Impacto da topografia boreal no clima global: Estudo da influência sobre os oceanos Rose Ane Pereira de Freitas1, Thomé Simpliciano Almeida1, Camilo Lelis de Gouveia1, Jéferson Prietsch Machado1, Natália Renato1 & Flávio Barbosa Justino1 1 Departamento de Meteorologia Agrícola UFV/Viçosa –MG. E-mail: [email protected] Abstract: In this study, we used a numerical model of synoptic scale LOVECLIN to investigate the topographic effect of the northern hemisphere in key oceanic variables. The simulations were performed for a period of 500 years, with the topography of the northern hemisphere reduced by half. The results show that the reduction of the topography has an influence on surface temperature and ocean salinity. Keywords: ocean circulation, continental topography; 1. Introdução Existem diversos fatores que controlam o clima terrestre e regulam as suas variações a curto, médio e longo prazos. Para o estudo desses fatores a modelagem numérica é uma ferramenta importante pois são baseados em princípios físicos e em condições iniciais e de contorno, podendo assim obter indícios dos fatores influentes do ambiente modelado. A topografia tem um papel importante no clima tanto regional quanto global. Do ponto de vista sinótico, a existência de elevação no terreno, dependendo de sua altura, afeta principalmente a movimentação das massas de ar e vento. As massas de ar por sua vez é o principal elemento de troca de momentum no globo. Estudos com modelos numéricos demonstraram que a topografia teve influência preponderante no clima do último período glacial se comparada com outras forçantes, tais como o albedo, as forçantes orbitais e o CO2. Ruddiman & Kutzbach (1991) propuseram que a elevação do platô Tibetano, o Himalaia e da Sierra Nevada, no sul-oeste americano pode ter induzido um resfriamento global nos últimos 40 milhões anos. Raymo & Ruddiman (1992) também sugerem que uma elevação maior destas regiões, aumentou a taxa de meteorização física e química. Mudanças na topografia continental durante o período Cenozóico têm sido apontadas como uma outra causa para a deterioração climática. Especificamente, simulações sugerem que o surgimento do platô Tibetano no Colorado deu início a um resfriamento da América do Norte, o Norte da Europa, Ásia e norte do Oceano Ártico, como resultado de mudanças na circulação atmosférica (Ruddiman e Kutzbach, 1989). Atualmente a alteração na topografia continental ocorre com maior velocidade em locais com presença do gelo continental. Sobre a parte norte do continente Norte Americano, por exemplo, criava uma situação de bloqueio sobre o Pacífico Norte, capaz de enfraquecer os ventos de oeste (Justino et al., 2006; Timmermann et al., 2004). Segundo Ambroise (1995), em pesquisas realizadas na França, a topografia, associada a sua forma, tem um grande efeito nos padrões de infiltração e fluxo de radiação na heterogeneidade da superfície terrestre e propriedades hidrológicas do solo, além da redistribuição da água e energia. Nas montanhas, este resultado está muito ligado a umidade do solo e ao balanço d’água, conduzindo a grandes variações espaciais na evapotranspiração. Assim esse trabalho tem como objetivo validar os dados modelados pelo modelo LOVECLIM comparando com dados de reanálise provenientes do National Centers for Environmental Prediction/National Center for Atmospheric Research NCEP/NCAR e do Comprehensive Ocean-Atmosphere Data Set COADS, e estudar a influência da topografia boreal sobre os principais elementos oceânicos: temperatura da superfície do mar, temperatura oceânica a dois níveis de profundidade (100 a 500 m e abaixo de 500 m), salinidade (dois níveis de profundidade: 100 a 500 m e abaixo de 500 m). 