Processo n' 2009.8939-0 Fls. 3' Vara Feder.I/SA Sentença Tipo A Pompeu de Sousa Brasil Juiz Federal Titular SENTENÇA N° 343/2015 PROCESSO N° 2009.33.00.008939.0 CLASSE: 7100 - AÇÃO CIVIL PÚBLICA AUTOR: DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO RÉU: UNIÃO FEDERAL E OUTROS Vistos, etc ... 1. Trata-se de Ação Civil Pública ajuizada pela DEFENSORIA PÚBLICA FEDERAL, DA UNIÃO, regularmente representada o ESTADO DA BAHIA e o MUNICÍPIO nos autos, contra a UNIÃO DE SALVADOR, entes de direito público também representados, tendo requerido o ilustre membro da DPU, em sede antecipatória, fornecimento a expedição de ordem judicial determinando "o imediato do medicamento Trastuzumabe (Herceptin), nas quantidades necessárias e que dele necessitarem a todas as pacientes acometidas de câncer de mama no Estado da Bahia", procedendo-se a disponibilização dos fármacos através das "farmácias mantidas pelo Poder Público", em 24 horas após a intimação da decisão concessiva. Como provimento final reclama a consolidação da providência liminar, tomando-se permanente o fornecimento do Trastuzumabe às pacientes do SUS que apresentarem o mesmo diagnóstico. 2. Verbera a DPU, de início, a sua legitimidade para propor ACP em favor dos necessitados, lastreada no art.5° da Lei 7.347/85, bem como a legitimidade ad causam da UNIÃO, do ESTADO DA BAHIA e do MUNICÍPIO DE SALVADOR para figurarem no pólo passivo da demanda, instituídos no art. I96 da CF/88. entes aos quais carregados os deveres Processo n° 2009.8939-0 Fls. 3 Vara FederallBA 1 Sentença Tipo A Pompeu de Sousa Brasil Juiz Federal Titular 3. Prossegue explicando que, segundo informações fornecidas pela Secretaria de Saúde do Estado da Bahia, o medicamento Trastuzurnabe, comercial é Herceptin, é indicado para o tratamento de portadores(as) mama (CID C.50) metastático receptor HER2", em monoterapia que apresentam tumores ou em combinação cujo nome de "câncer de com superexpressão do com outros quimioterápicos. Apesar desse reconhecimento, "há reiterados casos de pedidos de assistência juridica nesta DPU. informando o não fornecimento do medicamento Herceptin na rede pública de assistência farmacêutica da Bahia". 4. Argumenta, referindo a laudos técnicos, que é grande o impacto positivo da utilização do mencionado remédio - que não encontra similar no mercado, sendo de alto custo e, à época do ajuizamento, não disponibilizado pelo SUS - na qualidade de vida das pessoas que padecem de câncer de mama, observando que o direito à saúde não se resume ao fornecimento de medicamentos, englobando também o direito à vida digna, a ser garantido pelo Estado, como determina a norma contida no art.196 do Texto Maior, de eficácia plena e aplicabilidade imediata. 5. Aduz que a União, os Estados e os Municípios possuem responsabilidade solidária no que concerne ao Sistema Único de Saúde, concebido para garantir assistência integral aos cidadãos, de modo individual ou coletivo, e que a intervenção do Poder Judiciário, na hipótese, não configura ofensa à independência dos Poderes, na medida constitucionais, em que que é justamente objetiva assegurar o cumprimento o papel que lhe foi atribuído das normas pela Constituição Federal. 6. Destarte, realçando que o direito à saúde deve prevalecer "sobre os interesses financeiros do estado", formulou o pleito antecipatório nos moldes acima, medida a ser consolidada quando do julgamento final da lide. 7. G"=~cr= , 1,101,1 "' ',,="M " n'.I4I68((r Processon' 2009.8939-0 Fls. 3' Vara FederallBA Sentença Tipo A Pompeu de Sousa Brasil Juiz Federal Titular 8. Oportunizada, mercê do Despacho de fl.70, a manifestação prévia das pessoas jurídicas de direito público demandadas acerca do pleito liminar, bem como ordenada a intimação do Ministério Público Federal para os fins previstos no art.5°, da Lei 7.347/85. Determinada Nacional de Vigilância ainda, no ensejo, a expedição Sanitária solicitando informações 9I 0, de oficio à Agência sobre o medicamento em questão, que findaram encartadas às fls. I 75/1 76. 9. O pronunciamento da UNIÃO repousa às fls.81/88, suscitando a sua ilegitimidade ad causam, eis que a distribuição de medicamentos se insere dentre as obrigações do Estado-membro, e que, nos termos dos arts.17 e 18 da Lei 8.080/90, a execução dos serviços e ações atribuídos ao Sistema Único de Saúde compete aos Estados e Municípios. Alerta que o fornecimento de remédios obedece a critérios médicos e que não poderia devassar os limites ditados pelas verbas reservadas para tal fim, sob pena de descumprimento da Lei Complementar 101/00. Reclamou o indeferimento da antecipação dos efeitos da tutela. Já o MUNICÍPIO DE SALVADOR manifestou-se às fls.92/103, 10. também arguindo a sua ilegitimidade passiva, dada a abrangência do pedido (distribuição do fármaco por todo o Estado da Bahia), além do que, sendo o tratamento oncológico de "alta complexidade", nos termos dos arts.16 e 17 da Lei 8.080/90, caberia à União e ao Estado prestá-lo. Quanto ao tema de fundo, pondera que a realização da saúde, como direito constitucional, pressupõe a definição de políticas sociais e econõmicas, a serem implementadas pelo SUS, como "única forma de se garantir a universalização do acesso à saúde". Destaca que o tratamento oncológico é feito de acordo com portarias específicas, em unidades especializadas e credenciadas pelo Sistema Único de Saúde, não havendo "dispensação de medicamentos para câncer fora dessas unidades", tampouco indícios de que a terapêutica disponibilizada pelo SUS seja ineficaz, de modo a justificar a intervenção do Poder Judiciário. Processon' 2009.8939-0 Fls. r Vara FederalIBA Sentença Tipo A Pompeu de Sousa Brasil Juiz Federal Titular lI. O Ministério Público Federal, por meio do pronunciamento de fls. I 04/1 06, pôs-se pela concessão da medida antecipatória, não para fornecimento do medicamento nas farmácias mantidas pelo Poder Público, como requerido, mas nas UNACONS (Unidades de Assistência de Alta Complexidade em Oncologia) ou nos CACONS (Centros de Assistência de Alta Complexidade em Oncologia), desde que o paciente seja acompanhado pelos profissionais de saúde lotados em tais serviços. 