Texto de apoio ao curso de Especialização Atividade Física Adaptada e Saúde Prof. Dr. Luzimar Teixeira Exercício e Diabete Mellitus Diabetes Mellitus é uma doença sistêmica que caracteriza-se pela ocorrência de hiperglicemia, hiperlipidemia e hiperaminoacidemia. É provocada por uma redução na secreção ou na atividade do hormônio insulina, e acarreta como complicações de seu estado clínico, lesões específicas da microcirculação , complicações neurológicas, problemas renais e predisposição à aterosclerose. A prática de atividade física tem sido recomendada no tratamento de indivíduos portadores de Diabetes Mellitus baseada principalmente em trabalhos que abordam os mais diversos aspectos da fisiopatologia do Diabetes e o papel da atividade física na sua terapêutica. A atividade física pode gerar importantes mudanças nos aspectos biológico, psicológico e sócio - cultural dos indivíduos, sendo no âmbito fisiológico o treinamento físico regular responsável em proporcionar adaptações nos sistemas metabólico (GOLLNIK,1993), neuro - endócrino e cardiovascular. A prática adequada de atividade física regular (treinamento) é recomendada aos pacientes pelas mesmas razões às quais o é à população em geral, ou seja, devido seus benefícios aos sistemas cardiovascular, metabólico e neuro-endócrino, contribuindo assim para a melhora na qualidade de vida do indivíduo portador da doença, este efeito relaciona-se não apenas às melhoras somáticas e fisiológicas, mas também às psicológicas, a partir do momento que a pessoa se sente mais ativa dentro da sociedade. No entanto, este treinamento deve estar associado a um bom controle da dieta e da administração de insulina, a fim de que o mesmo tenha papel benéfico no controle da taxa glicídica desses pacientes. Ao contrario, um desequilíbrio neste eixo poderá se constituir em mais um fator de comprometimento para o paciente caso o controle do diabetes não esteja satisfatório (diabetes descompensado). Diabetes Mellitus insulino-dependente, ou do tipo I, é caracterizada por produção endógena insuficiente ou totalmente ausente de insulina, devido a uma destruição imunológica das células b das ilhotas de Langerhans. Os indivíduos portadores deste tipo de diabetes podem apresentar, também, anticorpos à insulina o que provoca uma redução na ação da insulina exógena nos tecidos periféricos. Além disso, a ligação da insulina exógena ao anticorpo pode servir como um reservatório de insulina, retardando a sua liberação e, por conseqüência, prolongando seu tempo de ação (SHUMAN, 1988). O diabete do tipo I atinge cerca de 15% da população diabética, ocorrendo principalmente em indivíduos jovens, embora possa se desenvolver em qualquer idade. No Brasil, estima-se que 5 a 6 milhões de indivíduos sabem que são diabéticos e tratam-se, e um número semelhante não o sabem, levando a um não controle do quadro (RAMIRES, 1993), podendo agrava-lo ainda mais. Já o diabetes mellitus do tipo II caracteriza-se por um estado de hiperglicemia provocado pela diminuição da sensibilidade periférica à ação da insulina, o que provoca um aumento na secreção desse hormônio e, consequentemente, ocasiona um estado hiperinsulinêmico. Com a evolução da doença, as células b ficam fadigadas e diminuem a capacidade de secretar insulina, o que faz com que alguns pacientes nesse estágio necessitem da aplicação desse hormônio. Este tipo de diabetes apesar de possuir preponderante influência genética, os fatores ambientais tornam-se importantes, sendo sua abrangência correspondente a 80 ou 85% da população diabética, geralmente encontrado em indivíduos adultos maiores de 40 anos. Outra constatação é que aproximadamente 80% dos diabéticos do tipo II são obesos (RAMIRES,1992). Os principais sintomas do diabetes mellitus são: excesso de urina; sede excessiva (polidpisia); fadiga, cansaço geral; infecções recorrentes; excesso de glicose na urina (poliúria); fome excessiva (polifagia); perda de massa corporal. O tratamento do diabético baseia-se na aplicação adequada dos chamados quatro pilares fundamentais para seu tratamento e controle: educação, insulina ou hipoglicemiantes orais , dieta e exercícios físicos. A atividade física é uma situação que provoca ajustes metabólicos e fisiológicos imediatos no intuito que o organismo consiga atender a maior demanda energética e manter a sua homeostase. Sabe-se, ainda, que o treinamento é capaz de modificar o funcionamento metabólico e fisiológico no repouso e durante o exercício. O controle metabólico durante o atividade física depende de complexa regulação neuroendócrina, onde verifica-se a redução nos níveis de insulina e aumento nos hormônios que têm ação antagônica a mesma (contrarreguladores). Dentre estes hormônios incluem-se as catecolaminas, o glucagon, o hormônio de crescimento e o cortisol (RAMIRES, 1993). Estudos desenvolvidos com diabéticos do tipo I, bem controlados, têm demonstrado que o atividade física melhora a ação da insulina e o metabolismo da glicose, permitindo desta forma a redução nos níveis hiperglicêmicos e, consequentemente, da necessidade diária de insulina ( RICHTER & GALBO, 