2. Metodologia O LOVECLIM é classificado como um modelo de complexidade intermediária do Sistema Terrestre. Os MCGs descrevem, em detalhes, os padrões geográficos de muitos processos climáticos. O componente oceânico do LOVECLIM é o modelo Coupled LargeScale Ice-Ocean model (CLIO) (Goosse e Fichefet, 1999), que possui base nas equações primitivas (equações de Navier-Stokes sujeitas às aproximações hidrostática e de Boussinesq) e emprega uma superfície livre com parametrizações termodinâmicas/dinâmicas para o componente do gelo marinho. A partir do código do modelo modificou-se o parâmetro referente às altitudes do Hemisfério Norte (HN) reduzindo essa pela sua metade. A comparação dos gráficos gerados após o processamento da modificação na topografia e os dados de controle, ou seja, sem a modificação topográfica, permite a verificação da influência da topografia sobre o clima global. 3. Resultados e Discussão 3.1 Validação do Modelo LOVECLIM A avaliação da simulação CTR realizada através do modelo LOVECLIM (não mostrada nesse trabalho) foi feita a partir da comparação com dados de reanálise provenientes do NCEP/NCAR e do COADS. Em função da simplicidade da componente atmosférica do LOVECLIM, observou-se uma boa concordância para a temperatura média anual do ar a 2 m (°C), precipitação média anual em (cm/ano), temperatura da superfície do mar média anual (°C) e boa aproximação também para a distribuição vertical do vento zonal (m/s) em 200, 500 e 800 hPa. 3.2 Resposta oceânica sobre a mudança da topografia boreal Com a redução pela metade da topografia haverá alteração principalmente no movimento das massas de ar. Sendo o vento o principal elemento responsável pela troca de calor entre a atmosfera e o oceano uma mudança no vento implicará em variações nas variáveis oceânicas. A circulação geral da atmosfera manifesta-se, na região tropical, pelo cinturão de ventos de leste persistentes e, em latitudes temperadas, pelo cinturão de ventos predominantemente de oeste (Figura 6a). Observou-se uma redução do vento zonal – u (800 hpa) e sobre o oceano, principalmente no Atlântico Tropical, devido à retirada de cadeia de montanhas (Figura 6b). A redução desses ventos foi ocasionada pela variação da temperatura meridional. Essa redução dos ventos influencia nos processos de trocas de calor entre o continente e os oceanos, já que o HN possui a maior massa continental. É notário nos cinturões semi-estacionários de anticiclones que há uma diminuição do vento fazendo com que haja um maior aquecimento nessas regiões causando maior taxa de evaporação e conseqüentemente maior precipitação. Entre 30°S e 90°S e 30°N e 90°N do globo, por serem regiões de alto contraste de temperatura, maior número de tempestades, havendo a redução da topografia em 50% no HN haverá diminuição no transporte de momentum (vento, umidade, calor) entre a atmosfera e o oceano. É observado um aumento na região de jato subtropical, no Norte da Europa, Ásia e Escandinávia. a b Figura 6 – (a) Direção e intensidade do vento zonal a 800hpa, simulação controle; (b) Anomalia do vento zonal a 800hpa. A temperatura da superfície do mar tem variações ao longo do globo, com maiores valores de temperatura no equador e uma redução quando se afasta em direção aos pólos (Figura 7a). Na análise da anomalia da temperatura da superfície oceânica (Figura 7b) observou-se um aumento da temperatura superficial entre 30°N e 90°N aproximadamente, onde as maiores anomalias foram observadas nas regiões das Correntes do Golfo, Pacífico Norte e Kuroshio. As reduções dos ventos nessas regiões provocaram uma diminuição da evaporação e assim um aumento da temperatura oceânica. Também com a redução dos ventos temos a uma redução do Espiral de Ekman, responsável pela troca de calor entre a camada superficial e imediatamente inferior do oceano, assim aumentando a temperatura da superfície oceânica. a b Figura 7 – (a) temperatura da superfície oceânica, simulação controle; (b) anomalia da temperatura superficial do oceano. Analisando a Figura 8a junto