EVARISTO V. FERNANDES APRENDIZAGEM HUMANA E SUAS DIFICULDADES ( CÉREBRO, EMOÇÃO, MENTE E ACÇÃO ) 2 ÍNDICE CAPÍTULO I – O HOMEM E SEUS PROCESSOS CEREBRAIS .............................. 4 I - Dinamismos neuro-cerebrais do organismo humano na criação da mente ..........11 II – Cérebro e mente em recíprocas interacções e dinâmicas ..................................17 CAPÍTULO II – FUNÇÃO DO CÉREBRO E SUAS INTERFUNCIONALIDADES CEREBRAIS ....................................................................................................................................27 I – Dinamismos neurocerebrais nos processos de interacção com os meios ...........35 II – Mente individual e consciência pessoal nos processos bio-neuro-psíquicos ......41 CAPÍTULO III – NATUREZA E MECANISMOS DOS ESTADOS MENTAIS E DOS FENÓMENOS PSÍQUICOS ......................................................................................54 I – Dinamismos dos processos sensório-perceptivos dos estados mentais .............61 II – Endo-exogenias dos mecanismos processuais do cérebro humano ..................76 CAPÍTULO IV – ACÇÕES E INTERACÇÕES NEURO-SÓCIO-PSÍQUICAS NOS PROCESSOS DE APRENDIZAGEM ........................................................................92 I – Interacções dos sistemas e dos não sistemas neuro-cerebrais .........................101 II – Causas e processos deficitários do aparelho neuro-cerebral ...........................112 CAPÍTULO V – MODALIDADES CAUSAIS DAS DISFUNÇÕES DO CÉREBRO HUMANO .................................................................................................................123 I – Trissomia vinte e um ou Mongoloidismo ............................................................135 II – Disfunções nos processos neurocerebrais ........................................................150 III – Deficiências e níveis processuais das deficiências ..........................................163 CAPÍTULO VI – O EMOCIONAL NAS EMERGÊNCIAS PROCESSUAIS DAS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM ..................................................................180 I – Acções e inacções dos sistemas neuro-sócio-psíquicos nos processos das dificuldades de aprendizagem .................................................................................190 II – Dos dinamismos dos sistemas neuro-psíquicos aos sócio-cognitivos ..............199 III – Fenómenos afectivos-emocionais em suas interacções com o dinamismo das estruturas neuropsíquicas .......................................................................................204 IV – Dinamismos afectivo-emocionais nos processos de aprendizagem ...............212 V – Interactividades psicoemocionais da aprendizagem ........................................218 BIBLIOGRAFIA .......................................................................................................232 3 CAPÍTULO I O HOMEM E SEUS PROCESSOS CEREBRAIS Sendo o ser humano uma concreta e indissociável realidade bio-neurosociopsicológica esta constitui um sistema que existe e age dentro de sistemas sociais, culturais, económicos, familiares e políticos mais ou menos organizados, certos ou incertos, estáveis e instáveis, transitórios ou duradouros. É, por isso, um ser de acção sujeito a miríades de acções dos sistemas envolventes e, por tal facto, é, simultaneamente, filho e progenitor de tais sistemas. A sua dimensão de filho transforma-o em sujeito que busca uma crescente expansão, realização e poder, e, a de progenitor um certo antagonismo. No seio de tal teia ele procura as suas vias de desenvolvimento natural, o fervilhar da própria vida e a concretização das suas intencionalidades. As potencialidades de concretização de um tal pré-projecto existencial emergem de sua própria dinâmica biológica em interacção mútua e recíproca com a própria realidade envolvente. 0 biológico do indivíduo ou o seu corpo é uma máquina com mais de 30 biliões de células constituídas por combinações de hidrogénio, de carbono, de oxigénio e de azoto no todo de um aparelho neuronal ou cérebro que faz com que o indivíduo pense, fale, relacione, escreva, leia, etc.. O cérebro ou encéfalo, constituído por massa nervosa contida na caixa craniana, massa que é composta por células nervosas ou neurónios, interage unitariamente com todo o corpo e é dos resultados de tais interacções que o cérebro constitui seus quadros de referencias, os seus parâmetros de vivências e seus esquemas de acções. Isto demostra que cérebro e organismo constituem uma unidade indissociável com interacções mútuas e recíprocas , e que é o indivíduo, no seu todo, que interage com os meios e os ambientes e que, se para estes se projectam mensagens também deles se recebem informações. Isto porque o aparelho cerebral contém, em si mesmo, um imenso potencial concentrado nos principais receptores sensoriais, e é graças aos investimentos vindos do exterior que um tal potencial se desenvolve, expande, enriquece e orienta no sentido de encontrar a sua individualidade, a sua subjectividade e funcionalidade. É que o aparelho cerebral, constituído por milhões de neurónios e por hipercomplexas conexões, quais indiscritíveis arborescências, age e interage, organiza-se e reorganiza-se em função da sua própria natureza, dinâmica e exigências ou solicitações dos meios, processo este que gera no indivíduo o seu aparelho genofenoménico, ou seja, a capacidade para organizar as suas relações com o exterior, gerando ou regenerando informação, recebendo estímulos e mensagens e desenvolvendo-se acentuadamente até se tornar um aparelho neurocerebral que comportará mais de 30 biliões de neurónios e transformar-se-á no órgão central de comando do organismo bem como de controlo das actividades deste. Este enorme potencial do aparelho neurocerebral do indivíduo possui indiscritíveis potenciais de habilidades, de estímulos e de motivações, de acções e de envolvimentos, de estratégias e de planificações, de ideias e raciocínios, de retenções e concentrações. Porém, o desenvolvimento de um tal potencial do aparelho neurocerebral é resultado de múltiplos e complexos processos de 4 desenvolvimento da história da espécie humana, processos que geraram, num tal aparelho, potenciais de flexibilidade e de adaptabilidade, de eficiência e de eficácia, de organização e reorganização, de estratégias de planificação, de concretização, expansão e contenção. No entanto, o processo de desenvolvimento do cérebro humano é fruto de milhões de anos de evolução, a qual, construída pela interactiva sincronia da dupla: gènes-experiência, sucessivamente, efectua remodelações das redes neuronais sob influência da acção da programação genética em interacção com os estímulos ou solicitações dos meios. E isto apesar de todo o cérebro humano, no desenvolvimento do seu período fetal, passar pelo menos pelas seguintes etapas: Indução da placa neuronal. Proliferação localizada das células nas diferentes regiões. Diferenciação dos neurónios imaturos. Estabelecimento das conexões com outros neurónios. Morte selectiva das células. Eliminação de certas conexões estabelecidas inicialmente e estabilização de outras. Segundo Edelman (1988,1991) o cérebro humano, já durante a fase de seu desenvolvimento embrionário, possui elevadíssimas cotas de desenvolvimentos individuais, as quais interdependem não só das características morfológicas gerais da anatomia do cérebro, mas são, também, da origem rigidamente genética, comuns à espécie e dizem respeito às densas arborescências das dendrites e dos axónios das células cerebrais. Uma tal diferenciação, que faz com que todo o cérebro se torne diferente um do outro, já em sua fase fetal, é resultado de processos epigenéticos que não são submetidos estritamente ao controlo genético e que regulam acentuadamente a actividade, o desenvolvimento, a divisão, a emigração ou a morte das células cerebrais. Uma tal individual revelação epigenética, orientadora da morfogènese do sistema neuronal, interdepende, sobretudo, da acção de dois grupos de moléculas morforeguladoras que agem a nível da membrana celular: as moléculas do primeiro grupo favorecem os processos de adesão das células entre elas e as moléculas do segundo grupo favorecem a adesão das células ao tecido conectivo, o que constitui o substracto de adesão das moléculas, constituindo-se, assim, a existência de grupos neuronais, os quais representam a unidade da selecção durante o percurso do desenvolvimento e do funcionamento do sistema nervoso central, pois os grupos neuronais diferenciam-se através da forma e dimensão da sua anatomia, pelo tipo de desenvolvimento, pelas características das suas sinapses, pela natureza dos inputs e segregam outros grupos de neurónios ou modificam-os desde que se mudem as condições dos estímulos e das motivações, dos meios ou dos ambientes. Ora, sendo a natureza do aparelho neurocerebral do indivíduo resultado de uma progressiva e constante evolução da espécie humana, sem rupturas nem saltos, e, quando muito, resultado de variedades, as quais diferenciam-se por divergências e por isolamentos ou pelo acumular de pequenas modificações sucessivas sofridas no decurso de seus processos de adaptação. O cérebro do adulto, com aproximadamente 1450 g de massa , células e neurónios, cresceu, ao longo de milhares de anos, debaixo para cima, tendo os seus centros mais superiores desenvolvido como elaborações das partes inferiores, sendo as mais antigas ou mais primitivas partilhadas com todas as espécies animais como sejam, por exemplo, o tronco cerebral, o qual rodeia o topo da espinal medula. É o tronco cerebral que regula as funções básicas da vida como, por 5 exemplo, o respirar, o metabolismo, as reacções e os movimentos estereotipados, mantém o corpo a funcionar como deve e a reagir de maneira que garanta a sua própria sobrevivência. É um cérebro que não pensa, mas foi a partir deste que emergiu o cérebro emocional, o qual, por sua vez, originou o neocórtex ou o cérebro pensante. Estas e as restantes instâncias, áreas, regiões ou localizações do cérebro humano são constituídas por células nervosas e fluídos neuronais que geram no indivíduo intencionalidades globais e parciais. A primeira e fundamental dessas intencionalidades é a da sua organização em consonância com seus códigos genéticos, sua actividade, dinâmica, potencial perceptivo e acção sensorial. A coerente concretização de uma tal intencionalidade contém, em si mesma, a potencialidade de organização do organismo humano não só horizontal ou vertical mas também poligonalmente, isto é, em todas as suas dimensões, aspectos e níveis do seu sistema, subsistemas e micro-sistemas, graças à vida, interacções e retroacções das suas células e moléculas, as quais se organizam e reorganizam, geram e regeneram, activam-se e sensibilizam-se através da sua própria acção e do tecido nervoso do organismo, concretizações que necessitam de interacções moleculares e de reacções às dinâmicas dos meios e dos ambientes, intencionalidades cujas concretizações necessitam do sensorial, do motórico, de exteriorizações e interiorizações, concretizações comportamentais cuja multiplicação e aperfeiçoamento desenvolvem não só os receptores sensoriais mas também a sensibilidade e a afectividade, alicerces essenciais ao desenvolvimento de competências neurocerebrais, cujo progressivo desenvolvimento implica recíprocas interacções entre o aparelho neurocerebral e o corpo, entre a motricidade e a sensibilidade, entre o exterior e o interior, entre a acção e a emoção, interacções que criam, simultaneamente, tanto a dependência do organismo humano como a sua liberdade, visto ser a partir de um tal nível de desenvolvimento que o humano pode desenvolver os seus comportamentos em todas ou só em algumas direcções ou sentidos de exterioridade e de interioridade, o que diferenciará futuros comportamentos e produzirá diferentes níveis de sensações ou percepções, de sensibilidades e emoções, de estímulos e motivações, o que condicionará, estimulará ou orientará, teoricamente, a maior ou menor eficácia do aparelho neurocerebral do indivíduo. É que, sendo o desenvolvimento do aparelho neurocerebral produto da acção é sua profunda necessidade manter permanente relação com o exterior, o qual, impregnando-se no cérebro, este elabora-o no seu interior e retém-o como algo individualizado, íntimo e pessoalizado, e, por sua vez, projecta-o nos factos e acontecimentos do exterior, gerando-se, então, interacções e retroacções que elaboraram novas e diferentes impregnâncias, sensibiIidades, percepções, emoções e interacções interior-exteriores. Um tal enorme potencial de adaptação do organismo humano, acrescido do enorme e riquíssimo património neuronal, gera, no organismo humano, ilimitados potenciais de habilidades, destrezas e de competências cuja genialidade humana jamais explorará ou desenvolverá na sua totalidade. É que os fluxos de energias das células, moléculas, gènes, cromossomas, etc., das suas combinações e recombinações, das suas reacções, intensidades ou velocidades, dos seus equilíbrios ou motivações parecem indecifráveis, apesar de sabermos que as células adaptam o seu trabalho às suas necessidades, produzindo aquilo de que precisam e quando precisam. Um tal potencial de respostas às suas necessidades, por parte das células, implica, para sua entrada na via da eficiente eficácia, desprovimento de rigidez e de 6 desperdício, de parasitismo e fragilidade, de desvios e de erros e orientação verso uma policêntrica organização, expansora dos fluxos e das energias nas várias orientações e níveis de necessidades, de acções, de interacções e retroacções, comportamentos generadores de organizações sensoriais e motoras equilibradas, vivas, activas e dinamizadoras de espontaneidade, naturalidade e bioenergia, o que facilita as acções de auto-organização e de reorganização, de vivência e de restruturação. O conjunto de tais interacções, qualidades, níveis e intensidades geram estabilizações e dinâmicas selectivas, implementadas em função da estimulação do meio e das necessidades percepcionadas pelo organismo do indivíduo, o que cria, em sua dinâmica neurobiológica, variados níveis de necessidades de acção, de interacção e reciprocidade com seu próprio meio, visto ser princípio essencial básico que todo o indivíduo é um ser biológico em interacção com o meio, isto é, sujeito activo e passivo do paradigma sistémico-comunicacional-informacional. No seio de tal paradigma o ser biológico exige o funcionamento da sua totalidade, apesar de correr os riscos de uma tal necessidade ser subvertida pela acção ou acções do meio e, em tais subversões, não só distorcer mas também anular tais necessidades vitais. Um tal conjunto de necessidades é intrínseco à própria natureza do cérebro do organismo humano. 0 cérebro humano, mais que nunca, tem necessidades de alimentar-se a si mesmo e, uma tal alimentação é efectuada através do seu funcionamento, isto é, pelo desenvolvimento das suas principais funções, aperfeiçoamento dos seus centros de habilidades e processamentos de informações. Torna-se impossível, no entanto, efectuar uma estimativa aproximada do potencial do cérebro humano. É que, de facto, cada célula cerebral ou neurónio contém um vasto e complexo potencial electroquímico competente e um corpo central de dezenas, centenas ou milhares de tentáculos que irradiam desde o centro ou núcleo da céluIa. Estas irradiações ou ramificações da célula, conhecidas pelo nome de dendrites, representam as expansões do corpo celular e o seu conjunto forma o pólo receptor do neurónio. Uma das extremidades do neurónio, particularmente larga, domina-se axónio, o qual desempenha a função da saída principal da informação transmitida por essa célula. Entre um neurónio e outro encontra-se a sinapse e efectua a articulação entre um neurónio e um músculo ou entre um neurónio e uma glândula e faz com que a actividade ou excitação de um neurónio active ou iniba a acção do outro. Por isso, representando a sinapse um espaço de comunicação entre os elementos excitáveis do cérebro, os seus fluxos desencadeiam a Iibertação de neuro-transmissores ou neuro-mediadores e, por tal facto, a efectuação das comunicações inter-neuronais, quer estas ajam como neuro-modeladores quer como neuro-transmissores. E, como se distingue, em média, 40 mil sinapses mesma célula do córtex cerebral não admira que tanto as dendrites como as sinapses possuam substâncias químicas constitutivas dos principais mensageiros do processo do pensamento humano, o qual, graças ao seu desenvolvimento, vai reduzindo, progressivamente, as resistências bioquímicas e electromagnéticas até fazer com que uma célula cerebral possa receber, por segundo, centenas de milhares de pulsações provenientes de outros tantos pontos da conexão, o que faz com que os neurónios actuem como vastas e hipercomplexas centrais telefónicas computando, em micro-segundos, a soma dos dados de toda a informação, laboriosa actividade que desenvolve, nessa emaranhada arquitectura cerebral, componentes de sistemas 7 sintetizadores e tipos particulares de receptores neuronais (Watson, 1992), o que reforça a ideia de que não só entre os cérebros humanos, mas, também, no interior de um mesmo cérebro existem capacidades de inúmeros níveis de funcionalidade, de convergência, de divergência e de irradiação. Em relação à existência de níveis e de diferenças de funcionalidade, Sigmund Freud, pai da Psicanálise, em "Projecto de uma Psicologia" (1895) parece admitir a distinção entre sistemas neuronais específicos e sistemas neuronais não específicos ao efectuar a distinção entre neurónios fi e neurónios psi. Apesar de uma tal distinção não contar, hoje em dia, com muitos adeptos, a realidade é que a mesma estimulação ou estimulações dirigidas às mesmas áreas neuronais dos cérebros humanos produzem efeitos diferentes, e, tais efeitos compatizam-se com efeitos de outras acções, gerando out-puts diferentes de indivíduo para indivíduo, os quais, por sua vez, impregnam a totalidade do organismo e se anexam ao seu potencial comportamental. Como é óbvio, uma modificação mínima, mas duradoura, não só transforma o indivíduo mas também o reorganiza diferentemente, o que gera, em si mesmo, capacidades de novas reorganizações, restruturações ou invenções, e, daí, simultaneamente, diferentes capacidades de utilização ou recombinações das potencialidade do aparelho neurocerebral. Um dos agentes da génese de tais modificações encontra-se também não só no quantitativo dos neurónios cerebrais de cada um mas também na qualidade da acção das sinapses. É que, de facto, as dendrites e sinapses pertencentes a cada célula cerebral interagem com as sinapses de outra célula cerebral, de tal maneira que, quando um impulso eléctrico atravessa a célula cerebral, produz-se transferências de substâncias químicas através da brecha sináptica. Estas substâncias introduzem-se na superfície receptora, criando impulsos que se transmitem através da célula cerebral e, a partir daí, encaminham-se para as outras células produzindo uma microscópia imagem de uma espécie de "abraços neuronais". Em tal espécie de abraços, sinapses eléctricas e sinapses químicas, pela acção do fluxo nervoso, efectuam a conversão do sinal eléctrico em sinal químico, acção própria dos neurotransmissores, os quais, possuindo tanto funções activadoras como inibidoras, desempenham um papel fundamental no processamento e desenvolvimento das emoções, dos afectos, dos sentimentos, das atitudes; no processamento da informação, do conhecimento e da aprendizagem, visto a acção dos neurotransmissores ou neuro-mediadores expandir-se do sistema periférico, do sisterna nervoso autónomo à junção neuro-muscular para aceder aos dinamismos mais centrais do aparelho neuro-cerebral. Aparecendo, então, a actividade neuro-cerebral do ser humano como um efeito das inter e retroacções de todas as propriedades e potenciais do organismo humano, este partindo da acção dos seus gènes, (generatividade) organiza-se e reorganiza-se, estrutura-se e restrutura-se em função das suas actividades fenoménicas e dos acontecimentos organizadores que surgem tanto do exterior como do interior do próprio organismo. No seio de um tão hiper-complexo turbilhão de mudanças e mutabilidades, tanto exteriores como interiores, as células neuronais, as mais especializadas do organismo, permanecem imutáveis, embora todo o cérebro humano possua muitos milhares de neurónios de reserva, os quais, quando chamados a entrar em função, asseguram a conservação da informação dos outros e possuem capacidades de activar, dinamizar e especificar. A existência de tais unidades neuro-cerebrais, que completam, reforçam ou 8 substituem a actividade de outras, faz com que o ser humano não se submeta a sistemas condicionantes nem a normas pré-estabelecidas, e com que a sua norma seja a lei da contingência submetida ao jogo das interdependências, das interacções e retroacções, das aferências e recorrências. No entanto, no cérebro humano, como em geral em todo o organismo, não existe uma organização, mas sim uma série de organizações encaixadas umas nas outras e, a análise, revela uma certa hierarquia, cuja organização superior integra a organização inferior e esta confere as suas propriedades à superior e assim sucessivamente. Face a uma tal interdependência e interactividade organizativa, e considerando que o cérebro humano como mecanismo associativo possui pelo menos as funções de recepção, retenção, análise, missão e controlo, potenciais compatíveis com as funções cerebrais em geral, uns e outros se reforçam, se estimulam ou inibem mutuamente. É que sendo o cérebro humano um hipercomplexo sistema, constituído por subsistemas, os quais, por sua vez, são dotados de mini-micro-sistemas, precisa da participação activa de todos eles para concretização de todas as suas grandes funções, como sejam, por exemplo, a percepção, a linguagem, a memória, o pensamento, etc., etc.. O conjunto de funções do cérebro humano, apesar da descoberta de áreas ou regiões cerebrais mais especificas para cada função, na sua eficiente e dinâmica concretização necessita de um equilibrado, interactivo e cooperante dinamismo entre todas as áreas, isto é, da activação do tronco cerebral, do cérebro reptílico, do cérebro mamífero, do cérebro racional ou neo-córtex bem como da activação dos canais neuronais, neuro-transmissores e neuro-receptores ou, por outras palavras, e, em complemento do anterior, do cérebro intestinal (Sarna e Otterson, 1988), visto o aparelho gastro-intestinal ser um órgão altamente inteligente, que sente não só a presença dos alimentos mas também a sua composição química, a sua quantidade e a sua viscosidade, visto a parede intestinal ser constituída por suaves camadas de músculos, pelas estruturas neuronais e pelas células paracrinicas-endócrinas. 0 cérebro onírico, dos sonhos, durante o sono manifesta acentuada força e enorme vitalidade e desperta o indivíduo para a consciência. 0 cérebro libidinal é, então, o desencadeador das transformações da energia pulsional através de deslocamentos e de sublimações orientando as energias, as tendências ou apetências. O cérebro emocional é activador de manifestações fisiológicas expressivas e subjectivas como as da excitação, do interesse, da alegria, da tristeza, do stress, da ansiedade, da cólera, do medo, da vergonha, da dôr, da náusea, da ira, do desgosto, etc., e desempenha uma função importantíssima tanto na saúde física como na psíquica, bem como em todos os processos de somatização. Este cérebro emocional situa-se, predominantemente, no sistema límbico do aparelho neuro-cerebral do indivíduo, isto é, segundo Maclean (1970) entre o cérebro primitivo (arquiocórtex) e o cérebro racional (neocórtex). É óbvio, no entanto, que dadas as múItiplas conexões e recíprocas interacções entre as partes do cérebro torna-se extraordinariamente difícil separar as diferentes estruturas dos denominados cérebros do Cérebro de um indivíduo ou os subsistemas do Sistema cerebral de uma pessoa. Apesar de uma tal dificuldade sabemos hoje que o cérebro reptílico ou primitivo funciona como sede dos actos e reflexos, e, por isso, mantém a autopreservação e a sobrevivência do indivíduo; que edita os seus comportamentos motores de aproximação e de afastamento, de ataque e defesa, de sensorização e de locomoção em função de sinais apercebidos no meio ambiente. 9 O cérebro reptílico, por si só, não tem acesso à vontade nem à memória e muito menos à consciência. Por seu lado, o cérebro emocional (intermediário), com sede no sistema límbico, possui a capacidade de efectuar preferências, escolher comportamentos e reconhece as situações, memoriza atitudes e comportamentos, está liberto de automatismos, hierarquiza sentimentos e afectos, objectivos e comportamentos, consegue dar côres e afectos à vida e constitui a estrutura essencial de uma boa e positiva dinâmica do desenvolvimento de uma personalidade equilibrada, visto impregnar nesta os reflexos dos afectos, sentimentos e desejos; das experiências e das vivências, sendo de capital realce as vivências efectuadas mais ou menos até aos 7 anos de idade, apesar das posteriores, com maior ou menor intensidade, impregnâncias ou forças continuarem a ser registadas no cérebro emocional e, por tal razão, marcarem, esquematizarem ou condicionarem o futuro da pessoa. O cérebro racional (néo-córtex), em seu aspecto macroscópico, compreende os hemisférios cerebrais que, por sua vez, possuem diversos tipos de córtex, isto é, o córtex motor que se situa a nível do lobo frontal ascendente, o córtex sensorial que se situa a nível da circunvolução parietal ascendente, o córtex auditivo que se situa a nível da primeira circunvolução temporal e da fissura de Silvio e o córtex visual. As localizações das funções psíquicas situam-se mais ou menos a nível do lobos pré-frontal, como sucede, por exemplo, com a memória, que é localizada mais especificamente a nível do lobo temporal. A linguagem encontra-se localizada no hemisfério esquerdo e, mais concretamente, no quadrilátero de Wernicke e a linguagem articulada na zona da terceira circunvolução frontal, isto é, na zona de Broca. No entanto, sendo o néo-córtex o responsável essencial da cognição, aprendizagem e abstracção também é nele que residem as possibilidades do indivíduo prever ou antecipar o futuro, permitindo-Ihe imaginar soluções ainda não previstas, colocar hipóteses, fantasiar ou projectar o futuro. Estas acções e comportamentos, emanados essencialmente do córtex e néo-córtex, necessitam da acção colaborante dos restantes cérebros, de maneira particular da acção do cérebro emocional, visto as emoções, sentimentos e afectos, bem como seus respectivos processos jamais deverem deixar de estar presentes nos comportamentos harmoniosos ou equilibrados do ser humano. O néo-córtex, por sua vez, dá ao indivíduo a possibilidade de inibir os seus reflexos e de Ihe conferir a liberdade final da decisão nas suas relações com os meios e os ambientes. 0 córtex pré-frontal ajuda o indivíduo a aceitar as demoras na realização dos seus objectivos, refreia as suas pulsões e, para o melhor ou para o pior, dirige a existência individual e social de cada um. As acções e interacções cooperantes e convergentes de tais estratos e subestratos neuro-cerebrais elaboram uma espécie de "secreção" que denominamos pensamento (convergente, divergente, irradiante) e, como produto final, é efeito das estruturas neuro-biológicas e da sua actividade, especialmente do córtex, das células cerebrais, da memória, da aprendizagem, da inventividade e da criatividade, e, para sua adaptação ou integração no social, precisa de ser alfabetizado, educado e flexibilizado, libertando e orientando os potenciais do cérebro para investimento na totalidade do próprio indivíduo, realização individual e pessoal, para bem da comunidade e da sociedade em geral. Apesar disso, porém, tendo a última década do Séc. XX sido denominada, pelo Congresso Norte Americano, a década do cérebro e, tendo sido efectuado 10 enormes progressos no desenvolvimento das neuro-ciências, talvez aquilo que ainda haja para descobrir acerca do cérebro e sua funcionalidade seja muito mais que aquilo que já se descobriu. No entanto, certas coisas são certas: é necessário investigar-se e desenvolver-se uma Iiteracia cerebral, uma educabilidade mental, uma dinâmica e uma flexibilidade comportamental e desenvolver-se as dimensões e as capacidades do pensamento divergente e irradiante. I - DINAMISMOS NEURO-CEREBRAIS DO ORGANISMO HUMANO NA CRIAÇÃO DA MENTE Gènes, cromossomas, moléculas, células e neurónios possuem em si mesmos existência vital, a qual, interagindo com os elementos mais próximos, retorna sobre si mesma, revitaliza-se e cria reflexos, impulsos e movimentos de vários níveis e dimensões. Estes movimentos possuem geometria e lógica, criam acções e coordenam-se, expressam a natureza da sua causalidade, exprimem emoções, sensações e percepções, penetram na natureza mais profunda do organismo humano, exteriorizam a sua natureza e vitalidade. Possuindo a sua sede central no aparelho neurobiológico, as células neuro-cerebrais desempenham então a função de uma espécie de empresa bioquímica de extraordinária hipercomplexidade associativa e funcional, sensorial e motora, bem como de coesão e coordenação tanto dos órgãos como dos sentidos. Encontrando-se a essência de um tal motor de produção, organização e coesão no sistema nervoso central do organismo, o qual é formado principalmente por corpos celulares de neurónios e axónios dos neurónios, tanto uns como outros possuem os pilares do seu movimento e acção, operatividade e funcionalidade no cérebro, no cerebelo, no tronco cerebral e na medula espinal. Neurónios sensitivos, sensoriais e motores interagem, integram a acção, desenvolvem-a e expandem-a; planificam novos comportamentos, mobilizam energias, criam e desenvolvem emoções, emergindo, daí, sistemas e subsistemas os quais “são mais que a soma das suas partes” formando então níveis de integração superiores aos constituídos pelos seus próprios elementos de integração, elaborando-se níveis hierárquicos de organização superior do ser vivo, os quais, por sua vez, interagem com os níveis inferiores e cujos efeitos de tais interacções e retroacções não são necessariamente lineares, nem previsíveis de maneira particular quando interagem com as variáveis do meio, dos ambientes ou das circunstâncias. Estes imprevisíveis efeitos podem interagir com suas estruturas causais e modificá-las a ponto de poderem ocasionar funções ou desvios de funcionamento completamente inadequados às próprias estruturas. Ora, sendo as excepções confirmadas pela regra, parece factual que as funções inferiores, pelas suas interacções, originam funções superiores, e estas estimulam, aperfeiçoam e activam as inferiores, através de processos de retorno, recorrência e emergência facilitadores de inter-comunicações, desenvolvimentos e progressões, cuja meta final é e será impossível de determinar, como se pode constatar, por exemplo, pela simples acção dos neurónios activadores do aparelho 11 motor, os quais, conduzidos por seu potencial de informação, colocam o organismo em acção e a acção deste implica recorrência à acção da espinal medula, do mesoencéfalo, do diencéfalo e, em geral, recurso ao córtex cerebral, fazendo com que o motor ou o sensório-motor se transforme em operacional, graças às influências mútuas e recíprocas que tanto uns como outros efectuam. Estas interligações e recíprocas influências entre motricidade e cérebro geram efeitos multiplicativos não aditivos a nível de processos de ontogénese do ser humano, e, por isso, este necessita não só de genoma ou hereditariedade mas também de idade gestacional, maturacional, postural, cronológica e acção do meio para que o seu desenvolvimento assente em princípios e em estruturas filogenéticas e biológicas e efectue o seu desenvolvimento potencial. Em tal processo de desenvolvimento quanto mais este se realiza mais a acção do genoma é menor, como se constata, a nível de psicologia comportamental e do desenvolvimento pelos estudos efectuados com crianças selvagens, abandonadas, adoptadas ou mesmo com elementos de uma mesma constelação familiar, demonstrando-se, assim que se as diferenças genéticas individuais de um indivíduo possuiem um grande impacto no seu futuro desenvolvimento, acção ou comportamento, as diferenças do meio, de forma alguma, tem menor impacto e influência. Daí o facto da existência de esquemas de acção e de comportamentos não poderem, de forma alguma, serem interpretados rigidamente em termos de reflexo, visto existir no cérebro um forte e acentuado potencial de actividade espontânea para compreensão da qual bastaria recordarmo-nos dos diferenciados efeitos da estimulação eléctrica a nível de sistema nervoso e das suas diferentes áreas de estimulação como sejam, por exemplo, a nível de tronco cerebral, de hipotálamo, de diencéfalo e de néo-córtex, cujos efeitos ou reacções são totalmente diferentes de indivíduo para indivíduo. Uma tal espontaneidade da actividade neuro-cerebral gera, no entanto, flexíveis esquemas sensório-motores em cadeia, os quais, não sendo simples acções materiais, estimulam e desenvolvem conexões anatómicas específicas no seio do sistema nervoso, geram inputs sensoriais, estimulam a actividade perceptiva e criam a "consciência primária", comum ao homem e aos animais superiores, capacidade indissociável dos movimentos e das percepções de cujas recíprocas interacções emergem sistemas ou estruturas de novas transformações e acções como sucede, por exemplo, quando, por volta dos 6-8 meses de idade, o bebé inicia o reconhecimento do rosto da sua mãe ou, entre os 8-9 meses de idade, descobre a permanência de um objecto, isto é, começando a conceber que um objecto pode passar dum estado de longínquo a um estado próximo, desenvolvimentos cujas interacções, recriprocidades, exercitações, desenvolvimento e maturação conduzem-o a novas descobertas e novas transformações, auto-alimentando-se mutuamente e, reciprocamente, auto-auxiliando-se, o que faz com que a consciência primária elabore imagens do próprio corpo e o corpo, graças a uma tal "consciência", progressivamente se vá adaptando a meios e a ambientes que não podiam ter sido previstos pelo próprio genoma do indivíduo. Uma tal consciência, progressivamente, mentaliza o corpo e o corpo sobrevive, desenvolve-se e adapta-se graças à acção mentalizadora de uma 12 consciência, construindo imagens tanto do seu próprio funcionamento exterior como interior, e, por tais processos, interacções e retroacções o indivíduo desenvolve flexibilidade e adaptabilidade aos meios ambientes, às circunstâncias e às solicitações, auto-regulando estados de funcionamento bioquímico, neurofisiológico e de representações. Estas representações, distribuídas por diversas regiões cerebrais e coordenadas por conexões neuronais, reconhecem a pele como abrangência, a qual passa a funcionar como ponte de interligação do interior com o exterior e gera, na dita consciência primária, a primeira dinâmica estrutural da existência do uno individual, indivisível e homeostaticamente auto-regulado, solicitado por estímulos e informações de diversas proveniências e controlado por sinais neuronais do cérebro, o que gera evoluções, selecções e interacções complexas, bem como respostas motoras e neuroconsciencializantes tanto ao organismo como ao meio ambiente. Estas actividades de interacções e retroacções cérebro-corpo, efectuadas através dos circuitos neuronais, configuram a génese da mente individual, a qual, para funcionar normal e equilibradamente, terá de conter representações básicas do organismo e representar os novos e diferenciados estados do organismo em acção visto corpo e cérebro constituírem o conteúdo essencial do funcionamento de uma mente normal. A acção de tais circuitos neuronais, com os respectivos movimentos corporais, percepções sensoriais, espontaneidade cerebral e respectivos efeitos das acções interactivas criam processos cerebrais geradores da mente, da consciência e da inteligência, faculdades que, por sua vez, interagem com os próprios dinamismos corporais e processos cerebrais. Daí o facto dos processos cerebrais possuírem potenciais preparatórios e desenvolvedores da mente e todo e qualquer facto ou fenómeno mental possuir correspondência. Por isso, encontrando-se a génese e dinâmica da mente humana de um indivíduo nos efeitos das recíprocas interactivações corpo-cérebro, da funcionalidade do seu dinâmico equilíbrio emerge também o equilíbrio da mente. De facto, um tal equilíbrio pressupõe a existência de uma harmoniosa interactividade entre órgãos e suas funções, sentidos, percepções, pulsões, emoções, sentimentos e afectos como princípio activador da mente, a qual, por sua vez, e, primeiramente, ocupar-se-à dos seus princípios e fundamentos. Isto porque a mente, emergindo do próprio organismo, existe por ele, para ele e com ele. Por isso, ocupa-se primeiramente do corpo e, após indispensável evolução, poder e reforços, criação de múltiplas e variadas dimensões, ocupa-se não só do corporal mas também do imaterial, do concreto e do abstracto, do real e do imaginário, do presente, passado e futuro, funções comportamentais da mente, indissociáveis do corpo, que, em simultâneo, estimulam o desenvolvimento dos potenciais neurobiológicos do organismo, criam processos de operacionalização, fecundam estruturas e fazem com que uns interajam com as outras, provocando transformações e mudanças bem como proliferação de novos e diferenciados processos e estruturas de cujas recíprocas interacções emergem novos e mais evoluídos processos mentais e interiorizações corporais, das quais emergem as funções superiores do ser humano, como o raciocínio e a criatividade, a convergência e a divergência, a centração e a irradiação, a planificação e a 13 projecção, a vontade e a responsabilidade, a consciência e a autoconsciencialização. Este conjunto de capacidades superiores do ser humano, atributos essenciais da sua mente, emerge de bases e estruturas cerebrais e, por acções de retorno e recorrência, agem sobre o sistema nervoso central, sobre os órgãos e os sentidos, sobre as percepções e as emoções, sobre os afectos e as sensibilidades. Os órgãos, suas estruturas e funções, seus níveis de profundeza, de funcionalidade e de interdependências tornam-se agentes essenciais das faculdades mentais, visto as suas coordenações orientá-los para objectivos comuns e impulsionarem a orientação da acção vital, apesar de submetida às mais variadas influências do exterior e do interior. As pulsões das funções dos órgãos, caso sejam estimuladas, elaboram processos de reanelamentos piramidais que, interagindo com a própria mente, retornam sobre as próprias funções dos órgãos, tirando delas qualidade, intensidade, vivacidade e ramificações que emergem dum único, singular, irreptível e, simultaneamente, gerador e organizador da sua própria vida e existência. A dinâmica organização de si mesmo, com suas sucessivas e necessárias reorganizações ou restruturações, centraliza e orienta a força dinâmica da vida, as suas propriedades vitais, a sua autonomia e faz com que estas interajam mais acentuadamente com a realidade exterior e o cérebro capte uma tal realidade de forma mais impregante e pragmática, construindo, assim, de maneira mais ou menos eficiente, imagens ou representações da realidade exterior, fenómeno que interage também sobre o processo do auto-conceito do indivíduo. Face ao exposto infere-se que a mente é um produto do trabalho do cérebro, da sua evolução e da sua história, da sua génese e dos seus processos, das suas interacções e relações, das suas emoções e dos seus sentimentos, dos seus estímulos e das suas motivações, dos seus neurónios e das suas sinapses, dos seus neuro-transrnissores e neuro-receptores, das suas moléculas e dos seus impulsos nervosos. Gerald Edelman (1991), Prémio Nóbel da Medicina, (1972), considera a mente humana como produto de uma actividade concertada de numerosas estruturas cerebrais, submetida a desenvolvimentos anatómicos e a maturações de funções cada vez mais complexas, emanadas da actividade concertada, a qual, graças ao seu desenvolvimento e funcionalidade, origina consciência de ordem superior cuja acção inicial se manifesta com a maturação das funções linguísticas. No entanto, o estudo e a análise da mente humana não só foi objecto de estudo de peritos e estudiosos em Neurociências mas também de filósofos e metafísicos, de epistemólogos e historiadores, de psicólogos e psicanalistas. A maioria deles, porém, concebeu a mente humana partindo de modelos teóricos e, como é óbvio, todo o modelo, por mais perfeito que seja, implica rejeição de outros modelos ou, pelo menos, a sua subvalorização. A psicanálise, por exemplo, ciência que pretende analisar e intervir nos efeitos das interacções dos processos psicológicos ou mentais com os neuro-fisiológicos, concebe a mente humana como possuindo três partes ou funções distintas, que agem e interagem entre elas, isto é, a razão, a actividade ou energia vital e os apetites inferiores que se completam mas, não raras vezes, entram em conflito, apesar da mente, no seu todo, possuir uma enorme série de propriedades, como sejam, a existência de aparelhos operacionais, 14 mecanismos de defesa e de transferência, de projecção e de introjecção, libido e afectos, emoções e resistências, inconsciente e consciente, eu e super-eu, propriedades, capacidades e instâncias que agem e interagem, libertam-se e recriam-se, estruturam-se e restruturam-se, organizam-se e reorganizam-se, equilibram-se e desiquilibram-se. A psicologia da forma, por sua vez, defende a existência de estrito paralelismo ou de pontual correspondência entre fenómenos cerebrais e mentais, devendo o mental e o cerebral formar duas redes paralelas e, de cada ponto da rede mental, deveria ser possível traçar-se uma rede perpendicular em direcção a um ponto específico da rede cerebral. De facto, uma tal correspondência segue e assume a lógica dos princípios básicos e dinâmicos das suas concepções dos psicocomportamentos humanos. É que, uma tal corrente da psicologia contemporânea, acentua os aspectos da configuração e da totalidade nas dinâmicas comportamentais do homem, isto é, no domínio da percepção, da forma, das estimulações sensoriais, intermediários indispensáveis entre os fluxos energéticos vindos do exterior e do domínio da experiência perceptiva, visto a percepção não ser uma soma de sensações nem a existência de campos cerebrais que constituiriam, segundo uma tal corrente psicológica, o conteúdo essencial do objecto de estudo da psicofisiologia. Por seu lado, a psicologia geral atribui à mente a capacidade de generalizar e, em seguida, individualizar ao passo que, por sua vez, a psicologia humanista acentua, prioritáriamente, a capacidade da mente individualizar, e, seguidamente, generalizar. 0 cognitivismo, doutrina ou corrente psicológica muito em voga nos nossos dias, concebe como características ou funções essenciais da mente humana todas aquelas que se relacionam com o conhecimento, o qual é analisado em termos de tratamento da informação, modelos que, pretendendo seguir e orientar-se por normas e metodologias de cientificidade, parece pretender reduzir as características da mente humana a quase um simples processo de tratamento, recolha, armazenagem e utilização da informação e, em parte, também à comunicação, capacidades que o próprio cognitivismo, não lhe repugnando denominar de mentais ou de fenómenos de consciência, não explica nem analisa cabalmente as suas procedências ou origens, os seus substractos ou os seus suportes neurofisiológicos ou neuropsíquicos, apesar de algumas subcorrentes do cognitivismo admitirem que o cérebro constitui um órgão de tratamento da informação posto ao serviço da adaptação biológica dos organismos, concepção que compara o cérebro ao computador e as inter-relações das funções cognitivas procedentes mais do acaso e da lógica, visto tal concepção da mente humana conter acentuadas carências de conhecimentos a nível das bases neuronais da cognição, bem como a nível das inter-relações e acções neurocerebrais, justificando as diferenças mentais, cognitivas e psico-comportamentais através da existência de diferentes níveis cognitivos, diferentes estilos de cognição e existência de diferenças individuais a nível de tratamento da informação. Porém, os vários pontos de vista e os modelos seguidos em tais investigações conduzem a conclusões diferentes. Quanto a nós, rejeitando definir a mente humana pelas suas propriedades, características ou funções não nos resta outra alternativa que concebermos a mente como uma entidade produzida pelo cérebro mas dele interdepende e o qual, em mútua e recíproca colaboração com o corpo, a pele, as coisas, os objectos, os meios, os ambientes e as circunstâncias, gera polivalência mental, vida psíquica e intelectual. 15 Por isso, sendo a mente humana produto das acções e interacções, retroacções e recorrências do hiper-complexo organismo humano no seu todo, ela possui sua origem e seus alicerces essenciais nas estruturas e dinâmicas do cérebro e é através das suas multidimensionadas e variadas interacções com os meios que tanto o cérebro como a mente se desenvolvem, e, esta, graças à corrente e acção psíquica com suas peculiares polivalências, flexibilidades e adaptabilidades, forma uma imagem de si mesma, da própria vida, do mundo, codifica experiências e descodifica vivências, elabora ideias e conceitos, imagens, símbolos, raciocínios e referencias, alimentados ou reforçados pelas suas interactivantes relações neuronais, o que faz com que o cérebro se desenvolva e a mente execute funções que o cérebro, por si só, não conseguiria como, por exemplo, raciocinar, imaginar, associar, referenciar, inferir, induzir, deduzir, inter-relacionar-se, querer, etc.. Estes hiper-complexos fenómenos mentais, originados pelas acções e interacções do cérebro em si mesmo e do cérebro nas suas relações com os meios e os ambientes, são propriedades de nível superior do cérebro, como sucede com o consciente e a consciência, o raciocínio e a abstracção. A recíproca interacção de tais propriedades do cérebro forma a entidade-mente que, de uma forma geral, possui, como suas macro-funções: a percepção, a linguagem, a memória, o pensamento e a consciência, as quais poderão ser deterioradas, distorcidas, desequilibradas ou mesmo anuladas caso hajam anomalias, lesões ou deteriorizações em certas zonas ou regiões cerebrais. De entre todas estas funções, Edelman (1991) valoriza a consciência, a qual, possuindo elevado potencial de adaptabilidade, possui, também, tanto a nível de consciência primária como a nível de consciência superior, elevadíssimo potencial de funções. Assim da interacção da consciência primária com a consciência de ordem superior gerar-se-iam as funções de: - Fornecer ao indivíduo meios explícitos para colocar em relação actos e remunerações. - Ajudar a organizar e evidenciar mudanças complexas em ambientes contra-indicados por múltiplos sinais paralelos. - Fornecer ajuda coerente à ascensão no colocar em sequência resultados de aprendizagem complexa e no corrigir erros constatados nas acções automatizadas ao mudar de condições. Uma tal interacção entre consciência de ordem primária e consciência de ordem superior é também necessária para a comunicação linguística. Por sua vez, a consciência de ordem superior possui as funções de: - Consentir a previsão de acontecimentos com grande antecipação e colocá-los em relação com o passado através de conexões explícitas com a memória a longo prazo. - Aumentar a adaptabilidade, permitindo a planificação e a construção de modelos do mundo não ligados ao tempo real. - Permitir o confronto explícito dos resultados na base de valores individuais e dos seleccionados anteriormente. - Permitir a reorganização de recordações e de projectos. Este complexo e interactivo conjunto de funções da mente humana, de cujas interacções resulta a existência dos mais variados estados mentais, psicocomportamentais, emocionais e afectivos e dos quais emanam intencionalidades e orientações comportamentais, hierarquias de valores e de necessidades que, por sua vez, agem e interagem com as estruturas e dinâmicas neurocerebrais de um indivíduo, e, estas, com o todo da sua corporeidade, gerando entradas e saídas 16 que, por sua vez, desempenham funções de estimulação ou expansão, de inibição ou frustração da própria mente, e, cujos efeitos dos seus processos de retroacção, poderão possuir efeitos positivos sobre o próprio organismo humano (homeostasia, equilíbrio, auto-regulação) ou negativos (psicossomatização, desequilíbrios, conflitos, neuroses, etc.), e cujo comportamento de uma dinâmica estrutural da mente, elaboradora de policategorizados estados mentais, através dos quais o indivíduo, em certo estado mental, se sente bloqueado ou inibido, angustiado ou ansioso,e, noutro estado mental, sente enorme potencial de associação e de prazer no aumento dos conhecimentos; noutro a apreensão fácil dos dados e dos registos das experiências a efectuar, noutro vivência acentuada e eficiência nos processos de aprendizagem ou na emergência da criatividade, etc., etc.. A constatação e análise fenomenológica de tais comportamentos evidenciam o facto de que estudar a mente de um indivíduo é estudar a sua consciência, a qual, de uma forma geral, é constituída pela função de síntese que permite ao sujeito analisar a sua experiência actual em função da estrutura da sua personalidade e de se projectar no futuro, a qual, por sua vez, se torna essência do psíquismo, ou seja, a faculdade de permitir ao indivíduo tomar conhecimento do mundo exterior, bem como daquilo que se passa nele mesmo e de regular ou orientar os seus comportamentos. A nível psicanalítico a consciência é, geralmente, como a qualidade que caracteriza as percepções externas e internas no meio do conjunto de fenómenos psíquicos, o que pressupõe a existência de sistemas percepção-consciência, receptor das informações do mundo exterior e as provenientes do interior, e deixaria de parte o estudo do inconsciente e do pré-consciente, bem como suas estruturas e dinâmicas de capital importância na psicanálise, ciência cuja essencial razão de ser é de fazer com que a acção e o conteúdo do inconsciente passe para o préconsciente e deste para a consciência. A nível de síntese, porém, podemos dizer que a mente é uma produção do cérebro e apresenta-se como sendo representação codificada de impressões sensoriais, emanadas dos fluxos de experiências conscientes, pré-conscientes e inconscientes produzidos pela acção e interacção dos seus elementos responsáveis, isto é, dos neurónios, dos neuro-transmissores e das hormonas, elementos essenciais à dinamização e ao funcionamento do cérebro e da consciência individual. II- CÉREBRO E MENTE EM RECÍPROCAS INTERACÇÕES E DINÂMICAS 0 cérebro do ser humano, massa em forma de capacete de tecido branco e cinzento, enterrado dentro da caixa craniâna, possui uma superfície enrugada como esponja e está sistematicamente organizado em partes como o telencéfalo, isto é, cérebro terminal; o diencéfalo, cérebro intermédio; o mesencéfalo, cérebro médio; o metencéfaIo, cérebro posterior e o mielencéfalo ou medula. De uma forma geral, e, em linguagem do quotidiano, é formado pelo telencéfalo constituído pelos hemisférios cerebrais enquanto que o restante recebe o nome de tronco cerebral. Por sua vez, os hemisférios cerebrais encontram-se divididos em quatro lobos superficiais, isto é, lobo frontal, parietal, temporal e occipital e, a nível de maior profundidade, o lobo límbico. 17 Nos lobos periféricos encontram-se numerosos sulcos, fissuras ou circunvoluções que separam os diversos lobos. Tanto as circunvoluções como as fissuras, apesar da sua esquematização geral, estão sujeitas a grandes variações e variabilidades individuais. Apesar da sua grande evolução biológica e de ter cumprido a sua missão de sobrevivência, o verdadeiro significado e acção do cérebro humano encontra-se oculto em seus mais íntimos pormenores. A sua massa é constituída por um hipercomplexo sistema de interligações de mais de 100 biliões de células nervosas conectadas com outras células por centenas de milhares de terminações com inúmeros circuitos e imensos padrões eléctricos. 0 seu actual desenvolvimento é efeito de uma evolução que se perde no tempo e foi efectuada através de tentativas, ensaios e erros em seus processos de sobrevivência e dinâmica, os quais fizeram com que do instinto se gerasse a razão e da emoção a racionalidade, graças à elevadíssima quantidade de circuitos de células vivas, ao aumento da sua velocidade de transmissão e à diminuição do custo energético da sua construção e manutenção, processos de evolução que têm como sua unidade básica as células cerebrais, nervosas ou os neurónios que, simultaneamente, possuem funções de recepção e de comunicação. É que sendo os neurónios células do tecido nervoso eles possuem como sua característica principal a excitabilidade da sua membrana, a qual pode ser modificada pela acção de outros neurónios. 0 seu núcleo ou corpo celular apresenta delgadas prolongações fibrosas, muitas vezes com grande comprimento e abundantes ramificações. Estas ramificações, que recebem o nome de dendrites, brotam do corpo da célula nervosa e constituem os seus tentáculos. Um desses tentáculos, denominado axónio, é muito mais longo que os outros e, da sua extremidade, emergem mais tentáculos. As mensagens são recebidas no corpo e nos tentáculos curtos e deslocam-se através dos tentáculos longos para outras células. Por isso, as dendrites, em comunhão com o corpo celular, constituem a principal zona de recepção dos impulsos nervosos. Os seus pontos de conexão ou conexões inter-celulares são denominadas sinapses. Cada célula nervosa envia sinais a centenas ou a milhares de outras células através das suas sinapses e recebe sinais de uma miríade semelhante de sinapses em seu corpo celular principal. Existindo diferentes tipos morfológicos de neurónios, diferenciados, essencialmente, por seu número de arborizações e tamanho do axónio como, por exemplo, neurónios aferentes, que conduzem os impulsos das zonas periféricas para o centro; neurónios de associação ou intercalares, que formam parte de um arco reflexo, situando-se entre um neurónio sensitivo, do qual recebe informação, e outro motor, ao qual a transmite; neurónios corticais situados no córtex cerebral; bipolares, isto é, neurónios com duas prolongações; neurónios eferentes, que conduzem os estímulos desde as zonas centrais até às zonas periféricas; neurónios inferiores, isto é, neurónios periféricos, motores ou sensitivos; neurónios de projecção que transmitem os impulsos para um grupo de neurónios situados à distância; neurónios sensoriais que recolhem os estímulos que se produzem nos receptores ou órgãos dos sentidos; neurónios sensitivos; neurónios piramidais característicos da área motora cortical, etc., etc.. Estes grupos de neurónios, constituem, no seu conjunto, uma máquina cerebral que, procedendo por descargas eléctricas, todos os neurónios, apesar de diferenciados, possuem em comum a sua capacidade para reagir aos estímulos e transmitir com rapidez a excitação que resulta das outras porções da célula, influenciando o funcionamento das outras 18 células nervosas, musculares ou ganglionares, activando ou inibindo a sua acção, graças aos níveis de energia dos neuro-transmissores que banham as sinapses essencialmente ou os neuro-transmissores da acetilcolina, da seretonina e da dopamina. Constituindo-se os neurónios em sistemas, estes recebem e transmitem sinais e, entrecruzando-se com outros, formam sistemas de sistemas nos quais cada neurónio é tocado pelos ramos dos axónios terminais de muitos outros neurónios e aí se decide se deverá permanecer activo ou passivo. É através de tal actividade ou ausência dela que se esclarece o segredo da vida mental, bem como a actividade geral do cérebro de um indivíduo. Uma tal actividade, porém, interdepende da acção dos gènes, da sua autogeno-feno-organização, dos seus programas, das suas estratégias e das suas intercomunicações hipercomplexas, visto ter-se descoberto, em 1995, que a estrutura do cérebro possui, pelo menos, 3195 gènes diferentes, o que geram indecifráveis processos do crescimento e da acção dos neurónios. A nível de funcionalidade, os neurónios procedem por descargas, despolarizando a membrana celular e transmitindo informação a partir da interacção genótipo-fenótipo, informação que será tanto mais rica quanto mais potencial informativo o seu universo tiver. Por tal razão, a informação neuronal circulará, propagar-se-á e multiplicar-se-à em circuitos geno-feno-organizacionais cada vez mais vastos, cada vez mais diversificados e mais complexos. Daí o facto da informação circular da origem à informação generativa e sintética, passando de emissor para receptor e de receptor para emissor transformando os acontecimentos fornecidos pelos sistemas ambientais em signos ou em sinais que o aparelho cerebral tratará em consonância com a sua estrutura e dinâmica e, parcialmente, em interdependência da informação genética armazenada nas cadeias nucleares do ADN. A partir daí o processo de informação torna-se um processo físico-bioneuro-psico e sociológico, pois passará a ser um processo, mútua e reciprocamente, interdependente de tais poli-universos. Uma tal dinâmica reorganizará a estrutura neurobiológica e alargará a esfera antropossocial. Átomos, enzimas, moléculas e gènes interajudam-se mutuamente em suas funções principais. Muitas das propriedades de tais interacções tornam-se, então, imprevisíveis e os níveis dos seus efeitos tornam-se numa relativizada hierarquia, que influenciará o desenvolvimento de outras propriedades, capacidades ou aptidões, caso novas e diferenciadas energias não se introduzissem em tais processos como, por exemplo, a emergência ou desenvolvimento da linguagem, a acção e o desenvolvimento do córtex cerebral, a consciência do eu individual, etc., que, em consonância com as características predispostas, os potenciais ou as capacidades de seus agentes básicos, produzirão novas propriedades, caso possuam ou encontrem os estímulos necessários e as condições adequadas. A organização e interligação dos agentes e factores neurocerebrais obedece a uma ordem sistémica, não necessariamente rígida mas, caso existam erros, os seus efeitos são catastróficos a nível de construção de símbolos e de imagens, de atitudes e de comportamentos, visto parecer certo não existir no cérebro humano lugares exclusivos da integração e dinamismo das funções, embora seja certo a existência de predominâncias funcionais em certas regiões cerebrais, o que não dispensa, de forma alguma, a necessária sincronização de conjuntos da actividade neuronal em regiões cerebrais, como sucede, por exemplo, nos processos de memória do trabalho e da atenção global para os quais a acção e dinâmica dos córtices pré-frontais e algumas estruturas e dinâmicas do sistema límbico são 19 essenciais. Lugares essenciais são também certas regiões do cérebro como, por exemplo, o do tálamo em que este, caso tenha de ser extirpado, pode provocar a morte mental do indivíduo, visto o tálamo funcionar como um centro de retransmissão através do qual todas as informações sensoriais, excepto o cheiro, são transmitidas ao córtex cerebral e, por conseguinte, à mente consciente. Até os próprios sonhos são desencadeados por impulsos que passam pelos circuitos do tálamo. A nível das ditas funções superiores da mente: linguagem, símbolos e cultura, estas desenvolvem-se no neocórtex, que tem vindo a crescer e a desenvolver-se acentuadamente com o aparecimento do Homo Sapiens. Apesar do acentuado desenvolvimento do neocórtex ou cérebro racional, a sincronização funcional do ser humano exige também integridade do metencéfalo e do mesencéfalo o que constitui o tronco cerebral, e, sobre o qual repousa o superdimensionado cérebro anterior. É que o metencéfalo envolve a ponte entre a medúla e o cerebelo, os quais, em conjunto, regulam a respiração, os batimentos cardíacos e a coordenação dos movimentos do corpo. 0 mesencéfalo, por sua vez, regula parte dos reflexos auditivos e perceptivos e controla o sono e a excitação. 0 cérebro anterior, composto pelo sistema límbico, que regula a resposta emocional, bem como a integração e a transferência de informações sensoriais, possui, como seus principais centros, a amígdala, isto é, a emoção; o hipocampo (a memória a curto prazo); o hipotálamo que controla a memória, a temperatura, o impulso sexual, a fome e a sede, e o tálamo que percepciona a temperatura e todos os outros sentidos, excepto o olfacto, a percepção da dôr e efectua a mediação de alguns processos da memória. 0 córtice cerebral, incluído também o cérebro anterior, sendo a sede básica da consciência, armazena e reúne informações dos restantes sentidos, dirige a actividade motora voluntária e integra as funções superiores de entre as quais a fala e a motivação. Por outro lado, o córtice cerebral detentor de funções sensoriais e motoras em toda a sua área, como o demonstram os métodos de leitura óptica, confirma a hipótese da existência de actividade de redes de células nervosas em todo o cérebro vivo. Por tal razão, a funcionalidade integrativa e harmoniosa do córtex cerebral humano, área cerebral constituída por milhões de corpos celulares, dobrados e enrolados com muitas cristas e fissuras serpenteantes, necessita da acção e das recíprocas e interactuantes retroacções de todas as restantes áreas do cérebro. É que, apesar de parecerem nem sempre actuantes, os circuitos neuronais permanecem sempre ligados e exercem suas funções de transmissores e retransmissores de um nível de neurónios para os outros, integrando ou acumulando cada vez mais informações captadas dos estímulos físicos, biológicos, emocionais, afectivos ou psíquicos desencadeadores de descargas dos neurónios. 0 conjunto de tais interligações e intercomunicações não é efectuado única e exclusivamente pelos estímulos vindos do exterior mas também por meio de sensores corporais internos, que activam e regulam as funções fisiológicas do indivíduo e, em grande parte, alimentam e activam as funções do córtice cerebral, o qual, por sua vez, também estimula as sensações fisiológicas do corpo, o que demostra que o desenvolvimento e a acção do ser humano processam-se num todo, numa unidade e numa unicidade através de metamorfoses, fases, etapas, estádios e subestádios reveladores de maturação neurobiológica, da aquisição e do desenvolvimento de novas atitudes e comportamentos. Em tal processo de maturação e desenvolvimento progressivo, mas não necessariamente contínuo, o ser humano desenvolve, adquire e reforça reflexos de defesa e reacções automáticas face ao perigo, ao insólito e ao diferente que, em 20 interacção com o sistema límbico, desencadeiam linguagem emocional, palidez, sorrisos, ironia, medo, etc., consoante as culturas enraizadas no meio. A força e dinâmica da emoção converte as reacções automáticas em fortes ou fracas, em novas ou diferentes, integra o pensamento racional, activa-o e dinamiza-o ou, lentifica-o e desintegra-o. Por seu lado, tanto o pensamento racional como a consciência criam satisfações à emoção e situações de bem-estar, o que a estimula e reforça para novos e diferenciados níveis de acção, de comunicação e informação às restantes áreas do cérebro e, por conseguinte, à mente. Isto porque as emoções primárias, activadas por circuitos do sistema límbico, activam as reacções instintivas e inatas, os estímulos elementares e os comportamentos préprogramados e transmitem-se e integram-se nas emoções secundárias forjadas e desenvolvidas pelos processos de socialização e da aculturação, as quais, por sua vez, após terem sido integradas pelo córtex cerebral, activam, dinamizam e reforçam os circuitos límbicos da emoção primária, bem como as funções da amígdala. Um tal conjunto de dinâmicas e de interactivas funcionalidades, que conduzem a actividade do cérebro a níveis de superioridade, enquadramento e integração, em interactivas e recíprocas comunicações com as acções ou actividades dos ecossistemas, dos meios ou ambientes, e emergindo, de tais processos, o conjunto das características psíquicas dum indivíduo ou, sintetizando, a sua estrutura mental, a qual, como se depreende, é produto de processos e de activações bio-neuro-sociopsicológicos individuais, submetidos à sócio-biodinâmica psicocomportamental de cada um e, em interacção com a força estimuladora, constante e permanente ou não das constelações ecossitémicas ambientais, culturais e civilizacionais. Por tais razões, é um facto que ninguém nasce totalmente condicionado, visto o humano ser permanentemente inacabado. As suas funções, capacidades e aptidões vão aparecendo conforme o seu crescimento e, muitas delas, só se manifestam após certos níveis de maturação neurofisiológica e maturidade psicoemocional. Das interacções de tais funções, aptidões ou capacidades surgem novas e diferenciadas inter-relações e, por isso, também novas condições de vida que actuam sobre o meio e se repercutem, positivamente, sobre o indivíduo. No entanto, processando-se o desenvolvimento da região pré-frontal do cérebro bem como algumas áreas temporais tardiamente, isto é, por volta dos 3 anos de idade, e constituindo o lobo pré-frontal uma espécie de "super-cérebro", só a partir de tal idade se inicia o processo de consciencialização objectiva do eu do indivíduo pois, segundo H.WaIlon (1925, pág. 287): "as funções pré-frontais tendem a integrar-se totalmente não só nos sistemas de movimento mas também nos da vida afectiva e nos da representação tanto perceptiva como das ideia “ As funções pré-frontais organizam a afectividade adaptando-a às circunstâncias, às previsões e à reflexão, mobilizam o campo intelectual, seleccionam as noções e os símbolos, a abstracção, a renovação e a invenção, possuem actividade de iniciativa e de orientação mental, do pensamento e da acção, demonstrando-se, assim, a existência de capacidades de modificabilidade de comportamentos neurocerebrais, cognitivos, emocionais e afectivos, principalmente através da criação e desenvolvimento do pensamento divergente e do pensamento irradiante, o que impõe a criação e o desenvolvimento de uma "literacia mental" processada, desenvolvida e difundida através das técnicas e estratégias da criação de "mapas mentais", técnicas que ajudam a mente a descobrir a sua própria natureza e, graças a tal descoberta, alimenta-se dela, desenvolvendo, assim, a globalidade do cérebro geradora de recíprocas e equilibradas inter-relações entre a mente, o corpo e o 21 cérebro. A funcionalidade de tais inter-relações gera a funcionalidade global, a qual, por sua vez, organiza e reorganiza funcionalidades específicas, dimensionais ou sectoriais manifestadas através dos mais diversificados comportamentos, atitudes ou reacções que, por sua vez, retroagem e reorganizam parcialmente, positiva ou negativamente, a funcionalidade global do indivíduo. Ora, dispondo o aparelho neurocerebral do ser humano de uma generatividade própria, convertendo acontecimentos e acções em memória e saberes, um tal virtual potencial de reflexividade faz com que ele entre em relação consigo mesmo e tome consciência de si através dos impulsos e estímulos transmitidos pelos receptores sensoriais, o que cria organizações e estas geram representações da realidade exterior, graças ao original potencial do aparelho cerebral, rico em dispositivos inatos e em competências de desenvolvimento simultâneo de várias impressões sensoriais, oriundo do interior e do exterior, do memorizado e do adquirido e criando imagens e cenários diferenciados pela acção dos circuitos cerebrais e cuja eficiência interdepende não só da sua natureza mas também da sua abertura e disponibilidade à recepção de estímulos exteriores, factores essenciais do desenvolvimento de padrões da actividade neuronal do córtice cerebral e de desenvolvimento de actividades específicas do tálamo, da amígdala e do hipocampo em relação aos processos cognitivos. Um tal conjunto de dinâmicas interfuncionais, criadoras de imagens, representações e cenários, constituem a mente, espécie de república autoorganizadora de cenários, que individualmente desabrocham, evoluem, desaparecem e subsistem para criar pensamento e actividades físicas, motoras e psíquicas com a salutar e eficiente ajuda da memória a longo prazo. A mente processa informações com uma vertiginosa velocidade e esta faz com que a mente se torne cada vez mais consciente, criando e recriando situações, associando factos e acontecimentos, interligando pessoas e objectos, atributos, predicados ou características. Esta interactuante e interactiva cooperatividade entre processos cerebrais e processos mentais, apesar de parecerem processos de natureza diferente, por um lado, são fenómenos mecânicos, eléctricos ou químicos que se desenvolvem em grupos neuronais e, por outro lado, ideias, recordações, fantasias, emoções e raciocínios que entram em colaboração e elaboram acções comuns emergentes do neuro-cerebral, do psíquico e do mental. Isto porque a mente, sem o seu suporte e a colaboração do sistema nervoso central, não pode existir e, muito menos, funcionar. Por outro lado, sendo o psiquismo uma produção das acções dos sistemas neurocerebrais, cérebro, psiquismo e mente cooperam mútua e reciprocamente e necessitam uns dos outros, para existirem, funcionarem, desenvolverem-se, cooperarem, estruturarem-se e restruturarem-se. Um tal conatural processo bioneuropsíquico do mental, processo de retroacção ou retroalimentação é efectuado individualmente e seus efeitos constituem a estrutura dominante de suas estruturas mentais e atitudes psicocomportamentais face a si mesmo, aos outros e à realidade envolvente tanto em seus processos e mecanismos de interiorização como de exteriorização, de flexibilidade e maleabilidade, de adaptabilidade e de integração, procedimento unitário, e, simultaneamente, unicitário que desenvolve e estimula, unifica e reunifica as acções sensoriais e motoras, os comportamentos psicofísicos e as actividades mentais. Aparecendo então o psíquico como um produto do biofisiológico, e, o mental 22 como produto da acção do psíquico sobre o biofisiológico, uma tal unidade triunitária procede por reprodução, reorganização e regeneração; por rememorização, reflexão e recorrência. Por seu lado, a recorrência é constituída por processos cujos produtos ou efeitos são necessários à sua generação e regeneração, constituindo-se, então, o processo de permanente activador do reanelamento vital do ser humano, constitutivo das dimensões do eu do indivíduo, da sua individualidade e identidade autoorganizadora e auto-generadora do próprio eu, genofenomenicamente desenvolvido, expansivo e coerente, integrado, adaptável e gerador da própria consciência individual. Um tal conjunto de interactuações entre factos fisiológicos (objectivos) e factos mentais (subjectivos), em cujos primeiros encontram-se envolvidos os movimentos e as acções das moléculas, dos neurónios e das redes neuronais e, nos segundos, os resultados de tais interacções, como as experiências subjectivas do calor, do movimento, do sistema nervoso central ou periférico, etc., uns e outros envolvem a acção do tálamo e de outras regiões cerebrais. As primeiras têm causalidade biofisiológica e os segundos causas mentais. É, em tal sentido, da interacção do objectivo com o subjectivo que emerge o processo cognitivo, o conhecimento, o saber e a própria consciência do indivíduo. Daí o facto de tanto a consciência como o saber ser mescla de juízos, de valores e de características objectivas e subjectivas, aos quais não escapa o próprio mundo real descrito pela física e pela química, pela biologia e pelas matemáticas. Karl Popper e John Eccles (1977) ensaiaram a explicação do interaccionismo humano, isto é, da existência das recíprocas e mútuas interacções entre estados físicos e estados mentais, recorrendo à existência de 3 universos ou mundos, isto é, ao mundo físico, do qual fazem parte as entidades ou corpos materiais, os seus processos, as leis físicas e químicas das coisas e seres vivos, seus campos de forças que, sendo sistemas abertos de moléculas, interagem com algumas das partes constituintes do meio e, por isso, constituem estados físicos. 0 mundo 2 é constituído por estados de consciência, pelas disposições psicológicas e pelos estados inconscientes e constitui estados mentais. 0 mundo 3 é formado pelos conteúdos do pensamento e pelos produtos da mente humana como, por exemplo, as teorias científicas, verdadeiras ou falsas; os problemas científicos, as obras de arte, as instituições sociais, os mitos explicativos, as histórias, etc., objectivos próprios da criação dos indivíduos, embora nem sempre tenham sido planificados. Muitos dos objectos pertencentes ao mundo 3 pertencem, simultaneamente, ao mundo 1) como sucede, por exemplo, com esculturas, pinturas ou livros que se dedicam a temas científicos ou literários. Existindo mútuas e recíprocas interacções entre os estados físicos (mundo 1) e estados mentais (mundo 2), de tais interacções emergem estados, produtos ou efeitos, que são, simultaneamente, físicos e mentais, como sucede, por exemplo, no de uma dôr, o que evidencia o facto da interactuacção entre físico e mental, isto é, entre o corpo e a mente e entre a mente e o corpo ou, melhor dito, entre o cérebro e a mente e a mente e o cérebro, interaccionismo efectuador da natureza e da dinâmica psicofisiológica do ser humano. Os três mundos, segundo os referidos autores, interaccionam reciprocamente, pois tudo o que existe e é objecto de experiência se enquadra num ou noutro dos três mundos. 0 mundo 1 é um mundo dos objectos e dos estados físicos. 0 mundo 2 é um mundo dos estados de consciência e do conhecimento subjectivo e o mundo 3 é um mundo da cultura produzida pelo homem e compreende todo o conhecimento do objectivo. As interacções recíprocas efectuam- 23 se entre os mundos 1 e o 2 e entre os mundos 2 e 3, através da mediação do mundo 1, pois, quando, por exemplo, o conhecimento objectivo do mundo 3, isto é, o mundo da cultura produzido pelo homem, está codificado em diversos objectos do mundo 1, como livros, quadros, estruturas, máquinas, este apenas se torna percepcionado, conscientemente, quando se projecta no cérebro, mediante os órgãos receptores e as vias aferentes apropriados. Por seu lado, reciprocamente, o mundo 2, o da experiência consciente, pode produzir mudanças no mundo 1, antes de chegar ao cérebro pelas contracções musculares, tornando-se, então, o mundo 2 capaz de actuar extensivamente sobre o mundo 1. Os três mundos reconhecem-se no mundo 2, graças às percepções que recebe emanadas dos órgãos e dos sentidos e da ampla variedade de experiências cognitivas: pensamentos, recordações, intenções, imaginações, emoções, sentimentos, sonhos, etc., o que faz com que, no centro do mundo 2, se encontre o eu ou o ego do indivíduo, o qual constitui a base de identidade e de continuidade da pessoa e apresenta-se como efeito do "nexo" efectuado entre corpo, cérebro e mente, gerador de auto-identidade, de unidade e unicidade. J. P. Changeux (1990) em relação ao funcionamento do cérebro humano diz: “ O cérebro do homem contém ou elabora pelo menos 3 grandes categorias de representações do mundo, cuja cinética de formação e estabilidade abrangem escalas de tempo que se distribuem entre o décimo de segundo e a centena de milhões de anos. Cada uma destas modas de representação dilata o campo do mundo representado. A rigidez de um encéfalo, totalmente determinado geneticamente, limitaria, de imediato, o número de operações efectuadas. A capacidade de construir representações lábeis abre a organização do encéfalo ao meio social e cultural. Estes novos mundos poderão agora evoluir por sua conta, segundo regras que, no entanto, se manterão limitadas pela capacidade de actuação da organização cerebral". Um tal processo de elaboração deve-se ao facto de que, ainda segundo o autor, o cérebro humano é constituído por milhares de milhões de neurónios interligados por uma intensa rede de cabos e conexões, nos quais circulam, nos seus filamentos, impulsos eléctricos ou químicos inteiramente explicáveis em termos moleculares ou físico-químicos e, por isso, qualquer comportamento explica-se pela mobilização interna de um conjunto, topologicamente definido por células nervosas. Seguindo de perto as perspectivas neurocerebrais desenvolvidas por Edelman (1978) e Thom (1980), Changeux numa perspectiva bastante reduccionista, ensaiando a análise da interacção do biológico-mental, afirma que o "objecto mental é identificado com o estado físico criado pela entrada em acção (eléctrica e química), correlacionada e transitória, de uma grande população ou reunião de neurónios distribuídos por diversas áreas corticais bem definidas". Tanto o conhecimento, como a imagem é "um objecto de memória mas possui apenas uma pequena componente sensorial, ou até não possui nenhuma, por resultar da mobilização de neurónios situados nas áreas de associação com especificidades sensoriais ou motoras múltiplas (como lobo-frontal), ou entre um grande número de áreas diferentes. A imagem é um objecto de memória, autónomo e fugaz, cuja evocação não exige uma interacção directa com o meio. Sendo a percepção primária um objecto mental, cuja actividade é determinada pela interacção com o mundo exterior, a passagem desta à imagem requer uma estabilização do "acoplamento entre neurónios do conjunto (consolidação) que a tornem independente do mundo exterior”. Segundo a perspectiva de Changeux, os estados mentais seriam idênticos 24 aos estados da activação dos conjuntos topologicamente definidos pelas células nervosas, identificando, assim, a actividade mental à actividade cerebral. Apesar disso, no entanto, a constatação e análise das experiências vivenciais, psicofisiológicas e clínicas demostram que o cérebro e a mente são partes do organismo, e, quando se desenvolve uma actividade mental, os dois trabalham em cooperação com base nas respectivas competências de cada um, facto que demostra que sem um cérebro funcional não existe uma mente funcional e que sem uma mente funcional o organismo encontrar-se-ia na impossibilidade de concretizar funções complexas, tipicamente humanas, como sucede com os raciocínios, as previsões, os projectos, o imaginário, o falar, o decidir, o concretizar acções voluntariosas, etc., etc.. Tanto as ansiedades como as angústias, os desejos como os prazeres, os gostos como os pensamentos, as tristezas como as alegrias, o amor como o ódio, a depressão como a euforia, são estados de natureza mental e psicofisiológica. Daí a recíproca interacção entre fenómenos mentais e fenómenos físicos, entre estados neurofisiológicos e estados psicofisiológicos, visto os estados mentais emergirem das características do cérebro e causados por processos neuropsíquicos cerebrais embora, por exemplo, a problemática do prazer e da alegria, da dôr ou da tristeza possuam, não raras vezes, efeitos diversificados no corpo e na mente. Uma tal constatativa meta-problemática impõe a necessidade de saber como é que neurónios, sinapses, fendas sinápticas, receptores, fluídos transmissores, mitocondrias ou células gliais produzem fenómenos mentais ou, por outras palavras, como é que o cérebro funciona para produzir estados mentais conscientes, visto os seus elementos neuro-anatómicos não serem eles próprios conscientes. Porém, o produto da sua acção ou trabalho é consciente, visto eles efectuarem um tratamento da informação extremamente sofisticado, recolherem abundantes conjuntos de sinais de outros neurónios nas suas sinapses dendriticas e, tratando tais informações a nível do seu corpo celular, reenviam-as para outros neurónios através das suas sinapses axonais, originando, assim, o pensamento, e este é um processo essencialmente mental, significando isto que o cérebro normal do ser humano possui características neurobiológicas específicas, sendo, por isso, também específicas as recíprocas e mútuas interacções e retroacções entre cérebro individual e mente pessoal, fenómenos que, afastando a hipótese do dualismo cartesiano, evidenciam a unidade do processo cérebro-mente, cooperando para alcance ou concretização de objectivos comuns, visto, na sua essência, sendo a mente produto do corpo-cérebro, é a mente que se torna a planificadora, a orientadora e a estimuladora do cérebrocorpo. Ora, sendo o ser humano constituído por um corpo, um cérebro e uma mente, interdependentes, indissociáveis e inseparáveis, correlacionadamente activiadores ou asfixiadores eles são constituintes da mesma unidade. O corpo, através do sistema nervoso central, desenvolve funções superiores como: raciocinar, falar, imaginar, executar, mas, por outro lado, tais funções não se desenvolvem sem a existência da mente, inseparabilidade que faz com que se torne impensável conceber a mente sem o cérebro e o cérebro sem organismo ou corpo, o qual origina a actividade do cérebro, processo de interdependências e vivências, facto da actividade mental e efeito específico da actividade do cérebro, o qual, por sua vez, interdepende da actividade global, nomeadamente de seu património genético, emocional, afectivo e ambiental. A interacção de tais agentes patrimoniais, constitutivos de uma determinada biotipologia orgânica e caracteriológica, alicerça marcos activadores de estruturas e 25 de dinamismos neurofisiológicos, propulsores de identidades mentais, marcadores de recíprocos e interactivos desenvolvimentos dos estados neurofisiológicos e dos estados psíquicos, visto estes efectuarem inter-relações ascendentes e descendentes, isto é, de nível inferior e de nível superior e originarem, por tais processos, a identidade individual de cada um, mútua e reciprocamente interactuante e mobilizadora dos processos cerebrais e processos mentais. A razão de ser de uma tal unitária funcionalidade enraíza a sua causalidade no facto de que, emergindo a mente dos processos cerebrais, esta está para o cérebro como o cérebro está para os códigos genéticos do organismo. Por isso, os produtos das funções da mente: consciência, subjectividade, intencionalidade, desejos, certezas ou incertezas, interagem sobre os estados neurofisiológicos do indivíduo e os estados neurofisiológicos interagem sobre os estados mentais. CAPÍTULO II 26 FUNÇÕES DO CÉREBRO E SUAS INTERFUNCIONALIDADES CEREBRAIS Sendo todo e qualquer ser humano uma realidade biossóciopsicológica única, indivisível e diferente de todos os outros seres humanos, também os seus comportamentos, raciocínios, imagens e associações são diferentes uns dos outros, bem como são únicas e individuais tanto as suas individualidades como as suas identidades, e isto porque os seus cérebros também são únicos e singulares. Porém, o ser humano, impregnado na sua natureza pelas próprias experiências individuais, por seus comportamentos de imitação e pelos mecanismos e processos sócioculturais de seus próprios meios, está acentuadamente marcado para a acção, isto é, para atitudes ou comportamentos de intervenção sobre os meios, os outros e sobre si mesmo, o que provoca mudanças, mutações ou rupturas nos mecanismos ou processos em curso. A maior ou menor envolvência de um indivíduo em tais acções, em suas características e objectivos interdepende não só das vaIorizações sócio-culturais do meio em relação a tais atitudes ou comportamentos, mas, também, da força emocional que o mesmo indivíduo investe nelas. A conjugação do investimento da força emocional com as vaIorizações que o indivíduo efectua em relação às dinâmicas sócio-culturais de seu próprio meio, criam nele hierarquias de soIicitações e de necessidades que impregnam, em si mesmo, esquemas de acção, de atitudes e de comportamentos que o conduzem à dinâmica de desenvolvimento e de evoIução, de complementaridade e aperfeiçoamento. Um tal sequencial processo de activação e dinamização, de exteriorização e de interiorização conduz o indivíduo, ser biosóciopsíquico, à possibilidade de viver em homeostasia funcional, caracterizada pela permanência do equilíbrio e lenta adaptação às variáveis do meio, apesar de, não raras vezes, estas serem aceleradas. Isto porque, graças aos potenciais auto-reguladores do cérebro do indivíduo, os seus sensores detectam as mudanças e, simultaneamente, podem corrigir os desequilíbrios e criar ou elaborar as necessárias adaptações através de um sequencial processo de desenvolvimento de estímulos e motivações, impulsos e necessidades. Os sensores, formados por certas células localizadas no hipotálamo e na área pré-óptica, localizada na frente do hipotálamo, geram funções de equilíbrio e de adaptação, de acção e de comportamento progressivo, de estímulos motores e sensoriais, factores essenciais para reconhecimento do próprio eu ou identidade corporal. Isto porque tanto as captações como as informações sensoriais não se efectuam de forma passiva mas processam-se através de mecanismos de interacções não necessariamente lineares, que acompanham os processos e as entradas dos estímulos através dos órgãos dos sentidos até às correspondentes respostas efectuadas pelos processos bioneuropsicológicos. Esta entrada da informação sensorial é influenciada não só pelas variáveis dos contextos sócioambientais e culturais, pelas atitudes pessoais do indivíduo, por seu potencial de codificação e pelo estado ou valorização do emocional individual. Estes sistemas de processos e mecanismos sensoriais de natureza bioneuro-psíquica interligam-se e interagem com várias áreas da estrutura cerebral, de 27 maneira particular ao nível de córtex e de sub-córtex como se constata, por exemplo, através de um simples movimento de mão, o qual mobiliza sistemas neuronais e activa sequências e estruturas motoras que, do cérebro, se expandem para as fibras musculares do braço e da mão. No entanto, se um tal movimento em vez de ser efectuado com a mão direita fôr com a esquerda os sistemas de neurónios mobilizados já não são os mesmos que foram mobilizados com a mão direita. Uma tal problemática é de capital importância nos processos de desenvolvimento das estruturas de um ser humano, visto o tipo, a forma e a maneira das captações e informações sensoriais, as variáveis dos contextos sociais e culturais condicionarem, de forma acentuada, as futuras dinâmicas e disponibilidades das próprias estruturas neurocerebrais de um indivíduo. Tais condicionamentos não interdependem unicamente da informação genética recebida mas também de seus processos de maturação neurobiológica, desenvolvimento emocional, maturidade psico-afectiva e variáveis familiares, ambientais e sócio-culturais dos meios. Um tal processo de intrincado e complexo desenvolvimento constata-se, por exemplo, na análise do desenvolvimento de um bebé que, desde o seu nascimento, apresenta-se com reflexos mútuos de sucção e de precisão e, mais tarde, sente-se marcado pela reacção circular de pega-e-larga um objecto, de repetir um som, vindo a reagir, mais tarde, neuromuscularmente, a estímulos de outros órgãos dos sentidos tanto directa como indirectamente. Os seus reflexos primitivos iniciais passam, então, a ser condicionados por actividades que emanam não só de si mesmo mas também da acção do meio. Um tal desenvolvimento sensorial e motor da criança incide, inicialmente, sobre si mesma, e, em seguida, tal incidência recai mais sobre os objectos, as coisas, as pessoas, os acontecimentos e as interacções. É a sua necessidade de explorar o mundo dos objectos, de imitar e representar. Um tal comportamento é acentuadamente marcado pelo seu potencial emocional e afectivo e, através de tais factores, vai exercitando o desenvolvimento das suas sensibilidades, dos seus órgãos sensoriais e motores, bem como dos seus mecanismos de reacção, desenvolvendo os gestos e os movimentos, as sensibilidades próprioceptivas e extroceptivas bem como sistemas de relações que diferenciam uma criança da outra. Uma tal diferenciação, constatada no universo dos bebés, evidencia o facto que todos os comportamentos dos indivíduos têm alicerces em suas estruturas e dinâmicas bioneurológicas conaturais à espécie, mas, as suas atitudes psicocomportamentais não serão condicionadas por tais estruturas, visto o ser humano ser um ser antropológico e social, psicológico e cultural, afectivo e emocional e estas dimensões não só podem modificar as estruturas iniciais mas também aperfeiçoá-las, desenvolvê-las e corrigi-las. É que, sendo o cérebro humano impregnado por todas estas dimensões, bem como por todas as suas múItiplas, complexas e interactivas relações e retroacções, sabe-se, desde Auguste Conte, que a função e a estrutura não se separam e, sabendo-se que o diencéfalo "regula" a função, a funcionalidade do cérebro humano perpassa não só as estruturas do cérebro, mas também o conjunto das suas acções, actividades e produtos, o que faz com que um simples acto ou atitude comportamental do indivíduo possa possuir múItiplas e variadas abordagens, análises ou interpretações como, por exemplo, a simples abordagem biológica, psicocomportamental, fenomenológica, psicológica, cognitiva, antropológica, cultural, psicanalítica, etc., etc.. A complexidade de uma tal dinâmica comportamental assenta, essencialmente, na hipercomplexidade do interaccionismo corpo-cérebro, visto da sua unidade neurobiológica emergir potenciais cujos desenvolvimentos, vivências e 28 experiências metamorfoseiam-os, desenvolvem-os e transformam-os em aptidões, faculdades e capacidades, como sucede, por exemplo, desde os mais primórdios da existência humana em que o cérebro fetal integra sensações e, progressivamente, após o nascimento, processa-as em sensações próprioceptivas (quinestésicas, vestibulares e tácteis) e em sensações exteroceptivas (visuais e auditivas), emergindo percepções, representações e imagens que originam respostas adaptativas. Estas respostas adaptativas, essencialmente de natureza motora, organizam e desenvolvem o cérebro, reorganizam-o, estruturam-o e reestruturam-o segundo sequenciais que emergem, por um lado, da própria elasticidade do cérebro e, por outro lado, dos estímulos, motivações e solicitações dos próprios meios. Com efeito, o astronómico número de neurónios que um cérebro humano possui, bem como a sua distribuição e sistemas, nas suas respectivas interacções com os factores dos meios e dos ambientes, produzem múItiplas e acentuadas biodiversidades, não só nas suas estruturas cerebrais, mas, também, nas suas funções e dinâmicas de interfuncionalidades. É que, na realidade, o cérebro humano possui uma extraordinária plasticidade, uma enorme capacidade para se auto-renovar, para ser estimulado, desenvolvido e adaptado às necessidades e solicitações dos meios e ambientes, desde que seja alimentado positiva e convenientemente com estímulos e motivações, solicitações e processos educativos apropriados, de maneira particular através das suas fontes fundamentais de bioenergia como sejam, por exemplo, as proporcionadas pelos órgãos dos sentidos: visão, audição, olfacto, tacto, gosto e pela própria pele. Esta intrínseca e profunda necessidade da natureza próprioceptiva de um indivíduo de ser estimulada pelos factores extroceptivos deve-se à objectiva evidencia de que o mundo exterior não só estimula o desenvolvimento da dinâmica cerebral mas também molda a sua própria arquitectura. Com efeito, os trabalhos de Pete Huttenlocher, (1996), Professor na Universidade de Chicago, conseguiram mostrar a espantosa mas também hipercomplexa capacidade do cérebro humano ao conseguir, pela primeira vez, contar as sinapses, isto é, as linhas comunicacionais que permitem que as células do cérebro comuniquem umas com as outras. Através de amostras de cérebros humanos recolhidas em autópsias constatou que numa massa cerebral de um feto de vinte oito semanas havia, pelo menos, cento e vinte e quatro milhões de sinapses. Com idêntico trabalho, numa amostra de massa cerebral de um recém-nascido, havia duzentos e cinquenta e três milhões de conexões sinápticas e num bebé de oito meses o número elevava-se a quinhentas e setenta e dois milhões de sinapses. A velocidade do desenvolvimento de tais redes comunicacionais é vertiginosa e faz com que o cérebro, no seu todo, atinja cerca de mil triliões de conexões nos primeiros anos de vida. A partir dos sete anos de idade, o número das conexões vai desaparecendo e, na idade adulta, um cérebro humano normal permanece aproximadamente com cem biliões de células e quinhentos triliões de sinapses. Constata-se, porém, que os neurónios, as células e as sinapses desenvolvem uma espécie de competitividade entre si, e, aquelas que não estabelecem conexões morrem, e isto, de maneira particular até aos dez anos de idade, visto o cérebro, entre os quatro e os dez anos, ser hiperactivo, demonstrando-se, assim, que existem períodos críticos do desenvolvimento em que o cérebro necessita da estimulação adequada do mundo exterior para que as suas células saibam o que devem fazer. A recorrente e dinâmica interdependência funcional das células cerebrais fazem com que o cérebro deva ser visto e analisado como um todo, embora anatomicamente, se encontrem zonas mais demarcadas que outras, como sucede, 29 por exemplo, com o que a anatomia descreve como núcleo central, sistema límbico e hemisférios cerebrais descritos de forma concêntrica. Por tal facto, o núcleo central inclui a maior parte do tronco cerebral, o primeiro alargamento da coluna espinal, que penetra no crânio e controla a respiração e alguns reflexos que ajudam o organismo a manter-se numa postura erecta. 0 cerebelo coordena os movimentos e o sistema límbico, encontrando-se à volta do núcleo central, está intimamente ligado ao hipotálamo e controla ou regula certos comportamentos que emanam do tronco cerebral e do hipotálamo, permitindo, assim, que o organismo humano seja flexível e adaptável às mudanças dos meios e dos ambientes. 0 hipocampo, parte integrante do sistema límbico, exerce funções essenciais sobre a memória recente e o sistema límbico em geral é a sede essencial das emoções tanto positivas como negativas. Os hemisférios cerebrais, constituindo, propriamente, o denominado cérebro humano ou, simplesmente, o córtex cerebral, é constituído por corpos celulares nervosos e fibras desmielinadas, recebendo, por analogia, o nome de “massa cinzenta". Por baixo do córtex, isto é, no seu interior, existe acentuada massa de axónios mielinizados e possui uma côr branca. Por isso, o córtex é a zona principal das associações, da memória, do pensamento e da linguagem. No entanto, sendo o córtex humano essencialmente dominado pelo hemisfério direito e hemisfério esquerdo, estes possuem uma profunda divisão entre eles. Cada hemisfério, anatomicamente, é dividido em quatro lobos, isto é: o frontal, o parietal, o occipital e o temporal e constituem as zonas essenciais da visão, da audição, da motricidade, da somatossensorização, da percepção, da associação e do pensamento. No entanto, embora uma análise superficial dos dois hemisférios cerebrais revele simetria entre eles, as análises mais pormenorizadas manifestam reais assimetrias. Em tais análises o hemisfério esquerdo apresenta-se quase sempre maior que o direito, apresentando-se este, simultaneamente, com muitas fibras neuronais longas, as quais conectam áreas amplamente separadas do cérebro enquanto a estrutura do hemisfério direito contém muitas fibras mais curtas e geram interconexões dentro de uma área limitada. Porém, apesar dos dois hemisférios cerebrais encontrarem-se separados por ampla faixa de fibras nervosas (corpo caloso) elas efectuam as interconexões entre um hemisfério e outro. No indivíduo normal todas as partes do cérebro funcionam de forma harmoniosa e integrada. 0 corpo caloso, ponte de conexão entre um hemisfério e o outro, encontra-se, de uma forma geral, topograficamente situado, no sexo feminino, mais profundo que no masculino e, se o hemisfério direito controla o esquerdo, o esquerdo o direito. Apesar disso, no entanto, embora o resultado da evolução filogenética e ontogenética do cérebro humano tenha feito do córtice pré-frontal o pódio das capacidades superiores do ser humano, nomeadamente do pensamento e da linguagem, a sua interfuncionalidade harmoniosa implica intercolaboração e cooperação de todas as restantes áreas como sucede, por exemplo, com a necessária colaboração entre a amígdala e o córtice pré-frontal. Ora, sendo a amígdala um complexo nuclear, situado na parte média e inferior do cerebelo, por isso, numa região subcortical, ela faz parte do sistema límbico e interconecta-se, mútua e reciprocamente, com o hipocampo, com o tálamo e com hipotálamo. Intervém na elaboração, no controlo e orientação das emoções, as quais são de importância capital para o equilíbrio, para o equilibrado funcionamento psicossomático do indivíduo, operacionalidade da acção e do trabalho, para os 30 equilíbrios psico-comportamentais e os dinamismos auto-reguladores da mente. É que, sendo as emoções desencadeadas pela amígdala e outras áreas do sistema límbico, orientadas equilibradamente para o córtice pré-frontal, este não necessitará de investir grande parte do seu potencial energético em controlar, filtrar ou seleccionar um tal potencial. Isto porque, sendo os lobos pré-frontais os coordenadores das informações sensoriais e das emoções, os seus registos, análises, selecções e integrações necessitam de energias para, através dos seus circuitos sequênciais, gerarem as respostas ou as reacções adequadas. Estas recíprocas interacções entre cérebro emocional e cérebro racional conduzem os lobos pré-frontais a seleccionarem, de entre as múltiplas reacções ou respostas possíveis, a melhor, de acordo com as circunstâncias, as contingências ou os meios. Porém, sendo o córtice pré-frontal, o gestor das emoções, quando este não se mobiliza ou activa a vida mental permanece invadida pela acção emocional. A anterior descrição revela que a cartografia do cérebro, embora possua regiões mais preponderantes que outras, deverá ser concebida como um todo, pois se as lesões, em certas regiões, implicam danos ou efeitos negativos, noutras também a sua integridade e homeostasia funcional implicam positividade em todo o cérebro. A maravilhosa autoplasticidade do cérebro faz com que todas as suas dimensões corporais, motoras, emocionais, endócrinas, intelectuais e racionais ajam e interajam coordenada e harmoniosamente. Esta contínua e permanente recorrência interfuncional das dimensões, potências e capacidades do cérebro humano sugerem, apesar da existência de anatomopatologias neurocerebrais, como sucede, no caso das trissomias, a desvalorização do inato e a valorização do adquirido, como muito bem foi sugerido por René Zazzo, em “Les gemeaux, le couple et la persone”, solicitando a gémeos provas de uma não-identidade que se apresenta como desafio ao determinismo da hereditariedade e do meio. Porém, apesar das evidentes probabilidades e análises constatativas se inclinarem para a propensão evidenciadora da acção do meio sobre a estrutura genético-hereditária do indivíduo, o estudo das leis, das normas e dos processos da epigénese (efeitos das interacções ontogénese e filogénese) encontram-se ainda em estados embrionários e incipientes. Define-se epigénese como o conjunto de processos e de acontecimentos no desenvolvimento de um indivíduo que intervém e deixam traços acentuados no desenvolvimento da sua ontogénese, de maneira particular naqueles que não são expressão directa dos programas genéticos e conferem ao indivíduo uma individualidade própria e uma singularidade específica. De facto, há mais de dois mil e quinhentos anos, Demócrito escreveu que "tudo acontece por acaso e por necessidade". Charles Darwin, no estudo da evolução natural das espécies, constatou que uma das causas da evolução era o conjunto das mutações genéticas aleatórias e que algumas dessas mutações aumentavam a probabilidade de melhorar a qualidade das espécies ao atingirem o estado adulto e terem descendência. Jacques Monod, no seu célebre livro "0 acaso e a necessidade", demostra, que nos processos de evolução, o acaso vence largamente a necessidade, e, segundo ele, "nada predestinava a vida a aparecer sobre a terra e o ser humano a emergir do mundo animal". Prigogine, por seu lado, vai mais longe e pensa que já não há leis, mas sim unicamente probabilidades, visto a matéria ser instável e o universo ser uma história. Por isso afirma: "0 nosso mundo físico não é um relógio, mas sim um caos imprevisível. Todas as teorias deterministas baseadas no encadeamento necessário das causas e das consequências são 31 progressivamente substituídas por estatísticas". Por isso, para este autor, reacções químicas em condições de não-equilíbrio, podem provocar o aparecimento espontâneo de estruturas que apresentam uma certa ordem, pois é consoante o tipo de perturbação aleatória, que o sistema químico sofre no momento em que se torna instável, assim surge um outro tipo de organização. 