12. O ESTADO DA BAHIA quedou-se inerte, confonne certidão de fl.1 07, porém antecipou contestação ás fls.13 7/148, esclarecendo que o SUS pennite aos portadores de câncer o acesso universal a tratamento especializado através de estabelecimentos de saúde cadastrados em oncologia, para este fim (UNACON's e CACON's). Explica que portarias do Ministério da Saúde regulam os procedimentos e autorizações, inclusive cobertura para o custeio de quimioterapia câncer de mama, cabendo às unidades credenciadas incluindo os medicamentos "APAC-ONCO". adjuvante para o fornecer todo o tratamento, inerentes, sob os preceitos e financiamento Assim, a dispensação de medicamentos antineoplásicos contexto integral de assistência médica proporcionado pelas UNACON's, serviços isolados de quimioterapia credenciados do sistema fora do CACON's e ao SUS, contraria o princípio da integralidade assistencial, não dispondo a administração pública de recursos suficientes para liberar, sem programação financeira específica, pagamentos a empresas particulares fabricantes de medicamentos. 13. Discorre sobre a "correta análise da enunciação da saúde enquanto dever do Estado", sustentando que o Sistema Público de Saúde deve fornecer remédios num contexto de programa social, contemplando a totalidade dos cidadãos, e não de forma individualizada, perspectiva que se afasta da supremacia do interesse público. Enfatiza a discricionariedade do poder público na gestão da saúde e a limitação de recursos, invocando, por fim, os princípios da separação dos Poderes, da igualdade e da legalidade estrita, para requerer sejam julgados improcedentes os pedidos autorais. o '- Processo nO 2009.8939-0 Fls. 3 Vara Federal/BA 8 Sentença Tipo A Pompeu de Sousa Brasil Juiz Federal Titular 14. A antecipação pleiteada restou indeferida nos termos da Decisão de fls. I08/117, desafiada no Agravo de Instrumento reproduzido às fls. 120/127. 15. As defesas da UNIÃO (fls.154/161, does. às fls.162/172) e do MUNICÍPIO DE SAL VADOR (fls. I76/197, does. às fls. 198/21 O), sobre vindicarem, ambas, a improcedência da ação, reiteram, basicamente, os argumentos desfiados em suas respectivas manifestações prévias. 16. preliminar Réplica reiterativa às fls.214/223, comum (ilegitimidade rebatendo o questionamento passiva) e demais argumentos engendrados nas defesas dos três réus. 17. Instadas as partes sobre o interesse em novas provas, a DPU requereu a produção indispensabilidade de pericia médica e oitiva de testemunha, do fornecimento do Trastuzumabe fim de atestar a na rede pública de saúde, protestando ainda pela ulterior juntada de pericias médicas produzidas n'outros feitos judiciais referidos na peça de abertura (fls.225/226); a UNIÃO nada mais requereu (cota de fl.227); o ESTADO DA BAHIA e o MUNICÍPIO DE SALVADOR deixaram transcorrer in albis o prazo pertinente (Certidão de fl.234). 18. O MPF, em pronunciamento de fls.235/236, opmou pela requisição de um "parecer" do Instituto Nacional do Câncer - INCA, elaborado com base em pesquisa desenvolvida pelo órgão referente à incorporação, no SUS, do medicamento Trastuzumabe. 19. Deferida a prova documental pleiteada (Despacho de fl.237), foram as informações do INCA encartadas às fls.244/246, esclarecendo que "o emprego do anticorpo monoe/onal contra o HER2 (Herceptin - Trastuzumab), já está liberado há quase dez anos, tanto na doença metastática 'dj''',â, , "",dj''',â,. pam (primeira indicação), quanto em m,Ih",.'comba" m,ma,;('6p Processon.2009.8939-0 Fls. a 3 Vara FederalIBA Sentença Tipo A Pompeu de Sousa Brasil Juiz Federal Titular igual a um centímetro". Adverte a entidade, todavia, que, "para o seu emprego é necessário que haja o diagnóstico imuno-histoquímico especíjico", bem como avaliação da condição cardiovascular, "face a sua toxicidade cardiológica". Pontua que, embora não havendo cobertura do fármaco pelo MS/SUS (à época), inexiste restrição ao seu uso. 20. Respostas das na e lOa Varas aos oficios que lhes foram dirigidos esclarecem que não foram realizadas perícias nos feitos indagados, afetos àqueles Juízos (v. fls.247 e 249). 21. Sobre os novos substratos adunados, dísse o MUNICÍPIO DE SALVADOR, às fls.259/26I , acentuando que não é razoável admitir imposição judicial "em desacordo com a política pública estabelecida", e que não cabe à comuna o fornecimento de medicação sem cobertura financeira direta. A OPU e a UNIÃO nada acrescentaram (v. cotas de fls.25l verso e 252 respectivamente), enquanto o ESTADO DA BAHIA permaneceu inerte (Certidão de fl.262). 22. Novo manifestação compelindo-se pronunciamento de fls. I041106, pondo-se os demandados do Parquet pela antecipação a fornecer o medicamento corrobora a dos efeitos Trastuzumabe anterior da tutela, a todos os pacientes cuja situação clínica assim o requeira, mas "sob o controle, acompanhamento e responsabilidade dos centros de atenção oncológica que integram a estrutura do SUS' (fl.263 e verso). 23. Indeferida a prova pericial consoante Despacho de fl.264, admitiu-se, no entanto, a oitiva de profissíonal médico especialista na área, cujo nome restou declinado pela OPU à fl.279. 24. O,oo'ogi' O pólo ativo juntou C",'" ,••doo0100,,"00" pareceres da Sociedade re',"'rio do Trib,""' d, (~ Brasileira d, D,"o de ,,=, Processo n° 2009.8939-0 Fls. 3' Vara Federal/BA Sentença Tipo A Pompeu de Sousa Brasil Juiz Federal Titular do tema às fls.279/497, remanescendo sobre os quais se manifestou apenas a UNIÃO, à fl.499, silentes o ESTADO DA BAHIA e o MUNICÍPIO DE SALVADOR (Certidão de fl.503). 25. Já o MPF, às fls.504/506, reitera seus pronunciamentos anteriores e a "suficiência da manifestação do INCA àjl.244", noticiando, outrossim, a edição das Portarias nOs I 8 e I 9, de 25/julho/2012, baixadas pela Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos, "incorporando o medicamento trastuzumab no Sistema Único de Saúde para o tratamento do câncer nas duas hipóteses e de acordo com as condicionantes que fixa". Obtempera, todavia, que a referida incorporação "não equaciona de forma definitiva o pleito deduzido na presente ação", considerando as condicionantes impostas para o fornecimento do medicamento, em especial a "redução do preço". Requereu a juntada das publicações dos referidos atos editados no âmbito do Ministério da Saúde e de relatórios produzidos pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS - CONITEC (encartados às fls.507/568). 