclui o
sistema somático e o autónomo. O sistema somático, composto de nervos
sensoriais, que mantém o corpo em contacto com o exterior, também é dotado de
nervos que comandam as reacções do corpo a esse mundo exterior. O sistema
autónomo é constituído por todas as fibras motoras, que vão do sistema nervoso
central ao músculo cardíaco, às glândulas e à musculatura lisa.
120
O sistema nervoso autónomo divide-se, por sua vez, em sistema nervoso
simpático e em sistema nervoso parassimpático. O primeiro é constituído pelas
fibras nervosas que partem da região torácica e lombar da espinal medula. O
segundo é constituído pelas fibras nervosas que partem das regiões cervical e sacra
da espinal medula. Esta trabalha em consonância e regula as actividades internas e
involuntárias do corpo, tais como os batimentos cardíacos, a circulação sanguínea, a
respiração, os processos digestivos, a actividade dos rins, etc. .
Além das anteriores e essenciais funções do sistema nervoso, este também
estabelece conexões, constitui circuitos, organiza redes e submete-se aos princípios
do prazer e do desprazer, do inato e do adquirido, pois possui aptidões de
impregnância, de libertação ou compressão, de resposta ou não aos estímulos, de
liberdade e não liberdade, de rigidez e flexibilidade, de permeabilidade e não
permeabilidade. E é também através destas maiores ou menores disponibilidades,
capacidades ou aptidões que o próprio cérebro se estimula, dinamiza e envolve.
Estas maiores ou menores fluências, portadoras de energia neurocerebral,
constituem a base da própria actividade psíquica, visto esta alicerçar-se em
processos de estimulação, de carga e descarga, de conversão e substituição. A
quantidade e os níveis de tais processos geram estímulos interiores, e, a acção
neuronal efectuada por influência de tais estímulos leva o cérebro a captar e a
interiorizar estímulos procedentes do exterior ao próprio organismo, fazendo com
que o indivíduo se adapte ao meio, desenvolva capacidades adaptativas e interiorize
atitudes, comportamentos e saberes oriundos do exterior.
Uma tal funcionalidade comportamental interdepende da própria estrutura
morfológica e dinâmica do cérebro e de suas funções, pois os seus neurónios
sensoriais transmitem impulsos do exterior para o interior do sistema nervoso
central, os seus neurónios motores transmitem impulsos do sistema nervoso central
para o exterior e os seus neurónios de conexão conduzem os impulsos entre os
outros tipos de neurónios.
Uma tal interactividade funcional do sistema nervoso central ou sistema
neuronal faz com que este, « flor de uma árvore » ou « piloto em seu navio » possua
como funções essenciais : a vivência, a informação e o conhecimento, e, a nível de
interactuação e de dinâmica evolutiva, seja dotado de instintos, impulsos e
organizações genético-hereditárias; de comportamentos inatos e adquiridos, de
princípio do prazer e do desprazer; de emoções, de evoluções e potencialidade de
livre arbítrio; possibilidades de mudança e de inovações, de desenvolvimentos
psicológicos, de aprendizagens cognitivas e intelectuais e de comportamentos ou
cogitações abstracto-mentais.
Esta piramidal e progressiva evolução do cérebro individual, cuja etapa do
seu desenvolvimento superior se condensa na existência e dinâmica do cérebro
racional, necessita, como seus consolidários suportes, da acção e interacções do
cérebro reptílico e do cérebro mamífero, simultaneamente imprescindíveis à
elaboração de raciocínios avançados, de pensamentos abstractos, de juízos e de
planeamentos a efectuar pelo próprio encéfalo, centro da actividade intelectual, e,
simultaneamente, regulador de processos e de equilíbrios neuro-sensoriais e
emocionais, e, cujas áreas ou regiões das funções mentais superiores do ser
humano se encontram no lobo frontal, temporal, parietal e occipital mas, apesar
disso, a acção de tais lobos e de seus respectivos conjuntos de interacções e de
retroacções, necessitam da acção ou acções dos meios sociais para efectuarem no
cérebro as necessárias impregnâncias dos processos de socialização do indivíduo.
121
É, de facto, através da percepção que uma criança vai tendo do outro e das
relações afectivas e emocionais, gratificantes ou frustrantes, que ela vai desenvolvendo, que ela vai, progressivamente, construindo uma imagem de si própria e,
também, do outro, apesar de, mais tarde, pelo desenvolvimento de sua própria
autoconsciência, poder restruturar tanto as imagens de si como dos outros e tanto os
níveis de relacionamento consigo como com os outros.
Apesar da factibilidade de um tal processo de individualização, a nível de
construção e de desenvolvimento da sua personalidade social, a problemática de um
indivíduo torna-se ainda mais complexa, visto este sentir que, desde a própria
infância, é obrigado a controlar o seu comportamento, a adaptar-se ao meio, a
adotar diferentes papéis, a executar diferenciadas funções e a assumir, de vez,
responsabilidades e comportamentos que possibilitam o reconhecimento num
indivíduo do que nele faz parte da sua natureza natural ou da sua natureza
adquirida. É que, na realidade, nenhum cérebro humano resiste totalmente, por um
lado, às poderosas forças de energia e, simultaneamente, controladoras do meio
social, e, por outro lado, o desenvolvimento de um cérebro somente consegue
alcançar o seu nível de desenvolvimento verdadeiramente humano através da acção
do social, de maneira particular através de seus progressivos mecanismos e
processos de assimilação e de equilibração, verdadeiras fontes de desenvolvimento
do eu social para, em seguida, graças aos processos de auto-reflexibilidade, o
indivíduo, progressivamente, ir tomando consciência do seu próprio individual, isto é,
da sua total e diferenciada unidade bio-sòcio-psico-emocional, assumidamente
consciencializada, e, inicialmente, através de seus individuais dinamismos intuitivoemocionais, transformados, seguidamente, em conflitos cognitivos, e, por fim, em
estruturas e dinamismos raciocionantes, os quais possuem mecanismos de
discriminação e de selecção de motivações, de estímulos positivos e de evitamento
de negativos, mecanismos esses que influenciam, de forma acentuada, as
constantes possibilidades e potencialidades de organização e de reorganização, de
mobilidade e de mobilização do próprio cérebro, bem como as suas funções e
capacidades de relacionamentos com o exterior e a representação de si mesmo e do
mundo.
CAPÍTULO V
MODALIDADES CAUSAIS DAS DISFUNÇÕES DO CÉREBRO HUMANO
Sendo os gènes humanos as unidades fundamentais que determinam cada
um dos caracteres específicos de um ser humano e, em simultâneo, unidades
funcionais de codificação e unidades de revelação, situadas na molécula do ADN
que formam os cromossomas, estes contêm, em si mesmo, informação e
transmitem-a dos progenitores aos seus descendentes. O conjunto de todos os
gènes de um indivíduo, isto é, o seu genoma, responsável pelas características
122
humanas, presentes nos cromossomas, é composto por mais de cem mil gènes
encadeados na molécula do ADN.
O ADN, molécula em forma de fita, enrolada em forma de dupla hélice, que
contém a informação genética de cada célula, é o suporte material dos caracteres
hereditários de cada indivíduo, graças à informação que recebe dos seus próprios
gènes.
Os gènes, porém, muitas vezes, transmitem informações erradas e, as
consequências de tais erros são a existência de certas anomalias mais ou menos
profundas nos indivíduos ou o aparecimento de doenças não só de natureza
fisiológica, mas, também, psíquicas, emocionais e afectivas, as quais abrangem ou
podem abranger um vasto leque, que vão desde a esclerose múltipla à
esquizofrenia.
Um tal contingental potencial de mutações dos gènes, efectuadas tanto por
excesso como por déficit, por desvio ou erro, por translocação ou transposição, por
fragmentação ou divisão transversal, etc., são causas de múltiplas e hipercomplexas
anomalias embriológicas.
É que, sendo a célula humana a unidade da vida de uma pessoa, é a partir
dela que a própria existência se efectua, estrutura e controla, visto ser no interior da
célula que centenas de processos químicos se efectuam, graças à acção das
enzimas particulares, as quais, compostas por proteínas, são produzidas, segundo
códigos específicos, por milhares de gènes distribuídos ao longo dos cromossomas
situados no centro das células, as quais, no ser humano, contêm quarenta e seis
cromossomas distribuídos em vinte e três pares. De entre estes pares vinte e dois
deles são constituídos por autossomas e por um par de cromossomas sexuais, ou
seja, xx na mulher e xy no homem.
Nos cromossomas encontram-se fixados os gènes, elementos unitários que
exercem o controlo das características inatas de um indivíduo, e, as suas formas de
transmissão, tanto podem ser transmissão de um gène dominante ou de um gène
recessivo, sendo, à partida, a transmissão de gènes recessivos que geram a maioria
de anomalias biológicas, as quais, não raras vezes, são geradoras de negativos
efeitos a nível intelectual, mental, emocional e cognitivo. Isto porque os erros
genéticos, os desvios, as anomalias ou as disfunções produzem modificações nas
estruturas celulares, unidades de vida do ser humano, visto as suas moléculas
serem codificadas por gènes, e, as mutações nos gènes, exercerem alterações ou
efeitos negativos sobre as estruturas das enzimas, proteínas estruturais ou proteínas
reguladoras, factores geradores de perturbações ou de malformações de natureza
genética, os quais, de forma extremamente sintetizada, pertencem a uma das três
categorias:
1 - Os distúrbios cromossómicos envolvem a falta, excesso ou disposição
anormal de um ou mais cromossomas, produzindo excesso ou falta de material
genético.
2 - Os distúrbios mendelianos ou de hereditariedade são determinados,
primariamente, por um único gène mutante e apresentam padrões que podem ser
classificados em autossómicos dominantes, autossómicos recessivos ou tipos
ligados ao cromossoma x.
3 - Outros distúrbios multifactoriais são causados por uma interacção de
múltiplos gènes e de múltiplos factores exógenos ou ambientais, tornando-se
consensual, no entanto, que cada uma destas categorias de distúrbios ou
perturbações genéticas apresentam problemas diferentes, tanto em relação à sua
123
causalidade como em relação à sua prevenção, diagnóstico, aconselhamento ou
tratamento.
Encontrando-se a causalidade de múltiplas doenças e malformações
interdependente dos gènes, grupo ou grupos de gènes ou de codominância
genética, a maioria de tais malformações importam consigo outros problemas de
vária natureza como, por exemplo, problemas de imunodeficiência, problemas
cardíacos congénitos, cólites, esclerose múltipla, anemia, hepatite crónica activa,
psoriases, diabetes, artrite reumatoide, etc., etc. .
O múltiplo e complexo somatório de malformações, deficiências e
negatividades dos erros, desvios ou mutações dos gènes, evidencia, sobejamente, a
capital importância do código genético e de sua codominância. É que a informação
genética contida no ADN efectua a sua conversão através de uma série de reacções
complexas que implicam, em primeiro lugar, a transcrição da sequência de
nucleótidos do ADN noutra sequência de nucleótidos complementar que constituí o
ARN mensageiro.
Este conjunto de malformações, distúrbios ou doenças causados por erros
dos gènes denominam-se congénitos, visto envolverem o conjunto de caracteres
com que um indivíduo nasce, quer estes sejam normais ou patológicos, e, tanto de
natureza hereditária como adquirida, durante o desenvolvimento no útero materno, o
que faz com que o termo congénito se torne, aqui, sinónimo de inato.
No entanto, os caracteres são características adquiridas por um indivíduo
antes do seu nascimento e durante o estado embrionário ou fetal, com exclusão do
recebido por via hereditária, ou seja, os caracteres patológicos de origem ambiental,
isto é, os adquiridos pelo indivíduo durante o seu desenvolvimento no útero materno,
sendo o primeiro termo aplicado às malformações efectuadas durante os três
primeiros meses de gravidez e, o segundo, às efectuadas durante o restante período
de gestação como acontece, por exemplo, com a cegueira congénita, consequência
da rubéola materna, com a macrocefalia, a hidrocefalia, etc., permanecendo o termo
de cromossomopatia para os efeitos das alterações de natureza genética como
sucede, por exemplo, com o caso das trissomias, das doenças Klinefelter, etc..
Por isso, durante os três primeiros meses de gestação humana, período
embrionário e período no qual são dispostos os diferentes órgãos, geram-se
frequentemente, múltiplas deformações que dizem respeito, sobretudo, ao sistema
nervoso, à audição, à visão, ao coração, ao aparelho digestivo e urinário e aos
membros, e, certas deformações são, frequentemente, evocadoras de causas
precisas como sucede, por exemplo, com os efeitos dos vírus ou infecções, no topo
dos quais se encontra a rubéola, a microcefalia, a surdez, cataratas, anomalias
cardíacas e outras deformações provocadoras de atraso intelectual e mental.
Apesar disso, no entanto, constatando-se a rigidez ou inflexibilidade dos
programas genético-hereditários dos indivíduos na acção de certas intervenções, as
positividades dos meios ambientes podem provocar nos indivíduos desenvolvimentos compensatórios de tal malformações ou deficiências.
É que, embora o programa genético seja constituído pela combinação de
elementos, essencialmente, constantes, opondo-se à transmissão de caracteres
adquiridos, pela flexibilidade de seus mecanismos, a memória nervosa presta-se à
transmissão de tais caracteres, fazendo, assim, com que certos potenciais de
adaptação do organismo permaneçam activos, pois, como afirmou Jacob François
( a lógica da vida, 2ª edição, pág. 15, publicações D. Quixote ): « por cada mutação
há « causas » que modificam um radical químico, quebram um cromossoma,
invertem um seguimento de ácido nucleíco. Mas, em caso algum, poderá haver
124
correlação entre a causa e o efeito da mutação. ... Para cada indivíduo, o programa
resulta de uma cascata de acontecimentos, todos contingentes. A própria natureza
do código genético impede qualquer alteração deliberada do programa por efeito da
sua acção ou do meio ambiente. Interdita toda e qualquer influência sobre a
mensagem dos produtos da sua expressão. O programa não acata as lições da
experiência.». Daí o facto, aceitando a teoria evolucionista, de ser impossível
conceber um comportamento que não possua bases biológicas, genéticas e
hereditárias, realidade esta que impõe a necessidade da concretização de
programas ambientais e sociais estimuladores e desenvolvedores do potencial
biológico ou genético-hereditário de um indivíduo, visto os efeitos positivos das
acções dos meios impregnarem num indivíduo uma «quase segundo natureza,
sabendo-se, no entanto, que uma tal potencial força e acção do exterior de tantas
aberrações cromossómicas como de malformações congénitas ou de patologias
celulares não modificarão tanto em ordem como em organização». É que os
cromossomas, «elementos organizados que têm uma existência autónoma na
célula», possuem o extraordinário poder de se desdobrarem e de reagruparem em
cada pólo, de voltar a formar dois núcleos idênticos àqueles de que derivam e,
andando aos pares, aquando da fecundação, reconstitui-se um jogo de
cromossomas, metade saído do pai e metade da mãe.
Qualquer anomalia, num tal jogo, tanto por excesso como por defeito, produz
alterações ou perturbações na evolução do embrião. O desenvolvimento normal
resulta de uma combinação particular de cromossomas, visto eles possuírem
qualidades diferentes e tais qualidades aparecem na profundidade do núcleo, graças
às potencialidades dos gènes que se encontram situados, sequencialmente, nos
cromossomas, os quais informam a elaboração de proteínas no citoplasma celular,
fazendo, então, com que os cromossomas sejam os portadores da mensagem
genética.
No entanto, substâncias químicas que formam os cromossomas ( ADN ) e as
proteínas básicas encontram-se em situação fisiologicamente activa podendo, então,
efectuar a sua função de coordenação e de direcção da actividade celular e deslocar
as mensagens genéticas.
Por isso, o ADN do humano contém o código genético responsável pela
transmissão das características hereditárias dos pais para os filhos. Assim, uma
célula de um óvulo fertilizado, que contém ADN de ambos os progenitores, reproduzse por si própria, transformando-se num novo ser vivo através da sua divisão em
duas células, as quais, por sua vez, se dividem noutras duas e, assim,
sucessivamente. O ADN, por sua vez, presente em cada uma das células, garante
que todas elas pertencem à mesma espécie, tem a possibilidade de reproduzir uma
estrutura idêntica a si mesmo no momento da divisão celular, isto é, a capacidade de
assegurar a transmissão do material genético idêntico entre a célula-mãe e as
células-filhas, e constituí, sempre por intermédio do código genético, um verdadeiro
ordenador da economia de cada célula, que comanda a síntese de substâncias
proteicas, algumas das quais, as enzimas, desempenham um papel fundamental nas
múltiplas cadeias metabólicas que se desenrolam nas células.
Qualquer erro quantitativo (aberração cromossómica) ou qualitativo
(anomalia ao nível das peças elementares que constituem o ADN) é susceptível de
provocar perturbações importantes ao nível do organismo inteiro, constituído por
biliões de células, e, cujos efeitos, não só se podem estender ao nível fisiológico do
organismo, mas, também, a nível da futura dinâmica neurocerebral de um indivíduo,
com profundas e negativas consequências a nível do psíquico, do cognitivo e do
125
mental, o que faz com que tais indivíduos, no futuro, permaneçam, não raras vezes,
a nível intelectual na zona da debilidade profunda ou média, e isto devido a
aberrações cromossómicas estruturais, as quais, sendo geradas, fundamentalmente,
por translocações ou duplicação deficiente em geral, todos os cromossomas são
susceptíveis de rupturas, que resultam em aberrações estruturais.
A um tal conjunto de aberrações estruturais de origem genética e
cromossómica junta-se um outro conjunto de malformações congénitas,
condensadoras da patologia humana e resultantes de malformações no embrião ou
no feto como sucede, por exemplo, com os efeitos da rubéola durante os primeiros
meses de gravidez, os efeitos da talidomida, etc.; geradores de malformações
dismorfogénicas ou simplesmente congénitas, resultantes das alterações da
morfologia de um ou vários órgãos, de sistemas de órgãos ou de todo o organismo,
e, efectuadas durante o desenvolvimento do feto, o que, além do mais, geram
transtornos e perturbações funcionais a nível de estrutura do organismo, das
funções ou do metabolismo, gerados tanto por razões genéticas como por resultados
de interferências ambientais durante o desenvolvimento do embrião ou do feto, no
nascimento ou no pós-nascimento.
O aparecimento destas dismorfologias ou de malformações congénitas
resulta de uma vasta e complexa causalidade e recebem terminologias consoante as
fases e a natureza das malformações como sucede, por exemplo, com as
gametopatias, resultantes dos erros e disfuncionalidades da ovogénese da mãe e da
espermatogénese do pai, com as embriopatias resultantes de anomalias produzidas
durante os três primeiros meses de gravidez, período de desenvolvimento da
diferenciação dos órgãos essenciais e que podem originar anomalias a nível do
desenvolvimento do organismo como, por exemplo, anencefalias, surdez, fissura
palatina, lábio leporino, aplasias, etc.; e várias outras anomalias produzidas durante
o desenvolvimento do feto, isto é, a partir dos, três meses de gravidez, e até o
nascimento, isto é, mais ou menos até à trigésima oitava semana de fertilização.
Durante um tal período de desenvolvimento, o feto inicia, progressivamente,
processos de resistência aos agentes dismorfogénicos e, à medida que se
desenvolve, vai desenvolvendo seus mecanismos de resistências a anomalias.
No entanto, certas perturbações a nível de funções celulares podem originar
anomalias hereditárias, mutações e perturbações a nível da formação do RNA
mensageiro e transtorno na síntese de proteínas, por um lado. Por outro lado,
também factores ou agentes ambientais podem ocasionar perturbações ou
alterações celulares por deficiência na importação de energia; deficiência de
vitaminas, ingestão de substâncias tóxicas, infecções, como sejam, por exemplo,
pelo vírus da rubéola ou da varicela; por certo tipo de medicações maternas,
subnutrição da mãe, ingestão de drogas, álcool, etc..
Segundo investigações da medicina genética (J. A. F. Ballesta, por
exemplo), a nível de criação e de desenvolvimento de malformações na vida
interuterina, os factores genéticos são seus responsáveis em 10% , podendo, então,
demonstrar-se quando se trata de uma malformação hereditária com carácter
dominante, apesar de se tornar difícil, ainda hoje, descobrir quais os factores
recessivos de uma malformação. Muitas malformações devem-se a anomalias
cromossómicas, as quais podem ser numéricas e estruturais ou, às vezes,
resultantes de uma combinação das duas. Estima-se, porém, que mais ou menos
4% de todas as gravidezes são cromossomicamente anormais, mas 85-90% de tais
anomalias são espontanea-mente eliminadas por aborto durante o período
embrionário. As restantes causas de anomalias ou malformações congénitas seriam
126
ocasionadas por sucessivas causalidades simples ou associadas a factores
ambientais.
Dos factores ambientais originadores de malformações e deficiências
mentais ou intelectuais que, hoje em dia, recebem mais atenção dos investigadores
são os dos efeitos das drogas e do alcoolismo, existindo, desde à muito tempo,
provas evidentes da associação de malformações fetais de alcoolismo materno, de
tal maneira que, ao conjunto de seus efeitos, se denominou “ síndroma de
alcoolismo, fetal ou síndroma alcoólico congénito “ tornando-se evidentes as suas
malformações, as anomalias cardíacas e genitais, os atrasos de crescimento intrauterino, as anomalias nas extremidades dos membros, as anomalias viscerais, a
extensão das articulações, as anomalias crânio-faciais como a microcefalia, a fenda
palpebral pequena, o lábio leporino, etc., etc. .
A nível de patologias neurocerebrais provocadas pelo síndroma do
alcoolismo fetal tornou-se conhecido o estudo de Jones que, após ter analisado o
cérebro de um paciente falecido com síndroma de alcoolismo fetal, constatou que tal
cérebro possuía anomalias a nível do desenvolvimento, que originavam aberrações
da migração neuronal, com aspecto exterior anormal e uma total desorganização a
nível da substância branca, um desenvolvimento incompleto do córtex cerebral e
anomalias a nível do corpo caloso.
O estudo e análise dos efeitos do síndroma do alcoolismo fetal levou Jones
a defini-lo como sendo um « conjunto de defeitos congénitos que se desenvolvem no
feto de algumas mulheres que consomem álcool durante a gravidez e se exprimem
por uma deficiência do crescimento pré-natal e pós-natal, malformações faciais e
disfunções do sistema nervoso central ». Estas disfunções do sistema nervoso
envolvem malformações cerebrais ou cranianas, atrasos de desenvolvimento,
comportamentos disfuncionais, anomalias neurológicas e neurocerebrais, enfraquecimentos intelectuais e debilidades mentais, estruturas neuropsíquicas que geram,
no sujeito, vítima do síndroma do alcoolismo fetal, impulsividade emocional,
agressividade comportamental, acentuadas dificuldades a nível de compreensão, de
aprendizagem e de memorização, empobrecimento a nível de linguagem e de
interacções relacionais, dificuldades de concentração e de raciocínio, de tomada de
decisões e de capacidades de abstracção, de péssimo rendimento a nível de
aprendizagens escolares e de dificuldades a nível de integração socioprofissional.
Embora a nível fisiológico muitos dos efeitos do síndroma de alcoolismo fetal
manifestem craniopatias, uma elevada percentagem das alterações morfológicas
cranianas são provocadas por seu subdesenvolvimento ou desvio no desenvolvimento ontogenético e as causas de tais malformações são genéticas, hereditárias ou
ambientais, apesar de muitas dessas malformações permanecerem ainda desconhecidas.
A nível de malformações ou alterações cranianas destacam-se a existência
de crânio-bífido-oculto, ausência congénita de parte dos ossos do crânio, afecções
na linha média e nos parietais, encerramentos precoces de uma ou várias suturas
cranianas e, em tais circunstâncias, caso o cérebro não possa crescer em sentido
normal, falo-à em sentido anormal, de forma assimétrica e, tanto em direcção anteroposterior como para cima, o que origina anomalias ou disfunções a nível
neurocerebral e cujos efeitos, a nível de aprendizagens, podem apresentar os mais
variados graus de dificuldades.
A este e outros tipos de anomalias crânio-cerebrais juntam-se as de
microcefalias, macrocefalia ou hidrocefalia. No caso das microcefalias ou
« microcérebros » as crianças apresentam, à nascença, um cérebro cujo peso é de
127
dez a vinte vezes inferior ao peso do cérebro de uma criança normal, isto é, entre 18
g e 60 g. Possuem , no entanto, as circunvoluções de um cérebro normal e o córtex
encerra as suas seis camadas celulares perfeitamente normais. Segundo Changeux:
« a contagem dos neurónios por « cenoura » vertical revela o mesmo número de
neurónios por « coluna » que nos indivíduos normais. Apenas baixa, de maneira
vertiginosa, o número de colunas verticais adjacentes. A proliferação tangencial dos
neurónios embrionários da parede das vesículas cerebrais parece afectada e
provoca uma redução drástica da sua superfície ». Como se depreende, um efeito
desta natureza, mas de sinal contrário, produzirá um aumento da superfície do
córtex. Bastarão portanto algumas mutações de gènes de comunicação ou
pequenas modificações cromossómicas para fixar na espécie este espectacular
aumento de redundância. ... O aumento da superfície, bem entendido, vai
repercutir-se nas arborizações axónicas e dendríticas dos neurónios do córtex
cerebral e do cerebelo. Ramón e Cajal ( 1909 ) já tinha verificado que « no homem
estas arborizações se desenvolvem principalmente depois do nascimento e durante
alguns anos. No momento da aquisição da linguagem, este crescimento não está
ainda terminado. Em consequência do alongamento do período da proliferação
sináptica, ... aumenta o número de ramos das arborizações neuronais. ... Desde os
vertebrados superiores ao homem, ... surgem novas vagas de sinapses e sucedemse durante o desenvolvimento, aumentando o número de conexões possíveis no
adulto. A largada de cada vaga é provavelmente acompanhada de um fluxo de
conexões excedentárias. A redundância das sinapses amplia a das células »
( 1983 ).
As doenças congénitas, porém, em seu sentido genérico, tanto de origem
genética como hereditária ou ambiental, são doenças, malformações ou alterações
cujas origens se encontram nos gènes, nas células ou nos efeitos das doenças
infecciosas, como o referido anterior efeito do síndroma do alcoolismo fetal, dos
tóxicos, de agentes físicos e de doenças endócrinas procedentes de alterações das
glândulas endócrinas da própria mãe. As doenças especificamente hereditárias
estão ligadas aos gènes dominantes e recessivos, a problemas de consanguinidade
e a anomalias cromossómicas. Por isso, tanto doenças ou malformações-genéticas
como hereditárias denominam-se, genericamente, doenças ou malformações
congénitas, visto estas serem as que, de um modo geral, são contraídas no decurso
da vida interuterina, podendo manifestar-se após o nascimento, e são o
prolongamento de doenças ou malformações embrionárias, sendo, não raras vezes,
as embriopatias causadas por agentes físicos, infecções, agentes tóxicos e
medicamentos como sucede, por exemplo, com infecções da rubéola, da varicela, da
hepatite, da papeira, do sarampo ou do herpes, pela ministração a grávidas de
certos medicamentos como hipnóticos, tranquilizantes, diuréticos, anticoagulantes e
alguns antibióticos; pela exposição da mulher grávida aos raios x ou a explosões
nucleares, ou, no caso das fetopatias provocadas por doenças endrócrinas ou, ainda
mais importante, pelos diabetes ou a sífilis oriunda de contaminação por via
transplacentária.
A um tal vasto e complexo conjunto de doenças ou anomalias congénitas
poderemos acrescentar um não menos vasto e complexo conjunto de doenças do
metabolismo ou metabolopatias resultantes de erros ou disfunções metabólicos, os
quais são, por sua vez, consequência de deficiências genéticas e, hoje em dia,
ultrapassam já o elevadíssimo número de cento e oitenta doenças do metabolismo e
cujo somatório, tanto pelo seu grau como pela sua intensidade, produzem as
denominadas aberrações ou malformações estruturais.
128
Uma destas malformações reside na existência de erros inatos do
metabolismo individual, os quais, alterando a constituição genética, perturbam o
desenvolvimento da sua normalidade. Estes erros, efectuados por elementos
bioquímicos das proteínas, potenciais informativos dos genes, conseguem produzir
mutações e estruturas malformadas num nível relativo ou grave, tanto a nível de
enzimas como de receptores de meios de transporte, como a nível de membranas
ou mesmo de estruturas, o que podem, de forma mais ou menos acentuada, afectar
não só a funcionalidade do organismo individual, mas, também, em consequência,
afectar a funcionalidade psíquica do indivíduo.
Estes erros do metabolismo podem ser, umas vezes, causa das diferenças
polimórficas observadas e diferenciadoras dos indivíduos, produzirem alterações
genéticas, que resultam em consequências clínicas mais ou menos hipercomplexas
do período neonatal, e, outros manifestam os seus efeitos durante a adolescência ou
a fase adulta.
No entanto, uma grande maioria dos erros inatos do metabolismo exigem
intervenções clínicas e podem ser diagnosticadas no período imediato após o
nascimento ou pouco depois, apresentando-se com uma vasta gama de sinais ou
sintomas, que podem incluir acidose metabólica, déficit de desenvolvimento físico,
anormalidades no desenvolvimento, níveis sanguíneos ou urinários elevados de um
determinado metabolito como, por exemplo, um aminoácido ou alterações físicas,
etc.. Muitos desses erros metabólicos são já hoje passivos de serem detectados
durante o período de desenvolvimento embrionário de uma criança.
Apesar disso, é frequente um bebé, com erros de metabolismo, logo após o
nascimento, possuir sintomas de acentuada doença, e, esta manifestar-se por
convulsões, vómitos, letargia, anorexia e mesmo estados de coma, bem como por
outros sintomas inespecíficos desencadeados pela acção de seu sistema nervoso
central.
Durante o período neonatal e seu respectivo desenvolvimento, a criança
com problemas ou distúrbios do metabolismo pode manifestar uma vasta e
complexa gama de problemas como défices motores, convulsões, atrasos mentais,
frequentes infecções, stress e apatias, odôres corporais incomuns, interrompidas
fases de doenças graves, cálculos renais, deterioração mental, diabetes mellitus,
etc..
Embora a maioria dos erros inatos do metabolismo seja transmitida por
herança autossómica recessiva, uma tal informação é também organizativa e
generativa e, por tais razões, os erros inatos de uma determinada família evoluem
de acordo com o seu tipo.
Por isso, em geral, embora a sintomatologia possa variar entre irmãos de
uma família, se uma criança apresenta a forma da doença da urina em xarope de
bordo, que se manifesta durante o período neonatal, o próximo irmão afectado
apresentará o mesmo defeito ou não, sendo a variante que ocorre de forma
intermitente mais tardiamente na infância, visto a informação comunicacional de tais
erros metabólicos ser duplamente generativa e fenoménica, programa que permita a
repetição, a reorganização, a ressuscitação e a reprodução. E a informação é
sempre potencialmente generativa e a informação degenerada pode ser regenerada
se « encontrar uma cabeça decifradora e uma matriz generativa » , significando isto
que « a organização torna-se informacional quando nela se constitui um aparelho
generativo ».
Uma tal programação funcional dos gènes, bem como de suas possíveis
mutações, deve-se ao facto de que a duplicação do ADN é uma « espécie » de
129
cópia de uma mensagem, que apesar de todos os cuidados e defesas, não está
protegida de todas as perturbações aleatórias, forças exteriores ao programa, de
acidentes ou de incidentes perturbadores das suas transferências, factos ou
acontecimentos que podem provocar erros, defeitos ou distorções na cópia da
mensagem, provocando deteriorização ou degradação na organização e dinâmica
do indivíduo ou desordem na sua ordem organizacional.
Ora, sendo, hoje em dia, consenso generalizado no domínio da bioquímica e
da biologia celular ( Crick-Watson, 1953 ) que os gènes são segmentos da
macromolécula do ADN, e, concebidos como mensagens codificadas portadoras de
informações, o seu carácter e potencial informacional constitui um programa
organizado de informações, de mensagens e instruções que especificam as regras
e as normas dos seus processos de auto-produção, auto-organização e autoreprodução, formando, assim, uma espécie de genoteca normativa de todos os
processos da máquina viva, a qual é ordenada segundo um sistema de códigos ou
signos portadores das informações necessárias à complexidade da organização
celular, a qual, por sua vez, extrai do genoma as informações necessárias às suas
estratégias e programas desencadeadores de acções, de transformações, de
produções, de operações e de actuações, que, em simultâneo, organizam e
regeneram a própria organização celular.
Apesar disso, os gènes permanecem potencial capital de informação e de
organização, e são recebidos hereditariamente, retidos individualmente e transmitidos reprodutivamente, características condensadas na vida da célula, e, fazem com
que esta se torne o centro da vida, visto ser nas células que se elaboram as
moléculas características do vivente e se efectuam as reacções do metabolismo,
sendo através da sua diferenciação que se formam os órgãos e evolui o corpo do
adulto, graças à multiplicação das células que nascem de outras células, e, por isso,
perpetuam a existência e mantêm a organização não só biológica, mas, também,
funcional e diferenciada, a um tal ponto que, algumas células, efectuam apenas as
funções necessárias à respiração, outras à locomoção, à digestão ou à reprodução.
É uma tal continuidade das células que dá origem ao fenómeno da hereditariedade,
o qual resulta sempre da continuidade das células e defini-se como conjunto das
características, dos traços, dos caracteres ou biótipos recebidos dos progenitores e
susceptíveis de serem transmitidos aos sucessores através da acção dos gènes
inscritos na composição cromossómica celular, a qual, dando origem ao genótipo
individual, faz com que hereditário se diferencie de congénito ou de inato como
sucede, por exemplo, com os efeitos de uma anomalia gerada no embrião ou na
vida fetal de uma criança ou quando uma criança nasce de uma mãe
toxicodependente ou com os efeitos do alcoolismo fetal em que a criança, nascendo
com modificações nos caracteres hereditários, tais modificações não foram
efectuadas hereditariamente, o que faz com que tais crianças, toxicodependentes no
nascimento, sejam-o inatas e não hereditariamente.
É que sendo a hereditariedade efectuada através da transmissão de certos
caracteres dos progenitores aos seus descendentes, fazendo com que cada
organismo dê origem a um organismo pertencente à mesma espécie, processo que
explica a existência de diferenças individuais, nem todas as características
existentes no genoma dos progenitores são transmitidas aos sucessores, o que faz
com que o comportamento de um indivíduo não só possua condicionantes
genéticas, mas, sobretudo, resultados dos efeitos da acção individual, ambiental,
social e cultural, notoriamente observáveis através dos valores morais de cada um,
de seu nível de expectativas, do quociente intelectual e das suas potencialidades e
130
concretizações a nível de inteligência emocional e afectiva, embora, acerca de uma
tal problemática, as peças ou paradigmas em discussão se dividam, como sucedeu,
por exemplo, com T. Ribot que se pronunciou a favor da transmissão de alguns
traços psicológicos, outros insistem na predominância e incidência dos factores
ambientais, e, outros, admitem a existência de uma herança psicológica indirecta
que actua através de factores orgânicos.
Restringindo-se aqui hereditariedade aos processos biológicos efectuados
através do conjunto de gènes ou genoma do indivíduo, e, sendo este que constitui o
alicerce primário do funcionamento e dinâmica de um indivíduo, torna-se evidente
que muitas das suas actividades e características funcionais interdependem da
natureza e da activação do seu genoma, o qual, como qualquer sistema, age e
retroage, activa ou desactiva, organiza ou desorganiza, produzindo efeitos tanto
positivos como negativos em relação ao desenvolvimento e actuação do seu
portador, visto ser através dos gènes que um indivíduo recebe não só os caracteres
individuais de seus ascendentes, da raça ou da espécie, mas, também, o potencial
de existir e de viver por si e para si.
É que, sendo o A.D.N. (ácido desoxiribonucleico) uma macromolécula
disposta em dupla hélice, que se encaixa em volta de um eixo comum, é nela que se
encaixam as sequências de nucleótidos diferenciados entre si segundo a base
azotada que possuem. Por isso, o A.D.N., suporte material dos caracteres
hereditários, localiza-se essencialmente no núcleo da célula formando os
cromossomas.
Por isso, a estrutura do ADN, segundo Watson e Crick, é formada por duas
cadeias polinucleotídicas entrelaçadas em forma de hélice. As suas bases
nitrogenadas encontram-se colocadas uma em cima de outra em cada uma das
cadeias e situam-se no interior da hélice. As duas cadeias unem-se por enlaces
formados por pontes de hidrogénio entre cada uma das bases de uma das cadeias e
pelas situadas em sua frente na cadeia posta.
A informação genética, necessária à construção de um indivíduo, está
contida no ADN da primeira célula ou zígoto e emana metade do pai e metade da
mãe. A partir daí as células do indivíduo contêm a mesma quantidade de ADN e a
manutenção da informação genética durante a divisão celular consegue-se mediante
a duplicação do ADN efectuada através de um processo no qual cada uma das
cadeias da hélice serve de molde à síntese de uma nova cadeia complementar. Os
gènes apresentam-se, então, como fragmentos do ADN e contêm vários milhares de
pares de nucleótidos que determinam, normalmente, a sequência dos aminoácidos
de uma proteína. Assim, o código ou programa genético contido no ADN de cada
célula, constituindo o património hereditário de cada indivíduo, transmite-se de
geração em geração. Esta transmissão, também aqui, é efectuada de emissor a
receptor e as mensagens de tais transmissões são simultaneamente transmissoras e
transmitidas, visto tanto o emissor como o receptor desdobrarem-se, e, de tal
desdobramento, efectuado no interior e, da parte interior do indivíduo, surgem
variedades comportamentais aleatórias, apesar de, factualmente, a informação
contida nos gènes originar instruções precisas, visto o ARN ( ácido ribonucleico )
estar implicado na síntese das proteínas da célula, e, o ARN mensageiro, possuir,
por essencial função, transportar a informação genética do ADN nuclear para os
ribossomas situados no citoplasma, e, os ARN transferentes serem encarregados de
transportarem os aminoácidos para os ribossomas, a partir dos quais formarão uma
proteína segundo a ordem indicada pela sequência dos nucleótidos do ARN
mensageiro. O ARN ribossómico, representando 80% do ARN celular, une-se a
131
várias proteínas para formar os ribossomas, pequenas partículas celulares a partir
das quais se geram os aminoácidos para a síntese das proteínas.
De um tal conjunto de vários milhares de gènes emerge generatividade
informacional e competência organizativa, das quais emanam e se desenvolvem
potenciais de modificabilidade, tanto de finalidades como de circunstâncias, de
actuações como de programas, visto a combinatória das suas bases de informação,
a nível da molécula do ADN, permitir originalidade, relação, reprodução, organização, diferenciação, confirmação, activação, conservação, orientação, repetição e
reprodução.
É que, de facto, o potencial informacional contínuo do genoma de cada ser
humano, emergente das estruturas e dos dinamismos bioquímicos individuais de
cada ser humano, é, com maior ou menor facilidade, transportado pela macromolécula do ADN, a qual, portadora de sequências de nucleótidos diferenciados entre si
pelas bases azotadas que a constitui, isto é: adenina, timina, guanina, citosina,
fazem com que a macromolécula do ADN constitua, no seu todo, uma espécie de
código idêntico às letras de um alfabeto de quatro letras, as quais, unidas entre si,
constituem o equivalente a uma palavra, a uma sequência de várias palavras e, a
partir daí, às quase-frases, portadoras de informações, mensagens, instruções,
redundâncias e também distorções, erros, anomalias ou patologias, agentes
constituintes da natureza primária ou genético-hereditária do ser humano, gerandose, a partir de uma tal biodinâmica, a estrutura e a potencialidade de sua existência
fenoménica e organizacional, graças aos potenciais informacionais, generativos e
neguentrópicos, bem como aos efeitos de suas inter e retroacções, gerados,
efectuados, permanentes e dinâmicos de tais potenciais existentes em cada ser
humano. Tanto a quantidade como a qualidade de tais níveis de potencialidades
dinamizarão e activarão o fenótipo individual e, a partir de tais níveis, acentuar-se-à,
progressivamente, a diferenciação do potencial desenvolvimento biopsíquico e
sócio-emocional de cada indivíduo, tanto em sua totalidade como em seu poder
organizacional, informacional e regenerativo, e, cujos limites ou ilimitações se tornam
impossíveis de definir, bem como impossível se torna delimitar as potencialidades do
cérebro humano, sempre em contínuo desenvolvimento, em busca de novas
orientações, reorganizações, conteúdos e saberes, graças às contínuas e permanentes orientações, intercâmbios, produções e reorganizações, informações e
transformações efectuadas pelos biliões de unidades moleculares contidas numa
minúscula célula e cuja acção e dinamismo activam ou inibem a vitalidade e
originalidade, a comunicação ou a informação das células e, sequencialmente, a do
organismo multicelular, com seus positivos ou negativos efeitos a nível de acção e
de comportamento fenotípico.
É que, a nível de factualidade, é nas células que a informação se encontra
organizada e, a partir daí, comunica as suas mensagens, emite instruções, elabora
acções e desenvolve competências, embora a concretização de suas funções e
tarefas não seja possível sem a vitalidade própria dos agentes constituintes das
células, as quais centralizam, hierarquizam e especificam potenciais, especializações, funções e tarefas de computação, de comando, de decisão, de controlo, de
diversificação, de funcionalidade, de operacionalidade, de adaptação e de
integração, e, cujos níveis ou graus de eficiência interdependem de múltiplas e
hipercomplexas causalidades, como as da estrutura e dinâmica bioquímica, bioenergética, orgânica, ecossistémica, estimular, motivacional, social e cultural de cada
indivíduo, características de cujas interdependências emergirá maior ou menor
132
fragilidade, actividade ou sub-actividades, desgastes, desperdícios, tensões,
conflitos ou rigidezes comportamentais.
No entanto, situando-se os gènes no interior das células, será sempre, em
grande parte, verdade que a acção fenotípica de um indivíduo interdependerá da
acção, vitalidade e generatividade dos gènes, os quais organizam, reorganizam,
vitalizam e regeneram a vitalidade das células em suas dimensões bioquímicas, as
quais, por sua vez, interferem e influenciam nas futuras actividade psíquicas e
emocionais do indivíduo. Isto porque o potencial de manutenção, de renovação e
de produção interdepende, na sua essência, da vitalidade e generatividade de seus
gènes, das suas organizações ou desorganizações, das suas virtudes e dos seus
defeitos, das suas harmonias ou desarmonias, das suas funções ou disfunções, das
suas comunicações ou bloqueamentos, das suas evoluções e dos seus
parasitismos, das suas mutações ou perversões, em função das quais transmitirão
as suas informações e mensagens, e, estas nem sempre possuem o capital ou o
potencial necessário à restruturação, reorganização ou revitalização de tais
informações ou mensagens, o que faz com que as células permaneçam em
actividades disfuncionais, anómalas, aberrantes e com variadas diferenças em
relação às suas normais e equilibradas funcionalidades, fazendo, então, com que a
genofenotipia do ser humano, quer a nível biológico, quer neurocerebral, não só se
diferencie, acentuadamente, da maioria dos restantes indivíduos, mas, também, se
encontre enormemente bloqueada ou distorcida em seus necessários e harmoniosos
desenvolvimentos biopsíquicos, emocionais e sociais, tanto a nível de inter-relações
com os humanos como com os ecossistemas, os habitates e os meios. E isto porque
num sistema, de maneira particular no sistema humano, embora seja diferente da
soma das suas partes, e, a sua vida emirja da vitalidade das suas partes, na
totalidade de um tal sistema, existem cisões, divisões, distorções, rupturas ou
conflitos, e, a parte observável do todo do sistema, não se deixa ver nem observar
e, muitas vezes, nem sequer conceber.
Por isso, no seio e dinâmica do sistema humano, os seus subsistemas
genéticos, moleculares ou celulares podem conter anomalias, disfunções ou
rupturas, produtoras de anomalias ou aberrações estruturais desencadeadas por
factores ou agentes de natureza física, química, biológica, ambiental ou ecológica e
cujos efeitos produzirão a curto, médio ou longos prazos, negativos efeitos não só
para desenvolvimento harmonioso do indivíduo, mas, também, para sua própria
espécie, originando-se, a partir de tais anomalias, aberrações cromossómicas e
estruturais, genéticas, hereditárias ou congénitas, evidenciadas a partir da memória
e da lógica do ADN, com futuros e negativos efeitos não só a nível de cogitações,
mas, também, a nível de acções, de motricidade e de envolvências, visto as
moléculas de ADN e ARN conterem em si potenciais de desenvolvimento biológico,
psíquico, emocional, afectivo e social como sucede, por exemplo, com os efeitos de
certas deficiências psíquicas, intelectuais ou mentais emanadas de certas
disfunções ou aberrações genéticas ou cromossómicas como sucede no caso das
trissomias, de doenças degenerativas ou de anomalias desencadeadas pela
existência de gènes anómalos recessivos.
Ora, sendo factor imprescindível, na reprodução biológica, minúsculos
corpos em forma de bastonetes, que aparecem nas células eucarióticas, são eles
que transportam os gènes ou os agentes hereditários para fabricação de proteínas
no citoplasma das células, processo que faz com que os cromossomas sejam os
portadores da mensagem genética, e, as substâncias químicas, que formam os
133
cromossomas, podem, durante o processo de divisão das células, ser mal,
disfuncional ou anormalmente divididas pelas células filhas.
Cada ser humano possui 46 cromossomas em cada célula oriundos 50% de
cada progenitor, perfazendo-se, assim os 23 pares de cromassomas, com excepção
apenas a nível das células germinativas ou sexuais que sofrem uma redução do
número de cromossomas antes de se formar, e o espermatozóide e o óvulo
humanos, tendo 23 cromossomas cada um no zigoto, resultante de uma tal união,
aparecem os 46 cromossomas.
Estas uniões, porém, nem sempre se efectuam de forma harmoniosa ou
funcional, dando origem a cromossomopatias provocadas por alterações numéricas
dos cromossomas, manifestadas pela existência de um número diferente de 46, e
isto pode ser efectuado tanto por excesso como por defeito, por ruptura dos
cromossomas como por intercâmbio mútuo de porções cromossómicas; tanto por
perda de um seguimento cromossómico como pela formação de gámetas
desprovidos de um cromossoma; por rupturas múltiplas ou por separação anormal, o
que pode ocasionar abortos ou provocar malformações físicas, atrasos psíquicos,
escasso desenvolvimento corporal durante o crescimento, deficiências neurológicas,
malformações a nível de gonadas, a nível somático e visceral, estimando-se, hoje
em dia, que cerca de um indivíduo em cada cento e cinquenta, tem uma
anormalidade cromossómica, sendo as mais comuns ou conhecidas as do síndroma
de Klinfelter, de Turner e as do síndroma da trissomia 13, 18 e 21, sendo uma
elevada percentagem de anomalias cromossómicas provocada por ruptura ou lesões
reparadas, de forma normal, a curto ou médio prazo, embora muitas de tais lesões
se convertam em anomalias funcionais, aberrações cromossómicas ou
disfuncionalidades comportamentais.