0 desenvolvimento do sistema faz-se por uma sucessão de perturbações aleatórias, isto é, pelo aspecto caótico e pela emergência de novas organizações cada vez mais complexas, o que gera o aspecto da ordem. Segundo Prigogine a vida nasceu de acasos da selecção natural e progride no sentido de uma maior organização e maior complexidade, sendo, por isso, pouco provável que toda a informação necessária à formação de um sistema vivo esteja codificada a nível do ADN, mas simplesmente, o que parece codificado, é ser um mecanismo universal de desenvolvimento e de evolução, que se auto-organiza por auto-aprendizagens em função das interacções com o meio e isto a todos os níveis. Um tal conjunto de estudos e de descobertas a efectuar, revelando de uma ciência Sócio-bio-neuro-psicológica, ainda por implementar, manifesta a existência de impregnâncias do meio e de penetrância incompleta nos factores genéticoshereditários. É que embora duas pessoas, por exemplo, possuam os mesmos gènes activadores, existem traços caracterizadores numa e não na outra, o que a pode tornar com um comportamento muito mais multifacetado e variável, tanto a nível social como mental ou psicológico e, por tal facto, com maiores ou menores interacções com os meios, com os ambientes, com as culturas ou com os próprios saberes. Uma tal factual realidade demostra a existência de uma inseparável triologia: gènes - meio - cultura na coevolução e formação dos comportamentos do indivíduo. Das interacções das células neuronais com os meios, estes efectuam um constante bombardeamento daquelas e estas agem, reagem e interagem de forma imprevisível à própria mente, o que faz com que os anteriores padrões neuronais se modifiquem de forma imprevista e imprevisível, não só em relação aos anteriores padrões comportamentais mas também em relação às opções de escolha, visto a estrutura do organismo humano e de seus dinamismos neurofuncionais não serem simplesmente de natureza material ou física. Por isso, a própria natureza neurobiológica do ser humano pode continuar a acreditar no seu livre arbítrio, nas suas capacidades de mudança e de adaptação, de sociabilidade e de aculturação, sem jamais se poder enquadrar numa natureza física, num simples movimento de corpos ou numa justaposição de moléculas. Daí o facto, da investigação-acção em genética, biologia, sociologia e psicologia revelarem que gènes, neurónios, social e mental interagem mútua e reciprocamente, e, de tais interacções resultam indivíduos únicos, singulares e inseparáveis, e isto tanto dos efeitos dos seus gènes como dos efeitos dos seus meios, ambientes ou culturas. Daí a intrínseca e profunda necessidade de se investigar acerca das interacções, reciprocidades e influencias bio-neuro-culturais como agentes desenvolvedores da mente individual e colectiva, dos raciocínios, dos pensamentos e criação das próprias culturas. Apesar disso, e, da inseparável existência entre gènes e cultura, a interligação possui elevadíssimo grau de flexibilidade, a tal ponto que, se a mente individual pode absorver continuamente parte integrativa da cultura, por outro lado, os gènes do indivíduo escrevem regras de assimilação, de interiorização e de desenvolvimento cognitivo das partes, das dimensões ou do conteúdo dessa cultura, o que faz com que o indivíduo possua apenas uma mente, diferenciada de todas as outras mentes, em forma, dimensão e conteúdo; em comportamento e acção, em 32 constituição e determinação, efeitos das regras ou estruturas epigenéticas herdadas pelo cérebro do indivíduo e sujeitas às regras da mutabilidade, em função das acções do meio, dos ambientes e das culturas, as quais possuem tanto maior influencia quanto mais os seres vivos se elevam e se hipercomplexificam na escala ou hierarquia da organização do biológico, o que faz com que, no vertente caso do ser humano, este se sinta propendente para o bem e para o mal, para o positivo e para o negativo de seus gènes e de seus sistemas ambiento-culturais. Isto porque cultura é um produto das ideias, padrões e valores em que um indivíduo nasce, cresce, desenvolve-se e amadurece. É um conjunto de símbolos, atitudes e de comportamentos criados pelas interacções de mentalidades de um determinado meio, tempo ou época, e cujos objectivos imediatos são, de maneira particular, os da acomodação e da integração de uma parte desse sistema (indivíduo) no seu todo funcional, isto é, na comunidade ou sociedade a que ele pertence. A partir da dinâmica de uma tal envolvência, embora a cultura, remotamente, emirja da acção dos gènes, estes passam a influenciar, de modo muito relativo, a acção, dinâmica ou proliferação do cultural, a ponto de poder afirmar-se, em sentido antropológico e sócio-psicológico, que todo o cultural emerge da própria natureza e dinamismos da cultura. A cultura humana, no entanto, jamais alcançaria os actuais e posteriores níveis de evolução e de enriquecimento, de construções e de saberes se os seres humanos não possuíssem a natureza, a quantidade e a qualidade, a dinâmica e a potencialização dos gènes e cromossomas que possuem. É por isso que, a nível cognitivo e mesmo comportamental, os seres humanos poderão permanecer a nível dos macacos-chimpanzés, mas os macacos jamais poderão ascender ao nível dos seres humanos normais. Para tal bastaria efectuar uma análise comparativa entre o comportamento de um chimpanzé em idade madura e o comportamento de um bebé de três anos em que este surpreenderia tudo e todos através das suas atitudes e comportamentos de imitação, acomodação e integração em novos meios, ambientes e culturas, recriando, em si mesmo, novos, contínuos e diferenciados padrões de actividade cognitiva e, por isso, neuronal, implicando, assim, a existência de novas e diferentes conexões entre o sistema límbico e o sistema cortical, interconexões que agem com o cultural e geram não só a sociogénese, mas também originam o seu respectivo desenvolvimento, a interactuação e proliferantes efeitos a nível do social e do cultural, do cognitivo e do mental. De facto, embora milhares de gènes circunscrevam os processos fisiológicos, o sistema sensorial e o sistema cerebral de um indivíduo, a forma e a acção do ambiente, do social e do cultural fazem com que o cérebro humano produza as propriedades da mente e da cultura, do saber e da acção comportamental humana. Daí o facto do ser biologicamente humano só se tornar verdadeiramente humano através das muItifacetadas, constantes, permanentes e recíprocas interacções hereditariedade-meio. Este recíproco interaccionismo gènes-ambiente-cultura desencadeia variáveis comportamentais diferentes, quando o portador de idênticos gènes reage diferentemente às situações do ambiente ou da cultura, o que faz com que tais diferenciadas reacções ao meio familiar, ambiental ou cultural desenvolvam, em tal indivíduo, uma personalidade diferente daquele que não reagiu de forma idêntica ou similar. Os conaturais efeitos de uma tal personalidade, de suas constelações de estímulos, de envolvimentos e de motivações farão com que uma tal personalidade, em desenvolvimento, efectue padrões neuronais, comportamentais e sociais face a si mesmo e aos outros, à cultura e à sociedade em geral muito diferentes dos do 33 indivíduo que não reagiu de idêntica forma, o que faz com que aquele, em relação a este, ou o contrário, possua quocientes de inteligência superior, níveis mais elevados de adaptabilidade e de integrabilidade, bem como graus de flexibilidade e maleabilidade mental e comportamental muito superiores. No entanto, apesar da existência das linhas gerais de uma tal funcionalidade, parece não haver dúvida que herdamos dos nossos progenitores e antepassados certos traços neurobiológicos, que nos fazem ver, sentir e percepcionar o mundo de certa maneira e aprender certos comportamentos de preferência a outros. Apesar disso, uma tal hereditabilidade já não emana unicamente dos gènes mas sim de gènes aculturados, isto é, de marcadores de propensão para inventar e transmitir certos tipos de elementos de preferência a outros, fenómeno genéticocultural que, Martin Seligman (1972), denominou de "aprendizado preparado" ou de predisposição para certo desenvolvimento, pretendendo, com isto, afirmar que os seres humanos estão inatamente preparados para aprender certos comportamentos e predispostos para rejeitar outros, comportamentos que, no entender do anterior cientista, constituem uma subclasse das regras epigenéticas de um indivíduo, visto tais regras compreenderem todo o conjunto de regras herdadas pela anatomia e fisiologia do crescimento, da cognição, das atitudes e dos comportamentos. Tais regras são, em síntese, como os algoritmos do crescimento e da diferenciação que criam ou originam a plena funcionalidade de um ser humano, fazendo com que este se adapte, sobreviva, se reproduza e se aperfeiçoe. Embora existam evoluções progressivas nas regras epigenéticas do ser humano, a título de conveniência intelectual, poder-se-á distinguir regras epigenéticas primárias e regras epigenéticas secundárias. Fazem parte das regras epigenéticas primárias os processos automáticos que se estendem da filtragem e da codificação de estímulos nos órgãos dos sentidos até à percepção de estímulos no próprio cérebro. Constituem regras epigenéticas secundárias os processos de integração de grandes quantidades de informações, certos fragmentos de percepções, de memória, bem como certos coloridos emocionais, que conduzem a mente a decisões prédispostas, através da escolha de certos gènes e reacções manifestas de preferência a outras. É natural que existam certos níveis intermediários entre as regras epigenéticas primárias e as secundárias, os quais fazem com que regras primárias complexas mudem gradativamente para regras secundárias mais simples. Face ao exposto anteriormente não há dúvida de que tanto o desenvolvimento do organismo humano como o da mente é reciprocamente influenciado pela acção dos gènes, do ambiente e da cultura, constituindo-se, assim, predisposições para padrões de actividade cerebral, tanto a nível espacial como verbal, tanto sensorial como lúdico, tanto perceptivo como emocional. Os efeitos comportamentais de tais predisposições cerebrais ditam aos gènes quais deles devem perecer, sobreviver e multiplicar-se de uma geração à outra, o que faz com que as regras epigenéticas se alterem tanto no seu direccionamento como na sua eficácia, tanto no potencial de aquisição cultural como no de interiorização dos saberes, fenómenos geradores da multi-bio-diversidade e das proliferações das multiculturalidades desencadeadas, em sua base, pela multifuncionalidade das regras epigenéticas dos indivíduos. No seio de uma tal dinâmica epigenética, o cérebro do indivíduo procura, permanentemente, significados, bem como relações e interrelações entre objectos e suas qualidades, que, atravessando os sentidos, fornecem informações ao cérebro sobre a existência exterior, o que, em consonância com um tal tipo e qualidade de captação, faz com que o cérebro seleccione uma linha de acção de preferência a 34 outra e, por tal facto, faça com que o comportamento de um indivíduo emirja do seu todo e não de simples agrupamentos de células ou constelações de neurónios, mas sim das interacções sociais do indivíduo com o somatório das suas emoções e percepções, intenções individuais, ambientais, sociais e culturais, dimensões activadoras e dinamizantes do bipolar processo gènes-cultura e cultura-gènes. I - DINAMISMOS NEUROCEREBRAIS NOS PROCESSOS DE INTERACÇÃO COM OS MEIOS Sendo um facto que o potencial genético-hereditário de um indivíduo influencia o seu desenvolvimento biológico e psico-caracteriológico idênticas evidencias não aparecem, de forma alguma, nas dimensões comportamentais, psicológicas, emocionais, afectivas e intelectuais do mesmo indivíduo. É que, na realidade, sendo os gènes segmentos de moléculas do ADN, que armazenam informações, o resultado final de um tal potencial informativo, é poligénico, isto é, efeito de muitos e incontáveis gènes que agem e interagem em conjunto, o que lhe confere flexibilidade, impregnância e penetrabilidade dos efeitos das acções dos meios, dos ambientes, das culturas e das civilizações a que o indivíduo pertence, o que faz com que ele se transforme num efeito da sua génese hereditária, em permanente e interactivas relações com suas heranças e factores dos meios combinados com seus efectivos potenciais de acção, de envolvimento, vontade, raciocínio e razão. É que a normalidade cromossomática transmite características físicas como altura, estrutura óssea, côr dos olhos, etc, mas não estabilidade emocional, força de acção, potencial afectivo ou bioenergia mental. Não há dúvida, no entanto, que esse variável potencial das faculdades superiores do ser humano possui os seus alicerces nas suas estruturas neuronais, através das quais desencadeiam o seu potencial sensorial, motor, emocional, afectivo, cognitivo e mental que, por sua vez, estimulam, reforçam, condicionam, moldam ou determinam não só a estrutura do cérebro, mas, também, o desenvolvimento das suas funções, bem como do seu potencial cognitivo e mental. A nível de captações dos estímulos pelos neurónios, oriundas do exterior, aquelas são extremamente variáveis, não só em quantidade mas também em qualidade e, de maneira particular, em intensidade. Mesmo no caso de idênticas captações ou recepções, os seus efeitos são utilizados pelos indivíduos das mais diversas maneiras em função de condicionalismos sociais e culturais; de dinamismos emocionais, de estruturas afectivas e gratificações pessoais. Por tais razões, os efectivos potenciais de acção das estruturas neuronais de um indivíduo agem e manifestam-se de forma relativa, de maneira diferenciada e subjectiva. A própria acção dos neurotransmissores e neuroreceptores, não só devido a processos bioquímicos mas também a condições psicológicas e factores do meio, pode converter estimulações em inibições. Daí o facto do aparelho neurocerebral do ser humano, essencialmente, na sua base neurofisiológica, constituída por processos bioquímicos, gerar, graças aos canais de iões e bombas de iões, encaixadas na membrana celular dos neurónios, canais constituídos por moléculas de proteínas, que formam poros na membrana celular e regulam o fluxo dos iões electricamente carregados, criar e desenvolver imagens, pensamentos e raciocínios, psiquismo, mente e intencionalidade como efeitos das suas interacções relacionais 35 com os factores e agentes do meio. Em seguida, processos psíquicos e mentais agem e retroagem com os processos bioneuronais do indivíduo e, reciprocamente, se estimulam, influenciam e motivam, desinibem ou inibem, variáveis constituintes e desenvolvedoras ou inibidoras de imagens, de unidades mínimas de informação ou de mapas mentais, que integram, criam, desenvolvem ou associam novas unidades de informação, da recordação ou espaços de armazenamento que, embora sejam acentuadamente reforçados pela vontade pessoal, deveriam encontrar seus desenvolvimentos naturais no respeito pelas normas, leis e propensões conaturais da cartografia mental de cada um, reflectindo, então, a acção natural das redes de comunicação interneuronais, as características do cérebro e do pensamento de cada um. Evidenciando o anterior que o pensamento humano emerge das activas redes de interacções efectuadas entre neurónios, moléculas e iões dinamizados pelo aparelho neurobiológico do ser humano no seu todo, tais hipercomplexas e repercursivas interacções demostram que estas, se o são, podem deixar de ser o que são, podem ser modificadas, alteradas ou mesmo inibidas e que, embora haja inseparabilidade entre corpo e mente, o corpo não gera determinismos rígidos no pensamento ou na mente, apesar de não deixar de ter o seu interesse recordar que os estados dos processos cerebrais, em que o indivíduo se encontra, reflectem-se sensivelmente na criação dos estados mentais, bem como nos estados neurofisiológicos e motores como acontece, por exemplo, em situações de medo, de raiva, de fracasso, dôr, insucesso, sucesso, optimismo, esperança, prazer, relaxamento, etc., factos comportamentais que demonstram a existência de uma indesmentível reciprocidade comportamental entre corpo, cérebro e mente e de cujas recíprocas interacções emerge o eu individual, sede central da consciência e lugar de manifestações do inconsciente, parte integrante do próprio eu. Ora, sendo o Eu resultado das interacções: corpo, cérebro e meio, o eu não pode existir separado do corpo e o corpo não sobrevive muito tempo sem o eu. É de uma tal inseparabilidade e estrita, mútua e recíproca interdependência que emerge a mente, o pensamento e a consciência. Daí o facto da mente necessitar da hipercomplexa acção de funções, interactividades e retroacções de todas as partes do cérebro, as quais, quer pela sua qualidade, quer pela sua quantidade ou intencionalidade funcional são exigíveis para sua harmonia e eficiente funcionalidade. Por isso, as áreas ou regiões do cérebro requerem funcionalidade homeostática para equilíbrio e dinâmica funcional do todo do ser humano. E isto não só a nível das relações inter e intra-hemisféricas, mas, também, do tronco cerebral com o sistema límbico, tálamo e hipotálamo, órgãos e sentidos dos órgãos. Os métodos utilizados por Penfield (1991, pág. 42-43) conduziram este famoso neurocirurgião e autor à descoberta das funções das áreas do córtice cerebral, constatando, então, que um pequeno movimento da mão estimulava a área motora, que uma sensação luminosa estimulava a área occipital da visão, que um fenómeno de afasia tocava as regiões linguísticas e que as estimulações dos lobos temporais produzia nestes “estranhas” experiências psíquicas, levando os pacientes a reviverem, como em flaches cinematográficos, fragmentos detalhados da sua própria vida. No decorrer das suas experiências e investigações descobriu que um tal flache se verificava somente quando a estimulação temporal activava as estruturas do sistema límbico, facto demonstrativo de que a mente interdepende directamente das interacções de todos os mecanismos e processos neurocerebrais. Sabe-se, no entanto, que, em sua escala de interdependências ascenden36 tes, o sistema límbico interdepende do tronco cerebral, isto é, da parte do cérebro mais primitiva e que contém os mecanismos essenciais da sobrevivência e da autopreservação. 0 cérebro emocional, dinâmica emergente do sistema límbico, desempenha funções de intermediário entre o cérebro primitivo e o cérebro racional ou o neocórtice, a parte mais recente da evolução do cérebro. Embora a evolução do cérebro primitivo, do cérebro emocional e do cérebro racional, a nível de desenvolvimento neurofisiológico, possuam diferentes fases de evolução na história da filogenética, eles possuem, entre si, hipercomplexas redes de interconexões e intercomunicações. Por isso, residindo a vida emocional no sistema límbico, de maneira particular na amígdala, situada na superfície interna dos lobos temporais, as conexões entre a amígdala (componente essencial do sistema límbico) e o neocórtice, afirmou Daniel Goleman (1995, pág. 27): “são o eixo das batalhas ou dos acordos de cooperação estabelecidos entre a cabeça e o coração, o pensamento e os sentimentos. De acordo com tais interconexões o próprio desejo ou necessidade sexual emanado do sistema límbico necessita da acção do neocórtice para o transformar em amor". As anteriores exemplificações demostram que os fenómenos neuropsíquicos interdependem dos fenómenos neurobiológicos e estes dos bioquímicos. Das interacções de todos esses fenómenos emergem os fenómenos psicocomportamentais, psico-intelectuais e também os mentais. A rendibilidade e eficiência destes últimos interdependerá de factores genéticos e hereditários normais, da activação destes através de estímulos, sensorizações, motricidades e emoções; de factores do meio familiar, social, cultural e de todos os ecossistemas que envolvem a existência de um indivíduo. É que, de facto, sendo o cérebro de um ser humano a parte mais complexa de seu sistema nervoso, pois é ele que controla o corpo e tudo o que este faz, percepciona, sente e pensa, ele recebe informações de todas as partes do corpo, processa-as e reenvia-as sob forma de mensagens para os músculos, informandoos como devem proceder, agir ou comportarem-se. 0 córtice frontal, por exemplo, controla o comportamento e as emoções; é responsável pelo intelecto, pela aprendizagem e personalidade; pelo raciocínio, pela consciência e pelo julgamento. A funcionalidade de uma tal área, que torna os homens muito mais evoluídos que os restantes animais, exige, para seu desenvolvimento, não só acções positivas e adequadas emanadas do meio e processos educativos adequados, mas, também, vastas e ricas constelações de estímulos sensoriais e perceptivos, emocionais e afectivos. É, de facto, através dos sentidos que se percepciona e se conhece o mundo que nos rodeia, é através deles que o indivíduo produz sensações e sentimentos, é através deles que estimula a imaginação, cria representações e constrói imagens; comunica consigo mesmo e com os outros, evoca melodias ou a voz de alguém, recorda o gosto de um alimento ou se move em relação a lugares determinados; evoca recordações e cria associações, pensa ou reflecte, imagina ou cria. Um tal conjunto de representações ou de imagens mentais constitui acentuado pendor para a eficiência e para o êxito tanto social como escolar, tanto profissional como individual. E isto apesar de tais imagens constituírem o epicentro da subjectividade de cada um. É uma tal subjectividade, constituída pelo conjunto de representações ou imagens que cada um possui, que está na origem da elaboração de seus próprios mapas mentais e que, por sua vez, alargam ou redimensionam, estimulam ou asfixiam o desenvolvimento de tais imagens, que se tornam não só parte integrante 37 da autoconsciência mas também constituintes essenciais da produção de factos e fenómenos conscientes, os quais, por sua vez, se intercomunicam aos dois hemisférios cerebrais, estimulam ou não o sistema límbico e dinamizam ou não dinamizam o tronco cerebral, apesar de tanto o sistema límbico como o tronco cerebral possuírem necessidades dos efeitos das interacções dos dois hemisférios, isto é, necessidades de ritmo, de percepção global e espacial, de repercussões das côres, de imaginação, de reactivações das dimensões; de sequências, de linearidades, de lógicas, de números, de palavras e de análises para que das interacções de tais produtos e de seus efeitos, nas mais diversas áreas cerebrais, se originem pensamentos irradiantes e raciocínios divergentes, criadores e criativos, o que deverá, inter e retroactivamente, activar, enriquecer e aperfeiçoar tanto a percepção física como a psíquica, tanto a percepção emocional como a mental, fontes essenciais de alimentação das células cerebrais, de activação das conexões e de interactuações das informações genético-hereditárias com as dos meios ambientes, interligações estabelecedoras e desenvolvedoras de activações bioquímicas e electromagnéticas criadoras de imagens facilitadoras de percursos ou vias, de esquemas neuropsíquicos e de mapas mentais, em consonância com o factor de repetição, com a compensação obtida pelo próprio cérebro e o prazer psico-emocional retido ou absorvido pelo próprio organismo, significando isto que, quanto maior for a frequência e produção de um facto ou fenómeno mental, maior será a probabilidade do seu acontecimento, visto tais factos estimularem grupos e conexões de células e, simultaneamente, suas acções combinarem-se ou permutarem-se com milhares de outras, permutações que, apesar de dependerem de indivíduo para indivíduo, jamais um ser humano foi capaz de usar todo o potencial do seu próprio cérebro. Os desenvolvimentos dos presentes processos requerem interactuação dos sentidos e dos órgãos dos sentidos: visão , tacto, olfacto, gosto e audição; do sentido do equilíbrio, aceitação e interiorização das sensações corporais, centros próprioceptivos, vivências do sensorial, bem como aceitação e desenvolvimento das representações e imagens individuais. A funcionalidade de tais dinamismos estruturais interdepende, em grande parte, da riqueza ou potencial estimulatório das veiculações informacionais, da captação e vivência das funções psicofisiológicas do organismo de cada indivíduo, visto a vitalidade e interactivação deste possuir uma acentuada interdependência da sua comunicação interior elaborada pela acção, pela impregnância e dinâmica dos elementos do meio exterior, captados, percepcionados ou sentidos pela hipercomplexidade dos órgãos dos sentidos do indivíduo, os quais possuem funções de recepção e de estimulação e podem ser órgãos exteroceptivos, que analisam as variações do meio exterior; órgãos interoceptivos, analisadores de tudo aquilo que concerne o meio interior e visceral, e órgãos próprioceptivos (musculares e articulatórios), os quais informam o sistema nervoso central da posição relativa das diversas partes do corpo que constituem a somestesia e possuem funções de natureza mecânica, química, fotográfica, térmica, eléctrica, magnética, etc.. A interactiva conjugação de tais dinâmicas dos órgãos e dos sentidos dos órgãos, geradora do conhecimento sensorial imediato, constitui, por si e para si, um manancial de fluídos e de emoções que, ainda que não sejam exteriorizadas através de imagens ou palavras, formam, em si, uma corrente de pensamento, como se demostra, através da análise da existência de intuições súbitas que, qual espécie de flache, aparecem e desaparecem de forma repentina e sem serem solicitadas, demonstrando-se, por tais experiências e vivências, que a génese e natureza do 38 pensamento ultrapassa o interactivo poder do consciente cognitivo, visto grande parte da materialidade do pensamento encontrar-se na interfuncionalidade dos sentidos, nutrientes essenciais desse grande potencial bioenergético que é o inconsciente, reservatório de incomensurável energia pulsional e afectiva, biológica e psíquica, motora e representativa, cujos dinamismos próprios exigem comunicação com o consciente através do pré-consciente. Um tal reservatório de energia, condensável e deslocável, é permanentemente alimentado, positiva ou negativamente, pelas interfuncionalidades neurofisiológicas dos órgãos dos sentidos, isto é, visão, ouvido, olfacto, gosto, sensibilidade à dôr, ao frio, ao calor, ao movimento; pelos músculos, articulações e tendões; pelas pressões e pelos contactos; pelos equilíbrios e pelas orientações e pela sensibilidade visceral, de maneira particular pela própria pele. Um tal conjunto de dados, processados de forma unitária pelo indivíduo, impregnam, estimulam e vitalizam o seu todo, e serão, em seu devido tempo e, da maneira possível, parcialmente processados por diferenciadas áreas do córtice cerebral, após a neurotransmissão efectuada e elaborada, cada qual segundo a sua natureza funcional, pelo sistema nervoso periférico e pelo sistema nervoso central, isto é, pelo sistema somático e autónomo, pela medula espinal e cérebro. 0 sistema autónomo do sistema nervoso periférico controla actividades auto-reguladoras ou independentes como, por exemplo, a circulação e a digestão, as quais não param o seu funcionamento, mesmo quando o indivíduo está dormindo ou inconsciente. 0 sistema somático, por sua vez, controla os músculos esqueléticos, as glândulas, o coração, os vasos sanguíneos, o estômago, os intestinos e recebe informações da pele, dos músculos, de vários receptores sensoriais, e é do equilíbrio das suas funções ou da sua harmoniosa interfuncionalidade que resulta o saudável equilíbrio do próprio corpo. Um tal equilíbrio corporal interdepende, simultânea e essencialmente, da acção do sistema endócrino, o qual, por meio de substâncias químicas, chamadas hormonas, controla indirectamente as actividades de grupos celulares em todo o corpo, visto tais substâncias percorrerem o corpo e agirem de variadas formas e maneiras sobre as células, que estão equipadas com receptores. A glândula pituitária, uma das maiores glândulas do sistema endócrino, constitui, em parte, uma extensão do cérebro e, localizando-se abaixo do hipotálamo, produz o maior número de hormonas, controla a secreção de outras glândulas endócrinas e controla o crescimento corporal do indivíduo. Hormonas do sistema endócrino e neurotransmissores dos neurónios transmitem mensagens entre as células do corpo e, de tais hipercomplexas redes de comunicações intercelulares, constitutivas do sistema neuronal de cada indivíduo, único, indivisível e diferente do dos outros, os seus sinais ou impulsos bioeléctricos, propagados ao longo dos axónios, em interacção com os impulsos ou sinais químicos que intervêm na comunicação entre neurónios ao nível das sinapses, originam as faculdades próprias do cérebro humano, de maneira particular a faculdade de criar e de desenvolver representações mentais, cuja matriz de especificidade dependerá das constelações de neurónios estimuladas pelas células, as quais, no momento, respondem à hierarquia dos diversificados estímulos e, tais representações, são reelaboradas pelo córtice, pelo cérebro e dão origem a operações mentais, a conceitos e raciocínios individuais, interdependentes dos estados emocionais e mentais do sujeito, visto este, num estado de equilíbrio psicoemocional, não julgar um objecto ou a realidade da mesma forma que quando se encontra num estado de depressão, de ansiedade ou de angústia. Ora, constituindo as representações, as imagens, os conceitos, as ideias e 39 os raciocínios o cerne da actividade mental de uma pessoa é intencionalidade do cérebro, nomeadamente, a do seu córtice frontal, a produção de uma tal actividade mental, à qual,sendo produto da actividade cerebral, interdepende da acção do organismo. Esta mútua e recíproca interdependência: organismo-cérebro-mente produz efeitos diferentes de pessoa para pessoa, originados não só pelas diferenciações das circunstâncias, das vivências, dos meios, dos ambientes, dos ecossistemas; dos potenciais ou disponibilidades de captação, estimulados ou motivadas por cada um, mas, também, devido aos potenciais genéticos e hereditários, bem como às estruturas e dinâmicas cerebrais próprias de cada ser humano, visto elas serem diferentes de pessoa para pessoa, como sucede, grosso modo, no caso em que o centro da linguagem, em muitas pessoas, se encontra à esquerda e noutras à direita. 0 anterior exemplo demostra que a estrutura cerebral de um indivíduo, o seu mapeamento ou a sua cartografia neuronal, dependerá de indivíduo para indivíduo, e, embora as suas actividades mentais sejam produto ou efeito de um todo, a interacção das áreas ou campos cerebrais interage mais eficientemente com os seus campos vizinhos, embora, a nível de produto final, jamais deveremos esquecer a enorme autoplasticidade do cérebro, pois toda a sua actividade mental é efeito de uma acção integrada da corporeidade, da motricidade e da afectividade; do sistema endócrino, do sistema nervoso periférico e do sistema nervoso central, conjugação hipercomplexa da qual resultam complexas faculdades de criação e de desenvolvimentos, de cartografias mentais diferentes de indivíduo para indivíduo e diferenciadas, consoante os estados de humor, de optimismo ou de pessimismo, de mentalização ou de racionalização, de imagem pessoal ou de auto-conceito individual que, por sua vez, interdependem não só dos traços psicocaractereológicos de cada um, mas, também, dos seus níveis ou estados emocionais e afectivos, de prazer ou de desprazer. Daí o facto de se encontrarem pessoas que, na maioria dos seus comportamentos, sobretudo novos, utilizam imagens mentais globais ou parciais, coloridas ou não, adequadas ou inadequadas aos novos comportamentos e extraídas ou não da realidade envolvente ou da própria comunicação interior, as quais desempenham funções de maior ou menor facilitação na mudança das atitudes e dos comportamentos, das actividades cerebrais e mentais. Ora, sendo a actividade mental produzida pelas interligações das redes neuronais, efectuadas pela excitação que amplia a imagem e envolve a emoção, a elaboração dos respectivos cenários interdependerá não somente dos dados do exterior, mas, também, da intensidade emocional da própria emoção ou comunicação interior. A capacidade de um tal cérebro gerar novos e diferentes cenários, de fixar-se ou de seleccionar os mais eficazes, dá origem à criatividade do indivíduo. Face a uma tal realidade factual parece não haver dúvida de que o cérebro é um potencial gerador da mente, e, a actuação positiva da mente facilita a acção dos processos cerebrais, os quais, assim facilitados, facilitam, também eles, não só os processos de comunicações intercelulares, mas, também, os processos destas com as realidades exteriores fisicamente observadas, as quais, quanto mais apreendidas pelos sentidos dos órgãos, mais enriquecimento bioenergético e biomotivacional ocasionam nos processos neurocerebrais, fazendo com que as suas produções, isto é, a actividade mental se torne mais intensa, mais profícua, mais envolvente e mais regeneradora. 40 A presente funcionalidade unitária, evidenciadora de que os processos mentais interdependem dos processos neurocerebrais, constitui-se, apesar disso, como realidades imateriais ou espirituais e, apesar do seu suporte na realidade neurocerebral ou biológica, não possuir directamente, materialidade como, de facto, a iluminação produzida pela electricidade, que, apesar de gerada pelos iões das partículas, não é uma realidade material, significando isto que as actividades mentais, sendo produzidas pelas actividades neurofisiológicas, não são mensuráveis nem analisáveis segundo os mesmos critérios, pois a actividade mental de um indivíduo, apesar de ser efeito da elaboração bio-neuro-cerebral do indivíduo, aquela não é cópia desta, e isto não só a nível de natureza, mas, também, de dimensão, visto a vida mental ser vida de estados e de fenómenos, e efeito de algumas capacidades do cérebro, as quais nem sempre estão vigilantes, nem activas e nem sempre mobilizadoras. Por isso, o cérebro, complexa massa de neurónios implantados nas células gliais, contém, em si, o potencial de criar actividade mental ou estados de consciência, desde que possua condições propiciadoras para tal. Uma tal actividade gera factos e fenómenos mentais que, por sua vez, agem e interagem na vida do organismo, do bioemocional e do biopsíquico, estimulando-os, accionando-os e gerando neles impregnâncias de maiores ou menores níveis positivos ou negativos, em consonância com experiências do passado, vivências próximas ou remotas, maior ou menor efectivação do potencial associativo e das imagens ou cenários evocativos de recordações e de lembranças, de reminiscências ou resíduos inconscientes. 0 conjunto de reminiscências e de resíduos são não só produtos da actividade neurocerebral, mas, também, podem ser efeitos da actividade mental do indivíduo, a qual directa ou indirectamente, proíbida, reprimida ou recalcada, como sucede com certas necessidades, pulsões ou desejos não assumidos, não aceites, nem conscientemente vivenciados, os quais, mais cedo ou mais tarde, graças a processos de maturidade, de aceitação e de expansão da actividade do consciente podem ser assumidos e integrados tanto na actividade mental como no próprio consciente. E isto apesar das leis e dos dinamismos do inconsciente possuírem uma certa rigidez, a tal ponto que levou Jacques Lacan a afirmar: "0 inconsciente é estruturado como uma linguagem", o que não significa que seja como uma língua e, por isso, que não seja fonte de generatividade ou criatividade, de pulsão ou acção, visto o próprio Sigmund Freud, no seu artigo sobre "0 inconsciente" (1915) ter-lhe chamado "representante da pulsão", isto é, entidade situada na fronteira entre o somático e o psíquico, e, o aparelho psíquico, segundo Freud, resulta da sucessão de inscrições de sinais, o que nos leva a podermos falar de "escrita mental", processada como "padrões eléctricos em tecido vivo", e que importa desenvolver, enriquecer, orientar e educar através de mecanismos e processos a que chamaríamos "literacia mental". As dinâmicas de constantes aberturas e de constantes encerramentos do inconsciente, com seus registos e suas parciais informações, constituem o agente essencial da subjectividade do indivíduo, visto tal actividade nem sempre poder ser controlada pela vontade e, se umas vezes permanece aberta, noutras tal actividade permanece bloqueada por razões de inibição, de medos, receios, repressão ou mesmo lesão cerebral e, por isso, interfere, em geral, em várias das múltiplas funções cerebrais. II - MENTE INDIVIDUAL E CONSCIÊNCIA PESSOAL NOS PROCESSOS BIO41 NEURO-PSÍQUICOS DOS SERES HUMANOS 0 estudo do fenómeno da mente humana tem sido, ao longo dos tempos, objecto de estudo de várias concepções, teorias e modelos, que vão desde a própria Física à Teologia. Algumas destas concepções identificam a mente com consciência e subjectividade. Outras analisam a mente humana como sendo produto emergente das estruturas e dinâmicas do cérebro, e, outras, ainda, constatam que o fenómeno da mente é o factor essencial da linguagem, da cognição e da criação dos próprios estados mentais de um indivíduo. Esta terceira tendência parte do objectivável princípio de que a mente humana deve ser estudada através de metodologias científicas e, sendo concepção tradicional que a ciência é objectiva, devido ao facto de que a realidade que ela estuda é objectiva, por tal razão, também os factos estudados por ela deverão ser objectivos, isto é, no caso dos comportamentos ou processos cognitivos, as objectividades observadas, como sejam, por exemplo, o estudo da linguagem, da cognição e dos comportamentos inteligentes, comunicacionais ou informacionais. Uma tal atitude científica emana, directa ou indirectamente, do pressuposto de que tudo o que existe é físico e, tal realidade, é oposta ao mental. Esta dualista concepção do corpo-mente dominou, ao longo dos últimos séculos, não só a Teologia e a Filosofia mas também as Ciências Humanas e Psicológicas e encontra em René Descartes o seu teorizador inicial: a res extensa e a res cogitans distintas na sua génese e na sua essência, ou seja, a existência de um corpo e de um espirito, de uma matéria e de uma mente, funcionando em paralelo e interligadas pela glândula pineal, interligação que efectuaria o desencadear de fenómenos neurobiológicos e neuropsíquicos, problema reducionista unicamente ultrapassado pelas mais recentes descobertas neurocientíficas da última década. Estas descobertas, ao explicarem a existência da subjectividade, da consciência e a existência de fenómenos mentais subjectivos, internos, intrínsecos, conscientes e inconscientes questionam vários Séculos de tradição científica, visto um tal dualismo interaccionista do corpo-mente, passando por Descartes, encontra sua origem em Aristóteles, o qual não duvidava que o corpo e a mente interactuavam, apesar de tanto Aristóteles como Sócrates e Platão terem reconhecido o carácter não-material do psiquismo. No entanto, em Homero, encontra-se uma pluralidade de palavras para designar a alma e as suas funções como: sentimentos, percepção, pensamento, desprezo, ira, etc., constituintes dos processos da consciência. No entanto, estudos epistemológicos acerca do conceito de mente revelam que, ainda hoje, a ciência se encontra profundamente enraizada em esquemas, conceitos e tradições fortemente enraizados na nossa cultura manifestadora das concepções materialistas e dualistas da mente humana. Estas concepções impregnaram as nossas culturas e civilizações ocidentais, criaram pressupostos e princípios de orientações científicas e impuseram a existência de evidencias em dualidades falsas como, por exemplo, materialismo versus imaterialismo, corpo versus mente, matéria versus espírito, etc., dualismos cuja origem, segundo tais concepções científicas, não poderiam emanar da mesma realidade. A realidade parece ser hoje aceite e assumida, pelas mais recentes investigações em neurociências, em neurobiologia molecular e em sòciobiopsicologia, que a mente humana é manifestação da hipercomplexa e superior42 mente rica unidade sòciobioneurocerebral do ser humano, cuja evolução encontra suas raízes na filogenética do desenvolvimento da complexidade do cérebro humano. Este desenvolvimento, assente no identicamente complexo desenvolvimento do sistema nervoso central da espécie humana, é, simultaneamente, o gerador do pensamento e da autoconsciência. Por tais razões, mente, pensamento e consciência, são constelações das capacidades superiores do ser humano, bem como as actividades espirituais e religiosas são manifestações da própria actividade unitária da estrutural dinâmica bioneurocerebral do ser humano, a qual, em seu desenvolvimento funcional e homeostático, possui impulsos nervosos, instintos, pulsões, oxigénio, sangue, batimentos cardíacos, actos respiratórios, etc., etc.. Por isso, todas as partes constituem um todo. Este todo é diferente da soma das suas partes e constitui uma unidade, única, insubstituível e indivisível. Daí o facto de todas as partes desta unidade ou os seus subsistemas do sistema individual humano interagirem e retroagirem uns sobre os outros, uns com os outros e uns paralelamente aos outros como sucede, por exemplo, com a acção da mente na modificação do cérebro ou sobre o sistema nervoso do indivíduo. É que a própria mente, aceite e assumida pelo cérebro, exercita não só a actividade deste, mas, também, a desenvolve, delineia atitudes e comportamentos e faz com que o cérebro possa funcionar em sintonia com a actividade graças às suas capacidades de modificabilidade e de novas ou diferenciadas acções. E isto sem se esvaziar ou comprometer o potencial bioenergético contido nas estruturas e dinâmicas cerebrais do indivíduo, mas, bem pelo contrário, como sucede, por exemplo, com os efeitos da concentração mental na aplicação de projectos ou na consagração a ideais, cujos efeitos manifestos e comportamentais de tais atitudes são desenvolvimentos de novas e diferenciadas energias. Idêntica influencia da mente sobre o sistema nervosos do indivíduo efectua-se através do seu interaccionismo, tanto pela positiva como pela negativa, visto a própria mente possuir capacidade para exercitar, estimular, activar, inibir, distorcer ou anular a própria acção das células ou das fibras cerebrais, como se demostra, hoje em dia, através das mais avançadas investigações em Psicossomática, nas situações de stress, de neurose, psicose, bem como numa grande maioria de patologias mentais, significando isto que a mente de um indivíduo possui potenciais de activação ou desactivação, de excitação ou de inibição, de orientação ou de desorientação de todo o seu sistema nervoso. Esta mente individual, manifestação da extrema hipercomplexidade e evolução do cérebro do indivíduo, é auto-consciente do seu mútuo e recíproco interaccionismo com o corpo e, em tais complexos jogos de interacções recíprocas, torna-se cada vez mais auto-consciente. Estes jogos de actividades interactivas, recíprocas e funcionais geram no indivíduo vivências e experiências subjectivas, únicas e exemplares, de buscas ou rejeições, originando sentimentos, emoções, afectos ou rejeições, e, tais processos dão origem ao desenvolvimento da consciência, parte integrante e indissociável da mente individual. É que, na realidade, um tal conjunto de constelações vitais procede e processa-se no organismo humano, sujeito de processos evolutivos com sistemas nervosos, sendo alguns destes dotados de capacidades para gerarem e manterem estados e processos conscientes. Por isso, sendo o cérebro o gerador da consciência, um certo nível de desenvolvimento desta transforma-se também em autoconsciência, isto é, consciência de si mesmo, e, enquanto ser distinto e separado do outro, fenómeno gerador do próprio Eu, dos mecanismos fundamentais do desenvolvimento psíquico tanto a nível de pessoa como a nível de pensamento com graus diferentes de 43 desenvolvimento e tendência a edificar a atenção para si mesmo, pois que - embora Sigmund Freud qualificasse a consciência do indivíduo como uma qualidade do psiquismo - esta consciência exerce, em si mesmo, a função de síntese que lhe permite analisar a sua experiência actual em função da estrutura da sua personalidade e se projectar no futuro, pois a consciência, como essência do psiquismo, é, fundamentalmente, a faculdade que permite ao homem tomar conhecimento do mundo exterior como do que se passa nele mesmo, e, assim, autoregular os seus próprios comportamentos, fenómeno psíquico que, segundo Jacques Lacan, é um dos pilares da concepção do mundo ou uma espécie de espelho, através do qual o indivíduo vê ou percepciona a realidade exterior segundo os seus próprios mecanismos e processos de filtração do exterior verso o interior. A presente análise constatativa demostra, mais uma vez, que a consciência individual é manifestação das interactuações dos processos neurocerebrais, visto a mente humana como a consciência do indivíduo e o seu próprio pensamento serem manifestações dos efeitos da interactividade da hipercomplexidade neurocerebral do ser humano, bem como das suas aptidões para capacidades ou aptidões superiores, para a aptidão da linguagem e para as discriminações perceptivas, que resultam, na prática, das sucessivas, permanentes e recorrentes interacções, mútuas e recíprocas, de seus genótipos com fenótipos ou da sua genofenotipia dinâmica estrutural, que faz com que, não raras vezes, consciência seja identificada com percepção, com conhecimento imediato, com experiencialidade familiar, com consciência de aspectos factuais de uma realidade, com capacidades de plano de fundo, embora tais pseudo-sinónimos não signifiquem, exactamente, a mesma realidade, mas sim manifestações da realidade que é a consciência. Uma tal manifestação, própria de cada indivíduo, emergida da sua realidade físico-bioneurocerebral, é individual, é mental e, por isso, subjectiva. Esta subjectividade emerge da hipercomplexa interacção das propensões neuronais de cada um e de seus padrões de actividade cerebral, de suas emoções, sentimentos, afectos, processos e dinamismos cerebrais; da capacidade de filtração das realidades exteriores e das pessoais envolvências nos meios, nos sistemas ou nos ecossistemas circundantes, de maneira particular da primeira e segunda infâncias de cada um. Esta subjectiva entidade da individualidade, a consciência, gera hierarquias de valores positivos ou negativos, com cenários mais ou menos dominantes, que vitalizam ou energizam a mente, fazendo com que esta encontre, reforce e dinamize a sua direcção e a sua auto-regulação, visto, da interacção da mente com a consciência, emergir o Eu individual de cada um, isto é, a instância mediadora entre as reivindicações do inconsciente e as exigências da realidade exterior, encarregada dos interesses da totalidade da pessoa, da sua autonomia, afirmação e independência. E isto apesar de uma tal independência ou autonomia serem relativas, visto jamais alguém se poder libertar totalmente - e, nem sequer dever fazê-lo - das dinâmicas funcionais e perceptivas do seu inconsciente, bem como de uma grande parte dos dinamismos do seu próprio superconsciente ou superego, instâncias que manifestam e impregnam no indivíduo as dinâmicas do social, do cultural, do económico, do civilizacional e do tecnológico. Tanto os efeitos da acção do inconsciente como do super-eu são filtrados pela própria consciência e interagem sobre a mente, dinamizando-a ou mobilizandoa, inibindo-a ou bloqueando-a e os seus efeitos repercutem-se não só sobre a própria consciência, mas, também, sobre a acção do inconsciente e do super44 consciente. Uma tal acção e comportamentos, emanados da unidade funcional do ser humano, demostram sobejamente que ele é uno, único e indivisível e que a sua consciência é uma manifestação ou produto da própria mente e a mente um produto dos processos e neuroactivações cerebrais. A génese da consciência individual remonta, então, ao ponto em que a evolução do cérebro individual se torna capaz de utilizar e investir as suas próprias capacidades e desenvolvimentos na efectuação de alterações que não possuem características exclusivamente cerebrais mas sim contributos ou conteúdos mentais. Por isso, a consciência de cada um emerge dos efeitos das interacções das experiências passadas com as presentes, bem como dos efeitos das interacções da memória com as percepções, a qual, em seguida, coadjuvada pela mente, terá por função essencial seleccionar, optar e decidir. Edelman (1991), admitindo a existência de uma consciência primária e de uma consciência de ordem superior, define a consciência primária como sendo o estado de estar mentalmente responsável de qualquer coisa, estando a actividade de um tal tipo de consciência ligado fundamentalmente à regulação do comportamento apetitivo e defensivo, sendo a sua função a de adaptar homeostaticamente o organismo, visto este receber sinais introceptivos provenientes do interior do organismo e, particularmente, do sistema nervoso autónomo. A consciência de ordem superior teria por funções correlacionar as categorias perceptivas, a memória, a aprendizagem e o desenvolvimento de conceitos, visto um tal nível ou categoria de consciência trabalhar, quase exclusivamente, pelos seus inputs sensoriais extroceptivos e os seus sinais próprioceptivos, e ser caracterizada por uma rica e complexa representação do mundo e depender, principalmente, do córtice cerebral e do tálamo, e, secundariamente, do cerebelo, do hipocampo e dos gânglios basais. Apesar de se poder discordar das teorias de Edelman, de maneira particular dos seus dois tipos de consciência e das fundamentações acerca das suas interligações, parece não haver dúvida que o cérebro humano causa fenómenos mentais, fenómenos de consciência e que uma elevada percentagem dos comportamentos sociais interdependem de tais fenómenos e, embora o comportamento motor, respiratório e sanguíneo não dependam directamente deles, não há dúvida que eles recebem a sua influencia positiva ou negativa. Ora, possuindo o cérebro humano possibilidades de gerar fenómenos mentais e fenómenos conscientes, o cérebro não só possui funções de captar e desenvolver humores, de purificar incapacidades, de distribuir e investir o seu potencial, de se exprimir, compensar ou negar, mas, também, de se desenvolver e de progredir através da sua própria acção, interacções com a sua própria mente e com o seu próprio organismo ou corpo. É que, sendo o cérebro humano o autoorganizador e desenvolvedor das suas próprias funções, estas, ao serem acolhidas pelas próprias estruturas cerebrais, determinam as estruturas graças ao imperioso poder das funções. Uma tal dinâmica processual do próprio cérebro possui a capacidade de envolver e dinamizar o todo do indivíduo nas suas mais diversas funções, níveis ou dimensões e, de maneira particular, a nível de percepções, inferindo das informações sensoriais e intelectivas, inconscientes e conscientes, visto a percepção, na perspectiva metapsicológica de Freud, ser um sistema da consciência, e, um tal sistema percepção-consciência, do ponto de vista tópico, estaria situado na periferia do aparelho psíquico, recebendo, ao mesmo tempo, as 45 informações do mundo exterior e as provenientes do interior, isto é, as sensações que se inscrevem na série desprazer- prazer e as revivências menésicas ligadas ao sistema préconsciente-consciente. A dinâmica da percepção do desenvolvimento da unidade mente-corpo de um sujeito é tal que Freud tentou desenvolver a teoria de que a consciência "aparece no sistema perceptivo em lugar dos traços duradouros", deduzindo-se, então, logicamente, que os estados mentais são tanto mentais em si mesmos como inconscientes em si mesmos, o que faz com que a consciência não se enquadre no todo de uma tal problemática mas apenas nos acontecimentos, fenómenos ou estados conscientes. Apesar do anterior, não há dúvida, que o potencial perceptivo de um indivíduo possui vários e diversificados poderes, não só a nível da relação do indivíduo consigo mesmo, com a sua própria imagem ou auto-conceito, mas, também, com a realidade exterior, com o outro e com os outros, com as captações das mensagens, das informações e das comunicações tanto interiores como exteriores, poderosa alavanca de elaboração de associações e de criação de mapas mentais, elaboradores não só de processos de eficiência, divergência e criatividade, mas também de riquíssimas e pluridimensionadas relações com os outros, com os objectos, com as coisas e com o mundo exterior, o que faz com que a pessoa se centralize e se envolva no presente, prospective o futuro e minorize o passado, fenómeno psicocomportamental gerador de novos e diferentes sistemas de representação de si mesmo, dos outros e da realidade, sistémicos processos de enriquecimento e de irradiação das próprias representações individuais, das imagens pessoais e, graças a seus mecanismos de projecção, também das realidades exteriores a si mesmo. É que tanto a realidade como a percepção da sua mudança, é efeito não só dos níveis lógicos de um indivíduo mas, essencialmente, dos estados das suas percepções. De facto, a nossa percepção da realidade não é a realidade, mas, apenas, uma representação dela, como um mapa de uma região não é a região. Uma tal representação é efectuada através dos sentidos, e, estes não só estão codificados a níveis de espécie para espécie, mas, também, de indivíduo para indivíduo. Por isso, as percepções não só se diferenciam de espécie para espécie mas também de indivíduo para indivíduo, apesar de estarem submetidas aos efeitos da acção, do uso, do trabalho, do desenvolvimento e dos meios. Um tal fenómeno e suas respectivas variabilidades farão com que um indivíduo percepcione não só diferente dos indivíduos de outras espécies, mas, também, diferente no seio dos indivíduos da própria espécie, factos e fenómenos evidenciadores de que o mapa mental, que cada um possui em relação ao mundo, não passa de uma relação deste ou, melhor, de uma representação da realidade. A consciência de uma pessoa reage à percepção da realidade e não à realidade em si mesma, fenómeno perceptivo que leva uma pessoa a compreender que as suas manifestações ou seus problemas não estão na realidade, mas, sim na representação que essa pessoa tem da realidade. É um facto, por isso, que as percepções que um indivíduo possui acerca desta ou daquela realidade interdependem dos seus sequenciais condicionalismos evidenciados durante toda a sua existência, os quais interdependem mais do desenvolvimento de seu potencial filogenético que genotípico, embora a representação do real, que cada um possui, interdependa dos efeitos do desenvolvimento da sua fenogenotipia, a qual é condicionada pelo nosso ambiente 46 familiar, social, cultural, civilizacional, vivências e experiências vitais, as quais não são apenas positivas, mas, também, não raras vezes, acentuadamente negativas. Por tais razões, a representação do mundo ou da realidade que cada um possui não se assemelha à de nenhum outro, significando isto, no concreto, que a subjectividade é uma das características essenciais das percepções, das mentes e das próprias consciências individuais, apesar de umas representarem ou descreverem o mundo de forma mais verdadeira ou autêntica que outras, como um mapa de um território é mais objectivo que outro, e, por tal razão, continuando a metáfora, ajuda-nos a concretizar os objectivos da viagem, por melhores ou piores caminhos e com maior ou menor eficiência, e, por prazer, obrigação, imposição, desprazer ou sofrimento. Todos os indivíduos, no entanto, possuem capacidades de aprender, de desenvolver e de conseguir os seus objectivos e realizar-se desde que estes se insiram na esfera da sua própria conaturalidade. Uma tal dimensão da conaturalidade humana encontra-se enfatizada pelos mais recentes desenvolvimentos da Ciência de programação neurolinguística (PNL), a qual possui, como seu princípio básico, a afirmação de que impulsionar um comportamento é por sua natureza positiva e, sequencialmente, todo o comportamento tem uma função positiva, isto é, útil para a pessoa que concretiza uma tal atitude ou comportamento, fazendo-a sentir-se segura de si mesma ou evitar um hipotético perigo, como sucede, por exemplo, quando alguém se mete em cólera ou manifesta ira. Um tal comportamento possui, para ele, a função positiva de pretender proteger-se, selecção comportamental efectuada, consciente ou inconscientemente, em consonância com as opções ou alternativas que no momento disponha. Um tal modificável e adaptável potencial humano, emanado das estruturas bioneurocerebrais do indivíduo, fazem parte integrante do seu ilimitado potencial de modificabilidade e de adaptação, de competências e habilidades, de destrezas e conhecimentos. É que, de facto, o cérebro humano, em interacção com o seu organismo, que o suporta, possui complexas e interactivas capacidades e habilidades mentais, de infinitos armazenamentos, ilimitadas associações, bem como indeterminados potenciais de gerar associações e ideias novas. A sua pulsão e curiosidade inata conduz os indivíduos à necessidade de exploração de todos os aspectos dos meios, dos ambientes e do universo em si e o seu potencial de flexibilidade e maleabilidade conduz os indivíduos a permanentes melhorias do seu potencial psicológico e intelectual. Esta múltipla e complexa actividade do cérebro humano permanece, ainda hoje, muito aquém da sua potencial realidade factual pois, apesar do senado americano ter decretado a década de 1990-2000, década do cérebro, e apesar das enormes investigações efectuadas recentemente no âmbito das neurociências, uma tal investigação permanece ainda muito fechada no campo da neurofisiológia. E o cérebro humano, a sua acção, as suas funções, as suas determinantes, suas leis, seus requisitos, domínios e âmbitos, interacções e desenvolvimentos ultrapassam a barreira de qualquer ciência metodologicamente tradicional ou clássica. As leis, as condicionantes ou as determinantes do sucesso ou do insucesso, da eficiência na aprendizagem ou das suas dificuldades, da adaptação ou das inadaptações, da maleabilidade ou da rigidez comportamental, da memória ou seus défices não emergem unicamente da Física nem da Bioquímica Molecular, da Neurofisiologia ou de Psicofisiologia, mas sim do todo bioneuropsicoemocional e afectivo-emocional de um indivíduo. Por isso, o estudos das potencialidades 47 humanas, de suas atitudes e comportamentos envolve o todo científico, isto é, mais directa ou indirectamente, todas as ciências naturais, espirituais, afectivas, emocionais, psicológicas, sociais e humanas. Por tais razões, o estudo do cérebro, da mente e do conhecimento não pode ser redutível a uma ou mais ciências que investigam separadamente. O seu estudo exige uma sólida e dinâmica interdisciplinaridade entre as neurociências e as ciências do comportamento, as correntes de Psicologia e a Psiquiatria, a Bioneuropsicologia e a Sociologia, a Anatomia e a Fisiologia, sem negligenciar as importações da Psicologia do senso comum. De facto, o estudo da génese, bem como da análise das funções superiores da mente humana, dos seus desenvolvimentos e flexibilidades, associações e dissociações, continuidades e rupturas, equilíbrios e desequilíbrios não são explicáveis unicamente através das ciências neuropsicológicas, psicolinguísticas ou neurofilosóficas. É que, de facto, os progressos e desenvolvimentos efectuados através dos métodos de bio-imagens e das suas aplicações às Ciências neuropsicológicas demostram que, embora existam localizações no cérebro próprias desta ou daquela função, tais funções não alcançam o seu natural desenvolvimento sem as interactivas, recorrentes e funcionais interacções de outras áreas do cérebro, ao contrário do que, através da neurocirurgia o tentaram demonstrar Brocca, Wernick e o próprio Goldstein, embora estes tenham sido os grandes impulsionadores das investigações no domínio da anatomopatologia neurocerebral. Apesar disso, no entanto, a polémica entre localizacionistas e globalistas das funções mentais, a nível de cérebro, continua em aberto. Os estudos até hoje efectuados demostram que o cérebro humano possui áreas ou regiões cerebrais mais adequadas ao desenvolvimento de certas funções que outras, embora o seu maximal desenvolvimento implique o desenvolvimento da sua globalidade de forma harmoniosa e, em recíprocas interacções, com o todo do organismo. Luria, R. (1902-1977), tendo dedicado o essencial da sua obra de investigação à análise das funções superiores do homem, (1962): “As funções corticais superiores do homem” conclui, no essencial, que os sistemas funcionais responsáveis do comportamento humano são sistemas complexos, plásticos, capazes de auto-regulação e resultantes da interacção de uma constelação das áreas do cérebro. Considera, porém, a organização do meio social como uma determinante fundamental destes sistemas funcionais. A determinante funcional do social, acentuada por Luria, parece, no entanto, ser importada de seu colega de investigação Vygotski (1896-1934), o qual, tendo consagrado suas investigações à volta da criança anormal, atrasada mentalmente e da defectologia, elaborou uma teoria histórico-cultural do psiquismo, segundo a qual a inteligência desenvolve-se graças a certos instrumentos psicológicos que a criança encontra, primeiramente, no seu ambiente social, sobretudo através da linguagem, a qual é o instrumento fundamental, sendo, em seguida, a actividade prática, interiorizada em actividades mentais, cada vez mais complexa, graças às palavras, fontes de formação dos conceitos. A linguagem, segundo este autor, teria um carácter social e transformar-seia, em seguida, em linguagem interior do adulto, sendo o mediador necessário no desenvolvimento e funcionamento do pensamento. Por isso, estruturas cerebrais, social e linguagem criam, segundo ele, os pilares essenciais dos processos cognitivos do ser humano, bem como do seu desenvolvimento "proximal". 48 Tradicionalmente, no entanto, os neurocientistas, inspirados nos trabalhos das "unidades funcionais" do cérebro, segundo Luria (1973, 1980), admitem a existência, no cérebro humano, de três grandes unidades funcionais, que agem de forma concertada e cuja interactiva participação é necessária para qualquer tipo de actividade mental ou cognitiva. A primeira unidade está associada ao tronco cerebral, ao diencéfalo e às regiões médias dos hemisférios cerebrais e é, segundo Luria, a sua formação que mantém a tonicidade e o estado de activação. É a unidade responsável pela manutenção e o controlo da atenção. Por isso, qualquer insuficiência ou limitação em tal unidade, quer por defeito, quer por excesso, implica, segundo Luria, na maior parte dos casos, dificuldades acrescidas no processo da informação, tanto simultâneo como sucessivo, bem como no da planificação. As funções da segunda unidade são reguladas pelos lobos occipital, parietal e temporal, posteriores ao sulco central e inclui as "duas formas básicas de actividade do córtex cerebral, "as quais recebem, processam e armazenam a informação proveniente do meio, através da utilização de sistemas de processamento tanto simultâneo como sucessivo ou sequencial para codificação da informação. As funções da terceira unidade do cérebro são reguladas pelos lobos frontais, especialmente pela sua região pré-frontal, e é a unidade que permite ao indivíduo elaborar planos de acção, pô-los em prática e constatar a sua eficiência ou eficácia. Por isso, esta unidade programa, regula e dirige a actividade cerebral e é a responsável pelo controlo dos processos de atenção e de processamento da informação para obtenção dos objectivos propostos. Está, simultaneamente, interdependente da segunda unidade funcional para poder processar os diferentes componentes do plano, e, à primeira unidade para manter o nível adequado de atenção e de monitorização do plano. Além disso, a terceira unidade é, também, a responsável por actividades, como o controlo dos impulsos, a regulação das acções voluntárias e algumas funções linguísticas. Embora cada uma dessas unidades ou áreas funcionais do cérebro possuam funções específicas na actividade processual do conhecimento e do comportamento social, elas permanecem em mútua e recíproca interdependência e é através de seus equilibrados dinamismos que os processos mentais superiores do ser humano se formam, desenvolvem, expandem e irradiam. Além destas três grandes unidades ou áreas funcionais do cérebro humano, neste encontram-se várias outras áreas corticais com funções específicas, como sucede, por exemplo, com a área motora que controla os movimentos voluntários do corpo, a área somato-sensorial que, quando estimulada, produz experiências sensoriais em algum ponto, no lado oposto do corpo, isto é, sensações corporais; as áreas de associação, as quais, não estando directamente ligadas aos processos motores ou sensoriais, são denominadas áreas de associação e desempenham funções importantes nos processos dos pensamentos necessários à resolução de problemas, bem como às áreas de audição, de visão, etc., etc.. 0 desenvolvimento das tecnologias modernas, aplicadas ao cérebro, nomeadamente a radiografia, a electroencefalografia e a imagiologia cerebral, bem como a tomografia magnética ou ressonância magnética nuclear (R.M.N.), utilizadas, hoje em dia, para exploração dos tecidos cerebrais, bem como para os actuais desenvolvimentos no domínio da ressonância magnética nuclear ou para a angiografia cerebral, que têm por objectivo estudar o desenvolvimento ou exploração das artérias cerebrais, que permitem-nos estabelecer uma cartografia cerebral 49 bastante pormenorizada. Por isso, dado que para os objectivos do presente trabalho não interessa debruçarmo-nos sobre os pormenores das estruturas e dinâmicas dos sistemas cerebrais, globalmente, para os objectivos que nos proposemos, com a presente investigação, interessa, primeiramente, salientar a existência do sistema límbico e sua importância no domínio das actividades cerebrais. Com efeito, de acordo com tais estudos, à volta do núcleo central do cérebro, existem diversas estruturas, as quais, globalmente, se designam por "estruturas do sistema límbico". Este sistema interconecta-se com o hipotálamo e, por tal facto, regula, parcialmente, alguns comportamentos instintivos, visto o sistema límbico possuir, por um lado, um certo potencial inibitório, o que faz com que o organismo do mamífero seja flexível e adaptável não só às mudanças do ambiente mas também às sucessivas progressões do desenvolvimento. Por outro lado, o hipocampo, parte integrante do sistema límbico, exerce primordial importância sobre a memória pois ele é de capital importância para o armazenamento e retenção de novos eventos. Também o sistema e desenvolvimento do emocional encontra-se envolvido com o sistema límbico. Daí a aceitação, hoje em dia, da existência do cérebro emocional e do cérebro racional. 0 cérebro emocional, segundo leis epigenéticas do desenvolvimento humano, terá surgido das necessidades de sobrevivência do tronco cerebral e, de tais mecanismos, terão emergido os sentimentos e as emoções que se encontram no sistema límbico, significando isto que, na dinâmica do desenvolvimento da genofenotípia, o cérebro emocional terá surgido antes do cérebro racional. Este cérebro emocional, de acordo com Goleman (1995), é agente essencial do autocontrolo, da motivação intrínseca, da persistência e do zelo, características essenciais de sucesso na actual sociedade pós-industrializada. A emergência do cérebro emocional, isto é, a inteligência emocional, apresenta-se, então, como uma aptidão essencial ou como uma capacidade que afecta, pela positiva ou negativa, todas as outras capacidades do indivíduo. É que, segundo este autor, Goleman (1995), a inteligência emocional possui consideráveis potenciais de reconhecimento das suas próprias emoções, de discriminação dos diferentes sentimentos (auto-conhecimento emocional), de controlo emocional, isto é, de reconhecimento dos seus próprios sentimentos para lidar com eles nas situações mais diversificadas, de auto-motivação, ou seja, capacidade para orientar as emoções em função dos objectivos individuais; de empatia, ou seja, de capacidade de reconhecer as emoções dos outros e capacidade de relacionamento pessoal, ou seja, capacidade para se gerir e conviver com as emoções e sentimentos dos outros. Esta emanação do cérebro emocional, isto é, a inteligência emocional, não é nem cristalizada nem imutável, mas, sim, um potencial ou capacidade que pode ser desenvolvida, ensinada e promovida em nós próprios, nos outros e, de maneira particular, nas crianças, adolescentes e jovens como, de facto, parece ser demonstrado pelas mais recentes investigações no âmbito da Neuropsicologia. O próprio Freud, já no primeiro quartel do século XX, tentou demonstrar que as experiências vivenciadas por uma criança até aos 6-7 anos de idade moldam em grande parte o seu próprio futuro. Este cérebro emocional, em recíproca interacção com o neocórtex, isto é, com a sede do pensamento racional, e estes dois em interacção com os contextos e conteúdos sócio-culturais dos meios, ditam, em grande parte, o futuro sucesso ou não-sucesso de um indivíduo. Isto porque o pensamento racional, tendo seus 50 alicerces essenciais no córtex cerebral, emerge de trocas constantes entre o corpo e o cérebro, através de descargas nervosas, dos fluxos hormonais e através do sangue, sendo influenciadas, por sua vez, por controlos emocionais que regulam o estado mental, a atenção, a selecção de metas e de objectivos, bem como suas respectivas concretizações tanto a nível intelectual como social, individual como colectivo. A nível de cartografia cerebral, o cérebro humano apresenta-se dividido em dois hemisférios e, cada uma das duas partes laterais e simétricas do cerebelo, derivam do telencéfalo. Estão reunidas por comissuras inter-hemisféricas e pelo tronco cerebral, os quais, sendo muito desenvolvidos, recobrem todas as outras partes do cérebro. Separados um do outro pelo corpo caloso, espessa lâmina de substância branca que reúne os dois hemisférios, ele é a mais importante das comissuras inter-hemisféricas que formam uma verdadeira ponte telencefálica dum hemisférico ao outro e possui cerca de duzentos milhões de fibras, cuja maioria são fibras mielinizadas que constituem uma estrutura intracerebral de cooperação funcional entre os dois hemisférios cerebrais. Cada um desses hemisférios possui vários lobos cerebrais, isto é, os lobos frontais, parietais, temporais, occipitais. Embora, aparentemente, pareçam simétricos, na realidade, os dois hemisférios cerebrais possuem assimetrias. É que o hemisfério esquerdo é quase sempre maior que o hemisfério direito, mas, por outro lado, o hemisfério direito possui muitas mais fibras neuronais e mais longas que o hemisfério esquerdo. As fibras do hemisfério direito conectam áreas amplamente separadas do cérebro e as fibras do hemisfério esquerdo efectuam suas interconexões dentro de uma área limitada. Os hemisférios intercomunicam entre si e completam-se nas suas funções, embora um funcione de forma diferente do outro. A sua comunicação é efectuada, essencialmente, através do corpo caloso, ampla faixa de fibras nervosas que efectuam a conexão entre um hemisfério e o outro, o que faz com que se completem, desenvolvam e harmonizem nas suas funções específicas. De facto, já no século XIX, Brocca e Wernicke, através de cirurgias efectuadas, foram levados a conclusões de que os dois hemisférios cerebrais tinham funções distintas. Observaram, então, que as lesões efectuadas no hemisfério esquerdo implicavam a existência de acentuados problemas da linguagem. Por outro lado, J.H. Jackson descobriu que as lesões efectuadas no hemisfério direito provocavam considerável diminuição da visão. Por isso, na primeira metade do século XX era consenso, entre os neurologistas, que o hemisfério esquerdo do cérebro humano era especializado na linguagem e o hemisfério direito possui as funções não-linguísticas. Em 1981, Roger Sperry, Prémio Nobel de Medicina, por seus trabalhos sobre o funcionamento dos hemisférios, observou que, se tirar o corpo caloso de um paciente, as comunicações inter-hemisféricas são neutralizadas, visto estas efectuarem-se através dos milhões de neurónios que compõem o corpo caloso. Os estudos posteriores vêm confirmadas tais descobertas e, hoje em dia, sobretudo através dos trabalhos efectuados com câmaras de positrões, é comumente aceite que os hemisférios cerebrais de uma pessoa funcionam de maneira diferente, mas complementar. 0 hemisfério esquerdo é, portanto, o hemisfério da linguagem digital, linear, lógica e directa; das regras gramaticais e sintácticas, da análise sequencial, das explicações, das recordações, das sequências amplas e do predomínio do fundo sobre a forma, enquanto que o hemisfério direito é o hemisfério das imagens, do não-verbal, da linguagem corporal, do analógico, do gesto, das posturas, das mímicas, das entoações, dos ritmos, da 51 melodia, das frases, dos silêncios, etc., bem como da análise global, da intuição, da forma e das recordações de imagens complexas. De uma forma sintetizada digamos que o hemisfério esquerdo do cérebro governa a capacidade de expressão através da linguagem, as actividades lógicas e analíticas e as computações matemáticas, enquanto o hemisfério direito responde a substantivos comuns, selecciona objectos e responde a associações desses objectos sentindo-se inábil para compreensão de formas linguísticas abstractas. Apesar da existência das distintas funções dos hemisférios cerebrais, e, de nos encontrarmos numa futura civilização que valoriza, essencialmente, as funções do hemisfério esquerdo, de maneira particular a nível escolar e profissional, no cérebro normal, os estímulos que entram num hemisfério são rapidamente comunicadas ao outro por meio do corpo caloso, de maneira que o cérebro funciona como um todo unitário, facto que não acontece quando a corpo caloso sofre danos ou é cortado. No entanto, a nível de pragmatismo funcional, é possível utilizar, para exercitação de desenvolvimento, os hemisférios separadamente, para, em seguida, combinar e interrelacianar suas funções, facto que as desenvolve acentuadamente. Estas exercitações passam, sem dúvida, pelo emprego das técnicas de cartografia mental ou literacia mental, fazendo com que as funções do cérebro direito se desenvolvam de forma mais acutilante, expansiva e manifesta. É que, como o Professor Sperry, da Califórnia, demonstrou as funções do hemisfério esquerdo: palavras, lógica, números, sequências, linearidade, análise, etc, estão muito mais desenvolvidas que as funções do hemisfério direito: percepção espacial, ritmo, imaginação, figura global, entoação, côr, dimensão, etc.. Estes predomínios funcionais dos hemisférios cerebrais, em certas actividades, parecem, de facto, serem mais efeitos das valorizações culturais e civilizacionais, em que os indivíduos se encontram, que dos próprias potenciais das estruturas hemisféricas, como de facto se pode demonstrar não só através dos estudos das culturas e civilizações, por exemplo, a ocidental e a oriental, mas também através de estudos de interculturalismo. De facto, a partir das investigações de Ornstein e Michael Biach está-se demonstrando que as potencialidades ou habilidades cerebrais descritas por Sperry encontram-se distribuídas em todo o córtex cerebral e, classificar as pessoas em função do predomínio do hemisfério esquerdo ou do hemisfério direito é contraproducente, visto uma tal classificação limitar o desenvolvimento e a organização das capacidades humanas. No entanto, encontrando-nos nós nos contextos e dinamismos de uma cultura e civilização, que valorizam essencialmente as funções do hemisfério esquerdo descritas por Sperry e, encontrando-se as funções do hemisfério direito em estado de manifesto subdesenvolvimento, por razões de subvalorização ou nãoaceitação, uma tal tese pode levar imenso tempo a desmontar. É que Sperry, seguindo a sua tese de valorização dos sintomas neuropsíquicos de desconexão ou de desunificação da consciência, após certo tipo de intervenções neurocerebrais, demonstrando a existência potencial de uma auto-suficiência a nível de cada hemisfério cerebral e com características próprias, não é difícil constatar-se que, quando as funções lógicas e analíticas do hemisfério esquerdo ficam saturadas, este deixa de funcionar e, geralmente, só entra de novo em funcionamento após recurso às funções ou à acção do inconsciente ou do hemisfério direito, através do jogo de palavras, do saltitar para outros temas, de associação de imagens, de colorações de conteúdos, etc.. É que, se nos cingirmos apenas ao problema da informação, o 52 hemisfério esquerdo prefere dissecar a informação para a analisar melhor e concentrar-se nos pormenores, enquanto que o cérebro direito relaciona a informação com os seus conjuntos mais amplos para ter uma visão geral da situação. Por isso, com frequência, se passa de um a outro, do geral ao particular e do particular ao geral. E a harmonia neurofuncional dos hemisférios exige tais valorizações, pois se a sociedade escolar e profissional exige desenvolvimento do pensamento lógico e analítico, isto é, do hemisfério esquerdo, a qualidade de vida exige desenvolvimento das características funcionais do hemisfério direito, isto é, das artes, dos sentimentos e da criatividade. Por isso, os conceitos ou sistemas conceptuais de um indivíduo, embora sejam produtos da sua própria mente, eles possuem as suas fundamentações neuropsíquicas essencialmente no hemisfério esquerdo sem prescindirem das importações e dinamismos exercidos pelo hemisfério direito. É que, na realidade, raciocinar, conceptualizar ou resolver problemas são actividades próprias da mente humana e esta emerge de uma entidade pessoal ou de um eu individual. Apesar disso, no entanto, a neurobiologia e mesmo a neuropsicologia continuam a afirmar que o córtex pré-frontal conceptualiza e raciocina e que o hemisfério esquerdo é o centro da linguagem. Porém, os conteúdos da linguagem, a sua função holística, pragmática e generativa exigem a participação activa do hemisfério direito. É um facto, no entanto, que efeitos de cirurgias neurocerebrais demostram que o hemisfério esquerdo do cérebro possui funções predominantes sobre a linguagem, mas tais efeitos deverão ser inter-analisados nas suas relações e interdependências dos sentidos e órgãos dos sentidos. Isto porque em relação à linguagem, como de resto em relação a todas as outras funções humanas, é necessário ter-se em linha de conta as inter-relações e interdependências das capacidades linguísticas com o sistema nervoso central do indivíduo em todas os níveis, e isto tanto a nível anatómico como fisiológico, psicoemocional como psicocomportamental. É que todas as funções humanas, umas mais que outras, estão imbuídas e emergem do universo psíquico do indivíduo e, por conseguinte, possuem os seus potenciais de polivalência, de flexibilidade e maleabilidade, como o tentam demonstrar os modelos globalistas da psicologia da forma. Uma tal globalidade, porém, não existe em certas casos de anormalidade ou em certo tipo de cirurgias neurocerebrais, o que demostra que, como o escreveu Sperry (1984, pág. 663): "cada hemisfério separado cirurgicamente mostra possuir uma mente sua própria, capaz de controlar o comportamento do corpo e incapaz de reconhecer os acontecimentos conscientes do hemisfério oposto". 53 CAPÍTULO III NATUREZA E MECANISMOS DOS ESTADOS MENTAIS E DOS FENÓMENOS PSÍQUICOS Entendendo-se aqui, na sua globalidade, fenómenos psíquicos como efeitos ou produtos das leis epigenéticas de um indivíduo, resultantes das interacções da sua ontogénese com a sua filogénese, meio, cultura e civilização, tais fenómenos individuais, em recíproca e mútua interacção, geram fenómenos colectivos e sociais, devendo estes serem mutáveis, criativos, geradores, dissociados e restruturadores. Estes comportamentos psicológicos, emocionais, culturais e, também, relacionais constituem características essenciais de um estado mental de um indivíduo. Estado mental é o plano de dinâmica estrutural em que um indivíduo se encontra num determinado momento e circunstâncias, e, a causalidade de uma tal realidade factual deverá ser procurada em factores genéticos, predisposições biopsíquicas, processos afectivos e emocionais, elementos psicocaracteriológicos, circunstâncias e meios vivênciados, interiorizações culturais e assimilações civilizacionais, ideias pessoais, conceitos, raciocínios, imagens e símbolos individuais, etc., inter e retroactiva hipercomplexidade de conjugações constitutivas de estados, de níveis, de expansões e de vivências de estados mentais individuais. Apesar de um tal generalizado quadro referencial de mapeamento mental, não há dúvida que, entre todas as características dinamizadoras de um tal estado, a concepção de si mesmo, bem como a sua própria auto-imagem, é um dos maiores e dinâmicos factores da gestação progressiva de estados mentais positivos, visto o mental perceptuar ou ordenar a dinâmica funcional, o seu enquadramento topológico e a sua arquitectura. Isto porque as funções mentais e de mentalização possuem seus substratos neurofisiológicos em constelações ou grupos de neurónios e, os pensamentos, as ideias e os raciocínios elaboram suas retroactivas dinâmicas, bem como suas respectivas intercomunicações. Por isso, pensamentos ou estados mentais falsos ou negativos deixam de interagir eficazmente com suas necessárias redes neuronais e as necessárias descargas destas não se processam de modo funcional. Pelo contrário, imagens ou estados mentais positivos, bem como conceitos reais, objectivos e operacionais, entram em interactiva funcionalidade com os dados perceptivo-sensoriais, psicocorporais e emocionais do indivíduo e, estimulam, reforçam e dinamizam não só as suas próprias funções, mas, também, se enraízam na própria mente, a qual, por sua vez, actuará sobre tais dados, não só de forma recorrente, mas, também, retroactiva, fazendo com que processos e mente se envolvam em mais e melhores mecanismos de interactuação, de expansão e de desenvolvimento. Uma tal meta-problemática interactiva, consoante a funcionalidade entre processos neuropsíquicos e estados mentais, encontra seus alicerces fundamentais na sequencial concepção de si mesmo, nos sucessivos processos de identificação e nas mobilizantes identidades que um indivíduo vai efectuando ao longo de sua própria vida, elementos determinantes de sua própria configuração, unidade e unicidade, bem como factores de sua própria generatividade, a qual implica, simultaneamente, interacções com suas envolvencias sociais, técnicas, culturais ou políticas. Isto porque a acção difusa dos estados mentais implica utilizações da mente, do cérebro, da vontade, bem como, de uma forma geral, de todos os 54 processos psicocorporais, isto é, de maneira particular, da interiorização, da vivência e da expansão do próprio eu corporal. Uma tal necessária propensão para a activação e dinâmica de tais mecanismos e processos, tanto psicocorporais como mentais, emerge da conatural unidade do corpo-cérebro e da mente-consciência, resultantes da desejável e, necessariamente, harmoniosa coordenação inter-hemisférica de cada pessoa, essencialmente eficiente a nível de harmonia e funcionamento do sistema nervoso central, periférico e autónomo, que exigem actividade das conexões interhemisféricas, activações sensoriais dinâmicas, e expansões emocionais e afectivas. A essência de tais dinâmicos fluxos vitais de cada indivíduo deverá emanar, essencialmente, dos conaturais processos da mente humana, visto esta envolver o todo da existência de um indivíduo, possuir necessidades da sua totalidade e autodinamizar-se através da integrabilidade de todas as suas partes, de todos os seus subsistemas ou constituintes bioneurocerebrais, emocionais, sòcioafectivos e culturais, que, lenta e progressivamente, se vão desenvolvendo, adquirindo, renovando e expandindo como sucede, por exemplo, com o cérebro, o qual aumenta cerca de três vezes em peso e em dimensão depois do nascimento, e, durante um tal processo maturativo, as arborescências dendríticas dos neurónios corticais multiplicam-se de forma considerável. Estes excelentes e progressivos desenvolvimentos estimulam-se reciprocamente, organizam progressivamente as suas funções principais necessárias aos comportamentos e às adaptações necessárias tanto motoras como expressivas, tanto inteligentes como linguísticas. Com o desenvolvimento do cérebro linguístico, o peso do cérebro aumenta, desde o seu início, mais de 100 g, o que traduz a importância das interacções socioambientais com o sistema nervoso e seus processos maturativos, revelando, simultanea-mente, o potencial da selectividade de certos mecanismos adaptativos do indivíduo, os quais seleccionam funções tanto linguísticas como expressivas, simbólicas como intelectivas em detrimento de outras. Uma tal realidade processual emana do facto de que a mente humana é um produto das realidades experiênciais, em estreita e recíproca interdependência dos processos neuropsíquicos individuais, das envolventes sociais e culturais, das situações sociais e dos modelos existenciais impostos às mais variadas e diversificadas realidades contextuais, fenómenos que fazem com que uns indivíduos se envolvam mais que outros, e outros sejam mais refractários que muitos. A factualidade de uma tal realidade evidencia o facto de que a mente humana é um produto e função do seu cérebro, envolve comportamentos instintivos e atitudes pulsionais, comportamentos sociais básicos emanados do sistema límbico e comportamentos intelectuais racionados e emanados, essencialmente, do néocortex. Tanto uns como outros interdependem de estruturas e de mecanismos psicomotores, afectivos e cognitivos; de diferentes modalidades de comunicação interna e de variados estados de percepção externa; de potenciais genéticos e psicossomáticos, bem como de processos de informação e de interpretação dos códigos que são absorção de mensagens e de comunicações. Um tal conjunto de características processuais da mente humana demostranos que esta não é um conjunto de pulsões nem a dinâmica do próprio cérebro, mas, sim a totalidade da pessoa em acção. No entanto, a mente emerge do cérebro, das suas funções, dos nervos, dos órgãos e dos sentidos dos órgãos em interacção com todas as variáveis históricas, sociais, culturais e ambientais do indivíduo, filtradas através das pulsões e das percepções, das emoções e dos sentimentos, da inteligência e da vontade. 55 O diferenciado potencial de filtração de cada um, emanado das interactivas e interdependentes constelações de apetências, faculdades, aptidões e capacidades individuais, em interacção com o potencial de selectividade que cada indivíduo possuí em relação aos meios e suas respectivas características de dinamização e vitalidade, constitui o cerne vitalizador da mente individual. Uma tal concepção do potencial activante da mente humana envolve a aceitação da positividade das tendências e capacidades naturais e a interacção destas com os factores sòcioambientais, bem como um maleável controlo destes pela própria mente, significando isto que corpo e mente, cérebro e pensamento não estão dissociados, mas sim unitàriamente interdependentes, e, uns são os resultados da acção de outros, e, todos eles, em processos de mútuas e recíprocas recorrências, promovem, activam, dinamizam, desenvolvem, deterioram, subdesenvolvem ou asfixiam. Por isso, certos neurologistas, de maneira particular os ligados às teorias da comunicação, nomeadamente Gregory e Batesom, eminentes investigadores da escola de Palo Alto, evidenciam o facto de que os processos mentais têm origem no funcionamento dos sistemas cerebrais, organizados em níveis diferentes, como sejam os níveis moleculares, celulares, orgânicos, transorgânicos e, cada um destes sistemas podem ainda subdividirem-se em níveis inferiores, mas, todos em interacção. Da interactiva hipercomplexidade de tais sistemas resulta a mente humana, pois as subdivisões de tais sistemas, cada vez em níveis mais inferiores e simples, vão fazer com que as partes daí resultantes, quando consideradas separadamente, não tenham critérios de espírito (mente), por não possuírem a complexidade suficiente. Em tal sentido, o espírito ou mente seria resultante de um agregado de partes ou componentes que actuam em si e, em conjunto, de forma sistémica. Uma tal interacção, entre as partes, seria provocada pela diferença do fenómeno não substancial e não localizada nem no tempo e nem no espaço. W. James (1950), ensaiando a análise das funções de natureza dos estados mentais do ser humano, diz-nos que a mente humana procede de qualquer coisa e tende verso qualquer coisa de outro; que a consciência depende da polivalência da mente e que todo o pensamento ou palavra procede da consciência pessoal, os quais, estando em constante e permanente mutação, fazem com que a consciência também mude, provocando, assim, mudanças no estado mental de cada pessoa. O pensamento, por sua vez, aparece sempre relacionado com objectos independentes dele e, por tal facto, centraliza-se em algumas partes de tais objectos, exclui outras, selecciona entre eles, aceita-os ou rejeita-os. Uma tal dinâmica processual do pensamento faz com que os estados mentais de uma pessoa modifiquem, evoluam, regridam, se restruturem ou proliferem, visto os estados mentais serem elaborados pelos níveis de interactividade funcional dos mais diversificados conjuntos das funções e potencialidades de um ser humano, as quais vão da mais simples sensação ao mais complexo raciocínio, comportamento emocional e afectivo-relacional. As anteriores características, próprias da natureza de qualquer estado mental de uma pessoa, fenómeno factual de natureza individual, interdependente da consciência de cada um e de seus respectivos níveis, é, na sua essência, subjectivo, único, individual e particular. Por isso, na realidade, não existem o medo, a inibição, a confiança, a empatia ou a expectativa em geral, mas sim os meus medos, as minhas empatias, as minhas expectativas, apesar destas influenciarem, directa ou 56 indirectamente, todos os do meu ambiente familiar, social ou profissional com que me relaciono. As múltiplas e recíprocas interacções dos estados mentais e individuais constituem, então, factores essenciais da criação ou mudança de estados mentais comunitários, grupais ou sociais, como de facto se torna evidente nos seios familiares, nas dinâmicas grupais , nos trabalhos de grupo, nos trabalhos de equipa, a nível escolar, profissional ou organizacional, e, mesmo nas próprias comunidades residenciais. Estes recíprocos efeitos, emanados da epistémica subjectividade de cada indivíduo, são, ontologicamente, propriedade de cada um, embora cada um possua partes dos outros e os outros interpretem cada um em função de seus próprios estados mentais e em função dos efeitos somáticos e dos comportamentos que cada estado mental produz. Por isso, a interpretação dos estados mentais de outrém, apesar de poder ser efectuada através de alguns comportamentos empíricos, tangíveis ou mensuráveis, possui sempre uma elevada dose de projecção individual do próprio avaliador ou observador, razão pela qual jamais se poderá falar de análises objectivas, o que nem por isso deixam de ser científicas. As características de cientificidade encontradas nos estados mentais, fenómenos psicológicos e individuais mas reais, intrínsecos e subjectivos; interiores, privados e qualitativos, interdependem, em grande parte, das dinâmicas sensórioperceptivas, dos dinamismos conscientes e inconscientes de cada um que, mútua e reciprocamente, intercontaminam-se sobrepticiamente, originando produtos, obras, factos e acontecimentos; atitudes e comportamentos; ideologias, crenças e valores que se auto-transcendem, expandem e difundem; mudam, transformam, regeneram e perecem, originando novos estados mentais, reduzindo-os, asfixiando-os ou aniquilando-os, e, fazendo com que os interactivos efeitos de várias súmulas de estados mentais, umas vezes se transformem em mitos e outras vezes em paradigmas, umas vezes em axiomas e outras vezes em valores, umas vezes em optimismos e outras vezes em pessimismos, umas vezes em regenerações e outras vezes em destrutividades opostas a todo o tipo de razão, de lógica, de raciocínio e de criatividade. A realidade factual dos anteriores possíveis comportamentos, subjectivos e individuais, reais e concretos, demostra, sobejamente, que, a própria realidade mental, psicológica e psicocomportamental de cada pessoa, não só emerge de estruturas neurocerebrais e orgânicas ou biocelulares, mas, também, de seus próprios dinamismos emocionais e afectivos, interrelacionais e culturais, ecossistémicos e sociais, significando isto que os condicionalismos ou estimulações dos meios físicos, familiares, sociais e culturais, também condicionam ou estimulam os potenciais estados mentais de um indivíduo. É que, embora uma pessoa possua intrínseca necessidade de ser ela mesma, mesmo quando se torna ela mesma, torna-se através dos outros. No entanto, as estruturas neurofisiológicas do indivíduo possuem uma intencionalidade, e, todos os factores e agentes do meio, deveriam cooperar com ela, tanto na ascendente hierarquia de desenvolvimento da cognição como na aquisição dos conhecimentos, na elaboração dos valores como no desenvolvimento das normas, das leis, dos costumes e das éticas. Um tal conjunto de factores, por sua vez, retroagem diferenciadamente sobre os dinamismos neurocerebrais de cada pessoa, e, ao reorganizá-los, deveriam motivar a sua própria intencionalidade de desenvolvimento, expansão, irradiação e divergência, fazendo com que, a metaorganização cerebral de cada um, se torne cada vez mais flexível e activante, mais 57 profícua e proliferante em relação não só aos seus dinamismos corporais mas também bioenergéticos, sensoriais e emocionais, condições e factores essenciais da vivência de um todo harmonioso, equilibrado, total e pleno, apesar de permanentemente inacabado. Um tal conjunto de recíprocas interacções indivíduos-meios faz com que os factos históricos, sociais e culturais e os comportamentos interrelacionais, emocionais e afectivos restruturem, reactivando, as redes comunicacionais dos dinamismos neurocerebrais e estes, por sua vez, originem factos cognitivos, culturais, históricos, sociais e tecnológicos diferentes em parte ou na totalidade. É que, de facto, sendo reais as interacções funcionais entre estruturas cerebrais, processos e estados mentais, uma tal trilogia constitui, funcionalmente, uma realidade única e de verdadeira e indissociável interdependência das estruturas e interactividades das regiões cerebrais específicas, alicerçadas em sistemas anatómicos, celulares e biológicos, processadores das géneses cognitivas, psíquicas e mentais induzidas pelo funcionamento do encéfalo e pelas redes neuronais, constituídas por mais de cem mil milhões de células nervosas, que se interconectam em sistemas que produzem a nossa percepção do mundo, centralizam a atenção do indivíduo e controlam a sua máquina, bem como seus mecanismos responsáveis pela acção. Ora, apesar de na última década se terem efectuados prodigiosos progressos na descoberta do cérebro humano e da sua funcionalidade, muitas das conexões das suas estruturas são ainda desconhecidas por completo, e isto apesar das neurociências nos ensinarem que cada 11 neurónio realiza, em média, mil conexões e recebe muitas mais, e que o encéfalo humano tem 10 14 neurónios e estabelece 10 conexões, encontrando-nos, de facto, perante uma realidade neurocerebral extremamente hipercomplexa, cujos verdadeiros e reais potenciais estamos longe de antever. No entanto, apesar de uma tal extrema hipercomplexidade, cujos potenciais se tornam impossíveis de prodiagnosticar a nível neurocerebral, um tal fenómeno torna-se ainda muito mais complexo ao saber-se da existência da cooperação intrínseca, mútua e recíproca, retro e interactivamente funcional entre processos cerebrais e estados mentais. Uma tal cooperação não só é qualitativa, mas também funciona de forma unitária e orientada para concretização da própria intencionalidade do cérebro, fazendo com que fenómenos mecânicos, químicos, eléctricos, celulares, activadores de grupos neuronais, sendo desencadeadores dos fenómenos psíquicos, entrem em colaboração com o emocional e com o afectivo, com o corporal e com o mental e produzam acções comuns, conaturais aos processos, aos níveis e aos estados mentais de cada pessoa, a qual, sem a sua própria actividade cerebral e a colaboração do seu sistema nervoso central, não funciona, visto ser a silenciosa actividade do cérebro que torna possível a mente, e, uma tal recíproca e unitária organização impregna não só as funções superiores do ser humano, mas, também, todas as restantes funções orgânicas. É que, de facto, actividades orgânicas, funções cerebrais e funções mentais interagem no sistema nervoso central e sobre ele, evidenciando, assim, a unidade e unicidade de cada ser humano. Por isso, cérebro e mente, nervos e músculos, intestinos e estômago, coração e pulmões, colaboram, unitàriamente, no desenvolvimento e na expansão, na concretização e na realização de cada ser humano. Uma tal unidade funcional do ser humano procede por interactivas hierarquias de capacidades e aptidões, percepções e sensações, sensibilidades ou mobilizações constituintes de “planos de fundo”. Estes planos possuem complexas hierarquias de intencionalidades como, por exemplo, a da motricidade, da sensorização, da lateralização, da tonicidade, da cerebração, da comunicação, da linguagem, da simbolização, do raciocínio, da conceptualização, da imaginação, da criatividade, da compreensão, da interpretação, das crenças, dos desejos, das experiências e das 58 vivências, etc.; etc.. E é da dinâmica concretização do conjunto destas hipercomplexas, múltiplas e interactivas intencionalidades que emerge o facto do ser humano se sentir ele mesmo. No entanto, este complexo conjunto de intencionalidades não teria sentido nem coordenação se não existisse uma estrutura de fundo única e unitária, a qual coordena as aptidões e as capacidades, as destrezas e as competências, as intencionalidades e as satisfações, as realidades e as realizações. Tal estrutura é, simultaneamente, dinâmica, mobilizadora e de natureza genofenotípica, desenvolvedora do natural e interiorizadora do adquirido. Faz com que dados exteriores, mesmo de natureza científica, se tornem partes integrantes da sua dinâmica como sucede, por exemplo, hoje em dia, com os postulados : “ a acção precede o conhecimento e não há acção sem percepção, nem percepção sem acção”. De facto, o perceptível move os mecanismos através dos quais o organismo toma conhecimento e o este, através das suas excitações sensoriais, receptores e transmissores, move o potencial da actividade cognitiva de um indivíduo. A nível factual, porém, duas realidades distintas se confrontam: o objecto material, cognoscível e a mente, cognoscente. Estruturas e dinâmicas mentais procuram, então, adaptar-se a estruturas materiais, através de acordos multiformes, fragmentários, jamais gerais e muito menos universais. É que, como escreveu Edgar Morrin : “ o ser não tem existência lógica e a existência não tem ser lógico ” ( O Método 4. as ideias: a sua natureza, vida, habitat e organização, p. 180 ). De facto, embora a mente humana possua capacidades de permanentes computações e de efectuar computações-descomputações, tanto o espaço como a temporalidade, as evoluções como as interlógicas, as emergências como as entropias, e, tanto os permanentes desafios e rupturas com as próprias lógicas tornam-as inadequadas à própria realidade. Por isso, as intenções, criações, resoluções ou soluções emanadas da própria mente são, simultaneamente, produto de algo mais que ultrapassa a esfera do mental, isto é, também do sensorial e do emocional, do lógico e do extralógico, do consciente e do inconsciente. Por tal razão, a tradicional dedução lógica mitifica ou desmitifica o real e a lógica indutiva parcializa-o. Apesar disso, da necessária intercooperação entre as duas lógicas e da necessária interacção entre a lógica do abstracto e a lógica do real, o cognoscível permanece aquém ou além da sua própria realidade, isto é, um subfragmento ou um superconceito do real. Os superconceitos, constitutivos de modelos, construtos e ideologias, mitificam a realidade e os subfragmentos desvalorizam-a. Os primeiros impelem o ser humano para um mito divinizante e as segundas não dão resposta às expansivas necessidades do cérebro humano. É que este não só possui potencialidades, necessidades, aspirações e desejos, mas, também, é alimentado pelos sentidos e pelos órgãos dos sentidos, pelas pulsões e pelas emoções, pelas atracções e pelas defesas, pelas intuições e pelas comparações, pelas emissões e pelas transmissões, pelo inconsciente e pelo consciente. As potencialidades e capacidades funcionais do conhecer emergem do todo do ser humano e é esse todo que deve ser valorizado. É que, como muito bem o formulou A. Heyting, em 1930: «a possibilidade de pensar não pode ser reduzida a um número definido de regras construídas anteriormente». K. Gobel, em 1931, formulou o seu teorema da seguinte maneira: “ a descrição epistemológica completa de uma linguagem A não pode ser dada na mesma linguagem A, porque o conceito da verdade das preposições de A não pode ser definido em A “. Sendo um facto que um tal teorema afunda com o mito e com a existência de uma lógica auto-suficiente, Karl Popper, insistindo na insuficiência da indução e da verificação, destruiu o carácter universal da certeza que tanto a indução como a verificação podiam trazer. Face a uma tal realidade factual das limitações do saber, não há dúvida que o que conhecemos é apenas um efeito da interacção da nossa mente com o mundo pelo qual somos envolvidos e, por tal razão, aquilo que conhecemos não é a 59 realidade, mas sim uma certa realidade dos seres, das coisas e dos objectos; dos factos e dos fenómenos. Por