26. Franqueada a manifestação das partes, a DPU e a UNIÃO apenas consignaram ciência à fl.569 verso e 570; o ESTADO DA BAHIA, uma vez mais, quedou-se inerte (Certidão de fl.635). Já o MUNICÍPIO arrazoado de fls.605/630, insistindo no acolhimento DE SALVADOR juntou o da prefaciai de ilegitimidade suscitada em contestação. 27. A parte autora, reafirmando o interesse na produção de prova oral, sustentou, às fls.638/642, que a edição das Portarias nOs. 18 e 19/2012, referidas pelo Parquet, "não esgota o mérito desta Ação Civil Pública", considerando as restrições para incorporação do Trastuzumabe "apenas para o tratamento do câncer de mama inicial e do câncer de mama localmente avançado". Observa que o câncer de mama metastático não foi abrangido, defendendo que o fornecimento do medicamento deve ocorrer independentemente do estágio da doença, afastando-se, oo,dki,"~,,, d, redo,ãodopreço,d, 'Mi,," dM'p='''oçil'' ~ d ademais, J as Processo nO 2009.8939-0 Fls. 3 Vara FederallBA 8 Sentença Tipo A Pompeu de Sousa Brasil Juiz Federal Titular ou de que possua o paciente comorbidades compatíveis com expectativa de vida para além de 5 (cinco) anos. Reitera o pedido inicial, no sentido de garantir o "amplo acesso ao Trastuzumab, independentemente de qual o estágio ou o prognóstico da doença". 28. A UNIÃO, opondo-se à oitiva da testemunha indicada pela autora (por desnecessária), requereu fosse requisitado opinativo do Centro Cochrane do Brasil, ONG sediada em São Paulo cuja missão institucional é "elaborar, manter e divulgar revisões sistemáticas de ensaios clínicos randomizados" (l1s.654/657, does. às I1s.658/66 I). 29. Sobre a manifestação e pleito da primeira ré, disse a autora às I1s.663/671 (does. às I1s.673/842), insistindo na oitiva indicada, ao que anuiu o MPF em pronunciamento de 11.844. 30. na qual tomado Designada Audiência de Instrução, realizada em lS/julho/2014, o depoimento do profissional médico AUGUSTO CÉSAR DE ANDRADE MOT A, conforme Termo e midia eletrônica acomodados às I1s.854/857. 31. Convertidos os debates em entrega de memoriais, vieram estes às I1s.860/877 (MUNICÍPIO DE SALVADOR), 879/883 (DPU), 886/890 verso (UNIÃO) e 892/897 (ESTADO DA BAHIA), mantendo as partes a essência de seus discursos, a exemplo do Custos Legis que, em derradeiro pronunciamento reconhecimento de 11.399, opinou pelo da procedência da ação. Tornaram os autos, enfim, conclusos para julgamento. É, no que mais interessa, o RELATÓRIO. Processo n' 2009.8939-0 Fls. 3' Vara FederallBA Sentença Tipo A Pompeu de Sousa Brasil Juiz Federal Titular FUNDAMENTAÇÃO 1. propositura A questão da legitimidade da Defensoria Pública da União para a da presente ACP já foi enfrentada quando da apreciação do pleito antecipatório, d'onde recorto, aderindo ao quanto ali definido a respeito: "Em ações civis públicas que me foram anteriormente distribuídas e nas quais a Defensoria Pública da União figurava como autora, perfilhei de entendimento no sentido de que, a despeito da legitimidade que lhe foi conferida pelo artigo 5', inciso II da Lei n. 7.347/85, a sua atuação não poderia ocorrer de forma dissociada da sua função institucional, voltada, consoante exsurge do artigo 134 da Carta Magna de 1988, à "orientação juridica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5°, LXXIV". Bem de ver, o artigo I' da Lei Complementar n. 80/94, que organiza a Defensoria Pública da União, dentre outras providências, enuncia em seu artigo 10 in verbis: 'Ar/. J o A Dejênsoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-/he prestar assistência jurídica, Judicial e extrajudicial. integral e gratuita, aos necessitados. assim considerados na/arma da lei'. Em outros termos, significa dizer que, embora recente alteração legislativa introduzida na Lei n. 7.347/85 pela Lei n. 11.448/07 tenha incluido a Defensoria Pública no rol dos legitimados a ajuizar ação civil pública, tal prerrogativa não autoriza que se deduza, nesta sede, toda e qualquer tipo de pretensão, mas tão-somente aquelas direcionadas à proteção das pessoas hipossuficientes. Na hipótese posta para exame, conforme já restou mencionado acima, a pretensão autoral recai no fornecimento pelo SUS (Sistema Único de Saúde) de medicamento específico, destinado ao tratamento do câncer de mama. Como sabido, a Saúde, ao lado da Previdência Social e da Assistência Social, integram a Seguridade Social, "conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social" (artigo t 94 da Carta Magna de 1988). Diversamente do que ocorre com a Previdência Social, de caráter essencialmente contributivo, a lTuição dos serviços prestados pelo Estado no âmbito da Saúde prescinde de contraprestação do respectivo usuário, que sequer precisa fazer qualquer comprovação acerca da sua efetiva necessidade ou ainda de eventual hipossuficiência financeira. A despeito disso, encerra fato público e notório a circunstância de que os serviços a cargo do SUS (Sistema Único de Saúde) no Brasil - pais que ainda não consegue oferecer à sua população, como um todo, de forma gratuita e eficaz, serviços básicos, como saúde e educação -, se destinam primordialmente à população de baixa renda, que não possui qualquer condição de contar com assistência médica privada, abrangendo, ainda, extensa, senão a maior parte, dos atendimentos prestados pelos estabelecimentos de saúde. Nessa seara, dados colhidos do si/e do IBGE - Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatlstica (www.ibge.gov.br). pertinentes ao ano de 2005, evidenciam a presença de 54.6 t 8 (cinquenta e quatro mil seiscentos e dezoito) estabelecimentos de saúde, no Brasil, financiados pelo SUS contra pouco mais de 30.000 (trinta mil) de natureza particular. Processo n' 2009.8939-0 Fls. 3' Vara FederallBA Sentença Tipo A Pompeu de Sousa Brasil Juiz Federal Titular Os dados pertinentes ao Censo Demográfico do ano 2000 testificam, além disso, que o rendimento mensal médio da ocupação principal das pessoas ativas com dez ou mais anos de idade gira em tomo aproximadamente de R$628,18 (seiscentos e vinte e oito reais e dezoito centavos). Diante