Ora, sendo as trissomias uma das classes das cromossomopatias elas são
consequência de uma defeituosa separação do material ( corpo ) genético no
momento das primeiras divisões das células do zigoto ou no momento da meiose,
resultando daí uma mutação do genoma, e em que, em alguns dos vinte e três pares
cromossómicos, que constituem o cariótipo humano, se apresentam três cromossomas em vez de dois. Estas anomalias cromossómicas podem efectuar-se tanto
nos pares de cromossomas somáticos como no par de cromossomas sexuais.
A nível de trissomias de cromossomas sexuais evidencia-se o cromossoma
do par sexual xxy, síndroma de Klinfelter; o cromossoma do par sexual xxx da supermulher e o cromossoma do par sexual xyy do super homem-antisocial e agressivo.
A nível de tipologia de trissomias de cromossomas somáticos, são
familiares, a nível de clínica genética, a trissomia 13 ou síndroma de Patau, a
trissomia 18 ou síndroma de Edwards e a trissomia 21 síndroma de Down ou
mongoloidismo.
A trissomia 13, descoberta e descrita por Patau e seus colaboradores
( 1960 ) é, segundo eles, resultante da presença de um cromossoma acrocêntrico
super-numerário pertencente ao grupo treze - quinze e resulta, geralmente, de mães
com menos de trinta e cinco anos de idade, sendo a sua incidência de frequência de
um para cinco mil recém-nascidos.
As características clínico-morfológicas destes recém-nascidos e de seu
futuro desenvolvimento intelectual são de acentuado atraso mental e de múltiplas
malformações morfológicas mais acentuadas que no caso de outras trissomias, visto
ser frequente, no caso de tais trissomias, a criança ser microcéfala, possuir lábio
leporino, problemas de visão, angiomas na região frontal e nasal, defeitos cutâneos
no crânio, fissura palatina, tronco deformado, polidatília de mãos e pés, cérebro
134
anormal, malformações do sistema nervoso, hipotonia, surdez, malformações
urinárias e genitais, cardíacas e digestivas.
No estudo da trissomia 13 evidencia-se um cariótipo com 47 cromossomas
resultante de translocação, de associações ou de uma efectuação em mosaico.
As estatísticas efectuadas em relação ao ciclo vital dos portadores da
trissomia 13 dizem-nos que um tal ciclo é curto, ou seja, que 44% falece no primeiro
mês de vida e dos restantes 66% antes dos seis meses e só uns 18% chegam a um
ano de idade. Os poucos que sobrevivem manifestam profundo atraso mental,
profundo atraso a nível do desenvolvimento e convulsões, e, em tais casos, a
trissomia parece não ser completa.
Esta trissomia apresenta certas afinidades com a trissomia 18 ou síndroma
de Edwards, acerca da qual já foram descritas mais de cento e trinta anomalias em
pacientes afectados de tal trissomia, sendo as principais, em seu exterior,
implantação baixa das orelhas, crânio alargado em sentido antero-posterior, pescoço
e externo curtos e extrema flexão dos dedos. A nível interior, uma tal trissomia
apresenta, como seus efeitos, congénitas cardiopatias, malformações renais e, de
uma forma geral, profunda debilidade mental, hipotrofia acentuada e hipertonicidade.
A nível de órgãos genitais aparecem, muitas vezes, nos rapazes, escroto bífido e,
nas raparigas, útero bífido.
I - TRISSOMIA VINTE E UM OU MONGOLOIDISMO*
0 mongoloidismo, doença mental crónica, é resultado de uma aberração
cromossómica disfuncional que provoca distrofia morfológica. É um estado de
profundo atraso mental e compreende alterações que englobam a maior parte dos
tecidos, desde as mais pequenas anomalias às malformações mais graves.
A nível fisiológico o mongolóide é de pequena estatura, face redonda e
achatada, de pálpebras estreitas e pestanas raras e mal colocadas. 0 nariz é
achatado. As fossas nasais, muitas vezes, são de pequenas dimensões e,
geralmente, obstruídas por hipertrofia. A boca é pequena, quase sempre entreaberta
deixando sair a língua e a saliva. A língua é plena de fendas e a voz, geralmente, é
rouca.
*Mongoloidismo e não mongolismo devido à justa reacção de cientistas de
raça mongólica.
As mãos são pequenas, curtas, espessas e sem relevo. Os dedos são
curtos, espessos e divergem. As marcas digitais e as linhas das mãos apresentam
modificações características. A nível de visão o estrabismo interno, bilateral, é quase
uma constante. Não raras vezes, na segunda infância, aparece uma catarata
congénita.
A nível de motricidade os mongolóides permanecem, de preferência,
sentados, de pernas dobradas e debaixo deles, baloiçando ritmicamente o tronco.
São apáticos e exteriorizam muito pouco as suas necessidades ou emoções de
alegria, fome ou cólera.
A nível psicológico apenas um reduzido número de mongolóides, que
sobrevivem à primeira infância, são idiotas. No entanto, o desenvolvimento
psicológico e mental da maioria dos casos permanecem situados nos vários graus
de idiotice e debilidade. É difícil de encontrar-se um caso de idiotice completa.
135
Psicologicamente caracterizam-se pela sua apatia, falta de estímulos de
motivação, lentidão e indiferença. 0 seu poder de memorização é rudimentar. A
atenção é fragmentada, instável e não perseverante. 0 seu poder de aquisições de
conhecimentos é reduzido. Por vezes alguns chegam a possuir um vocabulário
bastante rico, embora estereotipado e a desenvolverem, razoavelmente, certas
capacidades manuais e até a lerem, no melhor dos casos. A deficiência intelectual é
uma constante. A existência de um caso que ultrapassa um Q.I. de 70 é uma
excepção. 0 seu Q.I., regra geral, situa-se na média de 40-50 com tendência a
diminuir com a idade, no caso de trissomias regulares. Nas trissomias 21 parciais e
nas trissomias 21 regulares em mosaico os atrasos são, geralmente, ainda mais
profundos. Regra geral os mongolóides são débeis mentais profundos, mas existem
numerosos casos em que a debilidade é de grau médio.
A nível afectivo os mongolóides são, regra geral, afectivos, prestáveis,
dóceis e entusiasmam-se facilmente com os ritmos musicais. Em muitos casos
existe uma grande facilidade de expressão e um grande desejo de revelar cultura.
Estas características encobrem, pelo menos parcialmente, a sua debilidade real e
fazem com que o seu perfil intelectual seja difícil de precisar pois este esbate-se em
face das alterações do caracter e da afectividade, expressas sobretudo num excesso
da afectividade e na acentuada docilidade, revelando, até mesmo através da mímica
e dos gestos, o desejo de ajudar a executar qualquer actividade útil e a colaborarem
nas actividades dos adultos, irmãos e colegas, tornando-se, assim, não só de fácil
adaptação, mas, também, muito sociáveis e simpáticos, atraindo, por isso mesmo,
especiais atenções por parte de certos educadores quando em escolas de Educação
Especial.
Existem outros casos ( e estes são ainda numerosos ) em que estes doentes
manifestam perturbações de comportamento como: agressividade, destruição,
instabilidade, desadaptação, negativismo, oposição, cólera e outras reacções
violentas, não só em relação a outras crianças, mas, também, em relação aos
adultos e aos objectos. Estas alterações comportamentais dificultam, ainda mais, a
já difícil tarefa educativa.
A frequência do mongoloidismo ou síndroma de Down oscila, segundo os
autores, de 1 por 650 a 700 recém-nascidos ( Lejeune,1965 ). As estimativas de
outros autores ( Henry Ey, P.Bernard e Ch. Brisset, 1970 ) falam de 1 por mil.
A trissomia 21, matriz do mongoloidismo, apesar de, relativamente, pouco
conhecida na sua etiologia é, até ao presente, a mais conhecida das anomalias
cromossómicas originando, no indivíduo, cromossomas em excesso e características
fisiológicas, psicológicas, afectivas e sociais específicas.
Ao contrário de outras causas de debilidade psicológica e atrasos mentais,
no mongoloidismo o factor genético é considerado como essencial. Causado por
uma anomalia no número de cromossomas, a vítima é portadora de um cromossoma
suplementar ,isto é, possui 47 em vez do número genético normal, 46. A fusão de 3
cromossomas no par 21, em vez de 2, forma a tão célebre trissomia 21.
A análise das causas da génese do mongoloidismo foi e permanece, ainda
hoje, sob muitos aspectos, uma questão controversa. Como possíveis causas
invocam-se: as embriopatias tóxico-infecciosas, a rubéola, o álcool, a sífilis, o
desequilíbrio endócrino, a defeituosa nidação do óvulo, os choques afectivoemocionais da mãe, etc..
Qualquer que seja a origem das causas, a verdade é que o mongoloidismo é
uma aberração cromossómica estruturada, formada pela denominada trissomia 21 e
cuja existência é devida ao facto de, ao formar-se, o óvulo ou o espermatozóide
136
( gametogénese ), não se dar a separação de um par de cromossomas, ficando,
nesse caso, uma célula germinativa com dois cromossomas desse par e outro sem
nenhum. Quando a célula germinativa, que tem um cromossoma a mais, se une a
uma célula germinativa normal, as células do novo ser terão 47 cromossomas. Esta
não disjunção meiótica, durante a gametogénese, pode ou não relacionar-se com a
translocação cromossómica já existente num dos progenitores. Quer isto dizer que,
a par da transmissão feita pelos gènes presentes nos cromossomas dos núcleos
( dos gâmetas ), pode existir uma outra transmissão extracromossómica dependente
de estruturas específicas existentes no citoplasma do ovo, a qual pode ser
provocada por influências de condições ambientais, intensas modificações do meio,
alterações violentas nas condições de vida etc., deduzindo-se o facto de progenitores, aparentemente normais, poderem procriar mongolóides. 0 mongoloidismo é
genético mas não hereditário.
Embora a etiologia do mongoloidismo seja um factor controverso, a análise
clínica foi alertada pelo facto de a idade da maioria das mães dos mongolóides ser
em média, 10 anos superior à idade das mães de crianças normais. Esta acentuação
da não disjunção cromossómica, com a elevação da idade da mãe, poderia ser
provocada pela desidratação, pela acção hormonal, ou, pela propensão às infecções
genitais. As estimativas probabilistas do nascimento de crianças mongolóides, filhas
de mães de 35 a 39 anos são de 4 por 1000; a partir dos 45 anos, 1 por 50;e de 1
por 2000 antes dos 30 anos. Um terço dos mongolóides são filhos de mães de idade
superior a 40 anos, já, demasiadamente idosas para serem mães, e esgotadas.
0 prognóstico vital dos mongolóides é ainda hoje sombrio. Apesar dos
progressos da medicina e da acção terapêutica dos antibióticos, a sua propensão
fisiológica para a existência de complicações infecciosas, sobretudo pulmonares,
como pneumonia, broncopneumonia e tuberculose é responsável da maioria da
mortalidade dos mongolóides. A sua mortalidade é seis vezes mais elevada que a
dos outros atrasados mentais e, hoje em dia, são numerosos os mongolóides
adultos.
0 mongolóide é, no fundo, o mais educável de todos os idiotas, talvez pelo
facto de ser também o mais sociável. A acção dos ácidos glutâmicos parece ser de
efeitos muito reduzidos. A inibição da mono-amino-oxidase parece tratamento que
deve ser vulgarizado. No entanto, a acção mais positiva para o seu desenvolvimento
parece ser a pedagógica. Estimulá-lo em todas as actividades, desenvolver todas as
suas potencialidades, colocá-lo num bom ambiente sócio-afectivo, inseri-lo
socialmente, dar-lhe uma reeducação sensorio-motora e psicomotora, robustecer o
seu “ Eu “ através de uma educação especializada, proporcionar-lhe uma terapêutica
através de trabalhos manuais ( movimentos largos e finos ) e através de actividades
lúdicas conduzidas e orientadas por objectivos de educação específica etc.;
parecem ser a metodologia mais adequada para tratamento dos mongolóides, no
intuito da conquista da sua autonomia e independência.
0 resumo da presente análise de 4 mongolóides é resultado de uma
observação constante e sistemática bem como de uma intervenção terapêutica,
realizada num “ Centro de Educação e Recuperação de Crianças Deficientes e
Inadaptadas” durante 5 anos.
Nome: F.E. ( I )
I- ANTECEDENTES PESSOAIS E FAMILIARES: Criança tirada com
137
ventosas / subalimentada / primeiro dente aos 8 meses / ataque epilético aos 11
meses / irmão com doenças mentais / mãe abortou 2 vezes / pai alcoólico / avô
diabética / pais tuberculosos / pais primos em 1º grau / falecimento do pai (tinha a
criança 8 anos) / mãe muito nervosa / rotura das águas: 1 dia antes do parto /
criança não desejada / avô alcoólico / tia débil ligeira / mãe anémica durante a
gravidez / pai nervoso.
II- ANTECEDENTES DA CRIANÇA: Começou a falar aos 5 anos / o pai tinha
40 anos, a mãe 39 quando F.E. nasceu / gravidez normal / parto normal /
apresentava cianose à nascença / começou a andar aos 4 anos / vê mal devido a
acentuado estrabismo mas recusa-se a usar óculos./ Profissão do pai; guarda /
profissão da mãe; doméstica. / Tem mais cinco irmãos. / Idades dos irmãos: 25, 23,
21, 19, 13 / Nasceu em casa sem parteira / Controla as urinas / É vigiada pelos
médicos. / Alimentação: come de tudo, excepto fígado / Veste-se sozinha / Com as
crianças e na sociedade comporta-se normalmente. A mãe teve dois abortos e uma
criança que morreu ao nascer.
III- DADOS DA ANAMNÉSE: Mãe ansiosa / Gravidez difícil / Problemas
familiares durante a gravidez, choques emocionais, enjoos, emagrecimento / Rotura
das águas provocada / Alimentação ao peito até aos 3 meses / Idade da mãe
quando a criança nasceu: 38 anos / Idade do pai quando a criança nasceu: 40 anos /
nasceu por acaso mas foi bem aceite / a gestação foi normal / A criança nasceu em
casa com 9 meses. O parto não foi assistido pela parteira, pois quando esta chegou
já a (F.E.) tinha nascido / Foi alimentada com leite até cerca de um ano e meio de
idade. Mamava normalmente, e o desmame foi feito lentamente. Cerca dos 8 meses
começou também a comer sopa ralada. / A partir dos dois anos passou a comer da
mesma comida que os pais e os irmãos / Os pais desconhecem o seu tipo de
sangue. / Só aos sete meses os pais tomaram conhecimento que ela sofria de
graves problemas motores. / Começou a andar e, simultaneamente, a falar (por volta
dos 4 anos).
IV- DIAGNÓSTICO: a) Teste de lateralidade em (12-6-78): Martelar (E) / Afiar um lápis com
afiador (E) / Escrever (E) / Apagar com borracha (E) / Atirar uma bola (E) / Acender um fósforo (E) /
Escovar os sapatos (E) / Cortar papel com a tesoura (E) / Afiar um pau com uma faca (E) / Comer
com a colher (E) / Distribuir folhas de papel (D) / Folhear um caderno (D) / Saltar para agarrar uma
coisa alta (D) / Predominância ocular: óculo (E) / Buraco da fechadura (E) / Predominância do pé :
dar um pontapé na bola (E) / Conclusão: criança esquerdina.
b) Coordenação motora: fraca. Não tem controle nem precisão, tanto no
arremesso como no agarrar. Por vezes foge quando se lhe lança a bola. /
Coordenação dinâmica geral fraca. Não tem ritmo nem coordenação na corrida nem
a saltar. Nos exercícios construídos não tem também ritmo e tem pouca
coordenação tem dificuldades em correr para trás e para os lados. Utiliza pé e mão
esquerda, embora ao saltar, para tentar agarrar qualquer, coisa, utilize a direita. 0
seu esquema corporal ainda não está definido. Não tem iniciativa na execução dos
exercícios. / Compreende relativamente bem o que se lhe pede para fazer. Muito
preguiçosa. Se não se exige ela senta-se e diz sempre que não quer. Gosta que lhe
prestem atenção.
c) 0bservação Psicológica (28-1-77) / Idade: 11,3 anos uma criança muito
risonha, afectiva e colaborante, embora bastante instável. Em relação a sua idade
mental (5,9 anos) tem boa expressão verbal (vocabulário ao nível dos 8 anos)
embora pronunciando mal as palavras. / Note-se que só começou a falar aos 4/5
anos. Tem grandes dificuldades de expressão gráfica (nível dos 3 anos) escrevendo
tanto com a mão direita como com esquerda. Nunca tinha frequentado a escola.
d) Electroencefalograma. Os traçados obtidos com a criança acordada são
138
constituídos por uma actividade de base bastante lenta para a idade dum modo
generalizado, embora com predomínio focal temporal direito onde, por vezes, toma
um certo aspecto pontiagudo.
Conclusão; Alterações que traduzem sofrimento cerebral generalizado com
predomínio focal temporal direito, onde existem alguns elementos irritativos.
e) Ficha pediátrica: higiene pessoal normal / Estado geral: normal / Visão
cromática: normal / Estrabismo / Fossas nasais: normal / Formação: normal / Boca e
dentes: carie / Tórax: normal / Aparelho respiratório: normal / Aparelho
cárdiovascular: normal / Abdómen: normal / Órgãos genitais externos: normal /
Sinais de puberdade / Sistema linfático normal / Membros: pé raso / Apreciação
global: bom estado geral. Segundo a mãe: outras doenças.
V- PSICÓDIAGNOSTICO: Criança muito subdesenvolvida a nível
sensório-motor, psicológico e intelectual / Muito instável nas com possibilidades de
uma certa equilibração. Muito carênciada afectivamente e com grande propensão
para amor possessivo e absorvente. Atitudes e palavras estereotipadas. Possui um
vocabulário bastante rico, se tivermos em conta o seu reduzido desenvolvimento
pisco-motor e intelectual. Criança hiper-sensível e de actividade psíquica intensa ( a
nível de psicotismo e narcisismo primitivo ). Instintos de destruição muito
desenvolvidos. Dificuldades de visão handicap ao processo de educação sensóriomotor e psíquica.
Dificuldades de compreensão e associação. Muito nervosa e agressiva.
Excita-se facilmente. Tendência à depressão e com grandes crises de angústia
( tendência endógena à depressão ). Colaborante e sociável desde que tenha
confiança nas pessoas. Vive presentemente ressentimentos contra pessoas da
escola (15-10-77).
CARIÓTIPO de F.E. : Cultura de linfócitos: cariótipo... 47,xx,+2
como é próprio do Síndroma de Down
Cariótipo: No cariótipo humano normal existem 46 cromossomas:- 22 pares de
cromossomas não sexuais ( autossomas ) e um par de cromossomas sexuais ou gonossomas ( XY
no homem e XX na mulher ). Desde há alguns anos, graças ao estudo do cariótipo, tem-se feito o
diagnóstico de algumas das afecções ainda durante a vida fetal, consistindo tal numa punção
amniótica.
Quando chegou: F.E. não sabia fazer nada, excepto brincar às mães.
Agarrava em almofadas, que imaginava serem suas filhas, ralhava-lhes e batia-lhes.
/ Não sabia as côres, nem conseguia pintar dentro dos limites. / Não gostava de
desenhar nem de fazer os trabalhos dizendo sempre que tinha preguiça e que
estava cansada, mas se, por acaso, terminava alguma coisa queria logo ir mostrar a
todas as pessoas. / Habituou-se de tal modo a isso que, por fim, já estava ansiosa
por terminar os trabalhos só para andar fora da sala. / Não gostava de jogos
(brincaprego, mosaico, legos, etc.) / Gostava muito de lavar roupa. Era muito limpa e
arrumada. / Esta maneira de ser, já viria de casa, porque um dia a mãe disse que a
F.E. chegava a casa e tirava a roupa que trazia, arrumava-a muito direita e punha
outra mais usada. / Comia bem à mesa de faca e garfo. / Gostava muito de atenções
sobre ela, tanto que sentia dificuldade em ir ter com as restantes crianças, pois
queria a professora sempre junto dela. / Como vinha habituada a andar à vontade
não queria estar dentro da sala muito tempo.
Dizia muitas asneiras e mal acabava de as repetir perguntava se era
pecado. / Não se entretinha sozinha. Era necessário uma pessoa por conta dela. /
139
Falava muito e gostava de cantar. / Não raras vezes, de repente e a meio da aula,
começava a cantar alto.
Momento actual: Presentemente é uma criança que já conhece as côres que
tem a lateralidade relativamente definida e o próprio esquema corporal está melhor
estruturado. / Já faz os seus trabalhos de sensorial e de escolaridade sem objecções
e quando se manda fazer um desenho já o executa, embora só faça casas, pessoas
e nuvens. Também já não diz tantas asneiras.
Quando a execução dos trabalhos já não é necessário estar junto dela,
porque já os faz sozinha. Aprendeu as vogais, as palavras pá, pé, pai e os
algarismos até 20. Faz a junção de algumas vogais com as consoantes. Já gosta de
jogos (principalmente brincaprego) e gosta muito de fazer malha (cordão, liga e
tricot). / Continua a ser muito limpa e arrumada, chegando a zangar-se com os
colegas se eles não deixam a sala no seu devido lugar. / Também se enerva muito
menos mas, quando isso acontece, fala muito, pisca muito os olhos e até gagueja.
Atingiu um óptimo nível de socialização, um bom desenvolvimento de compreensão
e revela motivações em tudo o que faz.
Nome: F.L. ( II )
I - ANTECEDENTES FAMILIARES: Na família do pai: um sobrinho atrasado
mental. / Na família da mãe: um epiléptico (uma irmã da mãe)
II- ANTECEDENTES PESSOAIS: Aos 3 meses de gestação: corrimento de parto / Nasceu
com auxílio de ventosa e o parto foi difícil. / Coloração da pele roxa / Idade do pai e da mãe quando a
criança nasceu 35 anos. / 0 pai desejou a criança na esperança de ser um rapaz / Grupo sanguíneo
do pai: B.
III- ANTECEDENTES DA CRIANÇA: Começou a falar aos 3 anos / Os
primeiros dentes aos 3 anos / Parto difícil e com ventosa / Começou a andar aos 4
anos / Profissão do pai: ( pensão de invalidez ) / Profissão da mãe: comerciante. /
Irmãos: 2 raparigas / Idades dos irmãos: 19 e 15 anos / Doenças dos pais: nada de
grave. / É vigiada pelos médicos / Come de tudo / Não se veste sozinha / Controle
dos esfíncter - 6/7 anos / Mal de Pott com 2,5 anos.
IV- DADOS DA ANAMNÉSE: A mãe desejava um menino / Foi aconselhada aos 3 meses
de gestação a usar cinta e a evitar esforços. Muito nervosa. / Entende-se bem com o marido. / A
parteira pensou que a criança tinha possibilidades de nascer em casa mas, passado algumas horas,
teve de ir para o hospital. I Permaneceu ai durante 3 semanas com a criança devido a uma flebite da
mãe I Rotura das águas: na altura do parto I Alimentação ao peito nos 2 primeiros meses I Ao meio
ano; caldos de carne, legumes passados tosta em água fervida, farinhas lácteas etc. I Dos 3 aos 6
anos esteve hospitalizada, com esticadores porque tinha 3 elos inter-vertebrais destruídos. I
Começou a andar aos 4 anos. Boa harmonia entre o casal.
V- DIAGNÓSTICO: a) Teste de lateralidade em (19-6-78): Martelar: (D) Afiar
um lápis com afiador: (D) / Escrever: (D) / Apagar com a borracha: (D) I Atirar uma
bola: (D) I Acender um fósforo: (D) I Escovar os sapatos: (D) I Cortar papel com a
tesoura: (D) I Afiar um pau com uma faca: (D) I Comer com a colher: (E) I Distribuir
folhas de papel: (D) I Folhear um caderno: (D) / saltar para agarrar uma coisa alta:
(D) Predominância ocular: Óculo (E) Buraco da fechadura (E) / Predominância do
pé: dar um pontapé na bola (D).
b) Coordenação motora: Não possui lateralidade. Não tem noções nem de
cores, nem de dimensões, nem de formas. Orientação e noção de tempo: deficiente.
Tem dominância da mão direita. Coordenação óculo-manual: normal.
Encontra-se na fase do rabisco sem lhe atribuir significado.
140
c) Observação psicológica em (28-1-77): idade 7,1 anos. Criança
mongolóide, com dificuldades psicomotoras, grande atraso de linguagem. É muito
difícil de se perceber o que diz. Estabelece bom contacto e obedece a ordens
simples. Desenha apenas garatujas.
Conclusão: Criança que se situa ao nível dos dois anos, tendo certas,
possibilidades de aprendizagem apenas numa classe sensorial.
Cariótipo:Resultado: Cultura de linfócitos: Cariótipo ... 47,xx,+21 I Como é
próprio do Síndroma de Down.
d) Ficha pediátrica (segundo, o médico) : Estado geral: regular / Visão
cromática: não conhece nenhuma côr I Estrabismo: ligeiro I Ouvidos: normal /
Fossas nasais: normal I Boca e dentes: normal I Tórax: normal I Aparelho
respiratório: normal I Aparelho cardio-vascular: normal Abdómen : normal I espinha
bífida I Teve mal de Pott aos 2 anos e meio. I Membros: caminha com muito
desequilíbrio.
No final do ano lectivo 77 / 78 o seu desenvolvimento era:
1- Desenvolvimento físico: grandes problemas motores e de saúde, em geral
débil; é cardíaca.
2-Desenvolvimento psico-motor: muitas dificuldades e sem percepção
espaço-temporal.
3-Desenvolvimento intelectual: Possui, embora limitada capacidade de
compreensão e assimilação de experiências; algum poder de concentração.
4-Desenvolvimento afectivo-social: Muito afectiva, mas, por vezes muito
agressiva.
5-Em relação aos trabalhos escolares: Para que execute algo estimulada
tem que ser muito estimulada.
QUANDO CHEGOU: Tratava-se de uma criança dependente, com,
problemas múltiplos e de ordem varia, não só
intelectuais, mas, também,
sensoriais: de voz, palavra e linguagem: físicos e psico-motores. Os sons eram
incompreensíveis. Não possuía hábitos de higiene. Não se vestia nem comia
sozinha. Estava sempre com a língua de fora, babava-se, não subia nem descia as
escadas sozinha, equilibrava-se mal e não obedecia às ordens mais elementares.
Era muito instável, passando de estados de letargia para os de agressividade.
Derrubava cadeiras, mesas, etc. e batia em todas as outras crianças.
MOMENTO ACTUAL: 15-6-80 / Melhorou a articulação e já estrutura frases.
Move-se sozinha, corre, sobe e desce as escadas sem ajuda. Aceita e é bem aceite
pelo grupo. Veste-se e come sozinha / É independente na casa de banho.
Permanece na fase, da garatuja. Adquiriu conhecimento do corpo e espaço. Constrói
e modifica. Presentemente distingue os lados do corpo, embora ignore o que seja
direito ou esquerdo, participa nos jogos e estabelece relações com colegas e
adultos.
Nome: J.J. ( III )
I-ANTECEDENTES FAMILIARES: Não tem familiares com doenças
nervosas. No entanto o avô da criança era alcoólico. Além disso tem familiares
tuberculosos.
II- ANTECEDENTES PESSOAIS E FAMILIARES: Algumas dificuldades nos
primeiros meses de gestação. Quando J.J. nasceu o pai tinha 56 anos e a mãe 41. /
141
Nasceu com icterícia e com os intestinos muito elevados / a cabeça trazia um
arranhão e uma saliência que a mãe supõe ter sido as enfermeiras que o deixaram
cair / pesava 2,800 Kg / tinha dificuldades na respiração / a mãe ficou 8 dias no
hospital e o J.J. duas semanas / tomou biberão até aos 8 meses era muito preso dos
intestinos e tomava muitos supositórios. A partir dos 6 meses deu-lhe leite com
Maizena, Cerelac e sumos de frutos / Só começou a comer sopa aos 2 anos / Iniciou
a marcha aos 5 anos, depois de ter feito tratamento a base de massagens. Primeiras
palavras: depois dos dois anos / Sofre de enurese nocturna. Teve uma pneumonia e
duas enterites.
III- DADOS DA ANAMNÉSE: A mãe não teve mais nenhuma gravidez I Teve
assistência medica só nos últimos meses I Não fez exames de laboratório I Durante
a gravidez, sentiu-se nervosa devido a problemas com o pai de J.J. I Não é casada
com o pai de J.J. e este tem outros filhos todos perfeitos I Nasceu no hospital I Parto
espontâneo, mas difícil I Rotura da bolsa das águas 7 horas antes do parto I
Juntamente com a água veio sangue / 0 pai de J.J. é diabético.
IV- DIAGNÓSTICO: a) Teste de lateralidade em 29-6-78: Martelar: (D) /
Afiar um lápis com afiador: (D) / Escrever: (D) I Apagar com a borracha: (E) I Atirar
uma bola: (D) I Acender um fósforo: (D) I Escovar os sapatos: (D) I Cortar papel com
a tesoura: (D) I Afiar um pau com uma faca: (D) I Comer com a colher: (D) I Folhear
um caderno: (D) I Saltar para agarrar uma coisa alta: (D). Predominância ocular:
óculo (E) I Buraco da fechadura (E).
b) Coordenação motora: Esquema corporal: fraco I Não consegue
concentrar-se no trabalho por muito tempo / Imita muito por gestos. Gosta muito de
usar uma vassoura para varrer. Brinca com “legos” sem construir nada. Só faz
garatujas. Começou a interessar-se pelo recorte, mas tem, certas dificuldades I
Grandes problemas de lateralização.
c) Observação psicológica: Apenas, imita sons sem distinção verbal I Sem o
mínimo sintoma de raciocínio intelectual I Apenas existem traços de comportamento
operatório (via reflexos) I Embora ouça não foi possível realizar com ele prova de
espécie alguma (psicológica) Comportamento: muito nervoso I Grandes problemas
e dificuldades a nível sensório-motor, bem como problemas de lateralização.
d) Cariótipo (13-2-79); Resultado: Cultura de linfócitos: cariótipo... 47, xy,+21
Resultado dos exames radiográficos (6-12-78): As imagens de face e de
perfil do crânio não mostram sinais radiográficos de valor significativo.
e) Ficha pediátrica: Higiene pessoal: Boa I Estrabismo I Audição: normal /
Fossas nasais: tapadas I Orofaringe-amigdalites I Fonação: deficiente / Boca e
dentes: mau estado I Tórax: normal I Aparelho respiratório: normal I Aparelho cardiovascular: normal / Abdómen normal I Coluna vertebral: normal I Apreciação global:
razoável.
V - MOMENTO ACTUAL (15-6-79). Evoluiu um pouco no aspecto intelectual.
No início do ano não se interessava por nenhuma actividade. Entretinha-se com
jogos, mas não os concretizava. No aspecto higiénico era muito limpo. Retrocedeu
pois passava a ir aos pratos buscar a comida com as mãos. É muito sociável
especialmente com os adultos. Começa a ter noção de espaço e de tempo.
Começou a interessar-se pelo recorte mas não tem destreza manual, nem
coordenação de gestos. Alargou o seu vocabulário, integra-se, nos grupos de
trabalho sensorio-motor, participa nos recreios gosta, imenso da música.
142
Nome: P.J. ( IV )
I- ANTECEDENTES FAMILIARES: Pai alcoólico. Mãe nervosa e inválida da
coluna. A mãe sofre da cabeça e de colite.
II- ANTECEDENTES PESSOAIS: Quando nasceu o pai tinha 37 anos e a
mãe 35. Os irmãos do marido morreram tuberculosos I Pais com bronquite I 0 pai da
mãe era alcoólico I A mãe é muito doente da coluna, bexiga. / É muito nervosa e
sofre da cabeça I Desejava a vinda do filho / Já tinha abortado com 5 meses.
III- ANTECEDENTES DA CRIANÇA: Começou a falar com 3 anos de idade I
Roxo à nascença / Começou a andar com 15 meses I Profissão do pai: pescador I
profissão da mãe: ( inválida ) I Irmãos: 3 rapazes e uma rapariga, um com 22, 21 e
19 ; a rapariga com 16. Alimentação: come de tudo. Não gosta de leite. Gosta muito
de pão e come muito I Come por sua mão I Veste-se sozinho mas, as vezes, veste
mais que uma camisola I Teve sarampo I Deita-se tarde porque gosta de ver a
televisão e ver cenas de tiros I Obedece muito a um irmão que tem 19 anos.
IV- DADOS DA ANAMNÉSE: Durante a gravidez deste filho, a mãe tornou
medicamentos receitados pela médica ( injecções, cápsulas, etc.) I Teve assistência
médica I Teve o filho na Maternidade do Bairro I Era nervosa e desmaiava muito I
Tinha arrelias com o marido I Rotura das águas 2 dias antes do parto I Nasceu roxo
e não abria os olhos I Mamou ao peito até aos 5 meses I Começou a comer sopas
com um ano de idade I A criança sofre de bronquite e tem sopro no coração I Iniciou
a marcha aos 15 meses. Iniciou a linguagem cerca dos 3 anos de idade I Sofre de
enuróse nocturna I É criança bem aceite pelos irmãos (que o adoram) I Gosta de
brincar com amigos, mas estes « judiam-no ».
V- AMBIENTE SÓCIO-CULTURAL E ECONÓMICO: Profissão do pai:
pescador I Profissão da mãe: inválida / Nº de filhos: 4. A casa tem 3 quartos 2 salas,
1 cozinha e 1 quarto de banho I Na casa habitam 6 pessoas.
VI- PSICODIAGNÓTICO: Subdesenvolvimento e atrofiamento a todos os
níveis: nível de compreensão, lateralização, raciocínio e linguagem I Nível sensoriomotor: muito baixo.
a) Teste de lateralidade: Martelar: (D) I Afiar um lápis com afiador: (D) I
Escrever: (D) / Apagar coma borracha: (D) I Atirar uma bola: (D) I Acender um
fósforo: (D) I Escovar os sapatos. (D) / Cortar papel com a tesoura: (D) I Afiar um
pau com uma faca:(D) I Comer com a colher: (D) I Distribuir folhas de papel: (D) I
Folhear um caderno: (D) I Saltar para agarrar uma coisa alta: (D).
Predominância ocular: óculo; (D) I Buraco da fechadura: (D) I Dar um
pontapé na bola: (D) I Pé que chuta mais alto: (D).
b) Coordenação motora: Tem fraca aquisição de esquema corporal. Quanto
à aquisição do esquema espacial e temporal este é negativo I Tem dificuldades no
recorte.
c) Observação psicológica (28-1-77) / idade, 6,1 / Comportamento: Criança
muito expressiva, revelando um bom contacto afectivo, vivo e interessado. Algo
instável. Desenho a nível de garatuja. Obedece a ordens simples I Enfiada de contas
a nível dos 3 anos I Compreende os objectos pelo uso.
d) Cariótipo: em 7-2-79 Resultado: Cultura de linfócitos: Cariótipo...
47, xy,+21.
Resultado dos exames radiográficos em 6-12-78: Não se observam
alterações esqueléticas ao nível da calote craniana. / Sela turca de aspecto normal.
e) Ficha pediátrica: Sarampo / Higiene pessoal: razoável I Estado geral:
143
razoável / Visão cromática: não conhece as côres I Audição. normal I Fossas nasais:
dificuldade na respiração I Orofaringe: normal I Fonação: voz, viciada I Boca e
dentes: carie I Tórax: normal I Aparelho respiratório: normal I Aparelho cardiovascular: sopro I Abdómen: normal I Órgãos genitais externos: normal I Coluna
vertebral: normal I Membros: Normais I Apreciação global: boa.
VII- MOMENTO ACTUAL (15-7-79): Esquema corporal bem lateralizado.
Noção do espaço e do tempo. Interessa-se por todas as actividades. Melhorou
bastante a sua linguagem. Consegue distinguir as crianças super-protegidas.
Articula mal mas faz-se compreender. Toma iniciativas e participa em todos os jogos
e actividades de uma classe sensorial. Gosta dos trabalhos manuais. Tem bom
ouvido musical e memoriza facilmente as canções.
***
No início da nossa intervenção psicopedagógica contentamo-nos com
integrar as crianças, individualmente, em grupos de terapia, ou seja, com crianças
reveladores de outras anomalias: autistas, paralisias parciais, atrasos psicológicos
por subnutrição, subdesenvolvimento por bloqueamentos ou carências afectivas,
crianças agressivas, destruidoras, apáticas etc.. Dentro de algumas semanas demonos conta de que, se uma tal metodologia era positiva para algumas, para outras, no
entanto, revelava-se extremamente inútil. Os mongolóides não reagiram a quase
nenhuma espécie de estímulo.
Esta metodologia, "esteriotipada", revelou-se ineficaz, senão contraproducente. Os educandos, além de não co-participarem nas sessões, sentiam-se
marginalizados. Era necessário uma metodologia adequada a cada uma destas
crianças; uma metodologia específica para cada criança e que tivesse em conta as
suas deficiências, carências e grau de desenvolvimento.
Uma tinha mais
necessidade de obtenção de equilíbrio físico; uma outra de desenvolvimento do seu
nível de compreensão; uma terceira de desenvolvimento do seu potencial de relação
e uma quarta com necessidade de exploração progressiva de todas as funções do
seu corpo.
Da observação sucessiva e análise constante depreendeu-se a existência de
múltiplo fenómeno de progressão-regressão As teorias gerais da Psicologia Clínica
revelaram-se insuficientes. Manifestou-se, de urgência imediata, a necessidade de
uma intervenção terapêutica individualizada que desse ao educando consciência do
seu próprio corpo. A introdução da técnica terapêutica "A Consciência pelo
Movimento" passou, mutatis mutandis, a ser um denominador comum.
A interiorização do esquema corporal, o sentido do espaço e da duração
apareceram progressivamente e transformaram-se em força centrípeta de novas
aquisições; a apatia foi parcialmente eliminada; a melancolia de alguns deixou de
ser tão acentuada; certas atitudes depressivas, devido a percepção interior do
próprio corpo, desapareceram; a elasticidade muscular desenvolveu-se e um maior
poder de aquisição de conhecimento manuais, de vocabulário e relacionais apareceu incontestado. A interacção: Corpo-Cérebro apareceu como uma realidade evidente, embora a sua estrutura e funcionamento não o apareça tanto.
0 ser humano é uma unidade funcional. A descoberta das complexas
interdependências do corpo-cérebro é uma nova maneira de viver e de repensar o
Homem. Traumatismos, lesões ou choques provocam funcionamento assimétrico
dos hemisférios cerebrais.
A recuperação, no início fragmentária e em seguida harmoniosa, apareceu
144
como um dado obtido. Nem na segunda fase a progressão aumentou. Paciência,
Confiança, Constância e persistência foram as atitudes fundamentais de uma tal
intervenção psicoterapêutica. As atitudes relacionais não agitaram menos o
desenvolvimento dos educandos que as intervenções técnicas.
A imobilidade funcional tornou-se sensível. As técnicas tradicionais de
recuperação tinham-se esgotado e as intervenções circunstanciadas passaram a ser
regidas por certas intuições terapêuticas.
As acções pedagógicas, terapêuticas e psicológicas realizadas podem resumir-se em:
a) Exercício de motricidade e preparação manual; orientação no espaço;
aquisição e aperfeiçoamento de vocabulário; exercícios de audição, visão e de
observação.
b) Estimulação sensorial e perceptivo-motor generalizada.
c) Aquisição de conhecimentos de lateralização, sensorial, motor, espacial,
temporal e conhecimentos de côres.
d)Exercícios de desenvolvimento psicomotor: de lateralização de esquema
corporal, de coordenação visual-motora e de organização espaço-temporal.
e) Exercícios de apreensão, locomoção e estimulação.
f) Exercícios de picagem, recorte e colagem.
g) Educação ao silêncio como meio de consciencialização e interiorização do
esquema corporal.
h) Exercícios de apreensão de formas.
i) Despertar o desejo de curiosidade e novos centros de interesse.
j) Actividade grupais como meio de estimulação sensorial, cognitiva e perceptivo-motora.
l) Intervenção da criança na descoberta, conhecimento e construção do meio
físico e social.
m) Exercícios de feed-back ambiencial.
n) Ajudar a criança a adquirir um equilíbrio afectivo.
o) Técnicas para o desenvolvimento dos centros próprioceptivos.
p) Exercícios de desenvolvimento e aperfeiçoamento da voz, da palavra e da
linguagem.
q) Exercícios de relaxamento (treino autógeno).
r) Intensificação da actividade psíquica através da retenção de lusitórias
adequadas ao seu desenvolvimento intelectual.
s) Psicoterapia grupal com o intuito de alcançarem mais segurança e
confiança em si próprios.
t) Logoterapia, musicoterapia, ludoterapia e actividades lúdicas organizadas.
A intensificação do conjunto das técnicas e actividades lúdicas continuaram.
Os seus resultados globais foram avaliados através da seguinte escala.
ESCALA DE AVALIAÇÃO
1- MOTRICIDADE
A – DOMÍNIO MOTOR
Rítmo físico...........................................................................................
Equilíbrio...............................................................................................
145
Coordenação Óculo-manual...............................................................
Movimentos amplos.............................................................................
Movimentos finos.................................................................................
Coordenação motora...........................................................................
Coordenação visual.............................................................................
B – DOMÍNIO PSICOMOTOR
Esquema corporal................................................................................
Lateralidade..........................................................................................
Organização espaço-temporal.............................................................
Expressão corporal...............................................................................
Capacidade de utilização do material...................................................
2 - DOMÍNIO AFECTIVO
Relação aluno / aluno............................................................................
Relação aluno / professor:
- Instabilidade........................................................................................
- Insegurança.........................................................................................
- Dependência........................................................................................
- Agressividade......................................................................................
- Turbulência..........................................................................................
- Apatia...................................................................................................
- Autonomia.............................................................................................
3 – DOMÍNIO MOTIVACIONAL
EM RELAÇÃO AOS TRABALHOS ESCOLARES
Participação na aula...............................................................................
Trabalho individual..................................................................................
Participação no trabalho de grupo..........................................................
Capacidade de aprendizagem................................................................
Aquisição de conhecimentos...................................................................
Concentração..........................................................................................
Reacção a situações novas....................................................................
EM RELAÇÃO À VIDA QUOTIDIANA
Pontualidade...........................................................................................
Disciplina.................................................................................................
Ordem......................................................................................................
Habilidade................................................................................................
Colaboração............................................................................................
Dispersão................................................................................................
Higiene....................................................................................................
146
4 – DOMÍNIO PSICOLÓGICO
Nível de compreensão............................................................................
Nível de aquisição..................................................................................
Nível de aplicação..................................................................................
Nível de atenção.....................................................................................
Exemplificação........................................................................................
Distinção.................................................................................................
Identificação............................................................................................
Reprodução.............................................................................................
Explicação...............................................................................................
5 – DOMÍNIO VERBAL
Nível de compreensão............................................................................
Nível de expressão.................................................................................
Nível de articulação das palavras...........................................................
Nível de estruturação das frases............................................................
Riqueza de vocabulário..........................................................................
Aquisição de vocabulário........................................................................
Nível criativo global.................................................................................
Criatividade de ideias..............................................................................
Originalidade...........................................................................................
Leitura.....................................................................................................
Escrita......................................................................................................
6 – DOMÍNIO INTELECTUAL
Capacidade de compreensão................................................................
Capacidade de assimilação....................................................................
Capacidade de resolução de situações novas.......................................
Capacidade de adaptação a situações novas.......................................
Capacidade de atenção.........................................................................
Capacidade de raciocínio......................................................................
Capacidade de memorização................................................................
Capacidade de realização de operações concretas..............................
Capacidade de realização de operações formais..................................
7 – DOMÍNIO SOCIAL
A – ATITUDES INDIVIDUAIS
Timidez...................................................................................................
Inibição...................................................................................................
Isolamento...............................................................................................
147
Oposição.................................................................................................
Passividade..............................................................................................
Autonomia................................................................................................
Simulação................................................................................................
Individualismo..........................................................................................
Mentira.....................................................................................................
Fuga.........................................................................................................
Furto.........................................................................................................
B – ATITUDES GERAIS
Aceitação dos colegas.............................................................................
Rejeição dos colegas...............................................................................
Liderança..................................................................................................
Submissão................................................................................................
Observações Gerais e Específicas
II – DISFUNÇÕES NOS PROCESSOS NEUROCEREBRAIS
Apesar das anteriores mutações, erros e malformações genéticas, as células
não conseguem corrigir, orientar em determinadas direcções, modificar a
arquitectura esboçada pelo código genético ou transformar a estrutura de seu
sistema numa de qualidade muito diferente, apesar das dinâmicas das células
produzirem diferentes tipos de mensagens, traduzirem apenas alguns fragmentos
dos gènes e executarem apenas algumas instruções dos cromossomas. No caso
dos acentuados erros genéticos, malformações cromossómicas, deteriorizações
celulares ou acentuadas lesões neurocerebrais o potencial modificador da acção ou
das acções estimuladoras ou modificadoras do meio permanecem de valor relativo,
embora de capital e necessária importância e necessidade, não só para
desenvolvimento das dimensões positivas do indivíduo, mas, também, para
desabrochamento da totalidade do seu potencial desenvolvimento, equilíbrio e
harmonia. Isto porque é função das células adaptar o indivíduo aos mais variados
meios, preservar o seu estado de equilíbrio e coordenar as suas actividades com as
células vizinhas, orientando, instruindo e coordenando os órgãos no cumprimento e
execução das suas funções, as quais encontram-se subordinadas à lógica e
dinâmica do organismo, à sua potencialidade, individualidade e finalidade.
É que, se por um lado, o programa do código genético de um indivíduo
prescreve-lhe as divisões celulares e impõe-lhe um limite, por outro lado, é através
da intervenção de receptores específicos existentes na superfície das células que
estas recebem sinais, estímulos, vibrações e comunicações que, por sua vez,
activam ou desactivam, harmonizam ou desarmonizam, ordenam ou anarquizam a
vida das moléculas e das células. É que, como afirmou François Jacob ( 1970 ):
« quer a lesão principie no núcleo ou no citoplasma, quer seja consequência de uma
mutação somática, da presença de um vírus ou da alteração de um circuito, tudo que
impede a recepção de um sinal pode subtrair uma célula à lei da comunidade ».
De todo esse vasto e complexo conjunto de lesões, alterações,
malformações ou mutações possíveis de existência na natureza e dinâmica
biocelular de um ser humano elas merecem cuidada análise não só a partir da sua
própria existência embrionária mas até muito antes de uma tal existência através da
saúde de seus possíveis progenitores.