tal razão, as nossas estruturas e dinamismos do conhecimento são coproduzidos ao longo dos nossos processos e ciclos vitais, e influenciam os aspectos do conhecimento das realidades, visto estas serem, pela própria mente individual, organizadas e reorganizadas, estruturadas e restruturadas em função das percepções e das sensibilidades, do intelecto e dos conhecimentos, do potencial de integração e da absorção de cada unidade biossociopsicomental. É uma tal unidade que impõe ou projecta as suas formas e estruturas mentais sobre o mundo exterior, sobre o real, os factos e os fenómenos, e, graças a tais interacções, ressensibiliza, restrutura, reforma ou reformula as suas relações raciocinantes, pensantes e mentais com as realidades exteriores, e, esse conhecimento, do exterior, pode ser objectivo, mas, apenas, nas nossas percepções e relações com o mundo exterior, com os factos e os fenómenos e não com a realidade em si. Isto porque as actividades cognitivas do ser humano ligam e interligam processos lógicos de dedução e de indução e, procurando alhear-se da contradição, conectam racionalidade com postulados, axiomas e operações lógicas, chamando, aos seus efeitos, certezas racionais emanadas do que Castoriadis denominou «lógica conjuntista-identitária», a qual procede de forma idêntica à lógica clássica, construtora de regras computacionais para todo o pensamento e para qualquer sistema tradicional de ideias, enraízado suporte das normas intelectuais, dos conjuntos de atitudes e de comportamentos, da criação e do desenvolvimento de culturas e de civilizações, das relações sociais, das convivialidades pessoais e das manifestações afectivo-emocionais. Pensamentos e raciocínios, actividades cognitivas e actividades mentais aparecem, então, como produtos ou efeitos das estreitas, mútuas e recíprocas interdependências funcionais de tais características, e, o ser humano, avaliando-se por tais atributos, permanece sem saber que o é, e, muito menos, o que deve ser. É que, através dos seus raciocínios dedutivos, aplicando as regras gerais aos casos particulares, os indivíduos anulam as suas especificidades, e, através das suas lógicas indutivas perdem-se no específico e especulam sobre o geral, atitude raciocinante que fez com que Russell escrevesse: «eu não posso deixar de pensar que a nossa crença obstinada na indução apresente certas relações com a expectativa animal». No entanto, apesar do pensamento racional possuir os potenciais necessários para associar, em simultâneo, indução e dedução, visto o ponto de chegada de uma indução tornar-se ponto de partida de uma dedução, a real e autentica certeza que um ser altamente computante possui é a certeza de possuir a certeza de não poder adquirir a certeza nem a não-certeza. Na dinâmica de uma tal hipercomplexa ambiguidade, o ser humano pensa e repensa, busca e rebusca, procura e investiga, e, apesar de encontrar relações e interrelações entre ele e o real, solidariedades, emergências, parcialidades ou totalidades cuja a concepção da realidade é sempre uma concepção que a mutila. As lógicas humanas, indutivas e dedutivas, por mais abstractas, são lógicas de instrumentalização do real, de manipulação deste em função das necessidades individuais e, manipulando-se o real, manipulam-se os conceitos e, ao manipular-se os conceitos mutila-se as capacidades do conhecimento, do pensamento e da mente. Um tal conjunto de comportamentos inter-humanos, bem como das suas inter-relações com as realidades factuais e fenoménicas, evidencia a existência das multidimensionadas concepções científicas acerca da mente, da racionabilidade e 60 da consciência humana, bem como das suas potencialidades, dimensões e intencionalidades da indivisível união da mente-cérebro. É que de uma tal indivisível e homeostática unidade emergem necessidades próprias, quantitativas e qualitativas, materiais e psicológicas, emocionais e mentais, subjectivas e objectivas, emanadas de estruturas corporais, sensoriais e perceptivas; de instintos e de desejos, de pulsões e de intenções conaturais à natureza biossociopsicológica e psico-afectiva-emocional de cada ser humano, o qual necessita de respostas satisfatórias, complementares e estimuladoras. No entanto, todo este conjunto de necessidades emerge das interacções dos processos bioneurocerebrais, em recíprocas interacções com os factores do ambiente, dos meios, dos trabalhos e das motivações individuais, e cujos efeitos desenvolvem necessidades de intencionalidades, de orientações, de expansões, de concretizações e de congruências, estimuladoras de comportamentos novos, de transformações e mudanças a nível de atitudes, de ruptura com os passados e de emergência dos presentes, bem como de prospectivações dos devires e dos futuros. Tal é o efeito da intrínseca e profunda necessidade de segurança do ser humano, o qual possui necessidade de caminhar e de se desenvolver sem acentuadas desidentificações com o passado, mas sim liberto dos viciosos e pandemoníacos círculos das esteriotipias do presente, o que implica a existência de respostas satisfatórias às necessidades vitais, funcionais e homeostáticas de um indivíduo no seu presente, as quais, interiorizadas na sua individual estrutura de fundo, colaboram com os restantes factores estruturais da sua natureza na elaboração e desenvolvimento de novas e diferentes intencionalidades, objectivos, metas e concretizações reais, factores originadores de novos níveis de consciência individual, bem como de novos e diferenciados estados mentais, e, por tais factos processuais, os indivíduos elaboram novas e diferentes estruturas cognitivas, tanto a nível qualitativo como quantitativo, o que os potencializa para novas e diferentes interrelações e interacções. I - DINAMISMOS DOS PROCESSOS SENSÓRIO-PERCEPTIVOS DOS ESTADOS MENTAIS Sendo a comunicação do ser humano com o seu meio e ambiente efectuada através de sua própria pele, órgãos e sentidos dos órgãos, que conduzem a informação às regiões cerebrais, uma tal actividade, dependente da importância e do valor que seu proprietário lhe dá, tanto em qualidade como em estima, em desenvolvimento como em acção, seria o suficiente, caso outras razões não existissem, para hieràrquicamente, tanto em qualidade como em quantidade, se distinguirem as capacidades de apreensão do real de um indivíduo do outro. É que, de facto, a recepção das informações do exterior interdepende, enormemente, da acção e do desenvolvimento dos tipos de sensibilidades que seus próprios receptores possuem, quer estes sejam de natureza química, mecânica, térmica, exteroceptiva ou próprioceptiva. A interactividade dos receptores constitui e desenvolve no indivíduo fenómenos sensitivos, de sensibilização e de sensações, não só enriquecedores das próprias vitalidades mas também desencadeadores bioenergéticos e motivadores de acção. Isto porque o sensorial, globalmente, bioenergiza as estruturas nervosas e 61 estas, através das informações e mensagens que veiculam, elaboram dinâmicas específicas de libertação, de expansão, de orientação, de estimulação ou de condicionamento tanto do sistema nervoso periférico como do sistema nervoso central. Um tal conjunto de dinamismos processuais positivos ou negativos informa o cérebro e este, em função das suas estruturas, experiências, vivências e associações, valoriza ou desvaloriza tais informações, elaborando, a partir destas, as suas próprias mensagens. Tanto a qualidade como a quantidade de tais mensagens geram no indivíduo intencionalidades pré-condicionantes, embora, do conjunto de tais interacções, da sua natureza, dinâmica e vivências, resultem maiores ou menores aberturas, disponibilidades, maleabilidades e flexibilidades geradoras de sequenciais atitudes e comportamentos positivos, estimulantes e motivadores. De facto, um tal conjunto de interacções retroactivas e recorrentes, reciprocamente efectuadas entre o sensorial, os sentidos, os órgãos dos sentidos e o cérebro em geral geram fenómenos sensitivos e aumentam ou diminuem as capacidades de percepção e de transmissão das sensações cutâneas e exteroceptivas, fontes de alimentação do próprio cérebro e, simultaneamente, do seu descondicionamento, graças aos processos de sensibilização deste, o qual, por sua vez, se torna epicentro de energia, de vitalidade, de estímulo e motivação, e faz com que o cérebro se adapte, com maior ou menor flexibilidade, às circunstâncias, originando, através de tais interacções, mecanismos e processos de percepção com hierarquias de maior ou menor actividade-realismo, utilização ou prazer. Em consonância e dependência de tais categorias, o cérebro assimila, acomoda-se, interioriza ou interpreta as informações oriundas do sensorial, graças à actividade e interactuação deste ou daquele conjunto de neurónios, estimulados ou motivados pela acção mais ou menos rica da natureza, de conteúdos e dos contextos sensoriais, riqueza que se irá diluindo através da acção dos lobos frontais e préfrontais, e, da interacção com suas diversas áreas, as quais elaboram a imagem, a ideia, o conceito e os raciocínios, tornando possível a elaboração mental e a concretização da acção voluntária, o que faz com que, a partir daí, mente, vontade, experiência e meio interajam mútua e reciprocamente, combinando-se e estimulando-se, inibindo-se ou bloqueando-se, como de facto se constata através das análises efectuadas com recém-nascidos ou com os resultados dos efeitos dos meios ambientes, dos processos de desenvolvimento emocional, afectivo e cognitivo das crianças. É que, se o meio, marca significativamente o cérebro, também a restruturação do cérebro ou a sua reactivação gera no indivíduo diferentes relações com o meio. Os próprios factores de crescimento biológico, em sua dependência de outros factores de natureza física e química, ambientais e sociais, ilustram bem a necessidade que as estruturas cerebrais de um ser humano possui de ambientes adequados à sua própria natureza e funcionalidade, as quais são, de forma acentuada, modeladas, estimuladas, reactivadas ou inibidas por estes, originando-se, assim, fenómenos de polivalentes correntes biossociopsicológicas, caracterizadoras tanto de comportamentos biofísicos como psicomentais e, por conseguinte, também de experiências com maiores ou menores níveis de consciência individual, e, por tal facto, subjectivas, marcadoras da individualidade, da percepção e das relações com o exterior, sintetizadoras da anterioridade vivencial e reorganizadoras do todo presencial, apesar da apreensão da dita “objectividade” 62 não passar de dois ou três aspectos do real, em consonância com a maior ou menor momentânea intencionalidade do cérebro. É que, a nível dos factos, o cérebro capta o real em função da sua organização e é ele que deverá conseguir a flexibilidade necessária para a apreensão do mundo dos factos e dos fenómenos, visto a relativa apreensão da objectividade depender da sensibilidade neurocerebral, do seu actuante estado de plasticidade, de flexibilidade e maleabilidade; da interactividade das suas funções e dos seus potenciais de envolvência. De uma tal interactiva correspondência entre o cérebro e o real, o facto ou os factos, o fenómeno ou os fenómenos, dependerá a maior ou a menor objectividade do conhecimento, a maior ou menor eficiência, bem como o maior ou menor grau de certeza ou incerteza, visto o cérebro alimentar-se de informações, e, quantas mais possuir, sem atingir o seu nível de saturação, mais rico permanecerá, e, por conseguinte, mais e melhores mensagens elaborará, e, por tal razão, caso oriente tais mensagens, mais possibilidades terá de adequar a mente ao facto real, visto, em seu sentido tradicional, a verdade ser a adequação da mente à coisa ou ao facto, isto é, adequação da sua organização cognitivo-mental às situações dos factos ou à organização dos fenómenos, visto tratar-se de uma reprodução mental e não de uma cópia ou de um reflexo da realidade, resultando, então, o conhecimento das correspondências cognitivas, efectuadas entre o cognoscente, o seu conhecimento e o cognoscível, o que faz com que o conhecimento do cognoscente desempenhe a função de dispositivo de ligação e de interacção oscilatória entre o cognoscente e o cognoscível. O conhecimento do cognoscente mobiliza a realidade factual ou fenoménica, e, esta permanecerá sempre relativa ao conhecimento, visto este jamais poder conhecer a totalidade que está por detrás de um facto ou fenómeno. Pretender conhecer exaustiva ou radicalmente uma verdade total constitui, por isso, denominador da antirazão. No entanto, não só certos cognoscentes, mas, também, certos processos cognitivos e estados mentais de este ou daquele cognoscente fazem com que uns se aproximem mais da verdade que outros ou que uns tenham muitas mais limitações que outros, e, outros nem sequer de longe se aproximem de tais verdades. Restringindo-nos, aqui, as exemplificações de normalidade funcional, a nível neurocerebral tais limitações tornam-se, mais ou menos acentuadas, quando o cognoscente, a nível de processos cognitivos, se conduz por normas de excessiva simplificação, efectua, de modo acentuado, apenas operações analíticas, sintéticas, disjuntivas ou redutivas, e não envolve o todo do seu potencial neurocerebral nas camadas ou estruturas primordiais do real, dos factos ou dos fenómenos que pretende conhecer, significando isto que, a maior ou a menor objectividade do conhecimento, possui, como seu fundamento basilar, a relacionalidade do sujeitoobjecto e da mente-mundo, o que faz com que o conhecimento seja sempre realismo relativo, umas vezes mais repleto de realidade que de irrealidade e outras mais de irrealidade que de realidade. Uma tal oscilante dialéctica entre irreal-real e vice versa, efectuada pelo indivíduo cognoscente, interdepende não só do desenvolvimento e da dinâmica do seu próprio conhecimento, mas, também, de primordiais factores como a temporalidade e a espacialidade , o meio e a cultura, os estímulos e as motivações, factores que condicionam o flexível potencial de todo o sujeito cognoscente. Uma tal realidade gera no indivíduo consciência de limitações, as quais são relativamente superadas após consciencialização dos processos de consciência, ou seja, reflexão acerca das razões causais das próprias limitações, o que gera fluídos conscientes, geradores de positivos auto-conceitos, imagens de si mesmo e 63 eliminação das disparidades entre sujeito-objecto, visto estes comportamentos restruturarem as imagens de fundo, desierarquizarem as hierarquias cognitivas, refundirem as suas estruturas e ressocializarem os seus dinamismos. Uma tal intrínseca e processual dinâmica do próprio cérebro, dinamizadora de figuras e de imagens de fundo, enraíza na acção conectiva do seu potencial, cuja intencionalidade é restruturar-se e expandir-se, desenvolver-se e assumir-se em processos de inter e retroacções com os factores do mundo real. Um tal conjunto de tais hipercomplexas interacções não pode seguir, regra geral, uma simples linearidade da relação causa-efeito, visto uma elevada energia dos agentes cognitivos não pertencer, directamente, à esfera da cognição mas sim à esfera do instintivo, do pulsional, do emocional e do afectivo, elementos essenciais da natureza e dinâmica do inconsciente individual. Por isso, a mente de um indivíduo, como seus estados mentais, bem como seus respectivos processos de conhecimento não estão todos envolvidos na consciência e, caso ousássemos matematizar, diríamos que estão mais no inconsciente que no próprio consciente. A dinâmica de uma positiva funcionalidade cognitiva exige que as forças e os dinamismos do inconsciente sejam assumidos e relaborados pelo próprio consciente, para que este possa efectuar, expandir e dinamizar o seu potencial e dinâmica de cognição. Por isso, o consciente deverá procurar no inconsciente e transformar, sucessivamente, maior ou menor parte dos elementos do inconsciente em consciente, integrando-os neste, restruturando-o e revitalizando-o. Apesar da intrínseca necessidade da realização efectiva de um tal processo, imenso potencial de uma tal relação permanece, ainda hoje, insondável . É que o consciente de um indivíduo emerge do seu próprio inconsciente, através de processos inconscientes, os quais não só originam vitalidade, consciência e autoconsciência, mas, também, possuem, em si mesmo, a capacidade de elaborar ou desencadear a maioria absoluta das doenças ou desequilíbrios mentais, emocionais ou psicossomáticos. Uma tal constatação torna-se mais que evidente ao tomar-se consciência de que a própria consciência do indivíduo conhece extremamente pouco acerca do organismo, do cérebro, da operatividade do seu funcionamento, das maneiras como este age e reage em relação ao mundo exterior, à sua própria interioridade, à cultura, à sociedade, etc.. Por isso, sem inconsciente não existe consciente e este persegue, incessantemente, o primeiro na tentativa de descobrir o seu mistério e de conhecer ou explorar, minimamente, o seu saber acumulado através da evolução sócio-bio-psicológica. Por isso, sendo o consciente uma parte muito limitada do ser humano, ele encarrega-se, apenas, de uma parte do conhecimento, visto este elaborar-se, na sua maioria, através de processos inconscientes, efectuações que explicam a existência de actividades intelectuais durante o sono e de certas descobertas ou soluções de problemas poderem aparecer como iluminações súbitas ao fim de um longo trabalho inconsciente, factos que explicam que as operações lógico-matemáticas ou lógico linguísticas utilizadas para comunicação dos nossos pensamentos ou conhecimentos não são nem total nem necessariamente conscientes. É que a criação surge, na maioria absoluta dos casos, das interacções ou interferências entre o consciente e o inconsciente, e, em seguida, retroage sobre o elemento do qual emergiu, processo que torna o consciente frágil, com relativa autonomia, inseguro e inconstante, pois ele sente que pode ser alterado, desregulado e mesmo descontrolado, mais ou menos estimulado ou mais ou menos inibido por contingências, acidentes ou incidentes que afectem o inconsciente ou a própria dinâmica da máquina cerebral. 64 No entanto, infelizmente, nem sempre a dinâmica do consciente toma consciência das suas disfuncionalidades relacionais com o inconsciente, visto a própria porta de passagem, o pré-consciente, não se encontrar em situação ou com dinamismos adequados à harmoniosa confluência de elementos ou factores do consciente e do inconsciente, o que conduz o indivíduo a regressões, a rupturas consigo mesmo, a falsas consciências e a vivências no mundo das confabulações, fenómeno comportamental que se torna muitíssimo pior que a inconsciência, visto o indivíduo passar a viver num mundo que, sendo ilusório ou fantasmagórico, permanece convencido de que vive no mundo real. No entanto, desenvolvimentos ou progressos do conhecimento de um indivíduo não implicam, necessariamente, o desenvolvimento e a expansão da sua autoconsciência, o que faz com que o sábio ou o génio possam ser, ao mesmo tempo, um inconsciente, um desequilibrado ou um doente mental, visto a consciência ser móvel e instável e, por isso, ser passível de desenvolvimento ou de atrofiamento, de expansão ou de bloqueamento. A análise da existência de tais comportamentos leva à inferência da existência de constelações de neurónios mais ligados à elaboração da consciência que outros, e, tanto o equilíbrio como o hipotético desenvolvimento do seu proximal potencial implicam acção e retroacção, não só de todas as contelações neuronais, mas, também, interactivação de todas as redes e guias neurocerebrais, efectuada com aceitação do inconsciente e seu respectivo potencial e em interacção com a sensibilidade, flexibilidade, maleabilidade e criatividade emanadas da própria consciência. Uma tal exigência da própria funcionalidade equilibradora do ser humano evidencia subjamente que ele não é um mero efeito, que é um produtor neurofisiológico e mental de entradas-saídas e que, tanto a nível de sua natureza como a nível de seus próprios processos e mecanismos de evolução ou aprendizagem, possui imenso por descobrir. Sabemos, no entanto, de forma global, que o ser humano normal é dotado de inconsciente e de consciência e que se o inconsciente possui maiores ou menores impregnâncias biossensoriais, o consciente possui intencionalidade, a qual, apesar de não envolver a totalidade do consciente, gera nele, normalmente, capacidade de orientação e de concretização de uma grande parte dos actos, das atitudes e dos comportamentos que pretende concretizar, embora, como é obvio, quando um dado estado mental se deixar evoluir pela depressão, angústia ou desânimo, pessimismo ou negativismo, ele sinta acentuado esmorecer na efectivação da intencionalidade, e isto apesar da existência vivencial das anteriores experiências conscientes. É que as anteriores características de muitos estados mentais obnubilam a intencionalidade da mente e, a interactiva reciprocidade funcional consciente-inconsciente permanece ofuscada, através das “portas-janelas” do pré-consciente ou subconsciente. Demonstrando a análise de uma tal realidade que a equilibrada individualidade de um ser humano é efectuada através de uma interactiva expansão de seus processos bioneuropsicológicos, inacessíveis, em grande parte, à consciência, esta, porém, pode não só desencadear, mas, também, activar enormes potencialidades de tais processos, desde que desempenhe funções de marcadores conscientes e de regeneradores de autoconsciência, bem como de familiarização com esta, a qual, voltada quer para o interior, quer para o exterior, gera no indivíduo qualidades, sensações muito variadas de diferença, e, a diferença, segundo Freud, depende das relações com o mundo exterior, encontrando-se, nela, séries, semelhanças ou diferenças qualitativas e jamais quantitativas, o que nos leva a 65 afirmar que existem hierarquias de qualidades e de percepções, vitalizadores e restruturadores dos estados mentais e, por conseguinte, também da sua optimização, fazendo com que estes se tornem estados mentais familiares, coerentemente estruturados, abertos e disponíveis à absorção de novas sensações, percepções, imagens, associações, inferências, induções e deduções. Ora, sendo a consciência de um indivíduo o epicentro da sua vida mental, ela influencia não só seus estados mentais, mas também activa ou desactiva, em maior ou menor escala, os mecanismos e os processos de elaboração e de desenvolvimento do conhecimento, bem como as relações deste com o mundo exterior e a comunicação interior. A existência e dinâmica desta comunicação interior é de capital importância na elaboração dos estados mentais de um indivíduo, visto estes possuírem os seus dinâmicos alicerces na existência e dinâmica de sentimentos novos, de experiências e emoções e na capacidade de compreender o que cada um destes dinamismos comunica ou produz em tais estados, como sucede, por exemplo, com as comunicações efectuadas pelos sentimentos de alegria, de tristeza, de ira, de cólera, de medo ou de amor, podendo, então, entender-se estado de uma pessoa como sendo os resultados psicocomportamentais e afectivoemocionais das suas experiências subjectivas vivênciadas num momento determinado. Estes estados, a maioria das vezes caracterizados por elevadas doses de emoções e de sentimentos, que interactuam abaixo dos limiares da autoconsciência, possuem poderosíssima influência não só nas reacções com os outros, mas, também, em relação a nós mesmos, às atitudes e aos comportamentos, como aos processos de aquisição do conhecimento e da aprendizagem, sem se tomar consciência, de facto, de tais dificuldades. Porém, quando a sensatez, a iluminação ou a força do próprio consciente levam o indivíduo a tomar consciência de tais causalidades comportamentais, tais mensagens são registadas no córtex cerebral e, a partir daí, o indivíduo poderá avaliar ou analisar tais dificuldades numa nova perspectiva, decidir, libertar-se de tais dificuldades ou obstáculos e, então, perspectivar-se a si mesmo, ao mundo, aos factos e aos fenómenos de maneira substancialmente diferente. Um tal processo de auto-consciencialização, quando familiarizado, tem tendência a captar as dimensões negativas ou obstaculizantes da fluidez de tais processos e, quanto mais possível no seu início, melhor, pois, após um processo de captação interiorizada, o indivíduo tende a libertar-se de tais causas, quer estas sejam de natureza ansiosa, deturpe as imagens ou as ideias da rejeição de novas emoções, sensações ou sentimentos ou do medo de abertura a novos mecanismos ou modalidades comportamentais, o que reforça a dinâmica revitalizadora do indivíduo, economiza-lhe energias, expande-lhe a sua individualidade e desenvolvelhe não só a sua inter-comunicabilidade, mas, também, as suas relações interpessoais e, através de continuas exercitações, o indivíduo passa a possuir e manifestar comportamentos muito mais positivos e aprendizagens muitíssimo mais eficientes, com estruturas cognitivas muito mais interdimensionadas e activadoras, com consciência muito mais acutilante e pensamento muito mais autónomo e independente. De facto, a nível de estruturas e de dinâmicas do conhecimento, embora vivamos em sociedades, cujo inconsciente colectivo impregna o frágil consciente individual, constantes modelos do pensar, do conceber e do apreender tanto as estruturas como as dinâmicas individuais de cada um, na sua realidade funcional, não são iguais às de nenhum outro. Constatam-se, porém, semelhanças nas suas 66 variáveis, e, o desenvolvimento de algumas destas variáveis influenciam o desenvolvimento de outras ou o desenvolvimento de umas interdependem do desenvolvimento de outras. Tal é a pulsão da dinâmica sistémica de um indivíduo, a qual, a nível das suas intencionalidades profundas, possui necessidades de desenvolvimento harmonioso, de equilíbrio pessoal e de adaptação social, cuja concretização, graças à forte influência das dinâmicas socioculturais dos meios, faz com que, a nível de personalidade pessoal, o ser humano desenvolva estruturas sociopsíquicas em conformidade com os modelos dominantes dos meios na sociedade e na cultura, não raras vezes cristalizadores da necessária e imprescindível flexibilidade, das genuínas destrezas e habilidades, bem como desviadores da totalidade do potencial desenvolvimento, embora, sociologicamente, auto-reguladores das formas comportamentais que a sociedade exige para fundamento da sua coesão. Um tal comportamento do inconsciente social, no entanto, desvaloriza a realidade factual e o desenvolvimento das estruturas psicoemocionais do indivíduo, as quais, na essência da normalidade funcional de suas dinâmicas bioneuroemocionais, possuem como fortes e acentuadas intencionalidades, a concretização da espontaneidade e o desenvolvimento da autenticidade, a adaptabilidade e a flexibilidade, a criatividade e a congruência comportamental, emergentes das interfuncionalidades do cérebro-corpo, bem como dos retroactivos efeitos da mente em interacção com factores socioambientais. Do dinâmico conjunto destas últimas interacções resulta a consciência social do indivíduo, a qual, apresentando-se a ele como a fonte arbitral dos seus comportamentos, constitui-se, simultaneamente, como uma faculdade que permite ao indivíduo tomar conhecimento de si, do mundo exterior e das interacções existentes ou a existir entre um e o outro. A consciência, segundo Freud, significando consciente, conhecimento, moral, e, também, essência do psiquismo, permite a síntese e a análise das experiências do indivíduo em função da estrutura e da dinâmica da sua própria individualidade. Por isso, a consciência, possuindo intencionalidades, lida e toma conhecimento de si mesma, dos outros, das coisas, dos factos e dos acontecimentos. É selectiva tanto no tempo como em relação aos aspectos dos objectos com que lida e é receptiva a modificações, embora, em sua progressão de normalidade, permaneça continua. Esta consciência elaborada de um indivíduo, formada ao longo de múltiplas e complexas experiências, vivências, conhecimentos e reconhecimentos, implica o reconhecimento, por um sujeito pensante, dos seus próprios actos, afectos, emoções, pulsões, desejos, intencionalidades e projectos individuais. Esta consciência, ao contrário da consciência básica ou primária, que é o estado em que o indivíduo se encontra mentalmente, é, no fundo, o estar-consciente de ser consciente, o que envolve, simultaneamente, consciência das experiências e das vivências pessoais, das emoções e dos sentimentos, das sensações e das percepções individuais, subjectivas e pessoais, e, por isso, objectivamente intransmissíveis, apesar de um indivíduo poder contar a outrém a sua experiência ou vivências, as suas percepções ou emoções, mas, estas mensagens serão sempre interpretadas em função da estrutura sòcioemocional e psicomental do interlocutor. O reconhecimento de uma tal realidade conduz o emissor à consciência da sua autoconsciência, da sua individualidade e da sua identidade, características exclusivas do reino humano, alcançadas através dos desenvolvimentos e das 67 evoluções genofenotípicas da espécie humana, geradoras de incessantes capacidades adaptativas. A existência de um tal hipercomplexo conjunto de qualidades, propriedades e características de um indivíduo, demonstra, que todas elas, emergem das suas estruturas e dinâmicas estruturais, das suas acções e das suas funções neurocerebrais, as quais, interfuncionalmente, emergem de um todo: o ser humano individual. Uma tal interfuncionalidade é, simultaneamente, interdependência e, por isso, não só a consciência e o consciente, mas, também, o pensamento de um indivíduo é dependente de múltiplas e complexas variáveis, não só, individualmente, neurocerebrais, mas, também, de condições e factores antropológicos, sociais, ambientais e culturais, o que nos coloca face à problemática das hipercomplexas intencionalidades de um cérebro humano em mútuas e recíprocas interacções com a complexidade da sua própria consciência. Tornou-se evidente, porém, que, uma das características essenciais do cérebro, bem como de todo o organismo vivo em geral, é a de dar início à acção ou, pelo menos, a de preparar-se para dar. Uma tal afirmação encontra èco nas palavras de Jean Piaget quando afirma: « a acção precede o pensamento ». Uma tal acção do cérebro ou, pelo menos, a sua predisposição para a acção, processada inconscientemente, e, em função de uma impregnada intencionalidade do cérebro e, em consonância com a sua própria natureza, origina algo de elaboração mental, elaboração cujos sucessivos processos originam as sucessivas actividades cerebrais, actividades que, com os seus sucessivos desenvolvimentos e alargamento, poderão não só desviar, mas até deteriorar ou mesmo asfixiar as dinâmicas funcionais primárias da actividade cerebral. Tal é, no fundo, a força do consciente, o qual, por suas decisões, rejeições, bloqueamentos, negações ou traumas, poderá não só bloquear o desenvolvimento do seu potencial bioenergético mas até asfixiar, e, mesmo deteriorar as conaturais actividades da sua própria máquina cerebral. Esta factível realidade demostra que as conaturais actividades cerebrais, anteriores à existência da mente, da consciência e do pensamento, deveriam completar-se, mútua e reciprocamente, interajudarem-se e expandirem-se em função de todos os seus potenciais, e não o contrário, fazendo com que, em todas as decisões que um indivíduo tome, estas sejam efectuadas em consonância com as estruturas cerebrais, a mente, a consciência e o pensamento, visto tais factos mentais aparecerem depois dos cerebrais e, por isso, dando ordens ao cérebro, a certos pontos, áreas ou regiões cerebrais, estas executam, com maior ou menor fidelidade, a ordem recebida da mente, da consciência ou do pensamento, e estas execuções, por sua vez, não só estimulam e desenvolvem a acção das estruturas cerebrais, mas, também, intensificam e redimensionam tanto as funções da mente como da consciência ou do pensamento, graças aos processos de retroacção e de introinspecção efectuados por tais interacções. A presente análise do funcionamento do ser humano demostra que este é um ser biossociopsíquico, em permanente desenvolvimento de intencionalidades, em busca de acção e de sentido, de orientação e de progressão em sua escala de desenvolvimento ontofilogenético, genofenoménico, sòcio-emocional e psicoafectivo. Por tais razões, não é difícil aceitar, factualmente, que o funcionamento cerebral de um indivíduo e sua respectiva dinâmica condicionam, de forma acentuada, a maneira como ele elabora e desenvolve a sua mente, o seu pensamento, a sua linguagem e o seu próprio comportamento. No entanto, as 68 variáveis e hipercomplexas consequências de tais elaborações, inobserváveis e observáveis, interactuam, por sua vez, sobre o funcionamento, a dinâmica e as funções do cérebro, o que nos coloca perante a hipercomplexa problemática de natureza neuropsicológica de sabermos como se relacionam as moléculas responsáveis pela actividade das células nervosas e a hipercomplexidade dos processos mentais ou, por outras palavras, segundo Kendel e outros ( 1997: 5 ) perante a questão de «entender as bases biológicas da consciência e dos processos mentais pelos quais percebemos, actuamos, apreendemos e recordamos.». A tentativa de responder a tais questões teve início no século XIX com os trabalhos do médico italiano Golgi e do espanhol Ramón Cajal, os quais tentaram descrever, pormenorizadamente, as estruturas das células nervosas. A partir de posteriores estudos ao nível da fisiologia, da embriologia e da farmacologia os estudos acerca das células nervosas, do encéfalo e do comportamento humano, tornaram-se mais rigorosos, mais precisos e concretos. Franz Gaal (século XIX) interrelacionou o estudo do comportamento humano e os conceitos biológicos com conceitos psicológicos. Segundo ele existiam regiões do córtex cerebral que controlavam funções específicas. Por isso, segundo ele, o cérebro dividir-se-ia em trinta e cinco órgãos, correspondendo cada um deles a uma faculdade intelectual ou emocional específica e, ainda segundo ele, devidamente exercitada, produziria um aumento do tamanho da respectiva área do encéfalo, aumento esse que seria visível ao crescer e, por tal razão, provocaria um aparecimento de bossas cranianas que indicavam quais as zonas do encéfalo mais desenvolvidas. Florens, por sua vez, reexaminou a teoria de Gaal através do estudo do encéfalo de animais e concluiu que as condutas específicas dos comportamentos humanos não dependem exclusivamente de regiões específicas do encéfalo mas que todas as regiões do encéfalo participam, directa ou indirectamente, em cada função mental, o que faz com que, segundo ele, tanto as percepções como a vontade tenham acento nos órgãos e nas estruturas cerebrais. H. Jackson, baseando os seus estudos em pacientes com epilepsia, pôs em causa a teoria de Florens e, nos princípios do século XX, K. Wernicke, C. Sherrington e Ramón Cajal desenvolveram a teoria do conexionismo celular, a qual defende que os neurónios individuais são as unidades de sinalização do encéfalo, organizando-se, geralmente, em grupos funcionais, conectando-se uns com os outros de forma precisa. Wernicke, neurólogo alemão, por sua vez, demonstrou que os diferentes comportamentos são medidos por diferentes regiões do encéfalo, as quais interconectam-se mediante vias neuronais particulares. A particularidade neurofuncional de cada indivíduo fora, em síntese, analisada por Francis Galton (1822–1911) em seus estudos de psicologia diferencial, o qual, estando convicto que os factores hereditários desempenhavam um papel importante na determinação das diferenças individuais, tentou demonstrar a existência de um factor geral da inteligência sobre factores específicos, apesar de não ter valorizado suficientemente a acção dos factores do meio sobre o desenvolvimento das capacidades intelectuais. As técnicas modernas do estudo do cérebro e de análise dos acontecimentos cerebrais, por exemplo, a tomografia por emissão de positrões (TEP) revelam-nos ser possível localizar o local onde se deu um afluxo sanguíneo, devido a uma activação sensorial, motora ou cognitiva. A magnetoencefalografia (MEG) é uma técnica que regista os campos magnéticos produzidos pelo cérebro, através de um aparelho que mede a intensidade ou a grandeza do campo magnético na proximidade do couro cabeludo. Por sua vez, a electroencefalografia ( EEG ) é 69 uma técnica que mede os potenciais eléctricos dos influxos nervosos transmitidos pelos neurónios através de eléctrodos presos ao couro cabeludo e ligados a um potencial ultra-sensível, que vai registando a actividade espontânea do cérebro, a que se sobrepõem outros sinais mais específicos ligados a tarefas motoras, sensoriais e cognitivas particulares que a pessoa efectua durante o exame. Além dos objectivos específicos de tais técnicas, estas demostram-nos que os efeitos dos estímulos sensoriais enviados ao cérebro exercem a sua acção nas mais variadas regiões, e, não necessariamente, apenas numa região, área ou lugar exclusivamente. Mesmo quando os estímulos ou constelações estimulares são, a nível de cartografia cerebral, específicas de certas áreas, como sucede, por exemplo, com a linguagem, com o emocional, com a visão ou com o raciocínio, etc., os efeitos de tais estímulos expandem-se a outras áreas, as quais agem e reagem interactiva e reciprocamente, demonstrando-nos, assim, a existência do enorme potencial de elasticidade e de maleabilidade que possuem as estruturas cerebrais, que são diferentes de pessoa para pessoa ou de indivíduo para indivíduo. No entanto, estas características de maleabilidade, elasticidade e adaptabilidade, apesar de serem próprias do cérebro, as suas potencialidades manifestam-se extraordinárias na primeira e segunda infância, menos reveladoras na juventude, e, ainda menos no estado adulto, apesar de, naturalmente, se constatar a existência de enormes excepções, o que, no fundo, confirma a regra. Estas excepções, porém, são normalmente efeito de acentuadas mudanças individuais na vida das pessoas como sucede por exemplo, com a mudança de uma pessoa para novos e diferenciados níveis socioculturais, com os efeitos de prolongadas psicoterapias estruturantes, visto as personalidades das pessoas manifestarem, em seguida, atitudes e comportamentos dos seus reencontros individuais e restruturações pessoais. A análise de tais efeitos pode demonstrar-nos que, possivelmente, a actividade das estruturas neuronais de um indivíduo não perdem a sua elasticidade ou maleabilidade adaptativa, visto todas as mudanças ou aprendizagens desencadearem alterações no cérebro e reforços das interligações sinápticas mas, provavelmente, tais ausências ou prováveis perdas de elasticidade do cérebro são efeito dos esquemas mentais e das estruturas cognitivas que os indivíduos, ao longo de sua vida, foram criando, reforçando ou estimulando. É que, de facto, sendo os esquemas mentais, culturais ou civilizacionais conjuntos estruturados de conhecimentos, de imagens, de ideias ou abstrações, um tal conjunto de estímulos e de objectos de estímulos estimulam o desenvolvimento de certas zonas cerebrais em prejuízo de outras, como é evidente, por exemplo, na civilização ocidental, em que a intensidade de estímulos está virada para o raciocínio tecnológico, matemático ou tradicionalmente dito científico, em desvantagem de estímulos voltados para o criativo, o espontâneo, o natural, o emocional ou o afectivo, comportamentos socioeducativos e culturais que desenvolvem padrões mentais diversificados, tanto de raciocínio como de memória, de atitudes como de comportamentos, de concepções individuais como de valores pessoais que estimulam umas áreas cerebrais e subvalorizam, bloqueiam, asfixiam ou anulam outras. E, a partir daí, jovens e adultos seleccionam, maioritariamente, os estímulos adequados a tais áreas já desenvolvidas, reforçando, então, os esquemas de raciocínio, de conceptualização ou de ideologização, em prejuízo do desenvolvimento de esquemas sensoriais, emocionais, afectivos, interpessoais, interrelacionais ou intracomportamentais, o que, como é óbvio, inibe, bloqueia ou 70 asfixia o potencial bioenergético de elasticidade e de adaptabilidade do próprio cérebro. A partir da existência de tais estruturas e dinâmicas mentais, comandadas por esquemas e subesquemas psicocomportamentais, as pessoas filtram, tratam, codificam e armazenam as informações, avaliam e prevêem situações, inferem comportamentos e decidem acções, tipificando, então, a sua funcionalidade cerebral, padronizando o seu desenvolvimento socio-cognitivo e reduzindo o seu potencial de activação neurocerebral, devido à ausência de hierarquias de estímulos sensorioperceptivos, psicocorporais, emocionais e afectivos, próprios das adesões, das envolvências e das totalizações. É que, apesar da existência de áreas cerebrais mais propícias ao desenvolvimento de uma faculdade que de outra, tais áreas constituem subsistemas abertos, que agem e reagem positiva ou negativamente, e, de modo interactivo, sobre outras, apesar de mais imediata e directamente sobre umas que sobre outras. A dinâmica das estruturas cerebrais obedece, por isso, a uma funcionalidade, cuja intensidade, qualidade e dimensão interdependem de múltiplas e hipercomplexas variáveis combinadas e recombinadas em maior ou menor sintonia, harmonia, equilíbrio e cujos graus de intensidade, interactivação e dinâmica poderão situar-se entre os níveis mínimos e os máximos. O seu nível de aproximação máximal exige acentuada intensidade e interactivação de todas as áreas. Seguindo de perto os resultados das investigações de Luria acerca das funções corticais superiores do homem, estas interdependem, segundo o autor, do trabalho do sistema nervoso da pessoa, em interacção particular com as prestações mentais e comportamentais, interdependendo, uma tal funcionalidade, da participação das três unidades funcionais de base do indivíduo, e é da interfuncionalidade das três áreas ou unidades cerebrais que resultam as funções superiores da mente humana. Cada uma destas unidades manifesta uma estrutura hierárquica e assiste, pelo menos, a três zonas corticais, construídas uma em cima da outra, isto é: as áreas da projecção, que recebem os impulsos e os enviam; as áreas da projecção-associação nas quais as informações são processadas ou os programas preparados, e as áreas da superposição, últimos sistemas dos hemisférios cerebrais, responsáveis pelas formas mais complexas da actividade mental, visto requererem a participação de várias áreas corticais. A primeira unidade do cérebro modela e regula o tónus cortical e não se situa no próprio córtex, mas abaixo dele, isto é, no subcórtex e no tronco cerebral. Possui, porém, uma dupla relação com o córtex, pois tanto influencia o tónus cortical como está sujeita à sua influência reguladora. É que, como demonstraram Magoum e Moruzzi, uma tal unidade apresenta uma formação cuja estrutura se assemelha a uma rede nervosa e em cujo seio se encontram dispersos os corpos celulares de neurónios, conectados uns com os outros por meio de processos curtos, e, a estrutura mais importante de uma tal unidade, é a sua formação reticular, que se desenvolve verticalmente desde a profundidade do tronco encefálico até aos núcleos subcorticais, mesencefálicos e límbicos. A estrutura de uma tal unidade, assemelhando-se a uma rede nervosa, faz, com que excitações ou activações funcionem, não segundo o princípio do « tudo ou nada » mas, sim com mudanças lentas, que originam modulações graduais no tonos energético de todo o sistema nervoso. Algumas fibras desta estrutura reticular dirigem-se para o mesencéfalo, o hipotálamo e o tronco cerebral e, outras, para o tálamo, o núcleo caldado, o arquicórtex e o neocórtex. 71 Uma tal estrutura, como aparece evidente, possui funções activadoras e também funções inibidoras, de maneira particular a nível dos processos metabólicos, do equilíbrio homeostático do organismo, do hipotálamo, do mesencéfalo, do sistema límbico, e, também, a nível de activação dos estímulos, oriundos do mundo exterior, facilitando-lhe ou não reconhecimento e orientação. A via descendente de uma tal estrutura reticular dentro do córtex atinge a estrutura profunda do cérebro, e, um tal descendente processo é fundamental, visto ser este, segundo Luria, que transmite a acção das conexões que influenciam a “ actividade reguladora do córtex sobre as estruturas interiores do tronco cerebral e que constituem o mecanismo por meio do qual as configurações funcionais da excitação, que nascem no córtex, recrutam os sistemas da formação reticular do « velho cérebro e recebem dele a sua carga de energia » ( Luria 1977: 67 ). Tudo isto porque, na realidade, o córtex cerebral serve-se da formação de uma tal estrutura reticular descendente para procurar a energia necessária à realização de programas por ele criados. Por tal facto, os sistemas da primeira unidade funcional do cérebro não mantém apenas o tónus cortical, mas, também, sofre ela própria a influência diferenciada do córtex pois, como aparece evidente, os níveis superiores do córtex pré-frontal recrutam os sistemas inferiores e tornam possíveis formas mais complexas da actividade consciente do indivíduo. A Segunda unidade funcional do cérebro preside à recepção das informações, à sua análise e ao seu armazenamento e localiza-se, fundamentalmente, nas regiões laterais e posteriores do córtex, ocupando as áreas occipitais, temporais e parietais, isto é, nas regiões da visão, da audição e da sensorização geral. Ao contrário da primeira unidade, esta não é formada por uma rede nervosa continua, mas sim por neurónios isolados, que recebem impulsos a partir de sectores periféricos e se transmitem a outros grupos de neurónios . Organizado o cérebro hierarquicamente em três áreas : primária, secundária e terciária, a área primária ou de projecção é, essencialmente, constituída de neurónios concentrados no quarto estrato celular do néo-córtex, apresentando, os seus neurónios, uma completa especificidade modal, sensível à propriedade dos estímulos altamente diferenciados, como sucede, por exemplo, no sistema de visão, no da direcção do movimento, na natureza das linhas ou na coloração das côres, etc., o que faz com que a função essencial da área seja a recepção e a decomposição dos estímulos. A área secundária do cérebro, que circunda a área primária, é constituída, predominantemente, por neurónios do terceiro e do segundo estrato celular, ou seja, fundamentalmente, por neurónios de natureza associativa, cuja função essencial é a de organizar os elementos analisados na área primária, ainda em configuração dinâmica, mas já predispostos a uma síntese multimodal. A área terciária encontra-se localizada na parte inferior do lobo parietal, hemisféricamente lateralizada, e a sua função essencial é a da realização das configurações perceptivas multimodais, contribuindo, por exemplo, para conversão da percepção em pensamento abstracto, memorização de experiências organizadas e elaboração do pensamento lógico e simbólico. Esta unidade é regulada essencialmente por três leis, que, no essencial, dizem o seguinte : a primeira, de estrutura hierárquica, define que o amadurecimento faz-se por etapas, sendo, nas crianças, de baixo para cima e, nos adultos, de cima para baixo. A segunda, denominada lei da especificidade decrescente, afirma que, cada vez menos, existe especificidade por parte do estímulo, mas, maior 72 complexidade na relação com outros sistemas. A terceira lei, ou seja, a lei da lateralização progressiva das funções superiores do córtex, encontra a sua aplicabilidade através da operacionalização das zonas secundárias e terciárias, que estão vinculadas à codificação, ou seja, à organização funcional das informações que chegam ao córtex, processo que é efectuado com o auxílio da fala. A partir daí as funções secundárias e terciárias do hemisfério dominante, geralmente, o esquerdo, começam a diferenciar-se substancialmente das das zonas secundárias e terciárias do hemisfério não dominante, geralmente o direito. A segunda unidade funcional do cérebro humano funciona em consonância com a especificidade modal decrescente e da lateralização funcional crescente e, representando o meio pelo qual o cérebro pode levar a cabo as suas formas mais complexas de funcionamento, está na base de todo o tipo de actividade cognitiva, a qual está, na sua génese, vinculada ao trabalho e à participação da linguagem na organização dos processos mentais. A terceira unidade funcional do cérebro humano, propriedade exclusiva das pessoas, organiza a actividade consciente e programa, regula e verifica o armazenamento e a codificação dos processos cognitivos da informação. E isto no sentido em que o ser humano não só reage passivamente à informação, que entra e cria intenções, forma planos e programas das suas acções e autoregula os seus comportamentos de maneira que estejam em conformidade com os seus planos e programas, e, verificando, então, a sua actividade consciente, confronta os efeitos das suas acções com suas intenções originárias e corrige os erros que tenham sido efectuados. Esta unidade, possuindo funções amplamente lateralizadas, ocupa os lobos frontais e a sua actividade cerebral procede, ao contrário das unidades funcionais anteriores, da área terciária à área primária. As áreas primárias desta terceira unidade funcional do córtex são constituídas pelo córtex motor, situado no giro pré-central, o qual tendo uma área de projecção, as suas grandes células piramidais dão início aos sistemas de enervação e de movimento. A terceira área desta unidade funcional encontra-se localizada nas regiões pré-frontais dos lobos frontais e caracteriza-se por uma riquíssima rede de conexões efectuadas tanto com os estratos profundos do cérebro como com o todo da superfície do córtex, significando isto que as regiões pré-frontais, por um lado, estruturam, ao nível mais alto, os impulsos elaborados em todas as partes do encéfalo e, por outro lado, organizam a sua actividade, actividades essas que fazem com que seja do cérebro pré-frontal que dependem, substancialmente, as elaborações das intenções e dos planos de acção, a sua actuação e o seu controlo e que a actividade mental se torne uma actividade hipercomplexa; que se efectue a relação entre o pensamento e a linguagem e que o desenvolvimento do pensamento necessite da participação da linguagem. Ora, como se depreende da sumária descrição, a dinâmica de cada uma destas unidades é extremamente complexa e, a interactiva funcionalidade de todas as três unidades, necessariamente, participa e contribui para a construção dos processos mentais e para a organização cerebral da actividade consciente humana. Apesar de tudo, a base cerebral da actividade humana emerge do funcionamento combinado das diferentes unidades. Estas três unidades interagem entre si e interagem de modo recíproco e funcional, e, de maneira vertical , horizontal e oblíquamente entre todas as estruturas 73 e subestruturas cerebrais, graças à acção das redes e às vias de recepção e de transmissão. Esta persistente e activadora actividade, emergente das estruturas e dinâmicas das vias e constelações neuronais, criadora de acção e de pensamento, graças à sua actuante frequência, reduzem as resistências bioquímicas, bioeléctricas e magnéticas existentes nas vias neuronais dos neuro-transportadores. A frequência da sua acção tem efeitos de libertação das dificuldades, de amplificação dos estreitamentos, de redução do desprazer a prazer e, graças a uma tal exercitação, tais vias tornar-se-ão amplas, sem transtornos, sem dificuldades ou acidentes, o que facilita, de forma acentuada e eficiente, o desenvolvimento de mapas mentais e de estruturas cognitivas, visto o fenómeno da repetição, por sua própria natureza, incrementar a probabilidade de que esse acto ou fenómeno se repita, elaborando e ordenando pensamentos e ideias, intencionalidades e objectivos, associando e dissociando imagens e pensamentos, de forma multifactorial, policategórica e multiramificante, implicadora de hierarquias mentais ordenadas, avaliativas, analíticas e descritivas, e facilitadora de processos de memorização, de informação e de criatividade. Uma tal forma de acção energizante, de elaboração e desenvolvimento de mapas mentais, possui, em si, intrínseca necessidade de sair fora dos simples mapas didácticos, escolares ou pedagógicos tradicionais, visto tais formas de envolvimento do pensamento ou de cartografia mental possuírem não só necessidades de convergir mas, também, e, sobretudo, de divergir, de irradiar e de expandir. Uma tal factual necessidade do cérebro humano emerge dos efeitos das elaborações intercelulares, das intencionalidades do cérebro individual, das associações efectuadas nos processos do adquirido e dos “ qualia ”, percepcionados e retidos, dos objectos pelo indivíduo, visto os out-puts ou saídas de um cérebro não corresponderem, necessariamente, de maneira alguma, aos seus inputs ou entradas, nem o cérebro elaborar relações lineares de causa-efeito. Com efeito, o cérebro humano, no melhor do seu potencial receptivo, não pode reter, na sua memória imediata, mais de sete items importantes de informação. No entanto, tratando-se de respostas a uma dada informação, o cérebro pode gerar múltiplas e complexas respostas, em quantidade e qualidade muito superiores às informações retidas, visto ele poder criar, associar, dissociar, policategorizar, sintetizar, analisar, processar, classificar, definir, personalizar, historiar, questionar ou prospectivar, graças ao multidiversificador potencial de seus mapas mentais. Porém, o tradicional e dito científico paradigma ocidental, formulado por Decartes no século XVII e imposto às nossas culturas filosóficas e científicas, dissociou investigação reflexiva de investigação objectiva: sujeito de objecto, espírito de matéria, qualidade de quantidade, finalidade de causalidade, sentimento de razão, liberdade de determinismo e existência de essência, fazendo com que, a nível pragmático, sensibilidade, emoção, espírito, subjectividade e individualidade se antagonizassem com objectividade, ciência e técnica, constituindo-se, assim, os reinos das ciências do espírito e das ciências da matéria que, no seu pragmatismo funcional, fizeram com que um rejeitasse o outro, apesar de parecer óbvio, sobretudo hoje em dia, que os dois reinos partilham a mesma realidade, participam e colaboram mútua e reciprocamente na elaboração, desenvolvimento, expansão e criação da mesma. Com efeito, sendo o cérebro humano, na sua globalidade, constituído por estruturas, e, estas por subestruturas, que agem e interagem, com maior ou menor 74 intensidade, com os efeitos, mais ou menos directos, da actividade intelectual, comportamental, ambiental e interrelacional do sujeito, estas intercolaborações deverão ser valorizadas desde a sua própria base, isto é, desde a sua própria natureza e dinâmicas biocorporais, ou seja, desde a estrutura e dinâmica cérebroreptílica, que regem os processos vitais da própria existência como as condutas instintivas e os impulsos e autoregula a energia e a tonicidade, a estrutura mamífera do cérebro (cérebro-mamífero), valorizadora dos comportamentos instintivos, reguladora dos comportamentos apreendidos, motivadora ou inibidora de aprendizagens e da acção do cérebro humano, própria e exclusiva dos homens e fonte do livre arbítrio, da vontade e da liberdade, da aprendizagem intelectual e do conhecimento, das mudanças e das finalidades racionais. Embora cada uma de tais estruturas possua funções específicas, a dinâmica e interactividade de um tal conjunto de funções tornam-se imprescindíveis para a totalidade funcional, harmoniosa e equilibrada do cérebro humano, visto as suas células nervosas não só colaborarem entre si, mas, também, mais directa ou indirectamente, com todas as restantes células. É imprescindível, por isso, ao harmonioso e funcional maquinismo neurocerebral de uma pessoa as recíprocas interacções e activações das estruturas anatómicas, isto é, da medula, do tronco cerebral, do cerebrelo, das estruturas límbicas, dos hemisférios cerebrais, do lobo frontal, do lobo temporal, occipital, etc., etc. . No entanto, os efeitos e acções do cérebro humano interdependem de tais interactivações, da acção de seus neuroreceptores e neuro-transmissores, e isto porque o cérebro humano possui um indeterminado potencial de activação em seus estados emocionais, afectivos e mentais, isto é, na estrutural dinâmica da sua experiência subjectiva e individual, a qual não só é efeito do seu passado mas também da natureza das suas virtuais inter-relações consigo mesmo, com os outros, com os meios, com as crenças, com os valores e com o futuro, as quais geram interpretações positivas ou negativas do indivíduo e das situações, das sensações e das emoções, dos afectos e dos desejos, das necessidades e das contrariedades, das atitudes e dos comportamentos, do ser e do dever ser e conseguem até substituir a tristeza por calmia, o desânimo por aceitação, os estados de ira por paz e os de restrição ou proibição por liberdade ou libertação. Um tal conjunto de estados sensitivos, emocionais ou afectivos não só possuem, em si, enormes potenciais biopsíquicos, mas, também, funcionam como marcos estabilizadores e dinamizadores das próprias funções neurocerebrais, fazendo com que as suas estruturas se activem, interdinamizem, rentabilizem a sua acção e os seus efeitos, estimulando comportamentos e motivando sequências de acções, estruturando e dinamizando comportamentos de persistência, desbloqueando inibições bem como criando imagens positivas de si mesmo e da própria realidade. II – ENDO-EXOGENIAS DOS MECANISMOS PROCESSUAIS DO CÉREBRO HUMANO Sendo certo que todo o cérebro humano possui seus ritmos, movimentos, actos e comportamentos em consonância com suas estruturas nervosas, células 75 neuronais e vias de intercomunicação, a acção e dinâmica de tais processos interdependem, fundamentalmente, dos estímulos desencadeadores de tal actividade, os quais são, em grande parte, exógenos ou exteriores ao próprio organismo do sujeito em causa, e tornam-se, então, factores desencadeadores das actividades do cérebro, os quais são, por este, hierarquizados, aceites ou rejeitados, valorizados ou subvalorizados consoante a natureza e a relação emocional e afectiva que o sujeito investe em tais factores estimuladores ou motivadores da acção e das inter-relações que o cérebro efectua com o exterior, de maneira particular com a dinâmica cultural, social e tecnológica do meio ambiente. As interacções entre as acções do cérebro e os meios são mútuas e recíprocas e, se o cérebro impregna seu cunho individual no meio, o meio gera no cérebro novas e diversificadas formas de actuação, processando-se, por tais factos e processos, sucessivas e piramidais interacções de colaboração, de reciprocidade, de desenvolvimento, de expansão ou de asfixia, de bloqueamento ou sobrevalorização. E isto porque o cérebro humano possui suas leis, suas necessidades e suas normas de desenvolvimento, de expansão, de totalização e de homeostasia. Sucede, no entanto, que o meio incultura o cérebro, e, tais processos, de natureza sociobiopsicológica, não lhe trás unicamente benefícios. Para que uma tal operatividade seja sempre positiva seria necessário que o meio-ambiente e suas respectivas condições interactuassem em conformidade com a totalidade da logicidade funcional do cérebro, a qual assenta na recíproca interacção de alicerces instintivo-pulsionais, em factores emocionais, afectivos, sensoriais e racionais. No entanto, graças às essenciais características do cérebro humano: elasticidade, plasticidade, flexibilidade e maleabilidade, a acção e os comportamentos dos meios moldam a acção do cérebro, orientam a sua actividade, infiltramlhe a sua cultura, induzem-lhe o seu comportamento e fazem com que o próprio cérebro reproduza a cultura do meio, a qual gera conhecimentos, os quais, por sua vez, regeneram a cultura. Daí os condicionamentos das esferas do próprio conhecimento, das orientações, dos pragmatimos , das categorizações mentais, das classificações tipológicas, das percepções do real e das visões do mundo. Face a tais constelações condicionadoras do pensamento humano, ao peso e poder manipulativo do meio, facilmente se chegaria à conclusão que, tanto o cérebro como o pensamento ou o conhecimento, jamais se poderiam libertar de tais condicionadores encadeamentos. Embora difícil, no entanto, o enorme potencial do cérebro do humano possui capacidades para romper com tais estruturas, para gerar desvios às normas socioculturais e aos condicionalismos impostos pelos conhecimentos gerados pelas estruturas e dinâmicas socioculturais reinantes. É que as características do cérebro humano fazem que este crie, invente, mude ou transforme e, toda a mudança ou transformação, pode desencadear no meio rupturas, mudanças ou transformações nas próprias estruturas e dinâmicas sòcioculturais. Tal é o preço da necessária ascensão do pensamento humano, o qual, no seio das suas certezas, descobre e centraliza-se nas incertezas para lhe fornecer informações, criar soluções e resolver problemáticas, significando isto que, graças aos enormes potenciais do cérebro humano, ainda hoje estamos longe de sabermos quais são alguns dos efeitos essenciais da sua acção, visto o conhecimento poder ultrapassar as próprias estruturas, organização e dinâmicas do sòciocultural, ultrapassagens que, sendo aleatórias, numa primeira fase, poderão ser aceites como fonte de poder em casos posteriores, ou seja, quando forem aceites por uma elevada percentagem ou maioria dos elementos do meio. 76 Uma tal realidade factual demostra-nos, em primeiro lugar, que sendo os comportamentos humanos produtos das próprias mentes, e, estas, em geral, efeitos das estruturas e dinâmicas socioculturais do meio, os comportamentos humanos emergem dessas mesmas culturas, apesar de sabermos, que, a mente de um indivíduo, possui individualidade e autonomia, convergência e divergência, irradiação e expansão, o que faz com que as mentes, mesmo face a causas idênticas, produzam efeitos muito diferentes. A existência de uma tal variada e complexa gama de efeitos diferentes, face a condições socioculturais idênticas, interdepende, essencialmente, das anteriores e essenciais características e comportamentos mentais dos indivíduos, comportamentos que, por sua vez, emergem não só das estruturas e dinâmicas neurocerebrais de cada um, do seu carácter e temperamento, dos seus níveis de sensibilidade, dos seus padrões emocionais, das suas capacidades de envolvência e dos seus estilos de cognição. É que, de facto, não existindo uma estrutura neurocerebral igual a outra também não existe um carácter individual nem um temperamento igual a outro, apesar dos estudos da psicocaracterologia fornecerem um vasto e complexo conjunto de características comuns a este ou aquele carácter ou a este ou àquele temperamento. Apesar disso, no entanto, mesmo concedendo uma certa fiabilidade às características básicas de um bom ou mau carácter, à combinação das suas dimensões essenciais, tanto pela sua qualidade quanto pela sua intensidade, elas fariam com que um indivíduo, apesar das suas semelhanças com outros, fosse diferente, não só nas suas reacções individuais, mas, também, nas suas atitudes de percepção face á realidade e nos seus comportamentos interpessoais. É que, mesmo se ficássemos apenas pela aceitação das dimensões fundamentais de um indivíduo, como pretenderam analisar certos psicocaracteriólogos tradicionais, isto é, pelas dimensões da passividade-emotividade, da inactividade-actividade e da primaridade-secundaridade, a tónica ou prioridade das suas combinações fariam com que os indivíduos tivessem todos eles reacções psicobiológicas diferentes, bem como diferentes seriam as reacções individuais das pessoas face a elas mesmo, aos meios sociais e à sociedade em geral, visto tais combinações gerarem níveis de operacionalidade e de pragmatismo, de reflexibilidade e de impulsividade, de intercomunicabilidade e de tonicidade, de emoções e de afectos, de resiliência e de persistência diferentes. Um tal conjunto de diferenças gera nos indivíduos padrões emocionais e afectivos, níveis de resiliência e de envolvência, bem como estilos de cognição diferentes uns dos outros, e, tais factos, seriam mais que suficientes para explicar a existência de níveis de aceleração e de desenvolvimento, de evoluções e de orientações constantes e variáveis existentes nos indivíduos, umas mais ricas que outras, e que, em mútua e recíproca interacção com o património genético ou herdado de cada indivíduo, caracterizam a individualidade de cada um, a sua maneira de agir e de se comportar face a si mesmo, ao meio e aos outros, maneiras e modos de ser, que, por sua vez, aumentam ou diminuem o nível de emoções, de sensibilidades e afectos, estimulam ou inibem o próprio património genético, bem como a actividade neurocerebral de cada um, potenciais que podem ser alterados, modificados, desenvolvidos, deteriorados ou asfixiados consoante os factores de estímulo ou inibição do meio, das circunstâncias, das atitudes e dos comportamentos não só individuais mas também dos outros em relação aos indivíduos. 77 Apesar de um tal conjunto de variáveis e de seus aleatórios processos de combinação, constitutivos de condicionalismos do pensamento individual, as estruturas genético-hereditárias de cada indivíduo, o seu património genético, bem como a sua inteligência e memória genética possuem potenciais de criatividade e inventividade, de espontaneidade e naturalidade, de autenticidade e expansividade. Torna-se evidente, porém, que as condensadas estruturas socioculturais e históricas do paradigma do conhecimento da cultura ocidental não facilitam, de forma alguma, o desenvolvimento das originárias formas de ser e de estar de cada indivíduo em consonância com o desenvolvimento da totalidade do seu potencial contido em seu código genético. A análise sòciopsicanalítica revela-nos que, embora o ser humano possua virtualmente um espaço único e exclusivamente seu, os mecanismos socioculturais envolventes tendem a privá-lo de tal espaço e a limitá-lo, quase exclusivamente, ou a ser um efeito, em sua maioria, das condições e factores históricos e socioculturais de seus meios. É que, mesmo antes do seu próprio nascimento, o indivíduo é marcado pelos factores relacionais, positivos ou negativos da afectividade relacional da mãe com o próprio feto e, após o nascimento, é envolvido por estruturas socioculturais e psicocomportamentais emergentes do inconsciente colectivo, que impregna, em suas células neurocerebrais, marcos determinantes e orientadores da sua futura maneira de percepcionar a realidade, de se relacionar com ela, consigo mesmo, com as pessoas do meio-familiar e com as estranhas. A partir de um tal processo, a mente ou o espírito de cada um originam ideias , absorvem saberes, interiorizam e elaboram conhecimentos, cujas matrizes já se encontravam nas dimensões sòcio-históricas e psicoculturais da realidade envolvente, fenómenos de natureza sociobiopsicológica que fazem com que o homem seja o que é, apesar das suas necessidades e exigências de ultrapassagem e transcendência, de espiritualidade e realização totalizante. É no seio de uma tal dialéctica e dinâmica conflituantes, envolvidas por determinismos, condicionalismos e potenciais necessidades intrínsecas de os romper, que a pessoa vai emergindo, elaborando sua personalidade, encontrando sua identidade e aceitando a sua individualidade, o que nem sempre acontece. Vai elaborando o seu pensamento e construindo os seus conhecimentos, simultaneamente tiranos e libertadores, opressores e regeneradores de hábitos, de normalizações, de crenças, de costumes, de organizações, de axiomas, de modelos, de postulados ou de teorias, tanto normativas como proibitivas, construtoras de verdadeiros marcos delineadores e orientadores de determinadas formas de pensar, de percepcionar, de agir e de comportar-se, reduzindo as potenciais variáveis de pensamentos divergentes ou irradiantes e acentuando as constantes dos pensamentos convergentes, o que impõe determinações e limitações ao pensamento e aos saberes, às faculdades e às aptidões, aos potenciais emergentes e às intrínsecas necessidades de total homeostasia funcional, apesar de sabermos que o cérebro humano não é uma trivial máquina, mas sim um hipercomplexo organismo cuja dinâmica e funcionalidade podem fazer com que seus out-puts divirjam de seus inputs, e, tais divergências constituem desobediências aos determinismos e às normas, originam os imprevistos e os imprevisíveis, as autonomias e as inovações, as polissectorizações e os novos desenvolvimentos. O desenvolvimento de um tal potencial, de emergência individual e de divergência interactuante, nos actuais dinamismos socioculturais, não é tarefa de fácil acessibilidade, visto as mentes condicionarem, acentuadamente, os comportamentos e os comportamentos condicionarem as mentes, visto estas emergirem dos 78 estados do cérebro e do sistema nervoso central, e isto de forma idêntica, metaforicamente falando, à relação que se efectua entre o relâmpago e as descargas eléctricas das nuvens ou entre a água e as moléculas de H2O. Um tal conjunto de recíprocas conexões existentes entre cérebro-mente efectua estruturas condicionadoras do pensamento, tornando-o auto-conservador e auto-rejeitante das mudanças de suas estruturas ou esquemas, e, adverso à aceitação da diversidade e da divergência, a situações novas e a mudanças, bem como “míope” face às suas verdadeiras intencionalidades, capacidades, objectivos e fins, desperdiçando suas energias na acumulação de dados inúteis, na fuga a seus verdadeiros e reais interesses e na consolidação de estruturas fechadas às permanentes mutabilidades dos factos e dos fenómenos, visto tais estruturas permanecerem enraízadas nos medos de serem ameaçadas em sua própria existência. Por isso, tais estruturas mentais resistem não só à contestação e à inovação, mas, também, à informação e a todas as formas de redimensionamento, visto elas estarem cristalizadamente organizadas sobre sistemas e subsistemas de categorias lógicas e paradigmas, comportamentos que, tornando-se evidentes nos universos do conhecimento científico, com muita mais razão tais evidências se tornam imediatas nos restantes domínios. No domínio do científico seguem-se, por vezes, durante décadas e décadas, paradigmas e modelos, repete-se ou resume-se, de uma forma ou de outra, o que outros já proclamaram e só face aos evidentes desmentidos de factos, que contrariem com evidência os paradigmas ou modelos anteriores, é que se aceita a mudança, se crítica o anterior e se analisa as carências ou insuficiências de tais modelos ou paradigmas. Apesar da existência de tais brechas ou aberturas nos densificados universos reinantes do conhecimento, as novas e diversificadas brechas e aberturas a novas formas do saber, do conhecimento e da investigação, apesar dos novos avanços e novas rupturas efectuadas nas cristalizações mentais do pensamento colectivo, aquelas não passam de epifenómenos de conteúdo e natureza diferentes dos anteriores pois estes, de uma forma geral, tendem a sobrevalorizar ou subvalorizar a realidade e, se por acaso, a encontram, a mente humana, por um lado, oscila permanentemente da incerteza à certeza e da certeza à incerteza e, por outro lado, a própria fonte e natureza do pensamento emerge essencialmente das constantes caracterizadoras dos fenómenos socioeconómicos e psicoculturais dominantes nos meios, apesar do pensamento humano permanecer produto da dinâmica e da acção sociobioneuropsicológica do indivíduo. Por tais razões, embora existam sujeitos-pensantes, em permanentes desafios em relação ao mundo que deve ser conhecido, as suas próprias mentes, quer o queiram ou não aceitar, são produtos sociopsicoculturais das suas individuais emergências históricas, sociais, culturais, económicas e genético-hereditárias. Os seus comportamentos emanam de padronizantes normalizações, e, só o debate face à constatação da existência de brechas, de rupturas e de evidências factuais ou fenoménicas, é que o seu pensamento acentua a reflexão, a emergência da radicalidade e a erupção de fenómenos novos emanados de factos velhos, colocando-se, então, face a verdadeiros problemas que exigem respostas novas. Esta busca de respostas novas para os novos problemas apresenta-se como um processo lento e dificultado não só pela massificante organização dos nossos conhecimentos, pela modelação que eles efectuaram nas nossas estruturas cerebrais, mas também pela maneira quase exclusivamente racicionante como foram absorvidos e interiorizados nas nossas estruturas neurocerebrais, as quais não envolveram o todo afectivo e emocional, pulsional e divergente da totalidade do 79 indivíduo, o qual deveria interiorizar os conhecimentos de forma encadeada e sequencial, por aproximações desenvolvimentais e não com rupturas. A implementação de uma tal metodologia da cognitividade encontra enormes obstáculos se ousarmos pensar que a civilização ocidental alicerça-se, ainda hoje, sobre os grandes paradigmas da racionalidade pura, da cosmovisão científica do abstracto, das matrizes das convergências e na subvalorização do individual, do aleatório e do divergente. Apesar disso, no entanto, é através da acção do individual, do aleatório e do divergente que o pensamento se desenvolve e o desenvolvimento se efectua, visto ser a acção das características e predicados individuais que mobilizam o devir pessoal e reorganizam ou restruturam, dinamizam e revitalizam as estruturas cognitivas individuais. Apesar da existência de balbuciantes tendências de aceitação e orientação do todo do indivíduo para conquista e desenvolvimento da sua homeostasia funcional, no qual se valoriza o inconsciente, a pulsão, a emoção, o afecto, a divergência, a irradiação, a convergência para estimulação e integração das funções cerebrais do ser humano, os alicerces dos ainda actuais paradigmas científicos da sociedade ocidental, baseados na organização, na racionalização, na redução à ordem e à sistematização, à medida e ao quantitativo, não só asfixiam mas, também, deterioram as potenciais emergências das qualidades, das interacções e das totalidades, bem como as possibilidades de abertura e de envolvimento do indivíduo cognoscente ao objecto cognoscível. Esta necessária viragem verso assunção da totalidade do Homem encontrase profunda e enraizadamente dificultada pelas actuais e abstractas estruturas mentais, as quais, predominantemente dominadas por conceitos, ideias, programas, máquinas e instrumentos fizeram com que as estruturas neurocerebrais não só se tornassem produtos, mas, também, reprodutoras dos mesmos conceitos, programas, máquinas e instrumentos. É o efeito da simplificação e da dissociação, da separação da cultura científica da humanista, da redução das qualidades às quantidades e do desprezo pelo particular e o divergente, pelo individual e pelo aleatório que fizeram com que o indivíduo ignorasse o que é genuinamente seu, o que ele trás em si mesmo e o que é produto dos outros. E a este produto dos outros chama-lhe certeza, progresso ou razão, assumindo comportamentos mutilantes para a sua própria individualidade, identidade e dever ser. No entanto, a constante sensação de fragilidade, que permanentemente acompanha o ser humano, conduze-o mais facilmente à aceitação dos produtos dos outros que à valorização dos seus, visto a conformidade com o dos outros gerar nele certezas, seguranças e não contradições embora, como o disse Pascal : « nem a contradição é indício de falsidade, nem a não-contradição é indício de verdade ». Um tal conjunto de processos, matrizes desenvolvedoras dos nossos básicos e construtivos alicerces, dinamizadores das actuais orientações e formas de pensar, conhecer, racionar e julgar, são socioculturalmente colectivas, mas, também, simultaneamente, individuais. É que, a nível individual, todo o cérebro é, simultaneamente, activo e activador, dinâmico e dinamizador, caso responda às intrínsecas necessidades da sua natureza individual. A sua individualidade emerge do todo do indivíduo e deverá ser através deste seu todo, que ele, em coerência consigo mesmo, deverá funcionar, respeitar os pontos de vista dos outros, possuir as suas crenças individuais, efectuar a sua lógica própria, a sua organização pessoal, os seus níveis de logicida- 80 de do pensamento, bem como seus próprios processos de autodesenvolvimento, individuação e pessoalidade. Estes níveis de logicidade pessoal de pensamento e de acção organizam os níveis de lógica e informação inferiores e, qualquer mudança efectuada num nível de lógica superior, possui fortes repercussões sobre os níveis inferiores, mas não necessariamente sobre os níveis superiores, o que faz com que se torne verdadeiramente impossível resolver um problema no mesmo nível em que ele foi criado. No entanto, a criação ou gestação de problemas é fruto de confusão e de ambivalência entre os níveis lógicos, de maneira particular das emergências que resultam da interacção com o individual, com o social ou ambiental; do pensamento com as acções, das acções com as capacidades ou aptidões, das aptidões com as crenças ou valores sociais e dos valores sociais com os valores espirituais, psicológicos ou com a própria identidade. A nível de análise da causalidade de uma tal conflitualidade resulta evidente que a própria necessidade de coerência individual e de intencionalidade pessoal, bem como as dinâmicas dos contextos pessoais envolventes, pressionam a individualidade de uma pessoa e a intrínseca necessidade desta se expandir, harmonizar, irradiar e realizar entram em conflito com as acções e os comportamentos do meio. Estes comportamentos, quer queiramos quer não, são filtrados e absorvidos, em maior ou menor escala, pela nossa personalidade em seu respectivo estádio de desenvolvimento, e, quando este se insurge contra suas próprias limitações, cerciamentos ou estruturas, a interioridade dialoga com a exterioridade e com a intencionalidade de possuir mais e melhor espaço, e, caso este não lhe seja concedido, interioridade-exterioridade entram em conflito. Por seu lado , a necessidade de maior interioridade e sua efectiva concretização fizeram com que o indivíduo tomasse maior consciência das suas aptidões e, por isso, desenvolvesse mais e melhores capacidades, competências, destrezas e habilidades, o que o levou a abandonar certas atitudes e comportamentos e a restruturar ou criar novos, não só a nível de estar ou de ser, mas, também, a nível de percepcionar, de se afirmar, de compreender e de raciocinar, de assimilar e de julgar, o que faz com que o indivíduo, face à retrovisão dos comportamentos e formas de aprendizagem anteriores, não necessariamente os despreze, mas tome consciência das suas limitações e modifique ou restruture tanto uns como outras. Estes processos de evolução, de mudança e aprendizagens levam os indivíduos, individualmente, cada um da sua forma e maneira, a desenvolver a autoconfiança e a criar hierarquias de valores individuais, que deverão funcionar em consonância com seus necessários níveis de desenvolvimento, meios socioculturais e graus de integrabilidade. Um tal processo, revelador da intrínseca necessidade da efectuação de contínuas adaptabilidades, processo simultaneamente implicador de sucessivas e permanentes aprendizagens, adaptações e readaptações exige que as estruturas bioneurocerebrais de um indivíduo possuam elasticidade, maleabilidade, fluência e adaptabilidade potencialmente inscritas em seus potenciais genéticos, os quais deveriam, ao longo de todos os ciclos vitais de uma existência humana, permanecer activos, interactuantes e dinamizadores, visto constituírem, por si mesmo, os alicerces essenciais da individualidade de cada um, marcarem a sua diferença, a sua unidade e unicidade e, a partir de tal vivênciada interioridade, o indivíduo deverá construir seus vários níveis de lógica comportamental, suas constelações de crenças 81 e de valores, bem como suas hierarquias de motivações pessoais e de pertença a grupos de valorização social. Esta perspectiva de um integrado e sequencial desenvolvimento da totalidade do indivíduo não se opõe às perspectivas de desenvolvimento multifactorial mas, bem pelo contrário, pelas suas exigências de interactuacção e retroacção, une as dimensões numa única unicidade, visto ser a partir desta que as aptidões e as capacidades, as competências e as funções de um indivíduo proliferam, completam-se, desenvolvem-se e interactuam, embora, como é óbvio, existam capacidades mais atraídas por certos objectos que outras e existem certos objectos que atraem mais certas capacidades que outras. Esta recíproca, mas diferenciada atracção, gera no cérebro uma imagem que pode possuir diferentes graus de atracção, de vida, côr e força que, por sua vez, se associará a outras imagens, tanto do passado como do presente, e, tal fenómeno associativo, desenvolverá a percepção individual, motivará actividades comportamentais e desabrochará habilidades e potenciais não só a nível de todo o cérebro, mas, de maneira fundamental, a nível cortical. Tal é o processo de criação de imagens e de mapas mentais, essenciais à eficiência da aprendizagem, da mudança de atitudes e de comportamentos, e cujo desenvolvimento exige a acção do potencial bioenergético de um indivíduo. Este potencial, emergente do todo do indivíduo, isto é, do seu corpo e da sua mente, é diferenciado e diferenciador, constitui a sua unidade e energiza não só a mente mas também o corpo, vitaliza os estados interiores de um indivíduo e faz com que estes encontrem respostas satisfatórias à transitividade das suas necessidades, desenvolva processos de encadeamentos mentais de interacções e de retroacções circulares, modificadoras de atitudes e de comportamentos, de percepções e de emoções, de sensibilidades e de afectos geradores de novas perspectivas e descobridores de novas realidades, factos e fenómenos, que, assim como “ o mapa não é o território “, não podem ser assumidos como sendo a simples objectividade do real, mas, simplesmente, efeito da transformação ou codificação individual, resultante das sequências de acção do indivíduo ou de seus novos padrões de percepção, os quais impõem-se ao indivíduo como efeito das sequências de seus contextos de aprendizagem e de modificação, de adaptação e de integração do novo no anterior e do anterior no novo, o que faz com que o indivíduo inove, crie, se invista, mobilize e sucessivamente se adapte. Este bioenergético potencial, polivalente e psiquicizante, cujos fundamentos ou alicerces primários se encontram nas acções e interacções do neurocerebral com o socioambiental, transcende, em natureza e espacialidade, sua própria matriz, intervém na acção e desenvolvimento das capacidades mentais, é facilitador das relações com o todo e as partes, ajuda a integrar ou desintegrar a relação cérebromente e torna-se, tanto por sua acção como por suas modalidades funcionais, agente essencial da vida psíquica e, simultaneamente, do pensamento e da acção, da razão e da reflexão, da consciência e da autoconsciência. É que, embora os actos mentais de um indivíduo jamais sejam os mesmos, bem como os estados que os originam, eles têm sempre uma procedência e esta, segundo W. James ( 1950 ) é originada pelo facto de que : - Todo o pensamento tende a fazer parte de uma consciência pessoal. - No seio de toda a consciência pessoal o pensamento está sempre em mutação e é sempre continuo. - O pensamento aparece sempre em relação com objectos independentes dele. 82 - O pensamento aceita ou selecciona algumas partes desses objectos e exclui ou rejeita outras. A presente descrição de processamento da vida mental e psíquica acentua a característica da fluência ou da corrente do pensamento, da consciência e da vida subjectiva, a qual é pessoal, contínua, selectiva, orientada e em constante mutação, apesar de possuir, como seus mecanismos de limitações, uma procedência e um direccionamento verso qualquer coisa de outro, mesmo quando nas correntes de pensamento aparecem certas iluminações, intuições ou flashes que rompem, aparentemente, tal corrente e que, racionalmente, parecendo sem sentido, um tal sentido tem razão de ser, pois, apesar de não ser conhecido, encontra-se no “ misterioso “ universo da dinâmica do inconsciente individual. Uma tal análise da procedência do psiquismo encontra eco nos resultados das investigações de Leontiev, ex. colega de investigação de Luria, o qual considerou a existência de dois tipos de fenómenos nos processos psíquicos, isto é, os fenómenos que procedem dos processos interiores do indivíduo, como as imagens, os conceitos, as sensações, os processos do pensamento, da imaginação e da memorização voluntária, e os que procedem do mundo material exterior, como sejam, por exemplo, a realidade concreta, que envolve o indivíduo, o corpo e os fenómenos fisiológicos, que se realizam no corpo, etc., e que pertencem ao domínio do físico, sendo a partir das interacções de tais fenómenos e processos interiores e exteriores que procede a vida psíquica, a vida do pensamento e do cógito. Esta dupla procedência da vida psíquica, interior e exterior, cujas origens encontram-se na natureza bioneurocerebral do indivíduo e na sua história pessoal, feita de acções e de interacções, de experiências e vivências, optimismos ou pessimismos, compensações ou frustrações, caracteriza-se pela sua maior ou menor fluência, envolvência e desenvolvimento, apego e desapego, o que acentua ou diminui o seu efectivo potencial de diferenciação, de orientação, de objectividade ou subjectividade, de eficácia ou ineficiência. É um processo de clareza e de obscuridade, de subjectividade e objectividade, de desenvolvimentos e estagnações, e, de maior ou menor polivalência, que tipificam não só a mente individual, mas, também, constituem alicerces da constituição e natureza de seus estados mentais, os quais, apesar de serem modificáveis, os processos de tais modificações exigem eficientes investimentos não só de natureza emocional e afectiva, mas, também, psicológica e mental, ou seja, educação emocional, afectiva, psicológica e mental. O processo de consciencialização de uma tal e imprescindível educação passa pela tomada de consciência dos circunstanciais condicionalismos do psiquismo e da mente, das suas altas referências, paradigmas e esquemas conceptuais do passado, bem como pela consciencialização, apesar do próprio indivíduo apenas utilizar uma reduzida parte dos seus próprios instrumentos e meios de desenvolvimento mental, psicológico e cognitivo, estados e situações fortemente acentuados, de maneira particular, a nível dos potenciais de desenvolvimento do seu pensamento divergente e irradiante, bem como a nível de criação e de desenvolvimento de marcadores de emergências de novos paradigmas, de novas potencialidades e de capacidades que emanam da bioneuropsíquica totalidade do indivíduo, expansão necessária que fará com que ele se mobilize muito mais plenamente e, através de um tal comportamento, crie e recrie, eleja e seleccione, se exercite e desenvolva, se eduque e auto-eduque, se restruture e oriente em seus desenvolvimentos mentais e psíquicos, orgânicos e biológicos, sociais e cognitivos, emergentes do seu todo único e indivisível, e, realimente suas energias, vitalidades, 83 potencialidades e capacidades interconectadas com o todo e as partes, com as partes e o todo. Uma tal capacidade de interconexão emerge do psíquico, da mente ou do espírito do indivíduo, os quais, emergindo das estruturas neurocerebrais de um indivíduo, constituem « um processo e não um material » e, por tal facto, podem referir-se a outros seres ou coisas, o que constitui característica específica dos seres dotados de espírito, elaboradores de organizações e de processos mentais, que, seguindo, unicamente, os resultados das investigações das neurociências, encontrariam a sua origem no funcionamento dos sistemas cerebrais, organizados em níveis diferentes: moleculares, celulares, orgânicos e transorgânicos e, cada um destes níveis pode, ainda segundo as neurociências, subdividir-se em níveis inferiores, todos em interacção. O espírito aparece, então, como autoregulador de tais interacções, como efectivador de energias e autonomias, como o unificador e estabilizador de tais subsistemas, como o orientador de potencialidades, o corrector de desvios, como o seleccionador de informações e o transmissor de mensagens, fazendo com que, através da efectivação de tais potencialidades, estas se tornem cada vez maiores, sempre mais aperfeiçoadas, sempre mais eficientes e mais rentáveis e, por isso, sempre com mais consciência do seu próprio potencial, tanto a nível de pensamento como de acção, de intercomunicação como de inter-relação, o qual, apesar de tudo, não só depende da sua relação com o meio, mas, também, da relação do meio consigo, visto tanto os sistemas de inter-relacionamento como os do conhecimento interdependerem, de forma acentuada, das relações meio-cultura-indivíduo, visto, na realidade, o conhecimento interdepender das múltiplas e complexas condições sócio-culturais, as quais, devido à sua força de massificação, condicionam fortemente o conhecimento, visto entre o cognoscente e o cognoscível gerar-se uma espécie de círculo bastante fechado, isto é, na sua forma global, a cultura produz cultura e uma tal cultura produz o modo de conhecimento, e, estes conhecimentos geram nova cultura, a qual é cognoscível através dos processos de cognição gerados por essa mesma cultura. O espírito individual, no entanto, possui, em si mesmo, potenciais de libertação de tais mecanismos, graças às suas potencialidades de novas percepções da realidade e de novas visões do mundo, de sua relativa autonomia e abertura, características que geram, no indivíduo, libertação e transcendência, insurreição e desobediência aos mecanismos culturais de seus próprios meios ambientais. Um tal processo de libertação e de autonomia, face às acentuadas condicionantes do meio, gera no indivíduo consciência de tais limitações e, uma tal consciência, desenvolve-lhe auto-reflexão, pilar essencial de encontro de aberturas em tais sistemas, de passagens e ultrapassagens, de negações e afirmações, gerando objectivos e criando metas de pensamento e de acção, de acção e de conhecimento, o que conduz o indivíduo ao alcance de níveis superiores de reflexão, isto é, a processos de objectivação-subjectivação, de concentração e descentração próprios das funções superiores da mente humana, a qual, devendo alimentar-se de seus processos lógico-indutivos e dedutivos, deverá funcionar e organizar-se em níveis de coerência e de organização, de criatividade e de invenção segundo processos conaturais à natureza individual de cada indivíduo. A logicidade de uma tal dialéctica, no entanto, emerge das sequênciais interacções que um indivíduo, sujeito pensante, efectua não só com o mundo das coisas materiais exteriores, mas também com o mundo das próprias experiências individuais vividas, e, também, com o mundo que o indivíduo trás consigo mesmo, 84 mundo constituído pelas coisas do espírito, pela cultura, pela linguagem, pelos conceitos, teorias, percepções, emoções e mesmo conhecimentos objectivos, comportamentos factuais que fazem com que o sujeito pensante não seja apenas uma realidade material, nem tão pouco uma realidade específica, mas sim uma realidade actuante, que vivencia, armazena, recorda, relaciona, inventa, cria, produz, reproduz, estrutura-se, restrutura-se, espiritualiza-se, materializa-se, diviniza-se e animaliza-se, o que faz com que o ser humano seja, em grande parte, um produto de todos os seus processos vivênciais, comportamentais, socioculturais e de conhecimento, com natureza individual, identidade pessoal e uma entidade relativamente autónoma. Segundo Jacques Monod (O acaso e a necessidade: 2324) o humano é: «capaz de emergência e de teleonomia, de se conservar, de crescer, de aumentar de complexidade e, no universo do psíquico, com potencial de auto-organização e de auto-reprodução». No entanto, tanto os potenciais de auto-organização psicológica e mental como os de reprodução interdependem de factuais e potenciais energias genéticas e hereditárias, sociais e mentais, individuais e colectivas emanadas e orientadas por um eu individual, consubstanciado na sua realidade biopsíquica e na evolutiva perenidade da sua própria identidade, a qual, nas suas relações com o tu ou o ele, tanto se pode completar como hostilizar, contagiar como rivalizar, e, dessas relações interactivas, a própria identidade tanto pode sair reforçada como inferiorizada, enriquecida como empobrecida, acalmada como agressiva, activa ou passiva em consonância com a natureza dos filtros neuropsíquicos, positivos ou negativos que o indivíduo possuí das mensagens e das recepções, das comunicações e das informações. Em tais processos de activação-passividade, o eu do indivíduo pode e sente-se positivamente influenciado pelas comunicações e mensagens do tu ou do ele, caso possua dinâmicas psicoemocionais positivas, optimistas e reforçantes. Sai desgastado, inferiorizado ou humilhado, caso os seus mecanismos sejam negativos ou as mensagens e informações do outro sejam de nível muito superior às suas próprias capacidades de filtração momentânea. Esta factual realidade comportamental de um indivíduo interdepende, enormemente da sua subjectividade psíquica, mental, emocional e afectiva, características essenciais da constituição dos estados mentais de uma pessoa, o que cria acentuadas assimetrias entre os estados mentais e os processos cognitivos de um indivíduo, bem como entre as faculdades de conhecimento de si próprio e da realidade exterior. No caso de identidade autentica e verdadeira, o indivíduo prossegue no caminho da sua positividade, organizando e reorganizando os seus estados mentais em conformidade com a natureza do seu próprio eu, o seu nível de expectativas individuais e as estimulações ou motivações oriundas de seus próprios meios, conjunto de mecanismos e processos que fazem com que o indivíduo crie e desenvolva seus níveis de adequada logicidade, de coerência e aceitação em conformidade com suas reais capacidades presentes e em devir e em conformidade com as modificações ou transformações, solicitações ou exigências do meio físico, social e humano. Estes processos, de permanentes oscilações entre o ser e o dever ser mental, emocional e psicológico, constituem denominadores dos meta-programas individuais, que são utilizados pelos indivíduos para organização e estruturação das informações, oriundas do mundo exterior, estruturação de esquemas e definição de categorias mentais que condicionam, em maior ou menor percentagem, os filtros 85 com que um indivíduo concorda ou não concorda, aceita ou rejeita, selecciona ou elege as informações ou as mensagens vindas do exterior, criando-se e desenvolvendo-se através de tais processos e hierarquias de valores e que, em maior ou menor escala, coincidem com a natureza individual da própria identidade do indivíduo. Além da capital importância de tais factores no desenvolvimento, expansão e plenitude, a nível de eficiência e rentabilidade de um indivíduo, torna-se identicamente importante o seu nível de reais e concretas expectativas, bem como a eficiência do seu investimento na sua própria educação mental. Esta auto-educação mental interdependerá, no entanto, dos reais e efectivos investimentos emocionais e afectivos de um indivíduo, bem como das suas reais e actuantes capacidades de observação, de inter-relacionamentos, de interactuações do exterior com o cérebro, da memória e criatividade, da descoberta e aprendizagem, da transformação e da inovação, e encontra eficientíssima metodologia de orientação, educação e expansão no uso das estratégias de mapeamentos mentais. A utilização dos mapas mentais ou da cartografia mental deverá, primeiramente, corresponder ao estilo individual de cada pessoa e apresentar-se clara e atractiva, visto a clareza do exterior estimular não só a comunicação no interior, mas, também, a clareza do pensamento, a qual, por sua vez, desencadeia estímulos no desenvolvimento das redes de comunicação cerebral e facilita o desenvolvimento dos pensamentos mais característicos, mais próprios e mais adequados à conatural dinâmica do cérebro de cada um, o qual, por sua vez, desenvolverá, cada vez mais, capacidades de associação e de dissociação, de coloração e vivência, de multidimensionalidade e de integração. Na realidade, a utilização de mapas mentais na educação da mente, no desenvolvimento dos processos sensório-cognitivos, no desenvolvimento do potencial emocional e das capacidades cognitivas, não só estimula o cérebro a elaborações profundas, mas, também, aqui, este exterioriza suas intencionalidades, descobre sentido para o seu funcionamento, conteúdos e sequências de conteúdos nos seus processos e motivantes envolvências nas captações do exterior, fazendo com que as profundas motivações intrínsecas do indivíduo se enlacem com várias dimensões da realidade exterior. Por tais razões, torna-se evidente que a utilização de mapas mentais facilita enormemente a planificação da aprendizagem, o controlo dos seus efeitos, estimula, de forma concentrada, o pensamento global, evidencia o factorial, gera no indivíduo compensações imediatas e faz-o sentir que relaciona e correlaciona de forma segura, interiorizada e vivenciada. De facto, a utilização da cartografia mental constitui parte integrante das estratégias de reforço mental, do desenvolvimento do quociente emocional e da estabilidade da afectividade, expandindo as dimensões intelectuais de um indivíduo, estimulando o seu desenvolvimento emocional e afectivo e fazendo com que ele encontre retenção fácil, envolvimento aprazível e investimento lúdico em suas actividades , atitudes e comportamentos. As estratégias da educação da mente, através da utilização de mapas mentais, evidencia-se como técnica importantíssima, visto esta facilitar, enormemente, o estabelecimento das conexões entre as partes de um todo, direccionar o pensamento verso objectos ou entidades globais e concretas, certas côres utilizadas nos mapeamentos estimularem o desenvolvimento das dimensões afectivas, emocionais e de adesão, favorecerem a memória, o potencial de associação, o desenvolvimento da criatividade e da autenticidade, características essenciais ao 86 desenvolvimento da total funcionalidade do cérebro humano, ao equilíbrio introspectivo e à recíproca interacção mente-corpo. Constituindo estas últimas características alicerces essenciais da criação e dinâmica de estados mentais positivos, é um facto que estados mentais positivos criam e desenvolvem interpretações positivas da realidade, dos meios e das circunstâncias e geram no indivíduo sensações e vivências de liberdade interior, de disponibilidade para acção, exteriorização de contentamento, alegria e bem-estar. Estas características de um tal estado interior, que interligam e dinamizam mente, afectos e emoções, geram no indivíduo vitalidade, entusiasmo, optimismo e acção, e fazem com que a sua mente e suas atitudes e comportamentos se direccionem e centralizem no essencial, criem valores de ascendência e de expansão, de desenvolvimento e de emanência de si mesmo, o que faz com que a pessoa, permanentemente dentro de si mesmo, desenvolva a força, a energia e a vitalidade necessárias para a positiva e eficiente concretização de suas ideias, projectos e comportamentos, sentindo que o contínuo desenvolvimento de seus recursos interiores e de sua evolução pessoal são realidades factuais e que o seu potencial bioenergético e mental não têm limites. Um tal conjunto de características positivas, emanado de positivos direccionamentos da mente, torna-se alicerce essencial da total e harmoniosa funcionalidade do próprio cérebro, faz com que este accione todas as suas habilidades corticais, gerando nele necessidades de vigia e de receptividade, de confiança em suas próprias capacidades, permanentes necessidades de aprender cada vez mais, de deixar fluir os pensamentos, as associações e as ideias e de desenvolver as suas competências de maleabilidade e de adaptabilidade, visto a educação da mente ser, simultaneamente, educação do cérebro, e, este, em tais processos de educação, volta-se para o real e acciona-se em função deste, activando-se individualmente e, seguindo as intencionalidades de sequenciação lógica e multidimensional, aumenta enormemente os poderes de concentração e de associação, de interiorização de valores positivos, hábitos de trabalho, auto-estima individual, autoconfiança em suas próprias capacidades mentais e cognitivas, entusiasmo e cumplicidade com o novo e o diferente, evitamento das angústias e das frustrações, dos medos, dos aborrecimentos e dos desleixos. O desenvolvimento destas novas e funcionais qualidades, imprescindíveis ao equilíbrio do ser humano e necessárias como meio de resposta às necessidades das novas viragens sociais, económicas, profissionais e tecnológicas da sociedade pós-industrializada, implica o desenvolvimento de todas as potencialidades corticais, bem como o desenvolvimento de todos os mecanismos receptores do cérebro, pois que, por um lado, jamais ser humano algum desenvolveu a totalidade da potencialidade do seu cérebro e, por outro lado, ele funciona de forma sinergética, associativa e irradiante, fortemente motivado pelo emocional e pelo afectivo, pela consciência de si mesmo e pela autoconsciência de sua totalidade identitária. É que, de facto, o cérebro humano, no seu vazio emocional e afectivo, parasita ou bloqueia, permanece mórbido e sem energia, desvitaliza ou bloqueia em seus circuitos cerebrais, significando isto que a acção permanentemente activadora do cérebro assenta na interactiva simbiose da lógica da mente pulsional, da mente emocional e da mente racional, ou, por outras palavras, na lógica do inconsciente, do pré-consciente e do consciente, instâncias que deverão funcionar sintonizada e interactivamente, recíproca e mutuamente em suas mais vastas e hipercomplexas dimensões. 