de tal quadro, caracterizado por uma distribuição de renda bastante desigual, o SUS exsurge como a alternativa, senão a única opção destinada à população de baixa renda, no que toca à fruição dos serviços de assistência à saúde, de um modo geral. Sendo assim, congregando o SUS, em sua essência, o atendimento à população mais carente de recursos. o que se coaduna com as finalidades institucionais da Defensoria Pública da União, admito, em face das peculiaridades do caso concreto e com vistas, inclusive, a não infirmar o amplo espectro de proteção inerente à tutela coletiva, a sua pertinência subjetiva na demanda em tela. 2. Quanto à legitimidade passiva das pessoas de direito público que integram os três níveis da Federação, objeto de preliminares eriçadas tanto pela UNIÃO como pelo MUNICÍPIO DE SALVADOR, não vicejam tais questionamentos, posto que a responsabilidade dos entes integrantes das três esferas do Poder, seja para o fornecimento de insumos, seja para o custeio de tratamento médico, deriva da atribuição de competência comum em matéria de direito à saúde, consagrada no art.24, XII, da Constituição Federal, bem assim da responsabilidade que lhes é atribuída nos termos do art. I 98, I, da Charla, ao estabelecer a gestão tripartite do Sistema Único de Saúde SUS. Não é outra a orientação do colendo STJ, senão repare-se: ADMINISTRATIVO. Fo.RNEClMENTO DE MEDICAMENTo.S. o.BRIGAÇÃo. DA UNIÃO., ESTADo.S, MUNICÍPIOS E DISTRITO FEDERAL. So.LlDARIEDADE Do.S ENTES FEDERATIVo.S. DIREITO À VIDA E À SAÚDE. Co.MPRo.VAÇÃo. DE NECESSIDADE DO. MEDICAMENTO. SÚMULA 7/STJ. I. É assellte o elllelldimellto de que a Saúde Pública COIlSlIbstallcia direito fundamental do homem e dever do Poder Público, expressão que abarca a União, os Estados-membros, o Distrito Federal e os MUllicfpios, todos em conjunto. Nesse sentido, dispõem os arts. 2° e 4° da Lei 11. 8.080/1990. 2. Assim, o fimciollamellto do Sistema Úllico de Saúde é de respollsabilidade solidária da Ullião, do Estados e tios MUllicfpios. Dessa forma, qualquer um destes entes tem legitimidade ad causam para figurar 110 polo passivo da demallda, 3. A alegação de que a parte autora IIão comprovou, através de perícia a necessidade de fornecimento dos medicamentos não pode ser aferida nesta Corte, pois esbarra no óbice da Súmula 7/STJ.Agravo regimelltal improvido. (AGARESP 201303577811, Segunda Turma, Relator Ministro HUMBERTO MARTINS, DJE de 10/02/2014) PRo.CESSUAL CIVIL. AGRA Vo. REGIMENTAL. Fo.RNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. SUS. o.BRIGAÇÃo. DE FAZER. LEGITIMIDADE PASSIVA DA UNIÃO.,DO.ESTADO.E DO.MUNiCíPio. PRECEDENTES. I. Agravo regimental contra decisão que negou provimento a agravo de Processo n' 2009.8939-0 )11 Fls. Vara FederallBA Sentença Tipo A Pompeu de Sousa Brasil Juiz Federal Titular instrumento. 2. O acórdão a quo determinou à União fornecer ao recorrido o medicamento postulado. tendo em vista a sua legitimidade para figurar no pólo passivo da ação. 3. A CFlI988 erige a saúde como um direito de todos e dever do Estado (art. 196). Dal, a seguillte cOllclusão: é obrigação do Estado, lia smtido gellérlco (Ullião, Estados, Distrito Federal e MUlliclpios), assegurar às pessoas desprovidas de recursos jillanceiros o acesso à medicação necessária para a cura de suas mazelas, em especial, as mais graves. Selldo o SUS composto pela Ullião, Estados e MUlliclpios, impõe-se a solidariedade dos três elites federativos lia pólo passivo da demallda. 4. Agravo regimental IIão-provido. (AGA 200700312404, Primeira Turma, Relator Ministro JOSÉ DELGADO, DJ de 30/08/2007) (destaques nossos). Como visto, a jurisprudência 3. não tem feito distinção entre as pessoas políticas que integram a Federação no que refere ás ações em que se pleiteia o fornecimento de medicamentos, entendimento ao qual adiro para assentar que União Federal, Estados e Municípios devem remanescer no pólo passivo. 4. Aliás, a propósito do particular questionamento feito pelo MUNICÍPIO DE SALVADOR, acusando o descabimento de ver-se compelido a prestar medicamentos a cidadãos dos demais municípios do Brasil no caso de eventual reconhecimento da procedência dos pedidos, é certo que, mesmo em tal hipótese, sua responsabilidade é delimitada ao âmbito da respectiva abrangência territorial e no que for típico de sua participação nas unidades de atendimento aos pacientes de câncer já existentes no SUS. Superadas as objeções relacionadas á composição dos pólos da 5. lide, resta desimpedido o avanço sobre o tema de fundo. 6. Cumpre fixar, de logo, que não remanescem dúvidas acerca da eficácia, segurança e adequação do Trastuzumabe para o tratamento do câncer de mama, questão que restou incontroversa, sobretudo, a partir da edição das Portarias nOs 18 e 19, de 25/julho/2012, Estratégicos, baixadas pela Secretaria de Ciência, Tecnologia reproduzidas e Insumos á !l.507, "incorporando o medicamento trastuzumab no Processon' 2009.8939-0 Fls. 3 Vara Federal/BA 1 Sentença Tipo A Pompeu de Sousa Brasil Juiz Federal Titular Sistema Único de Saúde para o tratamento do câncer nas duas hipóteses e de acordo com as condicionantes quefixa". 7. Antes mesmo da incorporação do fármaco aos protocolos do SUS, os pareceres da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica e relatório do Tribunal de Contas da União de fls.280/497, bem assim, o parecer requisitado ao Instituto Nacional de Câncer - INCA (fls.243/246), já corroboravam o discurso vestibular, alicerçando a premissa construida acima, o que também fizeram os relatórios produzidos pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS - CONITEC encartados ás fls.508/568. 8. O profissional Oncologista AUGUSTO médico ouvido em Juízo a pedido da OPU, CÉSAR DE ANDRADE MOTA, com a credencial de ser profundo conhecedor da matéria e ter participado da Diretoria Nacional da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica - SBOC, não variou das conclusões acima, explicando que a molécula contida na droga em comento bloqueia uma via de sinalização celular importante para que as células tumorais continuem proliferando, o que acontece em qualquer das fases da doença, e não apenas no câncer inicial ou localizado. Assim, "não há dúvida de que esse medicamento deve ser incorporado no manuseio das pacientes com câncer de mama que expressam a proteína HER2. alvejada pela molécula" (v. mídia eletrônica encartada à fl.857). 