148
É que muitas das malformações humanas são geradas nos tecidos do
embrião e do feto humano através de infecções como sucede, por exemplo, com os
efeitos fetais do síndroma da rubéola e cujos efeitos sobre o desenvolvimento do
feto, persistindo no desenvolvimento e acção do indivíduo, podem ser não só de
natureza fisiológica, mas, também, psíquica e mental. Isto porque a nível de efeitos
das embriopatias rubeólicas tem-se encontrado cataratas, malformações oculares,
lesão da íris; surdez, malformações auditivas e malformações cardíacas a nível
fisiológico. A nível neurocerebral, agnosias no corpo caloso, anencefalias,
hidrocefalias, lesões do sistema nervoso e malformações neurológicas que podem
ser causa de deficiências mentais e que vão da simples debilidade à oligofrenia ou
provocar movimentos atetósicos, páraplegia espamódica, comicialidade, etc. .
Face a certo tipo de lesões, malformações e patologias, a força e vitalidade
das células é incapaz de modificar as condicionantes dos gènes tanto a nível do
aparelho locomotor como dos órgãos dos sentidos ou do sistema nervoso, visto os
gènes da estrutura do indivíduo não só produzirem, mas, também, expandirem os
seus efeitos sobre os estímulos nervosos ou simplesmente não propagarem
estímulos alguns dos órgãos no cérebro ou no comportamento do indivíduo em
geral.
Muitos dos comportamentos anteriores são, não raras vezes, efeitos de
infecções do sistema nervoso central como sucede, por exemplo, com os efeitos das
encefalites e das meningites.
Ora, sendo os prognósticos das encefalites imprevisíveis, todos os níveis
intermediários são possíveis, isto é, níveis entre cura sem sequelas e uma lesão
grave das funções cerebrais ou mesmo a própria morte.
A encefalite é uma inflamação difusa do cérebro que ocorre muitas vezes em
crianças submetidas a tratamentos que diminuem as defesas contra a infecção e
seus efeitos são febre, convulsões, paralisias, perturbações da consciência, coma
mais ou menos profundo, etc., e cujos efeitos podem ser fatais para a manutenção
das funções vitais do indivíduo. A real e verdadeira terapêutica das encefalites
permanece, infelizmente, ainda hoje, por descobrir.
Bastante diferente do quadro e prognóstico das encefalites aparecem-nos as
meningites as quais, sendo lesões inflamatórias dos invólucros do cérebro, isto é,
das meninges, embora o seu diagnóstico seja ainda muito delicado, a existência dos
antibióticos têm mitigado o aparecimento de seus dramáticos efeitos, os quais são,
de uma forma geral, défices sensoriais, atrasos psicomotores, hidrocefalias, lesões
neurológicas ocasionadas, a maioria das vezes, em crianças de peito e recémnascidos, visto em crianças mais crescidas, adolescentes ou adultos o diagnóstico
ser mais fácil de efectuar devido à fácil constatação dos seus sintomas como sejam,
dôres de cabeça, vómitos, rigidez dolorosa na nuca e tudo acompanhado de febre.
Quando diagnosticadas a tempo e horas é possível o seu tratamento total.
Apesar disso, no entanto, muitos dos défices a nível de activação e
vitalidade neurocerebral podem ser desencadeados por distúrbios, perturbações ou
deficiências a nível dos órgãos dos sentidos nos quais se encontram inúmeros tipos
de receptores sensitivos nomeadamente na pele em geral, no tacto, na visão, na
audição, no olfacto e no paladar, e cujas lesões, perdas, disfunções ou
deteriorações podem ser efectuadas por acidentes do exterior ou por consequências
de traumatismos cranianos, visto lesões dos nervos cranianos correspondentes às
áreas em que um sentido se encontra dependente afectará automaticamente o bom
funcionamento do mesmo, gerará falta de sensibilidade ou mesmo inutilização do
sentido.
149
E a integridade dos órgãos dos sentidos é de capital e de integradora
importância para a interactividade e dinamização dos potenciais neurocerebrais. Isto
porque os sentidos são receptores das possíveis comunicações dos meios e
ambientes do exterior ao indivíduo, as quais, interrelacionadas com órgãos de
sensibilidades passam através dos nervos para a espinhal medula, daí para o tálamo
e, de seguida, para o córtex sensorial onde as sensações são conciliadas e,
seguidamente, interpretadas pela acção do próprio córtex cerebral, o qual, por sua
vez, reenvia suas leituras e interpretações, ordens e instruções aos sentidos,
membros e órgãos para sua execução, quer esta seja interior ou exterior, individual
ou social, emocional ou afectiva, mental ou intelectual ou na sua mais conatural
forma de hipercomplexidade inter e retroactiva propulsora de novos estímulos e
motivações, sensações e mudanças.
Os potenciais destes conjuntos de novos estímulos e sensibilidades,
motivações e envolvências em processos de desenvolvimentos, de novas aquisições
e aprendizagens interdependerão, no entanto, não da pertença a esta ou aquela
raça humana mas sim do desenvolvimento equilibrado e estimulador do cérebro, de
suas integradas e restruturadoras conexões com os sentidos e órgãos dos sentidos,
do seu nível de maturação neurocerebral, das adesões e envolvências desta nos
meios, dos estímulos escolares, motivações socioprofissionais dos meios, nível de
expectativas dos indivíduos e do auto-conceito individual bem como das estruturas e
dinâmicas socioeducativas dos sistemas educacionais as quais podem ser umas
mais compensatórias e humanas, flexivas e maleáveis que outras, características
essenciais, apesar de outras, à elevação e desenvolvimento do quociente intelectual
dos indivíduos bem como ao seu potencial de socialização e integração. Isto porque
o desenvolvimento das capacidades superiores do ser humano efectua-se por
níveis, e, um déficit numa capacidade inferior implica défices em suas capacidades
superiores, embora os desenvolvimentos das capacidades inferiores exijam menos
informação que o desenvolvimento das capacidades superiores, e isto apesar das
capacidades inferiores serem geradoras de informação, reforço e estímulo ao
desenvolvimento das capacidades superiores. Daí a intrínseca necessidade de um
harmonioso e estimulado desenvolvimento da ontogénese em sentido biopsicológico, isto é, do organismo do ser humano desde a sua embriogénese até à morte
pois a estrutura e dinâmica genofenotípica, em função de seus estímulos, atitudes e
reacções gera suas diversidades de adaptação, socialização e integração, cria e
desenvolve potenciais de desenvolvimento e de diferenças individuais, tanto a nível
de inter-relações como de interpessoalidade, tanto de eficiência como de
rentabilidade, emanando de tais factos a afirmação de que uma das maiores
injustiças humanas é a de convencer os homens que nasceram todos iguais.
Esta complexa origem das diferenças iniciais dos indivíduos resulta não só
de sua estrutura genotípica mas também, e, sobretudo dos caracteres fenotípicos
de cada um, das diferenças dos meios, das condições de vida, dos condicionalismos
ambientais, bem como da concretização e expansão da força e vitalidade
psicoemocionais de cada um.
Um tal conjunto de constatações torna-se verificável quando se analisam
indivíduos com iguais ou idênticas lesões cerebrais e cujos efeitos comportamentais,
relacionais e interpessoais são diferentes.
Apesar disso, no entanto, estudos de cartografia cerebral revelam, não raras
vezes, a existência de disfunções cerebrais sem observáveis lesões neurocerebrais.
Estes estudos, no entanto, mais a nível de áreas globais do cérebro que a nível de
campos ou lugares específicos não contemplam as experiências, culturas e meios
150
dos indivíduos nem as dimensões, reais ou potenciais, da sua corporeidade,
motricidade, emotividade, afectividade, cognição ou intelectualidade, dimensões que
arquitectam, estruturam, organizam ou desorganizam, estimulam ou inibem os
enormes potenciais de auto-plasticidade, flexibilidade e maleabilidade do cérebro do
indivíduo. E isto apesar dos enormes e inigualáveis progressos no âmbito da
tecnologia cerebral como sejam, por exemplo, a tomografia axial computadorizada
( TAC ), a técnica da imagem por ressonância magnética ( IRM ) e a tomografia por
emissão de positrões ( TEP ).
Um dos objectivos essenciais de tais técnicas é a obtenção de imagens
promenorizadas do cérebro humano vivo, localizando ou identificando a maioria dos
tipos de lesões cerebrais existentes num paciente, as quais podem ser e são, na
maioria dos casos, causas essenciais de certos tipos de disfunções cerebrais, de
dificuldades na aprendizagem e de alterações ou perturbações comportamentais as
quais podem ser tanto de natureza inata como adquirida.
Ora, tendo o termo disfunção sido aplicado de um modo geral em relação às
funções cerebrais para designar a existência de um certo tipo de distúrbios ou
perturbações na aprendizagem, apresenta-se, mais do que óbvio, hoje em dia, que
muitas de tais perturbações ou dificuldades podem ser causadas por razões de
natureza emocional, afectiva, social, ambiental e cultural e não por anormalidades
neurológicas, apesar de tais distúrbios, perturbações e dificuldades apresentarem-se
como obstáculos ou barreiras aos potenciais desenvolvimentos cognitivos e
intelectuais de uma criança, jovem ou adulto desde que não sejam tratados em seu
devido tempo, com os meios e terapias adequados e eficientes, visto o desinteresse
ou abandono de tais situações fazer com que os indivíduos permaneçam
bloqueados, distorcidos ou subdesenvolvidos a nível de suas potenciais funções
corticais e subcorticais, límbicas, talámicas ou hipotalámicas.
No entanto, apresentando-se as disfunções cognitivas, relacionais e
comportamentais com as mais diversificadas manifestações e sintomas, elas são
causadas, globalmente, por factores neurobiológicas, sensoriais, psicocomportamentais, emocionais, afectivos, sociais, culturais e pedagógico-educativos.
Um tal vasto e complexo conjunto de causas de disfunções, causas que
podem ser exógenas ou endógenas, podem conduzir a efeitos negativos de nível
mínimo, médio ou profundo. Pode dizer-se, no entanto, de uma forma geral, que os
efeitos de nível médio são causados, geralmente, por lesões cerebrais e os de nível
profundo por malformações congénitas ou graves lesões a nível do sistema nervoso
central.
Com efeito, sendo necessidade essencial da harmoniosa funcionalidade do
cérebro humano a existência de uma faseada maturação orgânica, de uma
harmoniosa interconexão entre todas as suas partes neurocerebrais, com
necessidade de desenvolvimento motor, sensorial, anímico-vital, emocional, psíquico
e afectivo, défices em tais domínios podem desencadear numa criança distúrbios,
perturbações ou dificuldades não só a nível da aprendizagem mas também de
desenvolvimento, de comportamento e de relação, dificuldades que se tornam umas
mais fáceis de compensar ou de recuperar que outras.
A existência destes diferentes níveis ou graus de dificuldades de
recuperação das disfunções interdepende imenso não só das técnicas, meios ou
terapias utilizados para recuperação de tais disfunções mas também de suas
causas, áreas ou regiões cerebrais, bem como dos graus de danificação provocados
pela lesão ou lesões cerebrais.
151
É que podendo uma disfunção mínima ser ou não ser causada por uma
lesão cerebral mínima, as disfunções cerebrais médias são causadas por afecções
do sistema nervoso, sofrimento fetal, lesão cerebral, lesão da medula, por exemplo,
e afectam quer o funcionamento do sistema nervoso periférico, quer o sistema
nervoso central.
A maioria de seus negativos efeitos são recuperáveis quando se educa,
desenvolve e reabilita o sujeito em seu devido tempo, nas aptidões, potencialidades
ou capacidades que mais e melhor possam ser desenvolvidas, aperfeiçoadas e
valorizadas. Outras, pelo contrário, são degenerativas, isto é, progressivas, fazendo
com que o sujeito vá perdendo as suas capacidades ou qualidades naturais, acção
de processos que alteram as estruturas e as funções dos neurónios, das sinapses e
dos axónios, fazendo com que tanto umas como os outros, bem como seus agentes
constituintes, se modifiquem, desintegrem ou desapareçam, originando-se, a partir
de tais processos, degenerações cerebrais ou musculares.
No caso das disfunções ou dificuldades de aprendizagens mínimas, como no
caso das dificuldades ligeiras, como, por exemplo, fragilidade a nível de
concentração, certa labilidade a nível da tensão, problemas de irritabilidade,
hiperactividade, agressividade, ou déficit a nível de estruturação espaço-temporais,
etc., são problemas e dificuldades cujas causas escapam, geralmente, não só aos
exames de natureza neurofisiológica mas também à categoria de lesões cerebrais
mínimas. Por isso, no caso das dificuldades da aprendizagem ligeiras, os métodos
de diagnóstico mais objectivos são, geralmente, de natureza psicológica,
psicossocial, relacional, comportamental e pedagógica.
No entanto, no caso da existência real de lesões cerebrais localizadas estas
raramente destróiem completamente as áreas do córtice cerebral, sendo os seus
efeitos perturbações a nível da normal intensidade do seu funcionamento, da sua
plasticidade e da flexibilidade dos processos nervosos, visto as áreas lesadas
funcionarem de forma anormal, patológica ou não funcionarem como sucede, por
exemplo, com lesões efectuadas a nível das partes parietais, temporais e occipitais
do córtice as quais reduzem, diminuem ou tornam anormais as funções terciárias do
córtice cerebral.
Diferentes e mais complexos efeitos são gerados pelas lesões cerebrais a
nível do sistema nervoso central, pois elevada percentagem de funções cerebrais
resulta da recíproca e retroactiva interacção dos processos primários, secundários e
terciários, e o seu desenvolvimento, tanto a nível de comportamento como de
aprendizagem ou cognição, resulta do desenvolvimento e da acção das
interconexões efectuadas, activadas ou dinamizadas a nível de aparelho
neurocerebral e de sua respectiva integridade bioneurocerebral, bem como do
potencial actuante de suas características de flexibilidade, maleabilidade,
adaptabilidade e interactividade.
Os obstáculos ao desenvolvimento de suas funções, interactividades e
retroacções residem, a nível neurocerebral, nas suas maiores ou menores
quantidades e qualidades de interconexões, em suas pulsões motivadoras e em
suas interfuncionalidades do seu todo, o qual, sendo constituído por partes, áreas,
regiões e sub-regiões, efectua o seu unitário comportamento através da elaboração
da síntese e restruturação da actividade mais ou menos dinamizantes de todas as
suas unidades.
A acção e dinâmica de tais sub-unidades, no entanto, podem encontrar-se
inibidas, retraídas, asfixiadas, distorcidas ou dissociadas, não só devido a ausências
de estímulos e de vitalidades exógenas, mas, também, fundamentalmente, devido a
152
malformações ou aberrações genéticas, a certo tipo de lesões cerebrais, desvios ou
disfunções comportamentais.
As anomalias, disfunções ou deficiências causadas por lesões cerebrais
podem ter origem na formação do embrião e no desenvolvimento do feto, no parto
ou em traumatismos posteriores e encontrarem-se localizadas numa ou em várias
regiões do cérebro com maior ou menor gravidade, originando-se, assim, hierarquias
de variadas deficiências, anomalias, perturbações ou alterações comportamentais de
maiores ou menores dificuldades de recuperação, desenvolvimento integrado,
vivência individual e integração social.
Porém, muitos dos efeitos das lesões cerebrais, tanto das crianças como
dos adolescentes ou dos adultos, podem manifestar-se apenas face às exigências
de aprendizagens ou de actividades específicas como sucede, por exemplo, com
as exigências das aprendizagens escolares impostas a uma criança, com a
integração em novos meios ou ambientes de um adolescente ou com as exigências
de novos desempenhos, funções ou tarefas profissionais de um jovem ou adulto.
No entanto, no caso de lesões cerebrais ligeiras, as restantes zonas não
lesadas do cérebro podem, a nível de funcionalidade, suprimir as carências
desencadeadas por tal lesão. Por sua vez, no caso da existência de lesões cerebrais
profundas ou graves as restantes regiões do cérebro podem compensar tais
deficiências mas dificilmente as suprime.
Em 1861, Broca constatou cirurgicamente que uma lesão efectuada na
terceira circunvolução frontal esquerda, situada diante do sulco frontal ascendente e
por cima da cisura de Sílvio no hemisfério dominante de um indivíduo provoca
afasias motoras na linguagem ou anatrias, fazendo com que a linguagem seja
laboriosa e lenta e a articulação das palavras alterada, com um estilo de
comunicação telegráfico, apesar de uma semântica coerente. Wernicke, por sua vez,
demonstrou que lesões ou destruições efectuadas na parte posterior da primeira
circunvolução temporal, área cortical situada sob a face externa do hemisfério
cerebral dominante causam problemas a nível da articulação da fala, a nível de
memória e mesmo a nível de audição, sendo a linguagem verbal de tais pacientes
gramaticalmente correcta mas sistematicamente incoerente.
Quando por acidente ou por processos de hemorragias se produz uma lesão
anatómica em tal área, acidentes, tromboses, tumores, traumatismos, etc., tais
lesões dão, normalmente, origem a afasias acentuadas, impossibilitando a
compreensão e a expressão dos pensamentos, das ideias, das emoções ou das
ordens através da linguagem verbal, apesar de tal paciente conservar intactos os
órgãos periféricos articuladores da palavra.
António Damásio no seu livro « O erro de Decartes », descreve o caso de
Gage, capataz de obras que, após o seu crânio ter sido atravessado por um ferro
com « seis quilos e medir cerca de um metro de comprimento, ter aproximadamente
3 cm de diâmetro » permaneceu com suas capacidades racionais intactas, mas com
acentuadas alterações ou perturbações não só a nível de personalidade mas
também de comportamentos. Harlow, citado por Damásio, descreve o futuro
comportamento de Gage dizendo: « o equilíbrio, por assim dizer, entre as faculdades
intelectuais e as suas propensões animais fora destruído. As mudanças tornaram-se
evidentes assim que amainou a fase crítica da lesão cerebral. Mostrava-se agora
caprichoso, irreverente, usando por vezes a mais obscena das linguagens, o que
não era anteriormente seu costume, manifestando pouca diferencia para com os
seus colegas, impaciente relativamente a restrições ou conselhos quando eles
entravam em conflito com os seus desejos, por vezes determinadamente obstinado,
153
outras ainda caprichoso e vacilante, fazendo muitos planos para acções futuras que
tão facilmente eram concebidos como abandonados ». Por sua vez Wilson, E. O.,
( 1998 ) relata o caso de Karen Ann Quinlan, jovem mulher de New Jersen que, « em
14 de Abril de 1975, medicada com o tranquilizante Valium e o analgésico Dardon,
cometeu o erro de beber gin-tónico ». Embora a combinação não pareça perigosa,
ela essencialmente, matou Karen Ann Quinlan. Ela entrou em um estado de coma
que perdurou até à morte por infecção generalizada, dez anos depois. Uma autópsia
revelou que seu cérebro estava em grande parte intacto, o que explica porque seu
corpo sobreviveu e até continuou seu ciclo diário de vigília e sono. Ele continuou
vivo mesmo quando os pais de Quinlan solicitaram, em meio a uma controvérsia
nacional, a remoção do ventilador. A autópsia revelou que a lesão cerebral de
Quinlan era local, mas muito grave: « o tálamo havia sido destruído como se
queimado por um raio layser ».
As anteriores descrições demostram-nos sobejamente que uma integrada e
harmoniosa funcionalidade do cérebro humano necessita da integridade de todos os
seus centros, áreas, regiões e sub-regiões, visto a funcionalidade do córtex
necessitar de todos os estímulos eléctricos, e isto não só do cérebro, mas, também,
do corpo, visto o tecido cerebral processar impulsos de todo ele, nomeadamente da
medula, do tronco cerebral, do tálamo e de todas as restantes zonas que formam o
chamado cérebro reptílico e mamífero.
É que , apesar da estrutura arquitectural do cérebro humano variar de área
para área e de região para região, o seu funcional, equilibrado e harmonioso
funcionamento e actividade necessitam da interactividade de todas as suas
potenciais conexões e intercomunicações, as quais não só são efectuadas através
das necessárias pulsões e estímulos, mas, também, da integridade e conexões de
todas as suas partes, visto as suas redes comunicacionais interdependerem do
número e categoria de suas células, e, tanto suas entradas como saídas
processarem-se a partir da organização intrínseca de seus circuitos locais.
As malformações, distorções ou lesões cerebrais, em interdependência do
tipo, da gravidade e da localização, são causa essencial das ausências de
intercomunicações entre as várias regiões cerebrais, de dificuldades na
aprendizagem, nas percepções, no conhecimento bem como de distorções e
anomalias a nível de comportamentos, de personalidade e de mente, sendo um
facto que muitos de tais pacientes não se apercebem de tais consequências nem
têm consciência de tais disfuncionalidades, visto eles continuarem a viver
mentalmente em função de suas anteriores representações e imagens
psicocorporais como sucede, por exemplo, no caso de pacientes com membros
amputados, membros fantasmas, ao afirmarem que sentem ainda o membro ou
membros ausentes mas apercebem-se de que na realidade ele ou eles não estão lá.
Daí o facto do tipo de disfuncionalidade ou de disfuncionalidades
neuropsíquicas de um indivíduo interdependerem, em grande parte, da localização
da lesão no aparelho neurocerebral. Assim, lesões efectuadas no sistema nervoso
periférico por choques, traumatismos, infecções, etc., etc., podem causar
perturbações não só sensitivas mas também a nível neuromuscular, a nível de
hipófise, suprarenal, endócrino, sensorial, motor, cerebral, psíquico e emocional.
Por isso, a normal funcionalidade dos processos de aprendizagem implica
que o sistema nervoso periférico esteja intacto, visto toda e qualquer criança
aprender recebendo informações através dos sentidos, isto é, através de seus
sistemas extroceptivos de recepção, de maneira particular através da audição, da
visão e do tacto. É por isso que, tanto processos de privação sensorial a nível de
154
visão e de audição, bem como de somato-sensorização, alteraram ou modificaram
os processos de aprendizagem.
No caso de existência de lesões a nível de sistema nervoso central os seus
efeitos tornam-se ainda mais acentuados ou graves, visto elas, de uma forma geral,
atingirem a unidade conectiva das células neuronais, gliais, as que envolvem as
meninges, os corpos celulares dos neurónios e a sua substância branca, isto é, os
axónios dos neurónios, bem como, de uma forma geral, as grandes unidades
morfológicas e funcionais do sistema nervoso central como o cérebro, o cerebelo, o
tronco cerebral e a espinal medula, ou, dito de outra forma, o mielencéfalo, o
metaencéfalo, o mesaencéfalo, o diencéfalo e o telaencéfalo, estruturas cerebrais
cuja funcionalidade integrada, normal, harmoniosa e evolutiva, sensorio-motora,
temporal, psicológica e comportamental, bem como neurovegetativa, exige ausência
de lesões, isenção de malformações e a imprescindível conaturalidade da vitalidade
do organismo. Por isso, malformações, lesões ou infecções, lesionadoras de
constituintes do sistema nervoso central, podem ocasionar, num indivíduo,
acentuados e negativos efeitos, não só a nível psicomotor mas também a nível de
linguagem e de aprendizagem; a nível de comportamento, emoção, afectividade;
sociabilidade e integração como se constata, por exemplo, nos processos de
desmielinização, com processos de hemorragias intra-crânianas, fracturas de
crânios e lesões geradoras de paralisia cerebral.
No caso das hemorragias intra-crânianas, intra-ventriculares, estas resultam,
normalmente, de traumatismos de parto, de distúrbios hemorrágicos primários, de
anomalias congénitas ou de asfixias, e, não raras vezes, têm origem em acidentes
no momento do parto, nomeadamente quando a cabeça do feto é grande em
proporção ao tamanho da saída pélvica da mãe; quando há interferências
mecânicas imprudentes no parto; quando se efectuam partos precipitados ou são
demasiado prolongados, comportamentos ou circunstâncias que podem gerar
rupturas nas matrizes germinais ou lesões nas fibras cortico-espinhais.
No caso da existência de fracturas cranianas, embora o crânio seja formado
por uma estrutura óssea extremamente resistente, podem resultar daí lesões graves
a nível cerebral quando os fragmentos do osso ou ossos deslocam-se para o interior
do crânio. Em tal situação, os vasos sanguíneos das meninges, isto é, das
membranas que envolvem o céfalo, podem romper-se, originando hemorragias
localizadas entre a parede óssea e a dura mater, o que pode fazer com que o tecido
cerebral se desloque, com que o próprio encéfalo seja lesado ou as meninges
sofram ruptura.
Apesar disso, no entanto, nem sempre o grau das lesões cranianas
corresponde ao das lesões cerebrais, podendo constatar-se graves lesões cerebrais
sem que haja fracturas cranianas e mesmo em caso de fracturas cranianas bastante
acentuadas estas poderem provocar apenas lesões cerebrais de reduzida
gravidade.
É que, na realidade, os efeitos das fracturas cranianas dependem
essencialmente do grau de lesão cerebral e, de maneira particular, do derrame do
líquido céfalo-raquidiano, isto é, do fluído que alimenta e protege o encéfalo e a
espinhal medula, lesões que, não raras vezes, são causadoras de paralisias
cerebrais e cujos efeitos podem ser acentuadamente graves a nível de inteligência
e de aprendizagem, a nível gnósico e sensorial, motor e comportamental, com
comportamentos espásticos, paralisia volitiva, hipertonicidade muscular, perturbações ou transtornos na precisão e coordenação dos movimentos, podendo ser
originados por factores ou agentes pré-natais, natais e pós-natais.
155
É que, de facto, na procura das causas de uma paralisia, pode-se apenas
afirmar, categoricamente, que a criança foi afectada por uma lesão durante o seu
processo de desenvolvimento embrionário ou fetal, durante o parto ou após o
nascimento. Uma tal ou tais lesões destruíram uma maior ou menor quantidade dos
milhões de células existentes no cérebro e tal destruição não é recuperável, apesar
da estimulação e desenvolvimento das restantes células poder compensar os
défices deixados em aberto pelas ditas lesões ou destruições de uma determinada
quantidade das células cerebrais.
Não sendo causada, geralmente, por qualquer deficiência ou hereditariedade
dos pais, uma vasta causalidade de factores pré-natais podem estar na origem da
paralisia cerebral. E isto porque, se tanto a célula feminina como a masculina, no
momento da concepção, possuem qualquer defeito, ao juntarem-se, o embrião
desenvolver-se-à de imediato deficitariamente. Durante o período de gravidez da
mãe, nomeadamente durante os três primeiros meses, o embrião, e mais tarde o
feto, pode ser afectado na sua evolução intra-uterina por acidentes da mãe,
traumatismos emocionais, afectivos e psíquicos, e por alterações a nível do seu
metabolismo como, por exemplo, hipertensões, diabetes, por infecções originadas
pela rubéola, por viroses como a da papeira e da sífilis ou por exposições a
irradiações como as do R.X. .
A nível de factores pré-natais, como possíveis causadores de paralisias
cerebrais, devem ser mencionados a existência de miomas, placentas mal inseridas,
defeitos da circulação, cordão umbilical com nós, partos prolongados ou mal feitos
como, por exemplo, através de forcepces, e as anóxias, isto é, redução do oxigénio
nos tecidos, visto a sua necessária quantidade ser absolutamente indispensável à
vida das células nervosas. Como factores pós-natais, são possíveis causadores de
lesões cerebrais, por exemplo, traumatismos cranianos causadores de hemorragias,
intoxicações, hipoglicémia e outras infecções como, por exemplo, meningites e
encefalites que podem atingir directamente o sistema nervoso, o qual pode também
ser atingido por infecções localizadas noutros órgãos do corpo.
A nível de distribuição de causalidades da paralisia no desenvolvimento da
criança, tais lesões cerebrais, em mais de 90% dos casos, têm lugar antes ou
durante o parto. Em muitos casos, os efeitos de tais lesões não são diagnosticáveis
antes do primeiro ano de vida. No entanto, já durante um tal período, não é
impossível constatar-se que alguns músculos da criança são hipotónicos, isto é,
moles ou se encontram em permanentes estados de contracção e rigidez ou que
têm contorções involuntárias.
A partir de um ano de idade não é difícil constatar-se a existência de reflexos
e de estruturas anormais, alterações da sua tonicidade muscular, um anormal
desenvolvimento da sua motricidade através da efectuação de movimentos
involuntários ou descoordenados e atrasos generalizado no seu desenvolvimento
motor. As lesões causadoras de um tal vasto e complexo conjunto de efeitos,
interdependendo da sua localização a nível neurocerebral, da profundidade da lesão
e da porção da massa cerebral destruída, geram, em muitas dessas crianças, mais
ou menos em três quartos de todos os indivíduos com paralisia cerebral, atrasos
intelectuais com um quociente intelectual inferior a setenta, com dificuldades de
concentração, de raciocínio e de relacionamento interpessoal e dificuldades
sensoriais e, em certos outros casos, nomeadamente em casos de paralisia
atetósica, as crianças permanecem inteligentes de forma idêntica às ditas crianças
normais a nível de aprendizagem.
156
Um tal conjunto de lesões cerebrais, de uma forma geral, e por si, não é
geradora de efeitos negativos progressivos e, bem pelo contrário, a natureza de tais
efeitos pode ser alterada com o crescimento da criança e com tratamento e
educação especializados, com intervenções recuperadoras e compensatórias em
seu devido tempo e com acção ou acções voluntárias e consciencializadas dos
pacientes.
É que, sendo o cérebro humano o aparelho centralizador e integrador dos
movimentos, das acções, dos pensamentos, dos juízos, dos raciocínios, das
decisões e dos comportamentos de um indivíduo, a existência de lesões em tais
estruturas neurocerebrais não só pode dar origem a maiores ou menores
dificuldades nos processos de aprendizagem mas também nos níveis emocionais,
afectivos e comportamentais dos indivíduos. É que, existindo intrínseca necessidade
destes funcionarem como unidades sistémicas, equilibradas e harmoniosas, a
existência de lesões ou malformações individuais a nível de aparelho neurocerebral
gera efeitos negativos nas partes ou na totalidade do seu ser. Isto porque, bem ao
contrário do que se pensava anteriormente, a cabeça não vive sem o tronco e o
tronco não funciona harmoniosamente sem a cabeça. Por isso, lesões ou
malformações cerebrais em qualquer parte da massa encefálica podem alterar tanto
o movimento da totalidade do corpo como apenas uma das suas partes, alterações
que, podendo ser de natureza inata ou adquirida podem gerar efeitos negativos a
nível de aquisição e desenvolvimento de novas absorções, da vivência de novas
experiências, dos resultados de novas aquisições ou de novas interiorizações, o que
faz com que os indivíduos, sujeitos de tais lesões, possuam maiores ou menores
dificuldades na aquisição e desenvolvimento de novas habilidades, aptidões,
capacidades e funções. Torna-se óbvio, por isso, que a integridade ou não
integridade do aparelho neurocerebral de um indivíduo é suporte fundamental de
seus posteriores desenvolvimentos psíquicos, intelectuais, mentais, sensoriais e
orgânicos.
Com efeito, os recentes resultados de investigações no âmbito das
neurociências, efectuadas na continuação das realizadas por W. Penfield nas
décadas de 1920 e 1930, deram origem à possibilidade de um mapeamento da
localização originária das funções sensoriais e motoras em todas as partes do córtex
cerebral.
A partir da década de 1970, com a descoberta do método da leitura óptica
de imagens do cérebro-tipo, espera-se ter-se encontrado a metodologia de
observação da actividade de redes inteiras de células nervosas individuais. Desta
forma, e, tendo em consideração o unitário sistema neuropsicoemocional, não há,
hoje em dia, motivos para duvidar de que lesões bilaterais nos córtices pré-frontais
originam limitações de raciocínio, de emoções, de sentimentos e de tomada de
decisões, e quando a extensão de tais lesões for bastante extensa somam-se, a tais
negativos efeitos, dificuldades ou perturbações a nível de relações sociais e
interpessoais.
Estas dificuldades emocionais, e afectivas tornar-se-iam forte e
profundamente acentuadas a nível do seu sistema límbico ou na amígdala, pois um
tal tipo e localização de tais lesões faz com que o indivíduo se torne incapaz de
mover-se de dentro para fora.
No que concerne as lesões causadoras de problemas ou dificuldades a nível
de linguagem, de cérebro linguístico ou de inteligência linguística, Luria, apresentanos o caso de um paciente seu, que, podendo escrever e escrevendo, não
conseguia ler o que escrevia, porque seus automatismos ou mecanismos de leitura
157
não funcionavam, e isto devido ao facto que seu paciente encontrava-se privado de
memória, incapaz de reter e compreender, desorientado, incapaz de uma grande
quantidade de actividades práticas e com certas perturbações psíquicas, dando-nos,
por isso, a entender que o problema da linguagem ou do cérebro linguístico impõe a
existência de uma elementar organização interior, e, simultaneamente, complexa,
interdependente das áreas cerebrais da linguagem, pois falar é uma realidade e
compreender é outra, factos que pressupõem, pelo menos, a existência de duas
áreas linguísticas especializadas, isto é, pelo menos, uma área cerebral ligada à
modalidade da expressão e uma outra ligada à modalidade da compreensão.
Com efeito, o inúmero conjunto de sintomas, dificuldades, distorções ou
deficiências causadas pelas lesões cerebrais do todo ou em parte das funções de
um indivíduo são, ainda hoje, na sua totalidade, indescritíveis. Isto porque, por um
lado, o estudo do ser humano está muito longe de estar acabado e, por outro, ser
humano algum estará à altura de diagnosticar os verdadeiros e reais potenciais
evolutivos do humano. Isto porque o todo comportamental de um indivíduo é de
natureza activa e dinâmica, única e individual, polifactorial e multidimensional e
procedente de combinações e recombinações, estruturações e reestruturações, de
inovações e reproduções emanadas não só de suas estruturas cerebrais mas
também de suas unidades e sub-unidades em funcional harmonia ou desarmonia
com a hipercomplexidade envolvente de seus meios familiares e sociais e de seus
ecossistemas físicos, geológicos, climatéricos, organizacionais, emocionais, afectivos, culturais, mentais e intelectuais.
Uma tão vasta e complexa variabilidade de factores intervenientes na
dinâmica e formação da individualidade e da acção do ser humano contribuem, de
forma decisiva, para a organização funcional ou disfuncional de seu próprio cérebro,
a partir da qual este delineia planificações, cria prospectivas e expectativas, introduz
ou absorve variações, desenvolve funções e cria ou corrige disfunções mentais,
comportamentais ou interrelacionais. Tudo isto porque os princípios activadores e
orientadores do cérebro humano emergem de uma natureza biocerebral,
sociopsicoemocional e afectivo-intelectual e, toda e qualquer mudança em qualquer
uma das suas dimensões, implica, directa ou indirectamente, maior ou menor
inovação ou mudança em suas estruturas, organizações, funções ou interfuncionalidades básicas ou elementares, fazendo com que estas, em função das
reorganizações efectuadas, activem ou desactivem, estimulem ou inibam a dinâmica
estrutural de seus processos interiores, como sucede, não raras vezes, com os
efeitos perturbadores e disfuncionais de certas doenças e anomalias emocionais e
psíquicas ( psicose, esquizofrenia, etc. ) ou de acentuadas lesões cerebrais em que
o indivíduo, de uma forma geral, pode perder a hierarquia de seus valores pessoais
e sociais, a sua própria identidade, o conceito de si mesmo, a correcta tomada de
decisões, as perspectivas de futuro, a percepção de inserção na realidade, o
respeito por si mesmo, etc., etc..
A constatação de um tal conjunto de disfuncionalidades comportamentais e
de anomalias vivênciais demonstra sobejamente que o ser humano é um todo
funcional, dinâmico, activo, constante e inovador, e que a existência de agentes ou
factores perturbadores de uma tal unidade funcional, como sucede, por vezes, com
traumas emocionais, afectivos, psicológicos ou com acidentes neurocerebrais,
provocadores de lesões, destruições ou anomalias de vária ordem ou natureza,
desencadeia a existência de anomalias comportamentais da sua própria unidade,
disfunções ou incapacidades cognitivas, comportamentais, relacionais e sociais.
158
Porém, nem todos os distúrbios, disfunções, perturbações ou dificuldades
nos processos de aprendizagem são causados por lesões cerebrais. A sua génese
pode ser multivariada e possuir sua causalidade tanto em factores endógenos como
genéticos, congénitos ou hereditários, em factores exógenos como os familiares,
sociais, ambientais ou culturais e em factores estruturais como os de
desenvolvimento pessoal, emocional, afectivo e psicológico.
No entanto, implicando a expressão « lesão cerebral » a suposição de ter
havido uma normalidade neurocerebral até um determinado momento da existência
de um indivíduo, sendo a lesão provocada por uma doença ou acidente, não há
dúvida que muitos dos seus efeitos influenciam ou repercutem-se negativamente
sobre os processos de aprendizagem de um indivíduo. No que concerne os efeitos
das lesões nas diversas regiões cerebrais, A. R. Luria, 1973 afirmou: « é um facto
bem conhecido que uma lesão local do hemisfério dominante não só produz uma
situação patológica conhecida no córtex mas também suprime um dos factores
necessários para o funcionamento normal de um ou outro sistema funcional. ... É
natural que o processo de formação ou de descodificação de um enunciado, que
inclui uma cadeia completa de conexões e factores, se veja afectado negativamente
de diversas maneiras, segundo a conexão do processo que tenha resultado
danificado. ... Os pacientes com lesões profundas das secções pré-frontais do
cérebro distraiem-se facilmente com qualquer motivo secundário e manifestam
reflexos de orientação patologicamente intensos e resistentes à inibição, mas
parecem incapazes de estabelecer motivos ou intenções independentes ( em cuja
formação, aparentemente, o próprio discurso interno e externo do paciente
desempenha uma função decisiva ) e também não se submetem à influência
orientadora das instruções orais recebidas ».
A neuropsicologia cerebral, no entanto, apresenta actividades muito mais
subtis que as anteriores como sucede, por exemplo, em situações de desconexões
ou más conexões das sinápses com os neurónios. Existem situações incidentais ou
acidentais que podem provocar desconexões das sinápses dos neurónios e o
potencial reordenador das sinápses pode converter a desconexão tanto numa
reconexão como numa má conexão. Estas reordenações das sinápses podem ser
de vários tipos e serem mesmo efectuadas em lugares distantes da lesão
aparecendo, então, na zona de projecção dos neurónios danificados, dependendo,
então, o tipo de recuperação neurofuncional, da eficácia da reconexão sináptica e,
essencialmente, da adequação ou inadequação da formação das novas sinápses,
originando-se, a partir daí, recuperações parciais, más conexões ou disfunções
neurocerebrais com repercussões variadas tanto a nível cognitivo como
comportamental, tanto a nível social como relacional, emocional como afectivo. E
isto apesar do cérebro humano não ser regido por mecanismos físicos ou mecânicos
mas sim pela plasticidade, flexibilidade, maleabilidade e interactividade de seus
processos bioneuropsíquicos, sócio-emocionais, cognitivos, psicológicos, intelectuais
e mentais.
Apesar desse vasto e complexo potencial da acção do cérebro humano no
seu todo é um facto de que efeitos de lesões cerebrais ou de desconexões
neuronais podem atingir a integrabilidade do ser humano tanto nas suas funções
intra como inter-neuro-sensoriais ( atenção, discriminação, retenção, compreensão,
conceptualização, planificação, decisão, etc. ), nas suas funções de receptividade
como transformação da bioenergia e da informação e em suas funções de
expressividade como, por exemplo, na linguagem verbal, gestual, na escrita, nas
posturas, na imitação, nas inter-relações, etc..
159
A natureza de um tal conjunto de disfuncionalidades comportamentais dos
indivíduos, embora esteja relacionada com o todo do humano, a nível de efeitos de
comportamentos manifestos estes interdependem não só da gravidade da lesão,
desconexão ou malformação, mas também do lugar, área ou região cerebral em que
tais danos se encontram, pois a funcionalidade de um ser humano interdepende das
mútuas e recíprocas interacções dos seus factores e constituintes biológicos,
cerebrais, emocionais, afectivos, psicológicos e sociais e, apesar desta unitária
funcionalidade ser necessária para sua total expansão e totalização, a dinâmica
interactiva de tais factores necessita mais da actividade de uns que de outros e,
mesmo no seio da dinâmica de cada um destes factores, umas emergências ou
recorrências são mais primordiais que outras, e isto em funções das metas,
objectivos ou fins que cada um pretende concretizar, efectuar ou obter.
Teremos, assim, disfunções, anormalidades disfuncionais ou deficiências, de
maiores ou menores níveis, orgânicas, sensoriais, perceptivas, psicológicas,
mentais, sociais, comportamentais, relacionais, emocionais e afectivas, geradoras de
incapacidades em seus mais variados níveis, dimensões, formas, conteúdos e
contextos, que podem ir desde as capacidades mais privadas e individuais às
cognitivas, emocionais, afectivas, físico-corporais e sociais, assumindo conteúdos
diferenciados de inacção, inadaptação, disfunção, desvio e deficiência.
Por isso, designando o termo « incapacidade » qualquer ausência ou
restrição de potencialidades, habilidades ou destrezas consideradas comumnemente
dentro dos moldes e dos limites considerados normais para um ser humano, estas
caracterizam-se pelas insuficiências e, algumas vezes, por excessos, nos
desempenhos de uma actividade ou nos comportamentos socialmente considerados
como normais. Um tal variado conjunto de alterações, perturbações, distorções ou
incapacidades pode apresentar-se em forma isolada, mista ou combinada e serem,
as incapacidades, de natureza permanente ou temporária, reversível ou irreversível,
progressiva ou regressiva, e, efeito directo de uma deficiência ou resposta a certo
tipo de disfunções neuropsíquicas, emocionais, psicológicas ou sociais como
sucede, por exemplo, na ausência de adequação dos comportamentos individuais
aos sociais, na ausência de desempenhos das actividades da vida diária, da higiéne
pessoal, dos cuidados individuais, incapacidades de locomoção, de audição ou
visão, de comunicação verbal ou gestual, de relações interpessoaios e sociais, bem
como incapacidades de consciêncialização do seu próprio eu corporal, emocional,
afectivo ou psíquico, etc..
Muitas das anteriores incapacidades, considerando o nível das alterações
das funções do indivíduo ou de suas perdas, defeitos ou anomalias, recebem o
nome de « deficiências » quando as incapacidades manifestam perdas de membros,
órgãos, estruturas, funções emocionais, cognitivas, intelectuais ou mentais. Daí o
facto de se poderem caracterizar vários níveis de deficiências intelectuais, de
memórias, de pensamento, de consciência, de atenção, de percepção, de audição,
de comportamento, de linguagem, de visão, etc., etc..
Um tal conjunto de ausências de características funcionais ou de níveis
deficitários pode abranger todas ou apenas algumas das funções humanas e, por
isso, privadas de manifestação transitória ou permanente, ligeira, média ou profunda,
privando seus portadores de estímulos individuais, motivações sociais e comunicações interrelacionais, privações estas que fazem com que as crianças não vivam a
sua infância e, adolescentes, jovens e adultos não consigam conquistar seus
espaços necessários à satisfação das mais básicas necessidades de um indivíduo
160
normal nem consigam desenvolver seu próprio potencial deixado intacto por sua
própria estrutura bioneurológica, afectiva e emocional.
III – DEFICIÊNCIAS E NÍVEIS PROCESSUAIS DAS DEFICIÊNCIAS
Sendo o aparelho neuropsíquico do ser humano uma unidade caracterizada
por inúmeras potencialidades funcionais, a sua maior ou menor funcionalidade
encontra-se interdependente das recíprocas interacções de sua estrutura com sua
actividade, interactivo e recorrente processo genofenotípico que, coordenado tanto
vertical como horizontalmente, fará, regra geral, com que as funções, actividades e
acções do cérebro passem do menos organizado ou do inorganizado ao mais
organizado, do reflexo e automatizado ao mais consciencializado, do mais simples
ao mais complexo e do global ao concreto e específico.
A eficiente funcionalidade das ramificações de um tal processo implica,
necessariamente, existência de eficientes interacções e comunicações entre todas
as regiões e áreas do aparelho neurocerebral do indivíduo, isto é, de todas as que
vão e suportam o tronco cerebral até ao córtice e vice-versa. É que desde o
momento da concepção até ao desenvolvimento do córtice cerebral, normalmente
efectuado através de aprendizagens, uma tal intercomunicabilidade deveria
permanecer intacta e harmoniosa, o que, infelizmente, nem sempre acontece,
gerando-se, a partir daí, défices disfuncionais, incapacidades comunicacionais,
limitações ou restrições motoras, bem como distorções comportamentais, efeitos que
asfixiam, inibem ou perturbam o desenvolvimento de posteriores aptidões mentais,
capacidades motoras e comunicações gestuais, verbais, afectivas, emocionais e
relacionais.
É que, na realidade, lesões, malformações ou distorções numa parte do
cérebro podem atingir, em maior ou menor grau, a funcionalidade do seu todo, como
sucede, por exemplo, no caso da existência de lesões, malformações ou distorções
a nível das estruturas dos dinamismos neurossensoriais, dos processos de
sensorização e da inteligência sensorial, lesões ou défices que, apesar de
focalizados e com maior relevância numa determinada área, alteram ou desviam,
asfixiam ou inibem a mútua e recíproca cooperação e actividade noutras dimensões
da funcionalidade do cérebro como sucede, por exemplo, com as lesões na área da
linguagem, nas áreas perceptivas, sensoriais ou temporais. Lesões no couro caloso,
por exemplo, provocam, normalmente, desconexões entre os dois hemisférios
cerebrais e os seus efeitos são de desorganização neuropsicológica, emocional,
afectiva e mental. Acidentes cérebro-vasculares gerados, por exemplo, por
tromboses, embolias e hemorragias intracranianas geram transtornos, perturbações,
anomalias ou deficiências nos tecidos cerebrais e seus efeitos são, frequentemente,
perturbações motoras na metade do corpo oposto à parte lesionada, problemas
perceptivos, deficiências de memória, perturbações da linguagem, etc.
Segundo Alcazar e seus colaboradores ( 1985 ) uma danificação efectuada
no hemisfério esquerdo produz, geralmente, afasias em 80% dos indivíduos, sendo
a severidade e o tipo de afasia variáveis em função da localização e da extensão da
lesão, défices linguísticos ou motores, ou, simultaneamente, mistos e cujos níveis de
deficiência comunicacional ou motora podem dificultar ou reduzir suas
potencialidades para participar em terapias de melhoramento ou de recuperação
161
motora, funcional ou comunicacional. Por sua vez, lesões ou alterações no
hemisfério direito produzem, normalmente, distorções ou deficiências tanto a nível
de percepção visual como a nível de organização espacial e de consciência
individual. Lesões nas zonas pré-frontais do córtex cerebral produzem, geralmente,
alterações de valores individuais, mudanças de carácter e de temperamento,
dissociações da realidade, dificuldades nos processos de decisão bem como
alterações a nível da percepção, da memória, da atenção e da inteligência.