87 A presente e necessária necessidade de implementação de desenvolvimentos de literacias pulsionais, perceptivas, emocionais e mentais, constitui bases essenciais de novos paradigmas educacionais, interrelacionais e profissionais, visto uma grande percentagem de dificuldades da aprendizagem serem desencadeadas por ausência de comunicações, por conflitos provocados por ausências de aceitações das divergências, e por problemas de ineficiências profissionais desencadeados por falta de estímulos, de motivações e de envolvências. A presença de um tal conjunto de carências a nível de formação e de desenvolvimento da personalidade individual encontra-se, essencialmente, na privação da cultura do eu, na desconexão das suas dimensões e no jogo de abstracções que a actual cultura envolve. Isto porque a formação integrada e harmoniosa de um indivíduo implica harmonia funcional entre seu eu corporal, emocional, afectivo, psicológico e intelectual, dimensões essenciais à constituição de uma verdadeira e autêntica individualidade e, tais dimensões, nas nossas culturas, continuam dissociadas. A reconversão de tais orientações, com objectivos de autenticidade, harmonia e funcionalidade, implica a existência de uma cultura de encontro e de aceitação de si mesmo; da sua identidade e individualidade e investimento, aplicação e adaptação deste “ si-mesmo “ em conformidade com a fluência do seu próprio estilo pessoal e com as suas profundas e conaturais formas de ser para que as suas próprias e potenciais aptidões, capacidades, habilidades e destrezas se desenvolvam e concretizem segundo a sua conatural forma de ser, a qual, quando não condicionada, distorcida ou mutilada, originará personalidades livres e autênticas, espontâneas e criativas, eficientes e rentáveis em todos os níveis e dimensões do seu embrionário potencial do qual estamos muitíssimo longe de o podermos conhecer. Urge, por isso, acentuado investimento nas técnicas e estratégias de desenvolvimento e expansão de todas as potencialidades, capacidades e funções do cérebro humano, e não apenas a valorização das tradicionalmente denominadas funções cognitivas, tão sublimarmente pseudovalorizadas pela “incultura” da nossa cultura socioeconomicista, visto os potenciais do ser humano emergirem do seu todo e não apenas dos lobos cerebrais. As implicações da presente análise impõem a existência não só de novos paradigmas do pensamento, mas, também, do comportamento face a si mesmo, aos outros e à realidade em geral, os quais ameaçam não só conceitos, ideias ou teorias mas, também, o estatuto, o prestígio e a carreira de todos os que vivem material, cultural e psiquicamente enraizados nas concepções socioculturais, psicológicas e económicas desses paradigmas, os quais, envolvendo, ainda hoje, o todo do ser humano, são inadaptados às suas necessidades de plena aceitação, total desenvolvimento, expansão e cabal funcionamento. Porém, como o afirmou Bourguignon (1981) : « se, para a física, uma mudança de princípio universal provoca uma modificação do mundo inteiro, para as ciências do homem uma mudança semelhante provoca uma mudança do homem na sua totalidade ». Esta mudança passa, em primeiro lugar, por uma tomada de consciência psicoantropológica e socioemocional do ser humano, para que, a partir daí, surjam novos conteúdos mentais, emanados da totalidade da natureza dos indivíduos, os quais, por sua vez, originarão constelações de novas atitudes, hierarquias de novos comportamentos e de valores, novas representações e novos pensamentos, que deverão conduzir o humano à elaboração de novos conteúdos mentais, ao percepcionamento e captação de novas informações e à emanação de novas 88 inferências tanto interpessoais como relacionais, tanto emocionais como afectivas, tanto intelectuais como cognitivas, o que cria e desenvolve no cérebro humano orientações e intencionalidades mais emanadas do seu todo que das suas partes e, por isso, representações individuais de tendências totalizantes e unificadoras das dinâmicas inconscientes e conscientes, libertadoras de passados, envolventes dos presentes e perspectivadoras de futuros mais correspondentes às necessidades funcionais do todo humano, bem como às suas necessidades de elasticidade e flexibilidade, de adaptabilidade e integrabilidade. A lenta mas progressiva interiorização deste novo paradigma de unificação funcional do organismo-cérebro-mente-emoção-afectos implica a existência de crenças no próprio potencial humano, de necessidades de elevação, de desenvolvimento e de expansão, bem como aceitação do seu todo individual, único e indivisível, e, um tal conjunto de crenças, emanadas tanto das análises de suas reais capacidades como das suas intrínsecas necessidades de real expansão e de concreto desenvolvimento, trilharão e desenvolverão no indivíduo constelações de novas percepções, em relação a si mesmo, em relação aos outros e ao mundo em geral, e, das quais emergirão hierarquias de novos valores individuais e, daí, novos paradigmas e novos modelos comportamentais. É que, sendo um facto que as crenças possuem enorme influência sobre as nossas capacidades, estas agem de forma determinante sobre o nosso autoconceito, e, este, constitui, de maneira particular, o motor essencial dos nossos processos de aprendizagem, de desenvolvimento, de eficiência, de competitividade e de adaptabilidade. É que tanto as crenças como os valores “ movem montanhas “ e é, tanto por causa de umas como de outros, que as pessoas agem e se movem em direcção a fins e objectivos, e, por tais necessidades, se investem e desenvolvem nas vias de concretização do seu próximal potencial, meta que facilita a dinâmica e a retroactiva interacção dos estímulos interiores com as motivações exteriores, gerando, no indivíduo, respostas às suas ascendentes necessidades de valorização individual e de realização pessoal, de aceitação da sua totalidade e de expansivo investimento das suas capacidades. A entrada do ser humano em tais processos de desenvolvimento não é, de forma alguma, nem utópica nem irrealizável, nem abstracta nem redutora, mas sim uma concreta forma de tornar educável o cérebro, a mente e os processos de cognição de um indivíduo, hipercomplexa triologia que, em consonância e perfeita harmonia, exige crescimento e irradiação, desenvolvimento e comunicação, naturalidade e criatividade, aprendizagem e aceitação. A resposta a tais exigências e necessidades do anterior trilógico processo exige libertação de processos condicionadores das realizações do ser humano. Não desconhecemos, no entanto, que os seus obstáculos e barreiras são gigantescos, desencoragadores e desmotivantes. De facto, tanto o senso comum como o conhecimento do quotidiano emergem das interacções das percepções sensoriais com as construções culturais, das intuições verdadeiras e falsas, de induções verdadeiras e erradas, de racionalidades e de irracionalizações, de ideias recebidas e de ideias inventadas, de sabedorias ancestrais e de saberes actuais, de crenças inculcadas, valores dogmatizados e opiniões pessoais, constituintes essenciais de modelos comportamentais interiorizados e de paradigmas cristalizados. O dito paradigma científico, por outro lado, fez da mente humana, sujeita à razão e à não-razão, à cegueira e à alucinação, ao erro e à correcção do erro, o 89 alicerce fundamental das suas construções e desenvolvimentos, das suas observações e experiências, de informações e trocas, de descobertas e meios de descobertas, colocando, assim, a incerteza onde imperava a certeza e as certezas no reino das incertezas sem efectuação de intrínseca distinção entre verdadeiras e falsas certezas. Uma tal logicidade, organizadora da mente humana, fez com que esta se exercitasse na razão, na critica, na experiência, na práxis, na comunicação, na reflexão e, apesar de tudo, pudesse tomar consciência de que não está certa de possuir as certezas, o que faz com que ela, permanentemente, se exercite na dialógica fecundação da acção-conhecimento, reflexão-crítica, informaçãocomunicação, razão-antirazão, sem já mais ter a certeza de possuir o certo. Estes processamentos e utilizações da mente humana fizeram com que esta se investisse sobre o fragmentado ou o parcial, gerando-se uma cultura de especialização dita científica, que passou a ser transmitida através de linguagem formal e através de disciplinas fechadas, organizadas em função de modelos e paradigmas mais rígidos que flexíveis e com poucas correspondências com as substanciais e profundas características qualitativas do cérebro humano, isto é, características de elasticidade, plasticidade, flexibilidade, maleabilidade, adaptabilidade, interactividade e retroactividade, o que gera não só reduções e cristalizações do potencial do todo do cérebro humano, mas, também, disfunções na sua natural natureza e desequilíbrios a nível de atitudes e de comportamentos. Parecem, por isso, bastante desenraízadas as raízes das quais emerge a cultura do homem moderno, visto esta emanar das possíveis mesclas do dito senso comum, do conhecimento do quotidiano e da racionalidade científica, e, constituindo, em simultâneo, uma espécie de personalidade social do ser humano, e, esta, por sua vez, inscreve nele normas e práticas comportamentais que o levam a memorizar certos dados cognitivos e a desprezar ou negligenciar outros, institucionalizando uma espécie de programas que impõem ao homem o que ele deve ou pode conhecer e o que não deve ou lhe é interdito, imperativos condicionadores do desenvolvimento do cérebro-mente do homem que, simultaneamente, alienam-o da sua própria realidade, alienação que, por sua vez, constituindo ascendentes processos de piramidal circulação, fazem com que, apenas o espontâneo pressentir do natural funcionamento do humano conduza esse mesmo humano a distinguir o normal do anormal, o equilíbrio do desequilíbrio e o natural do patológico. É que, de facto, tanto as estruturas de uma cultura como os seus dinamismos tanto abrem como fecham o homem ao desenvolvimento das suas potencialidades bio-antropológicas, ao seu natural desenvolvimento de potenciação cognitiva e à expansão das suas capacidades, como o fecham, reduzem, anulam ou aniquilam, graças aos saberes que impõe, aos paradigmas que o forçam e aos modelos que “inculca”, aos métodos de aprendizagem que o indivíduo é obrigado a seguir, aos esquemas que ele elabora e à lógica de convergência que é obrigado a institucionalizar, constituindo-se, assim, o conjunto de forças e de resistências de uma generalizada super-estrutura, organização e desenvolvimento do psicossocial e do cérebro-mental. 90 CAPÍTULO IV ACÇÕES E INTERACÇÕES NEURO-SÒCIO-PSÍQUICAS NOS PROCESSOS DE APRENDIZAGEM acerca Os científicos e criteriosos estudos e análises sòciopsicológicas efectuadas da natureza do ser humano, da sua personalidade e de sua 91 psicocaracteriologia; das suas pulsões e das suas tendências, dos seus interesses e das suas necessidades centralizam-se, de maneira particular, nas dimensões sòciopsicológicas e sòcioanalíticas do ser humano, isto é, nas suas necessidades de sobreviver com, de estar, de interagir, de comunicar, de pertencer a, de socializarse, de integrar-se, etc. . Ora, sendo a necessidade resultante de um efeito da discordância efectuada entre dois termos de comparação, resulta que, no ser humano, todo o desequilíbrio existente entre as pulsões, as orientações ou normas neurofisiológicas e seus meios culturais, ou, entre as informações do interior e as do ser exterior, entre a acção e a representação, constituem estados de desequilíbrio e, por conseguinte, hierarquias de necessidades individuais. Daí a actual e urgente necessidade das actuais, culturas e investigações no domínio da Neuropsicologia, Neuropsiquiatria e Genética psicológica se voltarem para o estudo do Homem como um sistema constituído de subsistemas e micro-sistemas em interacção e acção, em função ou disfunção, em progressão ou regressão, em evolução ou involução, em equilíbrio ou desequilíbrio, em adesão ou rejeição, em normalidade funcional ou anormalidade. É que, de facto, como as variáveis de tais desequilíbrios constituem no ser humano o seu conflito-motor de acção, de desenvolvimento ou de progressão; de estacionamento, de involução, regressão ou disfunção, estes constituem estruturas ou estádios deficitários, isto é, de necessidades neuropsíquicas e psico-emocionais básicas, de organização ou de reorganização dos próprios sistemas inter-celulares e intra-neurais, de inter-relações e de interacções, de emoções e de sensações, de percepções e de adesões, de entendimento individual e de adições interpessoais. O presente desenvolvimento, em suas hipercomplexas dimensões de transversalidade e de longitudinalidade, de esfericidade e de diagonalidade, constituirá a homeostasia evolutiva, harmoniosa e equilibrada do indivíduo, o qual, como ser inacabado ou repleto de incompletude, permanecerá sedento da sua própria integridade, faminto de interiorizações e sequioso de adaptações, recorrendo, devido a um tal conjunto de necessidades, a processos de busca de satisfação através de estímulos neuropsíquicos, de sensorizações corporais, contactos humanos e estimulações individuais, necessidades que, quando satisfeitas, constituirão a estrutura dinamizante básica das posteriores necessidades de cognição, de sociabilidade e de aculturação. Estes processos decorrem da dinâmica e homeostatica natureza bio-sòciopsicológica do ser humano, única e singular, igual e diferente, contínua e descontínua, constante e renovável, conservadora e evolutiva, integrada e proliferante, egoísta e altruísta, repetitiva, variada e inovadora, graças à sua intrínseca e indissociável natureza de essências-existências com seus ciclos vitais próprios, para os quais existir é viver e, viver é existir com singulares experiências, egocentrismos e altruísmos próprios de um indivíduo-sujeito, actor existencial da sua própria existência que joga a sua vida no palco das incertezas, dos acasos e dos obstáculos; das dificuldades e das ameaças, mas veiculador de potencializações, de transcendências e de reorganizações; de introjecções e de acumulações, de projecções e de informações, de percepções e de interacções. É, portanto, no seio de um tal conjunto de interacções que o ser humano, progressiva ou regressivamente, evolutiva ou involutivamente, se organiza ou desorganiza, forma e transforma, emerge, age e retroage no seu permanente reanelamento bio-sòcio-psicológico, único e relativo, tríplice e múltiplo, alicerces essenciais dos sistemas vivos, com princípios, leis, normas, revelações e autorevelações próprios de cada espécie. 92 Tal realidade emana do facto da existência do ser humano apresentar-se como fenómeno constituído por sistemas celulares. Estes, por sistemas de moléculas, os quais, por sua vez, são constituídos por sistemas de átomos. É dessa interacção, encadeamento, cruzamento ou sobreposição de sistemas, que emerge o ânimus e o psíquico, o emocional e o afectivo, o social e o cultural, os quais, tanto pela lógica da complementaridade como pelo princípio da inclusão, não deveriam opôrem-se nem descentralizarem-se, mas sim completarem-se, aperfeiçoarem-se e harmonizarem-se. Porém, alimentando-se os sistemas de interacções e de trocas, como muito bem o entendeu e desenvolveu Edgar Morin ( O Método I, pág. 95, Publicações Europa-América ): « As partículas têm nas propriedades do sistema muito mais do que os sistemas têm das propriedades das partículas ». Por isso, não admira que, não raramente, os sistemas sociais se oponham ou sobreponham aos sistemas naturais, os sistemas adquiridos aos sistemas inatos, os educacionais aos sistemas psicológicos, e os sistemas políticos aceitem, abençoem e enalteçam tais anomalias como as virtudes dos tempos. E, no entanto, está sabiamente assumido que, construindo-se e evoluindo os sistemas por processos de interacções e de transações entre os sujeitos-objectos, tanto a eficácia como a harmonização, tanto a eficiência como a expansão dos indivíduos-sujeitos somente se efectuam através da complementaridade dos sistemas, e não através da sua distorção ou eliminação, visto o sujeito ser uma unidade e uma unicidade genofenómenicamente constituída, nas quais, o seu todo, é diferente e superior à soma das suas partes, o que constitui a hipercomplexidade e originalidade dos sistemas humanos, diferenciados e diferenciadores, reproduzidos e reprodutores, desenvolvedores e desenvolvidos e, simultaneamente, uni-sistémicos e poli-sistémicos, o que faz com que não exista harmonia previamente determinada, mas sim evolução sujeita a contínuos e descontínuos, a progressões e regressões, a estádios evolutivos e estacionários, interdependentes dos acasos, das contingências, das comunicações e das receptividades, das informações e de seus conteúdos, das mobilizações e das adesões, das pulsões e dos desejos, dos afectos e das envolvências, e, das suas formas, dos seus estímulos e das suas motivações. E, tudo isto, efectuado por um interactuante humano, com carácter único, jamais exactamente igual ao outro, e, com particularidades, diferenças e variações únicas, características que, de acordo com a congruência da lógica, conduzem os humanos a indefinidos sistemas de ramificações, caracterizadores dos indivíduos, das suas atitudes e comportamentos, potencialidades e capacidades, emoções e aptidões. Porém, como que impondo limites à inteligência humana, as metodologias e as lógicas das ditas Ciências empírico-dedutivas ensinaram-nos que, para se fazer Ciência, era necessário: « juntar, como que em ramalhetes, as plantas que se assemelham, e separá-las das que não se assemelham », permanecendo as dissemelhanças ou diferenças à margem da acção ou ao cuidado do seu tratador. No entanto, apesar do sujeito humano possuir sistemas vegetativo, biológico e inconsciente, ele possui, também, sistema consciente, antropocêntrico e metafísico. Necessita da acção, de interacções e de interdependências para se organizar e reorganizar genofenoménicamente em suas dimensões psico-corporais, afectivo-emocionais e sócio-culturais, de maneira integrada e integrativa, adaptada e adaptativa, e, de maneira indissolúvel, num processo existencial de ser para si e de se transcender a si através de desenvolvimentos e de generatividades emanadas e produtoras de conflitos e de dilaceramentos, de vinculações e de desvinculamentos processados nas e através das instâncias do id, do eu e do super-eu e respectiva 93 flexibilidade, maleabilidade, condensação ou rigidez das próprias instâncias do seu sistema psicológico. Sabendo-se, no entanto, que a existência do sujeito precede a sua consciência e que no ser humano o sujeito é “ primeiro inconsciente “ ( Lacan, 1978, pág. 76 ), o indivíduo-sujeito, é condenado à sua unicidade e originalidade e encontra-se, também, condenado à separação, à solidão e à incerteza. É em função de tais frágeis condições que ele vivencia a sua intrínseca necessidade de comunicar, de computar, de informar e de informar-se, e, através de tais processos de intercomunicações com os seus congéneres , vai encontrando e gerindo as suas acomodações, adaptações e assimilações ou não; os desenvolvimentos correctores do seu eu ou os desenvolvimentos desarmónicos, as semelhanças ou as acentuadas dissemelhanças com os outros eus, que o circunscrevem, rodeiam ou envolvem e, da natureza de uma tal interacção, das suas harmonias e complementaridades ou vice-versa emergirá o seu princípio e dinâmica do prazer, da realidade e da auto-construtividade ou o princípio do desprazer, da distorção e da auto-anulação, atributos e percepcionamentos inerentes à própria dinâmica dos processos da evolução harmoniosa ou da elaboração desarmonica, do erro, do isolamento e da separação, acentuando, por tais processos, as suas carências a as suas asperezas, as suas solidões e as suas disrupções, as suas frustrações e as suas feridas, as suas insatisfações e as suas decepções, o que o torna pobre em emoção e em afectividade, em vitalidade e em objectividade, em desenvolvimento e em afirmação, em receptividade e em projecção, tanto a nível de desenvolvimento dos receptores sensoriais como da dinamização e da interactuação das suas estruturas neuro-cerebrais, visto, como afirma Morin: « a qualidade auto-referente e egocêntrica do sujeito faz do indivíduo vivo um centro de solidão e um centro de comunicação, um centro de sensibilidades ou de sensações que se tornará centro de sentimentos e de afectividade, um actor-jogador cuja praxis está toda ela marcada pelas eventualidades, pelas asperezas, pelas tragédias da existência ». ( Morin, O Método II, Publicações Europa-América, 2ª Edição, pág. 182 ). É, com efeito, através dos processos de referências e de auto-referências que o sujeito humano tende para o seu solipsismo ou sociologismo, que se isola do mundo exterior ou se envolve, traduzindo, para si mesmo, em sua própria linguagem, as informações que do seu mundo exterior pode extrair, significando isto que a abertura, a harmonia e o desenvolvimento do ser-humano é efeito de um processo de múltiplas e complexas interdependências do universo circundante, interdependências progressivas em função dos níveis de desenvolvimento, visto o sujeito humano quanto mais desenvolvido mais dependente da necessidade de ser e de viver, de se desenvolver e de se expandir, de se informar e de auto-realizar-se. E isto através de processos de abertura em relação aos outros, de sociabilidade e de socialização, de comunicabilidade e de comunicação, de cooperatividade e de cooperação com os alter-egos, o que gera em si capacidades de escapar ao solipsismo, de não exacerbar o seu sociologismo e de desenvolver-se na sua identidade-objectividade, na sua identidade e individualidade em relação aos seus meios, aos outros, às comunidades de pertença e à sociedade em geral. Por isso, apesar do inevitável, positivo e necessário conjunto de tais atributos e potencialidades de socialização, o observador e analisador dos tradicionais modelos científicos, dedutivamente impostos - apesar de, não raramente, terem sido concebidos a partir de métodos indutivos – não só se fecharem em crassos erros, mas, também, levantaram densas fortalezas de resistências à progressão e ao desenvolvimento do científico quando, em seus posicionamentos autistas e 94 contemplações umbilicais, partindo da contemplação da existência de multidões de indivíduos semelhantes, conceberam hierarquias de atitudes, padrões de comportamentos e processos de aprendizagem idênticos ou semelhantes para todos numa atitude de mera abstracção dos indivíduos e de projecção do “ em si mesmos “. Com efeito, embora o ser humano resulte dos efeitos dos sucessivos reanelamentos e, por conseguinte, seja possuidor da identidade da sua espécie, todo o humano é um ser diferente, diferenciado e diferenciador, visto o seu património e potencial informacional estar sujeito aos efeitos das variáveis evolutivas, fenoménicas e experiênciais tanto do singular como do individual, do social como do colectivo, segundo lógicas de auto-referência, de imagens pessoais, de autoconceitos individuais, de expectativas sociais e de projecções individuais. Daí o facto de todo e qualquer ser humano possuir uma generatividade própria e insubstituível, um património genético-informacional diferente do dos seus progenitores e uma identidade processual, exteroproprioceptiva única e irrepetível, desenvolvível e realizável através dos processos de reanelamentos e de recorrências, de adaptações e de renovações, de assimilações e de interiorizações, de projecções e de regressões, de mudanças e de mutações conaturais à espécie e próprias ao indivíduo, o que faz com que este evolua ou involua, progrida ou estacione, se liberte ou asfixie, se integre ou desintegre, se harmonize ou desarmonize, se actualize ou desactualize, se adapte ou se inadapte, se torne um ser normal ou anormal, equilibrado ou patológico em termos sociopsicológicos e socioanalíticos. É que, de facto, o processo informacional de um ser humano e do seu respectivo desenvolvimento não é efeito da interacção de algumas das suas partes, mas sim resultado da acção do seu todo em interactividade e em interacção, em processos de generação e regenerações, de revelações e auto-revelações realizados em contextos familiares e sociais, bioecológicos e sistémicos, técnicos e culturais, psicológicos e educativos. Uma tal hipercomplexidade processual, devido aos desequilíbrios ou desnivelamentos, disfunções ou anomalias, paragens ou asfixias das interacções dos subsistemas originam desvios, anomalias, carências, atrasos, insuficiências, perturbações ou deficiências nos processos e nas necessárias dinâmicas da necessária e equilibrada homeostasia do indivíduo, o qual, em seus processos de retroacções, reproduzirá os desequilibrios, os atrasos, as insuficiências, os déficits ou as deficiências, caso a acção dos estímulos interiores, conjugada com os efeitos das motivações e das acções do exterior, não regulem o irregulável, não equilibrem o desequilibrado nem harmonizem o desarmonizado. Uma tal dialéctica bio-orgânica do ser humano com os seus meios de vivência, confere-lhe ambiguidade e incerteza, inoportunidades e desigualdades, diferenças e diferenciações, semelhanças e dissemelhanças a nível de atitudes e de comportamentos, de sensibilidades e de percepções, de autonomias e de autonomizações, de expectativas e de ambições, de aprendizagens e inserções. E tudo isto porque o ser humano é, simultaneamente, sujeito e objecto, insubstituível e substituível, autónomo e dependente, único e irredutível, total e incompleto, auto-organizado e desorganizante, emergente e desenvolvedor, com individualidade própria mas, simultaneamente, produto do exterior, de processos anónimos e impessoais; fruto das suas computações e acções, das suas atitudes e comportamentos genofenomenicamente interdependentes, com uma consciência capaz de o controlar perante a sua própria realidade de ser frágil e imaturo, dependente e inacabado, com necessidades de desenvolvimento e completude, de expansão e de totalidade, de vivências e de convivências, de aprendizagens e de 95 realizações através dos princípios da realidade e do prazer, da emergência e da interactividade e com profundas e radicais necessidades interiores de movimento e de sensibilidades, de emoções e de percepções, de afectos e de envolvências, de cognições e de computações, de saberes e de aprendizagens, o que põe em causa a tradicional concepção de realidade humana, das aprendizagens e dos desenvolvimentos. É que, de facto, emergindo o ser humano, os seus desenvolvimentos, dignificações e afirmações das sucessivas, progressivas e recíprocas interacções bio-sòcio-psicológicas e eco-culturais, pois, como afirmou Henri Wallon: « o homem psicológico realiza-se entre dois inconscientes: o inconsciente biológico e o inconsciente social e a sua integração um no outro é diversificada ». Mas, se pretende conhecê-los, tem de se estabelecer correlações entre um e outro, visto todo o edifício da vida mental construir-se, nos seus diferentes níveis, através da adaptação da actividade individual ao objecto, pois o que orienta o indivíduo para a adaptação são os efeitos da adaptação sobre a própria actividade. Por isso, ainda segundo Wallon – « é impossível imaginar a vida psíquica sem ser sob a forma das suas relações recíprocas ». Por tal facto, o processo inicial de todo o desenvolvimento humano encontrase no acto e no processo de adaptação que une o inconsciente biológico e o inconsciente social. Uma tão simbiótica matriz, génese da hipercomplexidade da unidade da existência humana, pelo facto de ser complexa, contém, em si mesma, diversidade e multiplicidade, organização e desorganização, entropia e neguentropia, o que lhe confere unidade e desunidade, simplicidade e complexidade, ordem e desordem, homogeneidades e heterogeneidades, pluralidades e diversidades, concorrências e antagonismos com processos auto-organizadores e desorganizadores, singulares e originais. Ora, parecendo ser um facto que é da simbiose do inconsciente biológico com o inconsciente social que emerge o propulsar inicial do self, é a partir da intrinsidade de uma tal união que as diversidades evolutivas do indivíduo, as suas mutações e morfogéneses se enunciam. Daí a vital importância de estimuladas e motivadoras interacções genofenoménicas, visto ser da lógica da estrutura inicial que a intensidade e a qualidade dos ciclos vitais se desenvolverão, que as actividades fenoménicas do organismo humano encontrarão sentido e que a formação dos códigos genéticos desenvolver-se-á em contínuos e interactivos processos de diacronia e de sincronia e em função das específicas necessidades de cada um. É, com efeito, da natureza, simbiose e vitalidade de uma tal “ dupla articulação “ dos fenómenos do desenvolvimento que as informações genéticas se desenvolvem, as sociais se adquirem, as psico-emocionais se sedimentam e as produções ou reproduções intelectuais se desenvolvem, e isto através de um contínuo e dinamizador processo de reanelamento inter-sistémico do genótipo e do fenótipo, do organizado e do organizador, do produzido e do reprodutor, do estimulado e do estimulador, do social e do individual, do informacional e do nãoinformacional, factores de generatividade e de regeneração afectivo-emocional e psico-intelectual. Daí o facto dos défices funcionais e das insuficiências psico-intelectuais serem asfixias, mutilações ou desvios da extraordinária capacidade de autoorganização, integrabilidade e integração da própria singularidade e originalidade do ser humano, apesar da Biologia moderna, no seguimento dos trabalhos científicos 96 do Prémio Nobel Jacques Monod, inscrever nos princípios e estruturas que governam a reprodução, a individualização e a evolução do ser humano, a noção de “acaso”, o que nos obriga a concebermos o sujeito humano não só como uma essência existencial ou uma forma do ser mas, de maneira particular, como uma qualidade do seu próprio ser, a qual emerge dos seus próprios processos de autogeno-feno-organização, processos de cujas interacções emergem resultados ou efeitos não só diferentes mas também superiores às suas próprias causas. É que, na realidade, nos seres vivos, mas especialmente nos humanos, o todo, isto é, a unidade, identidade e unicidade do sujeito humano, não só é diferente da soma das suas partes, mas, também, superior, visto as interacções das suas partes não só modificarem o ser computante, mas, também, fazerem com que ele, permanentemente, se auto-recomece e auto-regenere, significando isto que, tanto a individualidade como a qualidade da sua própria subjectividade, interdepende não só de processos subjectivos mas, de maneira particular, de processos, de acções e de comportamentos objectivos. E, tanto os processos subjectivos como os objectivos necessitam de consciencialização das suas interdependências, visto ser os efeitos destas que agem, interagem e retroagem nos processos de evolução de novos estádios, de novas fases e de novos desenvolvimentos, graças à acção e à funcionalidade, à maturação e à estimulação, à emoção e à motivação do aparelho neuro-cerebral do sujeito-humano. Um tal aparelho ou centro neuro-cerebral, cuja acção resulta da interacção inter-neuronal e das interacções entre células que se multiplicam e diferenciam, estas não só se desenvolvem, dinamizam, asfixiam ou anulam em função da sua estrutura e potencial ontogenético, mas, também, em função das normas e das regras culturais em que cada indivíduo vive, em função dos meios familiares e sociais a que um indivíduo pertence e em interdependência da estrutura, qualidade e dimensionalidade dos centros de comando, de controlo e de decisão em que um indivíduo se encontra inserido. Daí a intrínseca necessidade das condições objectivas em que um indivíduo se move deverem reforçar e desenvolver o seu potencial ontogénico e darem resposta às suas múltiplas necessidades de desenvolvimento auto-organizacional e de auto-referência, de auto-afirmação individual e de acção social, de emoção e de afectividade, de auto-informação e de auto-computação, de auto-conhecimento e de auto-comunicação de forma indissociável, apesar da concepção de multidimensionalidade do ser humano. É que, de facto, por um lado, se é verdade que a fragilidade da mente humana necessita de dividir ou de subdividir o todo para compreensão de parte do real, por outro lado, não é menos verdade que um movimento, um gesto, uma acção ou uma atitude; uma emoção ou um afecto, um pensamento ou uma ideia, um raciocínio ou uma argumentação são efeitos do todo do ser humano. Isto porque, em tal ser biocerebral, está impregnado o cultural e o social, o subjectivo e o objectivo, a organização e a desorganização, a ordem e a desordem. Com efeito, é pela Cultura e pela acção dos meios culturais, da linguagem e das interacções comunicacionais e informacionais que o ser humano se hominiza biológicamente e humaniza psicossocialmente. A potencialização e força da acção de uma tal dinâmica psicossocial é de tal poder que, não raras vezes, nos seus processos de interacções e retroacções, controla o gènes biológico ou orienta-o, condiciona-o ou governa-o, estimula-o ou inibe-o, motiva-o ou reprime-o, recalca-o ou liberta-o. Isto porque nem sempre o império do meio colabora com o império dos gènes e, nesse processo de ausência 97 de colaboração, de participação envolvente, de antagonismo ou de oposição, o antro-psico-social ou o ser fenoménico toma posse e controlo dos gènes e manipulaos em função da concretização dos seus próprios objectivos e fins. Uma tal retroacção sobre os gènes não só os pode fragilizar como reforçar, expandir como condicionar, potencializar como reduzir, o que faz com que o sujeito humano permaneça objecto de disputa entre a autoridade do genetismo e do ambientalismo, apesar de parecer óbvio que os seres humanos, a partir de uma certa fase de desenvolvimento do seu aparelho neuro-cerebral e de auto-conhecimento tornam-se capazes de desenvolverem a sua autonomia, de explorarem as experiências, de capitalizarem saberes, de elaborarem estratégias de conhecimento, de atitudes e de comportamentos. Uma tal autonomia permanece, no entanto, geno-eco-interdependente, visto as experiências, os conhecimentos e as aprendizagens só se efectuarem em meios e em ambientes. As disputas entre gènes e ambientes desencadeiam rupturas, equilíbrios e desequilíbrios, conflitos e pacificações, subjectividades e objectividades, transsubjectividades e solidariedades que oscilam entre os altos e os baixos, entre os níveis quentes e frios, fazendo com que o indivíduo se transfira para a sociedade em caso de perigo, e, a Sociedade para o indivíduo em caso de segurança, deslocando tais oscilações, variabilidades e inter-conexões através de mútuos e recíprocos intercâmbios, de interacções comunicacionais e de trocas intersubjectivas, processos que desenvolvem um duplo desenvolvimento do indivíduo para a sociedade e da sociedade para o indivíduo, o que desenvolve ou mutila, estimula ou asfixia a acção, os comportamentos e as evoluções dos seres computantes e reforça a máquina social, fazendo com que esta possa desviar-se do sociocentrismo psico-humano dos indivíduos e opere, em exclusivo, em função das suas próprias necessidades e interesses vitais imediatos, fazendo com que os indivíduos desprezem as suas necessidades de auto-vivência e de auto-consciência, de identidade e de individualidade, de autenticidade e de movimentação psico-individualizada no vasto e complexo campo da máquina social e económica. Um tal societal comportamento massificador, constrangedor da acção dos indivíduos e de individualidades, de autenticidades e de identidades, não só se deverá assumir como isolador do código genético, mas, também, como redutor das suas próprias mensagens e informações, visto tanto as redundâncias como os ruídos ou poluições do exterior submeterem o incomensurável potencial do código genético dos indivíduos a um mero conjunto de acções e de comportamentos do “aqui e do agora”, com impregnação dos traços e perfis de repetição, de regularidades e de multiplicações reprodutivas, criando e desenvolvendo esquemas, dificuldades ou inutilizadores desnecessários, imprescindíveis e permanentes reorganizações singulares e individuais, informacionais e cognitivas, espaciais e temporais. A própria Sociopsicobiologia constata, no entanto, que o próprio ser humano é, simultaneamente, sensorial e motor, agente de regulação térmica e de fluxos sanguíneos, de modelação de ondas electroquímicas e sonoras, de ritualismos e de dissuasões; social e psíquico, isto é, senhor de uma aptidão policompetente que ultrapassa toda a especialização, visto as especializações funcionais interdependerem dos desenvolvimentos de tais policompetências, inerentes não só a órgãos polifuncionais e polivalentes, mas, também, a um aparelho computante de competências, isto é, ao cérebro humano, o qual desenvolve organizações, elabora reorganizações, produz especializações e, simultaneamente, luta contra as 98 especialidades; associa e combina, antagoniza-se e opõe-se, complementa-se e concorre. No seio de uma tal multidiversidade de dinamismos é factual a nãoirreversibilidade das células e dos efeitos das suas interacções e, por tal razão, a diferenciação das potencialidades, das capacidades, das organizações e das reorganizações, dos estímulos e das motivações, a qual é efectuada não só através de processos de actualização ou progressão, mas, também, em processos de retroacção ou de regressão dos próprios processos organizativos, sendo, precisamente, em tais processos de retrodiferenciação que as desespecializações ou mudança de esquemas se efectuam, maleabilizam e flexibilizam, o que faz com que o indivíduo, progressivamente, se autonomize, redimensione horizontes, recrie intencionalidades e desenvolva potenciais generativos e auto-organizadores, polivalentes e polifuncionalmente adaptáveis aos múltiplos e intercomplexos meios ambientes e circunstâncias, agentes desenvolvedores de policompetências e especializações funcionais ou disfuncionais, normais ou anormais, e tanto emocionais como afectivas, sociais como psicológicas, graças à acção do aparelho cogitante do ser humano: o cérebro, de cujas interacções e revelações com o próprio nem sempre são consoantes, funcionais, dinâmicas, rentáveis e eficazes, orientadas e auto-controladas, mas, sim, tendencialmente diversificáveis e diferenciáveis, tanto a nível de desenvolvimentos como de organizações, de dissemelhanças como de diferenças, de diferenciações como de divergências que, graças à acção e efeitos interactivos do meio, fazem com que tais comportamentos tendam para a convergência, a qual exige rapidez, perspicácia, precisão e funcionalidade, exigências que, condicionando o indivíduo para maiores acções quantitativas, fazem com que ele perca, no seu qualitativo e no global potencial, o seu desenvolvimento tanto genético como psicológico, tanto social como humano. É, com efeito, da acção e de seus relativos efeitos totalizantes de desenvolvimento que interdependem os efeitos das interacções dos estados de progressão, estacionamento e inibição existentes ou efectuados nos princípios de ordenação e de desenvolvimento das constelações inter-celulares, inter e intraneuronais de excitação e de estímulos. Porém, dos conflitos entre excitaçõesestímulos e inibições, resultantes das interacções da estrutura e da dinâmica genética com as acções do meio, resulta o início da acção do processo de variabilidade e variação não só estimuladora mas também comportamental e sociopsíquica bem como seu potencial funcional e seus níveis de funcionamento e de interacções, desencadeadas e desenvolvidas, por um lado, pelos efeitos das acções das conexões sinápticas interneuronais e, por outro lado, pela acção e eficiência da mente auto-consciente do sujeito-indivíduo. Por isso, das interacções das conexões sinápticas com a mente autoconsciente e vice-versa resultam unidades bio-energéticas, biodinamizantes, propulsoras e propulsantes de força e vitalidade, de acção e potencialidade, de conflito e consciência, que fazem com que os estados de tais unidades sejam ultrapassados, desenvolvidos e aperfeiçoados através da acção e do investimento, da consciência e da consciencialização do seu “ em si mesmo “, do outro e dos outros; dos meios e do universo, de forma discriminatória e discriminante, mediante a acção das conexões mútuas e recíprocas das constelações ou grupos de células, os quais, devido à natureza da sua própria auto-estimulação, excitação e propulsão tendem a subdesenvolver grupos vizinhos de células, o que faz com que estes, para manterem a sua vitalidade própria, sejam obrigados a recorrer a vitalidades e energias que emergem de estruturas mais profundas do ser humano, movidas essencialmente 99 pela emoção e pela pulsão, pelo instinto e pela intrínseca necessidade de homeostasia. Um tal processo de desenvolvimento e de organização, de acção e de interacções do ser humano, demostra que este é um ser biológico e neurocerebral, de subjectividade e de objectividade, de afectividade e de emoção, de pulsões e instintos submetidos a processos de desenvolvimentos e asfixias, de equilíbrios e desequilíbrios, de transcendentalidades e dialécticas, de culturas e de subculturas, incapaz, por mais desenvolvido que seja, de analisar o todo como todo, sem parcelarizar ou dicotomizar e, totalmente impotente para conceber o infinitamente grande ou infinitamente pequeno. Apesar de tais limitações parece ser verdade irrefutável que o ser humano ainda não atingiu um terço do desenvolvimento do seu potencial, de maneira particular a nível de orientação do seu potencial biopsíquico, próprioceptivo, sensitivo, intercomunicativo e emocional, pois uma elevada percentagem do seu potencial bioenergético encontra-se, ainda hoje, centralizado ou subdesenvolvido, disperso ou mal orientado, comprimido ou recalcado, inibido ou subestimulado ao nível das células ou dos neurónios, do pulsional ou do afectivo, do emocional ou do psíquico, do social ou do intelectual, resultando, de tais mecanismos processuais, acentuadas desvantagens para o desenvolvimento integral e harmonioso do indivíduo e com acentuados desequilíbrios à necessária funcionalidade da homeostasia do indivíduo-sujeito humano. Por tal razão, procurar a orientação e o desenvolvimento do total potencial bio-energético e psico-emocional do indivíduo é, sem dúvida, a missão essencial da nova Psicologia Educacional, a qual deverá centralizar os seus objectivos primordiais no total desenvolvimento do potencial bioenergético do sujeito-educando, potencial que é alimento bio-psíquico, actividade e acção, estado de alma e incomensurável força do espírito, sensibilidade interior e motor de dinamismo, de vitalidade e intencionalidade, introversão e extroversão, potencial de concentração e de desenvolvimento dos conhecimentos. No entanto, tanto dos estudos ortossomáticos como dos estudos psicogenéticos infere-se que as tipologias psico-físicas são múltiplas, variadas e hiper-complexas, o que faz com que a manifestação, concretização e o desenvolvimento de um tal potencial bio-energético sejam distintos de indivíduo para indivíduo e diferentes nas aplicações, concretizações, assimilações e interiorizações, visto a matriz de tal diferenciação encontrar-se na particularidade e na especificidade de cada ser humano, manifestadas não só através da diferenciação dos gestos e dos movimentos, do corpo e dos interesses, mas, também, através da sua estrutura e dinâmica somatopsíquicas, as quais funcionam segundo hierarquias de abertura ou de encerramentos tanto ao real como à prova da realidade, tanto à dinâmica do emocional como ao seu desenvolvimento, tanto às aceitações dos seus próprios desenvolvimento como às interacções e absorções dos factores, agentes, estímulos e motivações dos seus próprios meios, o que faz com que uns, tendencialmente, se enquadrem na hierarquia da actividade, e, outros, na da passividade; uns nas hierarquias das atracções e outros nas das rejeições; uns nas hierarquias dos afectos e outros nas dos sentimentos; uns nas hierarquias da envolvência e outros nos da combatividade. Estas múltiplas e inter-correlacionáveis possibilidades de ordenações comportamentais fazem com que os seres humanos, a nível bio-neuronal, somente se possam definir pela sua unicidade, pela sua realidade e pela sua individualidade. 100 No entanto, a nível sociopsicológico, o indivíduo-sujeito-humano aparece como epifenómeno de insuficiência e de tendência, de relativa quantidade e de subjectiva qualidade, de individualidade e trans-individualidade, sujeito a processos e mecanismos, a singularidades e originalidades, a eventualidades, a riscos e acasos desencadeados quer pela fragilidade das determinísticas normas do bioneuronal como pela interdependente natureza do psicológico, tanto pela asfixia, subdesenvolvimentos ou desvios emocionais e afectivos como pela força asfixiadora, massificante e desintegradora do social e educativo, agentes, não raras vezes, desorganizadores, entrópicos e neguentrópicos, interactivos e retroactivos, autoprodutores e auto-organizadores, espécie de máquina social cujos efeitos do seu próprio poder poderão fazer e fazem com que os elementos constitutivos da individualidade do ser humano se combinem, permutem, desenvolvam ou substituam de forma diferente do exigido pelo conatural e complexo processo da própria individualidade humana. É que, de facto, a funcionalidade harmoniosa da intrínseca natureza e dinâmica da homeostasia do indivíduo exige permanente evolução e continuado equilíbrio da sua dinamizante acção gèno-fenoménica. Um tal situacional processo encontra-se, no entanto, visceralmente envolvido numa mega-máquina social que, apesar de tingida de côres psicobiológicas e antropológicas, impõe orientações ao indivíduo, distribui-lhe funções e tarefas, cria-lhe leis, regulamentos e normas; diz-lhe o que tem de fazer e o que não pode fazer; pede-lhe autonomia mas exige-lhe subjugação, motiva-o para o desenvolvimento mas impõe-lhe as competências e as especializações que deverá desenvolver, adquirir, conquistar ou aprender e retém-o num processual desenvolvimento de uma dialógica de subjugações e de emancipações, de desenvolvimento e de subdesenvolvimentos, de autonomias e de dependências e, a meio ou quase no final de tal processo, quase como prémio de consolação, diz-lhe que é normal ou anormal, equilibrado ou desequilibrado, com sucesso ou insucesso, atrasado ou adiantado. I – INTERACÇÕES DOS SISTEMAS E DOS NÃO SISTEMAS NEURO-CEREBRAIS Sendo o ser humano efeito e causa de um hipercomplexo e multi-interactivo processo, com constituintes bio-neurocerebrais, instintivas, pulsionais, emocionais, afectivas, perceptivas, espirituais, cognitivas, psicológicas e intelectuais, ele será sempre, por mais perfeito que seja, um ser inacabado ou mal acabado e, simultaneamente, comandado, controlado, orientado, transformado e manipulado para fins ou objectivos sociais, económicos, emocionais ou psicológicos, visto até a própria acção do aparelho neurocerebral de uns ser utilizado para orientar, controlar, manipular ou ajudar a desenvolver as estruturas neurocerebrais de outros seres humanos. É a lógica da dependência-independência, da progressão-retroacção, da autonomia-subjugação, as quais trespassam os próprios fluxos bio-energéticos do indivíduo, o desenvolvimento ou a asfixia da informação do código genético, a dinâmica da organização-desorganização. É que, na realidade, dispondo cada célula de um organismo vivo , mesmo as especializadas, da mesma mensagem de qualquer outra célula, a variabilidade e heterogeneidade das informações e dos desenvolvimentos interdependem das reacções electroquímicas e neuronais, interactivamente estimuladas pelos constela- 101 cionais movimentos dos instintos, das pulsões e das emoções, em interacção com a acção das percepções, dos símbolos, das imagens interiores e dos estímulos e motivações, das expectativas e ambições desencadeados pela acção do meio e pelos comportamentos dos ambientes. Na sequência de uma tal dinâmica processual, em que os comportamentos das células são redundantes, mas submetidos ao aleatório, ao perturbante e entrópico originam-se organizações generativas e degenerativas, neguentrópicas e entrópicas, surgindo, de tais processos, paradigmas em que o acontecimento se transforma em novidade e o próprio erro em vontade. Isto porque a própria redundância das células, em interacção com algo de diferente, transforma-as em potenciais de variedade, a qual, por sua vez, organiza e reorganiza o sistema, dispersa-o, complexifica-o e torna-o mais flexível, mais maleável e, por isso, com mais heterogeneidade e mais diversidade, com mais inovação e mais desenvolvimento, com mais informação e mais comunicação. Uma tal factual arborescência, potencialmente emergente da dinâmica bioenergética e do potencial informativo contido no código genético do ser humano, obedece às contingentais normas da desordem e da ordem, da organização e da desorganização, do necessário e do acaso, do certo e do incerto, do neguentrópico e do desenvolvimento aleatório do entrópico. Por isso, tanto o crescimento como o desenvolvimento humano, tanto o enriquecimento como o empobrecimento do informacional é efeito de alterações e de mudanças, de mutações e de colaborações, de interacções e reorganizações, de aleatoridades e generatividades, características alicerçantes e essenciais à hipercomplexidade organizacional do ser humano, tendencialmente imerso no seu universo de variedade e dispersão, de homogeneidade e heterogeneidade, de organização e desorganização, de evolução e progresso, de ruído e redundância, de informação e generatividade. A variabilidade organizativo-comportamental e funcional de um tal conjunto de possíveis combinações celulares explicam a existência de anomalias genéticas, de redução da acção biológica, de lesões a nível embrionário e de mal-formações físicas, com catastróficos efeitos a nível psíquico, originando desordens, alterações ou perturbações a nível de órgãos, funções e exageros ou deficiências a nível de funcionalidade ou desenvolvimento de certos processos e dinamismos neuro-biopsíquicos, originando-se, então, a diferença do semelhante, o anormal do normal, o patológico do não-patológico, factos que fazem com que um indivíduo-sujeitohumano seja obrigado a viver com as suas próprias deformidades simplesmente porque é um “ ser ferido durante a sua vida fetal “. As deformidades apresentam-se, por conseguinte, como sendo efeitos da presença simultânea de dois estados que, originariamente, se sucedem um ao outro e obedecem a certas regras de correlação, de subordinação e de coordenação, as quais fazem com que no deformado nem tudo seja possível como o não é no nãodeformado. Por isso, sendo um facto que algumas anomalias ou mal-formações podem transmitir-se por acção genético-hereditário, a sua maioria derivam de traumatismos sofridos pelo embrião durante a vida fetal, o que faz com que a informação do código genético, a organização do ser e o desenvolvimento não se efectuem como se efectuariam se tal traumatismo não tivesse existido. Por tal razão, todo e qualquer erro na comunicação ADN, na Imunologia, na representação mental ou nas estratégias provoca comportamentos deficientes. 102 Porém, toda a organização viva, nomeadamente a do ser humano, pode tolerar, resistir, detectar e corrigir erros; pode tirar lições dos erros, isto é, aprender. Pode utilizar positivamente certos erros e até transmutar os erros no seu contrário, fazendo com que os erros se tornem pedras de toque, estimuladoras de novas reorganizações e descobertas, factores de eventualidades e diversidades, de concorrências e de antagonismos, apesar da lógica e ordem biológicas fazerem da acção dos processos e dinamismos a sua complexidade organizacional, isto é, o seu potencial auto-organizacional e eco-reorganizativo, o qual, por sua vez, retroaliment-se, parcialmente, da utilização e integração da desordem, visto a própria evolução biológica ser efeito de uma sucessão de variações de invariantes, as quais, passando pela desordem, recuperam a ordem, depois de se adaptarem à desordem e superá-la, utilizá-la e trabalhá-la, o que faz com que se desenvolvam estratégias de inventividade e de criatividade, visto estas serem não só efeito da ordem – desordem – organização, mas, também, das respostas às desordens, pois todos os progressos humanos são efectuados através das desordens e, simultaneamente, também contra as desordens. É que, como afirmou Bateson (1972): “ o ruído é a única fonte de novos padrões “, significando isto que não existe desordem criadora sem a cooperação e a reorganização da dinâmica auto-geno-fenoménica informacional, computacional e comunicacional. Uma tal trilogia, essencialmente emergente da organização do biológico, gera, em interacção com o exterior, a activação do cérebro, pois, como o demostram estudos de Embriologia, o próprio cérebro desenvolve-se como a pele a partir da ectoderme, isto é, da membrana externa do embrião, o que significa que o seu desenvolvimento é efeito da acção e da reacção no seio do seu ambiente, e, o conhecimento resulta das estratégias e acções em relação e sobre o mundo exterior. Porém, apesar disso, o desenvolvimento da acção exterior interdepende do desenvolvimento da sensibilidade e da subjectividade interior do indivíduo, as quais, por sua vez, interdependem da multiplicação e do aperfeiçoamento dos receptores exteriores, da irrigação nervosa, das pulsões, emoções e afectos, bem como de habilidades estratégicas do indivíduo, o que desenvolve, continuadamente, as suas aptidões, habilidades e competências neurocerebrais, flexíveis, maleáveis, adaptativas, evolutivas, perspicazes e vigilantes. Daí o facto de todo e qualquer conhecimento, mesmo o mais físico, sofrer condicionantes sociológicas e determinantes antropossociais, isto é, interdependências de uma sociedade, de uma cultura, de um lugar, de um meio, de um “ aqui e agora “, e, apesar disso, jamais sujeito conhecedor ou Ciência quiseram conhecer ou aceitar tal evidência, isto é, a da sua origem geográfica, social e cultural. A recusa de tal evidência levou sábios, mestres e políticos a analisar o indivíduo excluído da sua própria Sociedade e do seu meio, a sociedade excluída da sua espécie, a espécie dos seus indivíduos e os indivíduos excluídos da sua própria natureza, vida e existências concretas, circundantes e reais. Foi a tentativa de objectivar a subjectividade do conhecimento, de universalizar as realidades concretas, de excluir o indivíduo cognoscente do conhecimento, o ser pensante do seu próprio pensamento, de abstrair conhecimento dito científico do sujeito e de distribuir o objecto do conhecimento pelas várias ciências, matérias ou disciplinas, forma hábil e subtil de escamotear as dificuldades do conhecimento, que se criou o medo de enfrentar o real, pois este é concreto, rico e complexo, e não abstracto, pobre e simplificador. É que o conhecimento abstracto é um conhecimento que ignora aquilo que desconhece e aquilo que conhece, visto as suas condições lógicas, linguísticas e culturais serem preconceituosas e, por tal 103 facto, efectuarem a disjunção absoluta do objecto e do sujeito, dos objectos entre si e das noções ou conceitos entre eles mesmos. Face a tais procedimentos em relação ao real e ao princípio da realidade não admira a existência de proliferações de elites que rejeitam a anarquia biológica, a desordem micro-social, a diferença cognitiva, a ordem especializada ou as divergências biopsicossociais denominando, tais sujeitos-portadores, de anormais, difíceis, inadaptados, desintegrados, excluídos, insuficientes ou deficientes. E, no entanto, sabe-se que não existe um gène ou um conjunto de gènes da inteligência, da linguagem ou do desequilíbrio. Sabemos, outrossim, que não é possível atribuir uma função, um conjunto ou uma hierarquia de funções cerebrais a um só neuro-transmissor ou a um único centro cerebral, mas sim a um sistema ou conjunto de sistemas neuro-cerebrais que se implicam, encadeiam e interdependem e, por tal motivo, reagem, exprimem-se ou manifestam-se sequencialmente e diferencialmente durante o seu desenvolvimento, produzindo ou reproduzindo, por tal processo, as sucessivas etapas de organização do cérebro do indivíduo, bem como as suas invariáveis comportamentais. Sabemos, por outro lado, que os neurotransmissores do cérebro de um indivíduo estão em permanente interacção com os seus suportes biológicos, orgânicos e sensoriais, bem como com os efeitos da sua acção, isto é, com as estruturas mentais, cognitivas, sociais, emocionais e afectivas. É, com efeito, da dinâmica de uma tal interactividade, natureza e nível que o sujeito humano elabora a sua própria imagem, percepciona-a, dinamiza-a e envolvea no real e nas respectivas provas da realidade, emergindo, de um tal conjunto de interacções, as suas ressonâncias ou dissonâncias cognitivas, perceptivas, intelectuais, afectivas ou emocionais resultantes dos efeitos dos estímulos extroceptivos em interacção com os proprioceptivos ou conjunto de neurónios em confronto ou colaboração, resultando potenciação de actividade quando o conjunto de neurónios colaborarem e a inibição ou extinção quando se encontrarem em confronto ou dissonância. A activação ou inactivação de tais factuais processos constituem e desenvolvem processos psico-emocionais de selecção e de selectividade cognitiva, bem como de padronizações neuro-comportamentais. É sabido, no entanto, que todo o ser vivo de natureza humana transporta, consigo mesmo, graças ao seu programa genético, incomensurável potencial de adaptabilidade e enormes potenciações de diversidade predispostas ao desenvolvimento e aperfeiçoamento, à maleabilidade e flexibilidade, à mudança e selectividade. No entanto, como o afirmou François Jacob ( A Lógica da Vida, 2º Edição, pág. 17, Publicações D. Quixote ): « as modificações do programa aparecem às cegas. Só depois da manifestação dessas modificações é que intervém a selecção, pelo próprio facto de se pôr à prova da reprodução todo o organismo que aparece ». É, de facto, baseado nesse potencial de selecção que a heterogeneidade de objectos e de expectativas, a divergência de percepções e de interesses, o desenvolvimento de aptidões específicas, a selecção de técnicas, os instrumentos ou meios, os relacionamentos consigo mesmo e com os meios-ambientes se efectuam, e que os sistemas de acção se desenvolvem e a integração, a todos os níveis, se realiza. Um tal conjunto de factores e agentes constitui não só a natureza do indivíduo, mas, também, condiciona a sua própria dinâmica, investida nos processos de aprendizagem e estimuladora ou inibidora de padrões disposicionais neuronais, adquiridos ou desenvolvidos em vários locais do cérebro, e, que, comandam outros padrões, tornando, assim, possível que a actividade neuro-psíquica se efectue 104 noutros sítios, neurológicamente interconectados com os primeiros, constituindo, assim, as denominadas « zonas de convergência ». Não admira, portanto, que moléculas, neurónios ou padrões retorcidos originem pensamentos ou raciocínios distorcidos e raciocínios ou pensamentos distorcidos dêem origem, acentuem ou desenvolvam neurónios, conjuntos de neurónios ou padrões distorcidos, originando falsas percepções da realidade, de si mesmo e dos outros, desadaptações aos meios-ambientes, desordens internas e desorganizações interiores, bem como anomalias, disfunções ou dificuldades nos processos de envolvência e de aprendizagem, apesar do enorme potencial de tolerância, integração, utilização ou rejeição que o ser humano possui. Ultrapassadas tais zonas de potencialidades e de acção, por excesso ou defeito, por hiperactividade ou asfixia, presença de estímulos a mais ou, simplesmente, unidimensionais, ou, a menos, o ser humano corre o risco de perda da sua homeostasia funcional e, por consequência, da sua queda em desordens ou disfunções, em desagregação ou deteriorizações, em insuficiências ou em défices, o que o priva dos necessários e imprescindíveis conflitos de mobilidade e de acção, de competetividade e de concorrência, de selectividade, de complementaridade ou de antagonismo, bem como da aceitação e selecção das estimulações exteriores. Daí o facto da intrínseca necessidade de se procurar as causa dos défices, tanto das dificuldades de aprendizagem como das dificuldades comportamentais, tanto das insuficiências como das deficiências cognitivas e mentais em causas endógenas e exógenas, em causas funcionais e disfuncionais, em causas emocionais e em causas afectivas, em causas ambientais e em causas escolares, em causas sociais e em causas educacionais. É que, de facto, sendo a aprendizagem resultado da acção de uma totalidade humana, ela deverá mobilizar todo o potencial do indivíduo, isto é, todas as suas potencialidades e capacidades: visuais e auditivas, todas as suas funções intra e inter-neuro-sensoriais a nível neuro-psíquico e todas as suas potencialidades pulsionais, emocionais, cognitivas, sociais e intelectuais para que o indivíduo vivencie as experiências integradas e, por conseguinte, deduza, daí, aprendizagens ditas normais. Isto porque no cérebro humano, apesar de formado por sistemas semi-autónomos, existem muitas vezes em que todos os sistemas funcionam de modo inter-relacionado e interdependente. Às vezes um sistema funciona semiindependente de outros sistemas, outras de maneira complementar, e, outras ainda de forma suplementar. Daí a intrínseca necessidade de se possuir consciência das partes e do todo do cérebro de um indivíduo, da semi-autonomia dos seus sistemas e da sua interdependência, da sua coordenação e da sua descoordenação funcional, da sua parcial funcionalidade e da sua funcionalidade simultânea e total. Porém, consistindo a homeostasia biopsicoemocional, bem como o processo de pleno desenvolvimento psico-emocional, cognitivo e intelectual na dinâmica interactividade de todos os sistemas neurofisiológicos com os psicoemocionais e afectivos, não admira que, a maioria das vezes, as passagens ao acto, as atitudes e os comportamentos dos indivíduos, tanto individuais como sociais, tanto cognitivos como emocionais, tanto pulsionais como afectivos, emanem, por vezes, apenas de sistemas neuro-sensoriais, outras vezes apenas de sistemas tácteis e auditivos, outras vezes apenas da combinação de alguns sistemas e outros da interacção e acentuada interactividade de todos os sistemas nos quais interagem variáveis neuropsíquicas, genético-hereditárias, biológicas, sociopedagógicas, sociais, afectivas, emocionais, e de acções criativas e inventivas, cujos efeitos, por sua vez, integram- 105 se em sistemas mais hierarquizados e interdependentes da maturação neuropsíquica e social do indivíduo e da sua maturidade mental, psicológica, afectiva e emocional. Por isso, na tentativa de nos dar uma visão lúcida e fecunda do Homem, o médico-psicólogo francês, Henri Wallon, opondo-se a certas tradicionais doutrinas (1932 ), que concebiam o deficiente como uma criança ou um primitivo, afirmou: “existe algo de paradoxal nas semelhanças que alguns psicólogos fizeram, em conjunto, entre o primitivo e a criança ou o alienado do nosso tempo, visto ser então, suficiente que a criança ou o alienado se convertesse em estranho às ideologias ou modalidades intelectuais dos seus contemporâneos para que aparecessem neles concepções ou crenças que, no primitivo, têm como fundamento ou consequência, práticas e ritos e um sistema de vida rigorosamente preciso, concreto e determinado”. Tais analogias, prossegue Wallon, são de carácter negativo. « De facto tem de se postular que a crença mental da criança pode passar por uma sucessão de estados psicológicos, os quais têm de franquear a sua espécie ou raça e, pelo contrário, jamais uma deficiência mental poderá fazer retroceder o indivíduo a uma etapa de mentalidade humana que pertence ao passado. ...Porém, por surpreendente que pareça, às vezes, as coincidências, entre o pensamento do primitivo e o da criança, não impedem que se constatem diferenças profundas entre o pensamento do primitivo e o da criança, pois esta começa por estar muito menos evoluída, mas, também, muito mais próximo de nós do que o primitivo ». Por isso, seguindo a linha de coerência do seu próprio pensamento, Wallon ensaia a sua tentativa de definir o deficiente afirmando: que o ser humano se realiza ou aliena a nível de organismo, de pensamento e das relações interpessoais. No caso da alienação trata-se de « falhas nas estruturas do sistema nervoso e, por tal razão, é fundamental que a criança deficiente encontre, num alter-eu, o intermediário, o nexo da união entre o mundo interior e o mundo concreto que o rodeia ». Tentando explicar o seu pensamento, Wallon cita os casos das crianças chamadas perversas, cuja agressividade é uma consequência de não terem encontrado nunca uma pessoa que as ajude a verem-se, a mudarem-se, a mudarem e a amarem-se. Jean-Luc Lambert, por sua vez, define a deficiência intelectual ou o atraso mental em termos de intelecto defeituoso, de inteligência deficitária ou em termos de não inteligência, encontrando-se as causas de um tal sub-desenvolvimento intelectual em variáveis biológicas, físicas e sociais, sendo o atraso ligeiro constituído por 85% do conjunto dos atrasados mentais, e constituintes da maioria das crianças acolhidas no ensino especial, causado pela acção ou influência das interacções ambientais e genéticas. No entanto, não podendo e não devendo um efeito ou sintoma de um comportamento ser considerado isoladamente, mas sim como resultado de um todo, definir atraso mental em relação à inteligência e às respectivas características da maioria de uma população, não passa de uma falsa questão. É que, definindo-se, tradicionalmente, e, ainda hoje, inteligência como poder de compreender, como capacidade de resolução de problemas e de pensar abstractamente; como capacidade de tratar com símbolos e relações ou de adaptação a situações novas, tais caracterizações ignoram ou negligenciam substanciais potencialidades, acentuadamente diferenciadas nos indivíduos, bem como as hierarquias de aptidões, de estímulos, de necessidades e de motivações de cada um. A nível de potencialidades e de aptidões diferenciadas pensa-se, por 106 exemplo, no indivíduo que tem grandes habilidades para o desenho, a pintura ou a arte, mas sente-se incapaz de fazer discursos, de efectuar composições, diferenciando-se daqueles que, sentindo grande facilidade na história ou letras, em geral possuem grandes dificuldades na matemática. As simples exemplificações anteriormente evidenciadas demostram que, na prática, a inteligência não funciona como uma força unitária da estrutura ou dinâmica cognitiva ou mente de um indivíduo, mas que é uma hipercomplexa teia de aptidões, capacidades, interesses, emoções, afectos e envolvimentos. A maioria das vezes, no entanto, embora já existam técnicas e meios de uma relativa avaliação das capacidades intelectuais de um indivíduo, as estruturas sociopsicológicas, no seu comportamento quotidiano, não avaliam a inteligência como uma teia de múltiplas e hiper-complexas capacidades, mas centralizam-se, apenas, na valorização de algumas funções, nem sempre as mais equilibradoras da mente do indivíduo. Não raras vezes toma-se a não aquisição de uma função cognitiva ou intelectual por um déficit ou uma função subdesenvolvida por um desequilíbrio comportamental. Ora, sendo a Neuropsicologia a ciência que estuda ou deverá estudar as relações e inter-relações efectuadas ou efectuáveis entre o sistema nervoso, as atitudes e os comportamentos exteriores de um indivíduo e vice-versa, constata-se que a prática da Psicologia Educacional, em múltiplas das suas actuações, não passa de um amontoado de postulados ou axiomas, sem fundamento ou interligação com as estruturas biopsíquicas do ser humano, seus interdependentes sistemas e suas respectivas unidades funcionais, resultantes das interdependências de um conjunto de órgãos ou de áreas corticais, e constituintes de um macrosistema neuropsíquico da aprendizagem humana, sistema estrutural e funcional responsável, no seu todo, pela aprendizagem, visto, apesar da existência de zonas específicas no cérebro, não existir nele uma única zona que não tenha alguma responsabilidade e função no processo de aprendizagem. Estas zonas, com maior ou menor responsabilidade, potenciação ou capacidade participam activamente nas operações neurofisiológicas e neuropsíquicas, associam, organizam, combinam, assimilam, acomodam-se, importam, transportam e transferem. É que, sendo a aprendizagem o resultado de um processo de adaptação e de habituação, de acomodação e de associação, de receptividade e de aquisição, a base fundamental da sua ontogènese encontra-se na interacção das moléculas, das células e dos neurónios e em seus respectivos agentes físicos, químicos e electroquímicos. O conjunto de tais interacções, sua natureza e nível constituem factor determinativo no funcionamento do cérebro humano, apesar da acção deste e de seu respectivo desenvolvimento possuir vasta e hipercomplxa influência e impregnância do antropossocial, sociocultural, psicoafectivo e emocional. Um tal conjunto de factores e agentes, no processo de aprendizagem e seus respectivos resultados, jamais deverão ser dicotomizados ou sobrevalorizados uns e desvalorizados outros. As suas desvalorizações reais ou efectivas conduziriam o aprendiz à privação das necessárias e equilibradas dinâmicas interiores e com os meios exteriores, às privações sensoriais, sociais e emocionais, culturais e afectivas e, por tais razões, às privações de estímulos e motivações, às ausências de assimilações e interiorizações, de informações e cognições e, por conseguinte, à existência de disfuncionalidade no sistema nervoso central, isto é, a perturbações ou distúrbios nos processos de aprendizagem, resultantes quer da privação de informações, da 107 incapacidade de recebê-las ou de utilizá-las. É que, apesar da habituação ser a forma mais primitiva da aprendizagem humana, ela, graças ao seu poder impregnante, em interacção com a filogènese de um indivíduo, desenvolve, condiciona ou estimula processos de selecção deste ou daquele ser humano, apesar da sua mudança, aperfeiçoamento ou distorção ser possível ao longo do desenvolvimento do indivíduo, graças aos efeitos das múltiplas influências acumulativas, tanto de natureza genética como ambiental, cognitiva ou emocional, psicológica ou afectiva. Apesar disso, não restam dúvidas que a génese funcional do processo de aprendizagem encontra-se na estrutura e reorganização do aparelho neurocerebral do indivíduo, na acção e nos efeitos dos seus desenvolvimentos evolutivos, nas interacções e retroacções dos seus sub-sistemas, bem como nos efeitos das suas correlações com o exterior e de cuja funcional osmose resultam potenciais reorganizativos de novos níveis de complexidade, de novos e diferenciados processos organizacionais, de saltos qualitativos e quantitativos, de novos sistemas e meta-sistemas, dos quais emergem novas estruturas e novas dinâmicas submetidas à rigidez e à desordem numa primeira fase ; à ordem, à flexibilidade, à maleabilidade e adaptabilidade em seguida, e, das quais deverá ou poderá, pelos menos, emanar auto-consciência das qualidades individuais, bem como do seu potencial estratégico, criativo ou inventivo. Daí o facto de quase nada ser mais relativo que os conteúdos geralmente atribuídos aos conceitos de atraso mental ou de dificuldades de aprendizagem. É que tais conceitos são, genericamente, criados em função de tarefas e de desempenhos, de sequenciações e de programas, de aquisições e de interiorizações a concretizar, de possuir ou de manipular numa determinada idade cronológica, em determinados contextos e numa determinada cultura ou civilização. A determinação de tais critérios, que emana de factores, juízos e condições totalmente alheios ao aprendiz e englobam pretensões e exigências dos sistemas educacionais, concretizações de estratégias pedagógicas, métodos e materiais didácticos para os quais os interessados jamais foram consultados, ouvidos ou objectivamente diagnosticados, ignorando-se, assim, que cada aprendiz é um sistema único, constituído por sub-sistemas específicos, que agem e retroagem em função das suas potencialidades e em consonância com as suas especificidades. Por isso, deixando de parte uma percentagem de alunos, que se eleva a um máximo de 2% com lesões cerebrais mínimas; e um máximo de 5% de crianças em idade escolar com problemas de audição e visão, e, por conseguinte, com dificuldades de processamento da informação, as restantes 25% diagnosticadas como sendo crianças com dificuldades de aprendizagem ou atraso mental são efeito de causas psico-escolares, isto é, de ausência de motivação, de desinteresses em relação a si mesmo e ao meio, de imagens negativas de si, de reforços negativos, bem como de ausência de comportamentos interactivos, de programas inadequados e de dispedagogia relacional, etc. . Com efeito, sendo a natureza, organização e dinâmica do ser humano polissèmicas e multifuncionais, não é possível o encontro nem a utilização de métodos e instrumentos de avaliação capazes de avaliar objectivamente nem de eliminar completamente da natureza do indivíduo o erro ou o desperdício, a desordem ou a concorrência, o conflito ou o risco. É certo, no entanto, que todos os extremos são perigosos. Por conseguinte, o ser humano deverá eliminar de si mesmo todo o excesso de ordem e de desordem, deverá conciliar a sua neguentropia com a entropia, para que possa 108 integrar, em si mesmo, as eventualidades e as incertezas, as desordens e os antagonismos, sem integrar o todo das suas capacidades nessa pseudoracionalização da Sociedade pós-industrial, que pretende banir o risco, o conflito ou a desordem própria de toda a evolução, visto ser necessidade de toda a natureza humana não só ser funcionante e funcionar, mas, também, ser capaz de enfrentar as eventualidades e as incertezas, os erros e os perigos, factores e agentes comportamentais de concretização e de evolução de aptidões evolutivas e estratégicas, adaptativas e socializantes, criativas e inventivas, características fundamentais de um verdadeiro e autêntico processo de aprendizagem. É no seio de tal dinâmica, dialéctica ou contra-dinâmica que deverão ser procuradas as causas básicas das dificuldades neuropsíquicas da aprendizagem, avaliadas através das técnicas, métodos ou instrumentos de avaliação das funções integrativas, receptivas ou expressivas de um indivíduo. No entanto, a questão: «dificuldades para aprender o quê ?» continua levantada e à procura de respostas objectivas e jamais satisfeita com o seu simplismo contextualizado. É que, de facto, o conceito de inteligência não pode permanecer cristalizado nas concepções dos nossos prestigiados mestres de « capacidade geral de adaptação a situações novas através de processos cognitivos ». A sua definição deverá também conter as múltiplas e complexas aptidões e faculdades do conhecimento, como diferenciação genética, pulsões e apetências individuais, sensibilidades e interesses pessoais; emoções, afectos e envolvências individuais; bio-energias, aptidões físicas e espaciais, numéricas e verbais, perceptivas e menésicas, etc., bem como suas respectivas interacções, ordenações e hierarquias. Uma tal concepção de inteligência e de seu suporte cognitivo encontra sua plena justificação nos resultados da investigação de J. P. Guilford ( 1967), o qual, partindo da análise das correlações factoriais, analisa o intelecto humano em função das tarefas que ele executa, isto é, de conteúdo, de operações e de produtos. A nível de conteúdos Guilford chama a atenção para os visuais, auditivos, simbólicos, semânticos e comportamentais; a nível de operações para a cognição, memória, produção divergente, produção convergente e avaliação; e, a nível de produtos para os de unidades, classes, relações, sistemas, transformações e implicações, permitindo-nos, uma tal concepção e análise da organização e dinâmica do intelecto humano, distinguir nele 150 factores de base ( 5 x 5 x 6 ), sujeitos às lógicas das correlações, ordenações e hierarquizações, e, constitutivos das dinâmicas das actividades intelectuais, isto é, do modo de tratamento da informação simbólica, da utilização dos conhecimentos, do raciocínio, da compreensão, da resolução de problemas, etc., características da inteligência abstracta, que jamais se deverão opôr às características da inteligência prática como, de uma forma geral, psicólogos, psicopedagogos e professores ainda hoje o fazem. É no seio e dinâmicas de uma tal discrepância, dissonância ou erro que se torna necessário questionar o tradicional conceito de disfunção cerebral, de atraso mental e de dificuldades de aprendizagem. É que, tal tríade dicotómica e seus respectivos níveis, parecem alicerçar-se simplesmente sobre o princípio da sócioequipotencialidade direccional, isto é, centralizado na exigência e avaliação de que um determinado sistema funcione de determinada maneira e no desconhecimento de que o cérebro codifica e classifica não somente com base no facto da informação ser visual, auditiva, verbal, familiar, social , escolar, etc., mas, sobretudo, e, de maneira particular, no facto da informação recebida ter ou não significado para o aprendiz. 109 Por isso, pelo facto do resultado de esta ou daquela aprendizagem não dar a resposta pretendida ou satisfatória a este ou aquele objectivo pretendido, não significa, de forma alguma, que um tal aprendiz seja portador de disfunções cerebrais. A nível fisiológico e neuropsíquico existem provas da existência de ondas cerebrais alfa, beta e teta e de padrões electro-corticais, portadores de relações e de inter-relações entre os neurónios e seus sub-sistemas, facilitadores ou dificultadores de estimulações sensoriais e de associações mentais, que explicam a maior ou menor funcionalidade ou disfuncionalidade cerebral e que se adaptam, de uma forma mais positiva, aos normais padrões de aprendizagem escolar ou, devido a uma não-adaptação, impõem a alteração de tais padrões, visto uma tal tipologia, de denominadas disfunções cerebrais, perturbar os ditos normais processos de aprendizagem. Uma tal concepção de disfunção, a nível de aprendizagens, assenta, simplesmente, em conceitos de necessidades de homogeneização, tanto comportamentais como educacionais, sem interrogação acerca da vida e da estrutura afectiva e emocional, dos processos sensoriais, visuais ou auditivos do aprendiz ou mesmo porque os processos de aprendizagem deste ou daquele indivíduo são diferentes dos exigidos ou impostos pela, quiças inconsciente, dinâmica da instituição escolar, e não poderão ser avaliados tão positivamente como os que a escola exige. É que a exigência de um tal princípio direccional dificulta a necessária e equilibradora, dinâmica e interactiva permeabilidade neuro-bio-psíquica, obstaculiza a funcionalidade das interacções proprioceptivas, impede o desenvolvimento e a acção das pré-disposições, bem como das diferenças qualitativas a favor das pseudo-semelhanças quantitativas, desprezando-se o facto de que é pela qualidade que nos tornamos eficientes na quantidade e que é pela divergência que se encontra e aprofunda a convergência. O conjunto de uma tal caracterização da aprendizagem, torna-se ainda mais evidente quando se analisa o processo sensório-neuro-psicológico da aprendizagem com base nas funções dos hemisférios cerebrais. É que, de facto, embora a colaboração inter-hemisférica seja conatural à estrutura e dinâmica dos dois hemisférios cerebrais, dos seus sistemas, subsistemas, intra-sistemas e inter-sistemas, efectuada, de maneira particular, através do corpo caloso, cuja maior ou menor profundidade parece ser factor de maiores ou menores sensibilidades e sensorizações, a predominância funcional de um hemisfério sobre o outro parece ser também factor de selecção nos sistemas escolares. É que, sendo o hemisfério direito, na sua globalidade, responsável pelos conteúdos não-verbais, pelos processos emocionais, pela memória auditiva nãoverbal, percepção do espaço, poder de síntese e funções difusas, um tal conjunto de capacidades parece, infelizmente, ainda hoje, não ser suficientemente valorizado pelos sistemas escolares e educacionais. Pelo contrário, as funções mais específicas do hemisfério esquerdo: conteúdos verbais, organização, seriação, análise, atenção auditiva, fluência verbal, vocabulário, raciocínio, linguagem, cálculo, leitura, escrita, praxias, expressão do pensamento, comunicação, são as aptidões e as capacidades altamente valorizadas pelos nossos sistemas. Daí o facto da avaliação, tanto dos atrasos como dos défices, na sua intrínseca realidade, não ser, a maioria das vezes, que resultado dos efeitos da 110 acção neuro-psíquica do indivíduo, avaliados em relação aos objectivos exigidos, propostos ou impostos pelo sistema escolar. No entanto, e apesar disso, sendo o ser humano resultado de um processo constituído por hipercomplexos mini-processos, a sua natureza é de permanente inacabamento e, portanto, sujeito de permanentes devires, eventualidades e incertezas, que procura as suas certezas nos caminhos das incertezas e que somente caminhando é que faz os seus próprios caminhos. Daí o ser humano ser, por natureza existencial, um ser de necessidades e de carências, de progressões e regressões, de adaptações e inadaptações, de integrações e desintegrações. Porém, uns são mais carentes e deficitários que outros, mais regressivos e dependentes, mais inibidos e mais solitários, mas todos eles, como escreveu Edgar Morin, « remoínhos computantes ». Estes seres computantes, de natureza neuro-psíquica e afectivo-emocional, são seres de insuficiências, de necessidades e falhas, cujas necessidades de superação ou de satisfação caracterizam o carácter indelèvel de um indivíduo, a sua necessidade de acção e de desenvolvimento evolutivo, tornando-se digno de registo que, quanto mais rica é a vida de um indivíduo mais forte será a sua marca existencial da necessidade e do desejo, tornando-se, não raras vezes, « um ser de necessidades insaciáveis e de desejos infinitos... ». Daí parecer-nos insustentável o paradoxo da definição de atraso mental em comparação como denominado « normal desenvolvimento mental », isto é, mediana de desenvolvimento cognitivo ou mental de uma população, obtida através de testes, que fixam a natureza do material, a formulação das questões, as modalidades das respostas, bem como as regras de avaliação de tais respostas. Uma tal normalizante métrica, utilizada de maneira particular em psicologia, é uma medida de comodidade, que ignora, em grande parte, a hipercomplexa variabilidade de diferenciações individuais, de estados de espírito ou de processos de cognição e de inferências psico-comportamentais, sòcio-cognitivas, afectivas e emocionais de tais variáveis. Por isso, definir atraso mental, simplesmente, pelo facto do desenvolvimento cognitivo de um indivíduo ou a dita idade mental não se encontrar na esfera do institucionalizado padrão para os ditos normais, ou, pelo facto da existência de maiores ou menores disparidades entre a idade cronológica e a dita idade mental, sem aceitação nem análises dos princípios neuro-psíquicos, afectivos e emocionais que governam as atitudes e os comportamentos dos ditos « atrasos mentais », das suas percepções e interesses, estímulos e motivações, sensibilidades e diferenças, performances não padronizadas e diferenciações nos processos cognitivos, no processos de reforço e de estimulação anteriores, parece não sairmos da embrionária Ciência psiquiátrica, que dicotomizava os seres em normais ou patológicos, em evoluídos ou atrasados, quando estes são, apenas e unicamente, seres diferentes do dito normal. Existe, no entanto, uma vasta e complexa gama de seres humanos que possuem dificuldades ou subdesenvolvimentos a nível de competências adaptativas, a nível de linguagem e de cultura, de funcionalidade e de comunicação, de comportamento e de integração, em níveis ligeiros, moderados, severos e profundos e, por tal razão, necessitam de apoio diferenciados ou específicos, sociais ou cognitivos, profissionais ou integrativos. Por tal razão, o dito atraso mental, não é, por si, uma doença médico-clínica, nem tão pouco uma doença mental, mas, simplesmente, um estado particular de funcionamento, que se caracteriza, simultaneamente, por limitações na inteligência e nas consequências adaptativas, 111 que reflecte a inadaptação entre as capacidades dos indivíduos e a estrutura e expectativas do seu meio envolvente. Daí a característica essencial de avaliação de um indivíduo atrasado ou não dever ser a sua funcionalidade a nível da totalidade de todo o seu potencial bio-socio-psíquico face às exigências e constrangimentos dos seus próprios meios envolventes. É notório, no entanto, que o potencial desenvolvimento da sua totalidade pode não só ser efectuado por causalidades inerentes à sua própria natureza neuropsíquica, instintivo-pulsional, emocional e afectiva, mas, também, e, fundamentalmente, pelas características e qualidades dos contextos sociopsicológicos, antropológicos, económicos, educacionais, culturais e profissionais em que vive. II – CAUSAS E PROCESSOS DEFICITÁRIOS DO APERELHO NEURO-CEREBRAL Sendo a estrutura neurocerebral do Homem constituída por milhares de milhões de neurónios ligados entre si por uma hiper-complexa rede de cabos e de conexões em cujos filamentos circulam impulsos eléctricos e químicos, analisáveis a nível físico-químico e molecular, as suas células nervosas não só dinamizam, mas, também, mobilizam uma tal estrutura, visto aquelas gerarem sensações e percepções, estímulos e comunicações, aberturas e encerramentos, relações com o interior e com o exterior, intra e extra-comunicações. Esta viva e activadora neurocerebral estrutura, regida por níveis de evolução atómica, molecular, macromolecular, celular, genética, neuronal, mental, social e epigenética, é coordenada e, simultaneamente, dinamizada e hierarquizada por sistemas de neutrões, electrões e protões, átomos, moléculas, células intercomunicativas, circuitos de células, processos neuronais, ambientais e comunicacionais geradores de desenvolvimento neurofisiológico, mental e humano. Uma tal dinâmica organizacional, emanada das interacções dos níveis de evolução e das interacções de seus sistémicos elementos, constitui a prodigiosa organização do ser neurobiológico, origina a dinâmica do seu funcionamento e este, progressivamente, gera sucessivas transformações e cria, por tal facto, novas e mais desenvolvidas estruturas, novos desenvolvimentos e funções em parte condicionados pelo tempo, espaço, meios e ambientes, factores criadores da contingência e da não-necessidade, caso os agentes essenciais a um normal desenvolvimento não satisfaçam os requisitos essenciais de um ascendente e polifuncional desenvolvimento humano. É que, na realidade, o desenvolvimento do organismo efectua-se através da multiplicação, diferenciação e organização das células, e isto tanto em sentido vertical como horizontal. E uma só célula do encéfalo pode estar ligada a mais de 10 mil outras células e, recebendo informações das outras, decide se deve transmitir ou não as mensagens. O seu potencial de decisão interdepende da quantidade de carga eléctrica que se acumula na sua superfície, e, um tal potencial, interdepende de múltiplos e complexos factores genéticos, hereditários, nutricionais e desenvolvimentais, que vão desde o momento da fecundação até ao estado da adultícia humana. No primeiro trimestre após a fecundação, o feto humano desenvolve-se rapidamente e, durante o primeiro mês, prossegue a divisão e a diferenciação das células; começa a formar-se a placenta, órgão alimentador do feto, e, durante o 112 segundo mês, desenvolvem-se saliências que darão origem aos braços e às pernas, emergindo daí os dedos das mãos e dos pés e as características do rosto. Durante o segundo trimestre, os órgãos continuam o seu desenvolvimento e tomam formas mais complexas e, no terceiro trimestre, continua o período do crescimento e da maturação neurofisiológica. Ora, sabendo-se hoje, mais ou menos pormenorizadamente, como se desenvolve o conjunto do sistema nervoso e do cérebro humano, o qual vai da forma oval da região cefálica da ectoderme até à constituição e desenvolvimento do neocórtex, uma tal riquíssima e complexa dinâmica de constituição bio-neurocerebral é composta por enorme número de neurónios interconectados e por suas redes específicas de comunicação e recepção, carentes de estímulos e solicitações externos e internos, dando, assim, resposta às necessidades dos órgãos sensitivos e sensoriais e seus necessários desenvolvimentos, os quais vão, progressivamente, dinamizando, libertando e aperfeiçoando não só as mensagens genéticas do indivíduo, mas, também, a rigidez do seu programa hereditário, e cujos interactivos desenvolvimentos aumentam a capacidade de integração e de dinamização do próprio cérebro, fazem com que este liberte novas propriedades como as de simbolizar, bem como as de interpôr uma « espécie de filtro » entre o organismo e o meio, cadeia de sucessões de desenvolvimentos e de modificações em que cada grupo de órgãos ou de funções evoluem, regra geral, de determinado modo e consoante uma velocidade que é própria da sua natureza e, por sua vez, formam e, dinamizam novos sistemas de comunicação e de regulação que funcionam a níveis mais elevados, mais coordenados e mais interactivos nas permutas de comunicações e mensagens entre as células e moléculas, as quais, graças à acção e potencial dos neuro-transmissores e neuro-receptores geram no cérebro humano os ritmos funcionais, os quais, necessitam de encontrarem energia no cérebro, e, esta, é-lhes fornecida não só pelo oxigénio respirado em combinação com a combustão de uma porção muito apreciável de glicose. Uma tal energia é utilizada pelo próprio cérebro para manter a excitabilidade própria das células, propagação dos respectivos fluxos e alimentação dos potenciais eléctricos ao nível das membranas e das sinapses neuronais, nível este que interdepende enormemente de substanciais químicos e de estímulos mediadores, susceptíveis de facilitar ou dificultar a condução e a transmissibilidade dos fluxos e dos impulsos. Tanto os fluxos como os impulsos são transmitidos de neurónio para neurónio por intermédio de certas substâncias químicas, denominados neurotransmissores ou, raramente, no ser humano, através de um íntimo contacto entre as terminações neuronais. Os neurotransmissores acusam, aparentemente, um movimento permanente através da sua metabolização, libertação, síntese e recaptação, graças à intervenção de seus numerosos mecanismos de adaptação, que regulam os processos bioquímicos e influenciam os funcionamentos da actividade humana. As sinapses, pontes de comunicação entre as células nervosas ou neurónios desempenham uma função de excitação, mas, também, podem desempenhar função de inibição. É um facto, no entanto, que a maior parte dos neurónios formam numerosas sinapses excitadoras e inibidoras, e, o efeito de um impulso de um axónio inibidor impõe-se ao impulso do axónio excitador, quando ambos os impulsos chegam à região da sinapses simultaneamente ou dentro de um curto período de tempo. Nesse caso, para que o efeito de um impulso excitador possa ter seus efeitos positivos, a sua energia despolarizante e comunicacional tem de exceder o efeito da polarização dos neurotransmissores dos axónios inibidores. Estes neurotransmissores, mais de 30, descobertos até hoje, constituídos por substâncias químicas, 113 surgem na extremidade da célula logo que a mensagem se aproxima da sinapse. Em tal situação, a energia eléctrica, que, até aí, fazia mover a mensagem, é cortada e o retransmissor transporta-a consigo, através do canal, até à próxima célula do percurso. Aí, a electricidade surge de novo, repetindo-se o processo até a mensagem atingir o seu destino. Em seguida, o cérebro, no seu conjunto, reelabora as mensagens e regista-as em função de sua própria dinâmica estrutural, de seus filtros, códigos genéticos, hereditários, dinâmicas sensitivas e processos sensoriais. É que, embora o cérebro humano se desenvolva de forma ascendente, isto é, desde o tálamo ao córtex, na sua etapa inicial de desenvolvimento, provavelmente, a maioria absoluta dos neurónios do neo-córtex humano se encontrem gerados antes da segunda metade do desenvolvimento intra-uterino. Por isso, os neurónios do sistema primário, isto é, os neurónios piramidais, e que crescem desde o tálamo até ao córtex, necessitam de uma recíproca e mútua interacção para seu harmonioso e eficiente desenvolvimento. Tanto os neurónios do córtex como os do tálamo necessitam de interactiva vitalidade e intercomunicação para, progressivamente, se elaborarem, desenvolverem e constituírem interactivas conexões neuronais e, assim, desenvolverem vastos e complexos conjuntos de sinapses no córtex cerebral que aparecem durante o período neo-natal. Neste período, o desenvolvimento de um elevado potencial do neurocerebral interdependerá, em grande parte, do nível de complexidade estrutural do cérebro, do seu potencial comunicacional, dos seus estímulos interiores e de seus respectivos potenciais de comunicação com o exterior. É que, embora tanto a geração como a diferenciação dos neurónios corticais, se desenvolvam de dentro para fora, vastas constelações de estímulos que eles necessitam para se desenvolverem vão de fora para dentro como sucede, por exemplo, com as áreas de desenvolvimento da somatossensorização, da visão, da audição, da linguagem, etc., as quais necessitam da acção das suas propriedades funcionais e, através de tais desenvolvimentos, de um estado de multi-potencialidade inicial passam a um estado de potencial funcionalidade única, graças à orientação das conexões e funções guiadas e desenvolvidas através ou daquelas sequências de dinamização orientativa. Um tal potencial de dinamização e de vitalização, orientadores do próprio cérebro, emergem da natureza da sua própria elasticidade funcional, propriedade emergente, capaz de, quando devida e harmoniosamente desenvolvida, recuperar efeitos de lesões cerebrais ou compensar lesões cerebrais produzidas durante a infância, visto, mais directa ou indirectamente, existirem intercomunicações entre todas as áreas ou partes do cérebro de um indivíduo normal. É que sendo o ser humano uma totalidade, o seu cérebro também funciona como um todo, e, caso em certas partes se sinta descompensado, o seu potencial de unidade sistémica equipotencial, quando harmoniosamente activado, possui capacidades de orientação dos seus desenvolvimentos, não só através da reorganização de suas conexões neuronais, mas, também, através da reordenação adaptativa das conexões sinápticas do grupo ou grupos residuais de neurónios e, de maneira particular, através da estimulação e activação das células do tálamo conectadas com seus campos de recepção, emanados, fundamentalmente, do organismo do indivíduo, graças à acção dos nervos motores e sensoriais periféricos, que transportam sinais de todas as partes do corpo para o cérebro e do cérebro para todas as partes do corpo e fazem com que o corpo e o cérebro constituam uma unidade e unicidade únicas e indissociáveis, mútua e reciprocamente em interacção. Daí os órgãos e os sentidos dos órgãos, suas funções e percepções influenciarem o 114 funcionamento do cérebro, por um lado, e, por outro lado, o cérebro actuar, através dos nervos, em todas as partes do corpo, e isto através do sistema nervoso autónomo ou visceral ( amígdala, hipotálamo, tronco cerebral ) e do sistema nervoso músculo-esquelético ou voluntário, com origem em vários córtices motores e núcleos motores subcorticais. Esta recíproca e mútua interacção corpo-cérebro faz com que o ser humano se deva vivenciar como uma estrutura dinâmica, indissociável, indivisível, e, por isso, também as suas acções e atitudes são indissociáveis de uma tal unidade, a qual emerge de estruturas e funcionamentos neurobiológicos, com potenciais níveis de funcionalidade indecifráveis e comandados por o cérebro, por um lado, mas, também, condicionados, por outro lado, visto o real e concreto corpo do ser humano ser condicionado por programas cromossómicos ou células reprodutoras. Um tal tipo de células, programadas para o desempenho de certas funções específicas, umas executam as funções melhor que outras, tanto em intensidade como em qualidade, e, outras, podem adiar a execução de tais funções, permanecendo inibidas ou reprimidas, o que não significa ficar inactivas, facto que, manifestando existência de certas particularidades comportamentais a nível de células, demostra também a existência de diferenciações morfológicas com sinais e manifestações diferentes a nível de relações intercelulares, fenómenos constitutivos de potenciais genéticos e de interacções genes-desenvolvimento diferentes na constituição de uma específica ontogénese de cada ser humano, e cuja natureza e dinâmica de sua própria evolução, emanadas das mensagens genéticas diferentes, constituem sistemas, interacções de sistemas, níveis de sistemas e integrações de sistemas diferentes. Por isso, desde o momento da fecundação, o factor hereditário do ser humano permanece quase reduzido aos cromossomas recebidos dos seus progenitores, bem como às fases de desenvolvimento, à forma e às propriedades que emergem de cada ovo, permanecendo quase todo o resto sob os planos da arquitectura do futuro organismo, o que implica acção, desenvolvimento, expansão, interacções, envolvências, aculturações, transformações, modificações, reproduções, etc., factores estruturadores e caracterizadores de bio-diversidades desenvolvimentais e emanadas não só das sucessivas reproduções das células mas também, e, talvez, essencialmente, da acção inter-influenciadora das variadas forças e impressões que exercem a sua acção sobre o desenvolvimento do próprio embrião ou feto como sejam, por exemplo, sonhos maternos, sensações dos progenitores, estados mentais em relação à criança, de calma, paz, irritabilidade, ansiedade ou angústia, etc., factos e fenómenos que, emanados do exterior do próprio feto, fazem com que a futura criança, ainda sem estar no mundo, acarrete, no futuro, as influências desse mundo exterior a si mesma, mas em cuja própria natureza individual já se reflecte esse mundo. Após o nascimento dessa criança, o mundo exterior inicia seus processos de pressão sobre ela, não só a nível das variáveis físicas como o ar, a água, a alimentação, o movimento, o calor, a luz ou a electricidade, mas também a nível de pressões emocionais, comportamentais, culturais, ambientais e psíquicas, e, o seu organismo reage de forma multivariada, o que faz com que os efeitos de tais reacções organismo-meio-ambiente sejam diferentes de indivíduo para indivíduo, e, uma tal diversificação reaccional vai, caso os factores do meio-ambiente lhes sejam propícios, desenvolver atitudes e comportamento, maneiras de ser e de estar, de percepcionar e vivenciar, o que faz com que o hereditário permaneça como « a raíz da árvore », mas seus rebentos, isto é, os seus crescimentos, desenvolvimentos, 115 expansões, vivificações e ramificações interdependerão, sobretudo, do emocional, do afectivo, do social e do cultural. De facto, a contingência genético-hereditário do emergir de um ser humano faz com que ele se encontre dotado de elevadíssimas potencialidades de adaptação do seu organismo ao meio e, as suas sucessivas mudanças e mutações e sua respectiva margem de plasticidade interdependerão, enormemente, da natureza e positividade de suas primordiais reacções do organismo. O organismo humano, no entanto, portador de vários órgãos dos sentidos, sobretudo da visão e da audição, ao utilizá-los, estimula e desenvolve o núcleo de células correspondentes e, de acordo com as estimulações desencadeadas em tais fibras nervosas, obtêm respostas e desenvolvimentos de tais células sensoriais, desenvolvendo-se, então, sequências de estímulos, de apetências e pulsões, criadoras de out-puts corticais e de desenvolvimentos e ligações ao córtex sensorial. Constituindo as vias sensoriais uma importantíssima entrada no cérebro, fundamentalmente através dos núcleos do tálamo, tais vias participam, também, na análise dos sinais do cérebro e, agindo verticalmente, isto é, de baixo para cima, podem projectar-se até à superfície das áreas corticais especializadas, expandindose numa espécie de arborização, cujas ramificações estabelecem sinapses com as dendrites e os corpos celulares que aí se encontram, e, devido à disposição vertical de tais células, os estímulos vão-se propagando verticalmente através da espessura do córtex, gerando-se, então, saídas corticais. Estas saídas desencadeiam acção, estímulo e reacções aos próprios meios e fazem com que estímulos interiores ou endógenos, energias provenientes do interior do