9. Inquirido pelo Juízo de forma exaustiva, bem assim por todos os representantes das partes e membro do MPF, não se furtou o reputado profissional de esclarecer ainda que, hoje em dia, cuidados paliativos são oferecidos desde o diagnóstico, não mais constituindo, tais cuidados, apenas medidas de conforto para o paciente em estado terminal. Questionado pelo ESTADO DA BAHIA, reconheceu ser possível paliar pacientes metastáticos só com quimioterapia, asseverando, porém, que a incorporação de moléculas que bloqueiam a referida via de sinalização ("via HER2") Processon' 2009.8939-0 Fls. 3 Vara FederalIBA 1 Sentença Tipo A Pompeu de Sousa Brasil Juiz Federal Titular 10. Especificamente quanto às condicionantes engendradas nas portarias que incorporaram o Trastuzumabe ao SUS, igualmente admitiu os riscos para o tratamento de pacientes com insuficiência cardíaca, pontuando, todavia, que apesar da toxicidade proibitiva receada no início, cardiologistas e oncologistas criaram protocolo de monitoramento da função cardíaca - como a necessidade de ecocardiograma reduzindo a 2,3% a incidência de casos em que essa toxicidade -, inviabilizaria o tratamento. De referência à necessidade de apresentação em 60 e 150 mg, explicou que o fármaco possui estabilidade de 28 dias após aberto o frasco. Desse modo, o que sobra da ampola de 440 mg (padrão atual) pode ser disponibilizado a outra paciente, concluindo ser baixíssima possibilidade de desperdício. Advertiu que os medicamentos quimioterápicos aNCa fornecidos pelo SUS para câncer metastático - governo disponibiliza equilíbrio econômico-financeiro cancerígenas valor fixo, exigindo-se, - pelo sistema APAC- assim, a manutenção "são complementares", agindo que já estão se dividindo, e não substituem nas do células o Trastuzumabe, que, diferentemente da quimioterapia convencional, constitui via de sinalização que impede o início da divisão celular (bloqueio). lI. Por fim explicou, quando indagado pela Representação da UNIÃO, que existem outros medicamentos de atuação semelhante à da molécula em análise, como o Lapatinibe e o Pertuzumabe (de custo elevado), sendo que, para melhor resultado, a via de acesso celular deve ser bloqueada por dois mecanismos diferentes: o próprio Trastuzumabe e outro. 12. relativizadas Trastuzumabe De tudo se extrai que as tais condicionantes sob a ótica da apreciação técnica, justificando-se em pacientes com câncer inicial ou localizado, são fortemente o emprego do mas igualmente em pacientes metastáticos, mostrando-se vulnerável também a condicionante assentada em suposta "redução do custo" a partir da alteração da apresentação diferentes (60 e 150 mg). em miligramas (cv' Processo n' 2009.8939-0 Fls. 3' Vara Federal/BA Sentença Tipo A Pompeu de Sousa Brasil Juiz Federal Titular 13. Como amplamente sabido, o STF admite a possibilidade de questionamento judicial da negativa estatal de fornecimento de drogas terapêuticas, até mesmo quando diversas das que previstas nos protocolos clínicos do SUS para tratamento de determinadas doenças, como se destaca, a exemplificar, trecho da decisão do Ministro GILMAR MENDES, então Presidente da Corte, no julgamento da Suspensão de Tutela Antecipada nO 244 (DJE de 23/09/2009), verbis: (...). Essa conclusão não afasta, contudo, a possibilidade de o Poder Judiciário, ou de a própria Administração, decidir que medida diferente da custeada pelo SUS deve ser fornecida a determinada pessoa que, por razões específicas do seu organismo. comprove que o tratamento fornecido não é eficaz no seu caso. Inclusive, como ressaltado pelo próprio Minislro da Saúde na Audiência Pública, há necessidade de revisão periódica dos protocolos existentes e de elaboração de novos protocolos. Assim, não se pode afirmar que os Protocolos Clinicas e Diretrizes Terapêuticas do SUS são inquestionáveis. o que permite sua contestação Judicial (...). 14. Com efeito, a Carta Política consagra a saúde como direito fundamental, qualificado, em seu art. 6°, também como direito social. Seguindo essa diretriz, o art. I 96 proclama ser a saúde " ... direito de todos e dever do Estado. garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doenças e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para a sua promoção. proteção e recuperação". 15. Pois bem, dentre os serviços e beneficios prestados no âmbito da Saúde encontra-se a assistência farmacêutica, mercê do art.6°, I, "ti", da Lei 8.080/90, que expressamente inclui, no campo de atuação do Sistema Único de Saúde, a execução de ações de assistência terapêutica integral. A Política Nacional de Medicamentos e Assistência Farmacêutica é parte integrante da Política Nacional de Saúde, possuindo o escopo de garantir a todos o acesso aos medicamentos necessários, seja interferindo em preços, seja fornecendo gratuitamente as drogas de acordo com as necessidades dos pacientes. Processo n' 2009.8939.0 Fls. )' Vara Federal/BA Sentença Tipo A Pompeu de Sousa Brasil Juiz Federal Titular 16. Há que se considerar, outrossim, na avaliação de pedido voltado à disponibilização ampla do Trastuzumabe - quando do ajuizamento da presente ACP, ainda nas águas de 2009, não constava o fármaco das listas de medicamentos estabelecidas pelo Sistema Único de Saúde, o que só foi acontecer a partir de 2012, após a edição das multicitadas Portarias nOs. 18 e 19 da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos (v. fl.507) -, as consequências que a medida requerida causa no sistema, uma vez que os recursos do SUS são, notoriamente, escassos. 17. A despeito disso, o Excelso Pretório tem decidido que, tratando-se de individuo hipossuficiente - como devem ser os destinatários da medida pleiteada pela Defensoria Pública sob pena de faltar ao Órgão legitimidade para assim postular -, é obrigação do Estado o fornecimento da medicação necessária ao seu tratamento. Assim deliberou no julgamento do AI-AgR n. 663.377/RS (in DJ de 23/11/2007), tendo prevalecido o entendimento, constassem segurança do em tal hipótese, de que, embora os medicamentos "Programa de Medicamentos Excepcionais", teriam e efeito terapêutico atestados em razão da obtenção não qualidade, de registro como medicamento genérico junto à Agência Nacional de Vigilância Sanitária, devendo ser prestados a pacientes que não têm condições de arcar com os custos do tratamento contínuo. 