No entanto, sendo o cérebro humano uma unidade bioneurofisiológica e o
seu funcionamento sistémico todas as suas unidades e sub-unidades, áreas e
regiões estão estruturadas e orientadas para a harmonia funcional do seu todo,
apesar de cada uma das suas áreas se encontrar dotada de predominâncias
específicas, o que não invalida que, após o necessário treino e desenvolvimento de
outras áreas, estas substituam no todo ou em parte as funções das áreas
deterioradas, o que não significa que após lesão ou alterações em certas áreas do
cérebro não haja consequências negativas físicas e cognitivas, emocionais, sociais e
afectivas bem como comportamentos ansiosos e depressivos e, caso tais efeitos
não sejam recuperados ou reabilitados, os sujeitos tendem, regra geral, ao
desenvolvimento de comportamentos limitativos, a sensações de incapacidade, à
redução das suas interacções com o universo emocional e afectivo, o meio físico e
social, bem como à perda de muitas das suas capacidades e destrezas físicas e
mentais, psíquicas e sociais, com acentuada propensão para a subvalorização, para
a perda dos seus centros de interesse, de seu auto-conceito e auto-estima, factores
e situações que deverão tomar-se em elevada consideração nos processos das
reais e autênticas reabilitações de tais deficiências.
Os prognósticos de reabilitação, no entanto, nem sempre são fáceis de
diagnosticar tanto a tempo como com a necessária eficiência, não só por razões
técnicas ou sociais, mas também porque sujeitos com os mesmos défices não têm
idênticas perturbações como sucede, por exemplo, com os casos de autismo e os
efeitos de certas encefalopatias cujos efeitos provocados por tais lesões
inflamatórias podem gerar vários níveis de perturbações sensoriais como
comunicacionais, emocionais como afectivas, cognitivas como mentais.
Distinguindo-se doença mental de deficiência intelectual, a primeira
caracteriza-se fundamentalmente por perturbações da personalidade e alterações a
nível comportamental, enquanto a segunda define-se essencialmente pela existência
de um subdesenvolvimento ou défice nos processos ou mecanismos do
conhecimento e da inteligência.
No entanto, não raras vezes, os défices de inteligência encontram-se
associados a perturbações da personalidade como acontece, por exemplo, no caso
das neuroses e psicoses, e isto porque, umas vezes encontram-se psicoses
emanadas de deficiências intelectuais, e, outras vezes, o aparecimento ou
desenvolvimento de psicoses geram deficiências intelectuais, depreendendo-se daí
que perturbações, alterações ou lesões psico-orgânicas podem causar doenças
mentais e doenças mentais podem provocar distorções, alterações ou lesões
neurocerebrais, as quais , por sua vez, transformar-se-ão em criadoras de outras
perturbações a nível perceptivo, a nível das emoções, dos afectos, das pulsões, dos
pensamentos e dos raciocínios, bem como em outras perturbações ainda mais
profundas e complexas que as primeiras, como sejam o caso de certo tipo de
psicoses maníaco-depressivas, paranóides, orgânicas, esquizofrénicas ou autistas
correspondentes a profundas perturbações, alterações e dissociações na dinâmica
de sua própria personalidade, identidade e individualidade.
162
Ora, entendendo-se por doença mental ou doença do espírito a existência
de um comportamento que escapa ao controlo da razão, da mente ou do espírito,
autópsias efectuadas em muitos indivíduos classificados de profundos doentes
mentais não encontraram causas de tais perturbações excepto nos casos em que a
tais perturbações se anexavam paralisias gerais ou parciais. Por isso, com o
aparecimento da psicanálise, nomeadamente através da obra de seu fundador
Sigmund Freud, a doença mental deixou de ser vista como o efeito de uma
deficiência e passou a ser interpretada como uma intrínseca necessidade do Homem
ultrapassar seus conflitos originários, como uma tentativa de se libertar dos seus
conflitos familiares e sociais, do conformismo e das normas para encontrar a sua
originalidade e a sua autenticidade, bem como as suas possibilidades criativas. Por
isso, não encontrando alicerces biológicos como causas directas das doenças
mentais, certos investigadores antipsiquiatras sugerem que a doença mental seria
resultado do conflito originado pela acção do inconsciente com o consciente e com a
razão.
Uma tal discussão, no entanto, não é aplicável às situações de deficiência
pois estas são reveladoras de carências, de incapacidades, de subdesenvolvimentos, de atrasos ou de inadaptações, tanto a nível de sensorização, de
inteligência, de raciocínio, de socialização como de integração. A partir daí poderse-à enunciar, em sentido geral, que deficiência é um estado de não
desenvolvimento ou consecução de um determinado grau ou nível tido por
conveniente, nível esse que permanece incompleto ou com defeitos, com carências,
insuficiências ou ausências.
A nível semântico, porém, é muito diferente dizer que alguém tem uma
deficiência ou que é um deficiente. Por isso, é tendência actual reservar o termo
deficiência para designar incapacidades ou atrasos intelectuais, psicológicos e
mentais, emocionais, afectivos e relacionais e o termo defeito para designar
anormalidades ou incapacidades de natureza fisiológica ou anatómica como, por
exemplo, defeitos de visão, de audição, de linguagem, defeitos de olfacto, motores,
defeitos metabólicos, etc., apesar de tais defeitos poderem influenciar negativamente
as capacidades intelectuais e psicológicas de um indivíduo.
Seguindo um tal princípio entende-se por deficiência um estado ou situação
de desenvolvimento individual inferior à média do desenvolvimento intelectual,
psicológico ou mental manifestado por um grupo significativamente expressivo da
mesma idade cronológica. As manifestações do deficiente intelectual podem revelarse a nível de intelecto, de memória e de pensamento; de emoções, pulsões, afectos
e de inter-relações e, a nível educacional constitui níveis de atraso no desenvolvimento classificáveis em ligeiros, moderados, severos e profundos.
Estes quatro níveis de atraso intelectual, tradicionalmente, foram obtidos em
função dos testes de quociente intelectual. Porém, considerando as variáveis
geográficas, sociais, culturais e de valores dos meios, das sociedades e das
culturas, bem como a multiplicidade dos tipos de inteligência ( já analisados no
mínimo de doze até ao presente ), tais medidas de avaliação dos subdesenvolvimentos intelectuais ou dos atrasos mentais permanecem extremamente subjectivas.
Não há dúvida, no entanto, que, em relação ao seu grupo etário, há
crianças, adolescentes e jovens que, possuindo dificuldades a nível de cognição e
de seus processos de aprendizagem, são, com relativa facilidade educáveis ( atraso
ligeiro). Outros, através de técnicas e processos são treináveis em tarefas e funções
de desenvolvimento individual e de integração sócioprofissional e são diagnosticáveis como possuindo um atraso moderado. Outros, ainda, após utilização de
163
múltiplas técnicas e instrumentos de treino e de desenvolvimento poderão conseguir
uma existência com certa autonomia em sua vida quotidiana ( profundos ) e, ainda
outros, apesar de todos os possíveis investimentos em seus potenciais de
educabilidade, permanecerão sempre dependentes: são os de atraso severo.
Porém, como foi demonstrado anteriormente, deficiência mental não é
sinónimo de doença mental. É que, normalmente, a doença mental aparece
associada a transtornos ou perturbações comportamentais, emocionais, afectivos e
comunicacionais e não só a alterações de representação, de associação ou
cognição. É que, por um lado, a deficiência mental caracteriza-se por suas
limitações, incapacidades, carências ou necessidades de algo que nunca se chegou
a possuir. E isto apesar de certas formas de deficiências mentais encontrarem-se
associadas a psicoses infantis, diagnósticos que dificultam, no concreto, a existência
de uma efectiva e real distinção entre doença mental e deficiência mental.
Ora, assumindo-se o conceito de deficiência mental como sinónimo de
atraso mental, a Associação Americana para a Deficiência Mental definiu-a como
sendo « um funcionamento intelectual abaixo do normal, que se manifesta durante o
período evolutivo e está associada a um desajustamento do comportamento »,
definição que traduz como critério a existência de capacidades mais baixas que as
do sujeito normal, mais baixas competências sociais e mais reduzidas capacidades
de adaptação, critérios que relativizam o conteúdo da deficiência mental em função
dos níveis da complexidade sócio-económica, das exigências dos meios sócioprofissionais e das distintas culturas. Por isso, na avaliação das capacidades de uma
criança dever-se-à ter em consideração tais variáveis e, em função delas,
diagnosticar-se os graus de atraso ou seus níveis de incapacidades, os quais, em
função do Quociente Intelectual, podem ser « fronteiriços » com o normal se o seu
Q. I. é superior a 70, deficiente ligeiro entre 50-70, deficiente moderado entre 30-50,
deficiente severo entre 20-35 e profundo com um Q. I. inferior a 20.
Apesar do anterior, a complexa heterogeneidade da deficiência mental
envolve múltiplos e complexos parâmetros comportamentais pois, considerando
múltiplas e variadas as capacidades, é a partir de um Quociente Intelectual inferior a
70 que se efectua a distinção entre um deficiente e um normal, isto é, entre o sujeito
que pertence a grupos de controlo ou de mediana escolar e social, em conformidade
com as normas de distribuição, de normalização, socialização ou padronização
escolar ou social.
Em oposição ao conceito de normalidade, o conceito de anormalidade é,
simplesmente, um derivado das estatísticas, pois este refere-se, apesar de não
exclusivamente, às possibilidades de desvios às direcções da norma que se podem
representar nas extremidades de uma curva de Gauss.
Estudos psico-clínicos empíricos revelam, no entanto, que apenas 3% de
uma população se distribuem tanto pela extremidade direita como pela esquerda da
dita curva. Uma tal constatação, comparada com resultados de análises
sociológicas, psicológicas e biológicas, demonstra sobejamente que aqueles
resultados são parciais e subjectivos. Isto porque, na área do humano, tanto os
talentos como as aptidões, as incapacidades como as deficiências nem sempre se
exteriorizam manifestamente. Por outro lado, as hierarquias de valores individuais
dificilmente são mensuráveis sociologicamente, e, tanto as deficiências como os
talentos, são valorizados ou subvalorizados em função de critérios sócio-grupais,
comunitários, sociais, culturais e profissionais.
Por isso, embora tradicionalmente, como critérios de anormalidade se
postulem critérios sociais, biológicos, genéticos e de adaptação ao meio ambiente,
164
inferir o conceito de anormalidade unicamente de tais critérios é fazer com que um
tal conceito emane da norma estatística, reduzindo, conceptualmente, o ser humano,
a uma mera peça da engrenagem social e do mercado produtivo. Por isso, devendo
os critérios definidores de normalidade ou anormalidade emergir de análises e de
desenvolvimentos multifactoriais e multifuncionais, tais critérios deverão incidir
fundamentalmente na análise da concretização dos fins e objectivos, bem como no
desenvolvimento e aplicação das capacidades e potencialidades de um indivíduo,
norma que impõe o pleno desenvolvimento de cada um, o seu investimento e
realização.
No entanto, sendo o ser humano um ser social por natureza, ele nem só
cresce e se desenvolve biologicamente, mas também se socializa e se integra em
determinados modelos comportamentais institucionalizados pela evolução das
próprias sociedades, cultura, meios e ambientes. Em tais modelos, o indivíduo
orienta e reforça comportamentos, desenvolve capacidades, estimula e desenvolve
potenciais, estrutura e reestrutura conceitos e mentalidades, inova situações e cria
mudanças. Daí o facto do conceito de anormalidade não poder ser submetido a
determinantes rígidos tanto de natureza educativa como de natureza social pois um
tal conceito, segundo estudos antropo-psicológicos e etno-psiquiátricos, depende
não só de civilização para civilização ou de cultura para cultura mas também de
comunidade para comunidade, evidenciando-se, então, a necessidade de aceitação
do diferente.
Na realidade, ser diferente é característica conatural a todo o ser humano, o
qual devido não só a razões hereditárias e genéticas mas também devido a múltiplos
outros factores de natureza sócio-familiar, ambiental e cultural, como se demostra
através de testes efectuados a crianças da mais tenra idade, na presença de um
determinado estímulo, todos reagem distinta e diferentemente tanto a nível biológico
como motor, afectivo, como emocional, relacional ou verbal, reacções que poderão ir
desde a mera passividade a reacções parcialmente envolventes ou multidimensionalmente totalizantes, interdependendo os níveis de tais reacções das sensibilidades
de seus receptores sensoriais, perceptivos, emocionais ou mesmo de sua
familiarização com o estímulo proposto, atitudes estas cuja tendência é de acentuar
a sua diferenciação através do desenvolvimento e da acção, do investimento e
concretização, caso factores neuropsicológicos, sócio-psíquicos, emocionais ou
afectivos não rompam, danifiquem, asfixiem ou distorçam o desenvolvimento e a
funcionalidade de tais conaturais processos mas, bem pelo contrário, tais processos
deveriam ser valorizados, estimulados e desenvolvidos pelos próprios meios sociais
e culturais pois, não sem razão, J. B. Watson ( 1930 ) afirmou: « dêem-me uma
dúzia de crianças sãs e bem formadas, e eu comprometo-me a escolher uma ao
acaso e prepará-la para que venha a ser o que quiser: médico, advogado, artista,
comerciante e até mendigo ou ladrão, sem considerar os seus talentos,
capacidades, tendências, habilidades, vocação ou raça de seus antepassados. ».
A forte e acentuada crença no potencial de desenvolvimento e nas
capacidades do sujeito humano manifestada pelo citado autor pode, sem dúvida,
emanar de sua própria intuição no facto de que as reais e verdadeiras deficiências
intelectuais e mentais não ultrapassam 2,5 % de uma população tida por normal. As
restantes deficiências, incapacidades e atrasos são causados ou desencadeados
por processos familiares, sociais, escolares, ambientais ou culturais.
O indivíduo diferente, tomado aqui em sua caracterização de deficiente,
apesar de suas limitações ou incapacidades comparativamente em relação ao dito
sujeito normal, desenvolve-se por processos idênticos aos deste, permanecendo a
165
distinção, em tais processos, na existência de subdesenvolvimentos comparativos e
na maior ou menor distanciação de sua idade mental com a cronológica e os seus
processos de aprendizagem escolar centralizam-se mais nos processos de imitação
e de repetição que nos processos de criatividade e de associação. No entanto,
comparando a idade mental de uma criança normal e uma deficiente tanto os erros
nas aprendizagens como as omissões e substituições, os desenvolvimentos como
os recuos, são idênticos, significando isto que a criança deficiente permanece muito
mais tempo em seus processos primários de aprendizagem que a criança normal, a
qual, entrando mais ou menos rapidamente em processos secundários de
aprendizagem passa a associar, a identificar e a transferir; a intensificar, a
representar e a substituir e, por isso, a sentir rápidas acelerações em seus
processos cognitivos. Em vez disso, o deficiente poderá permanecer longo tempo
em seus processos primários e, no caso de acentuados níveis de deficiência, jamais
atinge o desenvolvimento dos níveis dos processos secundários de aprendizagem.
Os potenciais de conhecimento e de acção de tais deficientes permanecerão a
níveis de seu inconsciente ou pré-consciente e jamais se manifestaram,
exteriorizaram e desenvolvem em benefício de si mesmos, dos outros, da
comunidade ou da sociedade em geral e sem que seus processos psíquicos,
cognitivos e mentais passem por uma série de transformações necessárias à
vivência de uma existência em sua normalidade social, psicológica, emocional e
afectiva, permanecendo, então, seus possíveis potenciais recalcados em seu
inconsciente. Porém, tanto os processos de desenvolvimento psíquico como de
cognição e de harmonioso desenvolvimento interdependem enormemente das interrelações efectuadas entre os três sistemas psíquicos do indivíduo, isto é, do seu
inconsciente, pré-consciente e consciente.
As ausências, distorções ou obstáculos de comunicação entre estes três
sistemas da acção e desenvolvimento neurocerebral, instintivo-funcional e erótico
libidinal com suas funções e necessidades emocionais, afectivas, psíquicas,
cognitivas, intelectuais e mentais são causas fundamentais não só de deficiências
intelectuais mas também dos transtornos, perturbações e desvios emocionais,
afectivos e comportamentais. Isto porque como afirmou Freud ( V. W. II – III, 620 )
« o sistema pré-consciente opera entre o consciente e o inconsciente e faz com que
não só se feche o acesso ao consciente mas também o do consciente ao
inconsciente e, como é óbvio, os processos cognitivos efectuam-se a partir da carga
e acção bioenergética do inconsciente em dinâmica e interacção com os processos
do real, o princípio do prazer e da envolvência ».
Uma tal harmoniosa e desejada funcionalidade do aparelho psíquico do ser
humano pode ser anulada, distorcida ou bloqueada por múltiplos e hipercomplexos
factores tanto de natureza endógena como exógena, criadores do deficiente, do
anormal, do doente ou do patológico. Daí o facto da causalidade de tais efeitos ser
multidiversificada, pluridimensional e de hipercomplexas origens. Por isso, hereditariedade, gènes, gravidez, parto, doenças infecto-contagiosas, acidentes de
trânsito, doenças profissionais ou de trabalho, acidentes cardiovasculares,
senilidade, etc., podem estar na origem de uma deficiência ou de uma doença
mental, as quais, não raras vezes, manifestam-se como plurideficiências, isto é, com
deficiências mentais, distúrbios emocionais e alterações comportamentais ligeiras,
moderadas, profundas ou severas.
Existem, por consequência, indivíduos com deficiência mental e,
simultaneamente, com paralisia cerebral, o que, na realidade, não necessariamente,
uma implica a existência da outra. No entanto, existe, não raramente, uma relação
166
entre as duas porque qualquer problema genético, neurocerebral, fisiológico ou
ambiental que danifique o sistema nervoso central ao ponto de causar paralisia
cerebral pode também causar deficiência mental. Por tal facto, no caso de crianças
com paralisia cerebral, torna-se impossível a elaboração de um diagnóstico de
deficiência mental com base em testes de inteligência padronizados para crianças
com capacidade de fala, de linguagem e motora. É que muitas crianças com
paralisia cerebral têm problemas tanto na área da comunicação como da linguagem,
da psicomotora como na da aprendizagem, da audição como da visão.
A nível neuropsicológico, a existência de lesões pode não só anular ou
diminuir o desenvolvimento de certas funções cerebrais como também fazer com
que a passagem, interacção e retroacção dos estímulos entre os hemisférios não se
efectuem, apesar de neuro-anatómica e psicoemocionalmente ser possível efectuarse trabalhos, acções e comportamentos de compensação que neutralizam os efeitos
de uma tal lesão ou danificação cerebral.
No caso de crianças com deficiência mental ou atraso ligeiro, a nível de
aprendizagens, normalmente com alguma lesão cerebral, distúrbio emocional ou
deficiência sensorial e com problemas generalizados a nível da linguagem falada,
escrita, da leitura, soletração, cálculo, etc.; umas manifestam-se hiperagitadas ou
hipercinéticas e outras tímidas, inibidas ou passivas e outras não apresentam
dificuldades de maior a nível de compensação e de desenvolvimento de suas
capacidades deficitárias ou abaixo da média, desde que acompanhadas por técnicas
psicopedagógicas compensatórias, desenvolvimentistas e curativas, isto é, por
técnicas bioenergigantes, vitalizadoras, dinâmicas, activadoras, emocionais e
afectivas.
Considerando os enormes potenciais de plasticidade, flexibilidade,
maleabilidade e adaptabilidade do cérebro humano as causas dos atrasos mentais
infantis ou das deficiências ligeiras, dos transtornos, perturbações ou disfunções do
cérebro humano são muito mais fáceis de compensar, de desenvolver e de
reequilibrar na primeira e segunda infâncias que na fase da adolescência e muito
mais fácil nesta fase, que na fase da adultícia. E isto não só porque o próprio
cérebro humano possui suas fases de aproximação do desenvolvimento maximal e,
por isso, também de compensação, harmonização e equilibração, mas também
porque em seu estado de adulto o ser humano desenvolve esquemas mentais,
afectivos e emocionais de atitudes e comportamentos em nada facilitadores de
mudanças e/ou de inovações a nível de estruturas psicocerebrais, cognitivas,
intelectuais ou mentais.
Com efeito, a existência de certos sinais ou a ausência de certas
manifestações já na mais tenra idade de uma criança, são sintomas de deficiências
em seu desenvolvimento psicomotor ou de anormalidades funcionais como sucede,
por exemplo, quando após os três meses de idade uma criança persiste com
oscilação da cabeça, quando a partir dos oito-nove meses de idade é incapaz de
manter sozinha a posição de sentada, não possui prensão voluntária, quando a
partir dos dezoito meses não caminha, quando a partir dos três anos de idade não é
capaz de efectuar a cópia de um círculo, a partir dos quatro anos a cópia de um
quadrado ou a partir dos sete a cópia de um losângulo.
Um tal conjunto de sinais, teoricamente revelador de futuros atrasos ligeiros,
podem tornar-se moderados ou mesmo graves, caso os seus portadores não sejam
submetidos às terapias, às propedêuticas, às intervenções ou às reeducações
necessárias e adequadas, visto o não tratamento ou evitamento de tais causalidades
poderem tornar-se causa essencial acrescida de outras daí decorrentes de
167
acentuado atraso intelectual, perturbação comportamental e a inadaptação social.
Isto porque os efeitos de um atraso mental ligeiro podem possuir consequências não
previsíveis, isto é, uma criança poderá possuir dificuldades de aprendizagem durante
seus processos de escolarização e, futuramente, a nível sócio-profissional
adaptar-se ou integrar-se em consonância com seu nível intelectual sem ser
considerado atrasado ou deficiente intelectual como tinha sido durante a sua
escolaridade. Poderá, pelo contrário, efectuar os parâmetros exigidos pela
escolaridade e, socialmente, tornar-se inadaptado, revoltado, marginal ou
delinquente.
Um tal múltiplo e complexo conjunto de possíveis derivações sóciocomportamentais e integrativas parece, em grande parte, interdependente, com
certa e actualizada evidência científica, não só da profundeza e latitude das lesões
ou distorções neuronais mas também da localização no sistema neurocerebral. É
que, implicando a acção funcional do sistema cerebral mobilização e dinâmica
integrada e interactiva de todas as suas partes, uma lesão, distorção, bloqueamento
ou inibição de uma dessas unidades, sub-unidades, áreas ou regiões provoca ou
desencadeia maiores ou menores efeitos, distorções, disfunções ou deficiências no
seu todo, como parece evidenciar-se através da síndroma de desconexão neuronal,
a qual imobiliza ou dificulta a mobilidade de uma ou várias estruturas cerebrais como
sucede, por exemplo, com a existência de lesões na área da recepção, dificultadoras
da expressão e da comunicação, com lesões no tronco cerebral, no hipotálamo, nos
hemisférios cerebrais, no corpo caloso, nos lóbulos, as quais provocam, cada uma
delas, seus especiais efeitos mais ou menos acentuados como sucede, por exemplo,
com certo tipo de lesões efectuadas no corpo caloso em que o sujeito aparece sem
comunicação entre os dois hemisférios e, por isso, com deficiências ou disfunções
mentais a nível global, lesões num dos dois hemisférios que desencadeiam
dificuldades ou problemas a nível de associação e de harmonização funcional, visto
os sistemas intuitivos, psíquicos e intelectuais emanarem das inter e retroactivas
dinâmicas e actividades de certos lugares neurocerebrais, essencialmente dos que
estão conectados com os sistemas motores e perceptivos, com os das pulsões e das
emoções, dos estímulos e dos afectos, visto estes desempenharem funções
bioenergizantes nos sistemas psíquicos, intelectuais e mentais, interactivando
genótipo e fenótipo, indivíduo e meio, orientando e conduzindo o sujeito em seus
processos de organização e de desenvolvimento, de integração e de adaptação aos
meios, aos ambientes e aos ecossistemas.
A existência de um tal conjunto de potenciais de flexibilidade, de
maleabilidade e de adaptabilidade de um indivíduo não impede, porém, nem
compensa ou recupera no todo ou em parte a vasta e complexa sintomatologia da
deficiência cuja etiologia genética, hereditária, acidental, familiar, social, orgânica,
cultural, ambiental, emocional ou afectiva gera complexos e interdependentes efeitos
das mais variadas dimensões e dos mais diferentes graus de profundidade, com
efeitos diferentes ou específicos de deficiência para deficiência, embora, geralmente,
uma deficiência não apareça isolada como sucede, geralmente, nos casos do
mongolóidismo em que o sujeito apresenta, simultaneamente, deficiências
respiratórias, cardiopatias, problemas de imunização ou certo tipo de lesões
cerebrais que aparecem em conjunto com epilepsia, embora a causalidade dos
efeitos mais negativos interdependa fundamentalmente da gravidade e localização
da lesão contraída e de suas implicações socioculturais e profissionais, que podem
por à prova todas as técnicas, meios e instrumentos de recuperação, mesmo quando
estes são persistentemente utilizados imediatamente após a efectuação da lesão.
168
É que, por exemplo, em casos de deficiências severas e profundas,
cuidados e tratamentos adequados e intensivos, compensam, estimulam e
desenvolvem as restantes áreas funcionais do cérebro mas não substituem a área
lesada.
É óbvio, no entanto, que nem todas as lesões cerebrais são causadoras de
deficiências ou de atrasos mentais, como sucede quando uma lesão ou paralisia
cerebral produz efeitos de natureza exclusivamente motora embora os efeitos de
uma tal disfunção possam estar na base de inibições comportamentais, complexos
de inferioridade, rejeições ou não aceitações por parte do sujeito, o que o pode
conduzir à revolta, à solidão, à timidez ou à auto-rejeição, factores desencadeadores
de dificuldades de aprendizagem, obstáculos à socialização e à integração grupal e
social, advindo, de tais comportamentos, manifestações de atraso mental e de
incapacidades nas aprendizagens.
De facto, as causas dos atrasos intelectuais são de vária ordem, natureza e
nível, e não exclusivamente desencadeadas por lesões ou disfunções cerebrais. As
carências sensoriais, por exemplo, são causa de ausência dos estímulos
necessários a nível de sensorização e tais limitações podem conduzir um indivíduo
a dificuldades ou incapacidades de manualização, manipulação, orientação e
interacção com os meios, os outros e o ambientes como sucede com os cegos e os
surdos. Os casos das carências afectivas e emocionais, de maneira particular as
resultantes da primeira e segunda infância, ocupam um lugar de destaque nas
causas dos atrasos intelectuais ou mentais, visto tais carências ou privações
gerarem na criança, segundo Ajuriaguerra, « ausência de diálogo tónico »,
síndromas de hospitalismo ou de « depressão anaclítica » segundo René Spitz ou
síndroma de « atraso ambiental », segundo a terminologia de Gesell. Isto porque a
criança, na relação mãe-filho, recebe, desde os primeiros momentos da sua
existência, numerosos sinais e provas de afecto, de maneira particular no momento
da alimentação, do cuidado do corpo, da higiene e, embora a criança responda à
mãe de forma global e indiscriminada, estabelecem e estruturam entre si laços de
afecto, de carinho e amor, e tais laços desenvolvem na criança sensações de prazer
e protecção, de bem-estar e segurança, de liberdade e comunicação, factores
essenciais de desenvolvimento de novos e diferenciados estímulos positivos, de
busca de interacções com os outros e com o meio, de descobertas e de
criatividades, factores essenciais do desenvolvimento de vastas gamas de estímulos
quantitativos e qualitativos.
As privações ou carências de natureza sociocultural também se encontram
nas causas dos atrasos intelectuais, como demonstrou Basil Bernstein: as crianças
oriundas de classes sociais, sociocultural e economicamente desfavorecidas, são as
de maior número entre as crianças com dificuldades de aprendizagem e, de uma
forma generalizada, as crianças de uma tal classe sociocultural e económica
caracterizam-se em suas atitudes e comportamentos sociais e escolares, pela
utilização de frases curtas, frequentemente incompletas e gramaticalmente simples;
por uma construção sintáctica pobre, uso simples e repetitivo de conjunções,
utilização frequente de perguntas e de ordens, uso limitado e rígido de adjectivos e
advérbios, pouca utilização de pronomes impessoais, uso de simbolismos de baixa
ordem de generalidade, formulação de afirmações sob a forma de perguntas,
afirmações que indicam, simultaneamente, a razão e a conclusão, frequente
selecção individual a partir de um grupo de frases idiomáticas, estruturação de
frases em que a qualificação individual está implícita, etc., características sóciolinguísticas, sociais e comportamentais que fazem com que as crianças de tais
169
classes sociais possuam quinze vezes mais probabilidades que as crianças de
classes médias ou superiores de serem diagnosticados como « atrasados mentais ».
É que, normalmente, a tais características sócio-linguísticas anexam-se efeitos de
privações afectivas, de cuidados higiénicos e médicos, de alimentação e
subnutrição, bem como os efeitos das escassas interacções em seus ambientes
familiares e sociais e os da existência de condições mínimas para desenvolvimento
de habilidades e de destrezas; de desempenho de tarefas, papeis e funções.
Não raras vezes, porém, crianças com quocientes intelectuais situados entre
55 e 80 apresentam sintomas cujas causas interdependem das interactivas
complexidades anteriores. E, embora, tais crianças possam ser dotados de muitos
outros e variados potenciais, tanto a sociedade em geral como a escola
institucionalizada geralmente não os valorizam, estimulam ou desenvolvem,
orientando tais crianças pela ausência do princípio da valorização, da realidade e do
empenho, da auto-aceitação e da funcionalidade plena, da auto-estimulação e da
heteromotivação, comportamentos sociopsicológicos cujas hipotéticas probabilidades de oportunidades iguais aprofundam ainda mais as desigualdades existentes a
partir do próprio nascimento.
Além disso, a existência de um tal comportamento tem origens também no
facto das causas dos atrasos mentais serem de vasta e heterogénea causalidade,
possuindo, apenas, quase em comum, o facto da dimensão intelectual não possuir
um desenvolvimento normal, nem se poder prever, com segurança, qual a dinâmica
da sua funcionalidade nem o seu prognóstico, apesar de um tal critério permanecer
exclusivo do domínio pedagógico e, por isso, não avaliar nem valorizar as possíveis
potencialidades de desenvolvimento de uma criança ao nível das potencialidades e
competências sociais, sócio-integrativas e futuramente profissionais, características
essenciais de socialização e integração dos indivíduos em seus meios familiares,
sociais e profissionais.
Ora, tendo em consideração as várias dimensões em que um indivíduo tem
necessidade de dinamizar, concretizar e realizar sua própria existência, a
Associação Americana para o Atraso Mental acentuou como critérios o do
funcionamento intelectual e o das habilidades adaptativas. Por isso, segundo a dita
Associação, é diagnosticado como atrasado mental o indivíduo que possui um
quociente intelectual aproximadamente de 70 a 75 ou inferior, o que possui
disfunções ou incapacidades significativas em duas ou mais áreas das habilidades
adaptativas e o que manifestou índices de atraso antes dos dezoito anos de idade.
O quociente intelectual pode ser avaliado através da passagem de testes
psicológicos por pessoal condignamente qualificado e o seu comportamento
adaptativo pode ser definido pela avaliação da eficácia com que um indivíduo
executa suas actividades e acções de independência e de responsabilidade social e
se insere em seus grupos etários e culturais, e isto sempre em função de sua idade
cronológica e de seus grupos e meios de pertença natural. Por isso, Grossman
(1973) afirmou: «o atraso refere-se a um funcionamento intelectual geral
significativamente inferior à média, existindo concorrencionalmente com defeitos de
comportamento adaptativo e manifestando-se durante o período do desenvolvimento» ( Grossman, 1973 pág. 11 ).
Sendo, em sentido genérico, causas dos atrasos mentais, factores genéticos
e hereditários, lesões, desconexões e disfunções cerebrais, doenças mentais e
carências ou privações emocionais, afectivas, sociais, culturais e económicas, uma
tal vasta e complexa interdependência faz com que suas causas se tornem
impossíveis de analisar separadamente.
170
Existe, actualmente, uma acentuada tendência para pôr em evidência o
papel dos factores culturais no desenvolvimento intelectual e mental da criança,
mas, torna-se importante, porém, que um tal movimento não despreze, por sua vez,
o grande número de desorganizações neurológicas de ordem cromossómica ou
metabólica. É que as causas do atraso mental devem ser procuradas de forma
multidimensional e interdisciplinarmente, isto é, a nível genético, hereditário, de
lesões ou de desconexões neurocerebrais e de influência dos factores
socioculturais e afectivos.
Certos autores, no entanto, falam de atraso de origem endógena quando se
referem a indivíduos com atraso de origem orgânica e atrasos de natureza exógena
quando no distúrbio predomina uma perturbação emocional, afectiva, relacional,
social ou cultural. No entanto, como assinala M. Vial, nada comprova que os traços
psicológicos descritos a propósito dos chamados deficientes endógenos não estejam
presentes, igualmente, quando os factores afectivos são os que intervêm
fundamentalmente. Mesmo assim, nada permite afirmar que o prognóstico de um
deficiente de origem afectiva seja necessariamente melhor. Uma revisão dos
factores que acarretam variação da inteligência apresenta-nos um percentual de
40% de variação atribuível a componentes genéticos não fixos e o restante
dependente da influência do meio, podendo este ser atribuído a três factores
diferentes: às doenças e às condições de nutrição, principalmente no período prénatal, ao meio intelectual e abrangência dos interesses intelectuais na sua função de
estímulos e às possibilidades culturais e educativas.
A nível genético não só as patologias ou malformações devem ser tomadas
em consideração mas também as características normais ou patológicas dos pais
que possam influir no desenvolvimento da criança, além dos mecanismos
hereditários propriamente ditos relacionados com a idade dos pais, com as
condições de gestação, etc.. A nível de factores não genéticos, por outro lado,
devem ser tomados em consideração a existência de agentes que actuam durante o
desenvolvimento do embrião ou do feto, a existência de lesões durante o parto que
atingem um feto bem constituído e provido de todas as possibilidades ou a
existência de lesões que acontecem com crianças pouco depois do nascimento,
factos e contingências que originam as denominadas lesões cerebrais ou alterações
orgânicas.
Além disso existem, no entanto, perturbações que não lesionam o cérebro
em si mesmo mas que alteram a sua organização pois têm origem em factores
externos relacionados com o meio ambiente.
A nível de pragmatismo, porém, o grande problema a nível de atrasos
mentais não está somente em distingir entre o que é genético mas também em
tentar isolar, de um lado, as deficiências mentais relativas a uma falta de potencial,
classicamente consideradas como hereditárias ou relacionadas com uma insuficiência cerebral adquirida e, de outro lado, as deficiências mentais que aparecem em
crianças cujo potencial anátomo-fisiológico é de valia, mas que não são capazes de
utilizá-lo ou que, por razões socioculturais ou afectivas, tornam-o inútil.
A maioria absoluta das representações sociopsicológicas de deficiente
intelectual tornam-o sinónimo de insuficiente, atrasado intelectual e de incapacitado,
o que, de facto, não corresponde à realidade dos potenciais psico-intelectuais e
afectivo emocionais de um sujeito. Tais características traduzem mais aspectos ou
dimensões psico-clínicas, escolares e cognitivas de um sujeito que fazem com que
ele se sinta incapaz de responder ou de corresponder às exigências e necessidades
deste ou daquele determinado meio e, por isso, limitações face ao comprimento de
171
certas exigências e não estados fixos de desenvolvimento intelectual e mental,
pois tais défices podem ser recuperados, reabilitados, compensados, orientados e
mesmo investidos em desempenhos, tarefas, funções e actividades sócioprofissionais compatíveis não só com as capacidades e competências do indivíduo
mas também com os seus potenciais de desenvolvimento, de integração e de
afirmação individual ou pessoal.
No entanto, a objectividade dos factos, demostra que os sujeitos deficientes
intelectuais possuem menor rendibilidade e desenvolvimento a nível intelectual,
cognitivo e mental em algumas ou em variadas dimensões desenvolvimentais em
relação aos grupos comparativos ditos normais, grupos cuja normalidade
interdepende, sobremaneira, de um certo critério de homogeneidade implementado
pela sócio-pedagogia institucionalizada, visto ser em função de resultados escolares,
dos comportamentos sociais, da comparação com os quocientes intelectuais médios
e superiores, das socializações escolares e das integrações profissionais que um
determinado sujeito, tradicionalmente, é avaliado como normal, subnormal ou
anormal.
É evidente, porém, que as capacidades de um sujeito deficiente são
diferentes das capacidades dos indivíduos normais e destes se diferenciam em
muitos e variados aspectos, dimensões e níveis. Por isso, comparar o incomparável
torna-se anacrónico e ilógico, pois as experiências sociais, os potenciais de
comunicação tanto interiores como exteriores, as motivações e as expectativas de
uns não são iguais às dos outros. Tanto o nível como a quantidade ou a qualidade
dos deficientes é mais baixo, mais reduzida e mais pobre que a dos não deficientes,
e isto tanto em seus mais variados níveis de desenvolvimento como de acção, de
socialização como de integração.
A variabilidade de tais níveis e dimensões encontram-se na origem dos
conceitos de insuficiente intelectual, atraso mental, debilidade mental e deficiência.
O conceito de insuficiência intelectual gerou os categorizantes diagnósticos
de deficiência ligeira ou moderada com hipóteses de reversibilidade, e, o de
insuficiências intelectuais com deterioração ou degeneração das funções mentais. O
do conceito de deficiência irreversível, classificação que desencoraja, inibe todas as
perspectivas terapêuticas de educabilidade, de sociabilidade e de integração.
Por isso, diagnosticar uma criança de deficiente intelectual ou mental é
hipercomplexo, pois os seus potenciais não se reduzem exclusivamente aos
aspectos fundamentais do seu funcionamento cognitivo, isto é, à motricidade, às
práxias, à percepção, ao esquema corporal, à estruturação das representações no
espaço e no tempo, etc., mas, também, e, fundamentalmente, à sua dinâmica
interior, aos seus potenciais bioenergéticos, aos seus conflitos individuais, às suas
representações afectivas, às suas envolvências emocionais com os meios, os
objectos ou os instrumentos; aos seus mecanismos de rejeição ou projecção, aos
seus bloqueamentos, receios ou medos, aos seus meios familiares, subculturas
ambientais, interacções socioculturais, níveis intelectuais, sócio-profissionais e
culturais dos meios, bem como ao dinamismo psicoemocional do indivíduo.
O facto de não se ter trabalhado com o conjunto das anteriores variáveis,
mas, apenas com aquelas que, falsamente, se consideravam essenciais ao
funcionamento cognitivo, fez com que filhos de classes sociais ou profissionais
diferentes obtivessem quocientes intelectuais diferentes e, o espírito veiculado pela
escola institucionalizada, apesar de toda a sua democraticidade, implementasse
uma dinâmica de darwinismo sociológico, graças às suas valorizações do formal, do
abstracto e subvalozizações do informal, do concreto e do operacional pois, como o
172
demonstrou Salbreux e Rougier, ( 1979 ), numa vasta investigação que abrangeu
4236 indivíduos, os casos de atraso profundo, isto é, de quociente intelectual inferior
a 30, são de origem das mais diversas classes sociais, sem distinção nenhuma
entre elas, com excepção de psicoses infantis gravemente deficitárias, que seriam,
segundo os autores, mais frequentes nos filhos das classes cultas e abastadas.
Não há dúvida, no entanto, que as deficiências intelectuais de um indivíduo,
sobretudo de uma criança, emergem de seus factores bioneurológicos, familiares,
relacionais, emocionais, afectivos e sociais e, de tais inter-relações, emanará a
diversidade de sua organização, a qual será mais ou menos funcional ou
disfuncional consoante as estruturas, dinâmicas, solicitações ou exigências dos
meios e os graus de maturação, os níveis de maturidade e os processos de
organização e de desenvolvimento do indivíduo. Assim disfunções neurocerebrais
provocadas por malformações hereditárias ou genéticas, por lesões cerebrais prénatais, peri-natais ou pós-natais podem constituir causas primárias de deficiências e
de perturbações relacionais nas necessárias vivências mãe-filhos, nas inter-relações
criança-meio, no desenvolvimento das pulsões individuais, nas energias emocionais,
nos afectos relacionais, na elaboração e desenvolvimento da função simbólica, nos
registos e aprendizagem das comunicações e da linguagem, disfunções cujos efeitos
se tornam impossíveis de prever a médio e longo prazos, mesmo quando é possível
o investimento do potencial reabilitativo, terapêutico e educativo. Isto porque as
disfunções cerebrais acarretam certas incapacidades ou dificuldades no
restabelecimento e reorganização da integridade do indivíduo, no controlo de seus
movimentos, na orientação das suas pulsões bem como no desenvolvimento e
harmonização de suas potencialidades.
A existência das anteriores inter-relações deve-se ao facto de que, sendo o
ser humano uma unidade biossociopsicológica, torna-se um contra-senso opôr
doenças mentais ou deficiências psíquicas a doenças do corpo ou efectuar
oposições entre doenças mentais e doenças somáticas. Como afirmou Ch. Dejours
( 1989, p. 116 ): « as doenças mentais serão sempre ao mesmo tempo doenças do
corpo e doenças do corpo serão sempre ao mesmo tempo doenças mentais. Ou, se
se prefere uma outra formulação, toda a doença será sempre simultaneamente
doença mental e doença somática ».
Com efeito, a natureza dos desenvolvimentos psíquicos, intelectuais e
mentais emerge dos desenvolvimentos e organizações dos processos primários do
indivíduo e o maior ou menor reforço de seu “ eu “ psicológico, corporal, afectivo ou
emocional, bem como seus mecanismos de defesa ou de projecção,
interdependerão das recíprocas interacções efectuadas entre seus processos
primários e secundários, entre os agentes ou factores do meio e seus potenciais
individuais, de maneira particular de flexibilidade e maleabilidade, de abertura e
disponibilidade, de receptividade e interiorização dos factores e acções do meio e
das restruturações ou reorganizações individuais. É através de um tal potencial de
mobilidade interactiva, de interacções e retroacções que interdependerá a sua
adaptabilidade à normalidade ou sua resistência ao desenvolvimento normal,
resistências de natureza bioneurocerebral, emocional, cognitiva, afectiva ou cultural,
que farão com que uns em relação à normalidade, permaneçam disfuncionais,
subdesenvolvidos ou em vários graus e níveis de atraso manifestados por
incapacidades ou ausência de competências, por défices ou alterações
neuropsíquicas, por distorções ou anomalias comportamentais, por inibições
emocionais ou carências afectivas ou por neuroses ou psicoses dos mais variados
níveis e formas mentais.
173
A nível neurocerebral, as disfunções organizativas, tanto a nível de células
como de neurónios, de sinapses como de axónios, podem influenciar negativamente
tanto a acção do sistema nervoso central como a do sistema nervoso periférico e
originarem perturbações, insuficiências ou deficiências nas mais variadas dimensões
da acção psicocomportamental, cognitiva ou mental consoante as localizações das
desorganizações, das lesões ou malformações cerebrais. Defeitos dos pais,
geradores de maus funcionamentos bioquímicos do organismo dos filhos, como
pode ser o caso da fenilcetonuria, perturbações do metabolismo proteico ou
alterações na constituição da molécula do A.D.N., são passíveis de transmitir
doenças ou deficiências aos próprios filhos, sendo o risco das anormalidades nos
descendentes directamente proporcional à gravidade da malformação, como,
sucede, por exemplo, na existência de distúrbios autossómicos dominantes, em que
o gène responsável por um distúrbio autossómico está situado num dos vinte e dois
autossomas, podendo afectar tanto os homens como as mulheres, pois que, uma
vez que alelos se segregam independentemente na meiose, há uma hipótese, de um
em dois, de que a prole de um heterozigótico afectado perca o alelo mutante e,
simultaneamente, uma probabilidade de um em dois da prole herdar o alelo normal,
visto serem característicos os factos de:
1º- cada indivíduo afectado ter um progenitor afectado, a menos que a
condição surja por uma mutação nova ou se expresse francamente no progenitor
afectado;
2º- um indivíduo afectado tem, em média, tanto a prole afectado quanto a
normal em iguais proporções;
3º- os filhos normais de um indivíduo afectado terão apenas prole normal;
4º- cada sexo tem igual probabilidade de transmitir a condição para a prole
masculina e feminina, ocorrendo a transmissão de homem para homem;
5º- a transmissão vertical da condição ocorre por sucessivas gerações,
especialmente quando um carácter não prejudica a capacidade reprodutiva.
Com efeito, embora em tais situações a metade da prole de um indivíduo
com uma condição autossómica dominante herde a doença, não é necessariamente
verdadeiro que cada pessoa afectada deve ter um progenitor afectado. Por isso, em
toda a doença autossómica dominante há uma certa proporção de pessoas
afectadas que devem o seu distúrbio a uma nova mutação e não, necessariamente,
a uma mutação herdada, e, muitas dessas mutações, podem prejudicar, ou não, a
função do produto genético ou envolver uma função recessiva, de modo que a
mutação será clinicamente silenciosa. Outras mutações, no entanto, causam um
produto génico defeituoso que originará um carácter dominante.
A nível de autossomas recessivos, a existência de distúrbios pode ser
factual, quando dois gènes anormais, expressivamente, se combinam para criar
condições especiais para a herança autossómica como sucede, por exemplo,
quando homem ou mulher são portadores do mesmo gène autossámico recessivo,
25% dos filhos serão normais, 50% serão heterozigóticos portadores e 25% serão
homozigóticos e afectados pela doença. Em tais circunstâncias constata-se que, se
um indivíduo afectado se casar com um heterozigótico, como pode ocorrer num
casamento consanguíneo, metade dos filhos será afectada ou se dois indivíduos
com a mesma doença recessiva se casam todos os filhos serão afectados.
Além dos gènes recessivos e seus consequentes distúrbios existe um
elevado número de perturbações desencadeadas pelo cromossoma x e, em tal
interdependência ligado aos distúrbios do cromossoma x, as mulheres são duas
vezes mais afectadas que os homens; uma mulher afectada transmite o distúrbio
174
para metade dos seus filhos e metade das suas filhas e um homem afectado
transmite o distúrbio para todas as suas filhas e para nenhum dos seus filhos,
podendo, a partir de tal transmissão, gerar-se, na prole, hemofilia, diabetes,
síndroma de Lesch-Nihan, distrofia muscular de Duchenne, feminilização testicular,
doença de Fabri, etc.. Além disso, muitas outras aberrações cromossómicas podem
tornar-se aparentes envolvendo os cromossomas 4,5,9 e 11 como sucede, por
exemplo, em ligação com o cromossoma 4, a existência de uma ossificação
atrasada e a microcefalia, com a existência de orelhas mal formadas e de
implantação baixa ligada ao cromossoma 5, com existência de sopro cardíaco ou
espaçamento aumentado dos mamilos ligado ao cromossoma 9 ou com atraso do
crescimento e genitais ambíguos no homem ligado ao cromossoma 11.
Existem, além disso, muitos outros potenciais de aberrações neuropsicológicas interdependentes da morte de neurónios ou da desagregação de sistemas
neuronais causada por factores de pré-disposição genética e hereditária dominante
ou recessiva, por intoxicações, infecções, distúrbios metabólicos, etc., desencadeadoras no indivíduo de doenças degenerativas do sistema nervoso, processadas
através de alterações das estruturas e funções dos neurónios e seus respectivos
sistemas provocadas por rupturas ou compressões dos axónios, modificações,
desintegrações ou desaparecimentos efectuados nas mais variadas áreas do
cérebro como sucede com as doenças de Parkinson, de Alzheimer e de Huttingthon.