organismo, interajam com estímulos oriundos do exterior ou exógenos e, de tais interacções, emergem verdadeiras fontes bioenergéticas geradoras de « impulsos instintivos ». Uma tal concepção de funcionamento do organismo humano, elaborada por Freud em 1895, quando tratou da passagem do sistema fi ao sistema psi, é um dos alicerces essenciais da sua metapsicologia. É que, segundo Freud, « à medida que aumenta a complexidade interna do organismo, o sistema neuronal recebe estímulos dos próprios elementos somáticos - estímulos endógenos -, que também necessitam de ser descarregados. Estes estímulos originam-se nas células do organismo e dão lugar às grandes necessidades fisiológicas como fome, respiração, sexualidade ». Na dinâmica de tal actividade aparece o impulso que, segundo Freud, sendo resultado de energias, por um lado, estas são descarregadas através da motricidade, e, por outro lado, sustentam a actividade psíquica em geral. É que, encontrando-se a origem dos instintos nos efeitos das interactividades celulares, a orientação do seu poder bioenergético é de suma importância não só para desenvolvimento do potencial intrassomático de um indivíduo, mas, também, para eficiência da sua própria acção. Isto porque os impulsos instintivos constituem, a nível biológico e orgânico, um potencial motor não só de estimulações a nível neuro-cortical mas também um forte economizador e orientador de energias biológicas, emocionais e psíquicas, visto o instinto, segundo Freud, « ser uma espécie de elasticidade orgânica resultante da tendência do organismo à reconstrução de um estado anterior e se diferenciar do estímulo por emanar do interior do corpo e actuar como uma força constante e à qual a pessoa não pode escapar, enquanto que, tratando-se de um estímulo externo, o indivíduo pode ou não reagir a ele ou nem sequer distinguir qual a sua origem, o seu objectivo ou fim e os instintos constituírem uma constante energia somática interior e, simultaneamente, a representação psíquica de uma fonte de excitação continua- 116 mente corrente ou intrassomática, diferenciando-se, assim, do estímulo o qual é oriundo do exterior » ( G. W. 5º, 67 ). O conceito de instinto em Freud é completado pelo conceito de pulsão ou pulsões, conjunto de energias fundamentais de um indivíduo que, emergindo do mais profundo de si mesmo, forçam-o a uma dinâmica funcional, dinâmica motora e bioenergética, e fazem com que o indivíduo tenda para um alvo, de maneira particular para sua auto-conservação, através de seu enraízado princípio de vida, vitalização de suas englobantes unidades que tendem a « manter a coesão entre as partes da substância viva » e, em consonância com o princípio de constância, a estabelecer e a manter formas organizadas e diferenciadas, bem como o aumento de níveis energéticos entre o organismo e os meios. As anteriores concepções psicanalíticas, tanto acerca dos instintos como das pulsões, demostram que tanto os primeiros como as segundas constituem fontes de estímulos funcionais, são de natureza intercelular, endógenos e gerados de forma contínua e « só periodicamente se convertem em estímulos psíquicos ». (Freud, O. C. I, 228 ). Apresentando-se, por isso, a pulsão, como factor parcial de energia psíquica e como base da dinâmica neurofisiológica do ser humano, a necessidade de desenvolvimento e de orientação de um tal potencial biopsicológico impõe-se não só como factor de estimulação e de equilíbrio do organismo, mas, também, como estrutura dinamizante e vitalizadora do próprio psiquismo, pois, ainda segundo Freud, a pulsão « não é, virtualmente, mais que uma pura exigência de trabalho para a vida psíquica e, uma tal energia pulsional é, em concreto, de natureza biopsíquica e gradualmente acumulada no organismo tendendo, constantemente, à sua descarga ou descompressão. Uma tal descarga energética é a verdadeira responsável do rendimento do trabalho e constitui a base geral de toda a actividade psíquica ». Por isso, sendo objectivos das pulsões interdinamizar o anímico e o somático, conectar estímulos oriundos do interior do organismo com estímulos vindos dos meios ambientes, bem como gerar energia de trabalho, a pulsão representa, simultaneamente, a unidade biopsíquica do ser humano, essencial à compressão do funcionamento sócio-bio-psíquico de um indivíduo, pois é a pulsão que faz interaccionar estímulos interiores e exteriores, somáticos e psíquicos e que gera energias e estimula as percepções dos estímulos exteriores, é fonte de estimulação e de fluência contínua e, numa estrutura sadia do aparelho psíquico, uma tal energia pulsional, continuamente fluente, canalizará, habitualmente, as suas descargas ou saídas suficientemente maduras e adequadamente satisfatórias, as quais serão facilmente orientadas para investimentos em suas dimensões bioenergéticas, intrassomáticas, emocionais, psíquicas, ambientais, culturais, cognitivas e intelectuais. As mútuas e recíprocas interacções intrassomáticas de instintos, pulsões e estímulos endógenos necessitam de estimulações, acções e motivações exógenas para prosseguimento de suas conaturais intencionalidades, objectivos, fins e expansões. Uma tal dinamizante e dinamizadora contínua retroactividade é absolutamente necessária não só para o indivíduo alcançar seus estados de equilíbrio, mas, também, para dinamizar os seus consequentes processos de equilibração, isto é, para conseguir a passagem de patamares de equilíbrios inferiores a patamares superiores, diferentes não só qualitativamente, mas, também, quantitativamente, graças não só aos novos desenvolvimentos biológicos e neurofisiológicos, mas, também, emocionais, cognitivos e intelectuais, efectuando- 117 se, então, os sucessivos possíveis estados de homeostasia alcançáveis pela própria dinâmica interior-exterior da acção do indivíduo. A presente dinâmica interfuncional impõe-se como denominador comum de uma existencial potenciação da normalidade entendida mais em seu sentido e dinâmica psico-emocional que social, isto é, alcance de bem-estar físico, emocional, mental e social relativamente duradouro, através do qual o indivíduo sente-se bem adaptado e integrado nos grupos e na sociedade, possui alegria de viver, é autoaceitante, possui projectos e consegue auto-realizações, graças à força autoreguladora e dinamizadora, interactiva e interactivante de seus próprios sistemas e subsistemas interiores, em recíprocas interacções com a acção e dinâmica dos próprios sistemas exteriores, visto, ser próprio da natureza do ser vivo, dinâmica e abertura ao meio exterior como meio e factores de intercâmbio de energias, de informações e mensagens, processos de transações e de renovações, de autoregulações, mudanças e inovações. No ser humano, porém, estes são processos de auto-equilibração, autoregulação, auto-dinamização, de adaptação e de integração tanto das suas próprias potencialidades como às exigências e solicitações dos meios. Porém, a eficiente dinamização e activação de tais processos exige sincronizada e interactiva funcionalidade da estrutural dinâmica dos órgãos corporais e de seus respectivos sentidos. No entanto, a tradicional cultura ocidental não só subvalorizou, mas, também, desvalorizou ou distorceu a função dos órgãos dos sentidos, não só como fonte de equilíbrio homeostático do ser humano, mas, também, como órgãos receptores e emissores de informação e mensagens, de relações e interacções, de actuações e de participações não só em relação ao meio, mas, também, em relação ao indivíduo em si mesmo e do organismo do indivíduo com o seu próprio cérebro, em constelações de dinâmicas funcionalidades, mútuas e recíprocas, reanelantes e recorrentes, ascendentes e descendentes, verticais e horizontais tanto do organismo em relação ao cérebro como do cérebro em relação ao meio ambiente. De facto, é pelos órgãos dos sentidos que o cérebro, através dos nervos sensitivos, recebe impressões ou informações e transmite mensagens, desenvolve sensibilidades e sensações, desencadeia e desenvolve emoções e orienta o seu potencial energético e psíquico para investimento em objectos, coisas, pessoas, factos ou acontecimentos. Por tais razões, os órgãos dos sentidos desempenham funções de canais, através dos quais são recebidas informações do mundo exterior e do próprio organismo, efectuando, assim, processos sensoriais que ligam todo o organismo com o mundo exterior e fornecem informações não só para o exterior, mas, também, informações do funcionamento do próprio organismo, criando, em simultâneo, com a ajuda do sistema nervoso periférico, sensações, e, com a do sistema nervoso central, percepções e interpretações. Tudo isto porque os sentidos são faculdades pelas quais a informação do mundo exterior e do mundo interior do nosso corpo é reunida e transmitida ao sistema nervoso central ( cérebro e espinal medula ), captada por milhões de estruturas microscópicas designadas receptores e, grande parte de tal informação, dirige-se para o córtex cerebral, e, outra para áreas do encéfalo ou, mais pormenorizadamente, para o tronco cerebral, como sucede, de maneira particular, com os órgãos do equilíbrio dos ouvidos, com os receptores dos músculos e das articulações, com os órgãos internos, com a pele, a língua, etc.. 118 Uma elevada percentagem de tais estímulos sensoriais chega ao córtice após terem passado pelo tronco cerebral e, após terem sido descodificados pelo córtice, tornam-se, parcialmente, consciencializados. A própria pele do ser humano possui em si múltiplos e variados tipos de receptores, de dinâmica e natureza tanto extroceptiva como proprioceptivas, e, cada um dos seus grupos possui capacidades de diferenciação das diferentes sensibilidades. Face à evidente importância dos órgãos dos sentidos como receptores e comunicadores de informações e mensagens torna-se necessário que, em todos os processos de desenvolvimentos neuro-cerebral e biopsíquico, se valorize não só os órgãos dos sentidos, mas, também, se estimule os sentidos dos órgãos, visto estes serem fontes de energia e de acção, de estimulação e de envolvimento de um indivíduo na aquisição e desenvolvimento de mudanças, na dinâmica estruturação de novas percepções e emoções, bem como fonte bioenergizante de comunicação e mobilidade interior. Daí a capital e vital importância do ser humano viver ou criar meios ricos de exploração sensorial para que, de maneira adequada, possa viver enquadrado no seu mundo e meio-ambiente. É que, de facto, o desenvolvimento das percepções é originado pelas informações provenientes dos vários sentidos e todas as respostas, solicitadas pelos outros, pelos meios ou pelas circunstâncias, possuem a sua origem nos processos e dinâmicas perceptivas de cada um. A vital importância e necessidade de desenvolvimento, dinamização e reforço dos processos de sensorização evidencia-se nos primeiros anos de vida de uma criança pois, em tal fase de desenvolvimento, ela aprende e desenvolve-se através das experiências sensoriais, isto é, olhando, escutando, cheirando, provando e tocando, desencadeando, então, multidiversidade de sensações que a abre para os outros e para si mesma, para o mundo e para o meio que a rodeia e fazem com que ela explore e desenvolva o seu próprio « eu corporal » e, a partir daí, também as variáveis dos meios que a circundam. A riqueza dos anteriores processos de sensorização torna-se denominador do enriquecimento de informações cerebrais, as quais, descodificadas pela acção do próprio cérebro, em consonância e dinâmica com a estrutura de seus próprios processos perceptivos, transformam-se em mensagens ou em cadeias de informação, graças à acção e características de suas acções musculares ou de padrões de impulsos nervosos. É que, tanto as células em geral, como os neurónios em particular possuem actuantes sensibilidades e poderosas vitalidades, não só a nível de produção, mas, também, de recepção e de emissão de impulsos nervosos, desencadeados ou alimentados pelos estímulos dos órgãos dos sentidos e registados ou elaborados a nível do próprio córtex. As próprias unidades neurocerebrais possuem, em si mesmas, um diferencial potencial de acção entre o interior e o exterior e um tal potencial transmembranar efectua mensagens através do sistema nervoso, conduzindo, através de impulsos, as mensagens do cérebro para os músculos das respectivas partes do corpo. Um tal potencial de actividades e de acção dos próprios neurónios, essencialmente dinamizado pela concentração de iões, gera correntes eléctricas, as quais, dando resposta ao estímulo ou estímulos, despolarizam os seus efeitos ou respostas e abrem canais para novas recepções e emissões. O presente funcionamento dos neurónios, de suas dendrites e axónios constitui a dinâmica estrutural do aparelho neuronal e é das recíprocas interacções de tais unidades funcionais que emerge a acção dos sistemas motores, sensitivos e perceptivos, os quais, graças à acção tanto dos neuro-transmissores como dos 119 neuro-receptores, orientam e conduzem as energias para as mais diversificadas regiões do organismo, desde que este não ofereça acentuadas resistências físicas, emocionais, afectivas ou intelectuais. O presente processo de comunicação inter-orgânica é originador de dinâmicas biopsíquicas, e, tais activadoras dinâmicas, dão origem a conaturais processos psíquicos, os quais envolvem a totalidade do ser humano em todas as suas dimensões e inter-relações dimensionais. Esta unidade biopsicológica do ser humano, em que a permeabilidade de suas unidades neuronais, em interacção com os estímulos, efectuam elementares processos psíquicos, de onde emergem sistemas de auto-percepção, por sua vez, tendem a auto-regular, qualitativamente, os efeitos dos estímulos procedentes do exterior com as descargas efectuadas pela acção do interior do organismo, descargas que interdependem não só das interactivantes funcionalidades dos neurónios motores e perceptivos, mas, também, das constelações do animismo instintivo do organismo, fonte bioenergizante do eu corporal, bem como das hierarquias individuais dos impulsos e pulsões, factores determinantes das géneses, do desenvolvimento e da elaboração do psiquismo, conjunto de caracteres que levam um ser humano, auxiliado por seus contextos sociais, a criar e desenvolver uma estrutura mental que possui bases orgânicas, neurofisiológicas e neurocerebrais. Com efeito, a funcionalidade dos instintos, dos impulsos e das pulsões do próprio organismo interage dinamicamente e, de tal dinâmica, emanam hierarquias de estímulos e de necessidades que agem, interagem e retroagem sobre o próprio sistema nervoso do indivíduo. Este, com seus estados manifestos ou latentes, estabelece comunicações entre o organismo e os meios e, tanto as propriedades bioquímicas como as eléctricas dos nervos estimulam, de forma mais ou menos acentuada, as conexões bem como a organização das redes comunicacionais. Isto porque os tecidos do sistema nervoso comunicam instantaneamente entre as suas células situadas em diversos pontos do organismo e com células de outros tecidos. É que, no fundo, o sistema nervoso comanda toda a actividade humana, isto é, o funcionamento dos órgãos internos, os movimentos , as percepções, as emoções e até os pensamentos. As suas comunicações ou mensagens são efectuadas por meio de estruturas, em forma de fios, camadas de fibras nervosas. Estas fazem parte das células nervosas ou neurónios, os quais, quanto à sua função, são aferentes ( sensitivos ou sensoriais ), isto é, conduzem impulsos apenas em direcção ao cérebro ou à espinal medula. São eferentes ( os motores ) e possuem função oposta aos anteriores, isto é, conduzem os impulsos do cérebro ou da espinal medula para os músculos ou glândulas. Existem também os neurónios intermediários ou de associação, e, toda ou qualquer condução do impulso nervoso, dentro de qualquer dos tipos de neurónios, é sempre feita no sentido das dendrites para o axónio. A natureza da dinâmica de tais comunicações do sistema nervoso é complexa, visto também ser complexa a estrutura e dinâmica do próprio sistema nervoso. É que o sistema nervoso é constituído pelo sistema nervoso central, que inclui o encéfalo e a espinal medula e pelo sistema nervoso periférico, que inclui o sistema somático e o autónomo. O sistema somático, composto de nervos sensoriais, que mantém o corpo em contacto com o exterior, também é dotado de nervos que comandam as reacções do corpo a esse mundo exterior. O sistema autónomo é constituído por todas as fibras motoras, que vão do sistema nervoso central ao músculo cardíaco, às glândulas e à musculatura lisa. 120 O sistema nervoso autónomo divide-se, por sua vez, em sistema nervoso simpático e em sistema nervoso parassimpático. O primeiro é constituído pelas fibras nervosas que partem da região torácica e lombar da espinal medula. O segundo é constituído pelas fibras nervosas que partem das regiões cervical e sacra da espinal medula. Esta trabalha em consonância e regula as actividades internas e involuntárias do corpo, tais como os batimentos cardíacos, a circulação sanguínea, a respiração, os processos digestivos, a actividade dos rins, etc. . Além das anteriores e essenciais funções do sistema nervoso, este também estabelece conexões, constitui circuitos, organiza redes e submete-se aos princípios do prazer e do desprazer, do inato e do adquirido, pois possui aptidões de impregnância, de libertação ou compressão, de resposta ou não aos estímulos, de liberdade e não liberdade, de rigidez e flexibilidade, de permeabilidade e não permeabilidade. E é também através destas maiores ou menores disponibilidades, capacidades ou aptidões que o próprio cérebro se estimula, dinamiza e envolve. Estas maiores ou menores fluências, portadoras de energia neurocerebral, constituem a base da própria actividade psíquica, visto esta alicerçar-se em processos de estimulação, de carga e descarga, de conversão e substituição. A quantidade e os níveis de tais processos geram estímulos interiores, e, a acção neuronal efectuada por influência de tais estímulos leva o cérebro a captar e a interiorizar estímulos procedentes do exterior ao próprio organismo, fazendo com que o indivíduo se adapte ao meio, desenvolva capacidades adaptativas e interiorize atitudes, comportamentos e saberes oriundos do exterior. Uma tal funcionalidade comportamental interdepende da própria estrutura morfológica e dinâmica do cérebro e de suas funções, pois os seus neurónios sensoriais transmitem impulsos do exterior para o interior do sistema nervoso central, os seus neurónios motores transmitem impulsos do sistema nervoso central para o exterior e os seus neurónios de conexão conduzem os impulsos entre os outros tipos de neurónios. Uma tal interactividade funcional do sistema nervoso central ou sistema neuronal faz com que este, « flor de uma árvore » ou « piloto em seu navio » possua como funções essenciais : a vivência, a informação e o conhecimento, e, a nível de interactuação e de dinâmica evolutiva, seja dotado de instintos, impulsos e organizações genético-hereditárias; de comportamentos inatos e adquiridos, de princípio do prazer e do desprazer; de emoções, de evoluções e potencialidade de livre arbítrio; possibilidades de mudança e de inovações, de desenvolvimentos psicológicos, de aprendizagens cognitivas e intelectuais e de comportamentos ou cogitações abstracto-mentais. Esta piramidal e progressiva evolução do cérebro individual, cuja etapa do seu desenvolvimento superior se condensa na existência e dinâmica do cérebro racional, necessita, como seus consolidários suportes, da acção e interacções do cérebro reptílico e do cérebro mamífero, simultaneamente imprescindíveis à elaboração de raciocínios avançados, de pensamentos abstractos, de juízos e de planeamentos a efectuar pelo próprio encéfalo, centro da actividade intelectual, e, simultaneamente, regulador de processos e de equilíbrios neuro-sensoriais e emocionais, e, cujas áreas ou regiões das funções mentais superiores do ser humano se encontram no lobo frontal, temporal, parietal e occipital mas, apesar disso, a acção de tais lobos e de seus respectivos conjuntos de interacções e de retroacções, necessitam da acção ou acções dos meios sociais para efectuarem no cérebro as necessárias impregnâncias dos processos de socialização do indivíduo. 121 É, de facto, através da percepção que uma criança vai tendo do outro e das relações afectivas e emocionais, gratificantes ou frustrantes, que ela vai desenvolvendo, que ela vai, progressivamente, construindo uma imagem de si própria e, também, do outro, apesar de, mais tarde, pelo desenvolvimento de sua própria autoconsciência, poder restruturar tanto as imagens de si como dos outros e tanto os níveis de relacionamento consigo como com os outros. Apesar da factibilidade de um tal processo de individualização, a nível de construção e de desenvolvimento da sua personalidade social, a problemática de um indivíduo torna-se ainda mais complexa, visto este sentir que, desde a própria infância, é obrigado a controlar o seu comportamento, a adaptar-se ao meio, a adotar diferentes papéis, a executar diferenciadas funções e a assumir, de vez, responsabilidades e comportamentos que possibilitam o reconhecimento num indivíduo do que nele faz parte da sua natureza natural ou da sua natureza adquirida. É que, na realidade, nenhum cérebro humano resiste totalmente, por um lado, às poderosas forças de energia e, simultaneamente, controladoras do meio social, e, por outro lado, o desenvolvimento de um cérebro somente consegue alcançar o seu nível de desenvolvimento verdadeiramente humano através da acção do social, de maneira particular através de seus progressivos mecanismos e processos de assimilação e de equilibração, verdadeiras fontes de desenvolvimento do eu social para, em seguida, graças aos processos de auto-reflexibilidade, o indivíduo, progressivamente, ir tomando consciência do seu próprio individual, isto é, da sua total e diferenciada unidade bio-sòcio-psico-emocional, assumidamente consciencializada, e, inicialmente, através de seus individuais dinamismos intuitivoemocionais, transformados, seguidamente, em conflitos cognitivos, e, por fim, em estruturas e dinamismos raciocionantes, os quais possuem mecanismos de discriminação e de selecção de motivações, de estímulos positivos e de evitamento de negativos, mecanismos esses que influenciam, de forma acentuada, as constantes possibilidades e potencialidades de organização e de reorganização, de mobilidade e de mobilização do próprio cérebro, bem como as suas funções e capacidades de relacionamentos com o exterior e a representação de si mesmo e do mundo. CAPÍTULO V MODALIDADES CAUSAIS DAS DISFUNÇÕES DO CÉREBRO HUMANO Sendo os gènes humanos as unidades fundamentais que determinam cada um dos caracteres específicos de um ser humano e, em simultâneo, unidades funcionais de codificação e unidades de revelação, situadas na molécula do ADN que formam os cromossomas, estes contêm, em si mesmo, informação e transmitem-a dos progenitores aos seus descendentes. O conjunto de todos os gènes de um indivíduo, isto é, o seu genoma, responsável pelas características 122 humanas, presentes nos cromossomas, é composto por mais de cem mil gènes encadeados na molécula do ADN. O ADN, molécula em forma de fita, enrolada em forma de dupla hélice, que contém a informação genética de cada célula, é o suporte material dos caracteres hereditários de cada indivíduo, graças à informação que recebe dos seus próprios gènes. Os gènes, porém, muitas vezes, transmitem informações erradas e, as consequências de tais erros são a existência de certas anomalias mais ou menos profundas nos indivíduos ou o aparecimento de doenças não só de natureza fisiológica, mas, também, psíquicas, emocionais e afectivas, as quais abrangem ou podem abranger um vasto leque, que vão desde a esclerose múltipla à esquizofrenia. Um tal contingental potencial de mutações dos gènes, efectuadas tanto por excesso como por déficit, por desvio ou erro, por translocação ou transposição, por fragmentação ou divisão transversal, etc., são causas de múltiplas e hipercomplexas anomalias embriológicas. É que, sendo a célula humana a unidade da vida de uma pessoa, é a partir dela que a própria existência se efectua, estrutura e controla, visto ser no interior da célula que centenas de processos químicos se efectuam, graças à acção das enzimas particulares, as quais, compostas por proteínas, são produzidas, segundo códigos específicos, por milhares de gènes distribuídos ao longo dos cromossomas situados no centro das células, as quais, no ser humano, contêm quarenta e seis cromossomas distribuídos em vinte e três pares. De entre estes pares vinte e dois deles são constituídos por autossomas e por um par de cromossomas sexuais, ou seja, xx na mulher e xy no homem. Nos cromossomas encontram-se fixados os gènes, elementos unitários que exercem o controlo das características inatas de um indivíduo, e, as suas formas de transmissão, tanto podem ser transmissão de um gène dominante ou de um gène recessivo, sendo, à partida, a transmissão de gènes recessivos que geram a maioria de anomalias biológicas, as quais, não raras vezes, são geradoras de negativos efeitos a nível intelectual, mental, emocional e cognitivo. Isto porque os erros genéticos, os desvios, as anomalias ou as disfunções produzem modificações nas estruturas celulares, unidades de vida do ser humano, visto as suas moléculas serem codificadas por gènes, e, as mutações nos gènes, exercerem alterações ou efeitos negativos sobre as estruturas das enzimas, proteínas estruturais ou proteínas reguladoras, factores geradores de perturbações ou de malformações de natureza genética, os quais, de forma extremamente sintetizada, pertencem a uma das três categorias: 1 - Os distúrbios cromossómicos envolvem a falta, excesso ou disposição anormal de um ou mais cromossomas, produzindo excesso ou falta de material genético. 2 - Os distúrbios mendelianos ou de hereditariedade são determinados, primariamente, por um único gène mutante e apresentam padrões que podem ser classificados em autossómicos dominantes, autossómicos recessivos ou tipos ligados ao cromossoma x. 3 - Outros distúrbios multifactoriais são causados por uma interacção de múltiplos gènes e de múltiplos factores exógenos ou ambientais, tornando-se consensual, no entanto, que cada uma destas categorias de distúrbios ou perturbações genéticas apresentam problemas diferentes, tanto em relação à sua 123 causalidade como em relação à sua prevenção, diagnóstico, aconselhamento ou tratamento. Encontrando-se a causalidade de múltiplas doenças e malformações interdependente dos gènes, grupo ou grupos de gènes ou de codominância genética, a maioria de tais malformações importam consigo outros problemas de vária natureza como, por exemplo, problemas de imunodeficiência, problemas cardíacos congénitos, cólites, esclerose múltipla, anemia, hepatite crónica activa, psoriases, diabetes, artrite reumatoide, etc., etc. . O múltiplo e complexo somatório de malformações, deficiências e negatividades dos erros, desvios ou mutações dos gènes, evidencia, sobejamente, a capital importância do código genético e de sua codominância. É que a informação genética contida no ADN efectua a sua conversão através de uma série de reacções complexas que implicam, em primeiro lugar, a transcrição da sequência de nucleótidos do ADN noutra sequência de nucleótidos complementar que constituí o ARN mensageiro. Este conjunto de malformações, distúrbios ou doenças causados por erros dos gènes denominam-se congénitos, visto envolverem o conjunto de caracteres com que um indivíduo nasce, quer estes sejam normais ou patológicos, e, tanto de natureza hereditária como adquirida, durante o desenvolvimento no útero materno, o que faz com que o termo congénito se torne, aqui, sinónimo de inato. No entanto, os caracteres são características adquiridas por um indivíduo antes do seu nascimento e durante o estado embrionário ou fetal, com exclusão do recebido por via hereditária, ou seja, os caracteres patológicos de origem ambiental, isto é, os adquiridos pelo indivíduo durante o seu desenvolvimento no útero materno, sendo o primeiro termo aplicado às malformações efectuadas durante os três primeiros meses de gravidez e, o segundo, às efectuadas durante o restante período de gestação como acontece, por exemplo, com a cegueira congénita, consequência da rubéola materna, com a macrocefalia, a hidrocefalia, etc., permanecendo o termo de cromossomopatia para os efeitos das alterações de natureza genética como sucede, por exemplo, com o caso das trissomias, das doenças Klinefelter, etc.. Por isso, durante os três primeiros meses de gestação humana, período embrionário e período no qual são dispostos os diferentes órgãos, geram-se frequentemente, múltiplas deformações que dizem respeito, sobretudo, ao sistema nervoso, à audição, à visão, ao coração, ao aparelho digestivo e urinário e aos membros, e, certas deformações são, frequentemente, evocadoras de causas precisas como sucede, por exemplo, com os efeitos dos vírus ou infecções, no topo dos quais se encontra a rubéola, a microcefalia, a surdez, cataratas, anomalias cardíacas e outras deformações provocadoras de atraso intelectual e mental. Apesar disso, no entanto, constatando-se a rigidez ou inflexibilidade dos programas genético-hereditários dos indivíduos na acção de certas intervenções, as positividades dos meios ambientes podem provocar nos indivíduos desenvolvimentos compensatórios de tal malformações ou deficiências. É que, embora o programa genético seja constituído pela combinação de elementos, essencialmente, constantes, opondo-se à transmissão de caracteres adquiridos, pela flexibilidade de seus mecanismos, a memória nervosa presta-se à transmissão de tais caracteres, fazendo, assim, com que certos potenciais de adaptação do organismo permaneçam activos, pois, como afirmou Jacob François ( a lógica da vida, 2ª edição, pág. 15, publicações D. Quixote ): « por cada mutação há « causas » que modificam um radical químico, quebram um cromossoma, invertem um seguimento de ácido nucleíco. Mas, em caso algum, poderá haver 124 correlação entre a causa e o efeito da mutação. ... Para cada indivíduo, o programa resulta de uma cascata de acontecimentos, todos contingentes. A própria natureza do código genético impede qualquer alteração deliberada do programa por efeito da sua acção ou do meio ambiente. Interdita toda e qualquer influência sobre a mensagem dos produtos da sua expressão. O programa não acata as lições da experiência.». Daí o facto, aceitando a teoria evolucionista, de ser impossível conceber um comportamento que não possua bases biológicas, genéticas e hereditárias, realidade esta que impõe a necessidade da concretização de programas ambientais e sociais estimuladores e desenvolvedores do potencial biológico ou genético-hereditário de um indivíduo, visto os efeitos positivos das acções dos meios impregnarem num indivíduo uma «quase segundo natureza, sabendo-se, no entanto, que uma tal potencial força e acção do exterior de tantas aberrações cromossómicas como de malformações congénitas ou de patologias celulares não modificarão tanto em ordem como em organização». É que os cromossomas, «elementos organizados que têm uma existência autónoma na célula», possuem o extraordinário poder de se desdobrarem e de reagruparem em cada pólo, de voltar a formar dois núcleos idênticos àqueles de que derivam e, andando aos pares, aquando da fecundação, reconstitui-se um jogo de cromossomas, metade saído do pai e metade da mãe. Qualquer anomalia, num tal jogo, tanto por excesso como por defeito, produz alterações ou perturbações na evolução do embrião. O desenvolvimento normal resulta de uma combinação particular de cromossomas, visto eles possuírem qualidades diferentes e tais qualidades aparecem na profundidade do núcleo, graças às potencialidades dos gènes que se encontram situados, sequencialmente, nos cromossomas, os quais informam a elaboração de proteínas no citoplasma celular, fazendo, então, com que os cromossomas sejam os portadores da mensagem genética. No entanto, substâncias químicas que formam os cromossomas ( ADN ) e as proteínas básicas encontram-se em situação fisiologicamente activa podendo, então, efectuar a sua função de coordenação e de direcção da actividade celular e deslocar as mensagens genéticas. Por isso, o ADN do humano contém o código genético responsável pela transmissão das características hereditárias dos pais para os filhos. Assim, uma célula de um óvulo fertilizado, que contém ADN de ambos os progenitores, reproduzse por si própria, transformando-se num novo ser vivo através da sua divisão em duas células, as quais, por sua vez, se dividem noutras duas e, assim, sucessivamente. O ADN, por sua vez, presente em cada uma das células, garante que todas elas pertencem à mesma espécie, tem a possibilidade de reproduzir uma estrutura idêntica a si mesmo no momento da divisão celular, isto é, a capacidade de assegurar a transmissão do material genético idêntico entre a célula-mãe e as células-filhas, e constituí, sempre por intermédio do código genético, um verdadeiro ordenador da economia de cada célula, que comanda a síntese de substâncias proteicas, algumas das quais, as enzimas, desempenham um papel fundamental nas múltiplas cadeias metabólicas que se desenrolam nas células. Qualquer erro quantitativo (aberração cromossómica) ou qualitativo (anomalia ao nível das peças elementares que constituem o ADN) é susceptível de provocar perturbações importantes ao nível do organismo inteiro, constituído por biliões de células, e, cujos efeitos, não só se podem estender ao nível fisiológico do organismo, mas, também, a nível da futura dinâmica neurocerebral de um indivíduo, com profundas e negativas consequências a nível do psíquico, do cognitivo e do 125 mental, o que faz com que tais indivíduos, no futuro, permaneçam, não raras vezes, a nível intelectual na zona da debilidade profunda ou média, e isto devido a aberrações cromossómicas estruturais, as quais, sendo geradas, fundamentalmente, por translocações ou duplicação deficiente em geral, todos os cromossomas são susceptíveis de rupturas, que resultam em aberrações estruturais. A um tal conjunto de aberrações estruturais de origem genética e cromossómica junta-se um outro conjunto de malformações congénitas, condensadoras da patologia humana e resultantes de malformações no embrião ou no feto como sucede, por exemplo, com os efeitos da rubéola durante os primeiros meses de gravidez, os efeitos da talidomida, etc.; geradores de malformações dismorfogénicas ou simplesmente congénitas, resultantes das alterações da morfologia de um ou vários órgãos, de sistemas de órgãos ou de todo o organismo, e, efectuadas durante o desenvolvimento do feto, o que, além do mais, geram transtornos e perturbações funcionais a nível de estrutura do organismo, das funções ou do metabolismo, gerados tanto por razões genéticas como por resultados de interferências ambientais durante o desenvolvimento do embrião ou do feto, no nascimento ou no pós-nascimento. O aparecimento destas dismorfologias ou de malformações congénitas resulta de uma vasta e complexa causalidade e recebem terminologias consoante as fases e a natureza das malformações como sucede, por exemplo, com as gametopatias, resultantes dos erros e disfuncionalidades da ovogénese da mãe e da espermatogénese do pai, com as embriopatias resultantes de anomalias produzidas durante os três primeiros meses de gravidez, período de desenvolvimento da diferenciação dos órgãos essenciais e que podem originar anomalias a nível do desenvolvimento do organismo como, por exemplo, anencefalias, surdez, fissura palatina, lábio leporino, aplasias, etc.; e várias outras anomalias produzidas durante o desenvolvimento do feto, isto é, a partir dos, três meses de gravidez, e até o nascimento, isto é, mais ou menos até à trigésima oitava semana de fertilização. Durante um tal período de desenvolvimento, o feto inicia, progressivamente, processos de resistência aos agentes dismorfogénicos e, à medida que se desenvolve, vai desenvolvendo seus mecanismos de resistências a anomalias. No entanto, certas perturbações a nível de funções celulares podem originar anomalias hereditárias, mutações e perturbações a nível da formação do RNA mensageiro e transtorno na síntese de proteínas, por um lado. Por outro lado, também factores ou agentes ambientais podem ocasionar perturbações ou alterações celulares por deficiência na importação de energia; deficiência de vitaminas, ingestão de substâncias tóxicas, infecções, como sejam, por exemplo, pelo vírus da rubéola ou da varicela; por certo tipo de medicações maternas, subnutrição da mãe, ingestão de drogas, álcool, etc.. Segundo investigações da medicina genética (J. A. F. Ballesta, por exemplo), a nível de criação e de desenvolvimento de malformações na vida interuterina, os factores genéticos são seus responsáveis em 10% , podendo, então, demonstrar-se quando se trata de uma malformação hereditária com carácter dominante, apesar de se tornar difícil, ainda hoje, descobrir quais os factores recessivos de uma malformação. Muitas malformações devem-se a anomalias cromossómicas, as quais podem ser numéricas e estruturais ou, às vezes, resultantes de uma combinação das duas. Estima-se, porém, que mais ou menos 4% de todas as gravidezes são cromossomicamente anormais, mas 85-90% de tais anomalias são espontanea-mente eliminadas por aborto durante o período embrionário. As restantes causas de anomalias ou malformações congénitas seriam 126 ocasionadas por sucessivas causalidades simples ou associadas a factores ambientais. Dos factores ambientais originadores de malformações e deficiências mentais ou intelectuais que, hoje em dia, recebem mais atenção dos investigadores são os dos efeitos das drogas e do alcoolismo, existindo, desde à muito tempo, provas evidentes da associação de malformações fetais de alcoolismo materno, de tal maneira que, ao conjunto de seus efeitos, se denominou “ síndroma de alcoolismo, fetal ou síndroma alcoólico congénito “ tornando-se evidentes as suas malformações, as anomalias cardíacas e genitais, os atrasos de crescimento intrauterino, as anomalias nas extremidades dos membros, as anomalias viscerais, a extensão das articulações, as anomalias crânio-faciais como a microcefalia, a fenda palpebral pequena, o lábio leporino, etc., etc. . A nível de patologias neurocerebrais provocadas pelo síndroma do alcoolismo fetal tornou-se conhecido o estudo de Jones que, após ter analisado o cérebro de um paciente falecido com síndroma de alcoolismo fetal, constatou que tal cérebro possuía anomalias a nível do desenvolvimento, que originavam aberrações da migração neuronal, com aspecto exterior anormal e uma total desorganização a nível da substância branca, um desenvolvimento incompleto do córtex cerebral e anomalias a nível do corpo caloso. O estudo e análise dos efeitos do síndroma do alcoolismo fetal levou Jones a defini-lo como sendo um « conjunto de defeitos congénitos que se desenvolvem no feto de algumas mulheres que consomem álcool durante a gravidez e se exprimem por uma deficiência do crescimento pré-natal e pós-natal, malformações faciais e disfunções do sistema nervoso central ». Estas disfunções do sistema nervoso envolvem malformações cerebrais ou cranianas, atrasos de desenvolvimento, comportamentos disfuncionais, anomalias neurológicas e neurocerebrais, enfraquecimentos intelectuais e debilidades mentais, estruturas neuropsíquicas que geram, no sujeito, vítima do síndroma do alcoolismo fetal, impulsividade emocional, agressividade comportamental, acentuadas dificuldades a nível de compreensão, de aprendizagem e de memorização, empobrecimento a nível de linguagem e de interacções relacionais, dificuldades de concentração e de raciocínio, de tomada de decisões e de capacidades de abstracção, de péssimo rendimento a nível de aprendizagens escolares e de dificuldades a nível de integração socioprofissional. Embora a nível fisiológico muitos dos efeitos do síndroma de alcoolismo fetal manifestem craniopatias, uma elevada percentagem das alterações morfológicas cranianas são provocadas por seu subdesenvolvimento ou desvio no desenvolvimento ontogenético e as causas de tais malformações são genéticas, hereditárias ou ambientais, apesar de muitas dessas malformações permanecerem ainda desconhecidas. A nível de malformações ou alterações cranianas destacam-se a existência de crânio-bífido-oculto, ausência congénita de parte dos ossos do crânio, afecções na linha média e nos parietais, encerramentos precoces de uma ou várias suturas cranianas e, em tais circunstâncias, caso o cérebro não possa crescer em sentido normal, falo-à em sentido anormal, de forma assimétrica e, tanto em direcção anteroposterior como para cima, o que origina anomalias ou disfunções a nível neurocerebral e cujos efeitos, a nível de aprendizagens, podem apresentar os mais variados graus de dificuldades. A este e outros tipos de anomalias crânio-cerebrais juntam-se as de microcefalias, macrocefalia ou hidrocefalia. No caso das microcefalias ou « microcérebros » as crianças apresentam, à nascença, um cérebro cujo peso é de 127 dez a vinte vezes inferior ao peso do cérebro de uma criança normal, isto é, entre 18 g e 60 g. Possuem , no entanto, as circunvoluções de um cérebro normal e o córtex encerra as suas seis camadas celulares perfeitamente normais. Segundo Changeux: « a contagem dos neurónios por « cenoura » vertical revela o mesmo número de neurónios por « coluna » que nos indivíduos normais. Apenas baixa, de maneira vertiginosa, o número de colunas verticais adjacentes. A proliferação tangencial dos neurónios embrionários da parede das vesículas cerebrais parece afectada e provoca uma redução drástica da sua superfície ». Como se depreende, um efeito desta natureza, mas de sinal contrário, produzirá um aumento da superfície do córtex. Bastarão portanto algumas mutações de gènes de comunicação ou pequenas modificações cromossómicas para fixar na espécie este espectacular aumento de redundância. ... O aumento da superfície, bem entendido, vai repercutir-se nas arborizações axónicas e dendríticas dos neurónios do córtex cerebral e do cerebelo. Ramón e Cajal ( 1909 ) já tinha verificado que « no homem estas arborizações se desenvolvem principalmente depois do nascimento e durante alguns anos. No momento da aquisição da linguagem, este crescimento não está ainda terminado. Em consequência do alongamento do período da proliferação sináptica, ... aumenta o número de ramos das arborizações neuronais. ... Desde os vertebrados superiores ao homem, ... surgem novas vagas de sinapses e sucedemse durante o desenvolvimento, aumentando o número de conexões possíveis no adulto. A largada de cada vaga é provavelmente acompanhada de um fluxo de conexões excedentárias. A redundância das sinapses amplia a das células » ( 1983 ). As doenças congénitas, porém, em seu sentido genérico, tanto de origem genética como hereditária ou ambiental, são doenças, malformações ou alterações cujas origens se encontram nos gènes, nas células ou nos efeitos das doenças infecciosas, como o referido anterior efeito do síndroma do alcoolismo fetal, dos tóxicos, de agentes físicos e de doenças endócrinas procedentes de alterações das glândulas endócrinas da própria mãe. As doenças especificamente hereditárias estão ligadas aos gènes dominantes e recessivos, a problemas de consanguinidade e a anomalias cromossómicas. Por isso, tanto doenças ou malformações-genéticas como hereditárias denominam-se, genericamente, doenças ou malformações congénitas, visto estas serem as que, de um modo geral, são contraídas no decurso da vida interuterina, podendo manifestar-se após o nascimento, e são o prolongamento de doenças ou malformações embrionárias, sendo, não raras vezes, as embriopatias causadas por agentes físicos, infecções, agentes tóxicos e medicamentos como sucede, por exemplo, com infecções da rubéola, da varicela, da hepatite, da papeira, do sarampo ou do herpes, pela ministração a grávidas de certos medicamentos como hipnóticos, tranquilizantes, diuréticos, anticoagulantes e alguns antibióticos; pela exposição da mulher grávida aos raios x ou a explosões nucleares, ou, no caso das fetopatias provocadas por doenças endrócrinas ou, ainda mais importante, pelos diabetes ou a sífilis oriunda de contaminação por via transplacentária. A um tal vasto e complexo conjunto de doenças ou anomalias congénitas poderemos acrescentar um não menos vasto e complexo conjunto de doenças do metabolismo ou metabolopatias resultantes de erros ou disfunções metabólicos, os quais são, por sua vez, consequência de deficiências genéticas e, hoje em dia, ultrapassam já o elevadíssimo número de cento e oitenta doenças do metabolismo e cujo somatório, tanto pelo seu grau como pela sua intensidade, produzem as denominadas aberrações ou malformações estruturais. 128 Uma destas malformações reside na existência de erros inatos do metabolismo individual, os quais, alterando a constituição genética, perturbam o desenvolvimento da sua normalidade. Estes erros, efectuados por elementos bioquímicos das proteínas, potenciais informativos dos genes, conseguem produzir mutações e estruturas malformadas num nível relativo ou grave, tanto a nível de enzimas como de receptores de meios de transporte, como a nível de membranas ou mesmo de estruturas, o que podem, de forma mais ou menos acentuada, afectar não só a funcionalidade do organismo individual, mas, também, em consequência, afectar a funcionalidade psíquica do indivíduo. Estes erros do metabolismo podem ser, umas vezes, causa das diferenças polimórficas observadas e diferenciadoras dos indivíduos, produzirem alterações genéticas, que resultam em consequências clínicas mais ou menos hipercomplexas do período neonatal, e, outros manifestam os seus efeitos durante a adolescência ou a fase adulta. No entanto, uma grande maioria dos erros inatos do metabolismo exigem intervenções clínicas e podem ser diagnosticadas no período imediato após o nascimento ou pouco depois, apresentando-se com uma vasta gama de sinais ou sintomas, que podem incluir acidose metabólica, déficit de desenvolvimento físico, anormalidades no desenvolvimento, níveis sanguíneos ou urinários elevados de um determinado metabolito como, por exemplo, um aminoácido ou alterações físicas, etc.. Muitos desses erros metabólicos são já hoje passivos de serem detectados durante o período de desenvolvimento embrionário de uma criança. Apesar disso, é frequente um bebé, com erros de metabolismo, logo após o nascimento, possuir sintomas de acentuada doença, e, esta manifestar-se por convulsões, vómitos, letargia, anorexia e mesmo estados de coma, bem como por outros sintomas inespecíficos desencadeados pela acção de seu sistema nervoso central. Durante o período neonatal e seu respectivo desenvolvimento, a criança com problemas ou distúrbios do metabolismo pode manifestar uma vasta e complexa gama de problemas como défices motores, convulsões, atrasos mentais, frequentes infecções, stress e apatias, odôres corporais incomuns, interrompidas fases de doenças graves, cálculos renais, deterioração mental, diabetes mellitus, etc.. Embora a maioria dos erros inatos do metabolismo seja transmitida por herança autossómica recessiva, uma tal informação é também organizativa e generativa e, por tais razões, os erros inatos de uma determinada família evoluem de acordo com o seu tipo. Por isso, em geral, embora a sintomatologia possa variar entre irmãos de uma família, se uma criança apresenta a forma da doença da urina em xarope de bordo, que se manifesta durante o período neonatal, o próximo irmão afectado apresentará o mesmo defeito ou não, sendo a variante que ocorre de forma intermitente mais tardiamente na infância, visto a informação comunicacional de tais erros metabólicos ser duplamente generativa e fenoménica, programa que permita a repetição, a reorganização, a ressuscitação e a reprodução. E a informação é sempre potencialmente generativa e a informação degenerada pode ser regenerada se « encontrar uma cabeça decifradora e uma matriz generativa » , significando isto que « a organização torna-se informacional quando nela se constitui um aparelho generativo ». Uma tal programação funcional dos gènes, bem como de suas possíveis mutações, deve-se ao facto de que a duplicação do ADN é uma « espécie » de 129 cópia de uma mensagem, que apesar de todos os cuidados e defesas, não está protegida de todas as perturbações aleatórias, forças exteriores ao programa, de acidentes ou de incidentes perturbadores das suas transferências, factos ou acontecimentos que podem provocar erros, defeitos ou distorções na cópia da mensagem, provocando deteriorização ou degradação na organização e dinâmica do indivíduo ou desordem na sua ordem organizacional. Ora, sendo, hoje em dia, consenso generalizado no domínio da bioquímica e da biologia celular ( Crick-Watson, 1953 ) que os gènes são segmentos da macromolécula do ADN, e, concebidos como mensagens codificadas portadoras de informações, o seu carácter e potencial informacional constitui um programa organizado de informações, de mensagens e instruções que especificam as regras e as normas dos seus processos de auto-produção, auto-organização e autoreprodução, formando, assim, uma espécie de genoteca normativa de todos os processos da máquina viva, a qual é ordenada segundo um sistema de códigos ou signos portadores das informações necessárias à complexidade da organização celular, a qual, por sua vez, extrai do genoma as informações necessárias às suas estratégias e programas desencadeadores de acções, de transformações, de produções, de operações e de actuações, que, em simultâneo, organizam e regeneram a própria organização celular. Apesar disso, os gènes permanecem potencial capital de informação e de organização, e são recebidos hereditariamente, retidos individualmente e transmitidos reprodutivamente, características condensadas na vida da célula, e, fazem com que esta se torne o centro da vida, visto ser nas células que se elaboram as moléculas características do vivente e se efectuam as reacções do metabolismo, sendo através da sua diferenciação que se formam os órgãos e evolui o corpo do adulto, graças à multiplicação das células que nascem de outras células, e, por isso, perpetuam a existência e mantêm a organização não só biológica, mas, também, funcional e diferenciada, a um tal ponto que, algumas células, efectuam apenas as funções necessárias à respiração, outras à locomoção, à digestão ou à reprodução. É uma tal continuidade das células que dá origem ao fenómeno da hereditariedade, o qual resulta sempre da continuidade das células e defini-se como conjunto das características, dos traços, dos caracteres ou biótipos recebidos dos progenitores e susceptíveis de serem transmitidos aos sucessores através da acção dos gènes inscritos na composição cromossómica celular, a qual, dando origem ao genótipo individual, faz com que hereditário se diferencie de congénito ou de inato como sucede, por exemplo, com os efeitos de uma anomalia gerada no embrião ou na vida fetal de uma criança ou quando uma criança nasce de uma mãe toxicodependente ou com os efeitos do alcoolismo fetal em que a criança, nascendo com modificações nos caracteres hereditários, tais modificações não foram efectuadas hereditariamente, o que faz com que tais crianças, toxicodependentes no nascimento, sejam-o inatas e não hereditariamente. É que sendo a hereditariedade efectuada através da transmissão de certos caracteres dos progenitores aos seus descendentes, fazendo com que cada organismo dê origem a um organismo pertencente à mesma espécie, processo que explica a existência de diferenças individuais, nem todas as características existentes no genoma dos progenitores são transmitidas aos sucessores, o que faz com que o comportamento de um indivíduo não só possua condicionantes genéticas, mas, sobretudo, resultados dos efeitos da acção individual, ambiental, social e cultural, notoriamente observáveis através dos valores morais de cada um, de seu nível de expectativas, do quociente intelectual e das suas potencialidades e 130 concretizações a nível de inteligência emocional e afectiva, embora, acerca de uma tal problemática, as peças ou paradigmas em discussão se dividam, como sucedeu, por exemplo, com T. Ribot que se pronunciou a favor da transmissão de alguns traços psicológicos, outros insistem na predominância e incidência dos factores ambientais, e, outros, admitem a existência de uma herança psicológica indirecta que actua através de factores orgânicos. Restringindo-se aqui hereditariedade aos processos biológicos efectuados através do conjunto de gènes ou genoma do indivíduo, e, sendo este que constitui o alicerce primário do funcionamento e dinâmica de um indivíduo, torna-se evidente que muitas das suas actividades e características funcionais interdependem da natureza e da activação do seu genoma, o qual, como qualquer sistema, age e retroage, activa ou desactiva, organiza ou desorganiza, produzindo efeitos tanto positivos como negativos em relação ao desenvolvimento e actuação do seu portador, visto ser através dos gènes que um indivíduo recebe não só os caracteres individuais de seus ascendentes, da raça ou da espécie, mas, também, o potencial de existir e de viver por si e para si. É que, sendo o A.D.N. (ácido desoxiribonucleico) uma macromolécula disposta em dupla hélice, que se encaixa em volta de um eixo comum, é nela que se encaixam as sequências de nucleótidos diferenciados entre si segundo a base azotada que possuem. Por isso, o A.D.N., suporte material dos caracteres hereditários, localiza-se essencialmente no núcleo da célula formando os cromossomas. Por isso, a estrutura do ADN, segundo Watson e Crick, é formada por duas cadeias polinucleotídicas entrelaçadas em forma de hélice. As suas bases nitrogenadas encontram-se colocadas uma em cima de outra em cada uma das cadeias e situam-se no interior da hélice. As duas cadeias unem-se por enlaces formados por pontes de hidrogénio entre cada uma das bases de uma das cadeias e pelas situadas em sua frente na cadeia posta. A informação genética, necessária à construção de um indivíduo, está contida no ADN da primeira célula ou zígoto e emana metade do pai e metade da mãe. A partir daí as células do indivíduo contêm a mesma quantidade de ADN e a manutenção da informação genética durante a divisão celular consegue-se mediante a duplicação do ADN efectuada através de um processo no qual cada uma das cadeias da hélice serve de molde à síntese de uma nova cadeia complementar. Os gènes apresentam-se, então, como fragmentos do ADN e contêm vários milhares de pares de nucleótidos que determinam, normalmente, a sequência dos aminoácidos de uma proteína. Assim, o código ou programa genético contido no ADN de cada célula, constituindo o património hereditário de cada indivíduo, transmite-se de geração em geração. Esta transmissão, também aqui, é efectuada de emissor a receptor e as mensagens de tais transmissões são simultaneamente transmissoras e transmitidas, visto tanto o emissor como o receptor desdobrarem-se, e, de tal desdobramento, efectuado no interior e, da parte interior do indivíduo, surgem variedades comportamentais aleatórias, apesar de, factualmente, a informação contida nos gènes originar instruções precisas, visto o ARN ( ácido ribonucleico ) estar implicado na síntese das proteínas da célula, e, o ARN mensageiro, possuir, por essencial função, transportar a informação genética do ADN nuclear para os ribossomas situados no citoplasma, e, os ARN transferentes serem encarregados de transportarem os aminoácidos para os ribossomas, a partir dos quais formarão uma proteína segundo a ordem indicada pela sequência dos nucleótidos do ARN mensageiro. O ARN ribossómico, representando 80% do ARN celular, une-se a 131 várias proteínas para formar os ribossomas, pequenas partículas celulares a partir das quais se geram os aminoácidos para a síntese das proteínas. De um tal conjunto de vários milhares de gènes emerge generatividade informacional e competência organizativa, das quais emanam e se desenvolvem potenciais de modificabilidade, tanto de finalidades como de circunstâncias, de actuações como de programas, visto a combinatória das suas bases de informação, a nível da molécula do ADN, permitir originalidade, relação, reprodução, organização, diferenciação, confirmação, activação, conservação, orientação, repetição e reprodução. É que, de facto, o potencial informacional contínuo do genoma de cada ser humano, emergente das estruturas e dos dinamismos bioquímicos individuais de cada ser humano, é, com maior ou menor facilidade, transportado pela macromolécula do ADN, a qual, portadora de sequências de nucleótidos diferenciados entre si pelas bases azotadas que a constitui, isto é: adenina, timina, guanina, citosina, fazem com que a macromolécula do ADN constitua, no seu todo, uma espécie de código idêntico às letras de um alfabeto de quatro letras, as quais, unidas entre si, constituem o equivalente a uma palavra, a uma sequência de várias palavras e, a partir daí, às quase-frases, portadoras de informações, mensagens, instruções, redundâncias e também distorções, erros, anomalias ou patologias, agentes constituintes da natureza primária ou genético-hereditária do ser humano, gerandose, a partir de uma tal biodinâmica, a estrutura e a potencialidade de sua existência fenoménica e organizacional, graças aos potenciais informacionais, generativos e neguentrópicos, bem como aos efeitos de suas inter e retroacções, gerados, efectuados, permanentes e dinâmicos de tais potenciais existentes em cada ser humano. Tanto a quantidade como a qualidade de tais níveis de potencialidades dinamizarão e activarão o fenótipo individual e, a partir de tais níveis, acentuar-se-à, progressivamente, a diferenciação do potencial desenvolvimento biopsíquico e sócio-emocional de cada indivíduo, tanto em sua totalidade como em seu poder organizacional, informacional e regenerativo, e, cujos limites ou ilimitações se tornam impossíveis de definir, bem como impossível se torna delimitar as potencialidades do cérebro humano, sempre em contínuo desenvolvimento, em busca de novas orientações, reorganizações, conteúdos e saberes, graças às contínuas e permanentes orientações, intercâmbios, produções e reorganizações, informações e transformações efectuadas pelos biliões de unidades moleculares contidas numa minúscula célula e cuja acção e dinamismo activam ou inibem a vitalidade e originalidade, a comunicação ou a informação das células e, sequencialmente, a do organismo multicelular, com seus positivos ou negativos efeitos a nível de acção e de comportamento fenotípico. É que, a nível de factualidade, é nas células que a informação se encontra organizada e, a partir daí, comunica as suas mensagens, emite instruções, elabora acções e desenvolve competências, embora a concretização de suas funções e tarefas não seja possível sem a vitalidade própria dos agentes constituintes das células, as quais centralizam, hierarquizam e especificam potenciais, especializações, funções e tarefas de computação, de comando, de decisão, de controlo, de diversificação, de funcionalidade, de operacionalidade, de adaptação e de integração, e, cujos níveis ou graus de eficiência interdependem de múltiplas e hipercomplexas causalidades, como as da estrutura e dinâmica bioquímica, bioenergética, orgânica, ecossistémica, estimular, motivacional, social e cultural de cada indivíduo, características de cujas interdependências emergirá maior ou menor 132 fragilidade, actividade ou sub-actividades, desgastes, desperdícios, tensões, conflitos ou rigidezes comportamentais. No entanto, situando-se os gènes no interior das células, será sempre, em grande parte, verdade que a acção fenotípica de um indivíduo interdependerá da acção, vitalidade e generatividade dos gènes, os quais organizam, reorganizam, vitalizam e regeneram a vitalidade das células em suas dimensões bioquímicas, as quais, por sua vez, interferem e influenciam nas futuras actividade psíquicas e emocionais do indivíduo. Isto porque o potencial de manutenção, de renovação e de produção interdepende, na sua essência, da vitalidade e generatividade de seus gènes, das suas organizações ou desorganizações, das suas virtudes e dos seus defeitos, das suas harmonias ou desarmonias, das suas funções ou disfunções, das suas comunicações ou bloqueamentos, das suas evoluções e dos seus parasitismos, das suas mutações ou perversões, em função das quais transmitirão as suas informações e mensagens, e, estas nem sempre possuem o capital ou o potencial necessário à restruturação, reorganização ou revitalização de tais informações ou mensagens, o que faz com que as células permaneçam em actividades disfuncionais, anómalas, aberrantes e com variadas diferenças em relação às suas normais e equilibradas funcionalidades, fazendo, então, com que a genofenotipia do ser humano, quer a nível biológico, quer neurocerebral, não só se diferencie, acentuadamente, da maioria dos restantes indivíduos, mas, também, se encontre enormemente bloqueada ou distorcida em seus necessários e harmoniosos desenvolvimentos biopsíquicos, emocionais e sociais, tanto a nível de inter-relações com os humanos como com os ecossistemas, os habitates e os meios. E isto porque num sistema, de maneira particular no sistema humano, embora seja diferente da soma das suas partes, e, a sua vida emirja da vitalidade das suas partes, na totalidade de um tal sistema, existem cisões, divisões, distorções, rupturas ou conflitos, e, a parte observável do todo do sistema, não se deixa ver nem observar e, muitas vezes, nem sequer conceber. Por isso, no seio e dinâmica do sistema humano, os seus subsistemas genéticos, moleculares ou celulares podem conter anomalias, disfunções ou rupturas, produtoras de anomalias ou aberrações estruturais desencadeadas por factores ou agentes de natureza física, química, biológica, ambiental ou ecológica e cujos efeitos produzirão a curto, médio ou longos prazos, negativos efeitos não só para desenvolvimento harmonioso do indivíduo, mas, também, para sua própria espécie, originando-se, a partir de tais anomalias, aberrações cromossómicas e estruturais, genéticas, hereditárias ou congénitas, evidenciadas a partir da memória e da lógica do ADN, com futuros e negativos efeitos não só a nível de cogitações, mas, também, a nível de acções, de motricidade e de envolvências, visto as moléculas de ADN e ARN conterem em si potenciais de desenvolvimento biológico, psíquico, emocional, afectivo e social como sucede, por exemplo, com os efeitos de certas deficiências psíquicas, intelectuais ou mentais emanadas de certas disfunções ou aberrações genéticas ou cromossómicas como sucede no caso das trissomias, de doenças degenerativas ou de anomalias desencadeadas pela existência de gènes anómalos recessivos. Ora, sendo factor imprescindível, na reprodução biológica, minúsculos corpos em forma de bastonetes, que aparecem nas células eucarióticas, são eles que transportam os gènes ou os agentes hereditários para fabricação de proteínas no citoplasma das células, processo que faz com que os cromossomas sejam os portadores da mensagem genética, e, as substâncias químicas, que formam os 133 cromossomas, podem, durante o processo de divisão das células, ser mal, disfuncional ou anormalmente divididas pelas células filhas. Cada ser humano possui 46 cromossomas em cada célula oriundos 50% de cada progenitor, perfazendo-se, assim os 23 pares de cromassomas, com excepção apenas a nível das células germinativas ou sexuais que sofrem uma redução do número de cromossomas antes de se formar, e o espermatozóide e o óvulo humanos, tendo 23 cromossomas cada um no zigoto, resultante de uma tal união, aparecem os 46 cromossomas. Estas uniões, porém, nem sempre se efectuam de forma harmoniosa ou funcional, dando origem a cromossomopatias provocadas por alterações numéricas dos cromossomas, manifestadas pela existência de um número diferente de 46, e isto pode ser efectuado tanto por excesso como por defeito, por ruptura dos cromossomas como por intercâmbio mútuo de porções cromossómicas; tanto por perda de um seguimento cromossómico como pela formação de gámetas desprovidos de um cromossoma; por rupturas múltiplas ou por separação anormal, o que pode ocasionar abortos ou provocar malformações físicas, atrasos psíquicos, escasso desenvolvimento corporal durante o crescimento, deficiências neurológicas, malformações a nível de gonadas, a nível somático e visceral, estimando-se, hoje em dia, que cerca de um indivíduo em cada cento e cinquenta, tem uma anormalidade cromossómica, sendo as mais comuns ou conhecidas as do síndroma de Klinfelter, de Turner e as do síndroma da trissomia 13, 18 e 21, sendo uma elevada percentagem de anomalias cromossómicas provocada por ruptura ou lesões reparadas, de forma normal, a curto ou médio prazo, embora muitas de tais lesões se convertam em anomalias funcionais, aberrações cromossómicas ou disfuncionalidades comportamentais. Ora, sendo as trissomias uma das classes das cromossomopatias elas são consequência de uma defeituosa separação do material ( corpo ) genético no momento das primeiras divisões das células do zigoto ou no momento da meiose, resultando daí uma mutação do genoma, e em que, em alguns dos vinte e três pares cromossómicos, que constituem o cariótipo humano, se apresentam três cromossomas em vez de dois. Estas anomalias cromossómicas podem efectuar-se tanto nos pares de cromossomas somáticos como no par de cromossomas sexuais. A nível de trissomias de cromossomas sexuais evidencia-se o cromossoma do par sexual xxy, síndroma de Klinfelter; o cromossoma do par sexual xxx da supermulher e o cromossoma do par sexual xyy do super homem-antisocial e agressivo. A nível de tipologia de trissomias de cromossomas somáticos, são familiares, a nível de clínica genética, a trissomia 13 ou síndroma de Patau, a trissomia 18 ou síndroma de Edwards e a trissomia 21 síndroma de Down ou mongoloidismo. A trissomia 13, descoberta e descrita por Patau e seus colaboradores ( 1960 ) é, segundo eles, resultante da presença de um cromossoma acrocêntrico super-numerário pertencente ao grupo treze - quinze e resulta, geralmente, de mães com menos de trinta e cinco anos de idade, sendo a sua incidência de frequência de um para cinco mil recém-nascidos. As características clínico-morfológicas destes recém-nascidos e de seu futuro desenvolvimento intelectual são de acentuado atraso mental e de múltiplas malformações morfológicas mais acentuadas que no caso de outras trissomias, visto ser frequente, no caso de tais trissomias, a criança ser microcéfala, possuir lábio leporino, problemas de visão, angiomas na região frontal e nasal, defeitos cutâneos no crânio, fissura palatina, tronco deformado, polidatília de mãos e pés, cérebro 134 anormal, malformações do sistema nervoso, hipotonia, surdez, malformações urinárias e genitais, cardíacas e digestivas. No estudo da trissomia 13 evidencia-se um cariótipo com 47 cromossomas resultante de translocação, de associações ou de uma efectuação em mosaico. As estatísticas efectuadas em relação ao ciclo vital dos portadores da trissomia 13 dizem-nos que um tal ciclo é curto, ou seja, que 44% falece no primeiro mês de vida e dos restantes 66% antes dos seis meses e só uns 18% chegam a um ano de idade. Os poucos que sobrevivem manifestam profundo atraso mental, profundo atraso a nível do desenvolvimento e convulsões, e, em tais casos, a trissomia parece não ser completa. Esta trissomia apresenta certas afinidades com a trissomia 18 ou síndroma de Edwards, acerca da qual já foram descritas mais de cento e trinta anomalias em pacientes afectados de tal trissomia, sendo as principais, em seu exterior, implantação baixa das orelhas, crânio alargado em sentido antero-posterior, pescoço e externo curtos e extrema flexão dos dedos. A nível interior, uma tal trissomia apresenta, como seus efeitos, congénitas cardiopatias, malformações renais e, de uma forma geral, profunda debilidade mental, hipotrofia acentuada e hipertonicidade. A nível de órgãos genitais aparecem, muitas vezes, nos rapazes, escroto bífido e, nas raparigas, útero bífido. I - TRISSOMIA VINTE E UM OU MONGOLOIDISMO* 0 mongoloidismo, doença mental crónica, é resultado de uma aberração cromossómica disfuncional que provoca distrofia morfológica. É um estado de profundo atraso mental e compreende alterações que englobam a maior parte dos tecidos, desde as mais pequenas anomalias às malformações mais graves. A nível fisiológico o mongolóide é de pequena estatura, face redonda e achatada, de pálpebras estreitas e pestanas raras e mal colocadas. 0 nariz é achatado. As fossas nasais, muitas vezes, são de pequenas dimensões e, geralmente, obstruídas por hipertrofia. A boca é pequena, quase sempre entreaberta deixando sair a língua e a saliva. A língua é plena de fendas e a voz, geralmente, é rouca. *Mongoloidismo e não mongolismo devido à justa reacção de cientistas de raça mongólica. As mãos são pequenas, curtas, espessas e sem relevo. Os dedos são curtos, espessos e divergem. As marcas digitais e as linhas das mãos apresentam modificações características. A nível de visão o estrabismo interno, bilateral, é quase uma constante. Não raras vezes, na segunda infância, aparece uma catarata congénita. A nível de motricidade os mongolóides permanecem, de preferência, sentados, de pernas dobradas e debaixo deles, baloiçando ritmicamente o tronco. São apáticos e exteriorizam muito pouco as suas necessidades ou emoções de alegria, fome ou cólera. A nível psicológico apenas um reduzido número de mongolóides, que sobrevivem à primeira infância, são idiotas. No entanto, o desenvolvimento psicológico e mental da maioria dos casos permanecem situados nos vários graus de idiotice e debilidade. É difícil de encontrar-se um caso de idiotice completa. 135 Psicologicamente caracterizam-se pela sua apatia, falta de estímulos de motivação, lentidão e indiferença. 0 seu poder de memorização é rudimentar. A atenção é fragmentada, instável e não perseverante. 0 seu poder de aquisições de conhecimentos é reduzido. Por vezes alguns chegam a possuir um vocabulário bastante rico, embora estereotipado e a desenvolverem, razoavelmente, certas capacidades manuais e até a lerem, no melhor dos casos. A deficiência intelectual é uma constante. A existência de um caso que ultrapassa um Q.I. de 70 é uma excepção. 0 seu Q.I., regra geral, situa-se na média de 40-50 com tendência a diminuir com a idade, no caso de trissomias regulares. Nas trissomias 21 parciais e nas trissomias 21 regulares em mosaico os atrasos são, geralmente, ainda mais profundos. Regra geral os mongolóides são débeis mentais profundos, mas existem numerosos casos em que a debilidade é de grau médio. A nível afectivo os mongolóides são, regra geral, afectivos, prestáveis, dóceis e entusiasmam-se facilmente com os ritmos musicais. Em muitos casos existe uma grande facilidade de expressão e um grande desejo de revelar cultura. Estas características encobrem, pelo menos parcialmente, a sua debilidade real e fazem com que o seu perfil intelectual seja difícil de precisar pois este esbate-se em face das alterações do caracter e da afectividade, expressas sobretudo num excesso da afectividade e na acentuada docilidade, revelando, até mesmo através da mímica e dos gestos, o desejo de ajudar a executar qualquer actividade útil e a colaborarem nas actividades dos adultos, irmãos e colegas, tornando-se, assim, não só de fácil adaptação, mas, também, muito sociáveis e simpáticos, atraindo, por isso mesmo, especiais atenções por parte de certos educadores quando em escolas de Educação Especial. Existem outros casos ( e estes são ainda numerosos ) em que estes doentes manifestam perturbações de comportamento como: agressividade, destruição, instabilidade, desadaptação, negativismo, oposição, cólera e outras reacções violentas, não só em relação a outras crianças, mas, também, em relação aos adultos e aos objectos. Estas alterações comportamentais dificultam, ainda mais, a já difícil tarefa educativa. A frequência do mongoloidismo ou síndroma de Down oscila, segundo os autores, de 1 por 650 a 700 recém-nascidos ( Lejeune,1965 ). As estimativas de outros autores ( Henry Ey, P.Bernard e Ch. Brisset, 1970 ) falam de 1 por mil. A trissomia 21, matriz do mongoloidismo, apesar de, relativamente, pouco conhecida na sua etiologia é, até ao presente, a mais conhecida das anomalias cromossómicas originando, no indivíduo, cromossomas em excesso e características fisiológicas, psicológicas, afectivas e sociais específicas. Ao contrário de outras causas de debilidade psicológica e atrasos mentais, no mongoloidismo o factor genético é considerado como essencial. Causado por uma anomalia no número de cromossomas, a vítima é portadora de um cromossoma suplementar ,isto é, possui 47 em vez do número genético normal, 46. A fusão de 3 cromossomas no par 21, em vez de 2, forma a tão célebre trissomia 21. A análise das causas da génese do mongoloidismo foi e permanece, ainda hoje, sob muitos aspectos, uma questão controversa. Como possíveis causas invocam-se: as embriopatias tóxico-infecciosas, a rubéola, o álcool, a sífilis, o desequilíbrio endócrino, a defeituosa nidação do óvulo, os choques afectivoemocionais da mãe, etc.. Qualquer que seja a origem das causas, a verdade é que o mongoloidismo é uma aberração cromossómica estruturada, formada pela denominada trissomia 21 e cuja existência é devida ao facto de, ao formar-se, o óvulo ou o espermatozóide 136 ( gametogénese ), não se dar a separação de um par de cromossomas, ficando, nesse caso, uma célula germinativa com dois cromossomas desse par e outro sem nenhum. Quando a célula germinativa, que tem um cromossoma a mais, se une a uma célula germinativa normal, as células do novo ser terão 47 cromossomas. Esta não disjunção meiótica, durante a gametogénese, pode ou não relacionar-se com a translocação cromossómica já existente num dos progenitores. Quer isto dizer que, a par da transmissão feita pelos gènes presentes nos cromossomas dos núcleos ( dos gâmetas ), pode existir uma outra transmissão extracromossómica dependente de estruturas específicas existentes no citoplasma do ovo, a qual pode ser provocada por influências de condições ambientais, intensas modificações do meio, alterações violentas nas condições de vida etc., deduzindo-se o facto de progenitores, aparentemente normais, poderem procriar mongolóides. 0 mongoloidismo é genético mas não hereditário. Embora a etiologia do mongoloidismo seja um factor controverso, a análise clínica foi alertada pelo facto de a idade da maioria das mães dos mongolóides ser em média, 10 anos superior à idade das mães de crianças normais. Esta acentuação da não disjunção cromossómica, com a elevação da idade da mãe, poderia ser provocada pela desidratação, pela acção hormonal, ou, pela propensão às infecções genitais. As estimativas probabilistas do nascimento de crianças mongolóides, filhas de mães de 35 a 39 anos são de 4 por 1000; a partir dos 45 anos, 1 por 50;e de 1 por 2000 antes dos 30 anos. Um terço dos mongolóides são filhos de mães de idade superior a 40 anos, já, demasiadamente idosas para serem mães, e esgotadas. 0 prognóstico vital dos mongolóides é ainda hoje sombrio. Apesar dos progressos da medicina e da acção terapêutica dos antibióticos, a sua propensão fisiológica para a existência de complicações infecciosas, sobretudo pulmonares, como pneumonia, broncopneumonia e tuberculose é responsável da maioria da mortalidade dos mongolóides. A sua mortalidade é seis vezes mais elevada que a dos outros atrasados mentais e, hoje em dia, são numerosos os mongolóides adultos. 0 mongolóide é, no fundo, o mais educável de todos os idiotas, talvez pelo facto de ser também o mais sociável. A acção dos ácidos glutâmicos parece ser de efeitos muito reduzidos. A inibição da mono-amino-oxidase parece tratamento que deve ser vulgarizado. No entanto, a acção mais positiva para o seu desenvolvimento parece ser a pedagógica. Estimulá-lo em todas as actividades, desenvolver todas as suas potencialidades, colocá-lo num bom ambiente sócio-afectivo, inseri-lo socialmente, dar-lhe uma reeducação sensorio-motora e psicomotora, robustecer o seu “ Eu “ através de uma educação especializada, proporcionar-lhe uma terapêutica através de trabalhos manuais ( movimentos largos e finos ) e através de actividades lúdicas conduzidas e orientadas por objectivos de educação específica etc.; parecem ser a metodologia mais adequada para tratamento dos mongolóides, no intuito da conquista da sua autonomia e independência. 0 resumo da presente análise de 4 mongolóides é resultado de uma observação constante e sistemática bem como de uma intervenção terapêutica, realizada num “ Centro de Educação e Recuperação de Crianças Deficientes e Inadaptadas” durante 5 anos. Nome: F.E. ( I ) I- ANTECEDENTES PESSOAIS E FAMILIARES: Criança tirada com 137 ventosas / subalimentada / primeiro dente aos 8 meses / ataque epilético aos 11 meses / irmão com doenças mentais / mãe abortou 2 vezes / pai alcoólico / avô diabética / pais tuberculosos / pais primos em 1º grau / falecimento do pai (tinha a criança 8 anos) / mãe muito nervosa / rotura das águas: 1 dia antes do parto / criança não desejada / avô alcoólico / tia débil ligeira / mãe anémica durante a gravidez / pai nervoso. II- ANTECEDENTES DA CRIANÇA: Começou a falar aos 5 anos / o pai tinha 40 anos, a mãe 39 quando F.E. nasceu / gravidez normal / parto normal / apresentava cianose à nascença / começou a andar aos 4 anos / vê mal devido a acentuado estrabismo mas recusa-se a usar óculos./ Profissão do pai; guarda / profissão da mãe; doméstica. / Tem mais cinco irmãos. / Idades dos irmãos: 25, 23, 21, 19, 13 / Nasceu em casa sem parteira / Controla as urinas / É vigiada pelos médicos. / Alimentação: come de tudo, excepto fígado / Veste-se sozinha / Com as crianças e na sociedade comporta-se normalmente. A mãe teve dois abortos e uma criança que morreu ao nascer. III- DADOS DA ANAMNÉSE: Mãe ansiosa / Gravidez difícil / Problemas familiares durante a gravidez, choques emocionais, enjoos, emagrecimento / Rotura das águas provocada / Alimentação ao peito até aos 3 meses / Idade da mãe quando a criança nasceu: 38 anos / Idade do pai quando a criança nasceu: 40 anos / nasceu por acaso mas foi bem aceite / a gestação foi normal / A criança nasceu em casa com 9 meses. O parto não foi assistido pela parteira, pois quando esta chegou já a (F.E.) tinha nascido / Foi alimentada com leite até cerca de um ano e meio de idade. Mamava normalmente, e o desmame foi feito lentamente. Cerca dos 8 meses começou também a comer sopa ralada. / A partir dos dois anos passou a comer da mesma comida que os pais e os irmãos / Os pais desconhecem o seu tipo de sangue. / Só aos sete meses os pais tomaram conhecimento que ela sofria de graves problemas motores. / Começou a andar e, simultaneamente, a falar (por volta dos 4 anos). IV- DIAGNÓSTICO: a) Teste de lateralidade em (12-6-78): Martelar (E) / Afiar um lápis com afiador (E) / Escrever (E) / Apagar com borracha (E) / Atirar uma bola (E) / Acender um fósforo (E) / Escovar os sapatos (E) / Cortar papel com a tesoura (E) / Afiar um pau com uma faca (E) / Comer com a colher (E) / Distribuir folhas de papel (D) / Folhear um caderno (D) / Saltar para agarrar uma coisa alta (D) / Predominância ocular: óculo (E) / Buraco da fechadura (E) / Predominância do pé : dar um pontapé na bola (E) / Conclusão: criança esquerdina. b) Coordenação motora: fraca. Não tem controle nem precisão, tanto no arremesso como no agarrar. Por vezes foge quando se lhe lança a bola. / Coordenação dinâmica geral fraca. Não tem ritmo nem coordenação na corrida nem a saltar. Nos exercícios construídos não tem também ritmo e tem pouca coordenação tem dificuldades em correr para trás e para os lados. Utiliza pé e mão esquerda, embora ao saltar, para tentar agarrar qualquer, coisa, utilize a direita. 0 seu esquema corporal ainda não está definido. Não tem iniciativa na execução dos exercícios. / Compreende relativamente bem o que se lhe pede para fazer. Muito preguiçosa. Se não se exige ela senta-se e diz sempre que não quer. Gosta que lhe prestem atenção. c) 0bservação Psicológica (28-1-77) / Idade: 11,3 anos uma criança muito risonha, afectiva e colaborante, embora bastante instável. Em relação a sua idade mental (5,9 anos) tem boa expressão verbal (vocabulário ao nível dos 8 anos) embora pronunciando mal as palavras. / Note-se que só começou a falar aos 4/5 anos. Tem grandes dificuldades de expressão gráfica (nível dos 3 anos) escrevendo tanto com a mão direita como com esquerda. Nunca tinha frequentado a escola. d) Electroencefalograma. Os traçados obtidos com a criança acordada são 138 constituídos por uma actividade de base bastante lenta para a idade dum modo generalizado, embora com predomínio focal temporal direito onde, por vezes, toma um certo aspecto pontiagudo. Conclusão; Alterações que traduzem sofrimento cerebral generalizado com predomínio focal temporal direito, onde existem alguns elementos irritativos. e) Ficha pediátrica: higiene pessoal normal / Estado geral: normal / Visão cromática: normal / Estrabismo / Fossas nasais: normal / Formação: normal / Boca e dentes: carie / Tórax: normal / Aparelho respiratório: normal / Aparelho cárdiovascular: normal / Abdómen: normal / Órgãos genitais externos: normal / Sinais de puberdade / Sistema linfático normal / Membros: pé raso / Apreciação global: bom estado geral. Segundo a mãe: outras doenças. V- PSICÓDIAGNOSTICO: Criança muito subdesenvolvida a nível sensório-motor, psicológico e intelectual / Muito instável nas com possibilidades de uma certa equilibração. Muito carênciada afectivamente e com grande propensão para amor possessivo e absorvente. Atitudes e palavras estereotipadas. Possui um vocabulário bastante rico, se tivermos em conta o seu reduzido desenvolvimento pisco-motor e intelectual. Criança hiper-sensível e de actividade psíquica intensa ( a nível de psicotismo e narcisismo primitivo ). Instintos de destruição muito desenvolvidos. Dificuldades de visão handicap ao processo de educação sensóriomotor e psíquica. Dificuldades de compreensão e associação. Muito nervosa e agressiva. Excita-se facilmente. Tendência à depressão e com grandes crises de angústia ( tendência endógena à depressão ). Colaborante e sociável desde que tenha confiança nas pessoas. Vive presentemente ressentimentos contra pessoas da escola (15-10-77). CARIÓTIPO de F.E. : Cultura de linfócitos: cariótipo... 47,xx,+2 como é próprio do Síndroma de Down Cariótipo: No cariótipo humano normal existem 46 cromossomas:- 22 pares de cromossomas não sexuais ( autossomas ) e um par de cromossomas sexuais ou gonossomas ( XY no homem e XX na mulher ). Desde há alguns anos, graças ao estudo do cariótipo, tem-se feito o diagnóstico de algumas das afecções ainda durante a vida fetal, consistindo tal numa punção amniótica. Quando chegou: F.E. não sabia fazer nada, excepto brincar às mães. Agarrava em almofadas, que imaginava serem suas filhas, ralhava-lhes e batia-lhes. / Não sabia as côres, nem conseguia pintar dentro dos limites. / Não gostava de desenhar nem de fazer os trabalhos dizendo sempre que tinha preguiça e que estava cansada, mas se, por acaso, terminava alguma coisa queria logo ir mostrar a todas as pessoas. / Habituou-se de tal modo a isso que, por fim, já estava ansiosa por terminar os trabalhos só para andar fora da sala. / Não gostava de jogos (brincaprego, mosaico, legos, etc.) / Gostava muito de lavar roupa. Era muito limpa e arrumada. / Esta maneira de ser, já viria de casa, porque um dia a mãe disse que a F.E. chegava a casa e tirava a roupa que trazia, arrumava-a muito direita e punha outra mais usada. / Comia bem à mesa de faca e garfo. / Gostava muito de atenções sobre ela, tanto que sentia dificuldade em ir ter com as restantes crianças, pois queria a professora sempre junto dela. / Como vinha habituada a andar à vontade não queria estar dentro da sala muito tempo. Dizia muitas asneiras e mal acabava de as repetir perguntava se era pecado. / Não se entretinha sozinha. Era necessário uma pessoa por conta dela. / 139 Falava muito e gostava de cantar. / Não raras vezes, de repente e a meio da aula, começava a cantar alto. Momento actual: Presentemente é uma criança que já conhece as côres que tem a lateralidade relativamente definida e o próprio esquema corporal está melhor estruturado. / Já faz os seus trabalhos de sensorial e de escolaridade sem objecções e quando se manda fazer um desenho já o executa, embora só faça casas, pessoas e nuvens. Também já não diz tantas asneiras. Quando a execução dos trabalhos já não é necessário estar junto dela, porque já os faz sozinha. Aprendeu as vogais, as palavras pá, pé, pai e os algarismos até 20. Faz a junção de algumas vogais com as consoantes. Já gosta de jogos (principalmente brincaprego) e gosta muito de fazer malha (cordão, liga e tricot). / Continua a ser muito limpa e arrumada, chegando a zangar-se com os colegas se eles não deixam a sala no seu devido lugar. / Também se enerva muito menos mas, quando isso acontece, fala muito, pisca muito os olhos e até gagueja. Atingiu um óptimo nível de socialização, um bom desenvolvimento de compreensão e revela motivações em tudo o que faz. Nome: F.L. ( II ) I - ANTECEDENTES FAMILIARES: Na família do pai: um sobrinho atrasado mental. / Na família da mãe: um epiléptico (uma irmã da mãe) II- ANTECEDENTES PESSOAIS: Aos 3 meses de gestação: corrimento de parto / Nasceu com auxílio de ventosa e o parto foi difícil. / Coloração da pele roxa / Idade do pai e da mãe quando a criança nasceu 35 anos. / 0 pai desejou a criança na esperança de ser um rapaz / Grupo sanguíneo do pai: B. III- ANTECEDENTES DA CRIANÇA: Começou a falar aos 3 anos / Os primeiros dentes aos 3 anos / Parto difícil e com ventosa / Começou a andar aos 4 anos / Profissão do pai: ( pensão de invalidez ) / Profissão da mãe: comerciante. / Irmãos: 2 raparigas / Idades dos irmãos: 19 e 15 anos / Doenças dos pais: nada de grave. / É vigiada pelos médicos / Come de tudo / Não se veste sozinha / Controle dos esfíncter - 6/7 anos / Mal de Pott com 2,5 anos. IV- DADOS DA ANAMNÉSE: A mãe desejava um menino / Foi aconselhada aos 3 meses de gestação a usar cinta e a evitar esforços. Muito nervosa. / Entende-se bem com o marido. / A parteira pensou que a criança tinha possibilidades de nascer em casa mas, passado algumas horas, teve de ir para o hospital. I Permaneceu ai durante 3 semanas com a criança devido a uma flebite da mãe I Rotura das águas: na altura do parto I Alimentação ao peito nos 2 primeiros meses I Ao meio ano; caldos de carne, legumes passados tosta em água fervida, farinhas lácteas etc. I Dos 3 aos 6 anos esteve hospitalizada, com esticadores porque tinha 3 elos inter-vertebrais destruídos. I Começou a andar aos 4 anos. Boa harmonia entre o casal. V- DIAGNÓSTICO: a) Teste de lateralidade em (19-6-78): Martelar: (D) Afiar um lápis com afiador: (D) / Escrever: (D) / Apagar com a borracha: (D) I Atirar uma bola: (D) I Acender um fósforo: (D) I Escovar os sapatos: (D) I Cortar papel com a tesoura: (D) I Afiar um pau com uma faca: (D) I Comer com a colher: (E) I Distribuir folhas de papel: (D) I Folhear um caderno: (D) / saltar para agarrar uma coisa alta: (D) Predominância ocular: Óculo (E) Buraco da fechadura (E) / Predominância do pé: dar um pontapé na bola (D). b) Coordenação motora: Não possui lateralidade. Não tem noções nem de cores, nem de dimensões, nem de formas. Orientação e noção de tempo: deficiente. Tem dominância da mão direita. Coordenação óculo-manual: normal. Encontra-se na fase do rabisco sem lhe atribuir significado. 140 c) Observação psicológica em (28-1-77): idade 7,1 anos. Criança mongolóide, com dificuldades psicomotoras, grande atraso de linguagem. É muito difícil de se perceber o que diz. Estabelece bom contacto e obedece a ordens simples. Desenha apenas garatujas. Conclusão: Criança que se situa ao nível dos dois anos, tendo certas, possibilidades de aprendizagem apenas numa classe sensorial. Cariótipo:Resultado: Cultura de linfócitos: Cariótipo ... 47,xx,+21 I Como é próprio do Síndroma de Down. d) Ficha pediátrica (segundo, o médico) : Estado geral: regular / Visão cromática: não conhece nenhuma côr I Estrabismo: ligeiro I Ouvidos: normal / Fossas nasais: normal I Boca e dentes: normal I Tórax: normal I Aparelho respiratório: normal I Aparelho cardio-vascular: normal Abdómen : normal I espinha bífida I Teve mal de Pott aos 2 anos e meio. I Membros: caminha com muito desequilíbrio. No final do ano lectivo 77 / 78 o seu desenvolvimento era: 1- Desenvolvimento físico: grandes problemas motores e de saúde, em geral débil; é cardíaca. 2-Desenvolvimento psico-motor: muitas dificuldades e sem percepção espaço-temporal. 3-Desenvolvimento intelectual: Possui, embora limitada capacidade de compreensão e assimilação de experiências; algum poder de concentração. 4-Desenvolvimento afectivo-social: Muito afectiva, mas, por vezes muito agressiva. 5-Em relação aos trabalhos escolares: Para que execute algo estimulada tem que ser muito estimulada. QUANDO CHEGOU: Tratava-se de uma criança dependente, com, problemas múltiplos e de ordem varia, não só intelectuais, mas, também, sensoriais: de voz, palavra e linguagem: físicos e psico-motores. Os sons eram incompreensíveis. Não possuía hábitos de higiene. Não se vestia nem comia sozinha. Estava sempre com a língua de fora, babava-se, não subia nem descia as escadas sozinha, equilibrava-se mal e não obedecia às ordens mais elementares. Era muito instável, passando de estados de letargia para os de agressividade. Derrubava cadeiras, mesas, etc. e batia em todas as outras crianças. MOMENTO ACTUAL: 15-6-80 / Melhorou a articulação e já estrutura frases. Move-se sozinha, corre, sobe e desce as escadas sem ajuda. Aceita e é bem aceite pelo grupo. Veste-se e come sozinha / É independente na casa de banho. Permanece na fase, da garatuja. Adquiriu conhecimento do corpo e espaço. Constrói e modifica. Presentemente distingue os lados do corpo, embora ignore o que seja direito ou esquerdo, participa nos jogos e estabelece relações com colegas e adultos. Nome: J.J. ( III ) I-ANTECEDENTES FAMILIARES: Não tem familiares com doenças nervosas. No entanto o avô da criança era alcoólico. Além disso tem familiares tuberculosos. II- ANTECEDENTES PESSOAIS E FAMILIARES: Algumas dificuldades nos primeiros meses de gestação. Quando J.J. nasceu o pai tinha 56 anos e a mãe 41. / 141 Nasceu com icterícia e com os intestinos muito elevados / a cabeça trazia um arranhão e uma saliência que a mãe supõe ter sido as enfermeiras que o deixaram cair / pesava 2,800 Kg / tinha dificuldades na respiração / a mãe ficou 8 dias no hospital e o J.J. duas semanas / tomou biberão até aos 8 meses era muito preso dos intestinos e tomava muitos supositórios. A partir dos 6 meses deu-lhe leite com Maizena, Cerelac e sumos de frutos / Só começou a comer sopa aos 2 anos / Iniciou a marcha aos 5 anos, depois de ter feito tratamento a base de massagens. Primeiras palavras: depois dos dois anos / Sofre de enurese nocturna. Teve uma pneumonia e duas enterites. III- DADOS DA ANAMNÉSE: A mãe não teve mais nenhuma gravidez I Teve assistência medica só nos últimos meses I Não fez exames de laboratório I Durante a gravidez, sentiu-se nervosa devido a problemas com o pai de J.J. I Não é casada com o pai de J.J. e este tem outros filhos todos perfeitos I Nasceu no hospital I Parto espontâneo, mas difícil I Rotura da bolsa das águas 7 horas antes do parto I Juntamente com a água veio sangue / 0 pai de J.J. é diabético. IV- DIAGNÓSTICO: a) Teste de lateralidade em 29-6-78: Martelar: (D) / Afiar um lápis com afiador: (D) / Escrever: (D) I Apagar com a borracha: (E) I Atirar uma bola: (D) I Acender um fósforo: (D) I Escovar os sapatos: (D) I Cortar papel com a tesoura: (D) I Afiar um pau com uma faca: (D) I Comer com a colher: (D) I Folhear um caderno: (D) I Saltar para agarrar uma coisa alta: (D). Predominância ocular: óculo (E) I Buraco da fechadura (E). b) Coordenação motora: Esquema corporal: fraco I Não consegue concentrar-se no trabalho por muito tempo / Imita muito por gestos. Gosta muito de usar uma vassoura para varrer. Brinca com “legos” sem construir nada. Só faz garatujas. Começou a interessar-se pelo recorte, mas tem, certas dificuldades I Grandes problemas de lateralização. c) Observação psicológica: Apenas, imita sons sem distinção verbal I Sem o mínimo sintoma de raciocínio intelectual I Apenas existem traços de comportamento operatório (via reflexos) I Embora ouça não foi possível realizar com ele prova de espécie alguma (psicológica) Comportamento: muito nervoso I Grandes problemas e dificuldades a nível sensório-motor, bem como problemas de lateralização. d) Cariótipo (13-2-79); Resultado: Cultura de linfócitos: cariótipo... 47, xy,+21 Resultado dos exames radiográficos (6-12-78): As imagens de face e de perfil do crânio não mostram sinais radiográficos de valor significativo. e) Ficha pediátrica: Higiene pessoal: Boa I Estrabismo I Audição: normal / Fossas nasais: tapadas I Orofaringe-amigdalites I Fonação: deficiente / Boca e dentes: mau estado I Tórax: normal I Aparelho respiratório: normal I Aparelho cardiovascular: normal / Abdómen normal I Coluna vertebral: normal I Apreciação global: razoável. V - MOMENTO ACTUAL (15-6-79). Evoluiu um pouco no aspecto intelectual. No início do ano não se interessava por nenhuma actividade. Entretinha-se com jogos, mas não os concretizava. No aspecto higiénico era muito limpo. Retrocedeu pois passava a ir aos pratos buscar a comida com as mãos. É muito sociável especialmente com os adultos. Começa a ter noção de espaço e de tempo. Começou a interessar-se pelo recorte mas não tem destreza manual, nem coordenação de gestos. Alargou o seu vocabulário, integra-se, nos grupos de trabalho sensorio-motor, participa nos recreios gosta, imenso da música. 142 Nome: P.J. ( IV ) I- ANTECEDENTES FAMILIARES: Pai alcoólico. Mãe nervosa e inválida da coluna. A mãe sofre da cabeça e de colite. II- ANTECEDENTES PESSOAIS: Quando nasceu o pai tinha 37 anos e a mãe 35. Os irmãos do marido morreram tuberculosos I Pais com bronquite I 0 pai da mãe era alcoólico I A mãe é muito doente da coluna, bexiga. / É muito nervosa e sofre da cabeça I Desejava a vinda do filho / Já tinha abortado com 5 meses. III- ANTECEDENTES DA CRIANÇA: Começou a falar com 3 anos de idade I Roxo à nascença / Começou a andar com 15 meses I Profissão do pai: pescador I profissão da mãe: ( inválida ) I Irmãos: 3 rapazes e uma rapariga, um com 22, 21 e 19 ; a rapariga com 16. Alimentação: come de tudo. Não gosta de leite. Gosta muito de pão e come muito I Come por sua mão I Veste-se sozinho mas, as vezes, veste mais que uma camisola I Teve sarampo I Deita-se tarde porque gosta de ver a televisão e ver cenas de tiros I Obedece muito a um irmão que tem 19 anos. IV- DADOS DA ANAMNÉSE: Durante a gravidez deste filho, a mãe tornou medicamentos receitados pela médica ( injecções, cápsulas, etc.) I Teve assistência médica I Teve o filho na Maternidade do Bairro I Era nervosa e desmaiava muito I Tinha arrelias com o marido I Rotura das águas 2 dias antes do parto I Nasceu roxo e não abria os olhos I Mamou ao peito até aos 5 meses I Começou a comer sopas com um ano de idade I A criança sofre de bronquite e tem sopro no coração I Iniciou a marcha aos 15 meses. Iniciou a linguagem cerca dos 3 anos de idade I Sofre de enuróse nocturna I É criança bem aceite pelos irmãos (que o adoram) I Gosta de brincar com amigos, mas estes « judiam-no ». V- AMBIENTE SÓCIO-CULTURAL E ECONÓMICO: Profissão do pai: pescador I Profissão da mãe: inválida / Nº de filhos: 4. A casa tem 3 quartos 2 salas, 1 cozinha e 1 quarto de banho I Na casa habitam 6 pessoas. VI- PSICODIAGNÓTICO: Subdesenvolvimento e atrofiamento a todos os níveis: nível de compreensão, lateralização, raciocínio e linguagem I Nível sensoriomotor: muito baixo. a) Teste de lateralidade: Martelar: (D) I Afiar um lápis com afiador: (D) I Escrever: (D) / Apagar coma borracha: (D) I Atirar uma bola: (D) I Acender um fósforo: (D) I Escovar os sapatos. (D) / Cortar papel com a tesoura: (D) I Afiar um pau com uma faca:(D) I Comer com a colher: (D) I Distribuir folhas de papel: (D) I Folhear um caderno: (D) I Saltar para agarrar uma coisa alta: (D). Predominância ocular: óculo; (D) I Buraco da fechadura: (D) I Dar um pontapé na bola: (D) I Pé que chuta mais alto: (D). b) Coordenação motora: Tem fraca aquisição de esquema corporal. Quanto à aquisição do esquema espacial e temporal este é negativo I Tem dificuldades no recorte. c) Observação psicológica (28-1-77) / idade, 6,1 / Comportamento: Criança muito expressiva, revelando um bom contacto afectivo, vivo e interessado. Algo instável. Desenho a nível de garatuja. Obedece a ordens simples I Enfiada de contas a nível dos 3 anos I Compreende os objectos pelo uso. d) Cariótipo: em 7-2-79 Resultado: Cultura de linfócitos: Cariótipo... 47, xy,+21. Resultado dos exames radiográficos em 6-12-78: Não se observam alterações esqueléticas ao nível da calote craniana. / Sela turca de aspecto normal. e) Ficha pediátrica: Sarampo / Higiene pessoal: razoável I Estado geral: 143 razoável / Visão cromática: não conhece as côres I Audição. normal I Fossas nasais: dificuldade na respiração I Orofaringe: normal I Fonação: voz, viciada I Boca e dentes: carie I Tórax: normal I Aparelho respiratório: normal I Aparelho cardiovascular: sopro I Abdómen: normal I Órgãos genitais externos: normal I Coluna vertebral: normal I Membros: Normais I Apreciação global: boa. VII- MOMENTO ACTUAL (15-7-79): Esquema corporal bem lateralizado. Noção do espaço e do tempo. Interessa-se por todas as actividades. Melhorou bastante a sua linguagem. Consegue distinguir as crianças super-protegidas. Articula mal mas faz-se compreender. Toma iniciativas e participa em todos os jogos e actividades de uma classe sensorial. Gosta dos trabalhos manuais. Tem bom ouvido musical e memoriza facilmente as canções. *** No início da nossa intervenção psicopedagógica contentamo-nos com integrar as crianças, individualmente, em grupos de terapia, ou seja, com crianças reveladores de outras anomalias: autistas, paralisias parciais, atrasos psicológicos por subnutrição, subdesenvolvimento por bloqueamentos ou carências afectivas, crianças agressivas, destruidoras, apáticas etc.. Dentro de algumas semanas demonos conta de que, se uma tal metodologia era positiva para algumas, para outras, no entanto, revelava-se extremamente inútil. Os mongolóides não reagiram a quase nenhuma espécie de estímulo. Esta metodologia, "esteriotipada", revelou-se ineficaz, senão contraproducente. Os educandos, além de não co-participarem nas sessões, sentiam-se marginalizados. Era necessário uma metodologia adequada a cada uma destas crianças; uma metodologia específica para cada criança e que tivesse em conta as suas deficiências, carências e grau de desenvolvimento. Uma tinha mais necessidade de obtenção de equilíbrio físico; uma outra de desenvolvimento do seu nível de compreensão; uma terceira de desenvolvimento do seu potencial de relação e uma quarta com necessidade de exploração progressiva de todas as funções do seu corpo. Da observação sucessiva e análise constante depreendeu-se a existência de múltiplo fenómeno de progressão-regressão As teorias gerais da Psicologia Clínica revelaram-se insuficientes. Manifestou-se, de urgência imediata, a necessidade de uma intervenção terapêutica individualizada que desse ao educando consciência do seu próprio corpo. A introdução da técnica terapêutica "A Consciência pelo Movimento" passou, mutatis mutandis, a ser um denominador comum. A interiorização do esquema corporal, o sentido do espaço e da duração apareceram progressivamente e transformaram-se em força centrípeta de novas aquisições; a apatia foi parcialmente eliminada; a melancolia de alguns deixou de ser tão acentuada; certas atitudes depressivas, devido a percepção interior do próprio corpo, desapareceram; a elasticidade muscular desenvolveu-se e um maior poder de aquisição de conhecimento manuais, de vocabulário e relacionais apareceu incontestado. A interacção: Corpo-Cérebro apareceu como uma realidade evidente, embora a sua estrutura e funcionamento não o apareça tanto. 