1986). Sabe-se, também, que o efeito do treinamento físico no diabético transcende as modificações metabólicas, ou seja, ele melhora o estado de saúde global aprimora a condição física e previne contra o surgimento de doenças cardiovasculares e metabólicas. Estes aspectos considerados em conjunto resultam em melhor qualidade de vida para o indivíduo diabético (WALLBERG-HENRIKSSON, 1989). A grande variedade das respostas ao exercício físico elimina a possibilidade de se adotar uma conduta única no desenvolvimento de um programa de condicionamento físico para os indivíduos diabéticos, necessitando, desta forma, avaliar o comportamento metabólico, respiratório e cardiovascular de cada indivíduo, e a partir desta conduta adotar-se uma prescrição individualizada de atividade física (RAMIRES,1993). As principais mudanças neuroendócrinas que ocorrem durante o exercício são a redução dos níveis circulantes de insulina e o aumento nos hormônios antagônicos. Além dessas alterações, ocorre também, um importante ajuste circulatório, expresso pela redução do fluxo sangüíneo para as áreas inativas (vísceras e pele) e pelo aumento deste fluxo para a musculatura ativa (FOX, 1983; BROOKS, 1984). Devido à deficiente produção e ação da insulina e uma possível disfunção na liberação dos hormônios contrarregulatórios, o indivíduo diabético do tipo I tem, geralmente, um comportamento metabólico diferente daquele do indivíduo normal. A injeção subcutânea de insulina no diabético não reproduz exatamente a secreção pancreática norma, pois esta aplicação forma um depósito subcutâneo, cuja taxa de absorção para a corrente sangüínea não poderá mais ser interrompida. Assim o indivíduo diabético apresenta oscilações muito amplas na sua concentração sangüínea de insulina. Esta variação representa um elemento de interferência importantíssima no comportamento metabólico ao exercício no diabético tipo I (ZINMAN, 1988). É importante observar que além dos fatores do próprio exercício e do nível de condição física do indivíduo, o comportamento metabólico ao exercício, em indivíduos diabéticos tipo I depende, também, do estado de controle do diabete, da dose, do tipo e do local de aplicação da insulina e da ingestão de carboidratos no período que antecede o exercício. Os indivíduos diabéticos, tratados diariamente com insulina e em bom estado de controle metabólico (diabéticos compensados), apresentam um conteúdo de glicogênio muscular e hepático semelhante ou ligeiramente reduzido em relação aos indivíduos normais. Entretanto, para que estes indivíduos tenham uma taxa de depleção de glicogênio durante o exercício semelhante a dos indivíduos não diabéticos, é preciso que aumentem satisfatoriamente a oferta e captação de glicose e de ácidos graxos livres sangüíneos. Caso contrário, ocorre depleção precoce de glicogênio muscular e, portanto, uma fadiga antecipada (SALTIN e cols, 1979). Portanto, os indivíduos diabéticos do tipo I não devem evitar a prática de atividade física, ao contrário, eles devem praticá-los regularmente. No entanto, é preciso compreender que antes de iniciarem qualquer exercício é fundamental que estejam em bom estado de controle metabólico. Além disso, o exercício não deve ser usado como forma de corrigir um descontrole glicêmico, pois existe o risco de piorá-lo ainda mais. Finalmente, é necessário que exista um mínimo de insulina para que ocorra uma eficiente regulação metabólica durante o exercício, e auxilie realmente na redução da concentração sangüínea de glicose sem provocar hipoglicemia (RAMIRES,1993). Para a maioria dos diabéticos, o exercício físico oferece uma série de vantagens, no entanto, é necessário uma seleção cuidadosa da atividade física a ser desenvolvida, assim como conhecer que tipo de diabético irá realizá-lo. A prática de exercício deverá ser diária, ou pelo menos de 3 a5 vezes por semana com duração de 45 a 60 minutos. Em termos gerais, durante a prática do exercício físico deve-se levar em consideração as seguintes recomendações gerais: 1) Preparar planos de treinamento com o objetivo de favorecer e manter um bom controle metabólico, assim como melhorar as capacidades motoras. 2) O exercício físico é bom para manter o controle metabólico do diabético compensado, porém não é bom para o diabético não compensado. 3) Oferecer alimentos antes e durante as atividades físicas de longa duração, afim de prevenir a hipoglicemia. 4) Ingerir alimentos no período de recuperação, com o objetivo de recuperar os depósitos de glicogênio. 5) Administrar as doses de insulina em locais ou extremidades, pouco ou não utilizadas durante a atividade física no dia em que irá praticar os exercícios. 6) Diminuir a dose de insulina, no dia que irá realizar a atividade física, em 20 a 50%, dependendo da intensidade e duração do exercício. 7) Manter a freqüência cardíaca abaixo dos 140 batimentos por minuto durante a carga de exercício. 8) Ao selecionar o plano de treinamento, deve-se levar em conta a idade, massa corporal, grau de controle metabólico quantidade de insulina e a dieta. 