18. Sequer é o caso do Trastuzumabe, que, como visto, já foi incorporado em esquemas terapêuticos avalizados e custeados pelo SUS. O que falta, como objeto remanescente da ACP, na verdade, é afastar aquelas condicionantes veiculadas nas referidas portarias, e não considero que tal desiderato vá interferir, de forma direta, na formulação das políticas econômicas e sociais do governo, seara infensa ao crivo do Judiciário. Trata-se, em verdade, de assegurar concretude à garantia fundamental do direito à saúde, cabendo ao Estado (lato sensu) a obrigação de prover as condições indispensáveis ao seu livre exercício, por meio da "formulação e execução de políticas econômicas e sociais que visem a redução de riscos de doença e de outros agravos e no estabelecimento de condições que assegur; acesso universal e CV Processo n' 2009.8939-0 Fls. 3' Vara Federal/BA Sentença Tipo A Pompeu de Sousa Brasil Juiz Federal Titular igualitário às ações e aos serviços para a sua promoção, proteção e recuperação" (art.2° da Lei 8.080/90). 19. Nesse particular contexto é que se legitima a intervenção judicial, excepcionalmente, na esteira do que vem admitindo o Excelso Pretório. Reitero que não estou a olvidar a limitação de recursos do SUS, decorrente, talvez, de gestão governamental que não prioriza as políticas públicas essenciais, atribuindo mais importãncia a objetivos políticos e/ou formação de superavit primário. Isso, porém, não vai justificar a negação da máxima efetividade da Constituição Federal, que assegura a todos o direito à saúde, carregando o dever correspondente ao Estado. E é compromisso de qualquer juiz, incrito em seu juramento, fazer valer a Constituição e as leis do país. 20. Entender em sentido diverso contrasta o natural reconhecimento de que foi justamente visando o cumprimento do comando contido na Lei Maior - que não tem natureza meramente ornamental - que foi criado o Sistema Único, integrado pelos diversos entes federados e com a missão de assegurar a "integralidade da assistência à saúde. seja individual ou coletiva, devendo atender aos que dela necessitem em qualquer grau de complexidade, de modo que, restando comprovado o acometimento do indivíduo ou de um grupo por determinada moléstia, necessitando de determinado medicamento para debelá-la, este deve ser fornecido, de modo a atender ao princípio maior. que é a garantia da vida digna." (trecho destacado do Acórdão proferido no REsp 200401187914/RS, ReI. Min. LUIZ FUX, publ. in DJ de 30/05/05, p.247). 21. Apreciando ação coletiva sobre tema análogo (dispensação ampla do Trastuzumabe), o ego TRF/I acerca da possibilidade cogitasse a Região empreendeu cuidadosa e profunda análise de intervenção judicial em tais circunstâncias, de se estar ditando políticas públicas. Confira-se extraidos da ementa do julgamento da AC n0457602012401381I, Federal SOUZA PRUDENTE, Quinta Turma, in e-DJFI de:O sem que se os seguintes arestos, sendo relator oDes. 6/2015, p.706: G6/ Processo n° 2009.8939-0 Fls. 3' Vara FederallBA Senlença Tipo A Pompeu de Sousa Brasil Juiz Federal Titular "( ...) Destaque-se, ainda, que na visão jurisprudencial do egrégio Supremo Tribunal Federal, "é certo que não se inclui, ordinariamente, no âmbito das funções institucionais do Poder Judiciário - e nas desta Suprema Corte, em especial - a atribuição de fonnular e de implementar pollticas públicas (JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, "Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976", p. 207, item n. 05, 1987, Almedina, Coimbra), pois. nesse domínio, o encargo reside, primariamente. nos Poderes Legislativo e Executivo. Tal incumbência, no entanto, embora em bases excepcionais, poderá atribuir-se ao Poder Judiciário, se e quando os órgãos estatais competentes, por descumprirem os encargos político-jurídicos que sobre eles incidem, vierem a comprometer, com tal comportamento, a eficácia e a integridade de direitos individuais elou coletivos impregnados de estatura constitucional, ainda que derivados de cláusulas revestidas de conteúdo programático. Cabe assinalar, presente esse contexto - consoante já proclamou esta Suprema Corte - que o caráter programático das regras inscritas no texto da Carta Política "não pode converter-se em promessa constitucional inconseqüente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que detennina a própria Lei Fundamental do Estado" (RTJ 175/1212-1213, ReI. Min. CELSO DE MELLO). Não deixo de conferir, no entanto, assentadas tais premissas, significativo relevo ao tema pertinente à "reserva do possivel" (STEPHEN HOLMES/CASS R. SUNSTEIN, "The Cost of Rights", 1999, Norton, New York), notadamente em sede de efetivação e implementação (sempre onerosas) dos direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais), cujo adimplemento, pelo Poder Público, impõe e exige, deste, prestações estatais positivas concretizadoras de tais prerrogativas individuais elou coletivas. É que a realização dos direitos econômicos, sociais e culturais - além de caracterizar-se pela gradualidade de seu processo de concretização depende, em grande medida, de um inescapável vínculo financeiro subordinado às possibilidades orçamentárias do Estado, de tal modo que, comprovada, objetivamente, a incapacidade econômico~financeira da pessoa estatal, desta não se poderá razoavelmente exigir, considerada a limitação material referida, a imediata efetivação do comando fundado no texto da Carta Politica. Não se mostrará lícito, no entanto, ao Poder Público, em tal hipótese - mediante indevida manipulação de sua atividade financeira elou politico-administrativa - criar obstáculo artificial que revele o ilegitimo, arbitrário e censurável propósito de fraudar, de frustrar e de inviabilizar o estabelecimento e a preservação, em favor da pessoa e dos cidadãos, de condições materiais mínimas de existência. Cumpre advertir, desse modo, que a cláusula da "reserva do possível" - ressalvada a ocorrência de justo motivo objetivamente aferível - não pode ser invocada, pelo Estado, com a finalidade de exonerar-se do cumprimento de suas obrigações constitucionais, notadamente quando, dessa conduta governamental negativa, puder resultar nulificação ou, até mesmo, aniquilação de direitos constitucionais impregnados de um sentido de essencial fundamentalidade. Daí a correta ponderação de ANA PAULA DE BARCELLOS ("A Eficácia Juridica dos Principios Constitucionais", p. 245-246, 2002, Renovar): "Em resumo: a limitação de recursos existe e é uma contingência que não se pode ignorar. O intérprete deverá levá-Ia em conta ao afinnar que algum bem pode ~ ",,"0 J",,"','m,"" .