0 ser humano é uma unidade funcional. A descoberta das complexas interdependências do corpo-cérebro é uma nova maneira de viver e de repensar o Homem. Traumatismos, lesões ou choques provocam funcionamento assimétrico dos hemisférios cerebrais. A recuperação, no início fragmentária e em seguida harmoniosa, apareceu 144 como um dado obtido. Nem na segunda fase a progressão aumentou. Paciência, Confiança, Constância e persistência foram as atitudes fundamentais de uma tal intervenção psicoterapêutica. As atitudes relacionais não agitaram menos o desenvolvimento dos educandos que as intervenções técnicas. A imobilidade funcional tornou-se sensível. As técnicas tradicionais de recuperação tinham-se esgotado e as intervenções circunstanciadas passaram a ser regidas por certas intuições terapêuticas. As acções pedagógicas, terapêuticas e psicológicas realizadas podem resumir-se em: a) Exercício de motricidade e preparação manual; orientação no espaço; aquisição e aperfeiçoamento de vocabulário; exercícios de audição, visão e de observação. b) Estimulação sensorial e perceptivo-motor generalizada. c) Aquisição de conhecimentos de lateralização, sensorial, motor, espacial, temporal e conhecimentos de côres. d)Exercícios de desenvolvimento psicomotor: de lateralização de esquema corporal, de coordenação visual-motora e de organização espaço-temporal. e) Exercícios de apreensão, locomoção e estimulação. f) Exercícios de picagem, recorte e colagem. g) Educação ao silêncio como meio de consciencialização e interiorização do esquema corporal. h) Exercícios de apreensão de formas. i) Despertar o desejo de curiosidade e novos centros de interesse. j) Actividade grupais como meio de estimulação sensorial, cognitiva e perceptivo-motora. l) Intervenção da criança na descoberta, conhecimento e construção do meio físico e social. m) Exercícios de feed-back ambiencial. n) Ajudar a criança a adquirir um equilíbrio afectivo. o) Técnicas para o desenvolvimento dos centros próprioceptivos. p) Exercícios de desenvolvimento e aperfeiçoamento da voz, da palavra e da linguagem. q) Exercícios de relaxamento (treino autógeno). r) Intensificação da actividade psíquica através da retenção de lusitórias adequadas ao seu desenvolvimento intelectual. s) Psicoterapia grupal com o intuito de alcançarem mais segurança e confiança em si próprios. t) Logoterapia, musicoterapia, ludoterapia e actividades lúdicas organizadas. A intensificação do conjunto das técnicas e actividades lúdicas continuaram. Os seus resultados globais foram avaliados através da seguinte escala. ESCALA DE AVALIAÇÃO 1- MOTRICIDADE A – DOMÍNIO MOTOR Rítmo físico........................................................................................... Equilíbrio............................................................................................... 145 Coordenação Óculo-manual............................................................... Movimentos amplos............................................................................. Movimentos finos................................................................................. Coordenação motora........................................................................... Coordenação visual............................................................................. B – DOMÍNIO PSICOMOTOR Esquema corporal................................................................................ Lateralidade.......................................................................................... Organização espaço-temporal............................................................. Expressão corporal............................................................................... Capacidade de utilização do material................................................... 2 - DOMÍNIO AFECTIVO Relação aluno / aluno............................................................................ Relação aluno / professor: - Instabilidade........................................................................................ - Insegurança......................................................................................... - Dependência........................................................................................ - Agressividade...................................................................................... - Turbulência.......................................................................................... - Apatia................................................................................................... - Autonomia............................................................................................. 3 – DOMÍNIO MOTIVACIONAL EM RELAÇÃO AOS TRABALHOS ESCOLARES Participação na aula............................................................................... Trabalho individual.................................................................................. Participação no trabalho de grupo.......................................................... Capacidade de aprendizagem................................................................ Aquisição de conhecimentos................................................................... Concentração.......................................................................................... Reacção a situações novas.................................................................... EM RELAÇÃO À VIDA QUOTIDIANA Pontualidade........................................................................................... Disciplina................................................................................................. Ordem...................................................................................................... Habilidade................................................................................................ Colaboração............................................................................................ Dispersão................................................................................................ Higiene.................................................................................................... 146 4 – DOMÍNIO PSICOLÓGICO Nível de compreensão............................................................................ Nível de aquisição.................................................................................. Nível de aplicação.................................................................................. Nível de atenção..................................................................................... Exemplificação........................................................................................ Distinção................................................................................................. Identificação............................................................................................ Reprodução............................................................................................. Explicação............................................................................................... 5 – DOMÍNIO VERBAL Nível de compreensão............................................................................ Nível de expressão................................................................................. Nível de articulação das palavras........................................................... Nível de estruturação das frases............................................................ Riqueza de vocabulário.......................................................................... Aquisição de vocabulário........................................................................ Nível criativo global................................................................................. Criatividade de ideias.............................................................................. Originalidade........................................................................................... Leitura..................................................................................................... Escrita...................................................................................................... 6 – DOMÍNIO INTELECTUAL Capacidade de compreensão................................................................ Capacidade de assimilação.................................................................... Capacidade de resolução de situações novas....................................... Capacidade de adaptação a situações novas....................................... Capacidade de atenção......................................................................... Capacidade de raciocínio...................................................................... Capacidade de memorização................................................................ Capacidade de realização de operações concretas.............................. Capacidade de realização de operações formais.................................. 7 – DOMÍNIO SOCIAL A – ATITUDES INDIVIDUAIS Timidez................................................................................................... Inibição................................................................................................... Isolamento............................................................................................... 147 Oposição................................................................................................. Passividade.............................................................................................. Autonomia................................................................................................ Simulação................................................................................................ Individualismo.......................................................................................... Mentira..................................................................................................... Fuga......................................................................................................... Furto......................................................................................................... B – ATITUDES GERAIS Aceitação dos colegas............................................................................. Rejeição dos colegas............................................................................... Liderança.................................................................................................. Submissão................................................................................................ Observações Gerais e Específicas II – DISFUNÇÕES NOS PROCESSOS NEUROCEREBRAIS Apesar das anteriores mutações, erros e malformações genéticas, as células não conseguem corrigir, orientar em determinadas direcções, modificar a arquitectura esboçada pelo código genético ou transformar a estrutura de seu sistema numa de qualidade muito diferente, apesar das dinâmicas das células produzirem diferentes tipos de mensagens, traduzirem apenas alguns fragmentos dos gènes e executarem apenas algumas instruções dos cromossomas. No caso dos acentuados erros genéticos, malformações cromossómicas, deteriorizações celulares ou acentuadas lesões neurocerebrais o potencial modificador da acção ou das acções estimuladoras ou modificadoras do meio permanecem de valor relativo, embora de capital e necessária importância e necessidade, não só para desenvolvimento das dimensões positivas do indivíduo, mas, também, para desabrochamento da totalidade do seu potencial desenvolvimento, equilíbrio e harmonia. Isto porque é função das células adaptar o indivíduo aos mais variados meios, preservar o seu estado de equilíbrio e coordenar as suas actividades com as células vizinhas, orientando, instruindo e coordenando os órgãos no cumprimento e execução das suas funções, as quais encontram-se subordinadas à lógica e dinâmica do organismo, à sua potencialidade, individualidade e finalidade. É que, se por um lado, o programa do código genético de um indivíduo prescreve-lhe as divisões celulares e impõe-lhe um limite, por outro lado, é através da intervenção de receptores específicos existentes na superfície das células que estas recebem sinais, estímulos, vibrações e comunicações que, por sua vez, activam ou desactivam, harmonizam ou desarmonizam, ordenam ou anarquizam a vida das moléculas e das células. É que, como afirmou François Jacob ( 1970 ): « quer a lesão principie no núcleo ou no citoplasma, quer seja consequência de uma mutação somática, da presença de um vírus ou da alteração de um circuito, tudo que impede a recepção de um sinal pode subtrair uma célula à lei da comunidade ». De todo esse vasto e complexo conjunto de lesões, alterações, malformações ou mutações possíveis de existência na natureza e dinâmica biocelular de um ser humano elas merecem cuidada análise não só a partir da sua própria existência embrionária mas até muito antes de uma tal existência através da saúde de seus possíveis progenitores. 148 É que muitas das malformações humanas são geradas nos tecidos do embrião e do feto humano através de infecções como sucede, por exemplo, com os efeitos fetais do síndroma da rubéola e cujos efeitos sobre o desenvolvimento do feto, persistindo no desenvolvimento e acção do indivíduo, podem ser não só de natureza fisiológica, mas, também, psíquica e mental. Isto porque a nível de efeitos das embriopatias rubeólicas tem-se encontrado cataratas, malformações oculares, lesão da íris; surdez, malformações auditivas e malformações cardíacas a nível fisiológico. A nível neurocerebral, agnosias no corpo caloso, anencefalias, hidrocefalias, lesões do sistema nervoso e malformações neurológicas que podem ser causa de deficiências mentais e que vão da simples debilidade à oligofrenia ou provocar movimentos atetósicos, páraplegia espamódica, comicialidade, etc. . Face a certo tipo de lesões, malformações e patologias, a força e vitalidade das células é incapaz de modificar as condicionantes dos gènes tanto a nível do aparelho locomotor como dos órgãos dos sentidos ou do sistema nervoso, visto os gènes da estrutura do indivíduo não só produzirem, mas, também, expandirem os seus efeitos sobre os estímulos nervosos ou simplesmente não propagarem estímulos alguns dos órgãos no cérebro ou no comportamento do indivíduo em geral. Muitos dos comportamentos anteriores são, não raras vezes, efeitos de infecções do sistema nervoso central como sucede, por exemplo, com os efeitos das encefalites e das meningites. Ora, sendo os prognósticos das encefalites imprevisíveis, todos os níveis intermediários são possíveis, isto é, níveis entre cura sem sequelas e uma lesão grave das funções cerebrais ou mesmo a própria morte. A encefalite é uma inflamação difusa do cérebro que ocorre muitas vezes em crianças submetidas a tratamentos que diminuem as defesas contra a infecção e seus efeitos são febre, convulsões, paralisias, perturbações da consciência, coma mais ou menos profundo, etc., e cujos efeitos podem ser fatais para a manutenção das funções vitais do indivíduo. A real e verdadeira terapêutica das encefalites permanece, infelizmente, ainda hoje, por descobrir. Bastante diferente do quadro e prognóstico das encefalites aparecem-nos as meningites as quais, sendo lesões inflamatórias dos invólucros do cérebro, isto é, das meninges, embora o seu diagnóstico seja ainda muito delicado, a existência dos antibióticos têm mitigado o aparecimento de seus dramáticos efeitos, os quais são, de uma forma geral, défices sensoriais, atrasos psicomotores, hidrocefalias, lesões neurológicas ocasionadas, a maioria das vezes, em crianças de peito e recémnascidos, visto em crianças mais crescidas, adolescentes ou adultos o diagnóstico ser mais fácil de efectuar devido à fácil constatação dos seus sintomas como sejam, dôres de cabeça, vómitos, rigidez dolorosa na nuca e tudo acompanhado de febre. Quando diagnosticadas a tempo e horas é possível o seu tratamento total. Apesar disso, no entanto, muitos dos défices a nível de activação e vitalidade neurocerebral podem ser desencadeados por distúrbios, perturbações ou deficiências a nível dos órgãos dos sentidos nos quais se encontram inúmeros tipos de receptores sensitivos nomeadamente na pele em geral, no tacto, na visão, na audição, no olfacto e no paladar, e cujas lesões, perdas, disfunções ou deteriorações podem ser efectuadas por acidentes do exterior ou por consequências de traumatismos cranianos, visto lesões dos nervos cranianos correspondentes às áreas em que um sentido se encontra dependente afectará automaticamente o bom funcionamento do mesmo, gerará falta de sensibilidade ou mesmo inutilização do sentido. 149 E a integridade dos órgãos dos sentidos é de capital e de integradora importância para a interactividade e dinamização dos potenciais neurocerebrais. Isto porque os sentidos são receptores das possíveis comunicações dos meios e ambientes do exterior ao indivíduo, as quais, interrelacionadas com órgãos de sensibilidades passam através dos nervos para a espinhal medula, daí para o tálamo e, de seguida, para o córtex sensorial onde as sensações são conciliadas e, seguidamente, interpretadas pela acção do próprio córtex cerebral, o qual, por sua vez, reenvia suas leituras e interpretações, ordens e instruções aos sentidos, membros e órgãos para sua execução, quer esta seja interior ou exterior, individual ou social, emocional ou afectiva, mental ou intelectual ou na sua mais conatural forma de hipercomplexidade inter e retroactiva propulsora de novos estímulos e motivações, sensações e mudanças. Os potenciais destes conjuntos de novos estímulos e sensibilidades, motivações e envolvências em processos de desenvolvimentos, de novas aquisições e aprendizagens interdependerão, no entanto, não da pertença a esta ou aquela raça humana mas sim do desenvolvimento equilibrado e estimulador do cérebro, de suas integradas e restruturadoras conexões com os sentidos e órgãos dos sentidos, do seu nível de maturação neurocerebral, das adesões e envolvências desta nos meios, dos estímulos escolares, motivações socioprofissionais dos meios, nível de expectativas dos indivíduos e do auto-conceito individual bem como das estruturas e dinâmicas socioeducativas dos sistemas educacionais as quais podem ser umas mais compensatórias e humanas, flexivas e maleáveis que outras, características essenciais, apesar de outras, à elevação e desenvolvimento do quociente intelectual dos indivíduos bem como ao seu potencial de socialização e integração. Isto porque o desenvolvimento das capacidades superiores do ser humano efectua-se por níveis, e, um déficit numa capacidade inferior implica défices em suas capacidades superiores, embora os desenvolvimentos das capacidades inferiores exijam menos informação que o desenvolvimento das capacidades superiores, e isto apesar das capacidades inferiores serem geradoras de informação, reforço e estímulo ao desenvolvimento das capacidades superiores. Daí a intrínseca necessidade de um harmonioso e estimulado desenvolvimento da ontogénese em sentido biopsicológico, isto é, do organismo do ser humano desde a sua embriogénese até à morte pois a estrutura e dinâmica genofenotípica, em função de seus estímulos, atitudes e reacções gera suas diversidades de adaptação, socialização e integração, cria e desenvolve potenciais de desenvolvimento e de diferenças individuais, tanto a nível de inter-relações como de interpessoalidade, tanto de eficiência como de rentabilidade, emanando de tais factos a afirmação de que uma das maiores injustiças humanas é a de convencer os homens que nasceram todos iguais. Esta complexa origem das diferenças iniciais dos indivíduos resulta não só de sua estrutura genotípica mas também, e, sobretudo dos caracteres fenotípicos de cada um, das diferenças dos meios, das condições de vida, dos condicionalismos ambientais, bem como da concretização e expansão da força e vitalidade psicoemocionais de cada um. Um tal conjunto de constatações torna-se verificável quando se analisam indivíduos com iguais ou idênticas lesões cerebrais e cujos efeitos comportamentais, relacionais e interpessoais são diferentes. Apesar disso, no entanto, estudos de cartografia cerebral revelam, não raras vezes, a existência de disfunções cerebrais sem observáveis lesões neurocerebrais. Estes estudos, no entanto, mais a nível de áreas globais do cérebro que a nível de campos ou lugares específicos não contemplam as experiências, culturas e meios 150 dos indivíduos nem as dimensões, reais ou potenciais, da sua corporeidade, motricidade, emotividade, afectividade, cognição ou intelectualidade, dimensões que arquitectam, estruturam, organizam ou desorganizam, estimulam ou inibem os enormes potenciais de auto-plasticidade, flexibilidade e maleabilidade do cérebro do indivíduo. E isto apesar dos enormes e inigualáveis progressos no âmbito da tecnologia cerebral como sejam, por exemplo, a tomografia axial computadorizada ( TAC ), a técnica da imagem por ressonância magnética ( IRM ) e a tomografia por emissão de positrões ( TEP ). Um dos objectivos essenciais de tais técnicas é a obtenção de imagens promenorizadas do cérebro humano vivo, localizando ou identificando a maioria dos tipos de lesões cerebrais existentes num paciente, as quais podem ser e são, na maioria dos casos, causas essenciais de certos tipos de disfunções cerebrais, de dificuldades na aprendizagem e de alterações ou perturbações comportamentais as quais podem ser tanto de natureza inata como adquirida. Ora, tendo o termo disfunção sido aplicado de um modo geral em relação às funções cerebrais para designar a existência de um certo tipo de distúrbios ou perturbações na aprendizagem, apresenta-se, mais do que óbvio, hoje em dia, que muitas de tais perturbações ou dificuldades podem ser causadas por razões de natureza emocional, afectiva, social, ambiental e cultural e não por anormalidades neurológicas, apesar de tais distúrbios, perturbações e dificuldades apresentarem-se como obstáculos ou barreiras aos potenciais desenvolvimentos cognitivos e intelectuais de uma criança, jovem ou adulto desde que não sejam tratados em seu devido tempo, com os meios e terapias adequados e eficientes, visto o desinteresse ou abandono de tais situações fazer com que os indivíduos permaneçam bloqueados, distorcidos ou subdesenvolvidos a nível de suas potenciais funções corticais e subcorticais, límbicas, talámicas ou hipotalámicas. No entanto, apresentando-se as disfunções cognitivas, relacionais e comportamentais com as mais diversificadas manifestações e sintomas, elas são causadas, globalmente, por factores neurobiológicas, sensoriais, psicocomportamentais, emocionais, afectivos, sociais, culturais e pedagógico-educativos. Um tal vasto e complexo conjunto de causas de disfunções, causas que podem ser exógenas ou endógenas, podem conduzir a efeitos negativos de nível mínimo, médio ou profundo. Pode dizer-se, no entanto, de uma forma geral, que os efeitos de nível médio são causados, geralmente, por lesões cerebrais e os de nível profundo por malformações congénitas ou graves lesões a nível do sistema nervoso central. Com efeito, sendo necessidade essencial da harmoniosa funcionalidade do cérebro humano a existência de uma faseada maturação orgânica, de uma harmoniosa interconexão entre todas as suas partes neurocerebrais, com necessidade de desenvolvimento motor, sensorial, anímico-vital, emocional, psíquico e afectivo, défices em tais domínios podem desencadear numa criança distúrbios, perturbações ou dificuldades não só a nível da aprendizagem mas também de desenvolvimento, de comportamento e de relação, dificuldades que se tornam umas mais fáceis de compensar ou de recuperar que outras. A existência destes diferentes níveis ou graus de dificuldades de recuperação das disfunções interdepende imenso não só das técnicas, meios ou terapias utilizados para recuperação de tais disfunções mas também de suas causas, áreas ou regiões cerebrais, bem como dos graus de danificação provocados pela lesão ou lesões cerebrais. 151 É que podendo uma disfunção mínima ser ou não ser causada por uma lesão cerebral mínima, as disfunções cerebrais médias são causadas por afecções do sistema nervoso, sofrimento fetal, lesão cerebral, lesão da medula, por exemplo, e afectam quer o funcionamento do sistema nervoso periférico, quer o sistema nervoso central. A maioria de seus negativos efeitos são recuperáveis quando se educa, desenvolve e reabilita o sujeito em seu devido tempo, nas aptidões, potencialidades ou capacidades que mais e melhor possam ser desenvolvidas, aperfeiçoadas e valorizadas. Outras, pelo contrário, são degenerativas, isto é, progressivas, fazendo com que o sujeito vá perdendo as suas capacidades ou qualidades naturais, acção de processos que alteram as estruturas e as funções dos neurónios, das sinapses e dos axónios, fazendo com que tanto umas como os outros, bem como seus agentes constituintes, se modifiquem, desintegrem ou desapareçam, originando-se, a partir de tais processos, degenerações cerebrais ou musculares. No caso das disfunções ou dificuldades de aprendizagens mínimas, como no caso das dificuldades ligeiras, como, por exemplo, fragilidade a nível de concentração, certa labilidade a nível da tensão, problemas de irritabilidade, hiperactividade, agressividade, ou déficit a nível de estruturação espaço-temporais, etc., são problemas e dificuldades cujas causas escapam, geralmente, não só aos exames de natureza neurofisiológica mas também à categoria de lesões cerebrais mínimas. Por isso, no caso das dificuldades da aprendizagem ligeiras, os métodos de diagnóstico mais objectivos são, geralmente, de natureza psicológica, psicossocial, relacional, comportamental e pedagógica. No entanto, no caso da existência real de lesões cerebrais localizadas estas raramente destróiem completamente as áreas do córtice cerebral, sendo os seus efeitos perturbações a nível da normal intensidade do seu funcionamento, da sua plasticidade e da flexibilidade dos processos nervosos, visto as áreas lesadas funcionarem de forma anormal, patológica ou não funcionarem como sucede, por exemplo, com lesões efectuadas a nível das partes parietais, temporais e occipitais do córtice as quais reduzem, diminuem ou tornam anormais as funções terciárias do córtice cerebral. Diferentes e mais complexos efeitos são gerados pelas lesões cerebrais a nível do sistema nervoso central, pois elevada percentagem de funções cerebrais resulta da recíproca e retroactiva interacção dos processos primários, secundários e terciários, e o seu desenvolvimento, tanto a nível de comportamento como de aprendizagem ou cognição, resulta do desenvolvimento e da acção das interconexões efectuadas, activadas ou dinamizadas a nível de aparelho neurocerebral e de sua respectiva integridade bioneurocerebral, bem como do potencial actuante de suas características de flexibilidade, maleabilidade, adaptabilidade e interactividade. Os obstáculos ao desenvolvimento de suas funções, interactividades e retroacções residem, a nível neurocerebral, nas suas maiores ou menores quantidades e qualidades de interconexões, em suas pulsões motivadoras e em suas interfuncionalidades do seu todo, o qual, sendo constituído por partes, áreas, regiões e sub-regiões, efectua o seu unitário comportamento através da elaboração da síntese e restruturação da actividade mais ou menos dinamizantes de todas as suas unidades. A acção e dinâmica de tais sub-unidades, no entanto, podem encontrar-se inibidas, retraídas, asfixiadas, distorcidas ou dissociadas, não só devido a ausências de estímulos e de vitalidades exógenas, mas, também, fundamentalmente, devido a 152 malformações ou aberrações genéticas, a certo tipo de lesões cerebrais, desvios ou disfunções comportamentais. As anomalias, disfunções ou deficiências causadas por lesões cerebrais podem ter origem na formação do embrião e no desenvolvimento do feto, no parto ou em traumatismos posteriores e encontrarem-se localizadas numa ou em várias regiões do cérebro com maior ou menor gravidade, originando-se, assim, hierarquias de variadas deficiências, anomalias, perturbações ou alterações comportamentais de maiores ou menores dificuldades de recuperação, desenvolvimento integrado, vivência individual e integração social. Porém, muitos dos efeitos das lesões cerebrais, tanto das crianças como dos adolescentes ou dos adultos, podem manifestar-se apenas face às exigências de aprendizagens ou de actividades específicas como sucede, por exemplo, com as exigências das aprendizagens escolares impostas a uma criança, com a integração em novos meios ou ambientes de um adolescente ou com as exigências de novos desempenhos, funções ou tarefas profissionais de um jovem ou adulto. No entanto, no caso de lesões cerebrais ligeiras, as restantes zonas não lesadas do cérebro podem, a nível de funcionalidade, suprimir as carências desencadeadas por tal lesão. Por sua vez, no caso da existência de lesões cerebrais profundas ou graves as restantes regiões do cérebro podem compensar tais deficiências mas dificilmente as suprime. Em 1861, Broca constatou cirurgicamente que uma lesão efectuada na terceira circunvolução frontal esquerda, situada diante do sulco frontal ascendente e por cima da cisura de Sílvio no hemisfério dominante de um indivíduo provoca afasias motoras na linguagem ou anatrias, fazendo com que a linguagem seja laboriosa e lenta e a articulação das palavras alterada, com um estilo de comunicação telegráfico, apesar de uma semântica coerente. Wernicke, por sua vez, demonstrou que lesões ou destruições efectuadas na parte posterior da primeira circunvolução temporal, área cortical situada sob a face externa do hemisfério cerebral dominante causam problemas a nível da articulação da fala, a nível de memória e mesmo a nível de audição, sendo a linguagem verbal de tais pacientes gramaticalmente correcta mas sistematicamente incoerente. Quando por acidente ou por processos de hemorragias se produz uma lesão anatómica em tal área, acidentes, tromboses, tumores, traumatismos, etc., tais lesões dão, normalmente, origem a afasias acentuadas, impossibilitando a compreensão e a expressão dos pensamentos, das ideias, das emoções ou das ordens através da linguagem verbal, apesar de tal paciente conservar intactos os órgãos periféricos articuladores da palavra. António Damásio no seu livro « O erro de Decartes », descreve o caso de Gage, capataz de obras que, após o seu crânio ter sido atravessado por um ferro com « seis quilos e medir cerca de um metro de comprimento, ter aproximadamente 3 cm de diâmetro » permaneceu com suas capacidades racionais intactas, mas com acentuadas alterações ou perturbações não só a nível de personalidade mas também de comportamentos. Harlow, citado por Damásio, descreve o futuro comportamento de Gage dizendo: « o equilíbrio, por assim dizer, entre as faculdades intelectuais e as suas propensões animais fora destruído. As mudanças tornaram-se evidentes assim que amainou a fase crítica da lesão cerebral. Mostrava-se agora caprichoso, irreverente, usando por vezes a mais obscena das linguagens, o que não era anteriormente seu costume, manifestando pouca diferencia para com os seus colegas, impaciente relativamente a restrições ou conselhos quando eles entravam em conflito com os seus desejos, por vezes determinadamente obstinado, 153 outras ainda caprichoso e vacilante, fazendo muitos planos para acções futuras que tão facilmente eram concebidos como abandonados ». Por sua vez Wilson, E. O., ( 1998 ) relata o caso de Karen Ann Quinlan, jovem mulher de New Jersen que, « em 14 de Abril de 1975, medicada com o tranquilizante Valium e o analgésico Dardon, cometeu o erro de beber gin-tónico ». Embora a combinação não pareça perigosa, ela essencialmente, matou Karen Ann Quinlan. Ela entrou em um estado de coma que perdurou até à morte por infecção generalizada, dez anos depois. Uma autópsia revelou que seu cérebro estava em grande parte intacto, o que explica porque seu corpo sobreviveu e até continuou seu ciclo diário de vigília e sono. Ele continuou vivo mesmo quando os pais de Quinlan solicitaram, em meio a uma controvérsia nacional, a remoção do ventilador. A autópsia revelou que a lesão cerebral de Quinlan era local, mas muito grave: « o tálamo havia sido destruído como se queimado por um raio layser ». As anteriores descrições demostram-nos sobejamente que uma integrada e harmoniosa funcionalidade do cérebro humano necessita da integridade de todos os seus centros, áreas, regiões e sub-regiões, visto a funcionalidade do córtex necessitar de todos os estímulos eléctricos, e isto não só do cérebro, mas, também, do corpo, visto o tecido cerebral processar impulsos de todo ele, nomeadamente da medula, do tronco cerebral, do tálamo e de todas as restantes zonas que formam o chamado cérebro reptílico e mamífero. É que , apesar da estrutura arquitectural do cérebro humano variar de área para área e de região para região, o seu funcional, equilibrado e harmonioso funcionamento e actividade necessitam da interactividade de todas as suas potenciais conexões e intercomunicações, as quais não só são efectuadas através das necessárias pulsões e estímulos, mas, também, da integridade e conexões de todas as suas partes, visto as suas redes comunicacionais interdependerem do número e categoria de suas células, e, tanto suas entradas como saídas processarem-se a partir da organização intrínseca de seus circuitos locais. As malformações, distorções ou lesões cerebrais, em interdependência do tipo, da gravidade e da localização, são causa essencial das ausências de intercomunicações entre as várias regiões cerebrais, de dificuldades na aprendizagem, nas percepções, no conhecimento bem como de distorções e anomalias a nível de comportamentos, de personalidade e de mente, sendo um facto que muitos de tais pacientes não se apercebem de tais consequências nem têm consciência de tais disfuncionalidades, visto eles continuarem a viver mentalmente em função de suas anteriores representações e imagens psicocorporais como sucede, por exemplo, no caso de pacientes com membros amputados, membros fantasmas, ao afirmarem que sentem ainda o membro ou membros ausentes mas apercebem-se de que na realidade ele ou eles não estão lá. Daí o facto do tipo de disfuncionalidade ou de disfuncionalidades neuropsíquicas de um indivíduo interdependerem, em grande parte, da localização da lesão no aparelho neurocerebral. Assim, lesões efectuadas no sistema nervoso periférico por choques, traumatismos, infecções, etc., etc., podem causar perturbações não só sensitivas mas também a nível neuromuscular, a nível de hipófise, suprarenal, endócrino, sensorial, motor, cerebral, psíquico e emocional. Por isso, a normal funcionalidade dos processos de aprendizagem implica que o sistema nervoso periférico esteja intacto, visto toda e qualquer criança aprender recebendo informações através dos sentidos, isto é, através de seus sistemas extroceptivos de recepção, de maneira particular através da audição, da visão e do tacto. É por isso que, tanto processos de privação sensorial a nível de 154 visão e de audição, bem como de somato-sensorização, alteraram ou modificaram os processos de aprendizagem. No caso de existência de lesões a nível de sistema nervoso central os seus efeitos tornam-se ainda mais acentuados ou graves, visto elas, de uma forma geral, atingirem a unidade conectiva das células neuronais, gliais, as que envolvem as meninges, os corpos celulares dos neurónios e a sua substância branca, isto é, os axónios dos neurónios, bem como, de uma forma geral, as grandes unidades morfológicas e funcionais do sistema nervoso central como o cérebro, o cerebelo, o tronco cerebral e a espinal medula, ou, dito de outra forma, o mielencéfalo, o metaencéfalo, o mesaencéfalo, o diencéfalo e o telaencéfalo, estruturas cerebrais cuja funcionalidade integrada, normal, harmoniosa e evolutiva, sensorio-motora, temporal, psicológica e comportamental, bem como neurovegetativa, exige ausência de lesões, isenção de malformações e a imprescindível conaturalidade da vitalidade do organismo. Por isso, malformações, lesões ou infecções, lesionadoras de constituintes do sistema nervoso central, podem ocasionar, num indivíduo, acentuados e negativos efeitos, não só a nível psicomotor mas também a nível de linguagem e de aprendizagem; a nível de comportamento, emoção, afectividade; sociabilidade e integração como se constata, por exemplo, nos processos de desmielinização, com processos de hemorragias intra-crânianas, fracturas de crânios e lesões geradoras de paralisia cerebral. No caso das hemorragias intra-crânianas, intra-ventriculares, estas resultam, normalmente, de traumatismos de parto, de distúrbios hemorrágicos primários, de anomalias congénitas ou de asfixias, e, não raras vezes, têm origem em acidentes no momento do parto, nomeadamente quando a cabeça do feto é grande em proporção ao tamanho da saída pélvica da mãe; quando há interferências mecânicas imprudentes no parto; quando se efectuam partos precipitados ou são demasiado prolongados, comportamentos ou circunstâncias que podem gerar rupturas nas matrizes germinais ou lesões nas fibras cortico-espinhais. No caso da existência de fracturas cranianas, embora o crânio seja formado por uma estrutura óssea extremamente resistente, podem resultar daí lesões graves a nível cerebral quando os fragmentos do osso ou ossos deslocam-se para o interior do crânio. Em tal situação, os vasos sanguíneos das meninges, isto é, das membranas que envolvem o céfalo, podem romper-se, originando hemorragias localizadas entre a parede óssea e a dura mater, o que pode fazer com que o tecido cerebral se desloque, com que o próprio encéfalo seja lesado ou as meninges sofram ruptura. Apesar disso, no entanto, nem sempre o grau das lesões cranianas corresponde ao das lesões cerebrais, podendo constatar-se graves lesões cerebrais sem que haja fracturas cranianas e mesmo em caso de fracturas cranianas bastante acentuadas estas poderem provocar apenas lesões cerebrais de reduzida gravidade. É que, na realidade, os efeitos das fracturas cranianas dependem essencialmente do grau de lesão cerebral e, de maneira particular, do derrame do líquido céfalo-raquidiano, isto é, do fluído que alimenta e protege o encéfalo e a espinhal medula, lesões que, não raras vezes, são causadoras de paralisias cerebrais e cujos efeitos podem ser acentuadamente graves a nível de inteligência e de aprendizagem, a nível gnósico e sensorial, motor e comportamental, com comportamentos espásticos, paralisia volitiva, hipertonicidade muscular, perturbações ou transtornos na precisão e coordenação dos movimentos, podendo ser originados por factores ou agentes pré-natais, natais e pós-natais. 155 É que, de facto, na procura das causas de uma paralisia, pode-se apenas afirmar, categoricamente, que a criança foi afectada por uma lesão durante o seu processo de desenvolvimento embrionário ou fetal, durante o parto ou após o nascimento. Uma tal ou tais lesões destruíram uma maior ou menor quantidade dos milhões de células existentes no cérebro e tal destruição não é recuperável, apesar da estimulação e desenvolvimento das restantes células poder compensar os défices deixados em aberto pelas ditas lesões ou destruições de uma determinada quantidade das células cerebrais. Não sendo causada, geralmente, por qualquer deficiência ou hereditariedade dos pais, uma vasta causalidade de factores pré-natais podem estar na origem da paralisia cerebral. E isto porque, se tanto a célula feminina como a masculina, no momento da concepção, possuem qualquer defeito, ao juntarem-se, o embrião desenvolver-se-à de imediato deficitariamente. Durante o período de gravidez da mãe, nomeadamente durante os três primeiros meses, o embrião, e mais tarde o feto, pode ser afectado na sua evolução intra-uterina por acidentes da mãe, traumatismos emocionais, afectivos e psíquicos, e por alterações a nível do seu metabolismo como, por exemplo, hipertensões, diabetes, por infecções originadas pela rubéola, por viroses como a da papeira e da sífilis ou por exposições a irradiações como as do R.X. . A nível de factores pré-natais, como possíveis causadores de paralisias cerebrais, devem ser mencionados a existência de miomas, placentas mal inseridas, defeitos da circulação, cordão umbilical com nós, partos prolongados ou mal feitos como, por exemplo, através de forcepces, e as anóxias, isto é, redução do oxigénio nos tecidos, visto a sua necessária quantidade ser absolutamente indispensável à vida das células nervosas. Como factores pós-natais, são possíveis causadores de lesões cerebrais, por exemplo, traumatismos cranianos causadores de hemorragias, intoxicações, hipoglicémia e outras infecções como, por exemplo, meningites e encefalites que podem atingir directamente o sistema nervoso, o qual pode também ser atingido por infecções localizadas noutros órgãos do corpo. A nível de distribuição de causalidades da paralisia no desenvolvimento da criança, tais lesões cerebrais, em mais de 90% dos casos, têm lugar antes ou durante o parto. Em muitos casos, os efeitos de tais lesões não são diagnosticáveis antes do primeiro ano de vida. No entanto, já durante um tal período, não é impossível constatar-se que alguns músculos da criança são hipotónicos, isto é, moles ou se encontram em permanentes estados de contracção e rigidez ou que têm contorções involuntárias. A partir de um ano de idade não é difícil constatar-se a existência de reflexos e de estruturas anormais, alterações da sua tonicidade muscular, um anormal desenvolvimento da sua motricidade através da efectuação de movimentos involuntários ou descoordenados e atrasos generalizado no seu desenvolvimento motor. As lesões causadoras de um tal vasto e complexo conjunto de efeitos, interdependendo da sua localização a nível neurocerebral, da profundidade da lesão e da porção da massa cerebral destruída, geram, em muitas dessas crianças, mais ou menos em três quartos de todos os indivíduos com paralisia cerebral, atrasos intelectuais com um quociente intelectual inferior a setenta, com dificuldades de concentração, de raciocínio e de relacionamento interpessoal e dificuldades sensoriais e, em certos outros casos, nomeadamente em casos de paralisia atetósica, as crianças permanecem inteligentes de forma idêntica às ditas crianças normais a nível de aprendizagem. 156 Um tal conjunto de lesões cerebrais, de uma forma geral, e por si, não é geradora de efeitos negativos progressivos e, bem pelo contrário, a natureza de tais efeitos pode ser alterada com o crescimento da criança e com tratamento e educação especializados, com intervenções recuperadoras e compensatórias em seu devido tempo e com acção ou acções voluntárias e consciencializadas dos pacientes. É que, sendo o cérebro humano o aparelho centralizador e integrador dos movimentos, das acções, dos pensamentos, dos juízos, dos raciocínios, das decisões e dos comportamentos de um indivíduo, a existência de lesões em tais estruturas neurocerebrais não só pode dar origem a maiores ou menores dificuldades nos processos de aprendizagem mas também nos níveis emocionais, afectivos e comportamentais dos indivíduos. É que, existindo intrínseca necessidade destes funcionarem como unidades sistémicas, equilibradas e harmoniosas, a existência de lesões ou malformações individuais a nível de aparelho neurocerebral gera efeitos negativos nas partes ou na totalidade do seu ser. Isto porque, bem ao contrário do que se pensava anteriormente, a cabeça não vive sem o tronco e o tronco não funciona harmoniosamente sem a cabeça. Por isso, lesões ou malformações cerebrais em qualquer parte da massa encefálica podem alterar tanto o movimento da totalidade do corpo como apenas uma das suas partes, alterações que, podendo ser de natureza inata ou adquirida podem gerar efeitos negativos a nível de aquisição e desenvolvimento de novas absorções, da vivência de novas experiências, dos resultados de novas aquisições ou de novas interiorizações, o que faz com que os indivíduos, sujeitos de tais lesões, possuam maiores ou menores dificuldades na aquisição e desenvolvimento de novas habilidades, aptidões, capacidades e funções. Torna-se óbvio, por isso, que a integridade ou não integridade do aparelho neurocerebral de um indivíduo é suporte fundamental de seus posteriores desenvolvimentos psíquicos, intelectuais, mentais, sensoriais e orgânicos. Com efeito, os recentes resultados de investigações no âmbito das neurociências, efectuadas na continuação das realizadas por W. Penfield nas décadas de 1920 e 1930, deram origem à possibilidade de um mapeamento da localização originária das funções sensoriais e motoras em todas as partes do córtex cerebral. A partir da década de 1970, com a descoberta do método da leitura óptica de imagens do cérebro-tipo, espera-se ter-se encontrado a metodologia de observação da actividade de redes inteiras de células nervosas individuais. Desta forma, e, tendo em consideração o unitário sistema neuropsicoemocional, não há, hoje em dia, motivos para duvidar de que lesões bilaterais nos córtices pré-frontais originam limitações de raciocínio, de emoções, de sentimentos e de tomada de decisões, e quando a extensão de tais lesões for bastante extensa somam-se, a tais negativos efeitos, dificuldades ou perturbações a nível de relações sociais e interpessoais. Estas dificuldades emocionais, e afectivas tornar-se-iam forte e profundamente acentuadas a nível do seu sistema límbico ou na amígdala, pois um tal tipo e localização de tais lesões faz com que o indivíduo se torne incapaz de mover-se de dentro para fora. No que concerne as lesões causadoras de problemas ou dificuldades a nível de linguagem, de cérebro linguístico ou de inteligência linguística, Luria, apresentanos o caso de um paciente seu, que, podendo escrever e escrevendo, não conseguia ler o que escrevia, porque seus automatismos ou mecanismos de leitura 157 não funcionavam, e isto devido ao facto que seu paciente encontrava-se privado de memória, incapaz de reter e compreender, desorientado, incapaz de uma grande quantidade de actividades práticas e com certas perturbações psíquicas, dando-nos, por isso, a entender que o problema da linguagem ou do cérebro linguístico impõe a existência de uma elementar organização interior, e, simultaneamente, complexa, interdependente das áreas cerebrais da linguagem, pois falar é uma realidade e compreender é outra, factos que pressupõem, pelo menos, a existência de duas áreas linguísticas especializadas, isto é, pelo menos, uma área cerebral ligada à modalidade da expressão e uma outra ligada à modalidade da compreensão. Com efeito, o inúmero conjunto de sintomas, dificuldades, distorções ou deficiências causadas pelas lesões cerebrais do todo ou em parte das funções de um indivíduo são, ainda hoje, na sua totalidade, indescritíveis. Isto porque, por um lado, o estudo do ser humano está muito longe de estar acabado e, por outro, ser humano algum estará à altura de diagnosticar os verdadeiros e reais potenciais evolutivos do humano. Isto porque o todo comportamental de um indivíduo é de natureza activa e dinâmica, única e individual, polifactorial e multidimensional e procedente de combinações e recombinações, estruturações e reestruturações, de inovações e reproduções emanadas não só de suas estruturas cerebrais mas também de suas unidades e sub-unidades em funcional harmonia ou desarmonia com a hipercomplexidade envolvente de seus meios familiares e sociais e de seus ecossistemas físicos, geológicos, climatéricos, organizacionais, emocionais, afectivos, culturais, mentais e intelectuais. Uma tão vasta e complexa variabilidade de factores intervenientes na dinâmica e formação da individualidade e da acção do ser humano contribuem, de forma decisiva, para a organização funcional ou disfuncional de seu próprio cérebro, a partir da qual este delineia planificações, cria prospectivas e expectativas, introduz ou absorve variações, desenvolve funções e cria ou corrige disfunções mentais, comportamentais ou interrelacionais. Tudo isto porque os princípios activadores e orientadores do cérebro humano emergem de uma natureza biocerebral, sociopsicoemocional e afectivo-intelectual e, toda e qualquer mudança em qualquer uma das suas dimensões, implica, directa ou indirectamente, maior ou menor inovação ou mudança em suas estruturas, organizações, funções ou interfuncionalidades básicas ou elementares, fazendo com que estas, em função das reorganizações efectuadas, activem ou desactivem, estimulem ou inibam a dinâmica estrutural de seus processos interiores, como sucede, não raras vezes, com os efeitos perturbadores e disfuncionais de certas doenças e anomalias emocionais e psíquicas ( psicose, esquizofrenia, etc. ) ou de acentuadas lesões cerebrais em que o indivíduo, de uma forma geral, pode perder a hierarquia de seus valores pessoais e sociais, a sua própria identidade, o conceito de si mesmo, a correcta tomada de decisões, as perspectivas de futuro, a percepção de inserção na realidade, o respeito por si mesmo, etc., etc.. A constatação de um tal conjunto de disfuncionalidades comportamentais e de anomalias vivênciais demonstra sobejamente que o ser humano é um todo funcional, dinâmico, activo, constante e inovador, e que a existência de agentes ou factores perturbadores de uma tal unidade funcional, como sucede, por vezes, com traumas emocionais, afectivos, psicológicos ou com acidentes neurocerebrais, provocadores de lesões, destruições ou anomalias de vária ordem ou natureza, desencadeia a existência de anomalias comportamentais da sua própria unidade, disfunções ou incapacidades cognitivas, comportamentais, relacionais e sociais. 158 Porém, nem todos os distúrbios, disfunções, perturbações ou dificuldades nos processos de aprendizagem são causados por lesões cerebrais. A sua génese pode ser multivariada e possuir sua causalidade tanto em factores endógenos como genéticos, congénitos ou hereditários, em factores exógenos como os familiares, sociais, ambientais ou culturais e em factores estruturais como os de desenvolvimento pessoal, emocional, afectivo e psicológico. No entanto, implicando a expressão « lesão cerebral » a suposição de ter havido uma normalidade neurocerebral até um determinado momento da existência de um indivíduo, sendo a lesão provocada por uma doença ou acidente, não há dúvida que muitos dos seus efeitos influenciam ou repercutem-se negativamente sobre os processos de aprendizagem de um indivíduo. No que concerne os efeitos das lesões nas diversas regiões cerebrais, A. R. Luria, 1973 afirmou: « é um facto bem conhecido que uma lesão local do hemisfério dominante não só produz uma situação patológica conhecida no córtex mas também suprime um dos factores necessários para o funcionamento normal de um ou outro sistema funcional. ... É natural que o processo de formação ou de descodificação de um enunciado, que inclui uma cadeia completa de conexões e factores, se veja afectado negativamente de diversas maneiras, segundo a conexão do processo que tenha resultado danificado. ... Os pacientes com lesões profundas das secções pré-frontais do cérebro distraiem-se facilmente com qualquer motivo secundário e manifestam reflexos de orientação patologicamente intensos e resistentes à inibição, mas parecem incapazes de estabelecer motivos ou intenções independentes ( em cuja formação, aparentemente, o próprio discurso interno e externo do paciente desempenha uma função decisiva ) e também não se submetem à influência orientadora das instruções orais recebidas ». A neuropsicologia cerebral, no entanto, apresenta actividades muito mais subtis que as anteriores como sucede, por exemplo, em situações de desconexões ou más conexões das sinápses com os neurónios. Existem situações incidentais ou acidentais que podem provocar desconexões das sinápses dos neurónios e o potencial reordenador das sinápses pode converter a desconexão tanto numa reconexão como numa má conexão. Estas reordenações das sinápses podem ser de vários tipos e serem mesmo efectuadas em lugares distantes da lesão aparecendo, então, na zona de projecção dos neurónios danificados, dependendo, então, o tipo de recuperação neurofuncional, da eficácia da reconexão sináptica e, essencialmente, da adequação ou inadequação da formação das novas sinápses, originando-se, a partir daí, recuperações parciais, más conexões ou disfunções neurocerebrais com repercussões variadas tanto a nível cognitivo como comportamental, tanto a nível social como relacional, emocional como afectivo. E isto apesar do cérebro humano não ser regido por mecanismos físicos ou mecânicos mas sim pela plasticidade, flexibilidade, maleabilidade e interactividade de seus processos bioneuropsíquicos, sócio-emocionais, cognitivos, psicológicos, intelectuais e mentais. Apesar desse vasto e complexo potencial da acção do cérebro humano no seu todo é um facto de que efeitos de lesões cerebrais ou de desconexões neuronais podem atingir a integrabilidade do ser humano tanto nas suas funções intra como inter-neuro-sensoriais ( atenção, discriminação, retenção, compreensão, conceptualização, planificação, decisão, etc. ), nas suas funções de receptividade como transformação da bioenergia e da informação e em suas funções de expressividade como, por exemplo, na linguagem verbal, gestual, na escrita, nas posturas, na imitação, nas inter-relações, etc.. 159 A natureza de um tal conjunto de disfuncionalidades comportamentais dos indivíduos, embora esteja relacionada com o todo do humano, a nível de efeitos de comportamentos manifestos estes interdependem não só da gravidade da lesão, desconexão ou malformação, mas também do lugar, área ou região cerebral em que tais danos se encontram, pois a funcionalidade de um ser humano interdepende das mútuas e recíprocas interacções dos seus factores e constituintes biológicos, cerebrais, emocionais, afectivos, psicológicos e sociais e, apesar desta unitária funcionalidade ser necessária para sua total expansão e totalização, a dinâmica interactiva de tais factores necessita mais da actividade de uns que de outros e, mesmo no seio da dinâmica de cada um destes factores, umas emergências ou recorrências são mais primordiais que outras, e isto em funções das metas, objectivos ou fins que cada um pretende concretizar, efectuar ou obter. Teremos, assim, disfunções, anormalidades disfuncionais ou deficiências, de maiores ou menores níveis, orgânicas, sensoriais, perceptivas, psicológicas, mentais, sociais, comportamentais, relacionais, emocionais e afectivas, geradoras de incapacidades em seus mais variados níveis, dimensões, formas, conteúdos e contextos, que podem ir desde as capacidades mais privadas e individuais às cognitivas, emocionais, afectivas, físico-corporais e sociais, assumindo conteúdos diferenciados de inacção, inadaptação, disfunção, desvio e deficiência. Por isso, designando o termo « incapacidade » qualquer ausência ou restrição de potencialidades, habilidades ou destrezas consideradas comumnemente dentro dos moldes e dos limites considerados normais para um ser humano, estas caracterizam-se pelas insuficiências e, algumas vezes, por excessos, nos desempenhos de uma actividade ou nos comportamentos socialmente considerados como normais. Um tal variado conjunto de alterações, perturbações, distorções ou incapacidades pode apresentar-se em forma isolada, mista ou combinada e serem, as incapacidades, de natureza permanente ou temporária, reversível ou irreversível, progressiva ou regressiva, e, efeito directo de uma deficiência ou resposta a certo tipo de disfunções neuropsíquicas, emocionais, psicológicas ou sociais como sucede, por exemplo, na ausência de adequação dos comportamentos individuais aos sociais, na ausência de desempenhos das actividades da vida diária, da higiéne pessoal, dos cuidados individuais, incapacidades de locomoção, de audição ou visão, de comunicação verbal ou gestual, de relações interpessoaios e sociais, bem como incapacidades de consciêncialização do seu próprio eu corporal, emocional, afectivo ou psíquico, etc.. Muitas das anteriores incapacidades, considerando o nível das alterações das funções do indivíduo ou de suas perdas, defeitos ou anomalias, recebem o nome de « deficiências » quando as incapacidades manifestam perdas de membros, órgãos, estruturas, funções emocionais, cognitivas, intelectuais ou mentais. Daí o facto de se poderem caracterizar vários níveis de deficiências intelectuais, de memórias, de pensamento, de consciência, de atenção, de percepção, de audição, de comportamento, de linguagem, de visão, etc., etc.. Um tal conjunto de ausências de características funcionais ou de níveis deficitários pode abranger todas ou apenas algumas das funções humanas e, por isso, privadas de manifestação transitória ou permanente, ligeira, média ou profunda, privando seus portadores de estímulos individuais, motivações sociais e comunicações interrelacionais, privações estas que fazem com que as crianças não vivam a sua infância e, adolescentes, jovens e adultos não consigam conquistar seus espaços necessários à satisfação das mais básicas necessidades de um indivíduo 160 normal nem consigam desenvolver seu próprio potencial deixado intacto por sua própria estrutura bioneurológica, afectiva e emocional. III – DEFICIÊNCIAS E NÍVEIS PROCESSUAIS DAS DEFICIÊNCIAS Sendo o aparelho neuropsíquico do ser humano uma unidade caracterizada por inúmeras potencialidades funcionais, a sua maior ou menor funcionalidade encontra-se interdependente das recíprocas interacções de sua estrutura com sua actividade, interactivo e recorrente processo genofenotípico que, coordenado tanto vertical como horizontalmente, fará, regra geral, com que as funções, actividades e acções do cérebro passem do menos organizado ou do inorganizado ao mais organizado, do reflexo e automatizado ao mais consciencializado, do mais simples ao mais complexo e do global ao concreto e específico. A eficiente funcionalidade das ramificações de um tal processo implica, necessariamente, existência de eficientes interacções e comunicações entre todas as regiões e áreas do aparelho neurocerebral do indivíduo, isto é, de todas as que vão e suportam o tronco cerebral até ao córtice e vice-versa. É que desde o momento da concepção até ao desenvolvimento do córtice cerebral, normalmente efectuado através de aprendizagens, uma tal intercomunicabilidade deveria permanecer intacta e harmoniosa, o que, infelizmente, nem sempre acontece, gerando-se, a partir daí, défices disfuncionais, incapacidades comunicacionais, limitações ou restrições motoras, bem como distorções comportamentais, efeitos que asfixiam, inibem ou perturbam o desenvolvimento de posteriores aptidões mentais, capacidades motoras e comunicações gestuais, verbais, afectivas, emocionais e relacionais. É que, na realidade, lesões, malformações ou distorções numa parte do cérebro podem atingir, em maior ou menor grau, a funcionalidade do seu todo, como sucede, por exemplo, no caso da existência de lesões, malformações ou distorções a nível das estruturas dos dinamismos neurossensoriais, dos processos de sensorização e da inteligência sensorial, lesões ou défices que, apesar de focalizados e com maior relevância numa determinada área, alteram ou desviam, asfixiam ou inibem a mútua e recíproca cooperação e actividade noutras dimensões da funcionalidade do cérebro como sucede, por exemplo, com as lesões na área da linguagem, nas áreas perceptivas, sensoriais ou temporais. Lesões no couro caloso, por exemplo, provocam, normalmente, desconexões entre os dois hemisférios cerebrais e os seus efeitos são de desorganização neuropsicológica, emocional, afectiva e mental. Acidentes cérebro-vasculares gerados, por exemplo, por tromboses, embolias e hemorragias intracranianas geram transtornos, perturbações, anomalias ou deficiências nos tecidos cerebrais e seus efeitos são, frequentemente, perturbações motoras na metade do corpo oposto à parte lesionada, problemas perceptivos, deficiências de memória, perturbações da linguagem, etc. Segundo Alcazar e seus colaboradores ( 1985 ) uma danificação efectuada no hemisfério esquerdo produz, geralmente, afasias em 80% dos indivíduos, sendo a severidade e o tipo de afasia variáveis em função da localização e da extensão da lesão, défices linguísticos ou motores, ou, simultaneamente, mistos e cujos níveis de deficiência comunicacional ou motora podem dificultar ou reduzir suas potencialidades para participar em terapias de melhoramento ou de recuperação 161 motora, funcional ou comunicacional. Por sua vez, lesões ou alterações no hemisfério direito produzem, normalmente, distorções ou deficiências tanto a nível de percepção visual como a nível de organização espacial e de consciência individual. Lesões nas zonas pré-frontais do córtex cerebral produzem, geralmente, alterações de valores individuais, mudanças de carácter e de temperamento, dissociações da realidade, dificuldades nos processos de decisão bem como alterações a nível da percepção, da memória, da atenção e da inteligência. No entanto, sendo o cérebro humano uma unidade bioneurofisiológica e o seu funcionamento sistémico todas as suas unidades e sub-unidades, áreas e regiões estão estruturadas e orientadas para a harmonia funcional do seu todo, apesar de cada uma das suas áreas se encontrar dotada de predominâncias específicas, o que não invalida que, após o necessário treino e desenvolvimento de outras áreas, estas substituam no todo ou em parte as funções das áreas deterioradas, o que não significa que após lesão ou alterações em certas áreas do cérebro não haja consequências negativas físicas e cognitivas, emocionais, sociais e afectivas bem como comportamentos ansiosos e depressivos e, caso tais efeitos não sejam recuperados ou reabilitados, os sujeitos tendem, regra geral, ao desenvolvimento de comportamentos limitativos, a sensações de incapacidade, à redução das suas interacções com o universo emocional e afectivo, o meio físico e social, bem como à perda de muitas das suas capacidades e destrezas físicas e mentais, psíquicas e sociais, com acentuada propensão para a subvalorização, para a perda dos seus centros de interesse, de seu auto-conceito e auto-estima, factores e situações que deverão tomar-se em elevada consideração nos processos das reais e autênticas reabilitações de tais deficiências. Os prognósticos de reabilitação, no entanto, nem sempre são fáceis de diagnosticar tanto a tempo como com a necessária eficiência, não só por razões técnicas ou sociais, mas também porque sujeitos com os mesmos défices não têm idênticas perturbações como sucede, por exemplo, com os casos de autismo e os efeitos de certas encefalopatias cujos efeitos provocados por tais lesões inflamatórias podem gerar vários níveis de perturbações sensoriais como comunicacionais, emocionais como afectivas, cognitivas como mentais. Distinguindo-se doença mental de deficiência intelectual, a primeira caracteriza-se fundamentalmente por perturbações da personalidade e alterações a nível comportamental, enquanto a segunda define-se essencialmente pela existência de um subdesenvolvimento ou défice nos processos ou mecanismos do conhecimento e da inteligência. No entanto, não raras vezes, os défices de inteligência encontram-se associados a perturbações da personalidade como acontece, por exemplo, no caso das neuroses e psicoses, e isto porque, umas vezes encontram-se psicoses emanadas de deficiências intelectuais, e, outras vezes, o aparecimento ou desenvolvimento de psicoses geram deficiências intelectuais, depreendendo-se daí que perturbações, alterações ou lesões psico-orgânicas podem causar doenças mentais e doenças mentais podem provocar distorções, alterações ou lesões neurocerebrais, as quais , por sua vez, transformar-se-ão em criadoras de outras perturbações a nível perceptivo, a nível das emoções, dos afectos, das pulsões, dos pensamentos e dos raciocínios, bem como em outras perturbações ainda mais profundas e complexas que as primeiras, como sejam o caso de certo tipo de psicoses maníaco-depressivas, paranóides, orgânicas, esquizofrénicas ou autistas correspondentes a profundas perturbações, alterações e dissociações na dinâmica de sua própria personalidade, identidade e individualidade. 162 Ora, entendendo-se por doença mental ou doença do espírito a existência de um comportamento que escapa ao controlo da razão, da mente ou do espírito, autópsias efectuadas em muitos indivíduos classificados de profundos doentes mentais não encontraram causas de tais perturbações excepto nos casos em que a tais perturbações se anexavam paralisias gerais ou parciais. Por isso, com o aparecimento da psicanálise, nomeadamente através da obra de seu fundador Sigmund Freud, a doença mental deixou de ser vista como o efeito de uma deficiência e passou a ser interpretada como uma intrínseca necessidade do Homem ultrapassar seus conflitos originários, como uma tentativa de se libertar dos seus conflitos familiares e sociais, do conformismo e das normas para encontrar a sua originalidade e a sua autenticidade, bem como as suas possibilidades criativas. Por isso, não encontrando alicerces biológicos como causas directas das doenças mentais, certos investigadores antipsiquiatras sugerem que a doença mental seria resultado do conflito originado pela acção do inconsciente com o consciente e com a razão. Uma tal discussão, no entanto, não é aplicável às situações de deficiência pois estas são reveladoras de carências, de incapacidades, de subdesenvolvimentos, de atrasos ou de inadaptações, tanto a nível de sensorização, de inteligência, de raciocínio, de socialização como de integração. A partir daí poderse-à enunciar, em sentido geral, que deficiência é um estado de não desenvolvimento ou consecução de um determinado grau ou nível tido por conveniente, nível esse que permanece incompleto ou com defeitos, com carências, insuficiências ou ausências. A nível semântico, porém, é muito diferente dizer que alguém tem uma deficiência ou que é um deficiente. Por isso, é tendência actual reservar o termo deficiência para designar incapacidades ou atrasos intelectuais, psicológicos e mentais, emocionais, afectivos e relacionais e o termo defeito para designar anormalidades ou incapacidades de natureza fisiológica ou anatómica como, por exemplo, defeitos de visão, de audição, de linguagem, defeitos de olfacto, motores, defeitos metabólicos, etc., apesar de tais defeitos poderem influenciar negativamente as capacidades intelectuais e psicológicas de um indivíduo. Seguindo um tal princípio entende-se por deficiência um estado ou situação de desenvolvimento individual inferior à média do desenvolvimento intelectual, psicológico ou mental manifestado por um grupo significativamente expressivo da mesma idade cronológica. As manifestações do deficiente intelectual podem revelarse a nível de intelecto, de memória e de pensamento; de emoções, pulsões, afectos e de inter-relações e, a nível educacional constitui níveis de atraso no desenvolvimento classificáveis em ligeiros, moderados, severos e profundos. Estes quatro níveis de atraso intelectual, tradicionalmente, foram obtidos em função dos testes de quociente intelectual. Porém, considerando as variáveis geográficas, sociais, culturais e de valores dos meios, das sociedades e das culturas, bem como a multiplicidade dos tipos de inteligência ( já analisados no mínimo de doze até ao presente ), tais medidas de avaliação dos subdesenvolvimentos intelectuais ou dos atrasos mentais permanecem extremamente subjectivas. Não há dúvida, no entanto, que, em relação ao seu grupo etário, há crianças, adolescentes e jovens que, possuindo dificuldades a nível de cognição e de seus processos de aprendizagem, são, com relativa facilidade educáveis ( atraso ligeiro). Outros, através de técnicas e processos são treináveis em tarefas e funções de desenvolvimento individual e de integração sócioprofissional e são diagnosticáveis como possuindo um atraso moderado. Outros, ainda, após utilização de 163 múltiplas técnicas e instrumentos de treino e de desenvolvimento poderão conseguir uma existência com certa autonomia em sua vida quotidiana ( profundos ) e, ainda outros, apesar de todos os possíveis investimentos em seus potenciais de educabilidade, permanecerão sempre dependentes: são os de atraso severo. Porém, como foi demonstrado anteriormente, deficiência mental não é sinónimo de doença mental. É que, normalmente, a doença mental aparece associada a transtornos ou perturbações comportamentais, emocionais, afectivos e comunicacionais e não só a alterações de representação, de associação ou cognição. É que, por um lado, a deficiência mental caracteriza-se por suas limitações, incapacidades, carências ou necessidades de algo que nunca se chegou a possuir. E isto apesar de certas formas de deficiências mentais encontrarem-se associadas a psicoses infantis, diagnósticos que dificultam, no concreto, a existência de uma efectiva e real distinção entre doença mental e deficiência mental. Ora, assumindo-se o conceito de deficiência mental como sinónimo de atraso mental, a Associação Americana para a Deficiência Mental definiu-a como sendo « um funcionamento intelectual abaixo do normal, que se manifesta durante o período evolutivo e está associada a um desajustamento do comportamento », definição que traduz como critério a existência de capacidades mais baixas que as do sujeito normal, mais baixas competências sociais e mais reduzidas capacidades de adaptação, critérios que relativizam o conteúdo da deficiência mental em função dos níveis da complexidade sócio-económica, das exigências dos meios sócioprofissionais e das distintas culturas. Por isso, na avaliação das capacidades de uma criança dever-se-à ter em consideração tais variáveis e, em função delas, diagnosticar-se os graus de atraso ou seus níveis de incapacidades, os quais, em função do Quociente Intelectual, podem ser « fronteiriços » com o normal se o seu Q. I. é superior a 70, deficiente ligeiro entre 50-70, deficiente moderado entre 30-50, deficiente severo entre 20-35 e profundo com um Q. I. inferior a 20. Apesar do anterior, a complexa heterogeneidade da deficiência mental envolve múltiplos e complexos parâmetros comportamentais pois, considerando múltiplas e variadas as capacidades, é a partir de um Quociente Intelectual inferior a 70 que se efectua a distinção entre um deficiente e um normal, isto é, entre o sujeito que pertence a grupos de controlo ou de mediana escolar e social, em conformidade com as normas de distribuição, de normalização, socialização ou padronização escolar ou social. Em oposição ao conceito de normalidade, o conceito de anormalidade é, simplesmente, um derivado das estatísticas, pois este refere-se, apesar de não exclusivamente, às possibilidades de desvios às direcções da norma que se podem representar nas extremidades de uma curva de Gauss. Estudos psico-clínicos empíricos revelam, no entanto, que apenas 3% de uma população se distribuem tanto pela extremidade direita como pela esquerda da dita curva. Uma tal constatação, comparada com resultados de análises sociológicas, psicológicas e biológicas, demonstra sobejamente que aqueles resultados são parciais e subjectivos. Isto porque, na área do humano, tanto os talentos como as aptidões, as incapacidades como as deficiências nem sempre se exteriorizam manifestamente. Por outro lado, as hierarquias de valores individuais dificilmente são mensuráveis sociologicamente, e, tanto as deficiências como os talentos, são valorizados ou subvalorizados em função de critérios sócio-grupais, comunitários, sociais, culturais e profissionais. Por isso, embora tradicionalmente, como critérios de anormalidade se postulem critérios sociais, biológicos, genéticos e de adaptação ao meio ambiente, 164 inferir o conceito de anormalidade unicamente de tais critérios é fazer com que um tal conceito emane da norma estatística, reduzindo, conceptualmente, o ser humano, a uma mera peça da engrenagem social e do mercado produtivo. Por isso, devendo os critérios definidores de normalidade ou anormalidade emergir de análises e de desenvolvimentos multifactoriais e multifuncionais, tais critérios deverão incidir fundamentalmente na análise da concretização dos fins e objectivos, bem como no desenvolvimento e aplicação das capacidades e potencialidades de um indivíduo, norma que impõe o pleno desenvolvimento de cada um, o seu investimento e realização. No entanto, sendo o ser humano um ser social por natureza, ele nem só cresce e se desenvolve biologicamente, mas também se socializa e se integra em determinados modelos comportamentais institucionalizados pela evolução das próprias sociedades, cultura, meios e ambientes. Em tais modelos, o indivíduo orienta e reforça comportamentos, desenvolve capacidades, estimula e desenvolve potenciais, estrutura e reestrutura conceitos e mentalidades, inova situações e cria mudanças. Daí o facto do conceito de anormalidade não poder ser submetido a determinantes rígidos tanto de natureza educativa como de natureza social pois um tal conceito, segundo estudos antropo-psicológicos e etno-psiquiátricos, depende não só de civilização para civilização ou de cultura para cultura mas também de comunidade para comunidade, evidenciando-se, então, a necessidade de aceitação do diferente. Na realidade, ser diferente é característica conatural a todo o ser humano, o qual devido não só a razões hereditárias e genéticas mas também devido a múltiplos outros factores de natureza sócio-familiar, ambiental e cultural, como se demostra através de testes efectuados a crianças da mais tenra idade, na presença de um determinado estímulo, todos reagem distinta e diferentemente tanto a nível biológico como motor, afectivo, como emocional, relacional ou verbal, reacções que poderão ir desde a mera passividade a reacções parcialmente envolventes ou multidimensionalmente totalizantes, interdependendo os níveis de tais reacções das sensibilidades de seus receptores sensoriais, perceptivos, emocionais ou mesmo de sua familiarização com o estímulo proposto, atitudes estas cuja tendência é de acentuar a sua diferenciação através do desenvolvimento e da acção, do investimento e concretização, caso factores neuropsicológicos, sócio-psíquicos, emocionais ou afectivos não rompam, danifiquem, asfixiem ou distorçam o desenvolvimento e a funcionalidade de tais conaturais processos mas, bem pelo contrário, tais processos deveriam ser valorizados, estimulados e desenvolvidos pelos próprios meios sociais e culturais pois, não sem razão, J. B. Watson ( 1930 ) afirmou: « dêem-me uma dúzia de crianças sãs e bem formadas, e eu comprometo-me a escolher uma ao acaso e prepará-la para que venha a ser o que quiser: médico, advogado, artista, comerciante e até mendigo ou ladrão, sem considerar os seus talentos, capacidades, tendências, habilidades, vocação ou raça de seus antepassados. ». A forte e acentuada crença no potencial de desenvolvimento e nas capacidades do sujeito humano manifestada pelo citado autor pode, sem dúvida, emanar de sua própria intuição no facto de que as reais e verdadeiras deficiências intelectuais e mentais não ultrapassam 2,5 % de uma população tida por normal. As restantes deficiências, incapacidades e atrasos são causados ou desencadeados por processos familiares, sociais, escolares, ambientais ou culturais. O indivíduo diferente, tomado aqui em sua caracterização de deficiente, apesar de suas limitações ou incapacidades comparativamente em relação ao dito sujeito normal, desenvolve-se por processos idênticos aos deste, permanecendo a 165 distinção, em tais processos, na existência de subdesenvolvimentos comparativos e na maior ou menor distanciação de sua idade mental com a cronológica e os seus processos de aprendizagem escolar centralizam-se mais nos processos de imitação e de repetição que nos processos de criatividade e de associação. No entanto, comparando a idade mental de uma criança normal e uma deficiente tanto os erros nas aprendizagens como as omissões e substituições, os desenvolvimentos como os recuos, são idênticos, significando isto que a criança deficiente permanece muito mais tempo em seus processos primários de aprendizagem que a criança normal, a qual, entrando mais ou menos rapidamente em processos secundários de aprendizagem passa a associar, a identificar e a transferir; a intensificar, a representar e a substituir e, por isso, a sentir rápidas acelerações em seus processos cognitivos. Em vez disso, o deficiente poderá permanecer longo tempo em seus processos primários e, no caso de acentuados níveis de deficiência, jamais atinge o desenvolvimento dos níveis dos processos secundários de aprendizagem. Os potenciais de conhecimento e de acção de tais deficientes permanecerão a níveis de seu inconsciente ou pré-consciente e jamais se manifestaram, exteriorizaram e desenvolvem em benefício de si mesmos, dos outros, da comunidade ou da sociedade em geral e sem que seus processos psíquicos, cognitivos e mentais passem por uma série de transformações necessárias à vivência de uma existência em sua normalidade social, psicológica, emocional e afectiva, permanecendo, então, seus possíveis potenciais recalcados em seu inconsciente. Porém, tanto os processos de desenvolvimento psíquico como de cognição e de harmonioso desenvolvimento interdependem enormemente das interrelações efectuadas entre os três sistemas psíquicos do indivíduo, isto é, do seu inconsciente, pré-consciente e consciente. As ausências, distorções ou obstáculos de comunicação entre estes três sistemas da acção e desenvolvimento neurocerebral, instintivo-funcional e erótico libidinal com suas funções e necessidades emocionais, afectivas, psíquicas, cognitivas, intelectuais e mentais são causas fundamentais não só de deficiências intelectuais mas também dos transtornos, perturbações e desvios emocionais, afectivos e comportamentais. Isto porque como afirmou Freud ( V. W. II – III, 620 ) « o sistema pré-consciente opera entre o consciente e o inconsciente e faz com que não só se feche o acesso ao consciente mas também o do consciente ao inconsciente e, como é óbvio, os processos cognitivos efectuam-se a partir da carga e acção bioenergética do inconsciente em dinâmica e interacção com os processos do real, o princípio do prazer e da envolvência ». Uma tal harmoniosa e desejada funcionalidade do aparelho psíquico do ser humano pode ser anulada, distorcida ou bloqueada por múltiplos e hipercomplexos factores tanto de natureza endógena como exógena, criadores do deficiente, do anormal, do doente ou do patológico. Daí o facto da causalidade de tais efeitos ser multidiversificada, pluridimensional e de hipercomplexas origens. Por isso, hereditariedade, gènes, gravidez, parto, doenças infecto-contagiosas, acidentes de trânsito, doenças profissionais ou de trabalho, acidentes cardiovasculares, senilidade, etc., podem estar na origem de uma deficiência ou de uma doença mental, as quais, não raras vezes, manifestam-se como plurideficiências, isto é, com deficiências mentais, distúrbios emocionais e alterações comportamentais ligeiras, moderadas, profundas ou severas. Existem, por consequência, indivíduos com deficiência mental e, simultaneamente, com paralisia cerebral, o que, na realidade, não necessariamente, uma implica a existência da outra. No entanto, existe, não raramente, uma relação 166 entre as duas porque qualquer problema genético, neurocerebral, fisiológico ou ambiental que danifique o sistema nervoso central ao ponto de causar paralisia cerebral pode também causar deficiência mental. Por tal facto, no caso de crianças com paralisia cerebral, torna-se impossível a elaboração de um diagnóstico de deficiência mental com base em testes de inteligência padronizados para crianças com capacidade de fala, de linguagem e motora. É que muitas crianças com paralisia cerebral têm problemas tanto na área da comunicação como da linguagem, da psicomotora como na da aprendizagem, da audição como da visão. A nível neuropsicológico, a existência de lesões pode não só anular ou diminuir o desenvolvimento de certas funções cerebrais como também fazer com que a passagem, interacção e retroacção dos estímulos entre os hemisférios não se efectuem, apesar de neuro-anatómica e psicoemocionalmente ser possível efectuarse trabalhos, acções e comportamentos de compensação que neutralizam os efeitos de uma tal lesão ou danificação cerebral. No caso de crianças com deficiência mental ou atraso ligeiro, a nível de aprendizagens, normalmente com alguma lesão cerebral, distúrbio emocional ou deficiência sensorial e com problemas generalizados a nível da linguagem falada, escrita, da leitura, soletração, cálculo, etc.; umas manifestam-se hiperagitadas ou hipercinéticas e outras tímidas, inibidas ou passivas e outras não apresentam dificuldades de maior a nível de compensação e de desenvolvimento de suas capacidades deficitárias ou abaixo da média, desde que acompanhadas por técnicas psicopedagógicas compensatórias, desenvolvimentistas e curativas, isto é, por técnicas bioenergigantes, vitalizadoras, dinâmicas, activadoras, emocionais e afectivas. Considerando os enormes potenciais de plasticidade, flexibilidade, maleabilidade e adaptabilidade do cérebro humano as causas dos atrasos mentais infantis ou das deficiências ligeiras, dos transtornos, perturbações ou disfunções do cérebro humano são muito mais fáceis de compensar, de desenvolver e de reequilibrar na primeira e segunda infâncias que na fase da adolescência e muito mais fácil nesta fase, que na fase da adultícia. E isto não só porque o próprio cérebro humano possui suas fases de aproximação do desenvolvimento maximal e, por isso, também de compensação, harmonização e equilibração, mas também porque em seu estado de adulto o ser humano desenvolve esquemas mentais, afectivos e emocionais de atitudes e comportamentos em nada facilitadores de mudanças e/ou de inovações a nível de estruturas psicocerebrais, cognitivas, intelectuais ou mentais. Com efeito, a existência de certos sinais ou a ausência de certas manifestações já na mais tenra idade de uma criança, são sintomas de deficiências em seu desenvolvimento psicomotor ou de anormalidades funcionais como sucede, por exemplo, quando após os três meses de idade uma criança persiste com oscilação da cabeça, quando a partir dos oito-nove meses de idade é incapaz de manter sozinha a posição de sentada, não possui prensão voluntária, quando a partir dos dezoito meses não caminha, quando a partir dos três anos de idade não é capaz de efectuar a cópia de um círculo, a partir dos quatro anos a cópia de um quadrado ou a partir dos sete a cópia de um losângulo. Um tal conjunto de sinais, teoricamente revelador de futuros atrasos ligeiros, podem tornar-se moderados ou mesmo graves, caso os seus portadores não sejam submetidos às terapias, às propedêuticas, às intervenções ou às reeducações necessárias e adequadas, visto o não tratamento ou evitamento de tais causalidades poderem tornar-se causa essencial acrescida de outras daí decorrentes de 167 acentuado atraso intelectual, perturbação comportamental e a inadaptação social. Isto porque os efeitos de um atraso mental ligeiro podem possuir consequências não previsíveis, isto é, uma criança poderá possuir dificuldades de aprendizagem durante seus processos de escolarização e, futuramente, a nível sócio-profissional adaptar-se ou integrar-se em consonância com seu nível intelectual sem ser considerado atrasado ou deficiente intelectual como tinha sido durante a sua escolaridade. Poderá, pelo contrário, efectuar os parâmetros exigidos pela escolaridade e, socialmente, tornar-se inadaptado, revoltado, marginal ou delinquente. Um tal múltiplo e complexo conjunto de possíveis derivações sóciocomportamentais e integrativas parece, em grande parte, interdependente, com certa e actualizada evidência científica, não só da profundeza e latitude das lesões ou distorções neuronais mas também da localização no sistema neurocerebral. É que, implicando a acção funcional do sistema cerebral mobilização e dinâmica integrada e interactiva de todas as suas partes, uma lesão, distorção, bloqueamento ou inibição de uma dessas unidades, sub-unidades, áreas ou regiões provoca ou desencadeia maiores ou menores efeitos, distorções, disfunções ou deficiências no seu todo, como parece evidenciar-se através da síndroma de desconexão neuronal, a qual imobiliza ou dificulta a mobilidade de uma ou várias estruturas cerebrais como sucede, por exemplo, com a existência de lesões na área da recepção, dificultadoras da expressão e da comunicação, com lesões no tronco cerebral, no hipotálamo, nos hemisférios cerebrais, no corpo caloso, nos lóbulos, as quais provocam, cada uma delas, seus especiais efeitos mais ou menos acentuados como sucede, por exemplo, com certo tipo de lesões efectuadas no corpo caloso em que o sujeito aparece sem comunicação entre os dois hemisférios e, por isso, com deficiências ou disfunções mentais a nível global, lesões num dos dois hemisférios que desencadeiam dificuldades ou problemas a nível de associação e de harmonização funcional, visto os sistemas intuitivos, psíquicos e intelectuais emanarem das inter e retroactivas dinâmicas e actividades de certos lugares neurocerebrais, essencialmente dos que estão conectados com os sistemas motores e perceptivos, com os das pulsões e das emoções, dos estímulos e dos afectos, visto estes desempenharem funções bioenergizantes nos sistemas psíquicos, intelectuais e mentais, interactivando genótipo e fenótipo, indivíduo e meio, orientando e conduzindo o sujeito em seus processos de organização e de desenvolvimento, de integração e de adaptação aos meios, aos ambientes e aos ecossistemas. A existência de um tal conjunto de potenciais de flexibilidade, de maleabilidade e de adaptabilidade de um indivíduo não impede, porém, nem compensa ou recupera no todo ou em parte a vasta e complexa sintomatologia da deficiência cuja etiologia genética, hereditária, acidental, familiar, social, orgânica, cultural, ambiental, emocional ou afectiva gera complexos e interdependentes efeitos das mais variadas dimensões e dos mais diferentes graus de profundidade, com efeitos diferentes ou específicos de deficiência para deficiência, embora, geralmente, uma deficiência não apareça isolada como sucede, geralmente, nos casos do mongolóidismo em que o sujeito apresenta, simultaneamente, deficiências respiratórias, cardiopatias, problemas de imunização ou certo tipo de lesões cerebrais que aparecem em conjunto com epilepsia, embora a causalidade dos efeitos mais negativos interdependa fundamentalmente da gravidade e localização da lesão contraída e de suas implicações socioculturais e profissionais, que podem por à prova todas as técnicas, meios e instrumentos de recuperação, mesmo quando estes são persistentemente utilizados imediatamente após a efectuação da lesão. 168 É que, por exemplo, em casos de deficiências severas e profundas, cuidados e tratamentos adequados e intensivos, compensam, estimulam e desenvolvem as restantes áreas funcionais do cérebro mas não substituem a área lesada. É óbvio, no entanto, que nem todas as lesões cerebrais são causadoras de deficiências ou de atrasos mentais, como sucede quando uma lesão ou paralisia cerebral produz efeitos de natureza exclusivamente motora embora os efeitos de uma tal disfunção possam estar na base de inibições comportamentais, complexos de inferioridade, rejeições ou não aceitações por parte do sujeito, o que o pode conduzir à revolta, à solidão, à timidez ou à auto-rejeição, factores desencadeadores de dificuldades de aprendizagem, obstáculos à socialização e à integração grupal e social, advindo, de tais comportamentos, manifestações de atraso mental e de incapacidades nas aprendizagens. De facto, as causas dos atrasos intelectuais são de vária ordem, natureza e nível, e não exclusivamente desencadeadas por lesões ou disfunções cerebrais. As carências sensoriais, por exemplo, são causa de ausência dos estímulos necessários a nível de sensorização e tais limitações podem conduzir um indivíduo a dificuldades ou incapacidades de manualização, manipulação, orientação e interacção com os meios, os outros e o ambientes como sucede com os cegos e os surdos. Os casos das carências afectivas e emocionais, de maneira particular as resultantes da primeira e segunda infância, ocupam um lugar de destaque nas causas dos atrasos intelectuais ou mentais, visto tais carências ou privações gerarem na criança, segundo Ajuriaguerra, « ausência de diálogo tónico », síndromas de hospitalismo ou de « depressão anaclítica » segundo René Spitz ou síndroma de « atraso ambiental », segundo a terminologia de Gesell. Isto porque a criança, na relação mãe-filho, recebe, desde os primeiros momentos da sua existência, numerosos sinais e provas de afecto, de maneira particular no momento da alimentação, do cuidado do corpo, da higiene e, embora a criança responda à mãe de forma global e indiscriminada, estabelecem e estruturam entre si laços de afecto, de carinho e amor, e tais laços desenvolvem na criança sensações de prazer e protecção, de bem-estar e segurança, de liberdade e comunicação, factores essenciais de desenvolvimento de novos e diferenciados estímulos positivos, de busca de interacções com os outros e com o meio, de descobertas e de criatividades, factores essenciais do desenvolvimento de vastas gamas de estímulos quantitativos e qualitativos. As privações ou carências de natureza sociocultural também se encontram nas causas dos atrasos intelectuais, como demonstrou Basil Bernstein: as crianças oriundas de classes sociais, sociocultural e economicamente desfavorecidas, são as de maior número entre as crianças com dificuldades de aprendizagem e, de uma forma generalizada, as crianças de uma tal classe sociocultural e económica caracterizam-se em suas atitudes e comportamentos sociais e escolares, pela utilização de frases curtas, frequentemente incompletas e gramaticalmente simples; por uma construção sintáctica pobre, uso simples e repetitivo de conjunções, utilização frequente de perguntas e de ordens, uso limitado e rígido de adjectivos e advérbios, pouca utilização de pronomes impessoais, uso de simbolismos de baixa ordem de generalidade, formulação de afirmações sob a forma de perguntas, afirmações que indicam, simultaneamente, a razão e a conclusão, frequente selecção individual a partir de um grupo de frases idiomáticas, estruturação de frases em que a qualificação individual está implícita, etc., características sóciolinguísticas, sociais e comportamentais que fazem com que as crianças de tais 169 classes sociais possuam quinze vezes mais probabilidades que as crianças de classes médias ou superiores de serem diagnosticados como « atrasados mentais ». É que, normalmente, a tais características sócio-linguísticas anexam-se efeitos de privações afectivas, de cuidados higiénicos e médicos, de alimentação e subnutrição, bem como os efeitos das escassas interacções em seus ambientes familiares e sociais e os da existência de condições mínimas para desenvolvimento de habilidades e de destrezas; de desempenho de tarefas, papeis e funções. Não raras vezes, porém, crianças com quocientes intelectuais situados entre 55 e 80 apresentam sintomas cujas causas interdependem das interactivas complexidades anteriores. E, embora, tais crianças possam ser dotados de muitos outros e variados potenciais, tanto a sociedade em geral como a escola institucionalizada geralmente não os valorizam, estimulam ou desenvolvem, orientando tais crianças pela ausência do princípio da valorização, da realidade e do empenho, da auto-aceitação e da funcionalidade plena, da auto-estimulação e da heteromotivação, comportamentos sociopsicológicos cujas hipotéticas probabilidades de oportunidades iguais aprofundam ainda mais as desigualdades existentes a partir do próprio nascimento. Além disso, a existência de um tal comportamento tem origens também no facto das causas dos atrasos mentais serem de vasta e heterogénea causalidade, possuindo, apenas, quase em comum, o facto da dimensão intelectual não possuir um desenvolvimento normal, nem se poder prever, com segurança, qual a dinâmica da sua funcionalidade nem o seu prognóstico, apesar de um tal critério permanecer exclusivo do domínio pedagógico e, por isso, não avaliar nem valorizar as possíveis potencialidades de desenvolvimento de uma criança ao nível das potencialidades e competências sociais, sócio-integrativas e futuramente profissionais, características essenciais de socialização e integração dos indivíduos em seus meios familiares, sociais e profissionais. Ora, tendo em consideração as várias dimensões em que um indivíduo tem necessidade de dinamizar, concretizar e realizar sua própria existência, a Associação Americana para o Atraso Mental acentuou como critérios o do funcionamento intelectual e o das habilidades adaptativas. Por isso, segundo a dita Associação, é diagnosticado como atrasado mental o indivíduo que possui um quociente intelectual aproximadamente de 70 a 75 ou inferior, o que possui disfunções ou incapacidades significativas em duas ou mais áreas das habilidades adaptativas e o que manifestou índices de atraso antes dos dezoito anos de idade. O quociente intelectual pode ser avaliado através da passagem de testes psicológicos por pessoal condignamente qualificado e o seu comportamento adaptativo pode ser definido pela avaliação da eficácia com que um indivíduo executa suas actividades e acções de independência e de responsabilidade social e se insere em seus grupos etários e culturais, e isto sempre em função de sua idade cronológica e de seus grupos e meios de pertença natural. Por isso, Grossman (1973) afirmou: «o atraso refere-se a um funcionamento intelectual geral significativamente inferior à média, existindo concorrencionalmente com defeitos de comportamento adaptativo e manifestando-se durante o período do desenvolvimento» ( Grossman, 1973 pág. 11 ). Sendo, em sentido genérico, causas dos atrasos mentais, factores genéticos e hereditários, lesões, desconexões e disfunções cerebrais, doenças mentais e carências ou privações emocionais, afectivas, sociais, culturais e económicas, uma tal vasta e complexa interdependência faz com que suas causas se tornem impossíveis de analisar separadamente. 170 Existe, actualmente, uma acentuada tendência para pôr em evidência o papel dos factores culturais no desenvolvimento intelectual e mental da criança, mas, torna-se importante, porém, que um tal movimento não despreze, por sua vez, o grande número de desorganizações neurológicas de ordem cromossómica ou metabólica. É que as causas do atraso mental devem ser procuradas de forma multidimensional e interdisciplinarmente, isto é, a nível genético, hereditário, de lesões ou de desconexões neurocerebrais e de influência dos factores socioculturais e afectivos. Certos autores, no entanto, falam de atraso de origem endógena quando se referem a indivíduos com atraso de origem orgânica e atrasos de natureza exógena quando no distúrbio predomina uma perturbação emocional, afectiva, relacional, social ou cultural. No entanto, como assinala M. Vial, nada comprova que os traços psicológicos descritos a propósito dos chamados deficientes endógenos não estejam presentes, igualmente, quando os factores afectivos são os que intervêm fundamentalmente. Mesmo assim, nada permite afirmar que o prognóstico de um deficiente de origem afectiva seja necessariamente melhor. Uma revisão dos factores que acarretam variação da inteligência apresenta-nos um percentual de 40% de variação atribuível a componentes genéticos não fixos e o restante dependente da influência do meio, podendo este ser atribuído a três factores diferentes: às doenças e às condições de nutrição, principalmente no período prénatal, ao meio intelectual e abrangência dos interesses intelectuais na sua função de estímulos e às possibilidades culturais e educativas. A nível genético não só as patologias ou malformações devem ser tomadas em consideração mas também as características normais ou patológicas dos pais que possam influir no desenvolvimento da criança, além dos mecanismos hereditários propriamente ditos relacionados com a idade dos pais, com as condições de gestação, etc.. A nível de factores não genéticos, por outro lado, devem ser tomados em consideração a existência de agentes que actuam durante o desenvolvimento do embrião ou do feto, a existência de lesões durante o parto que atingem um feto bem constituído e provido de todas as possibilidades ou a existência de lesões que acontecem com crianças pouco depois do nascimento, factos e contingências que originam as denominadas lesões cerebrais ou alterações orgânicas. Além disso existem, no entanto, perturbações que não lesionam o cérebro em si mesmo mas que alteram a sua organização pois têm origem em factores externos relacionados com o meio ambiente. A nível de pragmatismo, porém, o grande problema a nível de atrasos mentais não está somente em distingir entre o que é genético mas também em tentar isolar, de um lado, as deficiências mentais relativas a uma falta de potencial, classicamente consideradas como hereditárias ou relacionadas com uma insuficiência cerebral adquirida e, de outro lado, as deficiências mentais que aparecem em crianças cujo potencial anátomo-fisiológico é de valia, mas que não são capazes de utilizá-lo ou que, por razões socioculturais ou afectivas, tornam-o inútil. A maioria absoluta das representações sociopsicológicas de deficiente intelectual tornam-o sinónimo de insuficiente, atrasado intelectual e de incapacitado, o que, de facto, não corresponde à realidade dos potenciais psico-intelectuais e afectivo emocionais de um sujeito. Tais características traduzem mais aspectos ou dimensões psico-clínicas, escolares e cognitivas de um sujeito que fazem com que ele se sinta incapaz de responder ou de corresponder às exigências e necessidades deste ou daquele determinado meio e, por isso, limitações face ao comprimento de 171 certas exigências e não estados fixos de desenvolvimento intelectual e mental, pois tais défices podem ser recuperados, reabilitados, compensados, orientados e mesmo investidos em desempenhos, tarefas, funções e actividades sócioprofissionais compatíveis não só com as capacidades e competências do indivíduo mas também com os seus potenciais de desenvolvimento, de integração e de afirmação individual ou pessoal. No entanto, a objectividade dos factos, demostra que os sujeitos deficientes intelectuais possuem menor rendibilidade e desenvolvimento a nível intelectual, cognitivo e mental em algumas ou em variadas dimensões desenvolvimentais em relação aos grupos comparativos ditos normais, grupos cuja normalidade interdepende, sobremaneira, de um certo critério de homogeneidade implementado pela sócio-pedagogia institucionalizada, visto ser em função de resultados escolares, dos comportamentos sociais, da comparação com os quocientes intelectuais médios e superiores, das socializações escolares e das integrações profissionais que um determinado sujeito, tradicionalmente, é avaliado como normal, subnormal ou anormal. É evidente, porém, que as capacidades de um sujeito deficiente são diferentes das capacidades dos indivíduos normais e destes se diferenciam em muitos e variados aspectos, dimensões e níveis. Por isso, comparar o incomparável torna-se anacrónico e ilógico, pois as experiências sociais, os potenciais de comunicação tanto interiores como exteriores, as motivações e as expectativas de uns não são iguais às dos outros. Tanto o nível como a quantidade ou a qualidade dos deficientes é mais baixo, mais reduzida e mais pobre que a dos não deficientes, e isto tanto em seus mais variados níveis de desenvolvimento como de acção, de socialização como de integração. A variabilidade de tais níveis e dimensões encontram-se na origem dos conceitos de insuficiente intelectual, atraso mental, debilidade mental e deficiência. O conceito de insuficiência intelectual gerou os categorizantes diagnósticos de deficiência ligeira ou moderada com hipóteses de reversibilidade, e, o de insuficiências intelectuais com deterioração ou degeneração das funções mentais. O do conceito de deficiência irreversível, classificação que desencoraja, inibe todas as perspectivas terapêuticas de educabilidade, de sociabilidade e de integração. Por isso, diagnosticar uma criança de deficiente intelectual ou mental é hipercomplexo, pois os seus potenciais não se reduzem exclusivamente aos aspectos fundamentais do seu funcionamento cognitivo, isto é, à motricidade, às práxias, à percepção, ao esquema corporal, à estruturação das representações no espaço e no tempo, etc., mas, também, e, fundamentalmente, à sua dinâmica interior, aos seus potenciais bioenergéticos, aos seus conflitos individuais, às suas representações afectivas, às suas envolvências emocionais com os meios, os objectos ou os instrumentos; aos seus mecanismos de rejeição ou projecção, aos seus bloqueamentos, receios ou medos, aos seus meios familiares, subculturas ambientais, interacções socioculturais, níveis intelectuais, sócio-profissionais e culturais dos meios, bem como ao dinamismo psicoemocional do indivíduo. O facto de não se ter trabalhado com o conjunto das anteriores variáveis, mas, apenas com aquelas que, falsamente, se consideravam essenciais ao funcionamento cognitivo, fez com que filhos de classes sociais ou profissionais diferentes obtivessem quocientes intelectuais diferentes e, o espírito veiculado pela escola institucionalizada, apesar de toda a sua democraticidade, implementasse uma dinâmica de darwinismo sociológico, graças às suas valorizações do formal, do abstracto e subvalozizações do informal, do concreto e do operacional pois, como o 172 demonstrou Salbreux e Rougier, ( 1979 ), numa vasta investigação que abrangeu 4236 indivíduos, os casos de atraso profundo, isto é, de quociente intelectual inferior a 30, são de origem das mais diversas classes sociais, sem distinção nenhuma entre elas, com excepção de psicoses infantis gravemente deficitárias, que seriam, segundo os autores, mais frequentes nos filhos das classes cultas e abastadas. Não há dúvida, no entanto, que as deficiências intelectuais de um indivíduo, sobretudo de uma criança, emergem de seus factores bioneurológicos, familiares, relacionais, emocionais, afectivos e sociais e, de tais inter-relações, emanará a diversidade de sua organização, a qual será mais ou menos funcional ou disfuncional consoante as estruturas, dinâmicas, solicitações ou exigências dos meios e os graus de maturação, os níveis de maturidade e os processos de organização e de desenvolvimento do indivíduo. Assim disfunções neurocerebrais provocadas por malformações hereditárias ou genéticas, por lesões cerebrais prénatais, peri-natais ou pós-natais podem constituir causas primárias de deficiências e de perturbações relacionais nas necessárias vivências mãe-filhos, nas inter-relações criança-meio, no desenvolvimento das pulsões individuais, nas energias emocionais, nos afectos relacionais, na elaboração e desenvolvimento da função simbólica, nos registos e aprendizagem das comunicações e da linguagem, disfunções cujos efeitos se tornam impossíveis de prever a médio e longo prazos, mesmo quando é possível o investimento do potencial reabilitativo, terapêutico e educativo. Isto porque as disfunções cerebrais acarretam certas incapacidades ou dificuldades no restabelecimento e reorganização da integridade do indivíduo, no controlo de seus movimentos, na orientação das suas pulsões bem como no desenvolvimento e harmonização de suas potencialidades. A existência das anteriores inter-relações deve-se ao facto de que, sendo o ser humano uma unidade biossociopsicológica, torna-se um contra-senso opôr doenças mentais ou deficiências psíquicas a doenças do corpo ou efectuar oposições entre doenças mentais e doenças somáticas. Como afirmou Ch. Dejours ( 1989, p. 116 ): « as doenças mentais serão sempre ao mesmo tempo doenças do corpo e doenças do corpo serão sempre ao mesmo tempo doenças mentais. Ou, se se prefere uma outra formulação, toda a doença será sempre simultaneamente doença mental e doença somática ». Com efeito, a natureza dos desenvolvimentos psíquicos, intelectuais e mentais emerge dos desenvolvimentos e organizações dos processos primários do indivíduo e o maior ou menor reforço de seu “ eu “ psicológico, corporal, afectivo ou emocional, bem como seus mecanismos de defesa ou de projecção, interdependerão das recíprocas interacções efectuadas entre seus processos primários e secundários, entre os agentes ou factores do meio e seus potenciais individuais, de maneira particular de flexibilidade e maleabilidade, de abertura e disponibilidade, de receptividade e interiorização dos factores e acções do meio e das restruturações ou reorganizações individuais. É através de um tal potencial de mobilidade interactiva, de interacções e retroacções que interdependerá a sua adaptabilidade à normalidade ou sua resistência ao desenvolvimento normal, resistências de natureza bioneurocerebral, emocional, cognitiva, afectiva ou cultural, que farão com que uns em relação à normalidade, permaneçam disfuncionais, subdesenvolvidos ou em vários graus e níveis de atraso manifestados por incapacidades ou ausência de competências, por défices ou alterações neuropsíquicas, por distorções ou anomalias comportamentais, por inibições emocionais ou carências afectivas ou por neuroses ou psicoses dos mais variados níveis e formas mentais. 