Sendo a doença de Parkinson uma doença degenerativa, com evolução
bastante gradativa e curso prolongado, é uma doença típica da fase média ou tardia
da vida. Manifesta-se por movimentos trémulos involuntários, por acinèsias e rigidez
que dificultam o desencadeamento de movimentos voluntários e geram anomalias
não só no movimento, mas, também, na postura, bem como alterações ou
perturbações a nível do psicológico.
Não existindo paralisia total em tal doença, mesmo em seu estado mais
evoluído, acontece, não raras vezes, que o paciente, pela rigidez e pelos tremores,
tornar-se tão incapacitado a ponto de se tornar incapaz de cuidar de si mesmo. No
entanto, embora a deterioração mental não seja uma característica fundamental de
tal doença, existem probabilidades de um terço delas evoluírem até um estado de
demência bem como manifestarem alucinações visuais e auditivas.
Por sua vez, a doença de Alzheimer, podendo ser definida como verdadeiro
e real desastre anátomo-funcional, caracteriza-se por uma deteriorização mental
global e progressiva. É causada por uma atrofia cerebral difusa, geradora de
acentuados efeitos neuropsicológicos, progressivamente cada vez mais acentuados,
sem origem em lesões cerebrais circunscritas, mas com acentuadas e progressivas
modificações estruturais e desequilibradas a nível de neurotransmissores,
essencialmente a nível de córtice cerebral e de várias estruturas subcorticais, de
maneira particular a nível de hipocampo. A nível de córtice cerebral são atingidas, de
maneira particular, as áreas associativas, o que deteriora progressivamente as
funções superiores da mente humana, como sejam: a memória, o conhecimento, a
atenção, a linguagem, a orientação espacial, bem como as habilidades e destrezas
corporais correlacionadas, e, produzem, acentuados efeitos de natureza
psicopatológica, que vão desde a ansiedade à depressão, desde os delírios às
alucinações e a outros comportamentos anómalos.
É uma doença que, iniciando-se pelos 55 anos de idade, manifesta-se lenta
mas progressiva, tornando-se difícil de diagnosticar nos seus inícios. As suas
manifestações iniciais são perda de memória global e desorientação espacial
bastante intensa. Progressivamente nota-se uma deficiência mental global com
175
redução da actividade psicomotora, uma certa indiferença ao meio sócio-ambiental e
uma progressiva apatia emocional, surpreendidas, por vezes, por surtos de ira,
cólera ou ansiedade. A sua progressão, porém, faz com que perturbações
psicológicas mais acentuadas se desenvolvam e dêem origem a confabulações, a
alucinações, a comportamentos de acentuados ciúmes ou preconceitos; a
depressões crónicas e a delírios um pouco acentuados, a rupturas em seu
pensamento simbólico, a perturbações da escrita, da leitura e da linguagem.
Com a progressiva evolução da doença o paciente até as suas habilidades
mais elementares pode perder, bem como as partes mais elementares de sua
inteligência ecológica e entrar em estado de profunda demência, com perda
completa das actividades operatórias e simbólicas, do pensamento representativo e
formal e com verdadeiros síndromas de afasias, apraxias e agnosias de todo o tipo e
natureza. Em seu período terminal a doença evolui para um estado demencial
profundo com apragmatismos completos e aparecimento de comportamentos
arcaicos.
Ora, sendo a doença de Alzheimer uma doença evolutiva que progressivamente leva o paciente a um estado de demência, isto é, a uma fragilização global da
mente, bem como das capacidades psíquicas, intelectuais e mentais com profundas
alterações a nível emocional e afectivo, corporal e social, visto ser uma doença que,
em seu estado demencial atinge todas as funções intelectuais, iniciando-se a perda
da memória pelas recordações mais próximas e atingindo, progressivamente, as
recordações mais longínquas, sendo, em princípio, as recordações longínquas, com
forte carga afectiva, as últimas a desaparecerem.
A doença de Alzheimer é extremamente rara em pessoas jovens e na meia
idade. Em casos da trissomia 21, após os 40 anos de idade, aparecem lesões
características de uma tal doença. No caso de pessoas normais, à medida que a
idade avança, ela torna-se cada vez mais frequente, de forma que a incidência
chega a mais de 20% nas pessoas com mais de 80 anos de idade. O avanço da
idade, porém, não é factor predisponente, pois existem muitas pessoas idosas que
permanecem mentalmente saudáveis na nona década e mesmo após os cem anos
de idade.
Embora exista, ainda hoje, desconhecimento global da sua etiologia como
pontos de referência investigativa, pode-se constatar o aparecimento de tal doença
em casos familiares com herança autossómica dominante, certas predisposições
hereditárias, factores congénitos, existência de diversas perturbações metabólicas,
intoxicações, existência de certas viroses de desenvolvimento lento, etc.. Apesar
disso, constata-se, no entanto, um progressivo aparecimento e desenvolvimento da
doença de Alzheimer nas nossas sociedades ocidentais industrializadas.
No leque das doenças degenerativas encontramos ainda a doença de
Huttingthon, caracterizada por associação de movimentos atetóticos e demência
progressiva. Inicia-se, habitualmente, na meia idade e é transmitida como doença
autossómica dominante, encontrando-se o seu gène determinante localizado no
seguimento terminal do ramo curto do cromossoma 4, doença degenerativa
caracterizada pelo estado mórbido do paciente, com movimentos anormais e
anormalidades motoras complexas, parecendo a sua causalidade ser de natureza
hereditária pois, na maioria dos casos diagnosticados, existe uma história familiar da
doença, ainda que, ocasionalmente, tais pacientes manifestem sintomas típicos sem
história familiar documentada, visto muitos membros da família terem falecido de
outras causas antes que a doença se manifestasse.
176
O conjunto de doenças degenerativas, causador de estados demenciais, em
seu acentuado nível de involução, não se identifica, de forma alguma, com
oligofrenia, visto nesta existir, desde o início, um deficiente desenvolvimento
intelectual e, nos processos demenciais, provocados por factores degenerativos,
verifica-se uma regressão das capacidades já existentes. Por isso, as oligofrenias
são efeitos de acentuados défices mentais devido a causas hereditárias ou a
factores profundamente nocivos durante a gestação, no parto ou no pós-parto. As
suas etiopatologias podem subdividir-se em genéticas e não genéticas, sendo as
genéticas emanadas de características normais ou patológicas dos pais, que podem
influenciar o desenvolvimento da criança, além dos mecanismos hereditários
propriamente ditos, bem como as modificações relacionadas com a idade dos pais,
com as condições de gestação, etc.. Os factores não genéticos podem ser múltiplos
e de variada causa como, por exemplo, a existência de agentes que actuam durante
o desenvolvimento do embrião ou do feto, lesões durante o parto que atinjam um
feto bem constituído e provido de todas as possibilidades, lesões efectuadas na
criança pouco depois do nascimento, que provocam alterações orgânicas, negativos
factores ambientais, incapazes de estimular e desenvolver a criança em seu devido
tempo, apesar daquela poder possuir válido potencial como sucede, não raras
vezes, no caso de crianças abandonadas, profundamente subnutridas, crianças com
extremas carências e privações afectivas, emocionais ou socioculturais.
Embora certos autores englobem sob o termo oligofrenia o conjunto das
deficiências mentais seja qual for o grau, uma tal globalidade é de extremo
reducionismo e não caracteriza as origens da oligofrenia, visto esta, caracterizada
por acentuada insuficiência no desenvolvimento intelectual, psicológico e mental,
possuir as suas reais e verdadeiras causas em malformações neurocerebrais e em
problemas de desmetabolização cerebral, sintomas detectáveis durante a primeira
infância, visto tratar-se de deformações ou graves lesões do sistema nervoso central
sendo, posteriormente, a sua autonomia reduzida, a aquisição da linguagem
extremamente limitada, a maioria das vezes sem controlo dos esfíncteres e, por
vezes, sem aquisição da marcha. O quociente intelectual destas crianças não
ultrapassa, a maioria das vezes, um quociente de 30.
Embora o conceito de oligofrenia seja cada vez mais discutível, caso o
continuemos a utilizar, parece ser de bom senso usámo-lo apenas em referência
aos deficientes severos, isto é, em relação aqueles cujo quociente intelectual não
ultrapassa muito um Q. I. de 30 deixando os restantes níveis ou graus de deficiência
entregues ao conceito de atraso intelectual ou mental.
177
CAPÍTULO VI
O EMOCIONAL NAS EMERGÊNCIAS PROCESSUAIS DAS DIFICULDADES DE
APRENDIZAGEM
As técnicas modernas de diagnóstico do cérebro humano demostram que o aparelho
neuropsíquico do humano é hipercomplexo, com múltiplas diferenciações e cartograficamente
especializado. Por isso, o problema de hoje e do futuro em relação ao cérebro humano não se põe
em termos de anatomia e de localização das suas funções mas sim em termos de comunicações e de
retroacções entre as funções, em termos de qualidade e de quantidade das suas retroacções, da
acção das vias ou canais das fibras cerebrais, de suas comunicações e retroacções ascendentes e
descendentes, horizontais e verticais, corticais, subcorticais e transcorticais.
Não há dúvida, hoje em dia, porém, que existem centros do cérebro, áreas e sub-áreas
responsáveis de funções, de atitudes e comportamentos específicos embora em maior ou menor
interdependência ou necessária colaboração de outros centros ou áreas do cérebro, como sucede,
por exemplo, com o centro da linguagem, da memória, das emoções e dos afectos, que necessitam
de permanente interactividade com outros centros para conseguirem sua plena e harmoniosa
funcionalidade. Isto porque, apesar da predominância de certas áreas, produtoras de funções
específicas, o cérebro é um tecido nervoso em permanente actividade, e, uma mudança, lesão ou
disfunção numa das suas partes influencia, quantitativa ou qualitativamente, em maior ou menor grau,
todas as outras partes do cérebro.
É que, embora a anatomia cerebral e suas respectivas técnicas nos façam visualizar partes
distintas do cérebro com funções específicas, os efeitos comportamentais, emocionais e psíquicos de
um indivíduo emergem do seu todo. As capacidades mentais interconectam-se com processos
neurofisiológicos elementares, as actividades conscientes com processos e mecanismos
inconscientes, as emocionais e afectivas com processos fisiológicos e todas elas, no seu conjunto,
interdependem da maior ou menor actividade, resiliência, pulsão e dinamismo das acções e
retroacções do seu todo.
O próprio Luria, por exemplo, (1966) adverte-nos da perigosidade em considerarmos as
áreas específicas do córtice como lugares nos quais existem processos psicológicos específicos,
incluindo a própria percepção, dizendo: “desde o ponto de vista da Psicologia moderna, a localização
de tais processos, como a percepção visual ou auditiva, em áreas sensoriais limitadas do córtice
cerebral, bem como a localização do movimento e da actividade voluntária em áreas limitadas do
córtex motor, parece... mais improvável que a localização da respiração ou do reflexo patelar numa
área simples, isolada do cérebro”.
Por isso, como produtor e elaborador do pensamento, da acção e do comportamento de um
indivíduo, a unidade neurocerebral do aparelho neurofisiológico interactua sistémica e
indissociavelmente com os seus receptores e transmissores, captando, transmitindo e reelaborando
estímulos, impulsos, registos, informações, percepções, sensibilidades, sensorizações, motricidades,
sensações e emoções em função de suas disponibilidades e oportunidades, meios e circunstâncias,
elaborando, a partir de tais interacções, o pensamento e a acção, as atitudes e os comportamentos,
graças aos efeitos das interacções dos factores genético-hereditários mais ou menos eficientemente
conjugados e harmonizados com os factores dos meios, interaccionismo através do qual se captam
informações, se elabora o pensamento e se estimulam evoluções, visto a actividade cerebral
processar-se, através de processos de entrada, de circulação, elaboração, predisposição e saídas,
após intrínseca colaboração do sistema nervoso central, do sistema mental e comportamental, os
quais, por sua vez, são constituídos de processos cerebrais, e, é através da acção destes, em maior
ou menor interactivi-dade com os processos mentais, que se criam e desenvolvem os processos
intelectuais. Graças a uma tal actividade do cérebro, o psíquico e o intelectual tornam-se realidades e
estas realidades, em interacção com os meios, desenvolvem e interactivam imensas constelações e
redes de multiconexões que, progressiva-mente, vão estimulando não só o desenvolvimento do
próprio cérebro mas também o enriquecimento de seus conteúdos, a interfuncionalidade entre as
suas áreas e a maior ou menor abertura, disponibilidade e sensibilidade para desenvolvimento de
mais e melhores funções psíquicas, intelectuais e mentais, permanentemente interdependentes das
acções e dos estímulos do neurocerebral, do existencial, instrumental e ambiental em dinâmicos,
unitários e retroactivos processos genofenotípicos e, simultaneamente, ecossistémicos.
A actividade e intensidade de tais processos interdependem, fundamental-mente, do facto
de que as células não se comunicam entre si de forma indiscriminada nem formam redes aliatórias,
mas, também, do facto de que o modo como uma tal comunicação e informação circulam no cérebro
178
interdependem não só das respectivas redes neuronais mas também de outros factores como as
pulsões, as emoções, os afectos, a auto-estima, o auto-conceito, a dinâmica do princípio da realidade
e a funcionalidade no princípio do prazer, fenómenos que geram constelações de estímulos e de
motivações, de adesões e envolvências nos meios, e, os efeitos das acções destes estimulam o
desenvolvimento das estruturas e dos dinamismos cerebrais, fazendo com que a sua actividade se
torne mais expansiva, flexível, adaptável e reforçada, tanto em relação às suas próprias estruturas
como dinamismos, em relação aos meios, aos ambientes como às circunstâncias, gerando-se, a
partir daí, aberturas para novos patamares de percepções e cognições, de sensações e emoções, de
experiências e vivências, de orientações e concepções, tornando-se, tanto umas como outras,
activadoras de constelações de neurónios dispersas pelas mais vastas áreas do aparelho
neurocerebral de um indivíduo, as quais, sendo singulares, são diferentes de indivíduo para indivíduo,
tornando-se, também, a sua acção diferenciada consoante os meios, as circunstâncias, os estados
mentais, emocionais e afectivos dos momentos e das situações de cada um, geradores de maior ou
menor activação dos conjuntos de neurónios do córtice cerebral, de suas intrínsecas e extrínsecas
conexões, emanando, dos níveis de tais acções e de suas recíprocas interactividades, o real e
operacional potencial de elaboração e de associação de conceitos, de organização e reorganização
de raciocínios e de reestruturação de categorias e dinâmicas mentais emanadas de estruturas e
dinâmicas neurofisiológicas, bioquímicas e neuropsíqui-cas
em permanentes interacções e
modalidades funcionais que, em maiores ou menores comunicações recíprocas, se reforçam,
compensam e estimulam mutuamente.
Estes processos aparecem evidentes não só através dos processos de aprendizagem, mas,
também, dos da modificabilidade comportamental dos indivídu-os. É o que sucede, por exemplo, com
os prognósticos efectuados acerca das lesões cerebrais das crianças que são muito diferentes das
lesões efectuadas nos cérebros adultos. Uma lesão, por exemplo, efectuada antes dos dois anos de
idade na área da linguagem cerebral de uma criança não bloqueia ou impede o desenvolvimento da
sua linguagem a qual pode desenvolver-se mesmo na idade normal. Caso uma tal lesão apareça
depois do começo do desenvolvimento da linguagem, mas antes dos dez anos de idade, uma tal
lesão pode ocasionar uma afasia transitória, visto a linguagem, caso sejam aplicadas técnicas de
recuperação adequadas, poder recuperar-se e desenvolver-se mais ou menos no prazo de um ano,
ainda que no hemisfério esquerdo se mantenha uma lesão fixa e irreversível, significando isto que,
tanto o hemisfério esquerdo como o direito, estão pré-disponíveis para desenvolvimento,
aprendizagem e conhecimento da linguagem.
É através dos processos de maturação e de desenvolvimento, de aprendizagem, de
acomodação e integração, de cognição e intelectualização que as áreas específicas do cérebro
humano se vão estruturando, especificando e especializando em suas funções, apesar das suas
necessárias e imprescindíveis interdependências com as restantes áreas do cérebro para que a
harmonia e a vitalização neurocerebral se processe, estimule e desenvolva.
A aceitação dos efeitos de tais processos factuais demostram-nos que o centro da
linguagem não está predestinado, desde o nascimento, a localizar-se no hemisfério esquerdo do
cérebro de forma irreversível mas que uma tal localização interdepende das progressivas
diferenciações funcionais em simultâneo com a sua maturação efectuadas através dos contextos e
conteúdos da exercitação requerida pelos hábitos, costumes e tradições das culturas ocidentais.
É que, embora o aparelho neurocerebral possua predisposições para lateralizações
localizantes das suas funções estas também interdependem das acções dos sistemas sensoriais do
indivíduo, de suas respectivas percepções e sensações em mútuas e recíprocas interacções com os
factos e fenómenos de suas exercitações, estimulações e desenvolvimentos neurofisiológicos.
A acção de tais processos, conatural aos dinamismos neurossensoriais operacionalizados
de forma inconsciente, é estimulada pelas interconexões dos sentidos e das percepções e
accionadora do tronco cerebral, do sistema límbico, do tálamo, do hipotálamo e do hipocampo, os
quais, por sua vez, conduzem os efeitos das suas interconectadas activações às circunvoluções
frontais, temporais e occipitais do cérebro, através das quais parte dos factos inconscientes são
tornados conscientes e, simultaneamente, potenciais de desenvolvimento e reforço das capacidades
mentais com abertas redes de aferência e de comunicação com o inconsciente, dinâmica e interactiva
instância de enorme riqueza instintiva, pulsional, afectiva e emocional, a maioria das vezes presa,
bloqueda, ou recalcada, mas com enormes possibilidades de se tornar consciente através da
aceitação da sua intencionalidade, da sua dinâmica e vitalidade, potencialidades interactivamente
conectadas com a acção do consciente, visto ser intrínseca intencionalidade e necessidade de no
aparelho neurocerebral do ser humano existirem recíprocas e mútuas interacções entre os factos
neurofisiológicos do homem e seus fenómenos neuropsíquicos, os quais, graças à poderosa acção
da própria consciência individual, poderão e deverão ser orientados e investidos em função da total
179
harmonia, desenvolvimento, investimento e reprodução de novos fenómenos psíquicos, emocionais,
afectivos e intelectuais, bem como do expansivo desenvolvi-mento e perfeição dos factos
neurofisiológicos, alimentadores, reforçadores e estimuladores dos fenómenos psíquicos, visto
aqueles também assumirem dimensões conscientes, intelectuais e mentais, apesar de se
encontrarem, diferenciada e individualmente, distribuídos entre o inconsciente e a consciência, o que
faz com que entre inconsciente e consciência, por intermédio do pré-consciente, existam
possibilidades de mútuas e recíprocas interacções.
Tanto da qualidade como da quantidade de tais interacções interdependem, em grande
parte, as maiores ou menores potencialidades cognitivas e intelectuais de um indivíduo, o seu
sistema de equilíbrio psico-emocional e a maioria absoluta dos estados mentais equilibrados, das
alterações comportamentais e dos estados de doenças psico-somáticas.
É que os estados neurofisiológicos, por natureza inconscientes, são capazes de dar origem
a pensamentos, atitudes e comportamentos conscientes e, através de tais processos, o consciente
pode reelaborar ou reestrurar, modificar ou estimular, aceitar ou rejeitar, desenvolver ou inibir, orientar
ou distorcer, libertar ou lesionar os estados inconscientes bem como as suas estruturas e dinamismos
neurofisiológicos.
Embora a natureza e dinâmica do consciente do indivíduo possua potencialidades de tornar
conscientes os estados inconscientes, o que no quotidiano vivencial e sócio-cultural raramente
acontece, uma tal transmutação é lenta, progressiva e opera-se através de pulsões aferentes e
discriminativas, de sensibilidades tácteis e próprioceptivas, de percepções, emoções, afectos e
pensamentos nem sempre fáceis de coordenar, de orientar, de identificar ou de reunificar verso a
mesma identidade. É que, além da necessidade da existência de uma profunda e redimensionada
consciência de uma tal necessidade, tais processos efectuam-se através de rupturas e desapegos,
desidentificações e identificações, harmonias e desarmonias, e, nem sempre o novo, o diferente ou o
renovado é fácil de aceitar, visto o imprevisto ou o imprevisível apresentar-se, à maioria das pessoas,
como fragilizante, temível e estranho, além de poderem ser efectuadas maiores ou menores lesões
transitórias tanto no sistema nervoso central como no sistema nervoso periférico.
Ora, podendo-se afirmar, quase categoricamente, que a existência dos fenómenos
psíquicos conscientes emerge qualitativamente de factos neurofisiológi-cos interdependentes, de
maneira particular, das constelações dos neurónios motores e perceptivos, bem como da acção de
seu correspondente sistema sensório-motor, das suas exercitações, destrezas, habilidades e
desenvolvimentos integrados e assumidos pelo sistema consciente, processos cujas excitações,
interacções e actividades implicam participações activas tanto do sistema nervoso periférico como do
sistema nervoso central, a entrada em acção de qualquer sistema implica, mais directa ou
indirectamente, a colaboração dos restantes sistemas e, de maneira particular, num tal fenómeno de
transmutação, a endogeneidade de tais processos implica vitalidade dos estímulos somáticos,
emocionais e psíquicos, geradores de volição, a qual, por sua vez, coopera com o trabalho do
cérebro, a acção da emoção e a dinâmica do psiquismo.
No seio de um tal unitário processo, as variabilidades funcionais das várias estruturas e
organizações do sistema nervoso central mobilizam a sua acção aos músculos e aos nervos, ao
córtice, ao inconsciente e à consciência, músculos e nervos que, fazendo parte integrante do
denominado sistema nervoso periférico, penetram no crânio e no canal vertebral fazendo com que os
vários sistemas funcionais de um indivíduo sejam interactuantes, interdinamizantes e intermobilizadores entre inconsciente e consciente, motricidade e cognição, emoção e intelecto, exterior e interior.
É óbvio, por isso, a existência de uma intrínseca e extrínseca, mútua, recíproca e
consubstanciada cooperação de todas as áreas, regiões, subsistemas e dimensões do cérebro, bem
como com a totalidade da própria corporeidade para uma eficiente e harmoniosa actividade mental, a
qual, apesar de ser distinta da actividade cerebral, interactua com esta e estimula-a ou inibe-a,
expande-a ou asfixia-a, modifica-a ou bloqueia-a
Nos processuais dinamismos de tais retroacções e recíprocas interactividades não só o
inconsciente colectivo mas também o inconsciente individual desempenham acentuadas funções de
agentes motivadores ou inibidores, bloqueadores ou expansores de tais potenciais bioenergéticos,
neurocerebrais, intelectuais e mentais.
Com efeito, sendo um facto que tudo o que acontece é devido a causas ou, raramente, por
acaso, existem comportamentos nos indivíduos que eles próprios não conseguem explicar e
apresentam-se, então, à luz da psicanálise, como sendo resultados de um misto de seu inato
potencial biológico e energético com influências, crenças, tradições, culturas, medos e desejos,
originando atitudes e comportamen-tos cuja própria consciência, memória e percepção, por elas
mesmas, não conseguem explicar. Estes comportamentos, individualmente inexplicáveis, quando
não desejados, emergem do inconsciente individual de cada um, o qual possui, em sua própria
180
natureza, raízes perceptivo-emocionais emanadas do inconsciente familiar, grupal, ambiental, cultural
e civilizacional. Um tão vasto e hipercomplexo potencial perceptivo-emocional, bioenergeticamente
extremamente activador ou repressor, é orientável em função da total vitalização do ser humano, de
sua harmonia, eficiência e rentabilidade.
A orientabilidade de tais potenciais reside na própria factual natureza de que a instância do
inconsciente é parte integrante da natureza individual de um ser humano, tornando-se facto assente
que um elevado número de características da sua personalidade: vida emocional, afectiva, estética,
cognitiva e mental interdependem não só da acção e dos dinamismos do inconsciente mas também
da orientação dada a este, visto ser através daquela que não só a criança mas também o adulto toma
consciência das suas pulsões e satisfações, das suas energias e dos seus potenciais, das restrições
e limitações e, através da consciência de tais processos e dinamismos, busca incessantemente uma
vivência equilibrada entre sua estrutura e dinâmica interior, entre a existência e expansão do seu eu e
os interditos, restrições ou proibições do super-eu.
Por isso, a vida, dinâmica e orientação das energias pulsionais do inconsciente são de
suma importância não só para o equilíbrio do indivíduo mas também para desenvolvimento de seus
sistemas sensoriais, perceptivos, motores, criativos e estéticos.
Lickierman (1989), por exemplo, defendeu a tese de que a experiência estética é primária
no sentido em que está presente na criança desde o nascimento e se encontra ligada à
sensorialidade. Por isso, segundo ele, uma tal experiência não pode ser considerada como o
resultado de um conhecimento psíquico, mas como uma condição para este mesmo crescimento,
crescimento ou desenvolvimento que dependerá da capacidade da criança transferir a sua
experiência estética, iniciada na fase esquizo-paranóide, para a posição depressiva, e, da sua
capacidade de integração com o objecto total, o que permitirá à criança, e mais tarde ao adulto, ver o
mundo nas suas componentes positivas e negativas em consonância com a sua definição de
princípio estético.
Uma tal experiência estética, iniciada na criança em seu estádio pré-verbal, permanece
como uma estrutura inconsciente, e, será, igualmente, o protótipo de qualquer criatividade adulta e de
qualquer capacidade de fruir e apreciar a beleza.
O próprio Winnicott (1971), em sua perspectiva psicanalítica, vê a criatividade humana em
função da capacidade da criança para organizar o seu próprio espaço interior: o seio materno e o
objecto transitivo, ambos formados na ausência do objecto e com o objectivo de restaurar, em
fantasia, a fusão perdida com a mãe. Isto porque o objecto transitivo constitui uma área intermédia
de ilusão que coincidirá com a criação do símbolo como resultado da separação com o objecto
primário. E a criatividade surge, então, associada ao desejo de reparar o dano produzido em fantasia
no objecto primário e ao desejo de reconstruir um mundo interno melhor. Por isso, o artista é aquele
que é capaz de recriar os seus objectos internos e de lhes dar, separando-os de si, uma vida
autónoma. A sensorialidade ocupa, em tais processos, uma posição central em tais experiências,
visto estas ligarem-se a objectos de formas e, uma vez introjectados, constituirão os objectos-modelo
de qualquer capacidade futura da criança e do homem para apreciar a beleza e viver segundo
princípios estéticos.
Daí a imprescindível e necessária necessidade de se valorizar tudo o que se passou e
vivenciou até aos 3 – 4 anos de idade, pois um tal e enorme potencial não retido na memória
manifesta constitui alicerces e marcadores essenciais do futuro comportamental, social e cognitivo de
um indivíduo.
Apesar disso, no entanto, o indivíduo, através do desenvolvimento de seus potenciais,
poderá equilibrar a força do seu inconsciente com a acção do seu consciente e aplicar, concretizar ou
integrar as capacidades e potencialidades, as habilidades e destrezas resultantes de tais interacções
em si mesmo, nos outros, nas organizações, instituições ou sociedade em geral de forma
harmoniosa, funcional e equilibrada, pois, segundo A . Maslow, o indivíduo psiquicamente são é
aquele que é descomprometido, independente, revelando capacidade de autodeterminação, de
procura de si mesmo, dos seus valores e regras de vida. O indivíduo é, por isso, o seu projecto, dado
que a sua vida é construída em função das suas opções, que derivam de si próprio e da sua ligação
com o mundo exterior.
Uma tal derivação de si implica derivar de suas acções e reacções neurobiológicas,
neuropsíquicas, bio-instintivas, afectivo-emocionais; de forças obscuras e rivais, de desejos
contraditórios e tensões, de tendências e pulsões emanadas da própria dinâmica do inconsciente, as
quais agem e interagem com as forças do consciente, isto é, com as suas comunicações e
informações, introjecções e assimilações, acomodações e aculturações, envolvências e proibições.
No seio de tais dinamismos, mais ou menos hiperagitados ou mais ou menos
tranquilizadores, tanto a inteligência eco-genética, inteligência marcadora da diferença e da
181
complementaridade das pessoas, como a inteligência emocional e afectiva são de primordial e capital
importância para o desenvolvimento das actividades e das funções neuropsíquicas, bem como para o
equilíbrio funcional do indivíduo, visto ser a partir dos níveis de aceitações e de desenvolvimentos, de
rejeições ou de subdesenvolvimentos de tais potenciais que, em elevadíssima percentagem, se
efectuam, ampliam e reforçam os restantes desenvolvimentos das funções, das atitudes e dos
comportamentos ou se reprimem, atrofiam, recalcam ou aniquilam, emergindo, destes últimos,
indivíduos desinteressados, apáticos ou agressivos, fantasmagóricos e compulsivos, rejeitantes das
integrações, resistentes às interacções e mudanças e quase inertes face à própria existência.
No entanto, sendo a pessoa humana uma realidade concreta e operacional, unitariamente
bio-sócio-psicológica, ela vai-se construindo progressivamente de fora para dentro e desenvolve-se
de dentro para fora. O seu inconsciente contém armazenado, como que gravado em fita magnética, a
maior parte das suas experiências, das suas recordações, das suas fugitivas esperanças, dôres e
dificuldades.
Os efeitos dos seus potenciais inconscientes, em interacção com os dados
interiorizados em sua própria consciência, constituem os indefinidos recursos de suas próprias
mobilidades e reestruturações, dinâmicas e evoluções, regressões ou interacções tanto evolutivas
como involutivas, tanto progressivas como regres-sivas, emanando, de tais direccionamentos,
evoluções, mudanças, adaptações, reforços e progressões ou condicionamentos, bloqueamentos,
inibições e mesmo distorções ou desvios psico-comportamentais.
No seio da dinâmica causal de tais direccionamentos encontram-se os potenciais
bioenergizantes e concretizáveis da sua inteligência emocional e afectiva, os quais, positivamente
orientados, libertam, dinamizam e completam a totalidade funcional do indivíduo e, quando parasitária
ou negativamente orientados, bloqueiam-a, inibem-a, distorcem-a, reduzem-a ou disfuncionam-a .
No entanto, o conjunto dos potenciais bioenergizantes da inteligência emocional como da
afectiva, bem como os seus orientados investimentos é de natureza e interdimensionalidade mais que
complexa. Isto porque uma criança, mesmo antes de nascer, já pode estar condicionada em seus
actuantes potenciais emocionais e afectivos e, por conseguinte, também psíquicos, intelectuais e
cognitivos. É que uma criança, por exemplo, rejeitada desde a concepção, no desenvolvimento
embrionário e fetal terá um desenvolvimento emocional, afectivo e comportamental diferente da
criança que foi concebida porque os pais a desejaram e quiseram que ela fosse ela própria, isto é,
pessoa autêntica, real e verdadeira. Uma tal relação dos pais com o filho, embora nada seja
imutável, estabelece, à partida, estilos e factores de relacionamento que, positiva ou negativamente,
influenciarão as futuras condições de vida de um indivíduo, as suas estabilidades ou instabilidades
emocionais e afectivas, as relações com os outros, as suas auto-imagens bem como seus potenciais
de envolvência na realidade, na acção, na concretização de projectos, bem como nas suas
expectativas de expansão, de eficiência, autenticidade, congruência e interdimensionalidade psicocomporta-mental.
É que as próprias vivências de uma criança em sua vida intra-uterina impregnam nela, pelo
menos a nível de potencialidades, tanto o princípio do prazer como o do desprazer e, através de uma
tal comunicação relacional mãe-feto, transmitida essencialmente através da pele, gera na futura
criança marcadores de positividade ou negatividade a nível do futuro desenvolvimento emocional e
afectivo, do carácter e temperamento da criança.
Marcante para o futuro desenvolvimento da criança torna-se também o parto, pois sendo
este, passagem de uma existência intra-uterina para uma existência e vida autónoma, não deixa de
ser traumatizante, visto as condições em que ele se efectua: passagem do calor materno para os
ferros, as toalhas; passagem de uma luz filtrada para a luz dos projectores; o corte do cordão
umbilical, etc., são situações jamais vivenciadas, que poderão condicionar e mesmo determinar
certos comportamentos futuros do indivíduo. Não sem razão, por isso, O. Rank considerou o corte do
cordão umbilical como fonte da angústia que, em maior ou menor grau, persegue os indivíduos e
Janov, especialista em terapia fetal, afirmou que a asma infantil poderia estar ligada ao stress do
nascimento. Por sua vez, Cooper, considerou o parto como o momento determinante da vida extrauterina e da tentativa de continuar o estado de fusão mãe-criança que se manifesta exacerbadamente
em certos indivíduos.
Por isso, apesar das possíveis mudanças a efectuar durante as fases e os ciclos vitais de
cada um, parece não haver grande dúvida de que é a partir das primeiras relações com a mãe, com
os meios e os ambientes que a criança constitui a base de todas as relações sociais vindouras, e isto
tanto a nível de interiorizações como de exteriorizações, de introjecções como de projecções, de
dinâmicas associativas como criativas, visto ser a partir da primeira infância que o princípio do prazer
ou do desprazer se desenvolve, que a fonte das tensões emocionais violentas ou dos relaxamentos
se cria e que as necessidades de busca de protecção e de bem-estar se desenvolvem ou a existência
de medos e de inseguranças se desencadeia, súmula de agentes essenciais ao desenvolvimento e à
182
estruturação de um eu positivo ou negativo, equilibrado ou desequilibrado, que assimilará ou
interpretará os dados do exterior em função da sua própria natureza, do seu desenvolvimento,
equilíbrio ou desequilíbrio, estados que, por sua vez, influenciarão enormemente, positiva ou
negativamente, não só o desenvolvimento da inteligência emocional e afectiva, mas também
cognitiva, social e interpessoal, bem como a ontogénese, o desenvolvimento, a estrutura e
dinamização da própria linguagem, do cérebro, dos circuitos cerebrais, dos sentimentos e dos
afectos, da cognição e da acção.
É que tanto as retracções como as inibições emocionais, as carências ou os vazios
afectivos desestimulam ou bloqueiam os circuitos cerebrais, bem como os seus potenciais de
armazenamento, tanto das informações existentes como dos potenciais de informação a receber, a
codificar e a descodificar, a reter e a associar, a estimular e a desenvolver.
Um tal conjunto de restrições processadas a nível de natureza e dinâmica do inconsciente,
em suas dimensões emocionais, impulsivas, sensoriais, sentimentais e afectivas, bloqueiam, inibem
ou distorcem os próprios circuitos cerebrais e, a informação necessária ao cérebro, não é
suficientemente captada por este e, mesmo quando o é, não é suficientemente valorizada por ele,
positivamente reelaborada ou objectivamente exteriorizada, visto as estruturas neuropsíquicas do
cérebro permanecerem inibidas, reduzidas ou distorcidas globalmente, e, tanto a linguagem como as
restantes funções superiores do cérebro humano resultarem das múltiplas e recíprocas
interactuações das numerosas partes, áreas, regiões ou subsistemas do próprio cérebro, pois é hoje
consenso generalizado que, tanto o desenvolvimento da linguagem como o das funções psíquicas ou
mentais superiores do indivíduo, interdependem do resultado da integração de sistemas cerebrais
com os funcionais, sistemas estes que, por sua vez, interdependem, globalmente, das interactuações
e interacções do seu inato e do seu adquirido, do seu inconsciente e do seu consciente, isto é, dos
gènes e dos meios, do emocional e do racional e de cujas interacções resultam as hipercomplexas
capacidades do indivíduo se auto-desenvolver e auto-elaborar, de auto-estruturar e auto-restruturarse.
Emergindo o inconsciente dos efeitos das dinâmicas neurofisiológicas do indivíduo ele
apresenta-se, globalmente, da estrutura e dinâmica universal, tornando-se, em seguida, não só
particularizada mas também individualizada, não só através da acção dos contextos familiares,
sociais e culturais em que um indivíduo vive mas também através das reacções individuais do
indivíduo a tais contextos, situações, circunstâncias e reacções que geram ou degeneram estímulos,
acções e comportamentos, anomias, distorções, desvios ou patologias.
Todo o comportamento humano, tanto individual como social ou profissional, possui raízes
em tais alicerces, apesar de toda a positividade derivada de seus futuros processos de socialização,
aculturação, cognição, mentalização e profissionalização, factores criadores de regras integrativas
que nem sempre auxiliam, estimulam ou motivam o desenvolvimento das estruturas e dinâmicas
inconscientes mas, também, não raras vezes, asfixiam-as, distorcem-as ou anulam-as, emanando,
daí, efeitos negativíssimos não só para a individualidade e realização do indivíduo mas também para
a sua saúde física, social, psíquica, mental e comportamental, e, cuja negatividade de seus efeitos
não só se repercute a nível somatopsíquico individual, mas, também, a nível interpessoal,
interrelacional bem como a nível de saúde pública. Isto porque as regras e normas do social nem
sempre se interconectam com as conaturais vias do inconsciente e, uma tal ausência de derivadas
conexões, fazem com que o indivíduo crie e desenvolva estruturas emocionais, cognitivas,
intelectuais e mentais asfixiadoras ou distorcedoras do seu real e verdadeiro potencial humano.
É que, de facto, a natureza bio-neuro-psicológica do ser humano possui suas regras,
normas e imperativos de crescimento, de desenvolvimento, de expansão e de plenitude. Os níveis
superiores têm necessariamente de se alicerçarem nos níveis intermediários e estes nos inferiores, e,
todos estes níveis possuem intrínsecas necessidades de permanecerem abertos e disponíveis às
interconexões comunicacionais e informativas, evocativas e apelativas, pulsionais e afectivas,
emocionais e instintivas, motoras e psíquicas, sensoriais e operativas. Estas múltiplas e recíprocas
interacções, em permanentes movimentos de ascendência e descendência, de horizontalidade e
verticalidade, de retroacções e proacções, alimentam-se mútua e reciprocamente, estimulam e
desenvolvem progressivamente a imagem do indivíduo, estruturam e, progressivamente, reestruturam
o seu auto-conceito, estimulam os seus comportamentos, motivam as suas acções e fazem com que
ele, aceitando o seu permanente devir, vivencie a permanente e intrínseca necessidade de
constantemente se sentir envolvido nos meios e de interligar estímulos interiores às acções
motivacionais do exterior.
A existência de mais ou menos acentuadas alterações, desvios, asfixias ou bloqueamentos
de tais processos geram nos indivíduos distorções psico-emocionais, inibições sensório-psíquicas,
bloqueamentos ou obnubilações mentais ou dificuldades cognitivas, visto a funcionalidade do todo
183
humano requerer acção integrativa e funcional de todos os subsistemas do sistema individual, isto é,
sensorização, motricidade, pulsões, emoções, sensações, sensibilidades, afectos, desejos, estímulos,
motivações, acções, meios e cultura; corpo, consciente, inconsciente, envolvimento e participação.
No entanto, tanto factores internos como agentes externos de impedimento, inibição ou
asfixia de desenvolvimento e afirmação de tais conaturais processos restringem a acção do indivíduo,
reduzem seus potenciais esquemas de acção, inibem o potencial de suas intencionalidades, asfixiam,
deterioram e mesmo degeneram seus potenciais de acção, de desenvolvimento, de competências e
capacidades, bem como seus necessários e referenciais quadros de auto-aceitação e auto-estima, de
auto-confiança individual e de segurança pessoal, factos que fazem com que o indivíduo mergulhe
mais ou menos profundamente em seu infindável e tempestuoso oceano de conflituosas estruturas
psico-emocionais, emergindo daí comportamentos de acentuadas instabilidades, de variabilidade de
sentimentos, inúteis desgastes bioenergéticos, confusões de sentimentos, emoções compulsivas,
perturbações somáticas e restrições cognitivas.
Uma tal dialéctica e retroactiva conflitualidade entre o dever ser e o ser circunstanciado,
inibido ou restrito, gera em seu portador mecanismos de fuga à realidade, desvios à sua conatural
essência, receios, medos e pânicos do seu necessário e intrínseco imperativo do dever ser, atitudes e
comportamentos cuja habituação restringe a necessária acção do seu sistema nervoso central, inibe
os potenciais do sistema nervoso periférico, impede a reciprocidade comunicativa entre os
subsistemas do indivíduo e faz com que este, ficando debilitado em seus mecanismos de imunidade
somática, vivencie, em simultâneo, sua fragilidade mental, bem como suas sensações de
incapacidade a nível de desenvolvimentos cognitivos e de aquisição de competências interpessoais,
relacionais, adaptativo-sociais, bem como profissionais, permanecendo, então, escravo e dependente
de seus rígidos e quase inflexíveis esquemas mentais, fechado em suas associações
fantasmagóricas, com seus contínuos medos de se encontrar a si mesmo e de se expandir verso sua
própria auto-identificação e auto-realização.
Tudo isto é devido ao facto de que o cérebro de um indivíduo, aparelho neuropsíquico
produtor de sua própria consciência, apesar de influenciável e modificável por atitudes e
comportamentos estranhos à sua normal e integrável funcionalidade, em seu cerne vital torna-se
difícil de ser enganado, apesar de condicionado, limitado ou proibido em suas conaturais funções,
desenvolvimentos, intercomunicações, expansões e vivências pela ausência das normais
participações de outros subsistemas corporais, ambientais, familiares, sociais ou culturais.
É que, de facto, entre cérebro, psiquismo, corpo, meios e ambientes existem correlações
mútuas e recíprocas e, se dos estados psíquicos emanam seus efeitos diferenciados sobre os
restantes subsistemas do indivíduo, é, também, o conjunto destes subsistemas que estimula, reforça
ou motiva os estados psíquicos, o que não se diagnostica em situações de medo ou pânico em que o
indivíduo deixa de pensar, de cólera ou raiva em que deixa de ouvir, de complexos de inferioridade
em que não consegue acreditar, de profunda prostração ou desânimo em que não consegue ver
saída, de luto ou perda profunda em que não consegue ver luz alguma, situações cujas repetidas
sucessões organizam negativamente o cérebro, criando nele espécie de “filtros” tradutores do prazer
em desprazer, da alegria em tristeza, da aventura em medo, das sensações em dôr e do novo ou do
diferente em pânico como se evidencia, de facto, no âmbito da psicopatologia, nomeadamente no
domínio das neuroses, das psicoses e das fobias.
Um tal conjunto de efeitos comportamentais demostra sobejamente que a normal
funcionalidade do cérebro humano implica participação e orientação activa, positiva e integrada dos
restantes subsistemas do indivíduo, nomeadamente da pele, das vísceras, de seus sistemas
sensoriais, motores, instintivo-pulsionais e emocionais essenciais à constituição equilibrada de um eu
corporal, agente de activação do sistema límbico, hipotalâmico e do tronco cerebral que, por sua vez,
constituirão equilibrados alicerces da emanação do eu psíquico, social, cognitivo e mental, os quais,
por sua vez, activando e interagindo no desenvolvimento e expansão das funções superiores da
mente é no eu corporal, e, através dele, que filtram estímulos, absorvem energias, reforçam os
desenvolvimentos, obtêm gratificações e criam compensações.
A não harmoniosa funcionalidade de tais dimensões, subsistemas ou partes integrantes de
um todo individual fazem com que o indivíduo não só possua mas também, não raras vezes,
manifeste alterações de emoções e de sentimentos, inadaptações sócio-comportamentais,
dificuldades cognitivas, incapacidades intelectuais, apesar de intactas ou sem a mínima lesão ou
distorção em qualquer lugar de suas áreas neurocerebrais.
184
I - ACÇÃO E INACÇÃO DOS SISTEMAS NEURO-SÓCIO-PSÍQUICOS NOS
PROCESSOS DAS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM
A intrínseca e inseparável unidade bio-neuro-sócio-psíquica do ser humano encontra-se,
não raras vezes, bloqueada, inibida ou distorcida, não só por suas contingentais circunstâncias dos
meios e dos ambientes, dos sistemas educacionais ou culturais, técnicos ou civilizacionais, mas
também pelas próprias estruturas interiores e funcionalidade de seus subsistemas, os quais nem
sempre agem e retroagem equilibradamente entre si, nem em suas múltiplas e interdinamizantes
dimensões. Factores de vária e hipercomplexa ordem e natureza dificultam ou obstaculizam a
flexibilidade bioenergizante de tais interactivas comunicações fazendo com que umas estruturas ou
subsistemas do indivíduo permaneçam sobrecarregadas de energia, asfixiadas ou recalcadas
enquanto outras permanecem empobrecidas, fragilizadas, bloqueadas ou debilitadas devido à
ausência das energias necessárias à sua própria e conatural acção, desenvolvimento e expansão, o
que sucede quando, por exemplo, a consciência de um indivíduo se opõe ao inconsciente, quando o
sistema vestibular e perceptivo não é aceite ou assumido pelo sistema cognitivo, quando o sistema
emocional ou afectivo funciona dissociadamente do sistema intelectual ou mental, quando a realidade
comporta-mental não absorve a força pulsional da intencionalidade, quando o educacional ou social
não aceita nem estimula o natural, ou quando as próprias estruturas e dinamismos do cérebro
reptílico ou mamífero de um indivíduo não são integradas nem aceites pela acção e dinâmica do
próprio córtice cerebral, fenómenos comportamentais geradores não só de dissociações mas também
de separações, de obstáculos e de dificuldades não só a nível de desenvolvimento e de maturidade
mas também a nível de conhecimento e de aprendizagem, de comunicação intra e interpessoal, de
adaptação e adaptabilidade.
Um tal conjunto causal de disfunções, separações ou distorções a nível de funcionalidade
neurocerebral encontra-se na origem de múltiplas incapacidades sensoriais, emocionais, cognitivas e
mesmo relacionais, sendo o seu diagnóstico médico etiquetado de “nenhuma deficiência em
especial”.
De facto, uma tal realidade funcional não apresenta défices reais, mas, simplesmente,
disfunções a nível de inter-estruturas bio-neuro-cerebrais, pulsionais, emocionais e psíquicas.
É que a disfunção cerebral não tem necessariamente uma lesão ou um dano como causa,
como pretendeu demonstrar a neurofisiologia através de seus trabalhos e estudos efectuados sobre
electroencefalogramas, mas sim causada não só por problemas advindos das estruturas vestibulares,
perceptivas, emocionais, cognitivas ou mentais dos próprios indivíduos, as quais inibem ou diminuem
o desenvolvimento de suas potencialidades e aptidões, a sua envolvência no real e no concreto, a
sua necessidade de ser e de dever ser, o que não significa que indivíduos com disgrafias, dislexias
ou afasias não sejam indivíduos com disfunções cerebrais, as quais constituem um dos pilares
essenciais das suas próprias dificuldades de aprendizagem.