à figura SST anomalia observe-se que também houveram mudanças na temperatura oceânica entre 100 e 500 metros de profundidade, isso se deve à troca de calor entre os níveis superficiais e os níveis mais profundos. Foi analisado também o perfil de temperatura abaixo de 500m (Figura 8b) de profundidade no oceano, observando uma alteração não significativa da temperatura em relação à simulação controle. a b Figura 8 – Anomalia da temperatura oceânica de 100 a 500m de profundidade (a) e temperatura oceânica abaixo de 500 m (b). As variações na salinidade das águas oceânicas são causadas por processos físicos como evaporação, congelamento e precipitação, que adicionam ou subtraem água do mar. As águas superficiais são as que sofrem mais variações de salinidade. Nas regiões tropicais a salinidade tende a ser mais alta devido à evaporação (Figura 9a), enquanto nas regiões temperadas, há variações sazonais. Na Figura 9b temos a anomalia da salinidade das águas oceânicas, onde um aumento mais expressivo é observado em áreas distintas. a b Figura 9 – Salinidade da superfície oceânica: (a) simulação controle, (b) anomalia. A circulação de monção é essencialmente determinada pela diferente capacidade térmica dos oceanos e continente. A circulação de monção mais famosa é a que ocorre sobre a Índia e sudeste da Ásia onde se observa o maior aumento da salinidade (Figura 9b). No local verifica-se uma ascensão adicional do ar úmido para transpor as cadeias montanhosas causando precipitação abundante próxima ao litoral. Com a redução dessas cadeias o ar úmido avança mais sobre o continente, havendo uma redução da precipitação no local, assim tem-se um significativo aumento da salinidade nas águas oceânicas próximas. 4. Conclusões Apesar das limitações existentes no modelo LOVECLIM, observou-se uma boa concordância quando comparado às simulações com os dados provenientes do NCEP/NCAR e do COADS. Os impactos da redução da topografia sobre o oceano foram mais perceptíveis no hemisfério norte devido à predominância da massa continental. As diminuições na velocidade dos ventos provocaram alterações nas variáveis oceânicas, influenciando diretamente os processos de troca de calor entre o continente e o oceano. Observou-se um aumento da temperatura superficial oceânica, principalmente no hemisfério Norte, causada pela redução dos ventos devido à alteração na espiral de Ekman. As temperaturas oceânicas de águas mais profundas não sofreram grandes alterações. Houve mudanças na salinidade das águas oceânicas em pontos isolados, devido à alteração da circulação de Monção, principalmente sobre a Índia e sudeste da Ásia, onde houve uma redução da precipitação local. Referências bibliográficas AMBROISE, B. 1995. Topography and the water cycle in a temperate middle mountain environment: The Need for interdisciplinary experiments. Agricultural and Forest Meteorology, v.73, p.217-235. GOOSSE, H., FICHEFET, T. 1999. Importance of ice-ocean interactions for the global ocean circulation: A model study, J. Geophys. Res., 104, 23,337– 23,355. JUSTINO, F., TIMMERMANN, A., MERKEL, U., PELTIER, W. 2006. An Initial Intercomparison of Atmospheric and Oceanic Climatology for the ICE-5G and ICE-4G Models of LGM Paleotopography. Journal of Climate, v. 19, p. 3-14. RAYMO, M.E. & Ruddiman, W.F., 1992. Tectonic forcing of late Cenozoic climate. Nature, 359, pp. 117- 122. RUDDIMAN, W.F. & Kutzbach, J.E., 1989. Forcing of late Cenozoic northern hemisphere climates by plateau uplift in southeast Asia and the American southwest. J. Geophys. Res., 94, pp. 18409-18427. RUDDIMAN, W.F. & Kutzbach, J.E., 1991. Plateau uplift and climatic change. Scientific American, 264(3), pp. 42-50. TIMMERMANN, A., JUSTINO, F., JIN, F.-F., GOOSSE, H. 2004. Surface temperature control in the North and tropical Pacific during the last glacial maximum. Climate Dyn., v. 23, p. 353–370.