173 A nível neurocerebral, as disfunções organizativas, tanto a nível de células como de neurónios, de sinapses como de axónios, podem influenciar negativamente tanto a acção do sistema nervoso central como a do sistema nervoso periférico e originarem perturbações, insuficiências ou deficiências nas mais variadas dimensões da acção psicocomportamental, cognitiva ou mental consoante as localizações das desorganizações, das lesões ou malformações cerebrais. Defeitos dos pais, geradores de maus funcionamentos bioquímicos do organismo dos filhos, como pode ser o caso da fenilcetonuria, perturbações do metabolismo proteico ou alterações na constituição da molécula do A.D.N., são passíveis de transmitir doenças ou deficiências aos próprios filhos, sendo o risco das anormalidades nos descendentes directamente proporcional à gravidade da malformação, como, sucede, por exemplo, na existência de distúrbios autossómicos dominantes, em que o gène responsável por um distúrbio autossómico está situado num dos vinte e dois autossomas, podendo afectar tanto os homens como as mulheres, pois que, uma vez que alelos se segregam independentemente na meiose, há uma hipótese, de um em dois, de que a prole de um heterozigótico afectado perca o alelo mutante e, simultaneamente, uma probabilidade de um em dois da prole herdar o alelo normal, visto serem característicos os factos de: 1º- cada indivíduo afectado ter um progenitor afectado, a menos que a condição surja por uma mutação nova ou se expresse francamente no progenitor afectado; 2º- um indivíduo afectado tem, em média, tanto a prole afectado quanto a normal em iguais proporções; 3º- os filhos normais de um indivíduo afectado terão apenas prole normal; 4º- cada sexo tem igual probabilidade de transmitir a condição para a prole masculina e feminina, ocorrendo a transmissão de homem para homem; 5º- a transmissão vertical da condição ocorre por sucessivas gerações, especialmente quando um carácter não prejudica a capacidade reprodutiva. Com efeito, embora em tais situações a metade da prole de um indivíduo com uma condição autossómica dominante herde a doença, não é necessariamente verdadeiro que cada pessoa afectada deve ter um progenitor afectado. Por isso, em toda a doença autossómica dominante há uma certa proporção de pessoas afectadas que devem o seu distúrbio a uma nova mutação e não, necessariamente, a uma mutação herdada, e, muitas dessas mutações, podem prejudicar, ou não, a função do produto genético ou envolver uma função recessiva, de modo que a mutação será clinicamente silenciosa. Outras mutações, no entanto, causam um produto génico defeituoso que originará um carácter dominante. A nível de autossomas recessivos, a existência de distúrbios pode ser factual, quando dois gènes anormais, expressivamente, se combinam para criar condições especiais para a herança autossómica como sucede, por exemplo, quando homem ou mulher são portadores do mesmo gène autossámico recessivo, 25% dos filhos serão normais, 50% serão heterozigóticos portadores e 25% serão homozigóticos e afectados pela doença. Em tais circunstâncias constata-se que, se um indivíduo afectado se casar com um heterozigótico, como pode ocorrer num casamento consanguíneo, metade dos filhos será afectada ou se dois indivíduos com a mesma doença recessiva se casam todos os filhos serão afectados. Além dos gènes recessivos e seus consequentes distúrbios existe um elevado número de perturbações desencadeadas pelo cromossoma x e, em tal interdependência ligado aos distúrbios do cromossoma x, as mulheres são duas vezes mais afectadas que os homens; uma mulher afectada transmite o distúrbio 174 para metade dos seus filhos e metade das suas filhas e um homem afectado transmite o distúrbio para todas as suas filhas e para nenhum dos seus filhos, podendo, a partir de tal transmissão, gerar-se, na prole, hemofilia, diabetes, síndroma de Lesch-Nihan, distrofia muscular de Duchenne, feminilização testicular, doença de Fabri, etc.. Além disso, muitas outras aberrações cromossómicas podem tornar-se aparentes envolvendo os cromossomas 4,5,9 e 11 como sucede, por exemplo, em ligação com o cromossoma 4, a existência de uma ossificação atrasada e a microcefalia, com a existência de orelhas mal formadas e de implantação baixa ligada ao cromossoma 5, com existência de sopro cardíaco ou espaçamento aumentado dos mamilos ligado ao cromossoma 9 ou com atraso do crescimento e genitais ambíguos no homem ligado ao cromossoma 11. Existem, além disso, muitos outros potenciais de aberrações neuropsicológicas interdependentes da morte de neurónios ou da desagregação de sistemas neuronais causada por factores de pré-disposição genética e hereditária dominante ou recessiva, por intoxicações, infecções, distúrbios metabólicos, etc., desencadeadoras no indivíduo de doenças degenerativas do sistema nervoso, processadas através de alterações das estruturas e funções dos neurónios e seus respectivos sistemas provocadas por rupturas ou compressões dos axónios, modificações, desintegrações ou desaparecimentos efectuados nas mais variadas áreas do cérebro como sucede com as doenças de Parkinson, de Alzheimer e de Huttingthon. Sendo a doença de Parkinson uma doença degenerativa, com evolução bastante gradativa e curso prolongado, é uma doença típica da fase média ou tardia da vida. Manifesta-se por movimentos trémulos involuntários, por acinèsias e rigidez que dificultam o desencadeamento de movimentos voluntários e geram anomalias não só no movimento, mas, também, na postura, bem como alterações ou perturbações a nível do psicológico. Não existindo paralisia total em tal doença, mesmo em seu estado mais evoluído, acontece, não raras vezes, que o paciente, pela rigidez e pelos tremores, tornar-se tão incapacitado a ponto de se tornar incapaz de cuidar de si mesmo. No entanto, embora a deterioração mental não seja uma característica fundamental de tal doença, existem probabilidades de um terço delas evoluírem até um estado de demência bem como manifestarem alucinações visuais e auditivas. Por sua vez, a doença de Alzheimer, podendo ser definida como verdadeiro e real desastre anátomo-funcional, caracteriza-se por uma deteriorização mental global e progressiva. É causada por uma atrofia cerebral difusa, geradora de acentuados efeitos neuropsicológicos, progressivamente cada vez mais acentuados, sem origem em lesões cerebrais circunscritas, mas com acentuadas e progressivas modificações estruturais e desequilibradas a nível de neurotransmissores, essencialmente a nível de córtice cerebral e de várias estruturas subcorticais, de maneira particular a nível de hipocampo. A nível de córtice cerebral são atingidas, de maneira particular, as áreas associativas, o que deteriora progressivamente as funções superiores da mente humana, como sejam: a memória, o conhecimento, a atenção, a linguagem, a orientação espacial, bem como as habilidades e destrezas corporais correlacionadas, e, produzem, acentuados efeitos de natureza psicopatológica, que vão desde a ansiedade à depressão, desde os delírios às alucinações e a outros comportamentos anómalos. É uma doença que, iniciando-se pelos 55 anos de idade, manifesta-se lenta mas progressiva, tornando-se difícil de diagnosticar nos seus inícios. As suas manifestações iniciais são perda de memória global e desorientação espacial bastante intensa. Progressivamente nota-se uma deficiência mental global com 175 redução da actividade psicomotora, uma certa indiferença ao meio sócio-ambiental e uma progressiva apatia emocional, surpreendidas, por vezes, por surtos de ira, cólera ou ansiedade. A sua progressão, porém, faz com que perturbações psicológicas mais acentuadas se desenvolvam e dêem origem a confabulações, a alucinações, a comportamentos de acentuados ciúmes ou preconceitos; a depressões crónicas e a delírios um pouco acentuados, a rupturas em seu pensamento simbólico, a perturbações da escrita, da leitura e da linguagem. Com a progressiva evolução da doença o paciente até as suas habilidades mais elementares pode perder, bem como as partes mais elementares de sua inteligência ecológica e entrar em estado de profunda demência, com perda completa das actividades operatórias e simbólicas, do pensamento representativo e formal e com verdadeiros síndromas de afasias, apraxias e agnosias de todo o tipo e natureza. Em seu período terminal a doença evolui para um estado demencial profundo com apragmatismos completos e aparecimento de comportamentos arcaicos. Ora, sendo a doença de Alzheimer uma doença evolutiva que progressivamente leva o paciente a um estado de demência, isto é, a uma fragilização global da mente, bem como das capacidades psíquicas, intelectuais e mentais com profundas alterações a nível emocional e afectivo, corporal e social, visto ser uma doença que, em seu estado demencial atinge todas as funções intelectuais, iniciando-se a perda da memória pelas recordações mais próximas e atingindo, progressivamente, as recordações mais longínquas, sendo, em princípio, as recordações longínquas, com forte carga afectiva, as últimas a desaparecerem. A doença de Alzheimer é extremamente rara em pessoas jovens e na meia idade. Em casos da trissomia 21, após os 40 anos de idade, aparecem lesões características de uma tal doença. No caso de pessoas normais, à medida que a idade avança, ela torna-se cada vez mais frequente, de forma que a incidência chega a mais de 20% nas pessoas com mais de 80 anos de idade. O avanço da idade, porém, não é factor predisponente, pois existem muitas pessoas idosas que permanecem mentalmente saudáveis na nona década e mesmo após os cem anos de idade. Embora exista, ainda hoje, desconhecimento global da sua etiologia como pontos de referência investigativa, pode-se constatar o aparecimento de tal doença em casos familiares com herança autossómica dominante, certas predisposições hereditárias, factores congénitos, existência de diversas perturbações metabólicas, intoxicações, existência de certas viroses de desenvolvimento lento, etc.. Apesar disso, constata-se, no entanto, um progressivo aparecimento e desenvolvimento da doença de Alzheimer nas nossas sociedades ocidentais industrializadas. No leque das doenças degenerativas encontramos ainda a doença de Huttingthon, caracterizada por associação de movimentos atetóticos e demência progressiva. Inicia-se, habitualmente, na meia idade e é transmitida como doença autossómica dominante, encontrando-se o seu gène determinante localizado no seguimento terminal do ramo curto do cromossoma 4, doença degenerativa caracterizada pelo estado mórbido do paciente, com movimentos anormais e anormalidades motoras complexas, parecendo a sua causalidade ser de natureza hereditária pois, na maioria dos casos diagnosticados, existe uma história familiar da doença, ainda que, ocasionalmente, tais pacientes manifestem sintomas típicos sem história familiar documentada, visto muitos membros da família terem falecido de outras causas antes que a doença se manifestasse. 176 O conjunto de doenças degenerativas, causador de estados demenciais, em seu acentuado nível de involução, não se identifica, de forma alguma, com oligofrenia, visto nesta existir, desde o início, um deficiente desenvolvimento intelectual e, nos processos demenciais, provocados por factores degenerativos, verifica-se uma regressão das capacidades já existentes. Por isso, as oligofrenias são efeitos de acentuados défices mentais devido a causas hereditárias ou a factores profundamente nocivos durante a gestação, no parto ou no pós-parto. As suas etiopatologias podem subdividir-se em genéticas e não genéticas, sendo as genéticas emanadas de características normais ou patológicas dos pais, que podem influenciar o desenvolvimento da criança, além dos mecanismos hereditários propriamente ditos, bem como as modificações relacionadas com a idade dos pais, com as condições de gestação, etc.. Os factores não genéticos podem ser múltiplos e de variada causa como, por exemplo, a existência de agentes que actuam durante o desenvolvimento do embrião ou do feto, lesões durante o parto que atinjam um feto bem constituído e provido de todas as possibilidades, lesões efectuadas na criança pouco depois do nascimento, que provocam alterações orgânicas, negativos factores ambientais, incapazes de estimular e desenvolver a criança em seu devido tempo, apesar daquela poder possuir válido potencial como sucede, não raras vezes, no caso de crianças abandonadas, profundamente subnutridas, crianças com extremas carências e privações afectivas, emocionais ou socioculturais. Embora certos autores englobem sob o termo oligofrenia o conjunto das deficiências mentais seja qual for o grau, uma tal globalidade é de extremo reducionismo e não caracteriza as origens da oligofrenia, visto esta, caracterizada por acentuada insuficiência no desenvolvimento intelectual, psicológico e mental, possuir as suas reais e verdadeiras causas em malformações neurocerebrais e em problemas de desmetabolização cerebral, sintomas detectáveis durante a primeira infância, visto tratar-se de deformações ou graves lesões do sistema nervoso central sendo, posteriormente, a sua autonomia reduzida, a aquisição da linguagem extremamente limitada, a maioria das vezes sem controlo dos esfíncteres e, por vezes, sem aquisição da marcha. O quociente intelectual destas crianças não ultrapassa, a maioria das vezes, um quociente de 30. Embora o conceito de oligofrenia seja cada vez mais discutível, caso o continuemos a utilizar, parece ser de bom senso usámo-lo apenas em referência aos deficientes severos, isto é, em relação aqueles cujo quociente intelectual não ultrapassa muito um Q. I. de 30 deixando os restantes níveis ou graus de deficiência entregues ao conceito de atraso intelectual ou mental. 177 CAPÍTULO VI O EMOCIONAL NAS EMERGÊNCIAS PROCESSUAIS DAS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM As técnicas modernas de diagnóstico do cérebro humano demostram que o aparelho neuropsíquico do humano é hipercomplexo, com múltiplas diferenciações e cartograficamente especializado. Por isso, o problema de hoje e do futuro em relação ao cérebro humano não se põe em termos de anatomia e de localização das suas funções mas sim em termos de comunicações e de retroacções entre as funções, em termos de qualidade e de quantidade das suas retroacções, da acção das vias ou canais das fibras cerebrais, de suas comunicações e retroacções ascendentes e descendentes, horizontais e verticais, corticais, subcorticais e transcorticais. Não há dúvida, hoje em dia, porém, que existem centros do cérebro, áreas e sub-áreas responsáveis de funções, de atitudes e comportamentos específicos embora em maior ou menor interdependência ou necessária colaboração de outros centros ou áreas do cérebro, como sucede, por exemplo, com o centro da linguagem, da memória, das emoções e dos afectos, que necessitam de permanente interactividade com outros centros para conseguirem sua plena e harmoniosa funcionalidade. Isto porque, apesar da predominância de certas áreas, produtoras de funções específicas, o cérebro é um tecido nervoso em permanente actividade, e, uma mudança, lesão ou disfunção numa das suas partes influencia, quantitativa ou qualitativamente, em maior ou menor grau, todas as outras partes do cérebro. É que, embora a anatomia cerebral e suas respectivas técnicas nos façam visualizar partes distintas do cérebro com funções específicas, os efeitos comportamentais, emocionais e psíquicos de um indivíduo emergem do seu todo. As capacidades mentais interconectam-se com processos neurofisiológicos elementares, as actividades conscientes com processos e mecanismos inconscientes, as emocionais e afectivas com processos fisiológicos e todas elas, no seu conjunto, interdependem da maior ou menor actividade, resiliência, pulsão e dinamismo das acções e retroacções do seu todo. O próprio Luria, por exemplo, (1966) adverte-nos da perigosidade em considerarmos as áreas específicas do córtice como lugares nos quais existem processos psicológicos específicos, incluindo a própria percepção, dizendo: “desde o ponto de vista da Psicologia moderna, a localização de tais processos, como a percepção visual ou auditiva, em áreas sensoriais limitadas do córtice cerebral, bem como a localização do movimento e da actividade voluntária em áreas limitadas do córtex motor, parece... mais improvável que a localização da respiração ou do reflexo patelar numa área simples, isolada do cérebro”. Por isso, como produtor e elaborador do pensamento, da acção e do comportamento de um indivíduo, a unidade neurocerebral do aparelho neurofisiológico interactua sistémica e indissociavelmente com os seus receptores e transmissores, captando, transmitindo e reelaborando estímulos, impulsos, registos, informações, percepções, sensibilidades, sensorizações, motricidades, sensações e emoções em função de suas disponibilidades e oportunidades, meios e circunstâncias, elaborando, a partir de tais interacções, o pensamento e a acção, as atitudes e os comportamentos, graças aos efeitos das interacções dos factores genético-hereditários mais ou menos eficientemente conjugados e harmonizados com os factores dos meios, interaccionismo através do qual se captam informações, se elabora o pensamento e se estimulam evoluções, visto a actividade cerebral processar-se, através de processos de entrada, de circulação, elaboração, predisposição e saídas, após intrínseca colaboração do sistema nervoso central, do sistema mental e comportamental, os quais, por sua vez, são constituídos de processos cerebrais, e, é através da acção destes, em maior ou menor interactivi-dade com os processos mentais, que se criam e desenvolvem os processos intelectuais. Graças a uma tal actividade do cérebro, o psíquico e o intelectual tornam-se realidades e estas realidades, em interacção com os meios, desenvolvem e interactivam imensas constelações e redes de multiconexões que, progressiva-mente, vão estimulando não só o desenvolvimento do próprio cérebro mas também o enriquecimento de seus conteúdos, a interfuncionalidade entre as suas áreas e a maior ou menor abertura, disponibilidade e sensibilidade para desenvolvimento de mais e melhores funções psíquicas, intelectuais e mentais, permanentemente interdependentes das acções e dos estímulos do neurocerebral, do existencial, instrumental e ambiental em dinâmicos, unitários e retroactivos processos genofenotípicos e, simultaneamente, ecossistémicos. A actividade e intensidade de tais processos interdependem, fundamental-mente, do facto de que as células não se comunicam entre si de forma indiscriminada nem formam redes aliatórias, mas, também, do facto de que o modo como uma tal comunicação e informação circulam no cérebro 178 interdependem não só das respectivas redes neuronais mas também de outros factores como as pulsões, as emoções, os afectos, a auto-estima, o auto-conceito, a dinâmica do princípio da realidade e a funcionalidade no princípio do prazer, fenómenos que geram constelações de estímulos e de motivações, de adesões e envolvências nos meios, e, os efeitos das acções destes estimulam o desenvolvimento das estruturas e dos dinamismos cerebrais, fazendo com que a sua actividade se torne mais expansiva, flexível, adaptável e reforçada, tanto em relação às suas próprias estruturas como dinamismos, em relação aos meios, aos ambientes como às circunstâncias, gerando-se, a partir daí, aberturas para novos patamares de percepções e cognições, de sensações e emoções, de experiências e vivências, de orientações e concepções, tornando-se, tanto umas como outras, activadoras de constelações de neurónios dispersas pelas mais vastas áreas do aparelho neurocerebral de um indivíduo, as quais, sendo singulares, são diferentes de indivíduo para indivíduo, tornando-se, também, a sua acção diferenciada consoante os meios, as circunstâncias, os estados mentais, emocionais e afectivos dos momentos e das situações de cada um, geradores de maior ou menor activação dos conjuntos de neurónios do córtice cerebral, de suas intrínsecas e extrínsecas conexões, emanando, dos níveis de tais acções e de suas recíprocas interactividades, o real e operacional potencial de elaboração e de associação de conceitos, de organização e reorganização de raciocínios e de reestruturação de categorias e dinâmicas mentais emanadas de estruturas e dinâmicas neurofisiológicas, bioquímicas e neuropsíqui-cas em permanentes interacções e modalidades funcionais que, em maiores ou menores comunicações recíprocas, se reforçam, compensam e estimulam mutuamente. Estes processos aparecem evidentes não só através dos processos de aprendizagem, mas, também, dos da modificabilidade comportamental dos indivídu-os. É o que sucede, por exemplo, com os prognósticos efectuados acerca das lesões cerebrais das crianças que são muito diferentes das lesões efectuadas nos cérebros adultos. Uma lesão, por exemplo, efectuada antes dos dois anos de idade na área da linguagem cerebral de uma criança não bloqueia ou impede o desenvolvimento da sua linguagem a qual pode desenvolver-se mesmo na idade normal. Caso uma tal lesão apareça depois do começo do desenvolvimento da linguagem, mas antes dos dez anos de idade, uma tal lesão pode ocasionar uma afasia transitória, visto a linguagem, caso sejam aplicadas técnicas de recuperação adequadas, poder recuperar-se e desenvolver-se mais ou menos no prazo de um ano, ainda que no hemisfério esquerdo se mantenha uma lesão fixa e irreversível, significando isto que, tanto o hemisfério esquerdo como o direito, estão pré-disponíveis para desenvolvimento, aprendizagem e conhecimento da linguagem. É através dos processos de maturação e de desenvolvimento, de aprendizagem, de acomodação e integração, de cognição e intelectualização que as áreas específicas do cérebro humano se vão estruturando, especificando e especializando em suas funções, apesar das suas necessárias e imprescindíveis interdependências com as restantes áreas do cérebro para que a harmonia e a vitalização neurocerebral se processe, estimule e desenvolva. A aceitação dos efeitos de tais processos factuais demostram-nos que o centro da linguagem não está predestinado, desde o nascimento, a localizar-se no hemisfério esquerdo do cérebro de forma irreversível mas que uma tal localização interdepende das progressivas diferenciações funcionais em simultâneo com a sua maturação efectuadas através dos contextos e conteúdos da exercitação requerida pelos hábitos, costumes e tradições das culturas ocidentais. É que, embora o aparelho neurocerebral possua predisposições para lateralizações localizantes das suas funções estas também interdependem das acções dos sistemas sensoriais do indivíduo, de suas respectivas percepções e sensações em mútuas e recíprocas interacções com os factos e fenómenos de suas exercitações, estimulações e desenvolvimentos neurofisiológicos. A acção de tais processos, conatural aos dinamismos neurossensoriais operacionalizados de forma inconsciente, é estimulada pelas interconexões dos sentidos e das percepções e accionadora do tronco cerebral, do sistema límbico, do tálamo, do hipotálamo e do hipocampo, os quais, por sua vez, conduzem os efeitos das suas interconectadas activações às circunvoluções frontais, temporais e occipitais do cérebro, através das quais parte dos factos inconscientes são tornados conscientes e, simultaneamente, potenciais de desenvolvimento e reforço das capacidades mentais com abertas redes de aferência e de comunicação com o inconsciente, dinâmica e interactiva instância de enorme riqueza instintiva, pulsional, afectiva e emocional, a maioria das vezes presa, bloqueda, ou recalcada, mas com enormes possibilidades de se tornar consciente através da aceitação da sua intencionalidade, da sua dinâmica e vitalidade, potencialidades interactivamente conectadas com a acção do consciente, visto ser intrínseca intencionalidade e necessidade de no aparelho neurocerebral do ser humano existirem recíprocas e mútuas interacções entre os factos neurofisiológicos do homem e seus fenómenos neuropsíquicos, os quais, graças à poderosa acção da própria consciência individual, poderão e deverão ser orientados e investidos em função da total 179 harmonia, desenvolvimento, investimento e reprodução de novos fenómenos psíquicos, emocionais, afectivos e intelectuais, bem como do expansivo desenvolvi-mento e perfeição dos factos neurofisiológicos, alimentadores, reforçadores e estimuladores dos fenómenos psíquicos, visto aqueles também assumirem dimensões conscientes, intelectuais e mentais, apesar de se encontrarem, diferenciada e individualmente, distribuídos entre o inconsciente e a consciência, o que faz com que entre inconsciente e consciência, por intermédio do pré-consciente, existam possibilidades de mútuas e recíprocas interacções. Tanto da qualidade como da quantidade de tais interacções interdependem, em grande parte, as maiores ou menores potencialidades cognitivas e intelectuais de um indivíduo, o seu sistema de equilíbrio psico-emocional e a maioria absoluta dos estados mentais equilibrados, das alterações comportamentais e dos estados de doenças psico-somáticas. É que os estados neurofisiológicos, por natureza inconscientes, são capazes de dar origem a pensamentos, atitudes e comportamentos conscientes e, através de tais processos, o consciente pode reelaborar ou reestrurar, modificar ou estimular, aceitar ou rejeitar, desenvolver ou inibir, orientar ou distorcer, libertar ou lesionar os estados inconscientes bem como as suas estruturas e dinamismos neurofisiológicos. Embora a natureza e dinâmica do consciente do indivíduo possua potencialidades de tornar conscientes os estados inconscientes, o que no quotidiano vivencial e sócio-cultural raramente acontece, uma tal transmutação é lenta, progressiva e opera-se através de pulsões aferentes e discriminativas, de sensibilidades tácteis e próprioceptivas, de percepções, emoções, afectos e pensamentos nem sempre fáceis de coordenar, de orientar, de identificar ou de reunificar verso a mesma identidade. É que, além da necessidade da existência de uma profunda e redimensionada consciência de uma tal necessidade, tais processos efectuam-se através de rupturas e desapegos, desidentificações e identificações, harmonias e desarmonias, e, nem sempre o novo, o diferente ou o renovado é fácil de aceitar, visto o imprevisto ou o imprevisível apresentar-se, à maioria das pessoas, como fragilizante, temível e estranho, além de poderem ser efectuadas maiores ou menores lesões transitórias tanto no sistema nervoso central como no sistema nervoso periférico. Ora, podendo-se afirmar, quase categoricamente, que a existência dos fenómenos psíquicos conscientes emerge qualitativamente de factos neurofisiológi-cos interdependentes, de maneira particular, das constelações dos neurónios motores e perceptivos, bem como da acção de seu correspondente sistema sensório-motor, das suas exercitações, destrezas, habilidades e desenvolvimentos integrados e assumidos pelo sistema consciente, processos cujas excitações, interacções e actividades implicam participações activas tanto do sistema nervoso periférico como do sistema nervoso central, a entrada em acção de qualquer sistema implica, mais directa ou indirectamente, a colaboração dos restantes sistemas e, de maneira particular, num tal fenómeno de transmutação, a endogeneidade de tais processos implica vitalidade dos estímulos somáticos, emocionais e psíquicos, geradores de volição, a qual, por sua vez, coopera com o trabalho do cérebro, a acção da emoção e a dinâmica do psiquismo. No seio de um tal unitário processo, as variabilidades funcionais das várias estruturas e organizações do sistema nervoso central mobilizam a sua acção aos músculos e aos nervos, ao córtice, ao inconsciente e à consciência, músculos e nervos que, fazendo parte integrante do denominado sistema nervoso periférico, penetram no crânio e no canal vertebral fazendo com que os vários sistemas funcionais de um indivíduo sejam interactuantes, interdinamizantes e intermobilizadores entre inconsciente e consciente, motricidade e cognição, emoção e intelecto, exterior e interior. É óbvio, por isso, a existência de uma intrínseca e extrínseca, mútua, recíproca e consubstanciada cooperação de todas as áreas, regiões, subsistemas e dimensões do cérebro, bem como com a totalidade da própria corporeidade para uma eficiente e harmoniosa actividade mental, a qual, apesar de ser distinta da actividade cerebral, interactua com esta e estimula-a ou inibe-a, expande-a ou asfixia-a, modifica-a ou bloqueia-a Nos processuais dinamismos de tais retroacções e recíprocas interactividades não só o inconsciente colectivo mas também o inconsciente individual desempenham acentuadas funções de agentes motivadores ou inibidores, bloqueadores ou expansores de tais potenciais bioenergéticos, neurocerebrais, intelectuais e mentais. Com efeito, sendo um facto que tudo o que acontece é devido a causas ou, raramente, por acaso, existem comportamentos nos indivíduos que eles próprios não conseguem explicar e apresentam-se, então, à luz da psicanálise, como sendo resultados de um misto de seu inato potencial biológico e energético com influências, crenças, tradições, culturas, medos e desejos, originando atitudes e comportamen-tos cuja própria consciência, memória e percepção, por elas mesmas, não conseguem explicar. Estes comportamentos, individualmente inexplicáveis, quando não desejados, emergem do inconsciente individual de cada um, o qual possui, em sua própria 180 natureza, raízes perceptivo-emocionais emanadas do inconsciente familiar, grupal, ambiental, cultural e civilizacional. Um tão vasto e hipercomplexo potencial perceptivo-emocional, bioenergeticamente extremamente activador ou repressor, é orientável em função da total vitalização do ser humano, de sua harmonia, eficiência e rentabilidade. A orientabilidade de tais potenciais reside na própria factual natureza de que a instância do inconsciente é parte integrante da natureza individual de um ser humano, tornando-se facto assente que um elevado número de características da sua personalidade: vida emocional, afectiva, estética, cognitiva e mental interdependem não só da acção e dos dinamismos do inconsciente mas também da orientação dada a este, visto ser através daquela que não só a criança mas também o adulto toma consciência das suas pulsões e satisfações, das suas energias e dos seus potenciais, das restrições e limitações e, através da consciência de tais processos e dinamismos, busca incessantemente uma vivência equilibrada entre sua estrutura e dinâmica interior, entre a existência e expansão do seu eu e os interditos, restrições ou proibições do super-eu. Por isso, a vida, dinâmica e orientação das energias pulsionais do inconsciente são de suma importância não só para o equilíbrio do indivíduo mas também para desenvolvimento de seus sistemas sensoriais, perceptivos, motores, criativos e estéticos. Lickierman (1989), por exemplo, defendeu a tese de que a experiência estética é primária no sentido em que está presente na criança desde o nascimento e se encontra ligada à sensorialidade. Por isso, segundo ele, uma tal experiência não pode ser considerada como o resultado de um conhecimento psíquico, mas como uma condição para este mesmo crescimento, crescimento ou desenvolvimento que dependerá da capacidade da criança transferir a sua experiência estética, iniciada na fase esquizo-paranóide, para a posição depressiva, e, da sua capacidade de integração com o objecto total, o que permitirá à criança, e mais tarde ao adulto, ver o mundo nas suas componentes positivas e negativas em consonância com a sua definição de princípio estético. Uma tal experiência estética, iniciada na criança em seu estádio pré-verbal, permanece como uma estrutura inconsciente, e, será, igualmente, o protótipo de qualquer criatividade adulta e de qualquer capacidade de fruir e apreciar a beleza. O próprio Winnicott (1971), em sua perspectiva psicanalítica, vê a criatividade humana em função da capacidade da criança para organizar o seu próprio espaço interior: o seio materno e o objecto transitivo, ambos formados na ausência do objecto e com o objectivo de restaurar, em fantasia, a fusão perdida com a mãe. Isto porque o objecto transitivo constitui uma área intermédia de ilusão que coincidirá com a criação do símbolo como resultado da separação com o objecto primário. E a criatividade surge, então, associada ao desejo de reparar o dano produzido em fantasia no objecto primário e ao desejo de reconstruir um mundo interno melhor. Por isso, o artista é aquele que é capaz de recriar os seus objectos internos e de lhes dar, separando-os de si, uma vida autónoma. A sensorialidade ocupa, em tais processos, uma posição central em tais experiências, visto estas ligarem-se a objectos de formas e, uma vez introjectados, constituirão os objectos-modelo de qualquer capacidade futura da criança e do homem para apreciar a beleza e viver segundo princípios estéticos. Daí a imprescindível e necessária necessidade de se valorizar tudo o que se passou e vivenciou até aos 3 – 4 anos de idade, pois um tal e enorme potencial não retido na memória manifesta constitui alicerces e marcadores essenciais do futuro comportamental, social e cognitivo de um indivíduo. Apesar disso, no entanto, o indivíduo, através do desenvolvimento de seus potenciais, poderá equilibrar a força do seu inconsciente com a acção do seu consciente e aplicar, concretizar ou integrar as capacidades e potencialidades, as habilidades e destrezas resultantes de tais interacções em si mesmo, nos outros, nas organizações, instituições ou sociedade em geral de forma harmoniosa, funcional e equilibrada, pois, segundo A . Maslow, o indivíduo psiquicamente são é aquele que é descomprometido, independente, revelando capacidade de autodeterminação, de procura de si mesmo, dos seus valores e regras de vida. O indivíduo é, por isso, o seu projecto, dado que a sua vida é construída em função das suas opções, que derivam de si próprio e da sua ligação com o mundo exterior. Uma tal derivação de si implica derivar de suas acções e reacções neurobiológicas, neuropsíquicas, bio-instintivas, afectivo-emocionais; de forças obscuras e rivais, de desejos contraditórios e tensões, de tendências e pulsões emanadas da própria dinâmica do inconsciente, as quais agem e interagem com as forças do consciente, isto é, com as suas comunicações e informações, introjecções e assimilações, acomodações e aculturações, envolvências e proibições. No seio de tais dinamismos, mais ou menos hiperagitados ou mais ou menos tranquilizadores, tanto a inteligência eco-genética, inteligência marcadora da diferença e da 181 complementaridade das pessoas, como a inteligência emocional e afectiva são de primordial e capital importância para o desenvolvimento das actividades e das funções neuropsíquicas, bem como para o equilíbrio funcional do indivíduo, visto ser a partir dos níveis de aceitações e de desenvolvimentos, de rejeições ou de subdesenvolvimentos de tais potenciais que, em elevadíssima percentagem, se efectuam, ampliam e reforçam os restantes desenvolvimentos das funções, das atitudes e dos comportamentos ou se reprimem, atrofiam, recalcam ou aniquilam, emergindo, destes últimos, indivíduos desinteressados, apáticos ou agressivos, fantasmagóricos e compulsivos, rejeitantes das integrações, resistentes às interacções e mudanças e quase inertes face à própria existência. No entanto, sendo a pessoa humana uma realidade concreta e operacional, unitariamente bio-sócio-psicológica, ela vai-se construindo progressivamente de fora para dentro e desenvolve-se de dentro para fora. O seu inconsciente contém armazenado, como que gravado em fita magnética, a maior parte das suas experiências, das suas recordações, das suas fugitivas esperanças, dôres e dificuldades. Os efeitos dos seus potenciais inconscientes, em interacção com os dados interiorizados em sua própria consciência, constituem os indefinidos recursos de suas próprias mobilidades e reestruturações, dinâmicas e evoluções, regressões ou interacções tanto evolutivas como involutivas, tanto progressivas como regres-sivas, emanando, de tais direccionamentos, evoluções, mudanças, adaptações, reforços e progressões ou condicionamentos, bloqueamentos, inibições e mesmo distorções ou desvios psico-comportamentais. No seio da dinâmica causal de tais direccionamentos encontram-se os potenciais bioenergizantes e concretizáveis da sua inteligência emocional e afectiva, os quais, positivamente orientados, libertam, dinamizam e completam a totalidade funcional do indivíduo e, quando parasitária ou negativamente orientados, bloqueiam-a, inibem-a, distorcem-a, reduzem-a ou disfuncionam-a . No entanto, o conjunto dos potenciais bioenergizantes da inteligência emocional como da afectiva, bem como os seus orientados investimentos é de natureza e interdimensionalidade mais que complexa. Isto porque uma criança, mesmo antes de nascer, já pode estar condicionada em seus actuantes potenciais emocionais e afectivos e, por conseguinte, também psíquicos, intelectuais e cognitivos. É que uma criança, por exemplo, rejeitada desde a concepção, no desenvolvimento embrionário e fetal terá um desenvolvimento emocional, afectivo e comportamental diferente da criança que foi concebida porque os pais a desejaram e quiseram que ela fosse ela própria, isto é, pessoa autêntica, real e verdadeira. Uma tal relação dos pais com o filho, embora nada seja imutável, estabelece, à partida, estilos e factores de relacionamento que, positiva ou negativamente, influenciarão as futuras condições de vida de um indivíduo, as suas estabilidades ou instabilidades emocionais e afectivas, as relações com os outros, as suas auto-imagens bem como seus potenciais de envolvência na realidade, na acção, na concretização de projectos, bem como nas suas expectativas de expansão, de eficiência, autenticidade, congruência e interdimensionalidade psicocomporta-mental. É que as próprias vivências de uma criança em sua vida intra-uterina impregnam nela, pelo menos a nível de potencialidades, tanto o princípio do prazer como o do desprazer e, através de uma tal comunicação relacional mãe-feto, transmitida essencialmente através da pele, gera na futura criança marcadores de positividade ou negatividade a nível do futuro desenvolvimento emocional e afectivo, do carácter e temperamento da criança. Marcante para o futuro desenvolvimento da criança torna-se também o parto, pois sendo este, passagem de uma existência intra-uterina para uma existência e vida autónoma, não deixa de ser traumatizante, visto as condições em que ele se efectua: passagem do calor materno para os ferros, as toalhas; passagem de uma luz filtrada para a luz dos projectores; o corte do cordão umbilical, etc., são situações jamais vivenciadas, que poderão condicionar e mesmo determinar certos comportamentos futuros do indivíduo. Não sem razão, por isso, O. Rank considerou o corte do cordão umbilical como fonte da angústia que, em maior ou menor grau, persegue os indivíduos e Janov, especialista em terapia fetal, afirmou que a asma infantil poderia estar ligada ao stress do nascimento. Por sua vez, Cooper, considerou o parto como o momento determinante da vida extrauterina e da tentativa de continuar o estado de fusão mãe-criança que se manifesta exacerbadamente em certos indivíduos. Por isso, apesar das possíveis mudanças a efectuar durante as fases e os ciclos vitais de cada um, parece não haver grande dúvida de que é a partir das primeiras relações com a mãe, com os meios e os ambientes que a criança constitui a base de todas as relações sociais vindouras, e isto tanto a nível de interiorizações como de exteriorizações, de introjecções como de projecções, de dinâmicas associativas como criativas, visto ser a partir da primeira infância que o princípio do prazer ou do desprazer se desenvolve, que a fonte das tensões emocionais violentas ou dos relaxamentos se cria e que as necessidades de busca de protecção e de bem-estar se desenvolvem ou a existência de medos e de inseguranças se desencadeia, súmula de agentes essenciais ao desenvolvimento e à 182 estruturação de um eu positivo ou negativo, equilibrado ou desequilibrado, que assimilará ou interpretará os dados do exterior em função da sua própria natureza, do seu desenvolvimento, equilíbrio ou desequilíbrio, estados que, por sua vez, influenciarão enormemente, positiva ou negativamente, não só o desenvolvimento da inteligência emocional e afectiva, mas também cognitiva, social e interpessoal, bem como a ontogénese, o desenvolvimento, a estrutura e dinamização da própria linguagem, do cérebro, dos circuitos cerebrais, dos sentimentos e dos afectos, da cognição e da acção. É que tanto as retracções como as inibições emocionais, as carências ou os vazios afectivos desestimulam ou bloqueiam os circuitos cerebrais, bem como os seus potenciais de armazenamento, tanto das informações existentes como dos potenciais de informação a receber, a codificar e a descodificar, a reter e a associar, a estimular e a desenvolver. Um tal conjunto de restrições processadas a nível de natureza e dinâmica do inconsciente, em suas dimensões emocionais, impulsivas, sensoriais, sentimentais e afectivas, bloqueiam, inibem ou distorcem os próprios circuitos cerebrais e, a informação necessária ao cérebro, não é suficientemente captada por este e, mesmo quando o é, não é suficientemente valorizada por ele, positivamente reelaborada ou objectivamente exteriorizada, visto as estruturas neuropsíquicas do cérebro permanecerem inibidas, reduzidas ou distorcidas globalmente, e, tanto a linguagem como as restantes funções superiores do cérebro humano resultarem das múltiplas e recíprocas interactuações das numerosas partes, áreas, regiões ou subsistemas do próprio cérebro, pois é hoje consenso generalizado que, tanto o desenvolvimento da linguagem como o das funções psíquicas ou mentais superiores do indivíduo, interdependem do resultado da integração de sistemas cerebrais com os funcionais, sistemas estes que, por sua vez, interdependem, globalmente, das interactuações e interacções do seu inato e do seu adquirido, do seu inconsciente e do seu consciente, isto é, dos gènes e dos meios, do emocional e do racional e de cujas interacções resultam as hipercomplexas capacidades do indivíduo se auto-desenvolver e auto-elaborar, de auto-estruturar e auto-restruturarse. Emergindo o inconsciente dos efeitos das dinâmicas neurofisiológicas do indivíduo ele apresenta-se, globalmente, da estrutura e dinâmica universal, tornando-se, em seguida, não só particularizada mas também individualizada, não só através da acção dos contextos familiares, sociais e culturais em que um indivíduo vive mas também através das reacções individuais do indivíduo a tais contextos, situações, circunstâncias e reacções que geram ou degeneram estímulos, acções e comportamentos, anomias, distorções, desvios ou patologias. Todo o comportamento humano, tanto individual como social ou profissional, possui raízes em tais alicerces, apesar de toda a positividade derivada de seus futuros processos de socialização, aculturação, cognição, mentalização e profissionalização, factores criadores de regras integrativas que nem sempre auxiliam, estimulam ou motivam o desenvolvimento das estruturas e dinâmicas inconscientes mas, também, não raras vezes, asfixiam-as, distorcem-as ou anulam-as, emanando, daí, efeitos negativíssimos não só para a individualidade e realização do indivíduo mas também para a sua saúde física, social, psíquica, mental e comportamental, e, cuja negatividade de seus efeitos não só se repercute a nível somatopsíquico individual, mas, também, a nível interpessoal, interrelacional bem como a nível de saúde pública. Isto porque as regras e normas do social nem sempre se interconectam com as conaturais vias do inconsciente e, uma tal ausência de derivadas conexões, fazem com que o indivíduo crie e desenvolva estruturas emocionais, cognitivas, intelectuais e mentais asfixiadoras ou distorcedoras do seu real e verdadeiro potencial humano. É que, de facto, a natureza bio-neuro-psicológica do ser humano possui suas regras, normas e imperativos de crescimento, de desenvolvimento, de expansão e de plenitude. Os níveis superiores têm necessariamente de se alicerçarem nos níveis intermediários e estes nos inferiores, e, todos estes níveis possuem intrínsecas necessidades de permanecerem abertos e disponíveis às interconexões comunicacionais e informativas, evocativas e apelativas, pulsionais e afectivas, emocionais e instintivas, motoras e psíquicas, sensoriais e operativas. Estas múltiplas e recíprocas interacções, em permanentes movimentos de ascendência e descendência, de horizontalidade e verticalidade, de retroacções e proacções, alimentam-se mútua e reciprocamente, estimulam e desenvolvem progressivamente a imagem do indivíduo, estruturam e, progressivamente, reestruturam o seu auto-conceito, estimulam os seus comportamentos, motivam as suas acções e fazem com que ele, aceitando o seu permanente devir, vivencie a permanente e intrínseca necessidade de constantemente se sentir envolvido nos meios e de interligar estímulos interiores às acções motivacionais do exterior. A existência de mais ou menos acentuadas alterações, desvios, asfixias ou bloqueamentos de tais processos geram nos indivíduos distorções psico-emocionais, inibições sensório-psíquicas, bloqueamentos ou obnubilações mentais ou dificuldades cognitivas, visto a funcionalidade do todo 183 humano requerer acção integrativa e funcional de todos os subsistemas do sistema individual, isto é, sensorização, motricidade, pulsões, emoções, sensações, sensibilidades, afectos, desejos, estímulos, motivações, acções, meios e cultura; corpo, consciente, inconsciente, envolvimento e participação. No entanto, tanto factores internos como agentes externos de impedimento, inibição ou asfixia de desenvolvimento e afirmação de tais conaturais processos restringem a acção do indivíduo, reduzem seus potenciais esquemas de acção, inibem o potencial de suas intencionalidades, asfixiam, deterioram e mesmo degeneram seus potenciais de acção, de desenvolvimento, de competências e capacidades, bem como seus necessários e referenciais quadros de auto-aceitação e auto-estima, de auto-confiança individual e de segurança pessoal, factos que fazem com que o indivíduo mergulhe mais ou menos profundamente em seu infindável e tempestuoso oceano de conflituosas estruturas psico-emocionais, emergindo daí comportamentos de acentuadas instabilidades, de variabilidade de sentimentos, inúteis desgastes bioenergéticos, confusões de sentimentos, emoções compulsivas, perturbações somáticas e restrições cognitivas. Uma tal dialéctica e retroactiva conflitualidade entre o dever ser e o ser circunstanciado, inibido ou restrito, gera em seu portador mecanismos de fuga à realidade, desvios à sua conatural essência, receios, medos e pânicos do seu necessário e intrínseco imperativo do dever ser, atitudes e comportamentos cuja habituação restringe a necessária acção do seu sistema nervoso central, inibe os potenciais do sistema nervoso periférico, impede a reciprocidade comunicativa entre os subsistemas do indivíduo e faz com que este, ficando debilitado em seus mecanismos de imunidade somática, vivencie, em simultâneo, sua fragilidade mental, bem como suas sensações de incapacidade a nível de desenvolvimentos cognitivos e de aquisição de competências interpessoais, relacionais, adaptativo-sociais, bem como profissionais, permanecendo, então, escravo e dependente de seus rígidos e quase inflexíveis esquemas mentais, fechado em suas associações fantasmagóricas, com seus contínuos medos de se encontrar a si mesmo e de se expandir verso sua própria auto-identificação e auto-realização. Tudo isto é devido ao facto de que o cérebro de um indivíduo, aparelho neuropsíquico produtor de sua própria consciência, apesar de influenciável e modificável por atitudes e comportamentos estranhos à sua normal e integrável funcionalidade, em seu cerne vital torna-se difícil de ser enganado, apesar de condicionado, limitado ou proibido em suas conaturais funções, desenvolvimentos, intercomunicações, expansões e vivências pela ausência das normais participações de outros subsistemas corporais, ambientais, familiares, sociais ou culturais. É que, de facto, entre cérebro, psiquismo, corpo, meios e ambientes existem correlações mútuas e recíprocas e, se dos estados psíquicos emanam seus efeitos diferenciados sobre os restantes subsistemas do indivíduo, é, também, o conjunto destes subsistemas que estimula, reforça ou motiva os estados psíquicos, o que não se diagnostica em situações de medo ou pânico em que o indivíduo deixa de pensar, de cólera ou raiva em que deixa de ouvir, de complexos de inferioridade em que não consegue acreditar, de profunda prostração ou desânimo em que não consegue ver saída, de luto ou perda profunda em que não consegue ver luz alguma, situações cujas repetidas sucessões organizam negativamente o cérebro, criando nele espécie de “filtros” tradutores do prazer em desprazer, da alegria em tristeza, da aventura em medo, das sensações em dôr e do novo ou do diferente em pânico como se evidencia, de facto, no âmbito da psicopatologia, nomeadamente no domínio das neuroses, das psicoses e das fobias. Um tal conjunto de efeitos comportamentais demostra sobejamente que a normal funcionalidade do cérebro humano implica participação e orientação activa, positiva e integrada dos restantes subsistemas do indivíduo, nomeadamente da pele, das vísceras, de seus sistemas sensoriais, motores, instintivo-pulsionais e emocionais essenciais à constituição equilibrada de um eu corporal, agente de activação do sistema límbico, hipotalâmico e do tronco cerebral que, por sua vez, constituirão equilibrados alicerces da emanação do eu psíquico, social, cognitivo e mental, os quais, por sua vez, activando e interagindo no desenvolvimento e expansão das funções superiores da mente é no eu corporal, e, através dele, que filtram estímulos, absorvem energias, reforçam os desenvolvimentos, obtêm gratificações e criam compensações. A não harmoniosa funcionalidade de tais dimensões, subsistemas ou partes integrantes de um todo individual fazem com que o indivíduo não só possua mas também, não raras vezes, manifeste alterações de emoções e de sentimentos, inadaptações sócio-comportamentais, dificuldades cognitivas, incapacidades intelectuais, apesar de intactas ou sem a mínima lesão ou distorção em qualquer lugar de suas áreas neurocerebrais. 184 I - ACÇÃO E INACÇÃO DOS SISTEMAS NEURO-SÓCIO-PSÍQUICOS NOS PROCESSOS DAS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM A intrínseca e inseparável unidade bio-neuro-sócio-psíquica do ser humano encontra-se, não raras vezes, bloqueada, inibida ou distorcida, não só por suas contingentais circunstâncias dos meios e dos ambientes, dos sistemas educacionais ou culturais, técnicos ou civilizacionais, mas também pelas próprias estruturas interiores e funcionalidade de seus subsistemas, os quais nem sempre agem e retroagem equilibradamente entre si, nem em suas múltiplas e interdinamizantes dimensões. Factores de vária e hipercomplexa ordem e natureza dificultam ou obstaculizam a flexibilidade bioenergizante de tais interactivas comunicações fazendo com que umas estruturas ou subsistemas do indivíduo permaneçam sobrecarregadas de energia, asfixiadas ou recalcadas enquanto outras permanecem empobrecidas, fragilizadas, bloqueadas ou debilitadas devido à ausência das energias necessárias à sua própria e conatural acção, desenvolvimento e expansão, o que sucede quando, por exemplo, a consciência de um indivíduo se opõe ao inconsciente, quando o sistema vestibular e perceptivo não é aceite ou assumido pelo sistema cognitivo, quando o sistema emocional ou afectivo funciona dissociadamente do sistema intelectual ou mental, quando a realidade comporta-mental não absorve a força pulsional da intencionalidade, quando o educacional ou social não aceita nem estimula o natural, ou quando as próprias estruturas e dinamismos do cérebro reptílico ou mamífero de um indivíduo não são integradas nem aceites pela acção e dinâmica do próprio córtice cerebral, fenómenos comportamentais geradores não só de dissociações mas também de separações, de obstáculos e de dificuldades não só a nível de desenvolvimento e de maturidade mas também a nível de conhecimento e de aprendizagem, de comunicação intra e interpessoal, de adaptação e adaptabilidade. Um tal conjunto causal de disfunções, separações ou distorções a nível de funcionalidade neurocerebral encontra-se na origem de múltiplas incapacidades sensoriais, emocionais, cognitivas e mesmo relacionais, sendo o seu diagnóstico médico etiquetado de “nenhuma deficiência em especial”. De facto, uma tal realidade funcional não apresenta défices reais, mas, simplesmente, disfunções a nível de inter-estruturas bio-neuro-cerebrais, pulsionais, emocionais e psíquicas. É que a disfunção cerebral não tem necessariamente uma lesão ou um dano como causa, como pretendeu demonstrar a neurofisiologia através de seus trabalhos e estudos efectuados sobre electroencefalogramas, mas sim causada não só por problemas advindos das estruturas vestibulares, perceptivas, emocionais, cognitivas ou mentais dos próprios indivíduos, as quais inibem ou diminuem o desenvolvimento de suas potencialidades e aptidões, a sua envolvência no real e no concreto, a sua necessidade de ser e de dever ser, o que não significa que indivíduos com disgrafias, dislexias ou afasias não sejam indivíduos com disfunções cerebrais, as quais constituem um dos pilares essenciais das suas próprias dificuldades de aprendizagem. Ora, sendo a expressão “dificuldades de aprendizagem” de conteúdo vasto e hipercomplexo, os estudos psicopedagógicos efectuadas até ao presente continuam renitentes à abertura interdisciplinar e, de acordo com os conhecimentos, escola ou formação profissional identificam dificuldades de aprendizagem com dislexia, afasia, disgrafia, apraxia, distúrbios perceptivos, vestibulares, dificuldades psico-motoras, aprendizagem lenta, desordens na aprendizagem, incapacidades, disfunções cerebrais, psiconeurológicas, problemas emocionais, afectivos ou comportamentais como, por exemplo, hiperexcitação, agressividade, fácil descontrolo, incapacidades relacionais, etc.. Daí o encontrar-se na literatura psicopedagógica especializada quase tantas definições de dificuldades de aprendizagem como são os autores que séria e honestamente se debruçaram sobre uma tão complexa realidade. Apesar disso, no entanto, não há dúvidas que uma criança com dificuldades de aprendizagem apresenta desordens básicas em seus processos de aprendiza-gem, manifesta certa discrepância entre seu potencial cognitivo e sua capacidade de operacionalização, realização ou concretização, bem como obstáculos em seus processamentos da informação, e isto tanto ao nível da recepção como da expressão, da integração como da assimilação. E isto sem apresentar necessariamente lesões cerebrais, deficiência motora, sensorial, cognitiva, intelectual, emocional ou afectiva. Os efeitos comportamentais de tais dificuldades podem manifestar-se na compreensão da linguagem, na sua recepção e transmissão, na expressão oral, na comunicação, na leitura, na escrita, na ortografia, no cálculo, nas percepções, nas comunicações, na orientação espacial, nos problemas de lateralização, etc.. Por isso, de um modo genérico, podemos definir dificuldades de aprendizagem como efeitos resultantes de irregularidades bio-neuro-psico-sociais, geradoras de imatura-ção 185 neurocerebral e de imaturidade psicoemocional, criadoras de perturbações ou disfunções a nível de actividade simbólica, expressiva, receptiva, integrativa, ideoperceptiva ou ideocognitiva. A um tal nível de dificuldades de aprendizagem, efeito de simples disfunções intercomunicacionais entre as próprias estruturas ou subsistemas do indivíduo cuja análise ou diagnóstico não encontra causa localizada, podendo esta residir em simples alterações dos sentimentos e das emoções de natureza duradoura ou transitória, elevadíssima percentagem das causas das dificuldades de aprendizagem encontram causas a nível dos sentidos e dos órgãos, do aparelho neurocerebral, a nível do intelecto e da mente, do emocional e do afectivo, do escolar e do social. Por isso, as dificuldades de aprendizagem como as patologias do bio-cerebral e do psicomental, do educacional como do ecossocial, emergem ou podem emergir de deficiências ou insuficiências bioquímicas, físicas, vestibulares, sensoriais e perceptivas, subsistemas cuja insuficiência funcional ou deficiência só ou em simultâneo com outros subsistemas podem gerar dificuldades, incapacidades ou deficiências em seus próprios processos de apreensão, de envolvência ou de aproximação da realidade. Problemas, distúrbios ou perturbações a nível do sistema vestibular podem gerar dificuldades a nível de controlo dos movimentos corporais e da orientação espacial, a nível dos receptores sensoriais, bem como a nível dos estímulos, visto os receptores vestibulares enviarem as suas informações ao tronco cerebral e daí este ao ficar privado de certos estímulos e sensações, privação que, pela negativa, influenciará a actividade psíquica do cérebro e os seus processos de tratamento das informações, que por sua vez, influenciarão, negativamente, os processos físicos, sensoriais e perceptivos do indivíduo. As deficiências físicas, de um modo geral, devido a suas repercussões sociais e profissionais, apresentam, no quadro das deficiências, um cenário extremamente negativo, embora, muitas vezes, as doenças físicas, a nível psíquico, emocional e mental, não possuam acentuados efeitos psico-cognitivos a não ser devido às repercussões dos próprios dinamismos afectivoemocionais do próprio indivíduo que, não raras vezes, além de não as aceitarem, permanecem com baixo auto-conceito de si mesmos, reduzida auto-estima, quando não se servem de tais deficiências para tomarem consciência de seu restante potencial, desenvolvê-lo, investi-lo e serem pessoas de sucesso. É que, de um modo geral, a expressão “deficiência física”, inclui deficiências ao nível dos órgãos internos, designadamente, deficiência da função cardio-vascular e respiratório, gastrointestinal, urinária, reprodutora, musculo-esqueléctica, estética, deficiências ou malformações a nível dos membros superiores ou inferiores, a nível da região da cabeça ou do tronco, o que, não raras vezes, são causa de enormes complexos de inferioridade, de não-aceitações e de auto-rejeições, comportamentos estes que tecem negativa teia de relacionamento consigo mesmo, com os outros e com a sociedade em geral. No quadro das deficiências sensoriais incluem-se, de um modo geral, as deficiências de audição, de visão e de linguagem, deficiências que, embora os sistemas educativos tentem abertura para dar as possíveis respostas a tais défices, elevadíssima percentagem de tais deficientes permanecem à margem do seu necessário enquadramento e integração escolar, social e profissional. No entanto, considerando a positividade sócio-integrativa dos processos e mecanismos dos sistemas escolares, não há dúvida que crianças e alunos com problemas motores, perceptivos, psicomotores e mesmo com certos níveis de insuficiências mentais ou dificuldades cognitivas deverão ser integrados nos sistemas pedagógico-educativos normais, visto as vantagens de tais mecanismos de integração superarem em grande escala as desvantagens. Tanto os problemas de natureza psicomotora como os de lateralização, de imagem corporal, de estrutura espacio-temporal, de coordenação e controlo visuo-motor, de receptividade e acção vestibular bem como os problemas ou dificuldades de natureza perceptiva como os de audição, de visão, de posição e relação espacial, de síntese, de discriminação, de visualização e de orientação deverão ser tomados em conta, consideração e apreço, e, assumidos com responsabilidade pelos técnicos e equipa psicopedagógica. É que qualquer uma de tais insuficiências, dificuldades ou distorções é, em geral, tanto isolada como em interacção com as outras faculdades, causa de insuficiências ou de dificuldades nos processos de aprendizagem ou de inferiorização em seus próprios comportamentos manifestados tanto em relação a si mesmo como em relação aos outros, emergindo daí, atitudes e comportamentos de inibição, de agressividade, de isolamento ou de desinteresse, bem como de não-participação ou envolvimento nos próprios mecanismos e actividades escolares. O conjunto de tais dificuldades, na sua globabilidade, interdepende da natureza neurofisiológica do ser humano, visto esta ser uma triunicidade bio-neuro-social interdependente da interactiva acção de seus subsistemas como sucede, por exemplo, com a visão em que os músculos dos olhos executam, pelo menos, sete movimentos coordenados e, graças a uma tal coordenação, o 186 indivíduo consegue seguir diferentes tipos de movimentos dos objectos, percepcionar as suas dimensões e convergir para a sua unidade, enviando ao cérebro imagens, o qual, após as ter recebido, analisa-as, selecciona as informações relevantes, unifica-as e integra-as num todo, permanecendo a natureza e dinâmica de tais informações-imagens interdependente da natureza e acuidade dos sinais desencadeados e enviados pelos dinamismos da dinâmica do sensorial, do motor e do perceptivo. Isto porque, em sentido lato, os sentidos são como “auto-estradas” das informações e é a partir da acção destas que se inicia todo o processo de aprendizagem. A criança, por exemplo, inicia o processo de descoberta e exploração dos objectos com as mãos e, em seguida, com os olhos e é desta acção interactiva mão-olhos que ela inicia o seu processo estrutural de adaptações e de desenvolvimento da inteligência. Por isso, movimento, percepção e motricidade apresentam-se como a triologia essencial da aprendizagem sensório-motora e perceptiva, activadora e dinamizadora não só das restantes aprendizagens mas também dos diferenciados tipos de inteligência de um indivíduo. No entanto, resultando a aprendizagem sensório-motora do relacionamento e combinação entre a sensação e a actividade motora ou do relacionamento e combinação da entrada da informação com a sua saída, e, sendo a aprendizagem perceptiva resultado do processo de organização e reorganização das informações captadas pelos vários sentidos (visão, audição, tacto, sentido quinestésico, olfacto e gosto), respectiva interpretação e significado, qualquer déficit, insuficiência ou deficiência num ou em vários de tais domínios podem ser causa de posteriores dificuldades tanto de aprendizagem escolar como de integração sócio-profissional bem como a existência de um predominante desenvolvimento nesta ou naquela área poderá originar o diferenciado tipo de inteligência de cada indivíduo. É que, de facto, é a partir da estrutura, da dinâmica e do desenvolvimento perceptivo-motor de cada um que se constituem e desenvolvem as estruturas e, em certo sentido, as próprias condicionantes do desenvolvimento das estruturas e dinâmicas intelectuais e cognitivas, visto ser a partir de seu próprio comportamento, dinâmica e motricidade que a criança se relaciona e apreende o mundo que a envolve, rodeia ou circunscreve. A organização e reorganização das entradas e saídas de tais informações originam sua inteligência sensório-motora e perceptiva, dinâmico epicentro de sua inteligência relacional, interpessoal, emocional, cognitiva e inte-lectual, constituindo-se, por tais processos, os seus próprios sistemas inteligentes, emanados de seus sistemas sensoriais, motores e perceptivos, os quais, por sua vez, emergem da vida de suas próprias células e da actividade dos seus sistemas neurocerebrais. Por isso, toda e qualquer ausência de interactividade funcional, distorção ou disfunção intersistémica pode estar na origem da existência de incapacidades intelectuais ou de dificuldades de aprendizagem, de perturbações comportamentais ou de problemas sociais, e isto sem a existência de lesões cerebrais nem malformações orgânicas. Um tal conceito de dificuldades, no entanto, é hoje, mais que nunca, posto em causa, visto um tal conceito encontrar-se interdependente da tradicional e clássica conceptualização de quociente intelectual, conceptualização que deverá ser revista tanto nas suas formas como nos seus conteúdos, visto estar impregnada de concepções e ideologias psicométricas, de mediania e normalidade funcional a nível de capacidades verbais, cognitivas e escolares adequadas ou não às solicitações e exigências dos sistemas escolares vigentes, negligenciando, assim, tanto a avaliação como a valorização de um vasto e complexo conjunto de potenciais de um indivíduo, provavelmente não menos importante e necessário que suas capacidades cognitivas. No entanto, apesar da necessária revisão da concepção de quociente intelectual, inúmeras crianças apresentam dificuldades na funcionalidade de seus sistemas ideoperceptivos, ideomotores e ideocognitivos, bem como em seus processos expressivos, perceptivos e integrativos que dificultam a eficiência nos processos de aprendizagem e de desenvolvimento da linguagem, da escrita, da leitura, da ortografia, do cálculo, dos conteúdos impostos pelos processos de aprendizagem escolar, etc.. Um tal conjunto de dificuldades pode, genericamente, ser causado por ausência dos necessários desenvolvimentos da criança devido a insuficiências maturativas, distorções funcionais, desinteresses ou inacções da criança ou devido a inadequações dos estilos ou conteúdos escolares à natureza e ao nível de desenvolvimento das próprias crianças, situações e comportamentos que fazem com que uma criança possua dificuldades de aprendizagem, para além das crianças cujas dificuldades residem em hipercomplexas causalidades genéticas, hereditárias ou em lesões cerebrais. Não ter dificuldades de aprendizagem implica acção e participação activa, adaptação e interiorização de estratégias e processos adequados à realização das tarefas, orientação da acção e energia para envolvência nas aprendizagens escolares, bem como certos níveis de maturação e desenvolvimentos neurofisiológicos e de maturidade afectiva e emocional, capacidades funcionais geradoras de autoconsciência individual, de consciencialização cognitiva e de intencionalidade 187 adaptativa. O maior ou menor nível de desenvolvimento de tais capacidades, a existência de um reduzido nível de acção, de actividade ou de participação das crianças ou adolescentes nos processos de aprendizagem geram, cumulativamente, suas próprias dificuldades, cuja causalidade, residindo na inacção e ausência de actividade, privação de estímulos e ausência de motivações, falta de envolvências e interiorizações afastam a criança ou o adolescente do alcance do dito “modelo de aprendizagem normal” e cuja razão de ser de um tal afastamento pode estar em sua natureza inconsciente, impeditiva do desenvolvimento de sua memória sensorial, de sua inteligência emocional e afectiva, social e cognitiva. É que a nível de factualidade comportamental o próprio inconsciente pode bloquear ou reduzir a actividade do consciente, mitigar as actividades deste e mesmo inibir ou bloquear as interacções sensoriais, perceptivas, emocionais e afectivas necessárias entre inconsciente e consciente e a eficiente orientação da intencionalidade sócio-cognitiva implica harmonia, participação e correspondência entre estas duas instâncias. A sua separação ou oposição é causa não só de dificuldades e de bloqueamentos nos processos de aprendizagem mas também de atitudes e comportamentos anómalos, distorcidos ou disfuncionais. Fazer com que o consciente aceite a estrutura e dinâmica do inconsciente e que este se deixe impregnar pela acção e vivacidade do consciente é o processo mais eficiente de harmonização individual, de eficiência cognitiva e de desenvolvimento de todo o potencial do indivíduo, visto tal aceitação conectar harmoniosamente inconsciente-consciente e fazer com que o indivíduo tome consciência da sua totalidade, das suas potencialidades e acções, possua confiança em suas atitudes e comportamen-tos e crie intencionalidades e concretizações em consonância com o seu ser e com o seu dever ser através da efectuação das necessárias e sucessivas adaptações às mais variadas solicitações, exigências e circunstâncias dos meios. É que, no fundo, apenas o inconsciente colectivo e cultural, amplamente dominante nas nossas civilizações, originou as separações ou oposições entre o inconsciente e o consciente, visto o inconsciente como as aprendizagens sensório-motoras possuirem as suas origens nos conaturais processos neurofisiológicos do indivíduo. Estes processos e dinamismos neurofisiológicos, criadores de factos e fenómenos energéticos, biodinâmicos, pulsionais e psíquicos, constituem os alicerces primordiais de toda a aprendizagem e é de tais bases sensoriais, motoras e perceptivas que as actividades cognitivas e intelectuais emergem, que os processos cognitivos se desenvolvem e hierarquizam de tal forma que, à medida que o desenvolvimento cognitivo e intelectual se efectua, as actividades perceptivas do indivíduo tornam-se consideravelmente mais automáticas e mais dirigidas intencionalmente pelos próprios processos cognitivos e intelectuais. Um tal desenvolvimento cognitivo e intelectual, por outro lado, interdepende essencialmente da funcional e dinâmica integridade das funções neurofisiológicas básicas do indivíduo, isto é, de seus factores estimulativos, das funções de seu sistema nervoso central, sistema nervoso periférico, bem como das recíprocas interacções com seus meios, agentes e factores indispensáveis a um dinâmico e evolutivo processo de efectivas aprendizagens básicas, implicativas de informação e de retroacção, de entradas e saídas, de organizações e reorganizações, de estruturas e de reestruturações. Face à hipercomplexa problemática do que é a aprendizagem, dos seus agentes e factores, acções, interacções e retroacções, os conceitos de dificuldades de aprendizagem bem como de atraso intelectual ou mental são, hoje em dia, mais que problemáticos. É que, considerando os factos que crianças rotuladas com dificuldade de aprendizagem, com atraso intelectual, cognitivo ou mental, quando analisadas em contextos de aprendizagem diferentes dos escolares manifestam capacidades cognitivas e intelectuais não inferiores aos não rotulados como tal. Estas constatações demostram que as crianças ou alunos rotulados como tal podem simplesmente ter dificuldades ou encontrarem obstáculos nas aprendizagens exigidas pelos sistemas escolares, possuírem dificuldades na interiorização das estratégias e processos cognitivos exigidos pela escola ou não conseguirem transferir os processos de aprendizagem extra-escolar para a dinâmica imposta pelos contextos e processos das aprendizagens escolares. Estas dificuldades, no entanto, podem emergir, simplesmente, do tipo de exigências meramente intelectuais ou cognitivas impostas pela escola e, como é óbvio, a dinâmica dos processos de aprendizagem assenta na dinâmica dos processos sensoriais, perceptivos, motores, emocionais, pulsionais e afectivos cujos subdesenvolvimentos, asfixias, privações ou desordens podem provocar dificuldades de vários tipos, natureza e níveis. Por isso, um actualizado conceito de dificuldades de aprendiza-gem bem como de atraso intelectual deverá assentar essencialmente na “expressão do impacto pulsional da interacção entre a pessoa com limitações ou dificuldades intelectuais e adaptativas e o envolvimento onde se insere” ( Morato e outros, 1997, p. 7 ). 188 Seguindo de perto as necessidades de adaptação e de inserção impostas pelos meios e contextos, a Associação Americana Para A Deficiência Mental, na sexta edição do seu Manual, define o atraso mental como “um funcionamento mental geral significativamente abaixo da média, existindo concomitantemente com défices no comportamento adaptativo e manifestando-se durante o período de desenvolvimento e que afecta negativamente o desenvolvimento da educação da criança”. Inspirando-se em tal concepção, Morato e outros (1997), apresenta o indivíduo com atraso intelectual como sendo caracterizado por “um funcionamento intelectual significativo abaixo da média, existindo concomitante com limitações relacionadas em duas ou mais das seguintes áreas das competências adaptativas: comunicação, autonomia pessoal, autonomia em casa, competências sociais, uso dos recursos comunitários, auto-direccionamento, saúde, segurança, funcionamento académico, laser e emprego”, devendo tais limitações manifestarem-se antes dos dezoito anos de idade e poderem ser classificadas em níveis de ligeiras, moderadas, severas e profundas, níveis estes que implicam padrões ou estruturas de apoio intermitentes, limitados, extensivos e permanentes, consoante os níveis e a natureza causal das dificuldades ou atrasos, os quais podem ser causados por simples disfunções entre os subsistemas neurofisiológicos, por disfunções ou lesões cerebrais, por dificuldades de relacionamento estável tanto com os pais como com os colegas ou professores, por hiperactividade, por dificuldades de concentração, por labilidade emocional, distorções perceptivas, reacções negativas face ao stress, inibição, hipoactividade, desmotivação face à escola e às situações sociais, baixa auto-estima e depreciativo auto-conceito, irritabilidade, pessimismo, complexos de inferioridade, isolamento, angústia, ansiedade, rigidez comportamental, ausência de vitalidade emocional, confusão afectiva, comportamentos neuróticos, surtos psicóticos, confabulações, frustrações pessoais, problemas de identidade e identificação, deficiente interacção com o meio, sentimentos de rejeição e de tensão permanentes, problemas de regressão, conflitos intrapsíquicos, rejeições pessoais e sociais, infantilismo comportamental, labilidade psíquica, frustração pessoal, etc.. Uma tal multi-complexa causalidade de dificuldades de aprendizagem e de atrasos intelectuais impõe a existência de interdisciplinares estudos e análises, visto as etiologias das dificuldades de aprendizagem e dos atrasos intelectuais não só serem vastas mas também extremamente complexas. Uma tal multíplice causalidade dos atrasos mentais, multi-heterogéneos, demonstra a grande ineficiência e subjectividade da sua avaliação através da simples e clássica medição do quociente intelectual efectuado através de testes psicométricos. Um tal método avaliativo, pretendendo a objectividade da avaliação, decaìu numa mera e relativa subjectividade, ao considerar a inteligência humana de certa forma estática e, quando desenvolvível, um tal desenvolvimento efectua-se sempre num direccionamento linear e não noutros direccionamentos como: horizontais, oblíquos, transversais, isto é, com modificações, mudanças e inovações capazes de alterar o todo comportamental do indivíduo e desenvolver, de forma sistémica, todas as suas potencialidades. Daí o facto do conceito de “atraso intelectual” dever ser considerado como um circunstanciado funcionamento intelectual significativamente abaixo da média, o qual induz défices nas atitudes e nos comportamentos adaptativos e se manifesta durante o período de desenvolvimento. Uma tal concepção, afastando-se da perspectiva psicométrica, é fundamentalmente de natureza psicossocial e possui como sua característica essencial a adaptabilidade do indivíduo, a qual é desenvolvível e modificável não só nos atrasados ligeiros ou médios mas também nos severos e profundos, visto em todos eles existirem maiores ou menores potenciais de aprendizagem, de desenvolvimento e de adaptação, características emanadas da reversibilidade da inteligência, das atitudes e comportamentos socializantes, da positividade das interacções normalizantes e integradoras nos meios, ambientes e comunidades em que os atrasados intelectuais vivem, visto a concepção de atraso possuir em seu cerne o conceito de comparabilidade indivíduo – meio. O anterior significa que uma criança com dificuldades ou problemas nos processos de aprendizagem não é, necessariamente, em si, nem uma criança com atraso intelectual nem uma criança deficiente. É que uma criança com dificuldades na aprendizagem não possui necessariamente um déficit sensorial, motor, visual ou auditivo e pode, então, apresentar uma integridade global e um potencial normal e o deficiente apresenta inferioridade intelectual generalizada sendo as suas incapacidades diferentes das da criança ou adolescente com dificuldades de aprendizagem. A criança com distúrbios ou dificuldades de aprendizagem apresenta, geralmente, problemas de imagem corporal, dificuldades proprioceptivas, problemas de lateralização e direccionamento, problemas ou dificuldades de natureza psicomotora, dispraxias, desortografias ou dislexias, uma adequada adaptação afectiva, emocional e comportamental, uma normal visão e 189 audição e um quociente intelectual situado entre os 80 – 90. Por sua vez, tem sido prática comum universal, no seio da educação especial, rotular de crianças deficientes mentais educáveis aquelas cujo quociente intelectual se situa entre 50 – 80. As crianças que manifestam um Q.I. superior a 80 são simplesmente classificadas como “crianças com dificuldades de aprendizagem” e não necessitam de educação especial. Tradicionalmente, de um modo geral, assumiu-se como sendo crianças educáveis aquelas que têm um Q.I. igual ou superior a 50 e, simplesmente treináveis as que possuem um quociente intelectual inferior a 50. Face a uma tal dicotomia são deficientes mentais ligeiros os que apresentam um Q.I. entre 68 – 52, deficientes mentais moderados os de Q.I. entre 51 – 36, deficientes severos os de 35 – 20 e deficientes mentais profundos os que apresentam um Q.I. mental inferior a 20. Os deficientes com atraso intelectual ligeiro (Q.I. 68 – 52) possuem potencialidades de desenvolvimento de competências comunicacionais, sociais, profissionais, cognitivas e escolares básicas chegando, com mais ou menos dificuldade, até ao nível de um sexto ano de escolaridade e, quando adultos poderão obter uma razoável integração sócio-profissional com uma certa autonomia, embora seja aconselhável a existência de uma certa supervisão e orientação profissional bem como um certo apoio a nível de integração na comunidade e na vida de trabalho. Os deficientes com atraso mental moderado (Q.I. entre 51 – 36) possuem um desenvolvimento relativo, podendo adquirir competências de comunicação durante a própria infância, um nível elementar de aprendizagens escolares, por exemplo, um segundo ano de escolaridade e colherem vantagens de tarefas ocupacionais e de treinos profissionais ou vocacionais, podendo desenvolver tarefas laborais não-qualificadas ou semi-qualificadas em locais de trabalho protegidos ou semi-protegidos sempre com supervisão e apoio. Porém, dadas as suas incapacidades, limitações e dificuldades no reconhecimento das convenções sociais, normas e valores poderão manifestar dificuldades nas relações inter-pessoais e sociais em geral, tanto na adolescência como na idade adulta. Os indivíduos com atraso mental severo (Q.I. entre 35 – 20) durante a sua infância apenas poderão adquirir rudimentares capacidades de comunicação ou mesmo não chegarem a atingir o nível da linguagem falada. Durante os anos de escolaridade poderão desenvolver algumas competências nos cuidados pessoais, aprender a falar e mesmo conhecimentos e familiaridade com as letras do alfabeto e a contagem simples e mesmo aprenderem a ler algumas palavras como nomes de ruas, rótulos, marcas de produtos, avisos de situações de perigo, de serviços públicos, etc., que lhes possam permitir uma certa e relativa ocupação em grupos familiares e ocupacionais sempre com cuidada supervisão. Os deficientes com atraso mental profundo (Q.I. inferior a 20) apresentam causas neurológicas ou genéticas explicativas de tal atraso e suas capacidades de aprendizagens permanecem no desenvolvimento de algumas habilidades motoras, de comunicação elementar, de cuidados de higiene pessoais, podendo, em alguns casos, desenvolverem algumas capacidades de ocupação em tarefas rotineiras mas sempre com apoio e supervisão constante e assistência permanente de alguém que lhe preste cuidados pessoais elementares. Ora, sendo as causas do atraso intelectual ou mental pré-natais, peri-natais e pós-natais com incidências em desordens cromossómicas, da formação do cérebro e do desenvolvimento, erros do metabolismo, influências ambientais (desnutrição materna, síndroma de alcoolismo fetal, irradiações durante a gravidez, etc.), desordens intra-uterinas, neo-natais, infecções, lesões cerebrais, desordens degenerativas e de desmielinização, privações ambientais, desnutrição, etc., calcula-se ainda hoje que cerca de 50% dos casos de atraso mental ligeiro e 30% dos casos de atraso mental severo são de origem etiológica desconhecida. No entanto, desconhecimento da causa não significa inexistências de causas. LucKasson e outros (1999, p. 70) afirmam que mais de 50% das pessoas com atraso mental possuem mais de uma causa da sua deficiência sendo, para tal, necessário diagnosticar se tais causalidades, em suas dimensões e perspectivas multifactoriais, consideram, simultaneamente, os aspectos e dimensões biológicos, neurocerebrais, genéticos, hereditários e também os aspectos de natureza e origem psicossocial que interagem no aparecimento do atraso mental. Ora, sendo as causas do atraso múltiplas e complexas, de uma forma geral e, como que sintetizando, poder-se-á afirmar que as causas do atraso mental são sócio-culturais, genéticas, orgânicas, neurocerebrais, psíquicas, afectivas e emocionais. É que atrasado mental é aquele que apresenta um potencial psico-comportamental limitado em todos os seus aspectos sendo, por isso, inadequada a terminologia de “deficiente mental” visto este não apresentar perturbações psíquicas profundas nem a perda da integridade de certas funções até então consideradas normais. Devendo, no entanto, tanto o atraso como o desenvolvimento ser avaliado em função dos resultados da acção e acções da totalidade do sujeito avaliado individualmente e comparado com o 190 grupo padrão ou norma, aquele que, após analisadas ou avaliadas as várias dimensões do seu desenvolvimento obtiver uma idade mental ou um quociente intelectual de 90 comparativamente ao grupo padrão ou norma apresenta, de um modo geral, também distúrbios ou dificuldades de aprendizagem em alguma ou algumas áreas do conhecimento necessário e exigido pelas instituições escolares, apesar de ser evidente que o desenvolvimento pode não ser igual em todos os domínios, bem como a eficiência ou rentabilidade em todas as áreas do conhecimento, como se tornou evidente através da análise das histórias dos “idiots savants” os quais, revelando-se “génios”, em certos domínios, apresentam graves atrasos ou deficiências noutros como já se demonstrou em certos casos de autismo. Com efeito, atrasos intelectuais, distúrbios ou dificuldades de aprendizagem, cujas causas, desde as genéticas e hereditárias, desde as lesões cerebrais às sociais e familiares constituem vasta e hipercomplexa causalidade das deficiências intelectuais, parece tornar-se evidente afirmar, de uma forma geral, que tais deficiências assentam em disfunções ou não-integrações dos fundamentais alicerces do funcionamento cognitivo, isto é, em disfunções ou não-integrações a nível de esquema corporal, de representações e orientações no espaço e no tempo, de percepção, motricidade e praxias; de pulsões, emoções e afectos, sensibilidades e desejos, de inibições, bloqueamentos e receios, etc., factores constituintes de debilidade psicológica e fragilidade mental, o que condiciona a dinâmica psíquica do indivíduo e fragiliza ou inibe o desenvolvimento de seu potencial cognitivo. Além disso, o tipo de sentimentos e emoções, sua natureza e intensidade, positividade ou negatividade, influenciam, de forma acentuada, o desenvolvimento de um tal potencial bem como os factores e condições dos meios ambientes, familiares, sociais, culturais ou económicos em que o sujeito vive. A nível de psicodinâmica cognitiva e intelectual, as correntes psicanalíticas salientam, com elevada razão, que as deficiências intelectuais, bem como os atrasos mentais, encontram suas origens no tipo de organização e reorganização do próprio eu do indivíduo, nas suas ausências de estímulos e de motivações, na falta de investimento bioenergético, nas falsas identificações em relação aos pais e aos seus substitutos, bem como na apatia ou indiferença face às mudanças e adaptações, às organizações e reorganizações ou reestruturações individuais, comportamentos que originam não só disfunções cognitivas como desarmonias estruturais e caracterizam o seu desenvolvimento a diferentes velocidades consoante a actividade intelectual ou cognitiva pretendida, o que faz com que se originem disfunções ou discapacidades em relação às funções e às capacidades socialmente pretendidas por um determinado grupo etário, social e escolar, permanecendo os diferentes da maior ou menor homogeneidade de tais grupos com uma maior ou menor rigidez ou dificuldade na passagem de uma actividade a outra, com inércia ou apatia face aos desenvolvimentos cognitivos ou com uma certa e acentuada viscosidade face aos níveis de cognição, de simbolização e de representação tanto de si mesmo como dos outros, tanto dos meios ambientes como da realidade em si. Salientando-se também como causa das deficiências intelectuais os factores emocionais, afectivos e cognitivos, Anna Freud (1968) evidencia a existência de medos arcaicos e o poder inibidor da educação, e, Melanie Klein a influência positiva ou negativa da educação sexual e os vínculos da autoridade que podem ser factores de inibição ou desinibição, e, M. Maouni a frustração da própria mãe, isto é, o facto de a mãe não se ter constituído na própria infância como “sujeito do seu desejo”, o que levaria a mãe a estabelecer com o seu próprio filho uma relação fechada e circular, resultando, de um tal tipo de relação psicopatológica, o atraso intelectual ou mental de sua própria criança. C. Rogers e Misès, partindo do princípio de que todo o deficiente não se constrói e desenvolve a partir das inter-relações dos factores orgânicos, relacionais e sociais, interacções vitais à organização e dinâmica da personalidade, constata a existência de disfunções neurobiológicas, de perturbações relacionais, de dificuldades a nível de evolução das pulsões, da elaboração das funções simbólicas, bem como disfunções cerebrais dificultadoras da aceitação e do desenvolvimento da integridade, da orientação das pulsões e da aceitação dos próprios conflitos como potenciais de investimento objectal, relacional, emocional, afectivo e social, obstáculos e dificuldades geradores de desarmonias, desintegra-ções, inadaptações e deficiências, o que faz com que os processos de insuficiências intelectuais encontrem suas causas em multifactoriais processos de organização, desenvolvimento e evolução do indivíduo visto e analisado como um todo, isto é, em sua estrutura e dinâmica neurobiológica, cognitiva, escolar, familiar e social. II – DOS DINAMISMOS DOS SISTEMAS NEURO-PSÍQUICOS AOS SÓCIO-COGNITIVOS 191 A literatura biomédica, psicológica, psicopedagógica e educacional descreve, não raras vezes, terminologias como atrasos mentais ou intelectuais, deficiências ou insuficiências, desvantagens ou desvantajados, inadaptações ou inadaptados como se fossem termos sinónimos. Uma tal dicotomia taxonómica em relação ao sujeito inferiorizado, é extremamente ambígua, pois é enorme a sua dificuldade de precisões em relação aos efeitos comportamentais, visto as suas causas serem de diferentes naturezas, ordem e níveis, sintetizando-se estas em causas genéticas, hereditárias, psico-orgânicas, de desenvolvimento e de adaptação. A problemática da deficiência intelectual, no entanto, deverá ser sempre problematizada em seus próprios contextos de literacias sociais e culturais e jamais em perspectivas ou horizontes estáticos, pois embora se possa constatar ou diagnosticar um momentâneo quociente intelectual ou mental de um indivíduo já o mesmo não acontece em relação ao prognóstico da margem ou potencial de seu próximal desenvolvimento emocional, social, afectivo ou cognitivo, desde que submetido ou envolvido com técnicas e estratégias motivadoras de desenvolvimento e de adaptação ao seu potencial de acção e de desenvolvimento, de emoção e cognição, de sociabilidade e socialização, o que faz com que o conceito de “zona de desenvolvimento potencial” de um indivíduo ultrapasse, e muito, as simples perspectivas processuais de ensino e aprendizagem, visto o ser humano funcionar, desenvolver-se e expandir-se como um todo e não exclusivamente como um conjunto de subsistemas que, possuindo suas próprias características, potenciais e funções, não interdependam, mais directa ou indirectamente, dos potenciais, das acções ou das funções dos restantes subsistemas bio-neurocerebrais, afectivo-emocionais e sócio-culturais dinamizados por processos e dinamismos de emoção, adaptação, assimilação e cognição. No entanto, os níveis ou graus de concretização de tais características relacionais, impostas e exigidas pelas características dominantes dos meios escolares, sociais e culturais, fazem com que um certo agrupamento de características ou ausências delas, sobretudo cognitivas, levem a que umas crianças sejam rotuladas de “crianças com dificuldades de aprendizagem”, outras “crianças deficientes mentais” e outras ainda “crianças com atraso mental” consecutivamente em função de seu Q.I., o que faz com que, consoante o grau e a causalidade, existam crianças com disfunções cognitivas, com deficiências e com atrasos mais ou menos acentuadamente profundos, pertencendo ao grupo de crianças com disfunções cognitivas as que apresentam dificuldades na absorção das informações necessárias para a resolução de problemas próprios da sua idade biológica, e isto tanto a nível de percepção como de falta de segurança, de planificação como de não sistematização, de linguagem oral como de linguagem escrita, de comunicação como de orientação, de associação como de precisão, bem como e também as crianças que apresentam dificuldades na elaboração ou restruturação do acto ou actos mentais, e isto tanto a nível de organização como de estruturação das informações recebidas do exterior, dificuldades que podem ser geradas por défices perceptivos, por défices de memória, de estímulo ou de motivação, por desconexão da realidade, por incapacidade de relacionamentos, por estreiteza de campo perceptivo, visual, cognitivo e mental, por abulia na acção do pensamento concreto, operatório, lógico ou abstracto, incapacidade ou lentidão no processamento e exteriorização da elaboração do mental, incapacidades que podem emergir não só da maior ou menor ausência de constructos cognitivos, intelectuais ou mentais, mas também das incapacidades ou dificuldades do sujeito intercomunicar, relacionar-se, aceitar a reciprocidade dos factos ou inibir-se por razões emocionais, afectivas, psicológicas ou de privações, carências ou ausência de estímulos sociais ou culturais. Um tal conjunto de causas de dificuldades de aprendizagem ou de integração psicocomportamental não significa, de forma alguma, que tais crianças não possuam potenciais de modificabilidade do seu comportamento e de desenvolvimento de seu potencial cognitivo, desde que o conjunto das estratégias psico-didácticas, dos conteúdos e das orientações das aprendizagens estejam em consonância ou se adaptem ao nível de desenvolvimento e à natureza psico-funcional, cognitiva, emocional e afectiva da criança com dificuldades. Uma tal complexa constelação de dificuldades, perturbações ou transtornos nos processos de aprendizagem, processados, em sua maioria, por causas ou factores que nada têm a ver com lesões, deteriorações, malformações ou degenerações neurocerebrais constituem uma população de falsa debilidade, cujas características, potenciais e desenvolvimentos, bem como as perspectivas comportamentais se diferenciam da população com verdadeiras e reais, objectivas e concretas dificuldades de aprendizagem, embora, de uma forma geral, seja definida como criança com dificuldades de aprendizagem a que apresenta desnivelamento entre seu processo de aprendizagem e o potencial escolar estimado, desnivelamento que poderá ser causado por problemas de motricidade, alterações emocionais, carências afectivas, problemas ou dificuldades sócio-ambientais, dislexias, dislálias, disgrafias, afasias, discalculias, anartrias, etc., ou causadas por problemas ou dificuldades de um maior ou menor défice estrutural do sujeito, desencadeador de acentuados 192 problemas ou dificuldades motoras, perceptivas, emocionais ou por problemas a nível de codificação e descodificação, de retenção ou memória, de atenção ou projecção manifestadoras de uma dinâmica psicopatológica da aprendizagem e de um anormal comportamento. Com efeito, apesar da existência de um inúmero quantitativo de causas sócio-psíquicas, escolares, sociais e afectivas encontrarem-se no cerne das dificuldades de aprendizagem, o não aprender, o não desenvolver ou o não integrar-se que pressupõe sempre a existência de causas de tais comportamentos ou de ausência deles, podendo algumas de tais causas encontrarem-se na acção ou na inacção do sistema nervoso central ou periférico, na sua coordenação e interacção, na sua união ou desunião, funcionalidade ou disfuncionalidade. Isto porque a origem, bem como o inicial potencial de desenvolvimento da aprendizagem encontra-se no corpo, na sua integridade, na interacção dos seus órgãos e acção dos seus sentidos bem como no potencial da acção unificadora e reestruturadora do próprio indivíduo. Não há dúvida, portanto, que factores bio-orgânicos e neurocerebrais podem, sem dúvida, ser causa primária das dificuldades de aprendizagem como sucede, por exemplo, com a miopia, a falta de audição ou com a existência de mais ou menos acentuados problemas sensoriais, que podem levar uma criança a não participar, a isolar-se ou mesmo a evadir-se dos processos de aprendizagem. Por outro lado, a existência de alterações ou de lesões a nível do sistema nervoso central, mesmo quando não acentuadas, primárias, genéticas ou traumáticas, podem causar maiores ou menores dificuldades nos processos de aprendizagem, pois alteram os processos perceptivomotores dos indivíduos e podem causar, em seus comportamentos psicomotores, hipercinésias, epasticidade ou, a nível do seu potencial de compreensão, apraxias, dislexias, afasias, etc.. Uma outra causalidade orgânica de dificuldades de aprendizagem e de problemas comportamentais pode ser o funcionamento ou a disfuncionalidade do sistema endócrino de um indivíduo, visto este constituir um substracto essencial do desenvolvimento e, por isso mesmo, também de suma importância para o desenvolvimento e a acção das metamorfoses físicas, emocionais, psicológicas e afectivas, e, cujos défices, a nível de funcionamento glandular, podem desencadear problemas de vária ordem e natureza, geradores de dificuldades de aprendizagem, de resolução de conflitos e de apreensão ou integração na realidade. Idênticas reacções, no entanto, podem emergir, a nível sócio-psico-pedagógico, da acção do sistema límbico, hipotalâmico e emocional, visto medos, receios, inibições, complexos e fugas à realidade desencadearem reacções e comportamentos psicoemocionais causadores não só de dificuldades de aprendizagem mas também de comportamentos inseguros, hiperagitados, angustiados ou fóbicos, desencadea-dores de reacções negativas às aprendizagens e aos desenvolvimentos, à imersão no princípio da realidade e do prazer, da acção e da vivência inter e multidimensional, visto um tal conjunto de comportamentos conduzir ou orientar o sujeito humano no desenvolvimento de uma condensada fantasia que não tem nada de semelhante ou idêntico à própria realidade. O oposto a tais comportamentos consiste, fundamentalmente, no saber orientar todo e qualquer aprendiz, criança, adolescente ou adulto, a assumir os processos de aprendizagem alicerçados essencialmente nos princípios da realidade e do prazer, da expansão, da realização e da plenitude evitando, em tais processos, tudo o que possa identificar-se com desprazer, repressão, inibição ou frustração. Um tal conjunto de constelações factoriais de dificuldades de aprendizagem ou atraso mental, demostra sobejamente que a criança intelectual ou mentalmente atrasada não é simplesmente a criança com lesões cerebrais mas pode-o ser também a criança com problemas de inibição comportamental estrutural, carências motivacionais, ausência de estímulos, privações sociais, culturais, afectivas e emocionais. Isto porque sendo o ser humano uma totalidade sistémica, a sua realidade ou acção funcional ou disfuncional terá, necessariamente, de ser analisada na sua totalidade bio-sócio-psicológica. Por isso, analisar as causas das dificuldades de aprendizagem ou dos atrasos intelectuais nas suas dimensões bio-organicistas significa analisar apenas, parcialmente, as causas das dificuldades de aprendizagem como sendo oriundas de processos sensoriais, mas, também, e, em simultâneo, de problemas emocionais, psicológicos, pedagógicos, sociais e culturais. Por isso, Vygotsky pretendeu deixar bem claro - ao analisar as funções inferiores ou naturais, como a pré-disposição para o desenvolvimento biológico, a percepção elementar, a memória e atenção como características dinâmicas do sistema nervoso, e, as funções superiores, como o raciocínio abstracto, a linguagem, a memória lógica, a atenção selectiva e a capacidade de tomada de decisão e de resolução de problemas - que as dificuldades de aprendizagem ou as disfunções comporta-mentais têm origem no social. Um tão vasto e complexo conjunto de possíveis causas de atrasos intelectuais e de dificuldades de aprendizagem faz com que uma tal problemática se torne hipercomplexa, visto as 193 suas causas como os seus processos, os seus níveis como os seus desenvolvimentos serem não só multicausais como multidiversificados. De facto, não só causas neuropsíquicas mas também factores de natureza psicológica, afectiva, emocional e social constituem elementos constelacionais condicionantes e psico-sócioestruturais das dificuldades de aprendizagem. É que, tanto os distúrbios como as perturbações neurossensoriais, as lesões e as imaturações neurocerebrais, as imaturidades afectivas e os subdesenvolvimentos emocionais, as incapacidades sociais como as comunicacionais, constituem, de uma forma geral, as causas essenciais das dificuldades de aprendizagem. Daí o aparecimento de diagnósticos de indivíduos com dificuldades de aprendizagem referenciando a existência de deficiências mistas quando incidem sobre o plano neurofisiológico, sensorial e psíquico e com “nenhuma deficiência em especial” quando não foi possível diagnosticar nenhuma causalidade de natureza neurofisiológica em especial, remetendo-se, então, tais causas para o universo do emocional, do afectivo, do social ou da fragilidade psíquica do indivíduo. Apesar das várias discussões sobre as causas das dificuldades de aprendizagem não há dúvida, hoje em dia, que não só a existência de lesões no sistema nervoso mas também as suas descoordenações ou disconexões geram maiores ou menores dificuldades nos processos de aprendizagem. É que sendo o sistema nervoso central o centro das conexões e das organizações dos impulsos e dos estímulos, a existência de desconexões ou desorganizações de tais funções tendem a criar dificuldades nos processos de orientação da aprendizagem, visto esta resultar da interacção da acção do sistema neurocerebral, com os factores do meio, através dos processos da actividade bioquímica e bioeléctrica do cérebro, bem como de seus processos emocionais e psíquicos, sociais e mentais, os quais, por sua vez, poderão bloquear, inibir, reduzir, ou distorcer a própria actividade bioeléctrica e energética do próprio cérebro como se evidencia, por exemplo, em situações de angústia e de depressão, de receios ou medos, de fobias ou pânicos, etc., resultando daí a evidência de que a aprendizagem é efeito da acção bio-sócio-psicológica totalizadora de um indivíduo, o qual possui um tipo de personalidade diferente dos outros indivíduos, diferente a nível de resistência aos factores nocivos do meio, diferenciada hierarquia de estímulos e de motivações, de interesses e projectos, de capacidades e aptidões e, por isso, também diferenciados graus de resiliência e de valores, de adaptação e de envolvências. O anterior conjunto de factores integrativos de uma equilibrada personalidade individual são simultaneamente factores de pré-disposição para aprendizagens satisfatórias e eficientes. Por isso, toda a neuropsicologia da aprendizagem deverá ter em conta todo o vasto e interdependente complexo conjunto de sistemas neuro-sócio-psíquicos da aprendizagem os quais são de natureza psico-pedagógica, sócio-cultural, neuro-sensorial, emocional, cognitivo, afectivo e relacional. A ausência de interactiva integrabilidade de tais sistemas não só pode constituir génese das dificuldades de aprendizagem como também de anómalos comportamentos individuais visto acentuada dimensão do exógeno ser assimilada pelo endógeno, elevada percentagem do exterior pelo interior, o exterior apoderar-se do interior, o social apoderar-se do individual e a acção da força do desequilíbrio perturbar, reduzir ou desequilibrar o próprio equilíbrio como sucede, não raras vezes, com as encruzilhadas das crises de crescimento individual, de inter-relacionamento social, de problemas sócio-familiares ou com acentuadas crises emocionais e afectivas, possíveis criadoras de disfunções adaptativas, bem como de dificuldades ou incapacidades de adaptação a situações novas. Um tal conjunto de incapacidades de adaptação a novas situações pode interdepender não só da força da mudança ou inovação das situações mas também, de forma particular, da labilidade psíquica e emocional do indivíduo, das características valorativas ou não de sua própria personalidade, bem como de sua própria hierarquia de valores individuais e da sua própria resiliência interpessoal, atitudes e propensões psico-comportamentais que orientam ou encaminham o indivíduo verso o desenvolvimento, a orientação e o reforço de maiores ou menores atitudes face aos processos de desenvolvimento ou de bloqueamento, de flexibilidade ou de inibição de capacidades cognitivas, relacionais, profissionais e ambientais, o que constitui um conjunto de características caracterizadoras e desenvolvedoras ou não de uma ampla flexibilidade comportamental, de um amplo leque de potencialidades adaptativas, adequadas e normais ao “denominado” normalizante processo de aprendizagem escolar e de desenvolvimento social, integrativo comportamento dos actuais e socialmente desejáveis psicopedagógicos comportamentos escolares. Evidenciando as análises anteriores a multidimensionalidade das causas não só das dificuldades de aprendizagem mas também das anormalidades comportamentais, as mais difíceis de diagnosticar residem, essencialmente, na existência de níveis ou graus de insuficiência a nível de mecanismos bioeléctricos, bioquímicos e sensoriais do indivíduo. No entanto, os processos de maturação neurobiológica e de maturidade psicoemocional de um indivíduo, necessários a determinados níveis de aprendizagem, rendibilidade cognitiva e eficiência 194 intelectual, exigem não só o conatural desenvolvimento neurofisiológico, mas também as necessárias e gradativas acções de movimento, progressão e execução sem as quais o indivíduo se torna impossibilitado ou incapaz de agir e funcionar em níveis idênticos ou em conformidade com a maioria das acções ou comportamentos impostos, exigidos ou esperados da maioria dos membros do mesmo grupo etário. Crianças de um tal grupo etário com níveis ou graus de insuficiências sensoriais ou psicomotoras revelam, em princípio, desvantagens, incapacidades ou deficiências em relação à maioria dos elementos do seu próprio grupo etário. Um tal conjunto de incapacidades ou de insuficiências, normalmente denominadas de apraxias, agnosias, agrafias, afasias ou dislexias, emergem, geralmente, de dificuldades psicomotoras, sensoriais e emocionais e têm efeitos acentuados a nível de aprendizagem, de desenvolvimento do conhecimento e da inteligência, da acção e da afirmação, do auto-conceito e da auto-estima, constatando-se assim que, como o todo se repercute sobre as partes, também as partes influenciam a acção do todo. III - FENÓMENOS AFECTIVO-EMOCIONAIS EM SUAS INTERACÇÕES COM OS DINAMISMOS DAS ESTRUTURAS NEUROPSÍQUICAS Emanando o comportamento e a acção do ser humano das suas organizações e reorganizações, de suas estruturas e reestruturações, a força e vitalidade de tais dinamismos encontram sua origem na dinâmica de suas interacções cérebro «-» meio «-» cultura «-» saberes. A existência de uma tal recíproca e evolutiva impregnância deve-se à força, vitalidade e flexibilidade do espírito humano com o qual, apesar de enraízado em estruturas e dinamismos antropossociais e emergir de activantes estruturas bio-neuro-cerebrais, possui, como intrínseca e inerente necessidade de desenvolvi-mento, de acção, de expansão e de coerência, as recíprocas e dinamizantes interacções com os meios, e, estes estimulam mudanças e reorganizações nos cérebros e os cérebros desencadeiam e efectuam mudanças nos meios, o que faz com que os meios estejam nos cérebros e os cérebros nos meios. A presente indissociabilidade do individual, do social, do cerebral e do cultural faz com que, na análise do comportamento e da acção de um cérebro humano, seja absolutamente necessário ter na devida conta, apreço e valorização, as organizações e reorganizações, as dissociações ou destruturações oriundas dos seus próprios meios, apesar de sabermos que, teoricamente, todo o cérebro possui uma memória genético-hereditária com potenciais de desenvolvimento de um conhecimento de sobrevivência por si e para si. Sendo profundamente insuficiente um tal potencial de conhecimento, tornam-se necessidades primárias do cérebro biológico, estimulações ambientais, sociais e culturais, que se impregnam no cérebro, moldam-o, estimulam-o, dinamizam-o e reorganizam-o em função das vivências de si e para si, para os outros, para a sociedade e para a cultura em geral, constituindo-se, assim, dinamizantes dimensões de novos princípios, instruções, normas e regras que, por sua vez, constroiem e destroiem, organizam e desorganizam esquemas de pensamento e de acção, de sentimentos e emoções, de atitudes e comportamentos mobilizadores ou não de seus potenciais biocerebrais e das estruturas sócio-culturais. Estas recíprocas e interdependentes interacções entre o bio-cerebral e o sócio-cultural constituem o paradigma essencial de todo o desenvolvimento cognitivo, visto este interdepender da funcional conjugação ou harmonia efectuada entre os esquemas biocerebrais inatos e os esquemas culturais do meio, pois tudo o que é pensamento, espírito, linguagem, consciência ou lógica emerge das recíprocas interacções do bio-neuro-cerebral com o antropo-sócio-cultural. A nível bio-cerebral, células, neurónios, axónios, sinapses, etc., organizam-se e reorganizam-se, comunicam e informam, interagem, solidarizam-se e intercomputam sem consciência de uma tal acção, a qual constitui a base da nossa inteligência mas o seu desenvolvimento passa pela efectiva acção de múltiplas e recíprocas interacções computantes, sistémicas ou antagónicas, estimulantes e organizadoras. Por sua vez, a inteligência, o espírito ou a consciência individual necessitam de constante retorno, simultaneamente subjectivo e objectivo, sobre suas próprias origens, isto é, sobre o bio-neuro-cerebral, visto o permanente desenvolvimento do indivíduo ser uma constante reprodução de si através dos outros e de cujos efeitos tais interacções se serve para se reorganizar, renovar, regenerar, readaptar, evoluir e se auto-construir na sua individualidade e identidade, na sua subjectividade e objectividade e, graças aos seus potenciais de flexibilidade, maleabilidade e adaptabilidade, vivenciar-se em seus permanentes círculos de simultâneas emanências e transcendências. 