Ora, sendo a expressão “dificuldades de aprendizagem” de conteúdo vasto e
hipercomplexo, os estudos psicopedagógicos efectuadas até ao presente continuam renitentes à
abertura interdisciplinar e, de acordo com os conhecimentos, escola ou formação profissional
identificam dificuldades de aprendizagem com dislexia, afasia, disgrafia, apraxia, distúrbios
perceptivos, vestibulares, dificuldades psico-motoras, aprendizagem lenta, desordens na
aprendizagem, incapacidades, disfunções cerebrais, psiconeurológicas, problemas emocionais,
afectivos ou comportamentais como, por exemplo, hiperexcitação, agressividade, fácil descontrolo,
incapacidades relacionais, etc.. Daí o encontrar-se na literatura psicopedagógica especializada quase
tantas definições de dificuldades de aprendizagem como são os autores que séria e honestamente se
debruçaram sobre uma tão complexa realidade.
Apesar disso, no entanto, não há dúvidas que uma criança com dificuldades de
aprendizagem apresenta desordens básicas em seus processos de aprendiza-gem, manifesta certa
discrepância entre seu potencial cognitivo e sua capacidade de operacionalização, realização ou
concretização, bem como obstáculos em seus processamentos da informação, e isto tanto ao nível da
recepção como da expressão, da integração como da assimilação. E isto sem apresentar necessariamente lesões cerebrais, deficiência motora, sensorial, cognitiva, intelectual, emocional ou afectiva.
Os efeitos comportamentais de tais dificuldades podem manifestar-se na compreensão da
linguagem, na sua recepção e transmissão, na expressão oral, na comunicação, na leitura, na escrita,
na ortografia, no cálculo, nas percepções, nas comunicações, na orientação espacial, nos problemas
de lateralização, etc.. Por isso, de um modo genérico, podemos definir dificuldades de aprendizagem
como efeitos resultantes de irregularidades bio-neuro-psico-sociais, geradoras de imatura-ção
185
neurocerebral e de imaturidade psicoemocional, criadoras de perturbações ou disfunções a nível de
actividade simbólica, expressiva, receptiva, integrativa, ideoperceptiva ou ideocognitiva.
A um tal nível de dificuldades de aprendizagem, efeito de simples disfunções
intercomunicacionais entre as próprias estruturas ou subsistemas do indivíduo cuja análise ou
diagnóstico não encontra causa localizada, podendo esta residir em simples alterações dos
sentimentos e das emoções de natureza duradoura ou transitória, elevadíssima percentagem das
causas das dificuldades de aprendizagem encontram causas a nível dos sentidos e dos órgãos, do
aparelho neurocerebral, a nível do intelecto e da mente, do emocional e do afectivo, do escolar e do
social.
Por isso, as dificuldades de aprendizagem como as patologias do bio-cerebral e do psicomental, do educacional como do ecossocial, emergem ou podem emergir de deficiências ou
insuficiências bioquímicas, físicas, vestibulares, sensoriais e perceptivas, subsistemas cuja
insuficiência funcional ou deficiência só ou em simultâneo com outros subsistemas podem gerar
dificuldades, incapacidades ou deficiências em seus próprios processos de apreensão, de
envolvência ou de aproximação da realidade. Problemas, distúrbios ou perturbações a nível do
sistema vestibular podem gerar dificuldades a nível de controlo dos movimentos corporais e da
orientação espacial, a nível dos receptores sensoriais, bem como a nível dos estímulos, visto os
receptores vestibulares enviarem as suas informações ao tronco cerebral e daí este ao ficar privado
de certos estímulos e sensações, privação que, pela negativa, influenciará a actividade psíquica do
cérebro e os seus processos de tratamento das informações, que por sua vez, influenciarão,
negativamente, os processos físicos, sensoriais e perceptivos do indivíduo.
As deficiências físicas, de um modo geral, devido a suas repercussões sociais e
profissionais, apresentam, no quadro das deficiências, um cenário extremamente negativo, embora,
muitas vezes, as doenças físicas, a nível psíquico, emocional e mental, não possuam acentuados
efeitos psico-cognitivos a não ser devido às repercussões dos próprios dinamismos afectivoemocionais do próprio indivíduo que, não raras vezes, além de não as aceitarem, permanecem com
baixo auto-conceito de si mesmos, reduzida auto-estima, quando não se servem de tais deficiências
para tomarem consciência de seu restante potencial, desenvolvê-lo, investi-lo e serem pessoas de
sucesso.
É que, de um modo geral, a expressão “deficiência física”, inclui deficiências ao nível dos
órgãos internos, designadamente, deficiência da função cardio-vascular e respiratório, gastrointestinal, urinária, reprodutora, musculo-esqueléctica, estética, deficiências ou malformações a nível
dos membros superiores ou inferiores, a nível da região da cabeça ou do tronco, o que, não raras
vezes, são causa de enormes complexos de inferioridade, de não-aceitações e de auto-rejeições,
comportamentos estes que tecem negativa teia de relacionamento consigo mesmo, com os outros e
com a sociedade em geral. No quadro das deficiências sensoriais incluem-se, de um modo geral, as
deficiências de audição, de visão e de linguagem, deficiências que, embora os sistemas educativos
tentem abertura para dar as possíveis respostas a tais défices, elevadíssima percentagem de tais
deficientes permanecem à margem do seu necessário enquadramento e integração escolar, social e
profissional.
No entanto, considerando a positividade sócio-integrativa dos processos e mecanismos dos
sistemas escolares, não há dúvida que crianças e alunos com problemas motores, perceptivos, psicomotores e mesmo com certos níveis de insuficiências mentais ou dificuldades cognitivas deverão ser
integrados nos sistemas pedagógico-educativos normais, visto as vantagens de tais mecanismos de
integração superarem em grande escala as desvantagens. Tanto os problemas de natureza psicomotora como os de lateralização, de imagem corporal, de estrutura espacio-temporal, de
coordenação e controlo visuo-motor, de receptividade e acção vestibular bem como os problemas ou
dificuldades de natureza perceptiva como os de audição, de visão, de posição e relação espacial, de
síntese, de discriminação, de visualização e de orientação deverão ser tomados em conta,
consideração e apreço, e, assumidos com responsabilidade pelos técnicos e equipa psicopedagógica. É que qualquer uma de tais insuficiências, dificuldades ou distorções é, em geral, tanto isolada
como em interacção com as outras faculdades, causa de insuficiências ou de dificuldades nos
processos de aprendizagem ou de inferiorização em seus próprios comportamentos manifestados
tanto em relação a si mesmo como em relação aos outros, emergindo daí, atitudes e comportamentos
de inibição, de agressividade, de isolamento ou de desinteresse, bem como de não-participação ou
envolvimento nos próprios mecanismos e actividades escolares.
O conjunto de tais dificuldades, na sua globabilidade, interdepende da natureza
neurofisiológica do ser humano, visto esta ser uma triunicidade bio-neuro-social interdependente da
interactiva acção de seus subsistemas como sucede, por exemplo, com a visão em que os músculos
dos olhos executam, pelo menos, sete movimentos coordenados e, graças a uma tal coordenação, o
186
indivíduo consegue seguir diferentes tipos de movimentos dos objectos, percepcionar as suas
dimensões e convergir para a sua unidade, enviando ao cérebro imagens, o qual, após as ter
recebido, analisa-as, selecciona as informações relevantes, unifica-as e integra-as num todo,
permanecendo a natureza e dinâmica de tais informações-imagens interdependente da natureza e
acuidade dos sinais desencadeados e enviados pelos dinamismos da dinâmica do sensorial, do
motor e do perceptivo. Isto porque, em sentido lato, os sentidos são como “auto-estradas” das
informações e é a partir da acção destas que se inicia todo o processo de aprendizagem. A criança,
por exemplo, inicia o processo de descoberta e exploração dos objectos com as mãos e, em seguida,
com os olhos e é desta acção interactiva mão-olhos que ela inicia o seu processo estrutural de
adaptações e de desenvolvimento da inteligência. Por isso, movimento, percepção e motricidade
apresentam-se como a triologia essencial da aprendizagem sensório-motora e perceptiva, activadora
e dinamizadora não só das restantes aprendizagens mas também dos diferenciados tipos de
inteligência de um indivíduo.
No entanto, resultando a aprendizagem sensório-motora do relacionamento e combinação
entre a sensação e a actividade motora ou do relacionamento e combinação da entrada da
informação com a sua saída, e, sendo a aprendizagem perceptiva resultado do processo de
organização e reorganização das informações captadas pelos vários sentidos (visão, audição, tacto,
sentido quinestésico, olfacto e gosto), respectiva interpretação e significado, qualquer déficit,
insuficiência ou deficiência num ou em vários de tais domínios podem ser causa de posteriores
dificuldades tanto de aprendizagem escolar como de integração sócio-profissional bem como a
existência de um predominante desenvolvimento nesta ou naquela área poderá originar o
diferenciado tipo de inteligência de cada indivíduo. É que, de facto, é a partir da estrutura, da
dinâmica e do desenvolvimento perceptivo-motor de cada um que se constituem e desenvolvem as
estruturas e, em certo sentido, as próprias condicionantes do desenvolvimento das estruturas e
dinâmicas intelectuais e cognitivas, visto ser a partir de seu próprio comportamento, dinâmica e
motricidade que a criança se relaciona e apreende o mundo que a envolve, rodeia ou circunscreve. A
organização e reorganização das entradas e saídas de tais informações originam sua inteligência
sensório-motora e perceptiva, dinâmico epicentro de sua inteligência relacional, interpessoal,
emocional, cognitiva e inte-lectual, constituindo-se, por tais processos, os seus próprios sistemas
inteligentes, emanados de seus sistemas sensoriais, motores e perceptivos, os quais, por sua vez,
emergem da vida de suas próprias células e da actividade dos seus sistemas neurocerebrais.
Por isso, toda e qualquer ausência de interactividade funcional, distorção ou disfunção
intersistémica pode estar na origem da existência de incapacidades intelectuais ou de dificuldades de
aprendizagem, de perturbações comportamentais ou de problemas sociais, e isto sem a existência de
lesões cerebrais nem malformações orgânicas.
Um tal conceito de dificuldades, no entanto, é hoje, mais que nunca, posto em causa, visto
um tal conceito encontrar-se interdependente da tradicional e clássica conceptualização de quociente
intelectual, conceptualização que deverá ser revista tanto nas suas formas como nos seus conteúdos,
visto estar impregnada de concepções e ideologias psicométricas, de mediania e normalidade
funcional a nível de capacidades verbais, cognitivas e escolares adequadas ou não às solicitações e
exigências dos sistemas escolares vigentes, negligenciando, assim, tanto a avaliação como a
valorização de um vasto e complexo conjunto de potenciais de um indivíduo, provavelmente não
menos importante e necessário que suas capacidades cognitivas.
No entanto, apesar da necessária revisão da concepção de quociente intelectual, inúmeras
crianças apresentam dificuldades na funcionalidade de seus sistemas ideoperceptivos, ideomotores e
ideocognitivos, bem como em seus processos expressivos, perceptivos e integrativos que dificultam a
eficiência nos processos de aprendizagem e de desenvolvimento da linguagem, da escrita, da leitura,
da ortografia, do cálculo, dos conteúdos impostos pelos processos de aprendizagem escolar, etc..
Um tal conjunto de dificuldades pode, genericamente, ser causado por ausência dos
necessários desenvolvimentos da criança devido a insuficiências maturativas, distorções funcionais,
desinteresses ou inacções da criança ou devido a inadequações dos estilos ou conteúdos escolares à
natureza e ao nível de desenvolvimento das próprias crianças, situações e comportamentos que
fazem com que uma criança possua dificuldades de aprendizagem, para além das crianças cujas
dificuldades residem em hipercomplexas causalidades genéticas, hereditárias ou em lesões
cerebrais.
Não ter dificuldades de aprendizagem implica acção e participação activa, adaptação e
interiorização de estratégias e processos adequados à realização das tarefas, orientação da acção e
energia para envolvência nas aprendizagens escolares, bem como certos níveis de maturação e
desenvolvimentos neurofisiológicos e de maturidade afectiva e emocional, capacidades funcionais
geradoras de autoconsciência individual, de consciencialização cognitiva e de intencionalidade
187
adaptativa. O maior ou menor nível de desenvolvimento de tais capacidades, a existência de um
reduzido nível de acção, de actividade ou de participação das crianças ou adolescentes nos
processos de aprendizagem geram, cumulativamente, suas próprias dificuldades, cuja causalidade,
residindo na inacção e ausência de actividade, privação de estímulos e ausência de motivações, falta
de envolvências e interiorizações afastam a criança ou o adolescente do alcance do dito “modelo de
aprendizagem normal” e cuja razão de ser de um tal afastamento pode estar em sua natureza
inconsciente, impeditiva do desenvolvimento de sua memória sensorial, de sua inteligência emocional
e afectiva, social e cognitiva.
É que a nível de factualidade comportamental o próprio inconsciente pode bloquear ou
reduzir a actividade do consciente, mitigar as actividades deste e mesmo inibir ou bloquear as
interacções sensoriais, perceptivas, emocionais e afectivas necessárias entre inconsciente e
consciente e a eficiente orientação da intencionalidade sócio-cognitiva implica harmonia, participação
e correspondência entre estas duas instâncias. A sua separação ou oposição é causa não só de
dificuldades e de bloqueamentos nos processos de aprendizagem mas também de atitudes e
comportamentos anómalos, distorcidos ou disfuncionais. Fazer com que o consciente aceite a
estrutura e dinâmica do inconsciente e que este se deixe impregnar pela acção e vivacidade do
consciente é o processo mais eficiente de harmonização individual, de eficiência cognitiva e de
desenvolvimento de todo o potencial do indivíduo, visto tal aceitação conectar harmoniosamente
inconsciente-consciente e fazer com que o indivíduo tome consciência da sua totalidade, das suas
potencialidades e acções, possua confiança em suas atitudes e comportamen-tos e crie
intencionalidades e concretizações em consonância com o seu ser e com o seu dever ser através da
efectuação das necessárias e sucessivas adaptações às mais variadas solicitações, exigências e
circunstâncias dos meios. É que, no fundo, apenas o inconsciente colectivo e cultural, amplamente
dominante nas nossas civilizações, originou as separações ou oposições entre o inconsciente e o
consciente, visto o inconsciente como as aprendizagens sensório-motoras possuirem as suas origens
nos conaturais processos neurofisiológicos do indivíduo.
Estes processos e dinamismos neurofisiológicos, criadores de factos e fenómenos
energéticos, biodinâmicos, pulsionais e psíquicos, constituem os alicerces primordiais de toda a
aprendizagem e é de tais bases sensoriais, motoras e perceptivas que as actividades cognitivas e
intelectuais emergem, que os processos cognitivos se desenvolvem e hierarquizam de tal forma que,
à medida que o desenvolvimento cognitivo e intelectual se efectua, as actividades perceptivas do
indivíduo tornam-se consideravelmente mais automáticas e mais dirigidas intencionalmente pelos
próprios processos cognitivos e intelectuais.
Um tal desenvolvimento cognitivo e intelectual, por outro lado, interdepende essencialmente
da funcional e dinâmica integridade das funções neurofisiológicas básicas do indivíduo, isto é, de
seus factores estimulativos, das funções de seu sistema nervoso central, sistema nervoso periférico,
bem como das recíprocas interacções com seus meios, agentes e factores indispensáveis a um
dinâmico e evolutivo processo de efectivas aprendizagens básicas, implicativas de informação e de
retroacção, de entradas e saídas, de organizações e reorganizações, de estruturas e de
reestruturações.
Face à hipercomplexa problemática do que é a aprendizagem, dos seus agentes e factores,
acções, interacções e retroacções, os conceitos de dificuldades de aprendizagem bem como de
atraso intelectual ou mental são, hoje em dia, mais que problemáticos.
É que, considerando os factos que crianças rotuladas com dificuldade de aprendizagem,
com atraso intelectual, cognitivo ou mental, quando analisadas em contextos de aprendizagem
diferentes dos escolares manifestam capacidades cognitivas e intelectuais não inferiores aos não
rotulados como tal. Estas constatações demostram que as crianças ou alunos rotulados como tal
podem simplesmente ter dificuldades ou encontrarem obstáculos nas aprendizagens exigidas pelos
sistemas escolares, possuírem dificuldades na interiorização das estratégias e processos cognitivos
exigidos pela escola ou não conseguirem transferir os processos de aprendizagem extra-escolar para
a dinâmica imposta pelos contextos e processos das aprendizagens escolares. Estas dificuldades, no
entanto, podem emergir, simplesmente, do tipo de exigências meramente intelectuais ou cognitivas
impostas pela escola e, como é óbvio, a dinâmica dos processos de aprendizagem assenta na
dinâmica dos processos sensoriais, perceptivos, motores, emocionais, pulsionais e afectivos cujos
subdesenvolvimentos, asfixias, privações ou desordens podem provocar dificuldades de vários tipos,
natureza e níveis. Por isso, um actualizado conceito de dificuldades de aprendiza-gem bem como de
atraso intelectual deverá assentar essencialmente na “expressão do impacto pulsional da interacção
entre a pessoa com limitações ou dificuldades intelectuais e adaptativas e o envolvimento onde se
insere” ( Morato e outros, 1997, p. 7 ).
188
Seguindo de perto as necessidades de adaptação e de inserção impostas pelos meios e
contextos, a Associação Americana Para A Deficiência Mental, na sexta edição do seu Manual, define
o atraso mental como “um funcionamento mental geral significativamente abaixo da média, existindo
concomitantemente com défices no comportamento adaptativo e manifestando-se durante o período
de desenvolvimento e que afecta negativamente o desenvolvimento da educação da criança”.
Inspirando-se em tal concepção, Morato e outros (1997), apresenta o indivíduo com atraso
intelectual como sendo caracterizado por “um funcionamento intelectual significativo abaixo da média,
existindo concomitante com limitações relacionadas em duas ou mais das seguintes áreas das
competências adaptativas: comunicação, autonomia pessoal, autonomia em casa, competências
sociais, uso dos recursos comunitários, auto-direccionamento, saúde, segurança, funcionamento
académico, laser e emprego”, devendo tais limitações manifestarem-se antes dos dezoito anos de
idade e poderem ser classificadas em níveis de ligeiras, moderadas, severas e profundas, níveis
estes que implicam padrões ou estruturas de apoio intermitentes, limitados, extensivos e
permanentes, consoante os níveis e a natureza causal das dificuldades ou atrasos, os quais podem
ser causados por simples disfunções entre os subsistemas neurofisiológicos, por disfunções ou
lesões cerebrais, por dificuldades de relacionamento estável tanto com os pais como com os colegas
ou professores, por hiperactividade, por dificuldades de concentração, por labilidade emocional,
distorções perceptivas, reacções negativas face ao stress, inibição, hipoactividade, desmotivação
face à escola e às situações sociais, baixa auto-estima e depreciativo auto-conceito, irritabilidade,
pessimismo, complexos de inferioridade, isolamento, angústia, ansiedade, rigidez comportamental,
ausência de vitalidade emocional, confusão afectiva, comportamentos neuróticos, surtos psicóticos,
confabulações, frustrações pessoais, problemas de identidade e identificação, deficiente interacção
com o meio, sentimentos de rejeição e de tensão permanentes, problemas de regressão, conflitos
intrapsíquicos, rejeições pessoais e sociais, infantilismo comportamental, labilidade psíquica,
frustração pessoal, etc..
Uma tal multi-complexa causalidade de dificuldades de aprendizagem e de atrasos
intelectuais impõe a existência de interdisciplinares estudos e análises, visto as etiologias das
dificuldades de aprendizagem e dos atrasos intelectuais não só serem vastas mas também
extremamente complexas.
Uma tal multíplice causalidade dos atrasos mentais, multi-heterogéneos, demonstra a
grande ineficiência e subjectividade da sua avaliação através da simples e clássica medição do
quociente intelectual efectuado através de testes psicométricos.
Um tal método avaliativo, pretendendo a objectividade da avaliação, decaìu numa mera e
relativa subjectividade, ao considerar a inteligência humana de certa forma estática e, quando
desenvolvível, um tal desenvolvimento efectua-se sempre num direccionamento linear e não noutros
direccionamentos como: horizontais, oblíquos, transversais, isto é, com modificações, mudanças e
inovações capazes de alterar o todo comportamental do indivíduo e desenvolver, de forma sistémica,
todas as suas potencialidades. Daí o facto do conceito de “atraso intelectual” dever ser considerado
como um circunstanciado funcionamento intelectual significativamente abaixo da média, o qual induz
défices nas atitudes e nos comportamentos adaptativos e se manifesta durante o período de
desenvolvimento.
Uma tal concepção, afastando-se da perspectiva psicométrica, é fundamentalmente de
natureza psicossocial e possui como sua característica essencial a adaptabilidade do indivíduo, a
qual é desenvolvível e modificável não só nos atrasados ligeiros ou médios mas também nos severos
e profundos, visto em todos eles existirem maiores ou menores potenciais de aprendizagem, de
desenvolvimento e de adaptação, características emanadas da reversibilidade da inteligência, das
atitudes e comportamentos socializantes, da positividade das interacções normalizantes e
integradoras nos meios, ambientes e comunidades em que os atrasados intelectuais vivem, visto a
concepção de atraso possuir em seu cerne o conceito de comparabilidade indivíduo – meio.
O anterior significa que uma criança com dificuldades ou problemas nos processos de
aprendizagem não é, necessariamente, em si, nem uma criança com atraso intelectual nem uma
criança deficiente.
É que uma criança com dificuldades na aprendizagem não possui necessariamente um
déficit sensorial, motor, visual ou auditivo e pode, então, apresentar uma integridade global e um
potencial normal e o deficiente apresenta inferioridade intelectual generalizada sendo as suas
incapacidades diferentes das da criança ou adolescente com dificuldades de aprendizagem.
A criança com distúrbios ou dificuldades de aprendizagem apresenta, geralmente,
problemas de imagem corporal, dificuldades proprioceptivas, problemas de lateralização e
direccionamento, problemas ou dificuldades de natureza psicomotora, dispraxias, desortografias ou
dislexias, uma adequada adaptação afectiva, emocional e comportamental, uma normal visão e
189
audição e um quociente intelectual situado entre os 80 – 90. Por sua vez, tem sido prática comum
universal, no seio da educação especial, rotular de crianças deficientes mentais educáveis aquelas
cujo quociente intelectual se situa entre 50 – 80. As crianças que manifestam um Q.I. superior a 80
são simplesmente classificadas como “crianças com dificuldades de aprendizagem” e não necessitam
de educação especial. Tradicionalmente, de um modo geral, assumiu-se como sendo crianças
educáveis aquelas que têm um Q.I. igual ou superior a 50 e, simplesmente treináveis as que possuem
um quociente intelectual inferior a 50.
Face a uma tal dicotomia são deficientes mentais ligeiros os que apresentam um Q.I. entre
68 – 52, deficientes mentais moderados os de Q.I. entre 51 – 36, deficientes severos os de 35 – 20 e
deficientes mentais profundos os que apresentam um Q.I. mental inferior a 20.
Os deficientes com atraso intelectual ligeiro (Q.I. 68 – 52) possuem potencialidades de
desenvolvimento de competências comunicacionais, sociais, profissionais, cognitivas e escolares
básicas chegando, com mais ou menos dificuldade, até ao nível de um sexto ano de escolaridade e,
quando adultos poderão obter uma razoável integração sócio-profissional com uma certa autonomia,
embora seja aconselhável a existência de uma certa supervisão e orientação profissional bem como
um certo apoio a nível de integração na comunidade e na vida de trabalho.
Os deficientes com atraso mental moderado (Q.I. entre 51 – 36) possuem um
desenvolvimento relativo, podendo adquirir competências de comunicação durante a própria infância,
um nível elementar de aprendizagens escolares, por exemplo, um segundo ano de escolaridade e
colherem vantagens de tarefas ocupacionais e de treinos profissionais ou vocacionais, podendo
desenvolver tarefas laborais não-qualificadas ou semi-qualificadas em locais de trabalho protegidos
ou semi-protegidos sempre com supervisão e apoio. Porém, dadas as suas incapacidades, limitações
e dificuldades no reconhecimento das convenções sociais, normas e valores poderão manifestar
dificuldades nas relações inter-pessoais e sociais em geral, tanto na adolescência como na idade
adulta.
Os indivíduos com atraso mental severo (Q.I. entre 35 – 20) durante a sua infância apenas
poderão adquirir rudimentares capacidades de comunicação ou mesmo não chegarem a atingir o
nível da linguagem falada. Durante os anos de escolaridade poderão desenvolver algumas
competências nos cuidados pessoais, aprender a falar e mesmo conhecimentos e familiaridade com
as letras do alfabeto e a contagem simples e mesmo aprenderem a ler algumas palavras como
nomes de ruas, rótulos, marcas de produtos, avisos de situações de perigo, de serviços públicos, etc.,
que lhes possam permitir uma certa e relativa ocupação em grupos familiares e ocupacionais sempre
com cuidada supervisão.
Os deficientes com atraso mental profundo (Q.I. inferior a 20) apresentam causas
neurológicas ou genéticas explicativas de tal atraso e suas capacidades de aprendizagens
permanecem no desenvolvimento de algumas habilidades motoras, de comunicação elementar, de
cuidados de higiene pessoais, podendo, em alguns casos, desenvolverem algumas capacidades de
ocupação em tarefas rotineiras mas sempre com apoio e supervisão constante e assistência
permanente de alguém que lhe preste cuidados pessoais elementares.
Ora, sendo as causas do atraso intelectual ou mental pré-natais, peri-natais e pós-natais
com incidências em desordens cromossómicas, da formação do cérebro e do desenvolvimento, erros
do metabolismo, influências ambientais (desnutrição materna, síndroma de alcoolismo fetal,
irradiações durante a gravidez, etc.), desordens intra-uterinas, neo-natais, infecções, lesões
cerebrais, desordens degenerativas e de desmielinização, privações ambientais, desnutrição, etc.,
calcula-se ainda hoje que cerca de 50% dos casos de atraso mental ligeiro e 30% dos casos de
atraso mental severo são de origem etiológica desconhecida.
No entanto, desconhecimento da causa não significa inexistências de causas. LucKasson e
outros (1999, p. 70) afirmam que mais de 50% das pessoas com atraso mental possuem mais de uma
causa da sua deficiência sendo, para tal, necessário diagnosticar se tais causalidades, em suas
dimensões e perspectivas multifactoriais, consideram, simultaneamente, os aspectos e dimensões
biológicos, neurocerebrais, genéticos, hereditários e também os aspectos de natureza e origem
psicossocial que interagem no aparecimento do atraso mental.
Ora, sendo as causas do atraso múltiplas e complexas, de uma forma geral e, como que
sintetizando, poder-se-á afirmar que as causas do atraso mental são sócio-culturais, genéticas,
orgânicas, neurocerebrais, psíquicas, afectivas e emocionais. É que atrasado mental é aquele que
apresenta um potencial psico-comportamental limitado em todos os seus aspectos sendo, por isso,
inadequada a terminologia de “deficiente mental” visto este não apresentar perturbações psíquicas
profundas nem a perda da integridade de certas funções até então consideradas normais.
Devendo, no entanto, tanto o atraso como o desenvolvimento ser avaliado em função dos
resultados da acção e acções da totalidade do sujeito avaliado individualmente e comparado com o
190
grupo padrão ou norma, aquele que, após analisadas ou avaliadas as várias dimensões do seu
desenvolvimento obtiver uma idade mental ou um quociente intelectual de 90 comparativamente ao
grupo padrão ou norma apresenta, de um modo geral, também distúrbios ou dificuldades de
aprendizagem em alguma ou algumas áreas do conhecimento necessário e exigido pelas instituições
escolares, apesar de ser evidente que o desenvolvimento pode não ser igual em todos os domínios,
bem como a eficiência ou rentabilidade em todas as áreas do conhecimento, como se tornou evidente
através da análise das histórias dos “idiots savants” os quais, revelando-se “génios”, em certos
domínios, apresentam graves atrasos ou deficiências noutros como já se demonstrou em certos
casos de autismo.
Com efeito, atrasos intelectuais, distúrbios ou dificuldades de aprendizagem, cujas causas,
desde as genéticas e hereditárias, desde as lesões cerebrais às sociais e familiares constituem vasta
e hipercomplexa causalidade das deficiências intelectuais, parece tornar-se evidente afirmar, de uma
forma geral, que tais deficiências assentam em disfunções ou não-integrações dos fundamentais
alicerces do funcionamento cognitivo, isto é, em disfunções ou não-integrações a nível de esquema
corporal, de representações e orientações no espaço e no tempo, de percepção, motricidade e
praxias; de pulsões, emoções e afectos, sensibilidades e desejos, de inibições, bloqueamentos e
receios, etc., factores constituintes de debilidade psicológica e fragilidade mental, o que condiciona a
dinâmica psíquica do indivíduo e fragiliza ou inibe o desenvolvimento de seu potencial cognitivo.
Além disso, o tipo de sentimentos e emoções, sua natureza e intensidade, positividade ou
negatividade, influenciam, de forma acentuada, o desenvolvimento de um tal potencial bem como os
factores e condições dos meios ambientes, familiares, sociais, culturais ou económicos em que o
sujeito vive.
A nível de psicodinâmica cognitiva e intelectual, as correntes psicanalíticas salientam, com
elevada razão, que as deficiências intelectuais, bem como os atrasos mentais, encontram suas
origens no tipo de organização e reorganização do próprio eu do indivíduo, nas suas ausências de
estímulos e de motivações, na falta de investimento bioenergético, nas falsas identificações em
relação aos pais e aos seus substitutos, bem como na apatia ou indiferença face às mudanças e
adaptações, às organizações e reorganizações ou reestruturações individuais, comportamentos que
originam não só disfunções cognitivas como desarmonias estruturais e caracterizam o seu
desenvolvimento a diferentes velocidades consoante a actividade intelectual ou cognitiva pretendida,
o que faz com que se originem disfunções ou discapacidades em relação às funções e às
capacidades socialmente pretendidas por um determinado grupo etário, social e escolar,
permanecendo os diferentes da maior ou menor homogeneidade de tais grupos com uma maior ou
menor rigidez ou dificuldade na passagem de uma actividade a outra, com inércia ou apatia face aos
desenvolvimentos cognitivos ou com uma certa e acentuada viscosidade face aos níveis de cognição,
de simbolização e de representação tanto de si mesmo como dos outros, tanto dos meios ambientes
como da realidade em si.
Salientando-se também como causa das deficiências intelectuais os factores emocionais,
afectivos e cognitivos, Anna Freud (1968) evidencia a existência de medos arcaicos e o poder inibidor
da educação, e, Melanie Klein a influência positiva ou negativa da educação sexual e os vínculos da
autoridade que podem ser factores de inibição ou desinibição, e, M. Maouni a frustração da própria
mãe, isto é, o facto de a mãe não se ter constituído na própria infância como “sujeito do seu desejo”,
o que levaria a mãe a estabelecer com o seu próprio filho uma relação fechada e circular, resultando,
de um tal tipo de relação psicopatológica, o atraso intelectual ou mental de sua própria criança. C.
Rogers e Misès, partindo do princípio de que todo o deficiente não se constrói e desenvolve a partir
das inter-relações dos factores orgânicos, relacionais e sociais, interacções vitais à organização e
dinâmica da personalidade, constata a existência de disfunções neurobiológicas, de perturbações
relacionais, de dificuldades a nível de evolução das pulsões, da elaboração das funções simbólicas,
bem como disfunções cerebrais dificultadoras da aceitação e do desenvolvimento da integridade, da
orientação das pulsões e da aceitação dos próprios conflitos como potenciais de investimento
objectal, relacional, emocional, afectivo e social, obstáculos e dificuldades geradores de desarmonias,
desintegra-ções, inadaptações e deficiências, o que faz com que os processos de insuficiências
intelectuais encontrem suas causas em multifactoriais processos de organização, desenvolvimento e
evolução do indivíduo visto e analisado como um todo, isto é, em sua estrutura e dinâmica
neurobiológica, cognitiva, escolar, familiar e social.
II – DOS DINAMISMOS DOS SISTEMAS NEURO-PSÍQUICOS AOS SÓCIO-COGNITIVOS
191
A literatura biomédica, psicológica, psicopedagógica e educacional descreve, não raras
vezes, terminologias como atrasos mentais ou intelectuais, deficiências ou insuficiências,
desvantagens ou desvantajados, inadaptações ou inadaptados como se fossem termos sinónimos.
Uma tal dicotomia taxonómica em relação ao sujeito inferiorizado, é extremamente
ambígua, pois é enorme a sua dificuldade de precisões em relação aos efeitos comportamentais,
visto as suas causas serem de diferentes naturezas, ordem e níveis, sintetizando-se estas em causas
genéticas, hereditárias, psico-orgânicas, de desenvolvimento e de adaptação.
A problemática da deficiência intelectual, no entanto, deverá ser sempre problematizada em
seus próprios contextos de literacias sociais e culturais e jamais em perspectivas ou horizontes
estáticos, pois embora se possa constatar ou diagnosticar um momentâneo quociente intelectual ou
mental de um indivíduo já o mesmo não acontece em relação ao prognóstico da margem ou potencial
de seu próximal desenvolvimento emocional, social, afectivo ou cognitivo, desde que submetido ou
envolvido com técnicas e estratégias motivadoras de desenvolvimento e de adaptação ao seu
potencial de acção e de desenvolvimento, de emoção e cognição, de sociabilidade e socialização, o
que faz com que o conceito de “zona de desenvolvimento potencial” de um indivíduo ultrapasse, e
muito, as simples perspectivas processuais de ensino e aprendizagem, visto o ser humano funcionar,
desenvolver-se e expandir-se como um todo e não exclusivamente como um conjunto de subsistemas
que, possuindo suas próprias características, potenciais e funções, não interdependam, mais directa
ou indirectamente, dos potenciais, das acções ou das funções dos restantes subsistemas bio-neurocerebrais, afectivo-emocionais e sócio-culturais dinamizados por processos e dinamismos de
emoção, adaptação, assimilação e cognição.
No entanto, os níveis ou graus de concretização de tais características relacionais, impostas
e exigidas pelas características dominantes dos meios escolares, sociais e culturais, fazem com que
um certo agrupamento de características ou ausências delas, sobretudo cognitivas, levem a que
umas crianças sejam rotuladas de “crianças com dificuldades de aprendizagem”, outras “crianças
deficientes mentais” e outras ainda “crianças com atraso mental” consecutivamente em função de seu
Q.I., o que faz com que, consoante o grau e a causalidade, existam crianças com disfunções
cognitivas, com deficiências e com atrasos mais ou menos acentuadamente profundos, pertencendo
ao grupo de crianças com disfunções cognitivas as que apresentam dificuldades na absorção das
informações necessárias para a resolução de problemas próprios da sua idade biológica, e isto tanto
a nível de percepção como de falta de segurança, de planificação como de não sistematização, de
linguagem oral como de linguagem escrita, de comunicação como de orientação, de associação como
de precisão, bem como e também as crianças que apresentam dificuldades na elaboração ou
restruturação do acto ou actos mentais, e isto tanto a nível de organização como de estruturação das
informações recebidas do exterior, dificuldades que podem ser geradas por défices perceptivos, por
défices de memória, de estímulo ou de motivação, por desconexão da realidade, por incapacidade de
relacionamentos, por estreiteza de campo perceptivo, visual, cognitivo e mental, por abulia na acção
do pensamento concreto, operatório, lógico ou abstracto, incapacidade ou lentidão no processamento
e exteriorização da elaboração do mental, incapacidades que podem emergir não só da maior ou
menor ausência de constructos cognitivos, intelectuais ou mentais, mas também das incapacidades
ou dificuldades do sujeito intercomunicar, relacionar-se, aceitar a reciprocidade dos factos ou inibir-se
por razões emocionais, afectivas, psicológicas ou de privações, carências ou ausência de estímulos
sociais ou culturais.
Um tal conjunto de causas de dificuldades de aprendizagem ou de integração psicocomportamental não significa, de forma alguma, que tais crianças não possuam potenciais de
modificabilidade do seu comportamento e de desenvolvimento de seu potencial cognitivo, desde que
o conjunto das estratégias psico-didácticas, dos conteúdos e das orientações das aprendizagens
estejam em consonância ou se adaptem ao nível de desenvolvimento e à natureza psico-funcional,
cognitiva, emocional e afectiva da criança com dificuldades.
Uma tal complexa constelação de dificuldades, perturbações ou transtornos nos processos
de aprendizagem, processados, em sua maioria, por causas ou factores que nada têm a ver com
lesões, deteriorações, malformações ou degenerações neurocerebrais constituem uma população de
falsa debilidade, cujas características, potenciais e desenvolvimentos, bem como as perspectivas
comportamentais se diferenciam da população com verdadeiras e reais, objectivas e concretas
dificuldades de aprendizagem, embora, de uma forma geral, seja definida como criança com
dificuldades de aprendizagem a que apresenta desnivelamento entre seu processo de aprendizagem
e o potencial escolar estimado, desnivelamento que poderá ser causado por problemas de
motricidade, alterações emocionais, carências afectivas, problemas ou dificuldades sócio-ambientais,
dislexias, dislálias, disgrafias, afasias, discalculias, anartrias, etc., ou causadas por problemas ou
dificuldades de um maior ou menor défice estrutural do sujeito, desencadeador de acentuados
192
problemas ou dificuldades motoras, perceptivas, emocionais ou por problemas a nível de codificação
e descodificação, de retenção ou memória, de atenção ou projecção manifestadoras de uma
dinâmica psicopatológica da aprendizagem e de um anormal comportamento.
Com efeito, apesar da existência de um inúmero quantitativo de causas sócio-psíquicas,
escolares, sociais e afectivas encontrarem-se no cerne das dificuldades de aprendizagem, o não
aprender, o não desenvolver ou o não integrar-se que pressupõe sempre a existência de causas de
tais comportamentos ou de ausência deles, podendo algumas de tais causas encontrarem-se na
acção ou na inacção do sistema nervoso central ou periférico, na sua coordenação e interacção, na
sua união ou desunião, funcionalidade ou disfuncionalidade. Isto porque a origem, bem como o inicial
potencial de desenvolvimento da aprendizagem encontra-se no corpo, na sua integridade, na
interacção dos seus órgãos e acção dos seus sentidos bem como no potencial da acção unificadora e
reestruturadora do próprio indivíduo.
Não há dúvida, portanto, que factores bio-orgânicos e neurocerebrais podem, sem dúvida,
ser causa primária das dificuldades de aprendizagem como sucede, por exemplo, com a miopia, a
falta de audição ou com a existência de mais ou menos acentuados problemas sensoriais, que
podem levar uma criança a não participar, a isolar-se ou mesmo a evadir-se dos processos de
aprendizagem. Por outro lado, a existência de alterações ou de lesões a nível do sistema nervoso
central, mesmo quando não acentuadas, primárias, genéticas ou traumáticas, podem causar maiores
ou menores dificuldades nos processos de aprendizagem, pois alteram os processos perceptivomotores dos indivíduos e podem causar, em seus comportamentos psicomotores, hipercinésias,
epasticidade ou, a nível do seu potencial de compreensão, apraxias, dislexias, afasias, etc..
Uma outra causalidade orgânica de dificuldades de aprendizagem e de problemas
comportamentais pode ser o funcionamento ou a disfuncionalidade do sistema endócrino de um
indivíduo, visto este constituir um substracto essencial do desenvolvimento e, por isso mesmo,
também de suma importância para o desenvolvimento e a acção das metamorfoses físicas,
emocionais, psicológicas e afectivas, e, cujos défices, a nível de funcionamento glandular, podem
desencadear problemas de vária ordem e natureza, geradores de dificuldades de aprendizagem, de
resolução de conflitos e de apreensão ou integração na realidade. Idênticas reacções, no entanto,
podem emergir, a nível sócio-psico-pedagógico, da acção do sistema límbico, hipotalâmico e
emocional, visto medos, receios, inibições, complexos e fugas à realidade desencadearem reacções
e comportamentos psicoemocionais causadores não só de dificuldades de aprendizagem mas
também de comportamentos inseguros, hiperagitados, angustiados ou fóbicos, desencadea-dores de
reacções negativas às aprendizagens e aos desenvolvimentos, à imersão no princípio da realidade e
do prazer, da acção e da vivência inter e multidimensional, visto um tal conjunto de comportamentos
conduzir ou orientar o sujeito humano no desenvolvimento de uma condensada fantasia que não tem
nada de semelhante ou idêntico à própria realidade.
O oposto a tais comportamentos consiste, fundamentalmente, no saber orientar todo e
qualquer aprendiz, criança, adolescente ou adulto, a assumir os processos de aprendizagem
alicerçados essencialmente nos princípios da realidade e do prazer, da expansão, da realização e da
plenitude evitando, em tais processos, tudo o que possa identificar-se com desprazer, repressão,
inibição ou frustração.
Um tal conjunto de constelações factoriais de dificuldades de aprendizagem ou atraso
mental, demostra sobejamente que a criança intelectual ou mentalmente atrasada não é
simplesmente a criança com lesões cerebrais mas pode-o ser também a criança com problemas de
inibição comportamental estrutural, carências motivacionais, ausência de estímulos, privações
sociais, culturais, afectivas e emocionais. Isto porque sendo o ser humano uma totalidade sistémica,
a sua realidade ou acção funcional ou disfuncional terá, necessariamente, de ser analisada na sua
totalidade bio-sócio-psicológica. Por isso, analisar as causas das dificuldades de aprendizagem ou
dos atrasos intelectuais nas suas dimensões bio-organicistas significa analisar apenas, parcialmente,
as causas das dificuldades de aprendizagem como sendo oriundas de processos sensoriais, mas,
também, e, em simultâneo, de problemas emocionais, psicológicos, pedagógicos, sociais e culturais.
Por isso, Vygotsky pretendeu deixar bem claro - ao analisar as funções inferiores ou naturais, como a
pré-disposição para o desenvolvimento biológico, a percepção elementar, a memória e atenção como
características dinâmicas do sistema nervoso, e, as funções superiores, como o raciocínio abstracto,
a linguagem, a memória lógica, a atenção selectiva e a capacidade de tomada de decisão e de
resolução de problemas - que as dificuldades de aprendizagem ou as disfunções comporta-mentais
têm origem no social.
Um tão vasto e complexo conjunto de possíveis causas de atrasos intelectuais e de
dificuldades de aprendizagem faz com que uma tal problemática se torne hipercomplexa, visto as
193
suas causas como os seus processos, os seus níveis como os seus desenvolvimentos serem não só
multicausais como multidiversificados.
De facto, não só causas neuropsíquicas mas também factores de natureza psicológica,
afectiva, emocional e social constituem elementos constelacionais condicionantes e psico-sócioestruturais das dificuldades de aprendizagem. É que, tanto os distúrbios como as perturbações
neurossensoriais, as lesões e as imaturações neurocerebrais, as imaturidades afectivas e os
subdesenvolvimentos emocionais, as incapacidades sociais como as comunicacionais, constituem, de
uma forma geral, as causas essenciais das dificuldades de aprendizagem. Daí o aparecimento de
diagnósticos de indivíduos com dificuldades de aprendizagem referenciando a existência de
deficiências mistas quando incidem sobre o plano neurofisiológico, sensorial e psíquico e com
“nenhuma deficiência em especial” quando não foi possível diagnosticar nenhuma causalidade de
natureza neurofisiológica em especial, remetendo-se, então, tais causas para o universo do
emocional, do afectivo, do social ou da fragilidade psíquica do indivíduo.
Apesar das várias discussões sobre as causas das dificuldades de aprendizagem não há
dúvida, hoje em dia, que não só a existência de lesões no sistema nervoso mas também as suas
descoordenações ou disconexões geram maiores ou menores dificuldades nos processos de
aprendizagem. É que sendo o sistema nervoso central o centro das conexões e das organizações
dos impulsos e dos estímulos, a existência de desconexões ou desorganizações de tais funções
tendem a criar dificuldades nos processos de orientação da aprendizagem, visto esta resultar da
interacção da acção do sistema neurocerebral, com os factores do meio, através dos processos da
actividade bioquímica e bioeléctrica do cérebro, bem como de seus processos emocionais e
psíquicos, sociais e mentais, os quais, por sua vez, poderão bloquear, inibir, reduzir, ou distorcer a
própria actividade bioeléctrica e energética do próprio cérebro como se evidencia, por exemplo, em
situações de angústia e de depressão, de receios ou medos, de fobias ou pânicos, etc., resultando
daí a evidência de que a aprendizagem é efeito da acção bio-sócio-psicológica totalizadora de um
indivíduo, o qual possui um tipo de personalidade diferente dos outros indivíduos, diferente a nível de
resistência aos factores nocivos do meio, diferenciada hierarquia de estímulos e de motivações, de
interesses e projectos, de capacidades e aptidões e, por isso, também diferenciados graus de
resiliência e de valores, de adaptação e de envolvências.
O anterior conjunto de factores integrativos de uma equilibrada personalidade individual são
simultaneamente factores de pré-disposição para aprendizagens satisfatórias e eficientes. Por isso,
toda a neuropsicologia da aprendizagem deverá ter em conta todo o vasto e interdependente
complexo conjunto de sistemas neuro-sócio-psíquicos da aprendizagem os quais são de natureza
psico-pedagógica, sócio-cultural, neuro-sensorial, emocional, cognitivo, afectivo e relacional.
A ausência de interactiva integrabilidade de tais sistemas não só pode constituir génese das
dificuldades de aprendizagem como também de anómalos comportamentos individuais visto
acentuada dimensão do exógeno ser assimilada pelo endógeno, elevada percentagem do exterior
pelo interior, o exterior apoderar-se do interior, o social apoderar-se do individual e a acção da força
do desequilíbrio perturbar, reduzir ou desequilibrar o próprio equilíbrio como sucede, não raras vezes,
com as encruzilhadas das crises de crescimento individual, de inter-relacionamento social, de
problemas sócio-familiares ou com acentuadas crises emocionais e afectivas, possíveis criadoras de
disfunções adaptativas, bem como de dificuldades ou incapacidades de adaptação a situações novas.
Um tal conjunto de incapacidades de adaptação a novas situações pode interdepender não
só da força da mudança ou inovação das situações mas também, de forma particular, da labilidade
psíquica e emocional do indivíduo, das características valorativas ou não de sua própria
personalidade, bem como de sua própria hierarquia de valores individuais e da sua própria resiliência
interpessoal, atitudes e propensões psico-comportamentais que orientam ou encaminham o indivíduo
verso o desenvolvimento, a orientação e o reforço de maiores ou menores atitudes face aos
processos de desenvolvimento ou de bloqueamento, de flexibilidade ou de inibição de capacidades
cognitivas, relacionais, profissionais e ambientais, o que constitui um conjunto de características
caracterizadoras e desenvolvedoras ou não de uma ampla flexibilidade comportamental, de um amplo
leque de potencialidades adaptativas, adequadas e normais ao “denominado” normalizante processo
de aprendizagem escolar e de desenvolvimento social, integrativo comportamento dos actuais e
socialmente desejáveis psicopedagógicos comportamentos escolares.