9) Fundamentar a prática sistemática de exercício, nas leis , princípios e metodologia do treinamento. 10) Hiperventilar após o exercício, a fim de repor as reservas de oxigênio. 11) Ter sempre por perto, líquidos açucarados e outros carboidratos, com a finalidade de tratar uma possível ocorrência de hipoglicemia no local onde estão sendo realizados os exercícios. 12) Seguir as recomendações adequadas nos casos de emergência (quadro clínico de hipoglicemia ou cetose). 13) Selecionar com cuidado a atividade física, para evitar que o paciente tenha alguma complicação. Em situações onde o exercício pode ser prejudicial ao diabético, deve ser proibida a sua prática. No tratamento integral do diabético de qualquer idade, o exercício físico é um pilar fundamental que deve ser cumprido. A atividade física deve ser enfocada como instrumento de uma equipe multidisciplinar, onde está incluído , dentre outros, o professor de educação física, sendo necessário que este atue com estreita relação com os demais membros da equipe. O treinamento físico, tanto no indivíduo não diabético como no diabético, pode provocar diversos benefícios como: melhoria nas funções cardiovascular e respiratória, diminuição da obesidade, melhora nos processos enzimáticos oxidativos em nível muscular dentre outros (McARDLE, KATCH & KATCH, 1992). Outro aspecto a ser considerado é a capacidade de trabalho do diabético, já que esta pode estar diminuída em comparação ao indivíduo normal, esta diferença é mais acentuada entre os adolescentes do que em crianças com idade inferior a 12 anos. Isto reforça o fato de que depois da puberdade os diabéticos tendem a se isolar cada vez mais do grupo de indivíduos da mesma idade. Ainda se desconhece quais as causas deste isolamento, mas pode-se destacar a menor incorporação do diabético a prática sistemática de exercício físico como conseqüência da presença de complicações decorrentes da doença que o limita, de forma direta ou indireta, a se incorporar normalmente a atividade física (MENDEZ, 1991). O exercício tem sido recomendado como coadjuvante no tratamento do diabete do tipo I (RICHTER &GALBO, 1986), a partir da demonstração que o grande benefício do exercício físico crônico para os diabéticos está no seu efeito sobre o metabolismo da glicose. Observa-se, portanto, que o treinamento físico no indivíduo diabético insulino dependente, em bom estado de controle e sem complicações associadas à doença, promove adaptações metabólicas e cardiovasculares semelhantes àquelas verificadas no indivíduo normal (WASSERMAN & VRANIC, 1987). No indivíduo normal o treinamento físico reduz a secreção de insulina durante o exercício. Esta adaptação pancreática ocorre, principalmente, pelo aumento da sensibilidade do músculo à insulina. Embora no indivíduo diabético tipo I, o treinamento físico não altere a sua deficiência pancreática de secreção de insulina, ele aumenta a sua sensibilidade à insulina exógena e reduz a dose diária necessária para seu controle glicêmico no repouso e durante o exercício (GALBO, 1983). O treinamento físico aumenta a capacidade aeróbia máxima no diabético de modo semelhante a do indivíduo normal. Este aumento na capacidade aeróbia máxima pode ser explicado pela melhoria da capacidade cardiocirculatória e da capacidade oxidativa do músculo esquelético. Após um período de treinamento físico, os indivíduos diabéticos tratados com insulina, também aumentam o seu conteúdo de glicogênio muscular e hepático, e estas adaptações parecem ampliar o tempo para a depleção do glicogênio muscular durante o exercício realizado numa mesma carga absoluta (BERG,1986). Podemos dizer que os exercícios físicos não competitivos, de intensidade progressiva, duração adequada e modalidades variáveis são importantíssimos como parte do tratamento do diabético. Eles promovem bem estar físico, mental e social, aumentam a eficiência do coração e dos pulmões, incrementam o metabolismo da glicose, combatem a obesidade, concorrem para diminuir o risco de complicações ateroscleróticas e reduzem as necessidades de insulina. O planejamento e o acompanhamento da atividade física do diabético - e do equilíbrio entre esforço, dieta e insulina - deve ser feito pelo médico em conjunto com outros profissionais de saúde como especialistas em fisiologia do esforço, enfermeiros, profissionais de educação física, nutricionistas e fisioterapeutas, que podem contribuir muito para a orientação de cada caso. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BERG, K. E. Diabetic's guide to health and fitness. Champaign, IL, Leisure press, 1986. BROOKS, G. A; FAHEY, T. D. Exercice Physiology: Human Bioenergetcs and its aplications. New York: Macmillan Puplishing Company, 1984. FOX,E.L. Bases fisiológicas da educação física e dos desportos. 2a. ed., Ed. Rio de Janeiro : Interamericana, 1983. GALBO,H. Hormonal and metabolic adaptation to exercice. New York, Georg Thieme Verlag, 1983. McARDLE, W., KATCH, F. I ?KATCH, V.L. Fisiologia do exercício: energia, nutrição e desempenho humano. 3a. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1996. MENDEZ S.M. 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