• ,'m ,"mO O m"(Çp' ". Processo n' 2009.8939-0 Fls. 3' Vara FederallBA Sentença Tipo A Pompeu de Sousa Brasil Juiz Federal Titular fornecimento pelo Estado. Por outro lado, não se pode esquecer que a finalidade do Estado ao obter recursos, para, em seguida, gastá-los sob a forma de obras, prestação de serviços, ou qualquer outra politica pública, é exatamente realizar os objetivos fundamentais da Constituição. A meta central das Constituições modernas, e da Carta de 1988 em particular, pode ser resumida, como já exposto, na promoção do bem-estar do homem, cujo ponto de partida está em assegurar as condições de sua própria dignidade, que inclui, além da proteção dos direitos individuais, condições materiais minimas de existência. Ao apurar os elementos fundamentais dessa dignidade (o mínimo existencial), estar-se-ão estabelecendo exatamente os alvos prioritários dos gastos públicos. Apenas depois de atingi-los é que se poderá discutir, relativamente aos recursos remanescentes, em que outros projetos se deverá investir. O mínimo existencial, como se vê, associado ao estabelecimento de prioridades orçamentárias, é capaz de conviver produtivamente com a reserva do possiveL" (grifei) Vê-se, pois, que os condicionamentos impostos, pela cláusula da "reserva do possivel", ao processo de concretização dos direitos de segunda geração - de implantação sempre onerosa -. traduzem-se em um binômio que compreende, de um lado, (I) a razoabilidade da pretensão individual/social deduzida em face do Poder Público e, de outro, (2) a existência de disponibilidade financeira do Estado para tomar efetivas as prestações positivas dele reclamadas. Desnecessário acentuar-se. considerado o encargo governamental de tomar efetiva a aplicação dos direitos econômicos, sociais e culturais, que os elementos componentes do mencionado binômio (razoabilidade da pretensão + disponibilidade financeira do Estado) devem configurar-se de modo afinnativo e em situação de cumulativa ocorrência, pois, ausente qualquer desses elementos, descaracterizar-se-á a possibilidade estatal de realização prática de tais direitos. Não obstante a formulação e a execução de politicas públicas dependam de opções politicas a cargo daqueles que, por delegação popular, receberam investidura em mandato eletivo, cumpre reconhecer que não se revela absoluta, nesse dom in ia, a liberdade de conformação do legislador, nem a de atuação do Poder Executivo. É que, se tais Poderes do Estado agirem de modo irrazoável ou procederem com a clara intenção de neutralizar, comprometendo-a, a eficácia dos direitos sociais, econômicos e culturais, afetando, como decorrência causal de uma injustificável inércia estatal ou de um abusivo comportamento governamental, aquele núcleo intangfvel consubstanciador de um conjunto irredutlvel de condições mínimas necessárias a uma existência digna e essenciais à própria sobrevivência do indivíduo, aí, então, justificar~se-á, como precedentemente já enfatizado - e até mesmo por razões fundadas em um imperativo éticojurfdico -, a possibilidade de intervenção do Poder Judiciário, em ordem a viabilizar, a todos, o acesso aos bens cuja fruição lhes haja sido injustamente recusada pelo Estado. Extremamente pertinentes, a tal propósito, as observações de ANDREAS JOACHIM KRELL ("Direitos Sociais e Controle Judicial no Brasil e na Alemanha", p. 22-23, 2002, Fabris): "A constituição confere ao legislador uma margem substancial de autonomia na definição da forma e medida em que o direito social deve ser assegurado, o chamado 'livre espaço de conformação' ( ...). Num sistema politico pluralista, as normas constitucionais sobre direitos sociais devem ser abertas para receber diversas concretizações consoante as alternativas periodicamente escolhidas pelo eleitorado. A apreciação dos fatores econômicos para uma tomada de decisão quanto às possibilidades e aos meios de efetivação desses direitos cabe, ","","~~.',0_" " .."'"~,~.(êf=/o'k""O em Processo nO2009.8939-0 Fls. 3' Vara FederallBA Sentença Tipo A Pompeu de Sousa Brasil Juiz Federal Titular não deve intervir em esfera reservada a outro Poder para substitui-lo em juízos de conveniência e oportunidade, querendo controlar as opções legislativas de organização e prestação, a não ser, excepcionalmente, quando haja uma violação evidente e arbitrária, pelo legislador, da incumbência constitucional. No entanto, parece-nos cada vez mais necessária a revisão do vetusto dogma da Separação dos Poderes em relação ao controle dos gastos públicos e da prestação dos serviços básicos no Estado Social, visto que os Poderes Legislativo e Executivo no Brasil se mostraram incapazes de garantir um cumprimento racional dos respectivos preceitos constitucionais." (ADPF 45 MC, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, julgado em 29/0412004, publicado em DJ 04/05/2004 PP-00012 RTJ VOL-00200-01 PP-00191) 111Em sendo assim, caracterizada, na espécie, a impossibilidade da autora de arcar com os custos do tratamento de sua doença (câncer de mama), afigurase juridicamente possível o fornecimento do medicamento requerido pelo Poder Público, conforme indicação médica, possibilitando-lhes o exercício do seu direito à vida, à saúde e à assistência médica, como garantia fundamental assegurada em nossa Carta Magna, a sobrepor-se a qualquer outro interesse de cunho politico elou material. Precedentes. IV - No caso em exame, afigura-se correta a condenação dos requeridos ao pagamento de honorários advocaticios no montante fixado, uma vez que foram arbitrados nos termos do ~ 4°, do art. 20, do CPC, com observáncia das normas contidas nas alineas a, b e c do ~ 3° do aludido dispositivo legal. V - Não se conhece da remessa oficial, nos casos em que a sentença monocrática estiver fundada em jurisprudência do plenário do Supremo Tribunal Federal (CPC, art. 475, ~ 3°). VI - Remessa oficial não conhecida e Apelações do Estado de Minas Gerais e da União Federal desprovidas. VIl - Processo julgado na linha da prioridade legal estabelecida no artigo 1.21 l-A do CPC. (AC 00004576020124013811, DESEMBARGADOR FEDERAL SOUZA PRUDENTE, TRFI - QUINTA TURMA, e-DJFI DATA:03/06/2015 p.706)" 23. Pouco há a acrescentar ao julgado acima, que bem enfrenta a quadra da discussão relacionada à possibilidade de intervenção do Judiciário em temas afetos à saúde pública coletiva. 