Evidenciando as análises anteriores a multidimensionalidade das causas não só das
dificuldades de aprendizagem mas também das anormalidades comportamentais, as mais difíceis de
diagnosticar residem, essencialmente, na existência de níveis ou graus de insuficiência a nível de
mecanismos bioeléctricos, bioquímicos e sensoriais do indivíduo.
No entanto, os processos de maturação neurobiológica e de maturidade psicoemocional de
um indivíduo, necessários a determinados níveis de aprendizagem, rendibilidade cognitiva e eficiência
194
intelectual, exigem não só o conatural desenvolvimento neurofisiológico, mas também as necessárias
e gradativas acções de movimento, progressão e execução sem as quais o indivíduo se torna
impossibilitado ou incapaz de agir e funcionar em níveis idênticos ou em conformidade com a maioria
das acções ou comportamentos impostos, exigidos ou esperados da maioria dos membros do mesmo
grupo etário.
Crianças de um tal grupo etário com níveis ou graus de insuficiências sensoriais ou
psicomotoras revelam, em princípio, desvantagens, incapacidades ou deficiências em relação à
maioria dos elementos do seu próprio grupo etário. Um tal conjunto de incapacidades ou de
insuficiências, normalmente denominadas de apraxias, agnosias, agrafias, afasias ou dislexias,
emergem, geralmente, de dificuldades psicomotoras, sensoriais e emocionais e têm efeitos
acentuados a nível de aprendizagem, de desenvolvimento do conhecimento e da inteligência, da
acção e da afirmação, do auto-conceito e da auto-estima, constatando-se assim que, como o todo se
repercute sobre as partes, também as partes influenciam a acção do todo.
III - FENÓMENOS AFECTIVO-EMOCIONAIS EM SUAS INTERACÇÕES COM OS
DINAMISMOS DAS ESTRUTURAS NEUROPSÍQUICAS
Emanando o comportamento e a acção do ser humano das suas organizações e
reorganizações, de suas estruturas e reestruturações, a força e vitalidade de tais dinamismos
encontram sua origem na dinâmica de suas interacções cérebro «-» meio «-» cultura «-» saberes.
A existência de uma tal recíproca e evolutiva impregnância deve-se à força, vitalidade e
flexibilidade do espírito humano com o qual, apesar de enraízado em estruturas e dinamismos
antropossociais e emergir de activantes estruturas bio-neuro-cerebrais, possui, como intrínseca e
inerente necessidade de desenvolvi-mento, de acção, de expansão e de coerência, as recíprocas e
dinamizantes interacções com os meios, e, estes estimulam mudanças e reorganizações nos
cérebros e os cérebros desencadeiam e efectuam mudanças nos meios, o que faz com que os meios
estejam nos cérebros e os cérebros nos meios.
A presente indissociabilidade do individual, do social, do cerebral e do cultural faz com que,
na análise do comportamento e da acção de um cérebro humano, seja absolutamente necessário ter
na devida conta, apreço e valorização, as organizações e reorganizações, as dissociações ou
destruturações oriundas dos seus próprios meios, apesar de sabermos que, teoricamente, todo o
cérebro possui uma memória genético-hereditária com potenciais de desenvolvimento de um
conhecimento de sobrevivência por si e para si.
Sendo profundamente insuficiente um tal potencial de conhecimento, tornam-se
necessidades primárias do cérebro biológico, estimulações ambientais, sociais e culturais, que se
impregnam no cérebro, moldam-o, estimulam-o, dinamizam-o e reorganizam-o em função das
vivências de si e para si, para os outros, para a sociedade e para a cultura em geral, constituindo-se,
assim, dinamizantes dimensões de novos princípios, instruções, normas e regras que, por sua vez,
constroiem e destroiem, organizam e desorganizam esquemas de pensamento e de acção, de
sentimentos e emoções, de atitudes e comportamentos mobilizadores ou não de seus potenciais
biocerebrais e das estruturas sócio-culturais.
Estas recíprocas e interdependentes interacções entre o bio-cerebral e o sócio-cultural
constituem o paradigma essencial de todo o desenvolvimento cognitivo, visto este interdepender da
funcional conjugação ou harmonia efectuada entre os esquemas biocerebrais inatos e os esquemas
culturais do meio, pois tudo o que é pensamento, espírito, linguagem, consciência ou lógica emerge
das recíprocas interacções do bio-neuro-cerebral com o antropo-sócio-cultural.
A nível bio-cerebral, células, neurónios, axónios, sinapses, etc., organizam-se e
reorganizam-se, comunicam e informam, interagem, solidarizam-se e intercomputam sem consciência
de uma tal acção, a qual constitui a base da nossa inteligência mas o seu desenvolvimento passa
pela efectiva acção de múltiplas e recíprocas interacções computantes, sistémicas ou antagónicas,
estimulantes e organizadoras. Por sua vez, a inteligência, o espírito ou a consciência individual
necessitam de constante retorno, simultaneamente subjectivo e objectivo, sobre suas próprias
origens, isto é, sobre o bio-neuro-cerebral, visto o permanente desenvolvimento do indivíduo ser uma
constante reprodução de si através dos outros e de cujos efeitos tais interacções se serve para se
reorganizar, renovar, regenerar, readaptar, evoluir e se auto-construir na sua individualidade e
identidade, na sua subjectividade e objectividade e, graças aos seus potenciais de flexibilidade,
maleabilidade e adaptabilidade, vivenciar-se em seus permanentes círculos de simultâneas
emanências e transcendências.
195
Um tal processo vivencial a nível de indivíduo exige, porém, homeostasia funcional. A
ausência de uma tal homeostática funcionalidade gera não só disfunções cognitivas mas também
perturbações emocionais e distúrbios comportamentais como sucede, por exemplo, quando o biocorporal de um indivíduo não dá resposta às suas necessidades psicoemocionais ou aos seus
comportamentos bio-corporais e ultrapassa todas as esferas de suas reais necessidades
psicoemocionais ou afectivas, originando-se, por tais ausências de funcionalidades homeostáticas,
doenças, desequilíbrios ou anomalias psicos-somáticas ou somatizações das perturbações, das
carências ou dos subdesenvolvi-mentos psicoemocionais, características comportamentais
acentuada-mente influenciadoras de uma elevadíssima percentagem das doenças humanas típicas
das sociedades industriais e pós-industrializadas.
Algo de muito idêntico encontra-se, em elevadíssima percentagem, nas disfunções
cognitivas e nas dificuldades de aprendizagem das crianças e adolescentes escolares,
nomeadamente quando a escola e seus respectivos processos de ensino - aprendizagem não se
centralizam sobre a unidade unicitária do aluno, sobre sua integrabilidade e totalidade, quando não
valoriza o seu todo, a sua relacionalidade e afectividade, a sua sociabilidade e cognitividade, os seus
potenciais e as suas aptidões, as suas características e os seus reais centros de interesse cognitivos
ou intelectuais, sociais ou profissionais, valorização que deverá conduzir o educando a envolver a sua
totalidade naquilo que faz em consonância com o princípio da realidade e do prazer, da harmonia e
do bem-estar, comportamento psico-pedagógico vaticinado por Henri Wallon (1961) quando
expressava o seu pensamento afirmando ser necessário cultivar as raízes da criança provenientes da
sua experiência do quotidiano, a qual une-o não só com o seu eu mas também com o seu tempo,
tornando-se, para tal, necessário colmatar o fosso entre a escola e a sua vida, os seus hábitos e os
seus interesses, e isto para que o trabalho escolar volte a adquirir o seu real significado de
desenvolvimento das funções da concepção teórica, da realização técnica e da execução material.
Os tipos de análises descritivas anteriores evidenciam a criação de proliferantes alfobres de
perturbações psico-comportamentais e de disfunções cognitivas, alienações que, se por um lado,
geram processos de desequilíbrios psicossomáticos e mentais, por outro lado, transformam-se em
denominadores comuns de subdesenvolvimentos cognitivos, de representações e de imagens
negativas, de asfixias e de desenvolvimentos de atitudes e comportamentos pueris, de pessoas
imaturas e irresponsáveis, bem como de personalidades obsessivas e depressivas.
O conjunto de tais características emanadas de um indivíduo possui sua origem causal na
ausência de uma dinâmica positiva de suas próprias estruturas cognitivas, as quais emergem das
representações organizadas de experiências anteriores sendo, através de tais experiências, que o
indivíduo decide da sua linha comportamental e de acção, de vivência e de emoção, de sentimentos e
afectividade, de centros de interesse e de envolvimentos, os quais, por sua vez, reprimem ou
libertam, recalcam ou desinibem, proíbem ou totalizam os exteriores desenvolvimentos cognitivoemocionais, afectivo-profissionais sem uma tomada de consciência das razões de ser de tais atitudes
e comportamentos positivos ou negativos.
As estruturas cognitivo-emocionais negativas, asfixiadas, inibidas ou proibidas originam não
só subdesenvolvimentos cognitivos mas também asfixias e bloqueamentos a nível de personalidade,
criando acentuados conflitos interiores entre o ser e o dever ser, entre suas próprias necessidades de
expansão e de realização do seu ser, bem como disfunções cognitivas e inadaptações ao real, às
circunstâncias e aos meios, tornando-se, óbvio, no entanto, que, não raros indivíduos, possuem autoconsciência de suas próprias disfunções cognitivas e psico-comportamentais, visto estas
manifestarem-se por distorções cognitivas negativas acerca de si mesmo, do mundo e do futuro, o
que gera, nas próprias pessoas, crónicas estruturas de depressão, de inadaptação, fracasso e de
uma permanente vivência em estruturas e dinâmicas de contínuo stress, apatia e indiferença face a si
mesmo, aos outros, às circunstâncias e aos meios, bem como privações de centros de interesses
emocionais, afectivos, sociais e cognitivos, o que faz com que tais indivíduos percepcionem a sua
própria pessoa, os ambientes, os meios, os acontecimentos e as circunstâncias que a rodeiam de
maneira negativa, absurda e sem sentido.
Uma tal estrutura cognitivo-emocional torna-se geradora de imensos efeitos e
comportamentos não só disfuncionais a nível cognitivo mas também bloqueadores a nível de
dinamização da própria individualidade e desintegrativos a nível psico-comportamental.
É que as disfunções, tanto nas suas singularidades como no seu conjunto em geral, podem
não só gerar desunificações a nível da necessária funcionalidade unitária do sistema bio-neuropsíquico do humano, mas também acentuados défices a nível de suas funções superiores como
sucede, por exemplo, nos casos em que um indivíduo possui reduzido nível de compreensão, mas
elevada memória; elevadíssimo potencial ou nível de inteligência racional e reduzido grau de
inteligência interpessoal, ecológica ou emocional; elevado nível de inteligência linguística e reduzida
196
inteligência perceptiva ou motora, etc., significando isto que, embora o ser humano seja uma unidade
sistémica, as suas funções podem manifestar-se assistematicamente.
Uma tal factual realidade demostra sobejamente que as faculdades mentais do ser humano
estão sujeitas a uma variabilidade de contingências de subdesenvolvimento, atrofia, deterioração,
desgaste ou bloqueamento que, directa ou indirectamente, influenciam, mais ou menos
acentuadamente, a dinâmica, o funcionamento e o desenvolvimento de outras funções, consoante a
localização neuro-bio-psíquica da génese das funções e a natureza ou grau da deficiência, lesão,
deterioração, bloqueamento ou inibição como sucede com a existência de lesões nas áreas corticais
linguísticas que, geralmente, geram afasias; com lesões nas áreas pré-frontais perturbadoras da
memória ou com qualquer outro tipo de lesões, bloqueamentos, subdesenvolvimentos ou distorções
nas áreas que cooperam com as estruturas especializadas de determinadas funções como sucede
com a emoção, o afecto, a orientação, etc., cujos funcionamentos e dinâmicas são multidimensionais
e não apenas vertical e horizontalmente, não só a nível neuropsicológico mas também psíquico,
psicocorporal e social, intelectual e mental, visto o sistema nervosos central ter por objectivo, entre
outras funções, as de coordenar e integrar toda a actividade individual na unicidade do próprio
indivíduo.
Uma tal unitária unicidade, própria e intrínseca ao normal e equilibrado funcionamento da
unidade do sistema neuro-bio-sócio-psicológico, é desunificável não só por efeitos de lesões
cerebrais, de desconexões inter-hemisféricas, mas também por processos psicológicos, mentais,
intelectuais, cognitivos, emocionais, afectivos ou sociais, gerando-se epifenómenos de desunidade da
consciência individual com acentuadas ambivalências e confusões entre o subjectivo e o objectivo,
entre o psíquico e o corporal, entre o social e o individual e cujas manifestações se vão integrando no
quadro da personalidade múltipla, isto é, na existência de duas ou mais subpersonalidades
separadas e distintas, e, cuja funcionalidade é de conflito, oposição, recalcamento, bloqueamento e
inibição das faculdades e dos comportamentos, das percepções, das cognições, das aprendiza-gens
e dos desenvolvimentos harmoniosos e integrados, dando a impressão que os potenciais e
desenvolvimentos de cada hemisfério cerebral se desenvolveram e actuam sem recíprocas e
interactivas correlações entre eles.
Um tal anormal ou desunitário comportamento de um indivíduo pode ser causado ou
desencadeado não só por causas ou razões neurocerebrais, mas também por factores de natureza
psicológica, mental, emocional, afectiva e social, visto a acção ou a inacção, os desvios ou as
distorções destes poderem gerar em suas próprias estruturas e dinamismos neurocerebrais não só
inibições ou bloqueamentos, recalcamentos ou distorções, mas também lesões com acentuados e
negativos efeitos não só a nível do sistema nervoso central mas também periférico, autónomo ou
simpático, emanando, daí, acentuados desvios a nível sócio-comportamental e psico-emocional, bem
como acentuadas dificuldades a nível de cognição, de retenção, de memória, de inserção, de
integração, flexibilidade e modificabilidade.
É que, assim como uma hierarquia de valores mobiliza mais directa ou indirectamente todo
o potencial de um indivíduo também as lesões, os bloqueamentos, as inibições ou as dissociações
mais directa ou indirectamente inibem ou distorcem a sua funcionalidade operacional como sucede
com os processos de dissociação psico-corporal, afectivo-intelectual ou psico-cognitivo, dissociações
efectuadas pelos processos psico-comportamentais do indivíduo e que permanecem na expectativa
da eficiência dos processos de reorganização, reestruturação, reunificação e revitalização da própria
e intrínseca unidade essência – existência efectuada pela acção da própria mente e pelo trabalho do
psico-emocional, estabelecendo-se, então, uma clara e nítida distinção entre deficiência mental,
insuficiência psíquica tanto de origem congénita como adquirida e doença mental resultante de
doença do espírito e de atitudes ou comportamentos que escapam ao controlo da mente ou da razão,
embora não seja raro, na experiência clínica, que, insuficiências psíquicas ou atrasos intelectuais
desenvolveram doenças mentais e sujeitos com doenças mentais desenvolveram estados de atraso
intelectual.
Com efeito, qualquer que seja a causa da doença mental, lesões, alterações, disfunções
nas células neuronais, tensões ou traumas afectivo-emocionais ou situações de stress, superiores à
capacidade de resistência do sujeito, tais causas evidenciam o facto que nenhuma doença é
totalmente psíquica e nenhuma é completamente orgânico-fisiológica. E isto porque, sendo a mente
emanação do cérebro, este envolve funções psicológicas e comportamentos instintivos,
comportamentos emocionais e sociais, afectivos e intelectuais interdependentes da acção dos
domínios psico-motores, perceptivos, somáticos, cognitivos, informativos e espaciais.
Daí o facto da causa essencial da doença mental ser, na sua maioria, efeito da ausência de
inter-relações e correlações funcionais entre as faculdades sensoriais e mentais, corporais e
psíquicas, interiores e exteriores, entre percepções e emoções, sentimentos e acções, afectos e
197
desejos, imagens e pensamentos, privações e disfunções ou desequilíbrios geradores de
destruturações ou desorganizações do todo funcional do indivíduo e da ausência de alicerces
estruturais, dinâmicos e envolventes da própria individualidade, a qual contém, em si mesma,
intrínsecas necessidades de permanente acção e de constante reorganização em função dos factos e
dos acontecimentos, dos meios e dos ambientes, bem como de suas intrínsecas necessidades de
permanentes fluxos de bioenergia adaptativa, espontânea e coerente, fazendo com que o indivíduo,
aceitando a dinâmica de seu próprio inconsciente biológico, emocional, social e afectivo, permaneça
continuamente consciente de suas próprias acções e comportamentos, experiências e vivências,
valores e disponibilidades para o mais e o melhor, investindo, permanentemente, o seu próprio
potencial na valorização de si mesmo, na constante e ascendente recriação de seus níveis de autoconceito e de auto-estima, bem como nas inter-relações com os outros, com os meios e com os
ecossistemas, com desapego do passado, vivência do presente e prospectivação do devir.
A ausência das recíprocas, interactivas e dinâmicas inter-relações funcionais entre tais
dimensões gera anómalos processos psico-emocionais, cujos efeitos se consubstanciam, de uma
forma geral, em neuroses e psicoses, resultando, tanto umas como outras, da existência de conflitos
intrapsíquicos, sendo as primeiras manifestadas através de permanentes perturbações a nível da
personalidade com manifestações obsessivas, perturbações ansiosas, fobias comportamentais,
doenças psicossomáticas, comportamentos depressivos ou histéricos, etc., e, as segundas, por
atitudes reveladoras de “doença do espírito”, visto elas atingirem gravemente o cerne da própria
personalidade e, esta manifestar-se por acentuadas perturbações, pela ausência de consciência de
sua morbidez, por suas dificuldades de comunicação e sensações de profunda estranheza face a si
mesmo, aos outros e aos meios circundantes, o que faz com que, a nível afectivo e emocional, bem
como a nível de processos de cognição, o indivíduo se manifeste profundamente instável,
acentuadamente apático e indiferente.
Ora, caracterizando-se o comportamento instável de um indivíduo por suas rápidas
mudanças de estados emocionais, por comportamentos impulsivos e por fracas tolerâncias às
frustrações, tais comportamentos não permitem que o indivíduo se concentre mais que alguns
instantes em tarefas e funções, desempenhos ou execuções, originando, assim, acentuadas
dificuldades nas aprendizagens, reacções emocionais inadequadas à idade, desajustamentos sociais
e escolares, disrupções cognitivas, bem como bloqueamentos a nível do desenvolvimento de suas
próprias aptidões e de capacidades de aprendizagem.
Com efeito, uma tal instabilidade comportamental envolve, regra geral, o todo da
personalidade do indivíduo. E isto tanto a nível psico-motor como a nível psico-emocional, tanto a
nível psico-cognitivo como psico-intelectual, ou seja, tanto a nível de funções instrumentais como
afectivas, tanto a nível do corpo como da mente, de sensibilidades como de inteligência.
É que, de facto, tanto a criança como o adolescente, jovem ou adulto instáveis apresentam
acentuadas oscilações de humor que podem ir desde a alegria eufórica mais intensa até um
comportamento de acentuada náusea, aborrecimento e depressão.
Enquanto crianças ou adolescentes, os instáveis são irrequietos, activos, mas sem o
necessário rendimento devido às suas dificuldades de concentração, visto não conseguirem orientar
sua intencionalidade com eficiência para as necessárias tarefas e funções a concretizar ou
desempenhar.
É que sua interioridade permanece invadida por uma espécie de agitação ou tormenta
interior que lhes impõem uma permanente fuga daquilo que devem fazer. Tudo isto porque vivem sob
um permanente estado de tensão bioemocional que lhes provoca medos, descontrolos, fugas e
resistências à possível filtração do real. Por isso não se sentem à-vontade dentro de seu próprio
corpo, não aceitam suas pulsões nem energias, desconhecem seu potencial bioenergético,
negligenciam as suas capacidades, vivem em permanentes estados processuais de desgastes
permanentes, dificilmente se descontraem ou se deixam relaxar e vivem com permanentes medos de
descontrolo pois são intolerantes à frustração e à adversidade e dificilmente estabelecem relações
inter-pessoais de duradoura permanência.
Daí o facto de tanto as crianças como os adolescentes instáveis terem dificuldades em
permanecer sentadas, mexem com tudo e com todos, não se interessam pelos trabalhos escolares,
têm dificuldades em fixar a atenção, são muito dispersos, sentem-se incapazes de continuar a
mesma acção, de manter um ritmo regular de trabalho, de agir de maneira constante e de levar um
trabalho até ao fim. Tudo isto porque a sua instabilidade não se manifesta apenas nos movimentos
físicos, mas, também, em suas funções emocionais e intelectuais e, por tais razões, as suas atitudes
psico-comportamentais são de passagem de um interesse para outro, visto possuírem a sensação de
incapacidade, de atenção e de fazerem qualquer esforço perseverante de reflexão, permanecendo
em constante necessidade de movimento e de mudança, criando desordem e perturbado a actividade
198
dos outros, manifestando-se impulsivos, inconstantes e caprichosos. Abandonam facilmente os
trabalhos começados e vivem numa permanente atitude de conquista ou descoberta de um
"inexistente paraíso”.
Os instáveis, com permanentes comportamentos de irrequietude, deambulam em sua
existência, sem fins nem objectivos. Nas tarefas encetadas facilmente perdem o sentido da sua
utilidade, sentem-se desconfortados em relação a si mesmos, desconfiados em relação aos outros,
ansiosos perante o novo ou o diferente e numa permanente luta contra seus próprios sentimentos de
frustração, angústia e depressão.
Instáveis, hiperagitados e irrequietos apresentam défices ou transtornos psico-cognitivos, de
maneira particular a nível de praxias e de agnosias devido às suas perturbações a nível de
concentração, de sua hiperactividade psicomotora e atenção visto concentração, participação e
envolvimento, abertura e disponibilidade serem os alicerces mobilizadores de todo o sucesso escolar,
incompatíveis com a hiperactividade, impulsividade e distractibilidade do instável.
No entanto, um tal conjunto de indivíduos, bem como outros caracterizados por alterados e
distorcidos comportamentos afectivo-emocionais e psico-sociais possuem capacidades para a
aprendizagem. O que está aqui em causa é o facto das estruturas bio-neuro-cerebrais e psicoemocionais do indivíduo estarem alteradas, perturbadas, distorcidas ou bloqueadas, nomeadamente
a nível de recepção da informação, da sua organização, compreensão, associação e devolução da
informação.
É que, de facto, dinamismos cognitivos e estruturas emocionais interagem mútua e
reciprocamente e, mesmo sem a existência de lesões cerebrais, os factores emocionais podem
bloquear ou dinamizar os dinamismos da aprendizagem e do conhecimento, visto o ser humano ser
uma unidade bio-neuro-cerebral e sócio-psico-emocional e seus efeitos comportamentais emanarem
das acções interactivas de todos os seus subsistemas.
A dinâmica emocional de um indivíduo, no entanto, interdepende de factores da sua própria
personalidade, individualidade e identidade, de seus comportamentos inter-relacionais, de suas
hierarquias de valores, de seu auto-conceito e auto-confiança, bem como de seus dinamismos psicosociais e de envolvência, portadores de energias, inter-activações e actividades do córtice cerebral e
de suas estruturas corticais.
De facto, assentando as funções mentais em bases neuronais, a activação, orientação e
encaminhamento destas obedece aos princípios de orientação das próprias motivações, as quais, por
sua vez, orientam a funcionalidade da mente, de seus fluxos e de suas energias, de suas captações e
estímulos, de suas interconexões cérebro-mente e de suas unificações e orientações psicocomportamentais, visto a total e harmoniosa activação do cérebro interdepender da estimulação de
todas as suas áreas.
Não há dúvida, no entanto, que as emoções, os sentimentos e os afectos, as pulsões e as
energias constituem, em geral, os agentes mais estimulantes e motivadores da actividade psicológica
e mental do cérebro normal visto as suas áreas agirem e interagirem conectivamente, e, tanto as
pulsões como as emoções ou afectos constituírem o motor essencial de suas interacções, de suas
percepções, filtrações, organizações e reorganizações, entradas e saídas.
As deficiências, bloqueamentos, fragilidades ou inibições em tais processos não só são
geradores de perturbações e dificuldades a nível cognitivo mas também a nível de memória e da
própria linguagem.
É que a carência ou a distorção da necessária bio-energia emocional e afectiva debilitam
não só a lógica necessária como também fragilizam e bloqueiam os desenvolvimentos das
programações interiores, impedem a coerência interior – exterior e a interactividade neurocerebral
permanece comprometida e impossibilitada de passar de uma fase a outra, gerando-se, a partir daí,
não só fenómenos de esquecimento mas também de perturbações da memória e do pensamento.
De facto, a ausência de emoção vital ou a existência de emoção negativa (recalcamentos,
ou presença de sentimentos de ódio, raiva, rancor ou inveja generalizados) bloqueiam ou impedem a
transposição ou transparência de dados mnésicos de longo prazo para o curto prazo e vice-versa e a
eficiência de um tal processo implica a comunicação de tais fluxos de maneira flexível, associativa,
natural e espontânea.
A morbidez de tais processos desencadeia fenómenos de esquecimento, os quais nem
sempre são negativos, sobretudo quando o esquecimento se torna agente de purgação, de filtração
ou selecção de formas e conteúdos mentais que, não raras vezes, asfixiam a memória ou bloqueiam
e paralisam o poder associativo da mente.
De facto, a eficiência na aprendizagem implica a envolvência do sujeito, a abertura em
relação ao cognoscível, disponibilidade emocional e prazer na relação ao objecto. As informações
sem interesse bloqueiam tais processos, favorecem a criação de parasitárias redundâncias e
199
bloqueiam ou minimizam a capital importância da relação sujeito – objecto. Vivenciar a relação,
seleccionar os dados informativos mais importantes, sistematizar tais dados, mapeá-los mentalmente
e codificá-los são características processuais da eficiência dos processos de aprendizagem.
A ineficiência ou inabituação em tais processos é, sem dúvida, causa de certas dificuldades
mas tais causas tornam-se extremamente maiores quando tais processos não seguem seus
desenvolvimentos naturais, estão imbuídos de parasitárias interferências ou se encontram
deteriorados provocando, assim, não só negativas filtrações dos dados informativos mas também
desvios em seus códigos associativos, sobrecarregando não só os dinamismos neuropsíquicos do
indivíduo mas também inibindo o seu potencial emocional e recalcando suas energias afectivas, o
que violenta a concentração, distorce o potencial associativo de ideias, imagens ou mapas mentais,
desorganiza aprendizagens anteriores e instala no indivíduo o desprazer pela aprendizagem,
fenómenos que não só desenvolvem no sujeito reacções negativas aos processos de aprendizagem,
mecanismos comportamentais de fuga e de evasão, sensações de incapacidade e fragilidade,
comportamentos de inibição, complexos de inferioridade, profunda baixa estima de si mesmo e
instabilidade emocional com acentuadas tendências para a rigidez psíquica, dificuldades nas
evocações do aprendido, contínuos esquecimentos e involutivos neurotizantes comportamentos, visto
tanto as amnésias totais ou parciais como os comportamentos regressivos possuírem causas não só
na existência de lesões cerebrais mas também na existência de traumas e fenómenos emocionais,
psíquicos e afectivos, os quais afectam ou bloqueiam, de forma acentuada, não só as funções mas
também o desenvolvimento da acção do hipocampo, gerando-se, então, comportamentos de astenia
ou psicastenias cerebrais.
O anterior conjunto causal de perturbações da memória efectua, em simultâneo ou no
imediato posterior, perturbações do curso do pensamento e, não raras vezes, perturbações da
linguagem. É que, sendo perturbada a eficiência mental e intelectual, o comportamento do indivíduo
manifesta-se lento, dá a impressão de desinteresse, de dificuldades no raciocínio e nas associações
e, não raras vezes, ele próprio fala de “cabeça vazia ou da existência de brancas no cérebro”, atitude
comportamental idêntica à de fuga à realidade ou de falta de adaptação e envolvência nos
respectivos contextos sócio-pessoais. Não raras vezes o seu discurso é incoerente, ilógico, com
paragens, despropósitos, com expressões herméticas, neologismos, comportamentos de semimutismo ou palavras deslocadas de sentido corrente. As suas fantasias são marcadamente
acentuadas por agressividades sádicas, com simbologias mórbidas: corpos destruídos ou mentes
desintegradas;
hiperagitações infantis, tendências depressivas, angústias acentuadas e
hiperagitações caracteriais.
Como é óbvio, um tal conjunto de bloqueamentos, perturbações ou rupturas origina estados
de atraso intelectual ou mental, não só quantitativo, mas, também, qualitativo pois tais indivíduos,
além de efectuarem aprendizagens muito mais lentamente, efectuam-nas com dificuldade, com
desprazer, com falta de participação e ausência de envolvimento.
O seu potencial de
operacionalização lentifica-se e o desenvolvimento de suas capacidades adaptativas, escolares,
laborais ou profissionais torna-se subdesenvolvido, rígido, amorfo ou distorcido, características
estruturais e constituintes causais do atraso intelectual, visto aquelas inibirem, bloquearem ou
reduzirem o potencial de modificabilidade ou de novas adaptações e de diferenciados
comportamentos face aos estímulos e às motivações, evidenciando privações de contextos e
conteúdos, de adaptações e adaptabilidades, bem como de socializações e aprendizagens mediadas.
IV–DINAMISMOS
APRENDIZAGEM
AFECTIVO-EMOCIONAIS
NOS
PROCESSOS
DE
Embora hoje em dia certos cientistas pretendam tratar as emoções como algo distinto dos
afectos e afectividade, a realidade é que as emoções, seus tipos e características emergem da
afectividade de um indivíduo. É que, em lato sentido, sendo um estado afectivo de uma pessoa
constituído pelo conjunto das reacções psíquicas que ela possui em relação a si mesmo, aos outros e
ao mundo exterior, as descargas de um tal estado, as suas comunicações, interacções ou reacções
manifestam o estado emocional de uma pessoa, estado que, tornando-se denominador de todos os
sentimentos individuais, pode revelar-se por manifestações agradáveis ou desagradáveis
exteriorizadas de forma mais ou menos violenta, pacífica ou tranquila, e, de maneira psíquica, física
ou psicossomática em forma de pulsões, afectos ou emoções. Daí o facto da emoção dever ser
tratada como forte potencial de energia e de investimento, de cargas e descargas imediatas ou
200
diferidas e facilitadoras ou retardadoras, desinibidoras ou inibidoras dos processos de
desenvolvimento, de expansão e realização humana.
Com efeito, o hipotálamo, filtro e centro desenvolvedor do emocional, capta as informações
sensoriais oriundas do ambiente exterior, percepciona-as, elabora-as e envia-as às áreas de
associação sensorial e de projecção cortical, assumindo, aí, um certo nível de complexidade cognitiva
sendo esta, por sua vez, reenviada ao tálamo e ao sistema límbico em geral. Circuita nas áreas
corticais de projecção e de associação sensorial efectuando, então, o tratamento emocional das
informações, tratamento no qual a amígdala desempenha uma função essencial, visto aquela situarse na face interior de cada lobo temporal e ser parte integrante do sistema límbico, intervindo, assim,
na elaboração, organização e expressão das emoções visto ela efectuar recíprocas conexões com o
hipocampo, com o tálamo e com o hipotálamo. Por isso, a nível de anatomia neurocerebral, a
funcionalidade dos circuitos existentes no interior do sistema límbico não só activa e dinamiza o
potencial emocional do indivíduo mas também se torna potencial e agente activador de seu próprio
poder e actividade mnésica.
A actividade de um tal potencial subcortical interage não só consigo mesmo, mas, também,
com as estruturas e os dinamismos corticais, processo que, fazendo com que os dados exteriores
adquiram significado emocional pela acção do núcleo da amígdala e interactivas áreas corticais
primárias da visão, da audição e da someostesia, as quais, interactiva e reciprocamente, interagem
com as áreas secundárias do cérebro humano, nomeadamente com o córtice frontal e temporal,
efectuaram a integridade funcional do sistema límbico, talâmico e cortical.
É que, através dos dinamismos subcorticais, os dados dos sentidos dos órgãos adquirem
valor emocional e as estruturas corticais do cérebro humano elaboram as informações e os
programas a partir de tais dados, controlando, inibindo ou orientando as emoções em função dos
contextos sociais, das expectativas individuais ou das interacções sociais.
A presente e recíproca interactividade neurocerebral demostra que, num cérebro humano
normal, as suas diversas áreas ou regiões estão dinâmica e funcionalmente interconectadas e uma
desconexão, por exemplo, através de uma lesão, pode manifestar seus efeitos em áreas ou regiões
diferentes da zona lesada.
Do anteriormente exposto resulta, com clara evidência, a existência de recíprocas e
funcionais interacções entre emoções e cognições, visto ser através das emoções que o ser humano
dá e atribui significado aos acontecimentos e situações e ser a partir de tais significados que as
funções cognitivas actuam, desenvolvem-se, reelaboram-se ou modificam-se, dinamizando ou
reestruturando estruturas cognitivas, destruturando ou reestruturando esquemas psicocomportamentais, estruturas e esquemas que, por sua vez, influenciam positiva ou negativamente o
potencial emocional de um indivíduo bem como suas áreas neurocerebrais.
Face a uma tal dinâmica neurocerebral: emocional – cognitiva e comportamental, tanto os sistemas neurocerebrais como os emocionais e os cognitivos,
emergentes de hipercomplexas componentes, são sistemas de funções integrativas
e adaptativas. Por isso, é intrínseca necessidade, tanto do sistema emocional como
do sistema cognitivo, captar e tratar as informações oriundas do ambiente,
seleccionar os estímulos mais evidentes, fornecer a tais estímulos respostas
adequadas e reter o conjunto dos estímulos, a resposta e os resultados de tal
resposta, visto o sistema emocional, por sua vez, emergir do sistema do
inconsciente e, por isso, responder rapidamente a estímulos essenciais às
necessidades fundamentais do indivíduo, e, o sistema cognitivo analisar as
situações de maneira mais flexível e variada, visto emergir do sistema consciente e,
por isso, necessitar de muito mais tempo que o sistema emocional para elaborar
suas próprias respostas e se adaptar, de forma flexível, às variadas situações e
circunstâncias dos meios.
Estes dois sistemas, no entanto, colaboram interactiva e retroactivamente,
mútua e reciprocamente, nos processos de adaptação do indivíduo, na análise das
informações, na elaboração das respostas e na captação dos estímulos e
significados emocionais, subjectivos, cognitivos e objectivos.
A recíproca e interactiva dependência emocional-cognitivo não só constitui o
factor essencial da integridade do eu individual, mas, também, o agente essencial da
filtração das informações e da elaboração das respostas a nível de emoções e de
201
comportamentos primários. A nível de comportamentos sòciopsicologicamente
diferenciados, relacionais e sócio-ambientais, as emoções encontram-se normalmente mais desenvolvidas, mais complexas e, por isso, são, simultaneamente,
também efeito de elaborações cognitivas, como sucede, por exemplo, com a
saudade ou a nostalgia, o orgulho ou a vaidade, a pena ou a compaixão, o remorso
ou a culpa, visto estas emanarem das emoções primárias: alegria, interesse, tristeza,
surpresa, desgosto, desprezo, vergonha, medo, cólera, etc..
Ora, emergindo as emoções secundárias das primárias, elas são valorizadas
ou desvalorizadas pelos processos cognitivos do indivíduo e, então, interagem com
as situações, com os conteúdos e os contextos ambientais e, consoante a
positividade ou negatividade do indidíduo, valorização ou desvalorização, tornam-se
factores facilitadores ou bloqueadores de motivações cognitivas, de prazer ou
desprazer, de atracção ou repulsa, de envolvimento ou fuga, de criação ou
reelaboração de novos esquemas e mapas mentais, os quais, por sua vez, tornamse agentes desenvolvedores de novas e diferenciadas atitudes e comportamentos,
valores e motivações intra-individuais, interpessoais, relacionais, cognitivos,
conceptuais, sensório-motores e psico-fisiológicos, pois o emocional, embora possua
sua fonte bio-energética essencial na amígdala, age, acentuadamente, sobre o
hipotálamo, os núcleos anteriores do tálamo e o hipocampo, efectuando, assim,
harmoniosas interconecções nos circuitos cerebrais, levando o indivíduo a agir a
nível de motricidade e expressividade, de estímulos e de motivações, de acções e
de concretizações não só cognitivas como comportamentais pois, tais processos,
desenvolvedores e aperfeiçoadores de emoções, são, potencialmente, também
orientadores e condicionantes de processos cognitivos e mentais, de subjectividades
e objectividades, de interiorizações e exteriorizações, de introjecções e projecções e,
interactiva e reciprocamente, agem e interagem, dinâmica e activamente, sobre o
neocórtice do indivíduo, de maneira particular a nível de lobos frontais, de
lateralizações hemisféricas e de comportamentos psicossociais.
O estudo das recíprocas interacções entre o cognitivo e o emocional parece,
embora a nível bastante rudimentar, ter sido iniciado por Harlow ( 1868 ) quando
descreveu os efeitos comportamentais de seu paciente Phineas Gage, após grave e
acentuada lesão nos lobos frontais. O paciente de Harlow, homem equilibrado e
dinâmico, interessado pelo trabalho e pela família, após o traumatizante acidente
deixou de ser ele mesmo. Após a lesão dos lobos frontais, escreve o autor: « o
equilíbrio entre as suas faculdades intelectuais e as suas propensões animais
parece ter sido destruído. Tornou-se inconstante, irreverente, incapaz de aceitar
conselhos ou restrições opostas aos seus desejos. Era uma criança nas suas
manifestações e capacidades intelectuais e tinha paixões animais de um homem
vigoroso ».
As descrições analíticas do autor permaneceram quase ignoradas durante
um século, mas, hoje em dia, graças às investigações e seus respectivos resultados
no âmbito das Neurociências, não há dúvida que, lesões nos lobos centrais, não só
podem implicar acentuadas perturbações no domínio do emocional mas também
modificações a nível de comportamentos e da personalidade de um indivíduo,
evidenciando-se, por isso, a existência de recíprocas interacções entre lobos frontais
e sistema emocional, confirmadas não só através de análises e estudos casuísticos
efectuados clinicamente mas também através de investigações anatómicas e
experimentais.
A nível de estrutura anatómica, Nauta ( 1971 ) sublinhou a importância das
conexões recíprocas que interligam os lobos frontais às estruturas do sistema
202
límbico bem como a convergência dos lobos frontais com as informações oriundas
tanto do ambiente exterior, através das vias de associação com as áreas da visão,
da audição, da someostesia como com as informações oriundas do interior do
indivíduo através das conexões com o hipotálamo e com as diversas estruturas do
sistema límbico, convergência pela qual, a nível de funcionalidade, poder-se-à
afirmar que os lobos frontais desempenham um papel de representantes
neurocorticais do sistema límbico e, por isso, conseguem controlar e orientar os
mecanismos emocionais, fenómenos psico-comportamentais que, face à existência
de lesões nos lobos frontais, induziriam a efectuação de uma dissociação entre
valorizações cognitivas das situações e sua respectiva e concomitante experiência
emocional do indivíduo, o que explica, de forma acentuada, a ausência de
integração não só do desenvolvimento de atitudes e de comportamentos emocionais
e sociais, mas, também, a incapacidade de antecipação e de previsão da resolução
dos problemas, funções essencialmente específicas dos lobos frontais.
Com efeito, tanto os estudos clínicos como os anátomo-cerebrais efectuados
sobre os efeitos das lesões dos lobos frontais demostram, de uma forma geral, a
capital importância que os lobos frontais desempenham na produção espontânea e
intencional das expressões emocionais, bem como na sua compreensão e
interpretação pois que, apesar da grande heterogeneidade comportamental e
psicoemocional dos indivíduos com lesões nos lobos frontais, de uma forma geral,
uns sobressaiem por uma acentuada ausência de tacto e de inibição, por manifestas
tendências a inadequadas familiaridades, a condutas de jogos de palavras
grosseiras, de maneira particular com conteúdos sexuais; outros revelam apatia,
abulia e bradipsiquismo na acção, falta de espontaneidade e de iniciativa, bem como
extrema pobreza na expressividade emocional tanto a nível mímico como verbal ou
a nível de interacção social. Um terceiro grupo de indivíduos com lesões nos lobos
frontais apresentam comportamentos de acentuada instabilidade e egocentrismo,
são caprichosos e indiferentes às dificuldades dos outros com quem se encontram
ou interagem.
Uma tal heterogeneidade comportamental parece, sem dúvida, encontrar-se
interdependente das áreas e da profundeza em que a lesão se encontra, isto é, das
áreas frontais ou pré-frontais dos lobos cerebrais, bem como das conexões
destruídas no cérebro humano, que contribuem para especialização das suas
próprias funções. E, no entanto, lesões ou desorganizações no sistema límbico ou
nos subsistemas dele interdependentes desencadeiam perturbações emocionais e
alterações comportamentais tanto a nível de personalidade em geral como a nível
psicoemocional.
A evidência de tais efeitos torna-se clara não só a partir das induções
efectuadas a partir das análises neurocerebrais e clínicas mas também partindo da
concepção de que a mente humana emana dos processos bioneurocerebrais do
indivíduo, das interacções de suas « assembleias » de células, de suas interacções
com os meios exteriores e de seu poder de selectividade orientada, de forma mais
ou menos positivamente, em função do seu desenvolvimento, expansão e
totalização.
É que, de facto, apesar da mente humana funcionar como um sistema, ela
interdepende de sua estrutura neurocerebral, de suas vias de entrada, de seus
mecanismo de filtração, selecção e de seus processos de saída, alimentados tanto
uns como outros por processos emocionais, perceptivos e menésicos, verbais e não
verbais, geradores incessantes de actividade mental e cognitiva mas cujos tipos e
dinamismos de tais actividades interdependem de funções localizadas em áreas ou
203
regiões do cérebro do indivíduo bem como de sua arquitectura cerebral, como se
constata com os efeitos das lesões cerebrais causadoras de problemas ou
dificuldades a nível de percepções, a nível de movimento ou motricidade, a nível de
tacto ou de olfacto, de visão ou memória, de escrita ou leitura, de comunicação ou
informação, de comportamento ou acção.
Apesar da possível existência de tais défices causais, por inacção, lesão,
disfunção ou alteração, falar de fatais determinismos é desconhecer os efeitos da
activação e da funcionalidade da mente individual, visto a sua exercitação e acção
poderem não só desenvolver o ainda não desenvolvido ou activado das estruturas e
dos dinamismos neurocerebrais como também desenvolver as necessárias funções
ou potenciais de activação em áreas mais ou menos próximas da zona lesada desde
que entre cérebro e mente subsista a necessária e equilibrada interactividade
funcional, a qual possui como sua base de sustentação a acção de seus processos
perceptivos e emocionais.
A dinamização dos processos perceptivos constitui denominador essencial
da estimulação e esta torna-se alavanca de facilitação da aprendizagem mesmo
inconscientemente, e isto tanto a nível vertical como horizontal, ascendente como
descendente. Por sua vez, a acção do sistema emocional de um indivíduo organiza
ou reorganiza, inibe ou desinibe os sistemas de movimento motórico, de
expressividade e de comunicação deste com as zonas corticais, embora estas nem
todas possuam idêntica influência sobre o sistema emocional.
No entanto, parece ser dado adquirido que os lobos frontais desempenham
função extremamente importante na elaboração das funções do controlo das
emoções visto existir complexas conexões anatómicas entre o sistema límbico e os
lobos frontais.
Além disso, no entanto, parece, já hoje em dia, não existir dúvidas que o
hemisfério direito desempenha funções de supremacia na compreensão e expressão
das emoções, bem como na comunicação não verbal ( Gainott, 1972; B, Ross, 1984,
Blonber e colaboradores 1993).
Seguindo a linha de investigações de tais autores, pacientes afectados no
hemisfério direito do cérebro manifestam, não raras vezes, indiferença emocional,
incapacidade de exprimir as emoções ou de comunicar correctamente as suas
próprias reacções emocionais, como sejam a surpresa, a euforia, a dramaticidade, a
angústia ou a ansiedade.
Parecendo óbvio que o hemisfério direito se encontra profundamente
envolvido nos processos de gestação das componentes vegetativas das respostas
emocionais, nas elaborações das experiências subjectivas das emoções, bem como
nas comunicações emocionais, o hemisfério esquerdo não só possui o potencial de
elaborar conceptualmente as emoções mas também de as controlar, de maneira
particular, através da efectuação de uma análise crítica acerca das emoções.
Os resultados de tais investigações demostram sobejamente que os dois
hemisférios cerebrais desempenham funções complementares nos processos e
dinâmicas dos comportamentos emocionais, emanando a diferenciação funcional
das profundas reorganizações que o progressivo desenvolvimento da linguagem
desencadeia no cérebro humano.
Não raras vezes, no entanto, a acção funcional do hemisfério esquerdo não
é suficiente para controlo das emoções como sucede, por exemplo, quando um
indivíduo se vê face a um insucesso inesperado, a uma profunda decepção ou
frustração, face à situação de perda de uma pessoa amada, situações lesionadoras
da imagem individual e da entrada do indivíduo em situações de frustração,
204
angústia, depressão e luto, fenómenos demonstrativos de que o próprio cérebro do
indivíduo não possuía, para tais situações, mecanismos adaptativos a tais
emergências deixando, então, o indivíduo numa profunda imagem negativa de si
mesmo e em muito baixa auto-estima.
A reabilitação psicoemocional de tal indivíduo passará, então, fundamental e
progressivamente, pela acção e pelos efeitos de seu potencial interrelacional, pelo
redimensionamento das relações sociais, familiares, emocionais, afectivas e
psíquicas tanto a nível de economia emocional como de investimentos afectivos,
comportamentos que deverão não só alargar mas também aprofundar os seus
potenciais de sociabilidade, de integrabilidade e de interpessoalidade, atitudes
comportamentais reestabelizadoras de seus dinamismos sociais, emocionais e
psíquicos.
Ora, sendo as emoções os factores dinamizadores dos comportamentos
básico-elementares de um indivíduo, das quais interdependerá, em grande parte, o
potencial emotivo, afectivo, sensitivo, elas são também, em certo sentido, a base da
emergência psico-caracteriológica, impulsionadora do desenvolvimento de seus
próprios filtros de apreensão do real e de seus conaturais estilos de aprendizagem
individual.
Por tais razões, o sistema emocional de um indivíduo, o seu potencial
bioenergético e as suas capacidades de investimento deverão ser considerados,
funcionalmente, como esquemas funcionais das estruturas neurovegetativas de um
indivíduo e como dinâmicas estruturas de activação e unificação psicofisiológica,
mental, intelectual e cognitiva.
A nível geral, emerge, não só da prática psíquico-terapêutica mas também
clínica, que o emocional é agente mobilizador do comportamento individual, é
integrador de atitudes e interactuador das estruturas subcorticais e corticais do
cérebro. A nível sensorial e motor, o emocional é agente mobilizador de acções e de
comportamentos interactivos com os meios, com os ambientes e com as pessoas,
como se depreende, facilmente, das inter-relações efectuadas entre o bebé e a mãe,
as crianças e o grupo de crianças, assentes fundamentalmente na dinâmica do
emocional.