195 Um tal processo vivencial a nível de indivíduo exige, porém, homeostasia funcional. A ausência de uma tal homeostática funcionalidade gera não só disfunções cognitivas mas também perturbações emocionais e distúrbios comportamentais como sucede, por exemplo, quando o biocorporal de um indivíduo não dá resposta às suas necessidades psicoemocionais ou aos seus comportamentos bio-corporais e ultrapassa todas as esferas de suas reais necessidades psicoemocionais ou afectivas, originando-se, por tais ausências de funcionalidades homeostáticas, doenças, desequilíbrios ou anomalias psicos-somáticas ou somatizações das perturbações, das carências ou dos subdesenvolvi-mentos psicoemocionais, características comportamentais acentuada-mente influenciadoras de uma elevadíssima percentagem das doenças humanas típicas das sociedades industriais e pós-industrializadas. Algo de muito idêntico encontra-se, em elevadíssima percentagem, nas disfunções cognitivas e nas dificuldades de aprendizagem das crianças e adolescentes escolares, nomeadamente quando a escola e seus respectivos processos de ensino - aprendizagem não se centralizam sobre a unidade unicitária do aluno, sobre sua integrabilidade e totalidade, quando não valoriza o seu todo, a sua relacionalidade e afectividade, a sua sociabilidade e cognitividade, os seus potenciais e as suas aptidões, as suas características e os seus reais centros de interesse cognitivos ou intelectuais, sociais ou profissionais, valorização que deverá conduzir o educando a envolver a sua totalidade naquilo que faz em consonância com o princípio da realidade e do prazer, da harmonia e do bem-estar, comportamento psico-pedagógico vaticinado por Henri Wallon (1961) quando expressava o seu pensamento afirmando ser necessário cultivar as raízes da criança provenientes da sua experiência do quotidiano, a qual une-o não só com o seu eu mas também com o seu tempo, tornando-se, para tal, necessário colmatar o fosso entre a escola e a sua vida, os seus hábitos e os seus interesses, e isto para que o trabalho escolar volte a adquirir o seu real significado de desenvolvimento das funções da concepção teórica, da realização técnica e da execução material. Os tipos de análises descritivas anteriores evidenciam a criação de proliferantes alfobres de perturbações psico-comportamentais e de disfunções cognitivas, alienações que, se por um lado, geram processos de desequilíbrios psicossomáticos e mentais, por outro lado, transformam-se em denominadores comuns de subdesenvolvimentos cognitivos, de representações e de imagens negativas, de asfixias e de desenvolvimentos de atitudes e comportamentos pueris, de pessoas imaturas e irresponsáveis, bem como de personalidades obsessivas e depressivas. O conjunto de tais características emanadas de um indivíduo possui sua origem causal na ausência de uma dinâmica positiva de suas próprias estruturas cognitivas, as quais emergem das representações organizadas de experiências anteriores sendo, através de tais experiências, que o indivíduo decide da sua linha comportamental e de acção, de vivência e de emoção, de sentimentos e afectividade, de centros de interesse e de envolvimentos, os quais, por sua vez, reprimem ou libertam, recalcam ou desinibem, proíbem ou totalizam os exteriores desenvolvimentos cognitivoemocionais, afectivo-profissionais sem uma tomada de consciência das razões de ser de tais atitudes e comportamentos positivos ou negativos. As estruturas cognitivo-emocionais negativas, asfixiadas, inibidas ou proibidas originam não só subdesenvolvimentos cognitivos mas também asfixias e bloqueamentos a nível de personalidade, criando acentuados conflitos interiores entre o ser e o dever ser, entre suas próprias necessidades de expansão e de realização do seu ser, bem como disfunções cognitivas e inadaptações ao real, às circunstâncias e aos meios, tornando-se, óbvio, no entanto, que, não raros indivíduos, possuem autoconsciência de suas próprias disfunções cognitivas e psico-comportamentais, visto estas manifestarem-se por distorções cognitivas negativas acerca de si mesmo, do mundo e do futuro, o que gera, nas próprias pessoas, crónicas estruturas de depressão, de inadaptação, fracasso e de uma permanente vivência em estruturas e dinâmicas de contínuo stress, apatia e indiferença face a si mesmo, aos outros, às circunstâncias e aos meios, bem como privações de centros de interesses emocionais, afectivos, sociais e cognitivos, o que faz com que tais indivíduos percepcionem a sua própria pessoa, os ambientes, os meios, os acontecimentos e as circunstâncias que a rodeiam de maneira negativa, absurda e sem sentido. Uma tal estrutura cognitivo-emocional torna-se geradora de imensos efeitos e comportamentos não só disfuncionais a nível cognitivo mas também bloqueadores a nível de dinamização da própria individualidade e desintegrativos a nível psico-comportamental. É que as disfunções, tanto nas suas singularidades como no seu conjunto em geral, podem não só gerar desunificações a nível da necessária funcionalidade unitária do sistema bio-neuropsíquico do humano, mas também acentuados défices a nível de suas funções superiores como sucede, por exemplo, nos casos em que um indivíduo possui reduzido nível de compreensão, mas elevada memória; elevadíssimo potencial ou nível de inteligência racional e reduzido grau de inteligência interpessoal, ecológica ou emocional; elevado nível de inteligência linguística e reduzida 196 inteligência perceptiva ou motora, etc., significando isto que, embora o ser humano seja uma unidade sistémica, as suas funções podem manifestar-se assistematicamente. Uma tal factual realidade demostra sobejamente que as faculdades mentais do ser humano estão sujeitas a uma variabilidade de contingências de subdesenvolvimento, atrofia, deterioração, desgaste ou bloqueamento que, directa ou indirectamente, influenciam, mais ou menos acentuadamente, a dinâmica, o funcionamento e o desenvolvimento de outras funções, consoante a localização neuro-bio-psíquica da génese das funções e a natureza ou grau da deficiência, lesão, deterioração, bloqueamento ou inibição como sucede com a existência de lesões nas áreas corticais linguísticas que, geralmente, geram afasias; com lesões nas áreas pré-frontais perturbadoras da memória ou com qualquer outro tipo de lesões, bloqueamentos, subdesenvolvimentos ou distorções nas áreas que cooperam com as estruturas especializadas de determinadas funções como sucede com a emoção, o afecto, a orientação, etc., cujos funcionamentos e dinâmicas são multidimensionais e não apenas vertical e horizontalmente, não só a nível neuropsicológico mas também psíquico, psicocorporal e social, intelectual e mental, visto o sistema nervosos central ter por objectivo, entre outras funções, as de coordenar e integrar toda a actividade individual na unicidade do próprio indivíduo. Uma tal unitária unicidade, própria e intrínseca ao normal e equilibrado funcionamento da unidade do sistema neuro-bio-sócio-psicológico, é desunificável não só por efeitos de lesões cerebrais, de desconexões inter-hemisféricas, mas também por processos psicológicos, mentais, intelectuais, cognitivos, emocionais, afectivos ou sociais, gerando-se epifenómenos de desunidade da consciência individual com acentuadas ambivalências e confusões entre o subjectivo e o objectivo, entre o psíquico e o corporal, entre o social e o individual e cujas manifestações se vão integrando no quadro da personalidade múltipla, isto é, na existência de duas ou mais subpersonalidades separadas e distintas, e, cuja funcionalidade é de conflito, oposição, recalcamento, bloqueamento e inibição das faculdades e dos comportamentos, das percepções, das cognições, das aprendiza-gens e dos desenvolvimentos harmoniosos e integrados, dando a impressão que os potenciais e desenvolvimentos de cada hemisfério cerebral se desenvolveram e actuam sem recíprocas e interactivas correlações entre eles. Um tal anormal ou desunitário comportamento de um indivíduo pode ser causado ou desencadeado não só por causas ou razões neurocerebrais, mas também por factores de natureza psicológica, mental, emocional, afectiva e social, visto a acção ou a inacção, os desvios ou as distorções destes poderem gerar em suas próprias estruturas e dinamismos neurocerebrais não só inibições ou bloqueamentos, recalcamentos ou distorções, mas também lesões com acentuados e negativos efeitos não só a nível do sistema nervoso central mas também periférico, autónomo ou simpático, emanando, daí, acentuados desvios a nível sócio-comportamental e psico-emocional, bem como acentuadas dificuldades a nível de cognição, de retenção, de memória, de inserção, de integração, flexibilidade e modificabilidade. É que, assim como uma hierarquia de valores mobiliza mais directa ou indirectamente todo o potencial de um indivíduo também as lesões, os bloqueamentos, as inibições ou as dissociações mais directa ou indirectamente inibem ou distorcem a sua funcionalidade operacional como sucede com os processos de dissociação psico-corporal, afectivo-intelectual ou psico-cognitivo, dissociações efectuadas pelos processos psico-comportamentais do indivíduo e que permanecem na expectativa da eficiência dos processos de reorganização, reestruturação, reunificação e revitalização da própria e intrínseca unidade essência – existência efectuada pela acção da própria mente e pelo trabalho do psico-emocional, estabelecendo-se, então, uma clara e nítida distinção entre deficiência mental, insuficiência psíquica tanto de origem congénita como adquirida e doença mental resultante de doença do espírito e de atitudes ou comportamentos que escapam ao controlo da mente ou da razão, embora não seja raro, na experiência clínica, que, insuficiências psíquicas ou atrasos intelectuais desenvolveram doenças mentais e sujeitos com doenças mentais desenvolveram estados de atraso intelectual. Com efeito, qualquer que seja a causa da doença mental, lesões, alterações, disfunções nas células neuronais, tensões ou traumas afectivo-emocionais ou situações de stress, superiores à capacidade de resistência do sujeito, tais causas evidenciam o facto que nenhuma doença é totalmente psíquica e nenhuma é completamente orgânico-fisiológica. E isto porque, sendo a mente emanação do cérebro, este envolve funções psicológicas e comportamentos instintivos, comportamentos emocionais e sociais, afectivos e intelectuais interdependentes da acção dos domínios psico-motores, perceptivos, somáticos, cognitivos, informativos e espaciais. Daí o facto da causa essencial da doença mental ser, na sua maioria, efeito da ausência de inter-relações e correlações funcionais entre as faculdades sensoriais e mentais, corporais e psíquicas, interiores e exteriores, entre percepções e emoções, sentimentos e acções, afectos e 197 desejos, imagens e pensamentos, privações e disfunções ou desequilíbrios geradores de destruturações ou desorganizações do todo funcional do indivíduo e da ausência de alicerces estruturais, dinâmicos e envolventes da própria individualidade, a qual contém, em si mesma, intrínsecas necessidades de permanente acção e de constante reorganização em função dos factos e dos acontecimentos, dos meios e dos ambientes, bem como de suas intrínsecas necessidades de permanentes fluxos de bioenergia adaptativa, espontânea e coerente, fazendo com que o indivíduo, aceitando a dinâmica de seu próprio inconsciente biológico, emocional, social e afectivo, permaneça continuamente consciente de suas próprias acções e comportamentos, experiências e vivências, valores e disponibilidades para o mais e o melhor, investindo, permanentemente, o seu próprio potencial na valorização de si mesmo, na constante e ascendente recriação de seus níveis de autoconceito e de auto-estima, bem como nas inter-relações com os outros, com os meios e com os ecossistemas, com desapego do passado, vivência do presente e prospectivação do devir. A ausência das recíprocas, interactivas e dinâmicas inter-relações funcionais entre tais dimensões gera anómalos processos psico-emocionais, cujos efeitos se consubstanciam, de uma forma geral, em neuroses e psicoses, resultando, tanto umas como outras, da existência de conflitos intrapsíquicos, sendo as primeiras manifestadas através de permanentes perturbações a nível da personalidade com manifestações obsessivas, perturbações ansiosas, fobias comportamentais, doenças psicossomáticas, comportamentos depressivos ou histéricos, etc., e, as segundas, por atitudes reveladoras de “doença do espírito”, visto elas atingirem gravemente o cerne da própria personalidade e, esta manifestar-se por acentuadas perturbações, pela ausência de consciência de sua morbidez, por suas dificuldades de comunicação e sensações de profunda estranheza face a si mesmo, aos outros e aos meios circundantes, o que faz com que, a nível afectivo e emocional, bem como a nível de processos de cognição, o indivíduo se manifeste profundamente instável, acentuadamente apático e indiferente. Ora, caracterizando-se o comportamento instável de um indivíduo por suas rápidas mudanças de estados emocionais, por comportamentos impulsivos e por fracas tolerâncias às frustrações, tais comportamentos não permitem que o indivíduo se concentre mais que alguns instantes em tarefas e funções, desempenhos ou execuções, originando, assim, acentuadas dificuldades nas aprendizagens, reacções emocionais inadequadas à idade, desajustamentos sociais e escolares, disrupções cognitivas, bem como bloqueamentos a nível do desenvolvimento de suas próprias aptidões e de capacidades de aprendizagem. Com efeito, uma tal instabilidade comportamental envolve, regra geral, o todo da personalidade do indivíduo. E isto tanto a nível psico-motor como a nível psico-emocional, tanto a nível psico-cognitivo como psico-intelectual, ou seja, tanto a nível de funções instrumentais como afectivas, tanto a nível do corpo como da mente, de sensibilidades como de inteligência. É que, de facto, tanto a criança como o adolescente, jovem ou adulto instáveis apresentam acentuadas oscilações de humor que podem ir desde a alegria eufórica mais intensa até um comportamento de acentuada náusea, aborrecimento e depressão. Enquanto crianças ou adolescentes, os instáveis são irrequietos, activos, mas sem o necessário rendimento devido às suas dificuldades de concentração, visto não conseguirem orientar sua intencionalidade com eficiência para as necessárias tarefas e funções a concretizar ou desempenhar. É que sua interioridade permanece invadida por uma espécie de agitação ou tormenta interior que lhes impõem uma permanente fuga daquilo que devem fazer. Tudo isto porque vivem sob um permanente estado de tensão bioemocional que lhes provoca medos, descontrolos, fugas e resistências à possível filtração do real. Por isso não se sentem à-vontade dentro de seu próprio corpo, não aceitam suas pulsões nem energias, desconhecem seu potencial bioenergético, negligenciam as suas capacidades, vivem em permanentes estados processuais de desgastes permanentes, dificilmente se descontraem ou se deixam relaxar e vivem com permanentes medos de descontrolo pois são intolerantes à frustração e à adversidade e dificilmente estabelecem relações inter-pessoais de duradoura permanência. Daí o facto de tanto as crianças como os adolescentes instáveis terem dificuldades em permanecer sentadas, mexem com tudo e com todos, não se interessam pelos trabalhos escolares, têm dificuldades em fixar a atenção, são muito dispersos, sentem-se incapazes de continuar a mesma acção, de manter um ritmo regular de trabalho, de agir de maneira constante e de levar um trabalho até ao fim. Tudo isto porque a sua instabilidade não se manifesta apenas nos movimentos físicos, mas, também, em suas funções emocionais e intelectuais e, por tais razões, as suas atitudes psico-comportamentais são de passagem de um interesse para outro, visto possuírem a sensação de incapacidade, de atenção e de fazerem qualquer esforço perseverante de reflexão, permanecendo em constante necessidade de movimento e de mudança, criando desordem e perturbado a actividade 198 dos outros, manifestando-se impulsivos, inconstantes e caprichosos. Abandonam facilmente os trabalhos começados e vivem numa permanente atitude de conquista ou descoberta de um "inexistente paraíso”. Os instáveis, com permanentes comportamentos de irrequietude, deambulam em sua existência, sem fins nem objectivos. Nas tarefas encetadas facilmente perdem o sentido da sua utilidade, sentem-se desconfortados em relação a si mesmos, desconfiados em relação aos outros, ansiosos perante o novo ou o diferente e numa permanente luta contra seus próprios sentimentos de frustração, angústia e depressão. Instáveis, hiperagitados e irrequietos apresentam défices ou transtornos psico-cognitivos, de maneira particular a nível de praxias e de agnosias devido às suas perturbações a nível de concentração, de sua hiperactividade psicomotora e atenção visto concentração, participação e envolvimento, abertura e disponibilidade serem os alicerces mobilizadores de todo o sucesso escolar, incompatíveis com a hiperactividade, impulsividade e distractibilidade do instável. No entanto, um tal conjunto de indivíduos, bem como outros caracterizados por alterados e distorcidos comportamentos afectivo-emocionais e psico-sociais possuem capacidades para a aprendizagem. O que está aqui em causa é o facto das estruturas bio-neuro-cerebrais e psicoemocionais do indivíduo estarem alteradas, perturbadas, distorcidas ou bloqueadas, nomeadamente a nível de recepção da informação, da sua organização, compreensão, associação e devolução da informação. É que, de facto, dinamismos cognitivos e estruturas emocionais interagem mútua e reciprocamente e, mesmo sem a existência de lesões cerebrais, os factores emocionais podem bloquear ou dinamizar os dinamismos da aprendizagem e do conhecimento, visto o ser humano ser uma unidade bio-neuro-cerebral e sócio-psico-emocional e seus efeitos comportamentais emanarem das acções interactivas de todos os seus subsistemas. A dinâmica emocional de um indivíduo, no entanto, interdepende de factores da sua própria personalidade, individualidade e identidade, de seus comportamentos inter-relacionais, de suas hierarquias de valores, de seu auto-conceito e auto-confiança, bem como de seus dinamismos psicosociais e de envolvência, portadores de energias, inter-activações e actividades do córtice cerebral e de suas estruturas corticais. De facto, assentando as funções mentais em bases neuronais, a activação, orientação e encaminhamento destas obedece aos princípios de orientação das próprias motivações, as quais, por sua vez, orientam a funcionalidade da mente, de seus fluxos e de suas energias, de suas captações e estímulos, de suas interconexões cérebro-mente e de suas unificações e orientações psicocomportamentais, visto a total e harmoniosa activação do cérebro interdepender da estimulação de todas as suas áreas. Não há dúvida, no entanto, que as emoções, os sentimentos e os afectos, as pulsões e as energias constituem, em geral, os agentes mais estimulantes e motivadores da actividade psicológica e mental do cérebro normal visto as suas áreas agirem e interagirem conectivamente, e, tanto as pulsões como as emoções ou afectos constituírem o motor essencial de suas interacções, de suas percepções, filtrações, organizações e reorganizações, entradas e saídas. As deficiências, bloqueamentos, fragilidades ou inibições em tais processos não só são geradores de perturbações e dificuldades a nível cognitivo mas também a nível de memória e da própria linguagem. É que a carência ou a distorção da necessária bio-energia emocional e afectiva debilitam não só a lógica necessária como também fragilizam e bloqueiam os desenvolvimentos das programações interiores, impedem a coerência interior – exterior e a interactividade neurocerebral permanece comprometida e impossibilitada de passar de uma fase a outra, gerando-se, a partir daí, não só fenómenos de esquecimento mas também de perturbações da memória e do pensamento. De facto, a ausência de emoção vital ou a existência de emoção negativa (recalcamentos, ou presença de sentimentos de ódio, raiva, rancor ou inveja generalizados) bloqueiam ou impedem a transposição ou transparência de dados mnésicos de longo prazo para o curto prazo e vice-versa e a eficiência de um tal processo implica a comunicação de tais fluxos de maneira flexível, associativa, natural e espontânea. A morbidez de tais processos desencadeia fenómenos de esquecimento, os quais nem sempre são negativos, sobretudo quando o esquecimento se torna agente de purgação, de filtração ou selecção de formas e conteúdos mentais que, não raras vezes, asfixiam a memória ou bloqueiam e paralisam o poder associativo da mente. De facto, a eficiência na aprendizagem implica a envolvência do sujeito, a abertura em relação ao cognoscível, disponibilidade emocional e prazer na relação ao objecto. As informações sem interesse bloqueiam tais processos, favorecem a criação de parasitárias redundâncias e 199 bloqueiam ou minimizam a capital importância da relação sujeito – objecto. Vivenciar a relação, seleccionar os dados informativos mais importantes, sistematizar tais dados, mapeá-los mentalmente e codificá-los são características processuais da eficiência dos processos de aprendizagem. A ineficiência ou inabituação em tais processos é, sem dúvida, causa de certas dificuldades mas tais causas tornam-se extremamente maiores quando tais processos não seguem seus desenvolvimentos naturais, estão imbuídos de parasitárias interferências ou se encontram deteriorados provocando, assim, não só negativas filtrações dos dados informativos mas também desvios em seus códigos associativos, sobrecarregando não só os dinamismos neuropsíquicos do indivíduo mas também inibindo o seu potencial emocional e recalcando suas energias afectivas, o que violenta a concentração, distorce o potencial associativo de ideias, imagens ou mapas mentais, desorganiza aprendizagens anteriores e instala no indivíduo o desprazer pela aprendizagem, fenómenos que não só desenvolvem no sujeito reacções negativas aos processos de aprendizagem, mecanismos comportamentais de fuga e de evasão, sensações de incapacidade e fragilidade, comportamentos de inibição, complexos de inferioridade, profunda baixa estima de si mesmo e instabilidade emocional com acentuadas tendências para a rigidez psíquica, dificuldades nas evocações do aprendido, contínuos esquecimentos e involutivos neurotizantes comportamentos, visto tanto as amnésias totais ou parciais como os comportamentos regressivos possuírem causas não só na existência de lesões cerebrais mas também na existência de traumas e fenómenos emocionais, psíquicos e afectivos, os quais afectam ou bloqueiam, de forma acentuada, não só as funções mas também o desenvolvimento da acção do hipocampo, gerando-se, então, comportamentos de astenia ou psicastenias cerebrais. O anterior conjunto causal de perturbações da memória efectua, em simultâneo ou no imediato posterior, perturbações do curso do pensamento e, não raras vezes, perturbações da linguagem. É que, sendo perturbada a eficiência mental e intelectual, o comportamento do indivíduo manifesta-se lento, dá a impressão de desinteresse, de dificuldades no raciocínio e nas associações e, não raras vezes, ele próprio fala de “cabeça vazia ou da existência de brancas no cérebro”, atitude comportamental idêntica à de fuga à realidade ou de falta de adaptação e envolvência nos respectivos contextos sócio-pessoais. Não raras vezes o seu discurso é incoerente, ilógico, com paragens, despropósitos, com expressões herméticas, neologismos, comportamentos de semimutismo ou palavras deslocadas de sentido corrente. As suas fantasias são marcadamente acentuadas por agressividades sádicas, com simbologias mórbidas: corpos destruídos ou mentes desintegradas; hiperagitações infantis, tendências depressivas, angústias acentuadas e hiperagitações caracteriais. Como é óbvio, um tal conjunto de bloqueamentos, perturbações ou rupturas origina estados de atraso intelectual ou mental, não só quantitativo, mas, também, qualitativo pois tais indivíduos, além de efectuarem aprendizagens muito mais lentamente, efectuam-nas com dificuldade, com desprazer, com falta de participação e ausência de envolvimento. O seu potencial de operacionalização lentifica-se e o desenvolvimento de suas capacidades adaptativas, escolares, laborais ou profissionais torna-se subdesenvolvido, rígido, amorfo ou distorcido, características estruturais e constituintes causais do atraso intelectual, visto aquelas inibirem, bloquearem ou reduzirem o potencial de modificabilidade ou de novas adaptações e de diferenciados comportamentos face aos estímulos e às motivações, evidenciando privações de contextos e conteúdos, de adaptações e adaptabilidades, bem como de socializações e aprendizagens mediadas. IV–DINAMISMOS APRENDIZAGEM AFECTIVO-EMOCIONAIS NOS PROCESSOS DE Embora hoje em dia certos cientistas pretendam tratar as emoções como algo distinto dos afectos e afectividade, a realidade é que as emoções, seus tipos e características emergem da afectividade de um indivíduo. É que, em lato sentido, sendo um estado afectivo de uma pessoa constituído pelo conjunto das reacções psíquicas que ela possui em relação a si mesmo, aos outros e ao mundo exterior, as descargas de um tal estado, as suas comunicações, interacções ou reacções manifestam o estado emocional de uma pessoa, estado que, tornando-se denominador de todos os sentimentos individuais, pode revelar-se por manifestações agradáveis ou desagradáveis exteriorizadas de forma mais ou menos violenta, pacífica ou tranquila, e, de maneira psíquica, física ou psicossomática em forma de pulsões, afectos ou emoções. Daí o facto da emoção dever ser tratada como forte potencial de energia e de investimento, de cargas e descargas imediatas ou 200 diferidas e facilitadoras ou retardadoras, desinibidoras ou inibidoras dos processos de desenvolvimento, de expansão e realização humana. Com efeito, o hipotálamo, filtro e centro desenvolvedor do emocional, capta as informações sensoriais oriundas do ambiente exterior, percepciona-as, elabora-as e envia-as às áreas de associação sensorial e de projecção cortical, assumindo, aí, um certo nível de complexidade cognitiva sendo esta, por sua vez, reenviada ao tálamo e ao sistema límbico em geral. Circuita nas áreas corticais de projecção e de associação sensorial efectuando, então, o tratamento emocional das informações, tratamento no qual a amígdala desempenha uma função essencial, visto aquela situarse na face interior de cada lobo temporal e ser parte integrante do sistema límbico, intervindo, assim, na elaboração, organização e expressão das emoções visto ela efectuar recíprocas conexões com o hipocampo, com o tálamo e com o hipotálamo. Por isso, a nível de anatomia neurocerebral, a funcionalidade dos circuitos existentes no interior do sistema límbico não só activa e dinamiza o potencial emocional do indivíduo mas também se torna potencial e agente activador de seu próprio poder e actividade mnésica. A actividade de um tal potencial subcortical interage não só consigo mesmo, mas, também, com as estruturas e os dinamismos corticais, processo que, fazendo com que os dados exteriores adquiram significado emocional pela acção do núcleo da amígdala e interactivas áreas corticais primárias da visão, da audição e da someostesia, as quais, interactiva e reciprocamente, interagem com as áreas secundárias do cérebro humano, nomeadamente com o córtice frontal e temporal, efectuaram a integridade funcional do sistema límbico, talâmico e cortical. É que, através dos dinamismos subcorticais, os dados dos sentidos dos órgãos adquirem valor emocional e as estruturas corticais do cérebro humano elaboram as informações e os programas a partir de tais dados, controlando, inibindo ou orientando as emoções em função dos contextos sociais, das expectativas individuais ou das interacções sociais. A presente e recíproca interactividade neurocerebral demostra que, num cérebro humano normal, as suas diversas áreas ou regiões estão dinâmica e funcionalmente interconectadas e uma desconexão, por exemplo, através de uma lesão, pode manifestar seus efeitos em áreas ou regiões diferentes da zona lesada. Do anteriormente exposto resulta, com clara evidência, a existência de recíprocas e funcionais interacções entre emoções e cognições, visto ser através das emoções que o ser humano dá e atribui significado aos acontecimentos e situações e ser a partir de tais significados que as funções cognitivas actuam, desenvolvem-se, reelaboram-se ou modificam-se, dinamizando ou reestruturando estruturas cognitivas, destruturando ou reestruturando esquemas psicocomportamentais, estruturas e esquemas que, por sua vez, influenciam positiva ou negativamente o potencial emocional de um indivíduo bem como suas áreas neurocerebrais. Face a uma tal dinâmica neurocerebral: emocional – cognitiva e comportamental, tanto os sistemas neurocerebrais como os emocionais e os cognitivos, emergentes de hipercomplexas componentes, são sistemas de funções integrativas e adaptativas. Por isso, é intrínseca necessidade, tanto do sistema emocional como do sistema cognitivo, captar e tratar as informações oriundas do ambiente, seleccionar os estímulos mais evidentes, fornecer a tais estímulos respostas adequadas e reter o conjunto dos estímulos, a resposta e os resultados de tal resposta, visto o sistema emocional, por sua vez, emergir do sistema do inconsciente e, por isso, responder rapidamente a estímulos essenciais às necessidades fundamentais do indivíduo, e, o sistema cognitivo analisar as situações de maneira mais flexível e variada, visto emergir do sistema consciente e, por isso, necessitar de muito mais tempo que o sistema emocional para elaborar suas próprias respostas e se adaptar, de forma flexível, às variadas situações e circunstâncias dos meios. Estes dois sistemas, no entanto, colaboram interactiva e retroactivamente, mútua e reciprocamente, nos processos de adaptação do indivíduo, na análise das informações, na elaboração das respostas e na captação dos estímulos e significados emocionais, subjectivos, cognitivos e objectivos. A recíproca e interactiva dependência emocional-cognitivo não só constitui o factor essencial da integridade do eu individual, mas, também, o agente essencial da filtração das informações e da elaboração das respostas a nível de emoções e de 201 comportamentos primários. A nível de comportamentos sòciopsicologicamente diferenciados, relacionais e sócio-ambientais, as emoções encontram-se normalmente mais desenvolvidas, mais complexas e, por isso, são, simultaneamente, também efeito de elaborações cognitivas, como sucede, por exemplo, com a saudade ou a nostalgia, o orgulho ou a vaidade, a pena ou a compaixão, o remorso ou a culpa, visto estas emanarem das emoções primárias: alegria, interesse, tristeza, surpresa, desgosto, desprezo, vergonha, medo, cólera, etc.. Ora, emergindo as emoções secundárias das primárias, elas são valorizadas ou desvalorizadas pelos processos cognitivos do indivíduo e, então, interagem com as situações, com os conteúdos e os contextos ambientais e, consoante a positividade ou negatividade do indidíduo, valorização ou desvalorização, tornam-se factores facilitadores ou bloqueadores de motivações cognitivas, de prazer ou desprazer, de atracção ou repulsa, de envolvimento ou fuga, de criação ou reelaboração de novos esquemas e mapas mentais, os quais, por sua vez, tornamse agentes desenvolvedores de novas e diferenciadas atitudes e comportamentos, valores e motivações intra-individuais, interpessoais, relacionais, cognitivos, conceptuais, sensório-motores e psico-fisiológicos, pois o emocional, embora possua sua fonte bio-energética essencial na amígdala, age, acentuadamente, sobre o hipotálamo, os núcleos anteriores do tálamo e o hipocampo, efectuando, assim, harmoniosas interconecções nos circuitos cerebrais, levando o indivíduo a agir a nível de motricidade e expressividade, de estímulos e de motivações, de acções e de concretizações não só cognitivas como comportamentais pois, tais processos, desenvolvedores e aperfeiçoadores de emoções, são, potencialmente, também orientadores e condicionantes de processos cognitivos e mentais, de subjectividades e objectividades, de interiorizações e exteriorizações, de introjecções e projecções e, interactiva e reciprocamente, agem e interagem, dinâmica e activamente, sobre o neocórtice do indivíduo, de maneira particular a nível de lobos frontais, de lateralizações hemisféricas e de comportamentos psicossociais. O estudo das recíprocas interacções entre o cognitivo e o emocional parece, embora a nível bastante rudimentar, ter sido iniciado por Harlow ( 1868 ) quando descreveu os efeitos comportamentais de seu paciente Phineas Gage, após grave e acentuada lesão nos lobos frontais. O paciente de Harlow, homem equilibrado e dinâmico, interessado pelo trabalho e pela família, após o traumatizante acidente deixou de ser ele mesmo. Após a lesão dos lobos frontais, escreve o autor: « o equilíbrio entre as suas faculdades intelectuais e as suas propensões animais parece ter sido destruído. Tornou-se inconstante, irreverente, incapaz de aceitar conselhos ou restrições opostas aos seus desejos. Era uma criança nas suas manifestações e capacidades intelectuais e tinha paixões animais de um homem vigoroso ». As descrições analíticas do autor permaneceram quase ignoradas durante um século, mas, hoje em dia, graças às investigações e seus respectivos resultados no âmbito das Neurociências, não há dúvida que, lesões nos lobos centrais, não só podem implicar acentuadas perturbações no domínio do emocional mas também modificações a nível de comportamentos e da personalidade de um indivíduo, evidenciando-se, por isso, a existência de recíprocas interacções entre lobos frontais e sistema emocional, confirmadas não só através de análises e estudos casuísticos efectuados clinicamente mas também através de investigações anatómicas e experimentais. A nível de estrutura anatómica, Nauta ( 1971 ) sublinhou a importância das conexões recíprocas que interligam os lobos frontais às estruturas do sistema 202 límbico bem como a convergência dos lobos frontais com as informações oriundas tanto do ambiente exterior, através das vias de associação com as áreas da visão, da audição, da someostesia como com as informações oriundas do interior do indivíduo através das conexões com o hipotálamo e com as diversas estruturas do sistema límbico, convergência pela qual, a nível de funcionalidade, poder-se-à afirmar que os lobos frontais desempenham um papel de representantes neurocorticais do sistema límbico e, por isso, conseguem controlar e orientar os mecanismos emocionais, fenómenos psico-comportamentais que, face à existência de lesões nos lobos frontais, induziriam a efectuação de uma dissociação entre valorizações cognitivas das situações e sua respectiva e concomitante experiência emocional do indivíduo, o que explica, de forma acentuada, a ausência de integração não só do desenvolvimento de atitudes e de comportamentos emocionais e sociais, mas, também, a incapacidade de antecipação e de previsão da resolução dos problemas, funções essencialmente específicas dos lobos frontais. Com efeito, tanto os estudos clínicos como os anátomo-cerebrais efectuados sobre os efeitos das lesões dos lobos frontais demostram, de uma forma geral, a capital importância que os lobos frontais desempenham na produção espontânea e intencional das expressões emocionais, bem como na sua compreensão e interpretação pois que, apesar da grande heterogeneidade comportamental e psicoemocional dos indivíduos com lesões nos lobos frontais, de uma forma geral, uns sobressaiem por uma acentuada ausência de tacto e de inibição, por manifestas tendências a inadequadas familiaridades, a condutas de jogos de palavras grosseiras, de maneira particular com conteúdos sexuais; outros revelam apatia, abulia e bradipsiquismo na acção, falta de espontaneidade e de iniciativa, bem como extrema pobreza na expressividade emocional tanto a nível mímico como verbal ou a nível de interacção social. Um terceiro grupo de indivíduos com lesões nos lobos frontais apresentam comportamentos de acentuada instabilidade e egocentrismo, são caprichosos e indiferentes às dificuldades dos outros com quem se encontram ou interagem. Uma tal heterogeneidade comportamental parece, sem dúvida, encontrar-se interdependente das áreas e da profundeza em que a lesão se encontra, isto é, das áreas frontais ou pré-frontais dos lobos cerebrais, bem como das conexões destruídas no cérebro humano, que contribuem para especialização das suas próprias funções. E, no entanto, lesões ou desorganizações no sistema límbico ou nos subsistemas dele interdependentes desencadeiam perturbações emocionais e alterações comportamentais tanto a nível de personalidade em geral como a nível psicoemocional. A evidência de tais efeitos torna-se clara não só a partir das induções efectuadas a partir das análises neurocerebrais e clínicas mas também partindo da concepção de que a mente humana emana dos processos bioneurocerebrais do indivíduo, das interacções de suas « assembleias » de células, de suas interacções com os meios exteriores e de seu poder de selectividade orientada, de forma mais ou menos positivamente, em função do seu desenvolvimento, expansão e totalização. É que, de facto, apesar da mente humana funcionar como um sistema, ela interdepende de sua estrutura neurocerebral, de suas vias de entrada, de seus mecanismo de filtração, selecção e de seus processos de saída, alimentados tanto uns como outros por processos emocionais, perceptivos e menésicos, verbais e não verbais, geradores incessantes de actividade mental e cognitiva mas cujos tipos e dinamismos de tais actividades interdependem de funções localizadas em áreas ou 203 regiões do cérebro do indivíduo bem como de sua arquitectura cerebral, como se constata com os efeitos das lesões cerebrais causadoras de problemas ou dificuldades a nível de percepções, a nível de movimento ou motricidade, a nível de tacto ou de olfacto, de visão ou memória, de escrita ou leitura, de comunicação ou informação, de comportamento ou acção. Apesar da possível existência de tais défices causais, por inacção, lesão, disfunção ou alteração, falar de fatais determinismos é desconhecer os efeitos da activação e da funcionalidade da mente individual, visto a sua exercitação e acção poderem não só desenvolver o ainda não desenvolvido ou activado das estruturas e dos dinamismos neurocerebrais como também desenvolver as necessárias funções ou potenciais de activação em áreas mais ou menos próximas da zona lesada desde que entre cérebro e mente subsista a necessária e equilibrada interactividade funcional, a qual possui como sua base de sustentação a acção de seus processos perceptivos e emocionais. A dinamização dos processos perceptivos constitui denominador essencial da estimulação e esta torna-se alavanca de facilitação da aprendizagem mesmo inconscientemente, e isto tanto a nível vertical como horizontal, ascendente como descendente. Por sua vez, a acção do sistema emocional de um indivíduo organiza ou reorganiza, inibe ou desinibe os sistemas de movimento motórico, de expressividade e de comunicação deste com as zonas corticais, embora estas nem todas possuam idêntica influência sobre o sistema emocional. No entanto, parece ser dado adquirido que os lobos frontais desempenham função extremamente importante na elaboração das funções do controlo das emoções visto existir complexas conexões anatómicas entre o sistema límbico e os lobos frontais. Além disso, no entanto, parece, já hoje em dia, não existir dúvidas que o hemisfério direito desempenha funções de supremacia na compreensão e expressão das emoções, bem como na comunicação não verbal ( Gainott, 1972; B, Ross, 1984, Blonber e colaboradores 1993). Seguindo a linha de investigações de tais autores, pacientes afectados no hemisfério direito do cérebro manifestam, não raras vezes, indiferença emocional, incapacidade de exprimir as emoções ou de comunicar correctamente as suas próprias reacções emocionais, como sejam a surpresa, a euforia, a dramaticidade, a angústia ou a ansiedade. Parecendo óbvio que o hemisfério direito se encontra profundamente envolvido nos processos de gestação das componentes vegetativas das respostas emocionais, nas elaborações das experiências subjectivas das emoções, bem como nas comunicações emocionais, o hemisfério esquerdo não só possui o potencial de elaborar conceptualmente as emoções mas também de as controlar, de maneira particular, através da efectuação de uma análise crítica acerca das emoções. Os resultados de tais investigações demostram sobejamente que os dois hemisférios cerebrais desempenham funções complementares nos processos e dinâmicas dos comportamentos emocionais, emanando a diferenciação funcional das profundas reorganizações que o progressivo desenvolvimento da linguagem desencadeia no cérebro humano. Não raras vezes, no entanto, a acção funcional do hemisfério esquerdo não é suficiente para controlo das emoções como sucede, por exemplo, quando um indivíduo se vê face a um insucesso inesperado, a uma profunda decepção ou frustração, face à situação de perda de uma pessoa amada, situações lesionadoras da imagem individual e da entrada do indivíduo em situações de frustração, 204 angústia, depressão e luto, fenómenos demonstrativos de que o próprio cérebro do indivíduo não possuía, para tais situações, mecanismos adaptativos a tais emergências deixando, então, o indivíduo numa profunda imagem negativa de si mesmo e em muito baixa auto-estima. A reabilitação psicoemocional de tal indivíduo passará, então, fundamental e progressivamente, pela acção e pelos efeitos de seu potencial interrelacional, pelo redimensionamento das relações sociais, familiares, emocionais, afectivas e psíquicas tanto a nível de economia emocional como de investimentos afectivos, comportamentos que deverão não só alargar mas também aprofundar os seus potenciais de sociabilidade, de integrabilidade e de interpessoalidade, atitudes comportamentais reestabelizadoras de seus dinamismos sociais, emocionais e psíquicos. Ora, sendo as emoções os factores dinamizadores dos comportamentos básico-elementares de um indivíduo, das quais interdependerá, em grande parte, o potencial emotivo, afectivo, sensitivo, elas são também, em certo sentido, a base da emergência psico-caracteriológica, impulsionadora do desenvolvimento de seus próprios filtros de apreensão do real e de seus conaturais estilos de aprendizagem individual. Por tais razões, o sistema emocional de um indivíduo, o seu potencial bioenergético e as suas capacidades de investimento deverão ser considerados, funcionalmente, como esquemas funcionais das estruturas neurovegetativas de um indivíduo e como dinâmicas estruturas de activação e unificação psicofisiológica, mental, intelectual e cognitiva. A nível geral, emerge, não só da prática psíquico-terapêutica mas também clínica, que o emocional é agente mobilizador do comportamento individual, é integrador de atitudes e interactuador das estruturas subcorticais e corticais do cérebro. A nível sensorial e motor, o emocional é agente mobilizador de acções e de comportamentos interactivos com os meios, com os ambientes e com as pessoas, como se depreende, facilmente, das inter-relações efectuadas entre o bebé e a mãe, as crianças e o grupo de crianças, assentes fundamentalmente na dinâmica do emocional. Um tal dinamismo do emocional, dos potenciais bioenergéticos e as características do afectivo são facilmente integráveis no cognitivo, quando o indivíduo se interioriza vivencialmente como um todo harmonioso e funcional, dinâmico e expansivo, natural e autentico. Uma tal ideal situação comportamental emerge dos efeitos das recíprocas interacções do emocional com o mental e do inconsciente com o consciente, bem como das estruturas dos automatismos com as estruturas cognitivas. As próprias estruturas cognitivas, seus conteúdos e dinamismos, são modificáveis através da acção do emocional, visto, se por um lado, o desenvolvimento do potencial inato de um indivíduo redimensiona suas estruturas cognitivas, por outro lado, é também o emocional que confere barreiras ou obstáculos à objectivação cognitiva das experiências emocionais subjectivas, como se constata através dos efeitos da experiência do prazer ou da dôr, da desilusão ou da frustração, do medo ou da libertação. Daí a profunda e intrínseca necessidade de, em qualquer eficiente programa de modificabilidade cognitiva, existir, prioritariamente, necessidade de modificar o emocional de um indivíduo, visto as estruturas e os dinamismos de um indivíduo serem hipercomplexos mas, sem dúvida, adaptáveis alicerces de suas funções cognitivas, pois é através do seu sistema emocional que o indivíduo atribui este ou 205 aquele significado a uma situação ou evento, se liberta ou reprime, se inibe ou desinibe, se alegra ou encoleriza, se solta ou contrai, significando isto que modificar o emocional é modificar o cognitivo, pois o primeiro integra o segundo, cooperando, assim, nos processos de activação ou bloqueamento do segundo,o que demostra que, embora o comportamento humano emirja do todo do indivíduo, o cérebro funciona intra e inter-subssistemicamente, como se patenteia através dos efeitos de certas lesões ou disfunções cerebrais, as quais podem causar não só desordens mentais ou cognitivas mas também emocionais e comportamentais, visto as conexões deterioradas ou lesadas impedirem a interactiva comunicação entre subsistemas neurocerebrais e, então, a mente encontra-se impedida de efectuar a unificação do comportamento. V - INTERACTIVIDADES PSICOEMOCIONAIS DA APRENDIZAGEM O estudo e a análise das malformações genéticas ou hereditárias, bem como das lesões, disfunções ou desconexões cerebrais não explicam, na totalidade, as causas das dificuldades de aprendizagem, dos comportamentos anormais, disruptivos ou antissociais. Isto porque a realidade humana, bem como o seu aparelho neuropsíquico são realidades muito mais complexas que o interactivo conjunto de neurónios, axónios, sinapses, dendrites ou células. Não há dúvida, no entanto, que na hipercomplexidade humana das recíprocas interacções de suas componentes neuropsíquicas encontram-se a emoção e a pulsão, o afectivo e o intelectual, o cognitivo e o mental. Ora, constituindo a emoção a base essencial dos sentimentos e dos afectos, a acção comportamental e a dinâmica de um indivíduo encontram-se activamente alicerçadas e dinamizadas pelas suas intensidades, consolidações, reforços e vivências, visto serem tais dimensões da personalidade que fazem com que um indivíduo aja com prazer ou desprazer, com alegria ou com tristeza e com realismo ou irrealismo, envolvendo ou rejeitando as experiências, os envolvimentos, os presentes ou os futuros, a efectuação das associações do passado, bem como as expressões ou comunicações mais ou menos inibidas ou recalcadas. Face ao anterior, não há dúvida que o sistema emocional de uma pessoa constitui o agente essencial de sua activação comportamental, de sua eficiência ou rentabilidade, de seu equilíbrio e bem estar, de sua autonomia e independência, de seu crescimento e maturidade. Com efeito, o sistema desenvolvido e equilibrado das emoções faz com que o indivíduo se torne activo, com que a acção do seu organismo se torne flexível e fluída, o seu sistema bioenergético expansivo, a sua acção psicofisiológica interactiva e o seu sistema nervoso activo, dinâmico e autónomo. É que, de facto, um sistema emocional aceite e assumido como positivo orienta o indivíduo para a produção de energias e, então, o seu sistema parassimpático não só conserva mas também desenvolve mais energias e, tanto o sistema límbico como o hipotálamo reforçam-as e transmitem-as não só à globalidade do organismo mas também ao neocórtice do cérebro, o qual, por sua vez, não só as converte em potencialidades de cognição mas também de acção comportamental e de integrabilidade pessoal. 206 Por isso, não parece ilógico, bem pelo contrário, afirmar que o desenvolvimento psico-intelectual e neurofisiológico de um indivíduo interdepende, em grande escala, do desenvolvimento ou da asfixia, da positividade ou negatividade do seu sistema emocional. Daí o facto de aparecer como conatural o falar-se de síndroma de privação emocional, e de seus negativos efeitos, pois, o sistema emocional intrinsecamente conatural à natureza humana, possui seus códigos ou programas de crescimento e de desenvolvimento, de expansão e de vivência, programas que agem e interagem recíproca e interactivamente com os processos cognitivos e mentais, sociais e racionais. É, com efeito, pelo emocional, que a criança sorri ou chora, se alegra ou deprime, se comunica ou isola. É pelo emocional que a criança busca o objecto ou os objectos desejados, se vivencia, envolve ou experiência. É que, todo o ser humano, ao nascer, trás consigo programas e sistemas de desenvolvimento biológico, corporal, emocional, afectivo e cognitivo. Todos estes programas e sistemas agem e interagem entre si e, consoante a natureza, dimensão e intensidade de tais interacções, efectua-se o seu desenvolvimento, equilíbrio, envolvência e expansão. Ninguém nasce robot mas sim com programas de desenvolvimento, crescimento, assimilação, imitação, comunicação e aprendizagem. A eficiência de tais desenvolvimentos necessita, no entanto, imperiosamente, da intervenção e acção dos meios envolventes, de programas de desenvolvimento e de educação emocional e afectiva, cognitiva e intelectual, visto não haver dúvida que todo e qualquer ser humano aprende e desenvolve-se muito melhor com alegria e prazer do que com tristeza ou dôr. Ora, abrangendo o sistema emocional e seus respectivos efeitos, o todo do indivíduo, o desenvolvimento e a orientação do sistema emocional impõe-se como imperativo de aceitação e de desenvolvimento, não só a nível de neurociências ou de higiene e saúde mental, mas, também, a nível de eficiência cognitiva e de educação, os desenvolvimentos de tais dimensões neuropsíquicas e afectivointelectuais, visto estes tornarem-se imperativo não só dos equilíbrios individuais, mas, também, fonte de sinergias individuais para encontro do certo no incerto, do estável no instável, do natural no artificial, do subjectivo no objectivo e do humano no desumano. Um tal conjunto de orientações funcionais do cérebro opera-se, fundamentalmente, através da acção e da dinâmica do sistema emocional, visto este encontrar-se na base da plasticidade neuronal e da flexibilidade neuropsíquica de um indivíduo. É que a actividade neurocerebral interdepende essencialmente do sistema emocional e um cérebro activo e curioso desenvolve conexões sinápticas mais fortes e mais consistentes que um cérebro passivo e mero recipiente de aprendizagens, visto um cérebro não activo eliminar ou fragilizar as sinapses não utilizadas, informando-nos, tal constatação, que, tanto uma criança como um adolescente ou um adulto, deverão ser os construtores de seu próprio conhecimento e não meros recipientes de informação, o que impõe, a nível de Psicologia Educacional, uma acentuada viragem para técnicas e estratégias de aprendizagem que envolvam o todo do indivíduo naquilo que está fazendo ou deva fazer, visto as associações constituírem a essência motivacional das funções cerebrais, a integração ser a componente essencial do sistema neuropsíquico e as conectivas interligações constituírem a essência comunicacional do sistema humano. Uma tal interactivação neurocerebral encontra sua força propulsora, e, mobilizante nas emoções e afectos do indivíduo pois, tanto as primeiras como os segundos não só aceleram e aprofundam mas também expandem a sua vitalidade 207 cognitiva, o seu comportamento interpessoal e interrelacional bem como suas capacidades e necessidades de envolvência. Esta necessária integrabilidade das emoções e dos afectos na vida cognitiva de uma pessoa emerge do próprio desenvolvimento neurocerebral de um indivíduo pois este, muito antes de possuir capacidades cognitivas, exteriorizava-se através de manifestações emocionais e afectivas, inatas e conaturais à sua natureza e desenvolvidas ou asfixiadas através da positividade ou negatividade de suas interacções com seus próprios meios. O conjunto de tais interdependências revela que uma vida cognitiva estável, persistente e activa tem, necessariamente, como seu fundamento, uma vida emocional e afectivamente equilibrada, não significando isto que o indivíduo com perturbações ou problemas emocionais ou afectivos não possui vida cognitiva. Não há dúvida, porém, que uma criança, adolescente, jovem ou adulto que se sente amado, desejado ou estimado e que vive em atmosferas de afectividade e de confiança, de respeitabilidade e consideração, sente-se muito mais estimulado e perseverante numa vida de conhecimento e de acção, de comunicabilidade e expansão, pois encontra-se seguro de possuir resposta para suas necessidades afectivas e emocionais e poder possuir consciência da existência, em si mesmo, de um forte potencial bioenergético disponível em relação aos investimentos cognitivos, pessoais, intercomunicativos e sociais. Por outro lado, tanto o emocional como o afectivo não só facilita mas também acelera a integração das novas informações ou conhecimentos nos antigos, acelerando acomodações, reestruturando esquemas mentais e gerando perspectivas positivas nos processos de acções interestruturantes do sujeito que conhece e do objecto ou objectos a conhecer, fenómeno psicoemocional gerador de auto-confiança ou auto-estima, de positivo auto-conceito individual e de segurança pessoal pois tanto as emoções como os afectos possuiem funções não só de evolução ou de crescimento maturativo mas também de adaptação ajudando o organismo a adaptar-se às mudanças e inovações dos meios bem como às circunstâncias dos ambientes. Por isso, hoje em dia, mais que nunca, emoções, afectos e desenvolvimento da inteligência não podem ser separados visto o desenvolvimento e a formação de um indivíduo implicarem recíprocas interacções entre os diferentes sistemas do aparelho neuropsíquico. Em tal sentido, Freud analisou as inter-relações entre as instâncias do Id., do ego e do super-ego e, o próprio J. Piaget em (1953-54) dissertando sobre as relações entre inteligência e afectividade no desenvolvimento da criança “ opôs a afectividade à inteligência como a gasolina ao motor; sem o combustível não anda mas as estruturas do motor não dependem em nada da gasolina “, significando isto que a afectividade deverá ser considerada inseparável da inteligência pois ela intervem nas próprias estruturas da inteligência como fonte e potencial vitalizador das operações cognitivas e dos conhecimentos. Apesar do cognitivismo doutrinal de Piaget, porém, ele reconhece que a afectividade influencia, acelera ou atrasa o desenvolvimento intelectual de um indivíduo visto, segundo ele, afectividade dizer respeito não só às emoções e aos sentimentos mas também às tendências e à vontade, constituintes essenciais do novo conceito de inteligência emocional. De facto, para Daniel Goleman, autor da « Inteligência Emocional » (1995) « não é a razão que guia o mundo, são as emoções ». E isto porque a inteligência emocional abrange competências como a capacidade de se motivar e de ser perseverante apesar da adversidade e das frustrações, a capacidade de adiar a satisfação, de controlar os impulsos, de regular o humor, de impedir que a angústia 208 altere as faculdades do raciocínio, de desenvolver capacidades psicológicas e atitudes humanas, de relações interpessoais; de organização e empatia, entusiasmo e esperança, de comunicação e interacção, capacidades essenciais ao desenvolvimento, reforço e interactuação das capacidades cognitivas as quais, por sua vez, agem e interagem com as anteriores capacidades próprias da inteligência emocional, quer estas se encontrem nas esferas do próprio consciente individual, quer se encontrem ainda em latentes estados do pré-consciente ou inconsciente individual. Daí o facto de se tornar evidente que a existência dos equilíbrios psicocomportamentais e dos harmoniosos desenvolvimentos psico-intelectuais passe, necessariamente, pela existência de flexíveis fluxos, por retro e interactuações comunicacionais entre emoções, afectos e inteligência e entre consciente, préconsciente e inconsciente ou parte não mental da mente de um indivíduo. As disfuncionalidades, obstáculos ou perturbações existentes entre tais capacidades ou instâncias não são só geradoras de alterações, perturbações ou desequilíbrios, mas, também, de uma vasta e complexa gama de doenças, bem como de maiores ou menores dificuldades nos processos de aprendizagem, visto tais disfunções, alterações ou distorções impedirem o cérebro de receber informações de todas as partes do corpo ou de as processar positiva e equilibradamente. O sistema emocional de um indivíduo, fundamentalmente oriundo do seu sistema límbico, é agente essencial em tais processos de comunicação, pois é graças ao equilíbrio ou desequilíbrio, à acção ou à inacção do emocional que as adaptações ou as inadaptações aos meios, aos ambientes e às aprendizagem se geram ou se antecedem, emergindo daí, integrações ou desajustamentos, motivações ou desmotivações, interesses ou desinteresses no que se faz ou no que se deve fazer. Naglieri e Das ( 1997 b ), retomando estudos deixados em aberto por outros autores, confirmaram o facto que as crianças com desordens emocionais não só manifestam acentuado índice de descontrolo pessoal, de impulsividade e agressividade, mas, também, um baixo nível de planificação, situando-se este no nível médio-baixo, isto é; entre 80-89, facto que evidencia a generalizada propensão dos alunos com desordens emocionais não só para possuírem um quociente intelectual bastante inferior à média, mas, também, comportamentos negativamente desviantes em relação aos meios sociais e escolares, em relação às referências maioritárias da sociedade e das organizações em que vivem, visto tais alunos sentirem-se dominados por suas dificuldades de concentração , bem como por suas resistências a integrarem-se, duradouramente, num trabalho ou profissão enquanto tais desordens emocionais subsistirem, visto estas distorcerem suas percepções e sentimentos, seus pensamentos e acções. Sugerindo-nos a Psicanálise que a causa essencial das desordens emocionais encontra-se na existência de desequilíbrios patológicos entre as partes dinâmicas da mente humana, isto é, entre o inconsciente, o consciente e o super-eu, tais desequilíbrios-conflitos não só são geradores de incapacidades de consecução ou de manutenção de relações satisfatórias com colegas, pais, professores ou superiores em geral, mas também de incapacidades para certos tipos de aprendizagem, nomeadamente as aprendizagens escolares e as profissionais. No entanto, embora as causas das desordens, das disfunções ou incapacidades emocionais estejam longe de estarem descobertas exaustivamente, não há dúvida que as carências afectivas são uma das suas causas essenciais. Isto 209 porque o potencial bioenergético da acção e do comportamento, da adaptabilidade e da adaptação, da sociabilidade e da socialização, das interacções e das interrelações, da integrabilidade e das integrações encontra seu denominador comum na afectividade e nas suas estruturas e dinâmicas, fenómenos psico-afectivos e emocionais que evidenciam a intrínseca necessidade da existência de processos e dinamismos equilibrados e equilibradores, mútuos e recíprocos entre processos afectivos e cognitivos. Ora, como no desenvolvimento do ser humano a afectividade precede a inteligência, o equilibrado desenvolvimento do afectivo e do emocional impõe-se como factor essencial de um equilibrado e harmonioso desenvolvimento da inteligência, entidades cujo desenvolvimento é recíproco, visto ser a afectividade e a emoção que potencializam a inteligência e a inteligência actualiza as emoções e os afectos. Face à intrínseca e recíproca interdependência das emoções, afectos e inteligência não há dúvida que todo e qualquer verdadeiro processo educacional deverá valorizar uma tal trilogia. São os fenómenos emocionais, com efeito, que orientam o indivíduo acerca do significado e do sentido do mundo, das suas necessárias envolvências e do seu auto-conceito. Criança, adolescente ou adulto com carências afectivas estruturadas e desordens emocionais instaladas são inseguros, dependentes e instáveis; não aceitam nem suportam ou toleram a frustração, possuem comportamentos sociais alterados, subvalorizam-se, desinteressam-se pela escola e, por conseguinte, conduzem-se para o insucesso escolar. Este, por sua vez, desencadeia neles mais mecanismos de revolta e de agressividade, de ansiedade e de receios, de rejeições e oposições, de negativismos e perseguições, de resistências e de defesas, de hostilidades e abandonos. A nível de comportamento social ou escolar, os indivíduos com desordens ou perturbações psicoemocionais manifestam rápidas e imprevisíveis mudanças de temperamento e de humor, falta de controlo e de aceitação, de percepção social e cooperação, de discernimento e avaliação crítica, de sobriedade e prudência e, não raras vezes, também problemas motores e perceptivos. A realidade factual descrita anteriormente patenteia, à evidencia, que tanto as crianças como os indivíduos em geral emocionalmente perturbados ou deficientes possuem dificuldades no discernimento, não aceitam a realidade nem suportam a frustração. São eternos dependentes, com parca autonomia e frágil conceito de si mesmos, entregues à passividade e à inacção; profundamente insaciáveis afectivamente, mas munidos de mecanismos de defesa e com comportamentos agressivos, pois sentem-se como que rejeitados ou abandonados, sós e desconfiados e, por isso, também bloqueados e atrofiados a nível de desenvolvimento da sua pessoa, dos seus potenciais e características, da sua pessoalidade e individualidade, da sua identidade e diferenciação; de cabeça vazia e com ausência de interioridade, bem como com dificuldades de inter-relações, e, não comunicam não só com os professores ou superiores em geral mas também com os próprios colegas, o que os impede de serem bem sucedidos não só na escola mas também a nível interpessoal e social. Algumas vezes, no entanto, encontram-se crianças ou adolescentes que sublimam as suas carências afectivas através do desenvolvimento de mecanismos de compensação nos estudos e nas respectivas tarefas escolares, o que não significa que, apesar de seus certos sucessos escolares, não venham a ser futuros 210 cidadãos com acentuados problemas emocionais, afectivos, psicológicos, sociais e comportamentais. É que, de facto, a existência de fluentes dinamismos emocionais e de mecanismos afectivo-relacionais torna-se imprescindível ao equilibrado e harmonioso fluir do ser humano. No entanto, a nível de comunicações, emissões e recepções do afectivoemocional, tanto as incapacidades dos pais como os negativos relacionamentos dos professores podem ser causa de tais carências, como sucede com as atitudes e os comportamentos super-protectores tanto de uns como de outros, visto não ser raro encontrarem-se pais que pecam por excesso de super-protecção e professores que são extremamente possesivos. Existem pais, de facto, para os quais os filhos são o melhor que existe e têm a preocupação de os estimular demasiado, elogiando-os a todo o momento, destacando-lhes, na sua presença, não só as qualidades que realmente eles têm mas também as que eles julgam ter ou gostariam que tivessem. Uma tal relação comportamental leva a criança a desenvolver-se julgando-se um ser superior, a mais inteligente e a mais educada, e, fechada em tal mundo de ilusão, quando colocada em contacto com o mundo exterior e com um mundo social mais amplo, começa a sofrer as primeiras decepções e, então, a sentir-se infeliz, insegura, e incapaz de agir perante as dúvidas que a invadem, e, passa , então, a ter enormes dificuldades em adaptar-se tanto à realidade escolar como à realidade social. É que, não só as carências de estímulos emocionais, afectivos ou cognitivos geram estruturas de subdesenvolvimento neuro-cerebral mas também a sua saturação, bem como as constelações de estímulos ou de motivações superabundantes e inadequadas à própria idade geram sobrecargas cerebrais e, por conseguinte, também alterações, distorções ou perturbações tanto a nível sensorial como perceptivo, tanto a nível cognitivo como intelectual, psicológico como intelectual como sucede, por exemplo, quando se exige de uma criança que assuma responsabilidades sem a necessária e imprescindível maturidade para tal, quando se lhe impõe a aprendizagem da leitura e da escrita antes do tempo ou o desenvolvimento de certas capacidades artísticas sem o necessário desenvolvimento ou capacidade para tal, comportamentos que, por sua própria natureza, transformam-se em bloqueadores da informação e das necessárias recepções a tais aprendizagens, visto não só provocarem sobrecargas cerebrais mas também disfunções psicocomportamentais, efeitos causadores de comportamentos opostos aos desejados, atitudes e comportamentos não raramente revelados pelos filhos de pais ansiosos, pseudo-prefeccionistas, escrupulosos e em demasia intervencionistas ou com elevada dose de agressividade, acentuado descontrolo emocional, demasiadamente austeros ou de atitudes e comportamentos rígidos. Por isso, desenvolver um emocional equilibrado e uma estrutura de afectividade dinâmica e activa impõem-se como imperativos educacionais de um indivíduo desde a sua mais tenra infância. Isto porque tornou-se, hoje em dia, mais que verdade insofismável que a falta de amor e ausência de manifestação de carinho por parte dos pais, bem como a ausência de compreensão e de aceitação na escola por parte dos professores, são agentes básicos, geradores de uma atmosfera que, acima de qualquer outro factor, criam, nas crianças, filhos e alunos, não só timidez mas também ansiedades, não só complexos ou sentimentos de inferioridade mas também atitudes e comportamentos de inibição, medos e receios. Com efeito, os complexos de inferioridade, directa ou indirectamente, são desencadeados por processos de ausência da necessária auto-estima e pela 211 ausência de auto-conceito positivo. As suas causas remotas encontram-se, fundamentalmente, em processos de deficitária organização da personalidade na fase da infância e adolescência, e, seus efeitos são geradores de dificuldades de comunicação a nível de interioridade individual, pessoal e, por consequência, também social. Uma tal dinamizante estrutura de sentimentos de inferioridade desencadeia no indivíduo constelações de timidez e de receios, de processos de ansiedades e angustias, bloqueadores das emoções e dos sentimentos, atrofiadores dos desenvolvimentos cognitivos e geradores de perturbações ou doenças neuropsíquicas ou psicossomáticas. Tal pessoa sente-se compartimentada, proibida de acção e deficitária em sua unicidade. A acção potencial do seu cérebro encontra-se desviada do princípio da realidade concreta e afastada do princípio do prazer funcional, regenerador de novas e transaccionais emoções e criador de novos símbolos, imagens, ideias ou raciocínios. Ora, emanando, tanto as emoções como os sentimentos de inferioridade, a timidez como os receios ou os medos, do sistema límbico do cérebro humano, parece ser facto assente que, subsistemas do sistema ou aparelho neurocerebral bloqueados, inibidos, subdesenvolvidos ou distorcidos influenciam negativamente ou reduzem não só o potencial cognitivo mas também comportamental do sujeito. E isto, porque tanto a acção cognitiva como comportamental de um indivíduo é efeito das interactivas, mútuas, recíprocas, e, mais ou menos fluentes interacções de todos os seus subsistemas, isto é, subsistemas sensoriais, motores, emocionais, afectivos, cognitivos mentais, etc.. Isto porque a interacção recíproca entre cérebro e mente é presidida por sua unidade funcional e, caso se gere, desenvolva ou produza uma desunião, o indivíduo entra em desequilíbrio funcional, em disfunções psicocomportamentais ou em estados de doença neuropsíquica ou psicossomática, podendo, por tais processos, desembocar nos mais acentuados estados psicopatológicos. É que corpo, cérebro e mente são partes integrantes tanto da individualidade como da identidade do sujeito humano e, por isso, não são dissociáveis. Toda e qualquer dissociação de uma tal triunitária existência torna-se matriz de maiores ou menores disfuncionalidades cognitivas, perturbações mentais ou rupturas individuais. Uma tal trilogia possui intrínseca necessidade de funcionar recíproca, mútua e cooperativamente, estimulando-se ou motivando-se interactivamente em suas respectivas potencialidades ou competências, capacidades e funções desde as neurovegetativas às mais superiores da mente. A existência de disfunções em tais processos bioneuropsíquicas é geradora de negativos e de complexos efeitos concretizáveis a níveis de estereotipados e de automáticos pensamentos, a nível de ausência de interesses motivacionais, de afirmação pessoal e de assertividade social; de enfrentamento do real, de ansiedade pessoal e de depressão comportamental. Os deprimidos, a nível mental, sentem-se, a maioria das vezes, incompetentes, impotentes na sequenciação e na seriação das imagens mentais, bloqueados em suas emoções e sentimentos, incoerentes em seus pensamentos, inseguros em seus conhecimentos, instáveis em seus objectivos, fugídios face à realidade e pessimistas face à existência. A nível interpessoal os deprimidos tendem, acentuadamente, para sentimentos de culpa e para auto-culpabilidade, para perdas e inseguranças nas relações interpessoais e sociais e para ausências de contacto com os meios exteriores, comportamentos processuais que não só privam tais sujeitos dos necessários estímulos oriundos dos outros, dos meios, das culturas e dos saberes, 212 mas também bloqueiam a acção funcional de seu próprio cérebro, bloqueamentos, medos e inactividades geradores não só de distorções cognitivas, perceptivas, emocionais, mas, também, de défices específicos, intelectuais e mentais, visto o indivíduo entrar em processos perceptivos de deterioração da realidade e em atitudes comportamentais evasivas, excessivas ou minimizantes. Por outro lado, o indivíduo ansioso sente-se ameaçado nas suas relações interpessoais, degrada a sua auto-estima, sofre horrores com as ameaças de perdas, mesmo com as de uma minimal evidência e possui acentuadas dificuldades na mudança de esquemas. Os ansiosos são muito pouco flexíveis e maleáveis, permanecem enraizados em suas crenças e atitudes pré-existentes e instalam-se em suas disfunções cognitivas, posicionando-se, então, em mecanismos geradores de angústia, fundamentalmente de separação e de evitamento, bem como em seus profundos e hipercomplexos mecanismos e processos de frustrações individuais. Os processos de angústia, de um modo geral, levam o indivíduo a ter medo de se separar não só dos entes queridos, mas, também, dos hábitos, costumes e tradições, de atitudes e comportamentos, cognições e esquemas que lhe são familiares. É o pânico da mudança, das novas aprendizagens, de novas perspectivas e horizontes. Com comportamentos de dependência, tal sujeito encara a vida, os meios e o futuro com medo, pessimismo e sensações de catástrofe e não só desenvolve fobias escolares mas também dismorfias pessoais e interrelacionais, vivendo em pânico face ao desconhecido, ao diferente e ao imprevisível. A angústia de evitamento, por sua vez, caracteriza-se por constantes fugas às interacções sociais, relacionais e ambientais, e, seus portadores são, normalmente, tímidos, inseguros, com ausência de positivo auto-conceito de si mesmos, o que os leva a ausentar-se de desconhecidos, a evitar a escola e a permanecer vazios face às perspectivas de um futuro profissional. Com efeito, tanto os indivíduos deprimidos como os ansiosos são autocriadores de frustrações individuais e de conflitos intrapsíquicos, afectivos e emocionais, situações e comportamentos não só bloqueadores do aparelho psíquico mas, também, atrofiadores da intrínseca necessidade do próprio eu, instalando-se, pela continuidade, no princípio do desprazer e não no princípio do prazer e da realidade, como é intrínseca e incondicional necessidade de equilíbrio e harmonia de todo o ser humano, o qual possui necessidade de ser tolerante e auto-aceitante, bem como de envolver todo o potencial do seu eu em seus necessários e activadores processos de expansão e realização, rendibilidade e eficiência tanto a nível de aprendizagem como de interacção social, de maturidade psicoemocional como de profissionalização funcional. Não sem razão, por isso, a Psicanálise, apesar de o fazer de forma assistemática, insiste na importância dos afectos, das pulsões, dos instintos como factores interactivos de desenvolvimento psíquico, intelectual e mental. É que, na realidade, tanto as ausências como os desvios das pulsões, das emoções e dos afectos não só entravam, bloqueiam, asfixiam ou distorcem os desenvolvimentos emocionais e afectivos mas também os raciocínios, os pensamentos, as ideias, as associações e as imagens, causando paragens ou deficiência nas evoluções, atrasos nas percepções, na linguagem e na socialização, problemas e dificuldades nas inter-relações e fracassos tanto escolares como sociais, visto a energia biopsíquica e mental do indivíduo não conseguir investir-se, reforçar-se, redimensionar-se e orientar-se, progressiva e funcionalmente, no desenvolvimento e expansão do indivíduo, na estimulação da sua pessoalidade nem nos reforços motivacionais de seus próprios potenciais cognitivos. 213 A evidência de tais efeitos emana, claramente, do facto de que a inteligência humana, com suas aptidões, capacidades e competências psíquicas, cognitivas, mentais, intelectuais e sociais, concretas ou abstractas, associativas e imaginativas, etc.; é um mero efeito ou produto do todo do indivíduo, ou seja, um hipercomplexo sistema resultante da interacção de todos os outros sistemas, isto é, biológicos, sociais, cerebrais, perceptivos, sensitivos, instintivos, pulsionais, emocionais e afectivos. Por isso, a inteligência, sendo um sistema emanado das interacções e retroacções de outros sistemas, age não só para além de si mesma, mas, também, sobre os sistemas dos quais procede e, por isso, recepcionar, sentir, emocionar-se, experienciar, vivenciar, pensar ou agir estão, mútua, recíproca e interactivamente, conectados. Emoções, sentimentos, afectos e pensamentos estão mutuamente interdependentes, e é em função deles, da sua qualidade, quantidade e orientação que os processos de flexibilidade e de dinâmica interactivamente se constituem, elaboram e reforçam. E isto até porque, como nos ensina a neurofisiologia, os dois hemisférios cerebrais são complementares e encontram-se interactivamente conectados pelo corpo caloso do cérebro ( Sperry, 1969 ), efectuando-se, então, uma espécie de simbiose entre imagens e pensamentos, intuições e criatividade, emoções e afectos, imaginação e fantasia, sensibilidades e percepções, pensamentos e cognições, imagens e associações. Daí o facto dos indivíduos, com maiores ou menores escalas de ansiedades, frustrações, angústias ou depressões, serem portadores não só de dificuldades de concentração mas também de problemas cognitivos, visto, em sentido lato, tanto as ansiedades como as angústias, as frustrações como as depressões, serem emoções resultantes do medo, dos receios, dos subdesenvolvimentos, das atrofias psicoemocionais ou afectivas e, por conseguinte, da ausência de auto-aceitação, da falta de confiança e de auto-conceito negativo, distorcido ou desintegrado. De facto, as perturbações emocionais geram alterações comportamentais, perturbações afectivas, subdesenvolvimentos cognitivos e desequilíbrios psíquicos. Estas situações comportamentais são geradoras de inquietações, medos pessoais, sensações de pânico, terror ou pavor, o que deixam o indivíduo sem a suficiente ou necessária bioenergia psíquica, emocional ou afectiva capacitada para desenvolver processos cognitivos, psíquicos ou intelectuais à medida de suas próprias potências, capacidades e aptidões. E isto porque, de facto, a acção e dinâmica funcional destas últimas resulta dos efeitos das recíprocas e mútuas interacções das primeiras, nomeadamente da angústia e da ansiedade, visto estas poderem dominar negativa e indistintamente o conjunto dos fenómenos biológicos, corporais, psíquicos e mentais, visto sabermos, desde os « estudos sobre histeria » de Freud ( 1895 ) que, mesmo um certo efeito difuso de angústia, põe em acção o dispositivo do medo de experiências anteriores, o qual, a maioria das vezes, sem objecto próprio, bloqueia a captação da realidade, dos factos e dos acontecimentos e faz com que o indivíduo permaneça num estado psicoemocional extremamente rígido, involutivo e indiferente à interacção com o meio ou os meios, o que dificulta as mudanças e impõe opacidade às inovações, obstaculiza filtrações do novo, impõe rigidez aos esquemas mentais e comportamentais e cria mecanismos de defesa ou fuga à conatural evolução pessoal, às interacções com o sociocultural e às necessárias envolvências com o novo, com o diferente, as mudanças e inovações, mecanismos processuais que recalcam e aprisionam a necessária dinâmica do inconsciente do indivíduo e aprisionam o necessário alargamento das suas expectativas, o que 214 distorce e atrofia, de forma acentuada, o desenvolvimento do próprio eu do indivíduo, e isto tanto a nível corporal como emocional, tanto a nível psíquico como cognitivo, mental como emocional. Angústias e ansiedades, com seus efeitos psicossomáticos de inquietações, acelerações do ritmo cardíaco e respiratório, suores, apertos toráxicos, dolorosos e paralizantes bloqueiam as funções mentais e inibem os processos cognitivos. A nível escolar, a ansiedade é causadora de elevado número de fracassos e insucessos, apesar da possibilidade de existência de elevado potencial intelectual e de motivação cognitiva do aluno. E isto não só pela existência de certos factores de personalidade do indivíduo mas, fundamentalmente, devido às institucionalizações processuais da própria escola, a qual possui imperativos sócio-escolares, muda constantemente de exigências, impõe aprendizagens que os alunos não conseguem diagnosticar quais as suas utilidades, aplicações ou valores, o que gera neles sensações de perda de tempo, inseguranças individuais e ausências de autoconfiança social. Por outro lado, tais alunos sentem-se permanentemente invadidos na sua própria individualidade pelas chamadas do professor, pelas perguntas imprevistas, os testes sucessivos e, de modo particular, pela constante mudança de professores desconhecidos, com complexas personalidades, exigências diferentes e relacionamentos imprevistos, factos comportamentais que fazem com que os alunos se sintam diminuídos, sem saber o que pretendem deles, e, por isso, oprimidos, angustiados e desorientados psíquica e mentalmente, bem como presos e cerciados nas cadeias do que sentem, o que, não raras vezes, é o «nada de nada», e do qual emana a angústia, o pânico e o terror, fenómenos geradores de visões pessimistas e catastróficas, tanto em relação a si mesmo como em relação aos outros, tanto em relação aos factos como aos acontecimentos, aos meios como às situações. Uma tal atitude comportamental da pessoa pessimista faz com que ela seja invadida por fortes condensações de pensamentos negativos, automáticos e estereotipados; de derrota, fracasso, insucesso e incapaz de ver, com clareza e racionalidade, a necessária saída de tal círculo vicioso. Torna-se, comportamentalmente, uma pessoa apática e indiferente; bloqueada, inibida e com medo de quase tudo e de todos, sem vontade para agir e com fortes sensações de incapacidades bioenergéticas. Em tal círculo vicioso sofre e faz sofrer, autoderrota-se e anula-se. Os seus neurotransmissores permanecem bloqueados, os seus centros proprioceptivos agem disfuncionalmente e as suas potencialidades cognitivas permanecem bloqueadas ou semi-paralizadas e, com o tempo, tal pessoa vai como que habituando-se à vivência em tais esquemas e estruturas, apesar da consciência de seu sofrimento sentido como anormal. A génese de um tal processo, sem analisarmos aqui exaustivamente as causas das depressões, surgiu, a maioria das vezes, como resposta a frustrações, privações ou separações que, originariamente, criaram no indivíduo uma sensação de angústia e, pouco a pouco, uma reacção cada vez mais penosa, originadora de sentimentos de impotência e de complexos de inferioridade, de sensações de abandono e de sentimentos de profunda tristeza e melancolia. A partir daí instala-se o círculo pandemoníaco: existência de baixa auto-estima, que, por sua vez, gera complexos de inferioridade, sensações de abandono, necessidades de revolta e de agressividade não só contra si mesmo mas também contra os outros, desinvestindo nos objectos ou nos centros de interesse necessários e procurando pseudo- 215 compensações em comportamentos auto-destrutivos como, por exemplo, ingestão de drogas. O desenvolvimento de tais atitudes processuais do indivíduo faz com que este, apesar de um elevado potencial cognitivo, seja afectado na sua totalidade. A nível comportamental é nervoso, inseguro, hiperactivo e instável. A nível de pensamento ou raciocínio é, constantemente, invadido por pensamentos parasitas, superficiais, estereotipados e repetitivos. A nível relacional é exagerado, instável e agressivo, o que o afasta de comunicações interpessoais, e, a nível escolar, sentese desinteressado, sem envolvência nas várias actividades escolares e com atitudes ou comportamentos de fobias à escola e de fuga à realidade. São extremamente lentos na apreensão dos conhecimentos, acentuadamente dependentes a nível afectivo e profundamente inibidos a nível emocional; vivem em constantes processos de regressão, em busca do objecto perdido e sem aceitar os processos de luto, o que faz com que eles agridam o seu eu corporal e inibam a sua expansão, reactivem pulsões e necessidades infantis, sintam-se como que abandonados e sem interesses nem motivações pessoais, interindividuais ou comunicativas, comportamentos que fazem com que o seu cérebro permaneça privado dos necessários estímulos e motivações para um desenvolvimento cognitivo ou obtenção de um potencial intelectual conforme os padrões socioculturais requeridos por sua idade biológica. A sequencialidade de tais processos de ansiedade, angústia e depressão gera um fenómeno, denominado por Seligman ( 1975 ) de « desânimo aprendido », o qual, segundo o autor, caracteriza-se por uma diminuição de respostas orientadas para o objectivo e para a aprendizagem de novos comportamentos, bem como por atitudes caracterizadas pela passividade e pela depressão. A nível cognitivo, tais indivíduos caracterizam-se por cognições que implicam a inevitabilidade ou a insuperabilidade do fracasso, por um decréscimo de esforço e concentração na tarefa, acompanhado por atribuições espontâneas do fracasso a factores invariantes ou incontroláveis e por diminuição de estratégias de resolução de problemas o que vai provocar diminuição nos desempenhos. A anterior múltipla e complexa causalidade de ansiedades, angústias e depressões, geradoras, a nível cognitivo, do desânimo aprendido, tem consequências muito mais profundas a nível de psicossomática, prova evidente da existência da interactiva e recíproca actividade entre psiquismo e cérebro pois tais indivíduos, não raras vezes, sofrem do estômago, tensões no pescoço, elevada percentagem de palpitações cardíacas, sedes, suores, sensações de desmaios, visão turva, pensamentos confusos, sensações de inadaptação, necessidades de desistir, bloqueamentos emocionais, incapacidades afectivas, desajustamentos interrelacionais e atitudes psicocomportamentais de permanente cansaço não só intelectual ou mental mas também sensorial e muscular. É o total bloqueamento do indivíduo, demonstrador de que problemas, perturbações ou alterações a nível emocional geram suas negatividades a nível sensorial, muscular e neurocerebral emanando daí, a nível de cognição intelectual e mental, aborrecimentos e desinteresses, apatias e indiferenças pelas tarefas ou desempenhos, e, a nível de sistema nervoso, complicações dificultadoras de diagnóstico clínico. Em tais situações, todo e qualquer tipo de motivação, aparentemente, parece resultar infecundo e, como é óbvio, o nível de aprendizagem interdepende do nível de motivação. Sem motivações os desânimos e as frustrações instalam-se no indivíduo e este tende a refugiar-se no seu vazio interior, despido de emoções, e, em conflito com as suas dimensões de prazer-desprazer, atracção-rejeição, tensão- 216 relaxamento, o que o levam à sensação de exaustão e esgotamento, anulação e abandono de si mesmo. O anteriormente analisado demostra sobejamente que a ansiedade e a angústia, o medo e a timidez, as depressões e as inibições, não só inibem o desenvolvimento e a acção das funções neurocerebrais mas também desencadeiam no indivíduo disfunções e reacções inadequadas e impróprias do seu normal e equilibrado interagir, visto ter-se processado bloqueamentos, desvios ou disfunções nas interactividades e conectividades de seus subsistemas, gerando-se , por isso, disfunções, desequilíbrios, perturbações ou mesmo rupturas entre o neuroquímico e o psíquico e, simultaneamente, também entre a mente e o cérebro. A presente disfuncionalidade, perturbações ou bloqueamentos no interior de uma tal unitária unicidade cérebro-mente, com suas diferenciadas funções, mas todas com necessidade de vivência em permanente equilíbrio e interactividade, explicam a existência de muitas causas das dificuldades de aprendizagem de crianças, adolescentes e jovens sem anátomo-patologias, lesões cerebrais ou disfunções neuroquímicas diagnosticadas. Isto porque as carências, as alterações ou perturbações emocionais e afectivas, pulsionais e energéticas, como os medos e os receios, as ansiedades e as depressões, têm efeitos negativos não só sobre as atitudes e os comportamentos em geral mas também sobre o funcionamento cognitivo do indivíduo, envolvendo, a maioria das vezes, os processos de atenção, retenção e memorização, as atitudes relacionais e os comportamentos psicocomportamentais. É que, de facto, os processos de aprendizagem selectiva emergem de comportamentos integrados, e, os processos de codificação das informações não se efectuam, necessariamente, sempre horizontal ou verticalmente, ascendente ou descendentemente mas sim também através das mais variadas combinações processadas activamente e influenciadas pelos estados emocionais dos indivíduos, pelas suas atitudes e comportamentos anteriores, pelos contextos e conteúdos em que a informação se opera e pelas estratégias individuais utilizadas pelo indivíduo. Estes factores, dinâmicos e integrados, activos e activadores processam a informação oriunda do meio, combinam-a com os conhecimentos anteriormente adquiridos, moldam, completam ou reorganizam estruturas mentais, e, estas armazenam informações para posteriores aquisições de conhecimentos, diferenciadas atitudes e envolvimentos que, por sua vez, serão investidas pelos indivíduos em processos de novas codificações das informações, análises dos meios e interpretações dos contextos, o que gera sequências de estímulos, escalas de motivações e envolvimentos tanto intra-individuais como interpessoais ou interrelacionais. Daí a intrínseca necessidade de todo o processo de aprendizagem possuir uma certa dose de emoção ( emovere), isto é, de agitação e excitação envolvente, positiva e dinâmica, desenvolvedora dos princípios do prazer e do bem-estar, capazes de estimularem e desenvolverem energias instintivas e pulsionais, bem como instrumentos e estratégias de desenvolvimento e de acção, de relação e decisão, de socialização e aculturação, visto a base dinâmica de um tal desenvolvimento, impregnância, prazer, bem-estar e eficiência encontrar-se nos padrões da actividade cerebral estabelecidos e dinamizados anteriormente na própria estrutura neurocerebral, o que faz com que o próprio acto do conhecimento, de seu potencial e eficiência emirja, no momento, do próprio desenvolvimento das disposições inatas do indivíduo, de suas disponibilidades, aberturas afectivoemocionais e das interacções e adaptações dos anteriores conhecimentos com os 217 novos, processos de informação que implicam a acção dos órgãos e dos sentidos, do corpo e da pele, dos receptores e dos transmissores, das percepções e das emoções, do biológico e do psíquico, do social e do ambiental, do sensorial e do motor para que a acção psicocomportamental, cognitiva e intelectual não só seja equilibrada mas também eficiente ou eficaz. Com efeito, não é possível recusar a inter-solidariedade existente entre o biológico e o social, o sensorial e o afectivo, o emocional e o psíquico. Estas intersistémicas solidariedades em constante e progressiva acção e desenvolvimento constituem as generatividades, as produtividades, as eficiências e as harmonias e questionam não só a maioria das análises efectuadas acerca do ser humano mas também os básicos alicerces dos conhecimentos que se possuem não só acerca do Homem mas também no âmbito das ciências sociais e humanas, naturais e físicas em geral, visto os acontecimentos darem origem a nascimentos e os nascimentos gerarem acontecimentos, factos e fenómenos que se sucedem em cascatas e, de tais processos, geram-se singularidades, individualidades, generatividades, criatividades, bem como o individual e o colectivo, o simples e o complexo, fazendo com que uma tão vasta e complexa invasão de sensações e emoções, de percepções e informações se cruzem no ser humano e este as filtre, anule, disperse, distorça ou desvie da sua própria individualidade. No entanto, deixam suas marcas e efeitos a nível de suas estruturas e dinâmicas genofenotípicas e, tanto umas como outras, transformam-se em filtros marcadores de novas percepções, assimilações, interiorizações e absorções, fazendo com que o indivíduo se expanda, frutifique, triunfe ou fracasse a partir de tais estruturas e dinâmicas, visto o humano ser um indivíduo com seus ecossistemas, emanando a sua auto-organização e dinamismos funcionais de base dos níveis de reciprocidade de tais interacções, o que faz com que a génese da vida psíquica de um indivíduo se torne indissociável do seu meio social e o biológico apareça, no humano, inseparável do social, o que implica necessidades de desenvolvimento e de vivências de experiências tácteis, de estimulações sensoriais e motoras para os desenvolvimentos psíquicos, visto os desenvolvimentos iniciais assentarem na tonicidade e nos graus de integridade do sistema neuromotor, bem como nos níveis de plasticidade, flexibilidade e acção perceptível motora do indivíduo. Por isso, as anteriores razões, são mais que suficientes para justificarem os factos de que todo e qualquer processo de ensino-aprendizagem, tanto pessoal como individual, escolar como social, deverá ser integrador, isto é, não só possuir como objectivos a instrução ou a aquisição de conhecimentos dos alunos mas também, e, sobretudo, o seu desenvolvimento pleno, íntegro e harmonioso, fins e objectivos que implicam a existência de atitudes cooperativas e participantes de todos, a actividade envolvente de cada um e a aceitação, por parte do educador, tutor ou professor, das diferenças e semelhanças, das divergências e convergências de cada um em particular e de todos no grupo-classe, orientando as suas energias, os seus potenciais, as suas aptidões e capacidades para a diferença e a semelhança, para a convergência e a divergência. BIBLIOBRAFIA ABERASTURY, A. e KNOBEL, M. (1981). Adolescência normal. Porto Alegre: Artes Médicas. 218 ABREU, J. 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