24. Convém rememorar, no vertente estádio desta Fundamentação, que já foi resolvido sobre a angulação subjetiva da lide (legitimação ativa da OPU e dos réus para responderem à ação), reconhecida a adequação e eficácia do Trastuzumabe no uso adjuvante em qualquer fase do tratamento do câncer de mama, com evidências cientificas de que proporciona aumento da sobrevida livre de recidiva de doença, diminuição do risco de metástases e da própria mortalidade, bem como a possibilidade de judicialização do enliço à luz de consistentes precedentes do STF e do ego TRF/l" Processo n°2009.8939-0 Fls. 3 Vara Federal/BA 1 Sentença Tipo A Pompeu de Sousa Brasil Juiz Federal Titular das condicionantes impostas em portarias que não homenageiam os preceitos constitucionais e legais que tutelam o direito à saúde. 25. Não há falar, destarte, em extinção do feito sem julgamento de mérito por ter o medicamento passado a integrar a lista de tratamentos para câncer de mama do SUS, justamente porque as ditas condicionantes ainda restringem dramaticamente o exercício do direito. 26. Por esses dias - em mês que, por coincidência, divulgação do "Outubro Rosa", campanha instituída justamente ocorre maciça para conscientizar a população sobre a importância do diagnóstico precoce para o tratamento do câncer de mama - o Ministro EDSON FACCHIN, do Supremo Tribunal Federal, em decisão liminar, determinou que a USP fornecesse cápsulas de um composto experimental para pacientes com câncer, a Fosjoetalomina, substância, ao que se sabe, não submetida à avaliação da ANVISA e sequer testada em humanos mediante protocolos regulares de pesquisa. Dita decisão deflagrou o revigoramento de liminares de primeiro grau suspensas pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, fomentando, de outro lado, o debate sobre a judicialização da saúde e o custo que isso vem representando para o Estado. 27. Essas digressões, as faço com o propósito de realçar que, no caso presente, com muito mais razão impõe-se assegurar a prestação jurisdicional vindicada, porque não se está tratando de uma panacéia ou poção milagrosa, ou algo etéreo, que costuma ganhar corpo no fluído (e, muitas vezes, irracional) campo das esperanças de quem possui um ente querido em fase terminal, mas de um medicamento de eficácia comprovada, capaz de proporcionar mais chances às pacientes portadoras de câncer, ou, quando menos, melhor qualidade e extensão de sobrevida. 28. E para isso o Poder Público deve ser posto a cobro, proibindo-se que sonegue o direito à vida das mulheres (hipossuficientes) deste Estado da Bahia, que Processon' 2009.8939-0 Fls. 3 Vara FedcralIBA 11 Sentença Tipo A Pompeu de Sousa Brasil Juiz Federal Titular do Trastuzumabe, as irrazoáveis e obscuras condicionantes engendradas pela burocracia oficial por aquelas que, na multiplicidade dos casos concretos, sejam estabelecidas pelos médicos que as acompanham, vinculados às UNACON's (Unidades de Assistência de Alta Complexidade em Oncologia) ou aos CACON's (Centros de Assistência de Alta Complexidade em Oncologia), sob o controle e acompanhamento conclusão que se harmoniza ao opinativo desses profissionais, do Custos Legis lançado em diversas passagens do iter processual. DISPOSITIVO 1. Ante preliminares o exposto, tudo bem visto e examinado, suscitadas pelos réus e julgo parcialmente condenar a UNIÃO FEDERAL, o ESTADO procedente rejeito as a ação, para DA BAHIA e o MUNICÍPIO DE SAL VADOR, solidariamente e na medida de suas competências na gestão tripartite do Sistema Único de Saúde, ao fornecimento amplo e gratuito do fármaco denominado Trastuzumabe (Herceptin), no âmbito do Estado da Bahia, a pacientes de câncer mamário em qualquer fase da doença e que comprovem hipossuficiência na forma da lei, afastadas as condicionantes veiculadas nas Portarias nOs. 18 e 19 da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos (v. fl.507) ou em outros atos restritivos que as tenham sucedido, conforme inequívoca indicação dos médicos responsáveis pelo tratamento, sob o controle e acompanhamento vinculados às UNACON's (Unidades Oncologia) ou aos CACON's desses profissionais, de Assistência (Centros de Assistência que devem ser de Alta Complexidade em de Alta Complexidade em Oncologia) íntegrados ao SUS. O processo é extinto, destarte, com resolução de mérito, nos termos do art.269, I, do Código de Processo Civil. 2. A medida aCIma é deferida mercê de reapreciação também em sede antecipatória, do pleito de igual natureza veiculado na peça de abertura, "j,l"",do-" o ,dmlo"rodo' OS"'" ,Ohlloo=(d:Coj","fi"dO 00 Processo n' 2009.8939-0 Fls. 3' Vara FederallBA Sentença Tipo A Pompeu de Sousa Brasil Juiz Federal Titular descumprimento à multa diária no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), sem prejuizo de cominações por ato atentatório à Justiça (art.14, V, parágrafo único, do CPC) e envio de peças ao Ministério Público para eventual ajuizamento de ação de improbidade, ou ainda, responsabilização no âmbito penal. 3. Sem custas. 4. Honorários sucumbenciais, reais) pro rata, monetariamente fixo-os em R$ 9.000,00 (nove mil atualizados à data do efetivo pagamento, estipulação autorizada pelo 94° do art. 20 do CPC. 5. Duplo grau obrigatório. 6. Dê-se ciência do presente julgamento ao ilustre Desembargador Federal Relator do Agravo de Instrumento noticiado nos autos. 7. POMP Juiz Fed