Um tal dinamismo do emocional, dos potenciais bioenergéticos e as
características do afectivo são facilmente integráveis no cognitivo, quando o
indivíduo se interioriza vivencialmente como um todo harmonioso e funcional,
dinâmico e expansivo, natural e autentico. Uma tal ideal situação comportamental
emerge dos efeitos das recíprocas interacções do emocional com o mental e do
inconsciente com o consciente, bem como das estruturas dos automatismos com as
estruturas cognitivas.
As próprias estruturas cognitivas, seus conteúdos e dinamismos, são
modificáveis através da acção do emocional, visto, se por um lado, o
desenvolvimento do potencial inato de um indivíduo redimensiona suas estruturas
cognitivas, por outro lado, é também o emocional que confere barreiras ou
obstáculos à objectivação cognitiva das experiências emocionais subjectivas, como
se constata através dos efeitos da experiência do prazer ou da dôr, da desilusão ou
da frustração, do medo ou da libertação.
Daí a profunda e intrínseca necessidade de, em qualquer eficiente programa
de modificabilidade cognitiva, existir, prioritariamente, necessidade de modificar o
emocional de um indivíduo, visto as estruturas e os dinamismos de um indivíduo
serem hipercomplexos mas, sem dúvida, adaptáveis alicerces de suas funções
cognitivas, pois é através do seu sistema emocional que o indivíduo atribui este ou
205
aquele significado a uma situação ou evento, se liberta ou reprime, se inibe ou
desinibe, se alegra ou encoleriza, se solta ou contrai, significando isto que modificar
o emocional é modificar o cognitivo, pois o primeiro integra o segundo, cooperando,
assim, nos processos de activação ou bloqueamento do segundo,o que demostra
que, embora o comportamento humano emirja do todo do indivíduo, o cérebro
funciona intra e inter-subssistemicamente, como se patenteia através dos efeitos de
certas lesões ou disfunções cerebrais, as quais podem causar não só desordens
mentais ou cognitivas mas também emocionais e comportamentais, visto as
conexões deterioradas ou lesadas impedirem a interactiva comunicação entre
subsistemas neurocerebrais e, então, a mente encontra-se impedida de efectuar a
unificação do comportamento.
V - INTERACTIVIDADES PSICOEMOCIONAIS DA APRENDIZAGEM
O estudo e a análise das malformações genéticas ou hereditárias, bem
como das lesões, disfunções ou desconexões cerebrais não explicam, na totalidade,
as causas das dificuldades de aprendizagem, dos comportamentos anormais,
disruptivos ou antissociais. Isto porque a realidade humana, bem como o seu
aparelho neuropsíquico são realidades muito mais complexas que o interactivo
conjunto de neurónios, axónios, sinapses, dendrites ou células.
Não há dúvida, no entanto, que na hipercomplexidade humana das
recíprocas interacções de suas componentes neuropsíquicas encontram-se a
emoção e a pulsão, o afectivo e o intelectual, o cognitivo e o mental.
Ora, constituindo a emoção a base essencial dos sentimentos e dos
afectos, a acção comportamental e a dinâmica de um indivíduo encontram-se
activamente alicerçadas e dinamizadas pelas suas intensidades, consolidações,
reforços e vivências, visto serem tais dimensões da personalidade que fazem com
que um indivíduo aja com prazer ou desprazer, com alegria ou com tristeza e com
realismo ou irrealismo, envolvendo ou rejeitando as experiências, os envolvimentos,
os presentes ou os futuros, a efectuação das associações do passado, bem como as
expressões ou comunicações mais ou menos inibidas ou recalcadas.
Face ao anterior, não há dúvida que o sistema emocional de uma pessoa
constitui o agente essencial de sua activação comportamental, de sua eficiência ou
rentabilidade, de seu equilíbrio e bem estar, de sua autonomia e independência, de
seu crescimento e maturidade.
Com efeito, o sistema desenvolvido e equilibrado das emoções faz com que
o indivíduo se torne activo, com que a acção do seu organismo se torne flexível e
fluída, o seu sistema bioenergético expansivo, a sua acção psicofisiológica
interactiva e o seu sistema nervoso activo, dinâmico e autónomo.
É que, de facto, um sistema emocional aceite e assumido como positivo
orienta o indivíduo para a produção de energias e, então, o seu sistema
parassimpático não só conserva mas também desenvolve mais energias e, tanto o
sistema límbico como o hipotálamo reforçam-as e transmitem-as não só à
globalidade do organismo mas também ao neocórtice do cérebro, o qual, por sua
vez, não só as converte em potencialidades de cognição mas também de acção
comportamental e de integrabilidade pessoal.
206
Por isso, não parece ilógico, bem pelo contrário, afirmar que o
desenvolvimento psico-intelectual e neurofisiológico de um indivíduo interdepende,
em grande escala, do desenvolvimento ou da asfixia, da positividade ou
negatividade do seu sistema emocional. Daí o facto de aparecer como conatural o
falar-se de síndroma de privação emocional, e de seus negativos efeitos, pois, o
sistema emocional intrinsecamente conatural à natureza humana, possui seus
códigos ou programas de crescimento e de desenvolvimento, de expansão e de
vivência, programas que agem e interagem recíproca e interactivamente com os
processos cognitivos e mentais, sociais e racionais.
É, com efeito, pelo emocional, que a criança sorri ou chora, se alegra ou
deprime, se comunica ou isola. É pelo emocional que a criança busca o objecto ou
os objectos desejados, se vivencia, envolve ou experiência. É que, todo o ser
humano, ao nascer, trás consigo programas e sistemas de desenvolvimento
biológico, corporal, emocional, afectivo e cognitivo. Todos estes programas e
sistemas agem e interagem entre si e, consoante a natureza, dimensão e
intensidade de tais interacções, efectua-se o seu desenvolvimento, equilíbrio,
envolvência e expansão. Ninguém nasce robot mas sim com programas de
desenvolvimento, crescimento, assimilação, imitação, comunicação e aprendizagem.
A eficiência de tais desenvolvimentos necessita, no entanto, imperiosamente, da
intervenção e acção dos meios envolventes, de programas de desenvolvimento e de
educação emocional e afectiva, cognitiva e intelectual, visto não haver dúvida que
todo e qualquer ser humano aprende e desenvolve-se muito melhor com alegria e
prazer do que com tristeza ou dôr.
Ora, abrangendo o sistema emocional e seus respectivos efeitos, o todo do
indivíduo, o desenvolvimento e a orientação do sistema emocional impõe-se como
imperativo de aceitação e de desenvolvimento, não só a nível de neurociências ou
de higiene e saúde mental, mas, também, a nível de eficiência cognitiva e de
educação, os desenvolvimentos de tais dimensões neuropsíquicas e afectivointelectuais, visto estes tornarem-se imperativo não só dos equilíbrios individuais,
mas, também, fonte de sinergias individuais para encontro do certo no incerto, do
estável no instável, do natural no artificial, do subjectivo no objectivo e do humano
no desumano.
Um tal conjunto de orientações funcionais do cérebro opera-se,
fundamentalmente, através da acção e da dinâmica do sistema emocional, visto este
encontrar-se na base da plasticidade neuronal e da flexibilidade neuropsíquica de
um indivíduo. É que a actividade neurocerebral interdepende essencialmente do
sistema emocional e um cérebro activo e curioso desenvolve conexões sinápticas
mais fortes e mais consistentes que um cérebro passivo e mero recipiente de
aprendizagens, visto um cérebro não activo eliminar ou fragilizar as sinapses não
utilizadas, informando-nos, tal constatação, que, tanto uma criança como um
adolescente ou um adulto, deverão ser os construtores de seu próprio conhecimento
e não meros recipientes de informação, o que impõe, a nível de Psicologia
Educacional, uma acentuada viragem para técnicas e estratégias de aprendizagem
que envolvam o todo do indivíduo naquilo que está fazendo ou deva fazer, visto as
associações constituírem a essência motivacional das funções cerebrais, a
integração ser a componente essencial do sistema neuropsíquico e as conectivas
interligações constituírem a essência comunicacional do sistema humano.
Uma tal interactivação neurocerebral encontra sua força propulsora, e,
mobilizante nas emoções e afectos do indivíduo pois, tanto as primeiras como os
segundos não só aceleram e aprofundam mas também expandem a sua vitalidade
207
cognitiva, o seu comportamento interpessoal e interrelacional bem como suas
capacidades e necessidades de envolvência.
Esta necessária integrabilidade das emoções e dos afectos na vida cognitiva
de uma pessoa emerge do próprio desenvolvimento neurocerebral de um indivíduo
pois este, muito antes de possuir capacidades cognitivas, exteriorizava-se através de
manifestações emocionais e afectivas, inatas e conaturais à sua natureza e
desenvolvidas ou asfixiadas através da positividade ou negatividade de suas
interacções com seus próprios meios.
O conjunto de tais interdependências revela que uma vida cognitiva estável,
persistente e activa tem, necessariamente, como seu fundamento, uma vida
emocional e afectivamente equilibrada, não significando isto que o indivíduo com
perturbações ou problemas emocionais ou afectivos não possui vida cognitiva.
Não há dúvida, porém, que uma criança, adolescente, jovem ou adulto que
se sente amado, desejado ou estimado e que vive em atmosferas de afectividade e
de confiança, de respeitabilidade e consideração, sente-se muito mais estimulado e
perseverante numa vida de conhecimento e de acção, de comunicabilidade e
expansão, pois encontra-se seguro de possuir resposta para suas necessidades
afectivas e emocionais e poder possuir consciência da existência, em si mesmo, de
um forte potencial bioenergético disponível em relação aos investimentos cognitivos,
pessoais, intercomunicativos e sociais. Por outro lado, tanto o emocional como o
afectivo não só facilita mas também acelera a integração das novas informações ou
conhecimentos nos antigos, acelerando acomodações, reestruturando esquemas
mentais e gerando perspectivas positivas nos processos de acções interestruturantes do sujeito que conhece e do objecto ou objectos a conhecer, fenómeno
psicoemocional gerador de auto-confiança ou auto-estima, de positivo auto-conceito
individual e de segurança pessoal pois tanto as emoções como os afectos possuiem
funções não só de evolução ou de crescimento maturativo mas também de
adaptação ajudando o organismo a adaptar-se às mudanças e inovações dos meios
bem como às circunstâncias dos ambientes.
Por isso, hoje em dia, mais que nunca, emoções, afectos e desenvolvimento
da inteligência não podem ser separados visto o desenvolvimento e a formação de
um indivíduo implicarem recíprocas interacções entre os diferentes sistemas do
aparelho neuropsíquico. Em tal sentido, Freud analisou as inter-relações entre as
instâncias do Id., do ego e do super-ego e, o próprio J. Piaget em (1953-54)
dissertando sobre as relações entre inteligência e afectividade no desenvolvimento
da criança “ opôs a afectividade à inteligência como a gasolina ao motor; sem o
combustível não anda mas as estruturas do motor não dependem em nada da
gasolina “, significando isto que a afectividade deverá ser considerada inseparável
da inteligência pois ela intervem nas próprias estruturas da inteligência como fonte e
potencial vitalizador das operações cognitivas e dos conhecimentos.
Apesar do cognitivismo doutrinal de Piaget, porém, ele reconhece que a
afectividade influencia, acelera ou atrasa o desenvolvimento intelectual de um
indivíduo visto, segundo ele, afectividade dizer respeito não só às emoções e aos
sentimentos mas também às tendências e à vontade, constituintes essenciais do
novo conceito de inteligência emocional.
De facto, para Daniel Goleman, autor da « Inteligência Emocional » (1995) «
não é a razão que guia o mundo, são as emoções ». E isto porque a inteligência
emocional abrange competências como a capacidade de se motivar e de ser
perseverante apesar da adversidade e das frustrações, a capacidade de adiar a
satisfação, de controlar os impulsos, de regular o humor, de impedir que a angústia
208
altere as faculdades do raciocínio, de desenvolver capacidades psicológicas e
atitudes humanas, de relações interpessoais; de organização e empatia, entusiasmo
e esperança, de comunicação e interacção, capacidades essenciais ao
desenvolvimento, reforço e interactuação das capacidades cognitivas as quais, por
sua vez, agem e interagem com as anteriores capacidades próprias da inteligência
emocional, quer estas se encontrem nas esferas do próprio consciente individual,
quer se encontrem ainda em latentes estados do pré-consciente ou inconsciente
individual.
Daí o facto de se tornar evidente que a existência dos equilíbrios psicocomportamentais e dos harmoniosos desenvolvimentos psico-intelectuais passe,
necessariamente, pela existência de flexíveis fluxos, por retro e interactuações
comunicacionais entre emoções, afectos e inteligência e entre consciente, préconsciente e inconsciente ou parte não mental da mente de um indivíduo.
As disfuncionalidades, obstáculos ou perturbações existentes entre tais
capacidades ou instâncias não são só geradoras de alterações, perturbações ou
desequilíbrios, mas, também, de uma vasta e complexa gama de doenças, bem
como de maiores ou menores dificuldades nos processos de aprendizagem, visto
tais disfunções, alterações ou distorções impedirem o cérebro de receber
informações de todas as partes do corpo ou de as processar positiva e
equilibradamente.
O sistema emocional de um indivíduo, fundamentalmente oriundo do seu
sistema límbico, é agente essencial em tais processos de comunicação, pois é
graças ao equilíbrio ou desequilíbrio, à acção ou à inacção do emocional que as
adaptações ou as inadaptações aos meios, aos ambientes e às aprendizagem se
geram ou se antecedem, emergindo daí, integrações ou desajustamentos,
motivações ou desmotivações, interesses ou desinteresses no que se faz ou no que
se deve fazer.
Naglieri e Das ( 1997 b ), retomando estudos deixados em aberto por outros
autores, confirmaram o facto que as crianças com desordens emocionais não só
manifestam acentuado índice de descontrolo pessoal, de impulsividade e
agressividade, mas, também, um baixo nível de planificação, situando-se este no
nível médio-baixo, isto é; entre 80-89, facto que evidencia a generalizada propensão
dos alunos com desordens emocionais não só para possuírem um quociente
intelectual bastante inferior à média, mas, também, comportamentos negativamente
desviantes em relação aos meios sociais e escolares, em relação às referências
maioritárias da sociedade e das organizações em que vivem, visto tais alunos
sentirem-se dominados por suas dificuldades de concentração , bem como por suas
resistências a integrarem-se, duradouramente, num trabalho ou profissão enquanto
tais desordens emocionais subsistirem, visto estas distorcerem suas percepções e
sentimentos, seus pensamentos e acções.
Sugerindo-nos a Psicanálise que a causa essencial das desordens
emocionais encontra-se na existência de desequilíbrios patológicos entre as partes
dinâmicas da mente humana, isto é, entre o inconsciente, o consciente e o super-eu,
tais desequilíbrios-conflitos não só são geradores de incapacidades de consecução
ou de manutenção de relações satisfatórias com colegas, pais, professores ou
superiores em geral, mas também de incapacidades para certos tipos de
aprendizagem, nomeadamente as aprendizagens escolares e as profissionais.
No entanto, embora as causas das desordens, das disfunções ou
incapacidades emocionais estejam longe de estarem descobertas exaustivamente,
não há dúvida que as carências afectivas são uma das suas causas essenciais. Isto
209
porque o potencial bioenergético da acção e do comportamento, da adaptabilidade e
da adaptação, da sociabilidade e da socialização, das interacções e das interrelações, da integrabilidade e das integrações encontra seu denominador comum na
afectividade e nas suas estruturas e dinâmicas, fenómenos psico-afectivos e
emocionais que evidenciam a intrínseca necessidade da existência de processos e
dinamismos equilibrados e equilibradores, mútuos e recíprocos entre processos
afectivos e cognitivos.
Ora, como no desenvolvimento do ser humano a afectividade precede a
inteligência, o equilibrado desenvolvimento do afectivo e do emocional impõe-se
como factor essencial de um equilibrado e harmonioso desenvolvimento da
inteligência, entidades cujo desenvolvimento é recíproco, visto ser a afectividade e a
emoção que potencializam a inteligência e a inteligência actualiza as emoções e os
afectos.
Face à intrínseca e recíproca interdependência das emoções, afectos e
inteligência não há dúvida que todo e qualquer verdadeiro processo educacional
deverá valorizar uma tal trilogia. São os fenómenos emocionais, com efeito, que
orientam o indivíduo acerca do significado e do sentido do mundo, das suas
necessárias envolvências e do seu auto-conceito. Criança, adolescente ou adulto
com carências afectivas estruturadas e desordens emocionais instaladas são
inseguros, dependentes e instáveis; não aceitam nem suportam ou toleram a
frustração, possuem comportamentos sociais alterados, subvalorizam-se,
desinteressam-se pela escola e, por conseguinte, conduzem-se para o insucesso
escolar. Este, por sua vez, desencadeia neles mais mecanismos de revolta e de
agressividade, de ansiedade e de receios, de rejeições e oposições, de
negativismos e perseguições, de resistências e de defesas, de hostilidades e
abandonos.
A nível de comportamento social ou escolar, os indivíduos com desordens
ou perturbações psicoemocionais manifestam rápidas e imprevisíveis mudanças de
temperamento e de humor, falta de controlo e de aceitação, de percepção social e
cooperação, de discernimento e avaliação crítica, de sobriedade e prudência e, não
raras vezes, também problemas motores e perceptivos.
A realidade factual descrita anteriormente patenteia, à evidencia, que tanto
as crianças como os indivíduos em geral emocionalmente perturbados ou deficientes
possuem dificuldades no discernimento, não aceitam a realidade nem suportam a
frustração. São eternos dependentes, com parca autonomia e frágil conceito de si
mesmos, entregues à passividade e à inacção; profundamente insaciáveis
afectivamente, mas munidos de mecanismos de defesa e com comportamentos
agressivos, pois sentem-se como que rejeitados ou abandonados, sós e
desconfiados e, por isso, também bloqueados e atrofiados a nível de
desenvolvimento da sua pessoa, dos seus potenciais e características, da sua
pessoalidade e individualidade, da sua identidade e diferenciação; de cabeça vazia e
com ausência de interioridade, bem como com dificuldades de inter-relações, e, não
comunicam não só com os professores ou superiores em geral mas também com os
próprios colegas, o que os impede de serem bem sucedidos não só na escola mas
também a nível interpessoal e social.
Algumas vezes, no entanto, encontram-se crianças ou adolescentes que
sublimam as suas carências afectivas através do desenvolvimento de mecanismos
de compensação nos estudos e nas respectivas tarefas escolares, o que não
significa que, apesar de seus certos sucessos escolares, não venham a ser futuros
210
cidadãos com acentuados problemas emocionais, afectivos, psicológicos, sociais e
comportamentais.
É que, de facto, a existência de fluentes dinamismos emocionais e de
mecanismos afectivo-relacionais torna-se imprescindível ao equilibrado e
harmonioso fluir do ser humano.
No entanto, a nível de comunicações, emissões e recepções do afectivoemocional, tanto as incapacidades dos pais como os negativos relacionamentos dos
professores podem ser causa de tais carências, como sucede com as atitudes e os
comportamentos super-protectores tanto de uns como de outros, visto não ser raro
encontrarem-se pais que pecam por excesso de super-protecção e professores que
são extremamente possesivos.
Existem pais, de facto, para os quais os filhos são o melhor que existe e têm
a preocupação de os estimular demasiado, elogiando-os a todo o momento,
destacando-lhes, na sua presença, não só as qualidades que realmente eles têm
mas também as que eles julgam ter ou gostariam que tivessem. Uma tal relação
comportamental leva a criança a desenvolver-se julgando-se um ser superior, a mais
inteligente e a mais educada, e, fechada em tal mundo de ilusão, quando colocada
em contacto com o mundo exterior e com um mundo social mais amplo, começa a
sofrer as primeiras decepções e, então, a sentir-se infeliz, insegura, e incapaz de
agir perante as dúvidas que a invadem, e, passa , então, a ter enormes dificuldades
em adaptar-se tanto à realidade escolar como à realidade social.
É que, não só as carências de estímulos emocionais, afectivos ou cognitivos
geram estruturas de subdesenvolvimento neuro-cerebral mas também a sua
saturação, bem como as constelações de estímulos ou de motivações superabundantes e inadequadas à própria idade geram sobrecargas cerebrais e, por
conseguinte, também alterações, distorções ou perturbações tanto a nível sensorial
como perceptivo, tanto a nível cognitivo como intelectual, psicológico como
intelectual como sucede, por exemplo, quando se exige de uma criança que assuma
responsabilidades sem a necessária e imprescindível maturidade para tal, quando se
lhe impõe a aprendizagem da leitura e da escrita antes do tempo ou o
desenvolvimento de certas capacidades artísticas sem o necessário desenvolvimento ou capacidade para tal, comportamentos que, por sua própria natureza,
transformam-se em bloqueadores da informação e das necessárias recepções a tais
aprendizagens, visto não só provocarem sobrecargas cerebrais mas também
disfunções psicocomportamentais, efeitos causadores de comportamentos opostos
aos desejados, atitudes e comportamentos não raramente revelados pelos filhos de
pais ansiosos, pseudo-prefeccionistas, escrupulosos e em demasia intervencionistas
ou com elevada dose de agressividade, acentuado descontrolo emocional,
demasiadamente austeros ou de atitudes e comportamentos rígidos.
Por isso, desenvolver um emocional equilibrado e uma estrutura de
afectividade dinâmica e activa impõem-se como imperativos educacionais de um
indivíduo desde a sua mais tenra infância. Isto porque tornou-se, hoje em dia, mais
que verdade insofismável que a falta de amor e ausência de manifestação de
carinho por parte dos pais, bem como a ausência de compreensão e de aceitação
na escola por parte dos professores, são agentes básicos, geradores de uma
atmosfera que, acima de qualquer outro factor, criam, nas crianças, filhos e alunos,
não só timidez mas também ansiedades, não só complexos ou sentimentos de
inferioridade mas também atitudes e comportamentos de inibição, medos e receios.
Com efeito, os complexos de inferioridade, directa ou indirectamente, são
desencadeados por processos de ausência da necessária auto-estima e pela
211
ausência de auto-conceito positivo. As suas causas remotas encontram-se,
fundamentalmente, em processos de deficitária organização da personalidade na
fase da infância e adolescência, e, seus efeitos são geradores de dificuldades de
comunicação a nível de interioridade individual, pessoal e, por consequência,
também social.
Uma tal dinamizante estrutura de sentimentos de inferioridade desencadeia
no indivíduo constelações de timidez e de receios, de processos de ansiedades e
angustias, bloqueadores das emoções e dos sentimentos, atrofiadores dos
desenvolvimentos cognitivos e geradores de perturbações ou doenças neuropsíquicas ou psicossomáticas. Tal pessoa sente-se compartimentada, proibida de acção e
deficitária em sua unicidade. A acção potencial do seu cérebro encontra-se desviada
do princípio da realidade concreta e afastada do princípio do prazer funcional,
regenerador de novas e transaccionais emoções e criador de novos símbolos,
imagens, ideias ou raciocínios.
Ora, emanando, tanto as emoções como os sentimentos de inferioridade, a
timidez como os receios ou os medos, do sistema límbico do cérebro humano,
parece ser facto assente que, subsistemas do sistema ou aparelho neurocerebral
bloqueados, inibidos, subdesenvolvidos ou distorcidos influenciam negativamente ou
reduzem não só o potencial cognitivo mas também comportamental do sujeito. E
isto, porque tanto a acção cognitiva como comportamental de um indivíduo é efeito
das interactivas, mútuas, recíprocas, e, mais ou menos fluentes interacções de todos
os seus subsistemas, isto é, subsistemas sensoriais, motores, emocionais, afectivos,
cognitivos mentais, etc.. Isto porque a interacção recíproca entre cérebro e mente é
presidida por sua unidade funcional e, caso se gere, desenvolva ou produza uma
desunião, o indivíduo entra em desequilíbrio funcional, em disfunções psicocomportamentais ou em estados de doença neuropsíquica ou psicossomática, podendo,
por tais processos, desembocar nos mais acentuados estados psicopatológicos. É
que corpo, cérebro e mente são partes integrantes tanto da individualidade como da
identidade do sujeito humano e, por isso, não são dissociáveis. Toda e qualquer
dissociação de uma tal triunitária existência torna-se matriz de maiores ou menores
disfuncionalidades cognitivas, perturbações mentais ou rupturas individuais. Uma tal
trilogia possui intrínseca necessidade de funcionar recíproca, mútua e cooperativamente, estimulando-se ou motivando-se interactivamente em suas respectivas
potencialidades ou competências, capacidades e funções desde as neurovegetativas às mais superiores da mente.
A existência de disfunções em tais processos bioneuropsíquicas é geradora
de negativos e de complexos efeitos concretizáveis a níveis de estereotipados e de
automáticos pensamentos, a nível de ausência de interesses motivacionais, de
afirmação pessoal e de assertividade social; de enfrentamento do real, de ansiedade
pessoal e de depressão comportamental.
Os deprimidos, a nível mental, sentem-se, a maioria das vezes,
incompetentes, impotentes na sequenciação e na seriação das imagens mentais,
bloqueados em suas emoções e sentimentos, incoerentes em seus pensamentos,
inseguros em seus conhecimentos, instáveis em seus objectivos, fugídios face à
realidade e pessimistas face à existência.
A nível interpessoal os deprimidos tendem, acentuadamente, para
sentimentos de culpa e para auto-culpabilidade, para perdas e inseguranças nas
relações interpessoais e sociais e para ausências de contacto com os meios
exteriores, comportamentos processuais que não só privam tais sujeitos dos
necessários estímulos oriundos dos outros, dos meios, das culturas e dos saberes,
212
mas também bloqueiam a acção funcional de seu próprio cérebro, bloqueamentos,
medos e inactividades geradores não só de distorções cognitivas, perceptivas,
emocionais, mas, também, de défices específicos, intelectuais e mentais, visto o
indivíduo entrar em processos perceptivos de deterioração da realidade e em
atitudes comportamentais evasivas, excessivas ou minimizantes.
Por outro lado, o indivíduo ansioso sente-se ameaçado nas suas relações
interpessoais, degrada a sua auto-estima, sofre horrores com as ameaças de
perdas, mesmo com as de uma minimal evidência e possui acentuadas dificuldades
na mudança de esquemas. Os ansiosos são muito pouco flexíveis e maleáveis,
permanecem enraizados em suas crenças e atitudes pré-existentes e instalam-se
em suas disfunções cognitivas, posicionando-se, então, em mecanismos geradores
de angústia, fundamentalmente de separação e de evitamento, bem como em seus
profundos e hipercomplexos mecanismos e processos de frustrações individuais.
Os processos de angústia, de um modo geral, levam o indivíduo a ter medo
de se separar não só dos entes queridos, mas, também, dos hábitos, costumes e
tradições, de atitudes e comportamentos, cognições e esquemas que lhe são
familiares. É o pânico da mudança, das novas aprendizagens, de novas
perspectivas e horizontes. Com comportamentos de dependência, tal sujeito encara
a vida, os meios e o futuro com medo, pessimismo e sensações de catástrofe e não
só desenvolve fobias escolares mas também dismorfias pessoais e interrelacionais,
vivendo em pânico face ao desconhecido, ao diferente e ao imprevisível.
A angústia de evitamento, por sua vez, caracteriza-se por constantes fugas
às interacções sociais, relacionais e ambientais, e, seus portadores são,
normalmente, tímidos, inseguros, com ausência de positivo auto-conceito de si
mesmos, o que os leva a ausentar-se de desconhecidos, a evitar a escola e a
permanecer vazios face às perspectivas de um futuro profissional.
Com efeito, tanto os indivíduos deprimidos como os ansiosos são autocriadores de frustrações individuais e de conflitos intrapsíquicos, afectivos e
emocionais, situações e comportamentos não só bloqueadores do aparelho psíquico
mas, também, atrofiadores da intrínseca necessidade do próprio eu, instalando-se,
pela continuidade, no princípio do desprazer e não no princípio do prazer e da
realidade, como é intrínseca e incondicional necessidade de equilíbrio e harmonia de
todo o ser humano, o qual possui necessidade de ser tolerante e auto-aceitante,
bem como de envolver todo o potencial do seu eu em seus necessários e
activadores processos de expansão e realização, rendibilidade e eficiência tanto a
nível de aprendizagem como de interacção social, de maturidade psicoemocional
como de profissionalização funcional.
Não sem razão, por isso, a Psicanálise, apesar de o fazer de forma
assistemática, insiste na importância dos afectos, das pulsões, dos instintos como
factores interactivos de desenvolvimento psíquico, intelectual e mental.
É que, na realidade, tanto as ausências como os desvios das pulsões, das
emoções e dos afectos não só entravam, bloqueiam, asfixiam ou distorcem os
desenvolvimentos emocionais e afectivos mas também os raciocínios, os
pensamentos, as ideias, as associações e as imagens, causando paragens ou
deficiência nas evoluções, atrasos nas percepções, na linguagem e na socialização,
problemas e dificuldades nas inter-relações e fracassos tanto escolares como
sociais, visto a energia biopsíquica e mental do indivíduo não conseguir investir-se,
reforçar-se, redimensionar-se e orientar-se, progressiva e funcionalmente, no
desenvolvimento e expansão do indivíduo, na estimulação da sua pessoalidade nem
nos reforços motivacionais de seus próprios potenciais cognitivos.
213
A evidência de tais efeitos emana, claramente, do facto de que a inteligência
humana, com suas aptidões, capacidades e competências psíquicas, cognitivas,
mentais, intelectuais e sociais, concretas ou abstractas, associativas e imaginativas,
etc.; é um mero efeito ou produto do todo do indivíduo, ou seja, um hipercomplexo
sistema resultante da interacção de todos os outros sistemas, isto é, biológicos,
sociais, cerebrais, perceptivos, sensitivos, instintivos, pulsionais, emocionais e
afectivos.
Por isso, a inteligência, sendo um sistema emanado das interacções e
retroacções de outros sistemas, age não só para além de si mesma, mas, também,
sobre os sistemas dos quais procede e, por isso, recepcionar, sentir, emocionar-se,
experienciar, vivenciar, pensar ou agir estão, mútua, recíproca e interactivamente,
conectados.
Emoções, sentimentos, afectos e pensamentos estão mutuamente
interdependentes, e é em função deles, da sua qualidade, quantidade e orientação
que os processos de flexibilidade e de dinâmica interactivamente se constituem,
elaboram e reforçam. E isto até porque, como nos ensina a neurofisiologia, os dois
hemisférios cerebrais são complementares e encontram-se interactivamente
conectados pelo corpo caloso do cérebro ( Sperry, 1969 ), efectuando-se, então,
uma espécie de simbiose entre imagens e pensamentos, intuições e criatividade,
emoções e afectos, imaginação e fantasia, sensibilidades e percepções,
pensamentos e cognições, imagens e associações.
Daí o facto dos indivíduos, com maiores ou menores escalas de ansiedades,
frustrações, angústias ou depressões, serem portadores não só de dificuldades de
concentração mas também de problemas cognitivos, visto, em sentido lato, tanto as
ansiedades como as angústias, as frustrações como as depressões, serem emoções
resultantes do medo, dos receios, dos subdesenvolvimentos, das atrofias
psicoemocionais ou afectivas e, por conseguinte, da ausência de auto-aceitação, da
falta de confiança e de auto-conceito negativo, distorcido ou desintegrado.
De facto, as perturbações emocionais geram alterações comportamentais,
perturbações afectivas, subdesenvolvimentos cognitivos e desequilíbrios psíquicos.
Estas situações comportamentais são geradoras de inquietações, medos pessoais,
sensações de pânico, terror ou pavor, o que deixam o indivíduo sem a suficiente ou
necessária bioenergia psíquica, emocional ou afectiva capacitada para desenvolver
processos cognitivos, psíquicos ou intelectuais à medida de suas próprias potências,
capacidades e aptidões. E isto porque, de facto, a acção e dinâmica funcional destas
últimas resulta dos efeitos das recíprocas e mútuas interacções das primeiras,
nomeadamente da angústia e da ansiedade, visto estas poderem dominar negativa
e indistintamente o conjunto dos fenómenos biológicos, corporais, psíquicos e
mentais, visto sabermos, desde os « estudos sobre histeria » de Freud ( 1895 )
que, mesmo um certo efeito difuso de angústia, põe em acção o dispositivo do medo
de experiências anteriores, o qual, a maioria das vezes, sem objecto próprio,
bloqueia a captação da realidade, dos factos e dos acontecimentos e faz com que o
indivíduo permaneça num estado psicoemocional extremamente rígido, involutivo e
indiferente à interacção com o meio ou os meios, o que dificulta as mudanças e
impõe opacidade às inovações, obstaculiza filtrações do novo, impõe rigidez aos
esquemas mentais e comportamentais e cria mecanismos de defesa ou fuga à
conatural evolução pessoal, às interacções com o sociocultural e às necessárias
envolvências com o novo, com o diferente, as mudanças e inovações, mecanismos
processuais que recalcam e aprisionam a necessária dinâmica do inconsciente do
indivíduo e aprisionam o necessário alargamento das suas expectativas, o que
214
distorce e atrofia, de forma acentuada, o desenvolvimento do próprio eu do
indivíduo, e isto tanto a nível corporal como emocional, tanto a nível psíquico como
cognitivo, mental como emocional.
Angústias e ansiedades, com seus efeitos psicossomáticos de inquietações,
acelerações do ritmo cardíaco e respiratório, suores, apertos toráxicos, dolorosos e
paralizantes bloqueiam as funções mentais e inibem os processos cognitivos.
A nível escolar, a ansiedade é causadora de elevado número de fracassos e
insucessos, apesar da possibilidade de existência de elevado potencial intelectual e
de motivação cognitiva do aluno. E isto não só pela existência de certos factores de
personalidade do indivíduo mas, fundamentalmente, devido às institucionalizações
processuais da própria escola, a qual possui imperativos sócio-escolares, muda
constantemente de exigências, impõe aprendizagens que os alunos não conseguem
diagnosticar quais as suas utilidades, aplicações ou valores, o que gera neles
sensações de perda de tempo, inseguranças individuais e ausências de
autoconfiança social. Por outro lado, tais alunos sentem-se permanentemente
invadidos na sua própria individualidade pelas chamadas do professor, pelas
perguntas imprevistas, os testes sucessivos e, de modo particular, pela constante
mudança de professores desconhecidos, com complexas personalidades, exigências
diferentes e relacionamentos imprevistos, factos comportamentais que fazem com
que os alunos se sintam diminuídos, sem saber o que pretendem deles, e, por isso,
oprimidos, angustiados e desorientados psíquica e mentalmente, bem como presos
e cerciados nas cadeias do que sentem, o que, não raras vezes, é o «nada de
nada», e do qual emana a angústia, o pânico e o terror, fenómenos geradores de
visões pessimistas e catastróficas, tanto em relação a si mesmo como em relação
aos outros, tanto em relação aos factos como aos acontecimentos, aos meios como
às situações.
Uma tal atitude comportamental da pessoa pessimista faz com que ela seja
invadida por fortes condensações de pensamentos negativos, automáticos e
estereotipados; de derrota, fracasso, insucesso e incapaz de ver, com clareza e
racionalidade, a necessária saída de tal círculo vicioso. Torna-se, comportamentalmente, uma pessoa apática e indiferente; bloqueada, inibida e com medo de quase
tudo e de todos, sem vontade para agir e com fortes sensações de incapacidades
bioenergéticas.
Em tal círculo vicioso sofre e faz sofrer, autoderrota-se e anula-se. Os seus
neurotransmissores permanecem bloqueados, os seus centros proprioceptivos agem
disfuncionalmente e as suas potencialidades cognitivas permanecem bloqueadas ou
semi-paralizadas e, com o tempo, tal pessoa vai como que habituando-se à vivência
em tais esquemas e estruturas, apesar da consciência de seu sofrimento sentido
como anormal.
A génese de um tal processo, sem analisarmos aqui exaustivamente as
causas das depressões, surgiu, a maioria das vezes, como resposta a frustrações,
privações ou separações que, originariamente, criaram no indivíduo uma sensação
de angústia e, pouco a pouco, uma reacção cada vez mais penosa, originadora de
sentimentos de impotência e de complexos de inferioridade, de sensações de
abandono e de sentimentos de profunda tristeza e melancolia. A partir daí instala-se
o círculo pandemoníaco: existência de baixa auto-estima, que, por sua vez, gera
complexos de inferioridade, sensações de abandono, necessidades de revolta e de
agressividade não só contra si mesmo mas também contra os outros, desinvestindo
nos objectos ou nos centros de interesse necessários e procurando pseudo-
215
compensações em comportamentos auto-destrutivos como, por exemplo, ingestão
de drogas.
O desenvolvimento de tais atitudes processuais do indivíduo faz com que
este, apesar de um elevado potencial cognitivo, seja afectado na sua totalidade. A
nível comportamental é nervoso, inseguro, hiperactivo e instável. A nível de
pensamento ou raciocínio é, constantemente, invadido por pensamentos parasitas,
superficiais, estereotipados e repetitivos. A nível relacional é exagerado, instável e
agressivo, o que o afasta de comunicações interpessoais, e, a nível escolar, sentese desinteressado, sem envolvência nas várias actividades escolares e com atitudes
ou comportamentos de fobias à escola e de fuga à realidade. São extremamente
lentos na apreensão dos conhecimentos, acentuadamente dependentes a nível
afectivo e profundamente inibidos a nível emocional; vivem em constantes processos
de regressão, em busca do objecto perdido e sem aceitar os processos de luto, o
que faz com que eles agridam o seu eu corporal e inibam a sua expansão, reactivem
pulsões e necessidades infantis, sintam-se como que abandonados e sem
interesses nem motivações pessoais, interindividuais ou comunicativas,
comportamentos que fazem com que o seu cérebro permaneça privado dos
necessários estímulos e motivações para um desenvolvimento cognitivo ou obtenção
de um potencial intelectual conforme os padrões socioculturais requeridos por sua
idade biológica.
A sequencialidade de tais processos de ansiedade, angústia e depressão
gera um fenómeno, denominado por Seligman ( 1975 ) de « desânimo aprendido »,
o qual, segundo o autor, caracteriza-se por uma diminuição de respostas orientadas
para o objectivo e para a aprendizagem de novos comportamentos, bem como por
atitudes caracterizadas pela passividade e pela depressão. A nível cognitivo, tais
indivíduos caracterizam-se por cognições que implicam a inevitabilidade ou a
insuperabilidade do fracasso, por um decréscimo de esforço e concentração na
tarefa, acompanhado por atribuições espontâneas do fracasso a factores invariantes
ou incontroláveis e por diminuição de estratégias de resolução de problemas o que
vai provocar diminuição nos desempenhos.
A anterior múltipla e complexa causalidade de ansiedades, angústias e
depressões, geradoras, a nível cognitivo, do desânimo aprendido, tem
consequências muito mais profundas a nível de psicossomática, prova evidente da
existência da interactiva e recíproca actividade entre psiquismo e cérebro pois tais
indivíduos, não raras vezes, sofrem do estômago, tensões no pescoço, elevada
percentagem de palpitações cardíacas, sedes, suores, sensações de desmaios,
visão turva, pensamentos confusos, sensações de inadaptação, necessidades de
desistir, bloqueamentos emocionais, incapacidades afectivas, desajustamentos
interrelacionais e atitudes psicocomportamentais de permanente cansaço não só
intelectual ou mental mas também sensorial e muscular. É o total bloqueamento do
indivíduo, demonstrador de que problemas, perturbações ou alterações a nível
emocional geram suas negatividades a nível sensorial, muscular e neurocerebral
emanando daí, a nível de cognição intelectual e mental, aborrecimentos e
desinteresses, apatias e indiferenças pelas tarefas ou desempenhos, e, a nível de
sistema nervoso, complicações dificultadoras de diagnóstico clínico.
Em tais situações, todo e qualquer tipo de motivação, aparentemente,
parece resultar infecundo e, como é óbvio, o nível de aprendizagem interdepende do
nível de motivação. Sem motivações os desânimos e as frustrações instalam-se no
indivíduo e este tende a refugiar-se no seu vazio interior, despido de emoções, e, em
conflito com as suas dimensões de prazer-desprazer, atracção-rejeição, tensão-
216
relaxamento, o que o levam à sensação de exaustão e esgotamento, anulação e
abandono de si mesmo.
O anteriormente analisado demostra sobejamente que a ansiedade e a
angústia, o medo e a timidez, as depressões e as inibições, não só inibem o
desenvolvimento e a acção das funções neurocerebrais mas também desencadeiam
no indivíduo disfunções e reacções inadequadas e impróprias do seu normal e
equilibrado interagir, visto ter-se processado bloqueamentos, desvios ou disfunções
nas interactividades e conectividades de seus subsistemas, gerando-se , por isso,
disfunções, desequilíbrios, perturbações ou mesmo rupturas entre o neuroquímico e
o psíquico e, simultaneamente, também entre a mente e o cérebro.
A presente disfuncionalidade, perturbações ou bloqueamentos no interior de
uma tal unitária unicidade cérebro-mente, com suas diferenciadas funções, mas
todas com necessidade de vivência em permanente equilíbrio e interactividade,
explicam a existência de muitas causas das dificuldades de aprendizagem de
crianças, adolescentes e jovens sem anátomo-patologias, lesões cerebrais ou
disfunções neuroquímicas diagnosticadas. Isto porque as carências, as alterações
ou perturbações emocionais e afectivas, pulsionais e energéticas, como os medos e
os receios, as ansiedades e as depressões, têm efeitos negativos não só sobre as
atitudes e os comportamentos em geral mas também sobre o funcionamento
cognitivo do indivíduo, envolvendo, a maioria das vezes, os processos de atenção,
retenção e memorização, as atitudes relacionais e os comportamentos
psicocomportamentais.
É que, de facto, os processos de aprendizagem selectiva emergem de
comportamentos integrados, e, os processos de codificação das informações não se
efectuam, necessariamente, sempre horizontal ou verticalmente, ascendente ou
descendentemente mas sim também através das mais variadas combinações
processadas activamente e influenciadas pelos estados emocionais dos indivíduos,
pelas suas atitudes e comportamentos anteriores, pelos contextos e conteúdos em
que a informação se opera e pelas estratégias individuais utilizadas pelo indivíduo.
Estes factores, dinâmicos e integrados, activos e activadores processam a
informação oriunda do meio, combinam-a com os conhecimentos anteriormente
adquiridos, moldam, completam ou reorganizam estruturas mentais, e, estas
armazenam informações para posteriores aquisições de conhecimentos,
diferenciadas atitudes e envolvimentos que, por sua vez, serão investidas pelos
indivíduos em processos de novas codificações das informações, análises dos meios
e interpretações dos contextos, o que gera sequências de estímulos, escalas de
motivações e envolvimentos tanto intra-individuais como interpessoais ou
interrelacionais.
Daí a intrínseca necessidade de todo o processo de aprendizagem possuir
uma certa dose de emoção ( emovere), isto é, de agitação e excitação envolvente,
positiva e dinâmica, desenvolvedora dos princípios do prazer e do bem-estar,
capazes de estimularem e desenvolverem energias instintivas e pulsionais, bem
como instrumentos e estratégias de desenvolvimento e de acção, de relação e
decisão, de socialização e aculturação, visto a base dinâmica de um tal
desenvolvimento, impregnância, prazer, bem-estar e eficiência encontrar-se nos
padrões da actividade cerebral estabelecidos e dinamizados anteriormente na
própria estrutura neurocerebral, o que faz com que o próprio acto do conhecimento,
de seu potencial e eficiência emirja, no momento, do próprio desenvolvimento das
disposições inatas do indivíduo, de suas disponibilidades, aberturas afectivoemocionais e das interacções e adaptações dos anteriores conhecimentos com os
217
novos, processos de informação que implicam a acção dos órgãos e dos sentidos,
do corpo e da pele, dos receptores e dos transmissores, das percepções e das
emoções, do biológico e do psíquico, do social e do ambiental, do sensorial e do
motor para que a acção psicocomportamental, cognitiva e intelectual não só seja
equilibrada mas também eficiente ou eficaz.
Com efeito, não é possível recusar a inter-solidariedade existente entre o
biológico e o social, o sensorial e o afectivo, o emocional e o psíquico. Estas intersistémicas solidariedades em constante e progressiva acção e desenvolvimento
constituem as generatividades, as produtividades, as eficiências e as harmonias e
questionam não só a maioria das análises efectuadas acerca do ser humano mas
também os básicos alicerces dos conhecimentos que se possuem não só acerca do
Homem mas também no âmbito das ciências sociais e humanas, naturais e físicas
em geral, visto os acontecimentos darem origem a nascimentos e os nascimentos
gerarem acontecimentos, factos e fenómenos que se sucedem em cascatas e, de
tais processos, geram-se singularidades, individualidades, generatividades,
criatividades, bem como o individual e o colectivo, o simples e o complexo, fazendo
com que uma tão vasta e complexa invasão de sensações e emoções, de
percepções e informações se cruzem no ser humano e este as filtre, anule, disperse,
distorça ou desvie da sua própria individualidade. No entanto, deixam suas marcas e
efeitos a nível de suas estruturas e dinâmicas genofenotípicas e, tanto umas como
outras, transformam-se em filtros marcadores de novas percepções, assimilações,
interiorizações e absorções, fazendo com que o indivíduo se expanda, frutifique,
triunfe ou fracasse a partir de tais estruturas e dinâmicas, visto o humano ser um
indivíduo com seus ecossistemas, emanando a sua auto-organização e dinamismos
funcionais de base dos níveis de reciprocidade de tais interacções, o que faz com
que a génese da vida psíquica de um indivíduo se torne indissociável do seu meio
social e o biológico apareça, no humano, inseparável do social, o que implica
necessidades de desenvolvimento e de vivências de experiências tácteis, de
estimulações sensoriais e motoras para os desenvolvimentos psíquicos, visto os
desenvolvimentos iniciais assentarem na tonicidade e nos graus de integridade do
sistema neuromotor, bem como nos níveis de plasticidade, flexibilidade e acção
perceptível motora do indivíduo.
Por isso, as anteriores razões, são mais que suficientes para justificarem os
factos de que todo e qualquer processo de ensino-aprendizagem, tanto pessoal
como individual, escolar como social, deverá ser integrador, isto é, não só possuir
como objectivos a instrução ou a aquisição de conhecimentos dos alunos mas
também, e, sobretudo, o seu desenvolvimento pleno, íntegro e harmonioso, fins e
objectivos que implicam a existência de atitudes cooperativas e participantes de
todos, a actividade envolvente de cada um e a aceitação, por parte do educador,
tutor ou professor, das diferenças e semelhanças, das divergências e convergências
de cada um em particular e de todos no grupo-classe, orientando as suas energias,
os seus potenciais, as suas aptidões e capacidades para a diferença e a
semelhança, para a convergência e a divergência.
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