Sentença na ACP 2009.33.00.008939-0

Propaganda
Processo n' 2009.8939-0
Fls.
3' Vara Feder.I/SA
Sentença Tipo A
Pompeu de Sousa Brasil
Juiz Federal Titular
SENTENÇA
N° 343/2015
PROCESSO
N° 2009.33.00.008939.0
CLASSE: 7100 - AÇÃO CIVIL PÚBLICA
AUTOR: DEFENSORIA
PÚBLICA DA UNIÃO
RÉU: UNIÃO FEDERAL E OUTROS
Vistos, etc ...
1.
Trata-se de Ação Civil Pública ajuizada pela DEFENSORIA
PÚBLICA
FEDERAL,
DA UNIÃO,
regularmente
representada
o ESTADO DA BAHIA e o MUNICÍPIO
nos autos, contra a UNIÃO
DE SALVADOR,
entes de
direito público também representados, tendo requerido o ilustre membro da DPU, em
sede
antecipatória,
fornecimento
a expedição
de ordem
judicial
determinando
"o
imediato
do medicamento Trastuzumabe (Herceptin), nas quantidades necessárias
e que dele necessitarem a todas as pacientes acometidas de câncer de mama no Estado
da Bahia", procedendo-se
a disponibilização
dos fármacos através das "farmácias
mantidas pelo Poder Público", em 24 horas após a intimação da decisão concessiva.
Como provimento
final reclama a consolidação da providência
liminar, tomando-se
permanente o fornecimento do Trastuzumabe às pacientes do SUS que apresentarem o
mesmo diagnóstico.
2.
Verbera a DPU, de início, a sua legitimidade para propor ACP em
favor dos necessitados, lastreada no art.5° da Lei 7.347/85, bem como a legitimidade ad
causam da UNIÃO, do ESTADO DA BAHIA e do MUNICÍPIO DE SALVADOR para
figurarem no pólo passivo da demanda,
instituídos no art. I96 da CF/88.
entes aos quais carregados
os deveres
Processo n° 2009.8939-0
Fls.
3 Vara FederallBA
1
Sentença Tipo A
Pompeu de Sousa Brasil
Juiz Federal Titular
3.
Prossegue explicando que, segundo informações fornecidas pela
Secretaria de Saúde do Estado da Bahia, o medicamento Trastuzurnabe,
comercial é Herceptin, é indicado para o tratamento de portadores(as)
mama (CID C.50) metastático
receptor HER2", em monoterapia
que apresentam
tumores
ou em combinação
cujo nome
de "câncer de
com superexpressão
do
com outros quimioterápicos.
Apesar desse reconhecimento, "há reiterados casos de pedidos de assistência juridica
nesta DPU. informando o não fornecimento do medicamento Herceptin na rede pública
de assistência farmacêutica da Bahia".
4.
Argumenta, referindo a laudos técnicos, que é grande o impacto
positivo da utilização do mencionado remédio - que não encontra similar no mercado,
sendo de alto custo e, à época do ajuizamento, não disponibilizado
pelo SUS - na
qualidade de vida das pessoas que padecem de câncer de mama, observando que o
direito à saúde não se resume ao fornecimento de medicamentos, englobando também o
direito à vida digna, a ser garantido pelo Estado, como determina a norma contida no
art.196 do Texto Maior, de eficácia plena e aplicabilidade imediata.
5.
Aduz que a União, os Estados
e os Municípios
possuem
responsabilidade solidária no que concerne ao Sistema Único de Saúde, concebido para
garantir assistência integral aos cidadãos, de modo individual ou coletivo, e que a
intervenção do Poder Judiciário, na hipótese, não configura ofensa à independência dos
Poderes,
na medida
constitucionais,
em
que
que é justamente
objetiva
assegurar
o cumprimento
o papel que lhe foi atribuído
das
normas
pela Constituição
Federal.
6.
Destarte, realçando que o direito à saúde deve prevalecer "sobre
os interesses financeiros do estado", formulou o pleito antecipatório nos moldes acima,
medida a ser consolidada quando do julgamento final da lide.
7.
G"=~cr=
, 1,101,1
"'
',,="M "
n'.I4I68((r
Processon' 2009.8939-0
Fls.
3' Vara FederallBA
Sentença Tipo A
Pompeu de Sousa Brasil
Juiz Federal Titular
8.
Oportunizada, mercê do Despacho de fl.70, a manifestação prévia
das pessoas jurídicas de direito público demandadas acerca do pleito liminar, bem como
ordenada a intimação do Ministério Público Federal para os fins previstos no art.5°,
da Lei 7.347/85. Determinada
Nacional de Vigilância
ainda, no ensejo, a expedição
Sanitária solicitando informações
9I
0,
de oficio à Agência
sobre o medicamento em
questão, que findaram encartadas às fls. I 75/1 76.
9.
O pronunciamento da UNIÃO repousa às fls.81/88, suscitando a
sua ilegitimidade ad causam, eis que a distribuição de medicamentos se insere dentre as
obrigações do Estado-membro,
e que, nos termos dos arts.17 e 18 da Lei 8.080/90, a
execução dos serviços e ações atribuídos ao Sistema Único de Saúde compete aos
Estados e Municípios.
Alerta que o fornecimento
de remédios obedece a critérios
médicos e que não poderia devassar os limites ditados pelas verbas reservadas para tal
fim, sob pena de descumprimento
da Lei Complementar
101/00. Reclamou
o
indeferimento da antecipação dos efeitos da tutela.
Já o MUNICÍPIO DE SALVADOR manifestou-se às fls.92/103,
10.
também
arguindo
a sua ilegitimidade
passiva,
dada
a abrangência
do pedido
(distribuição do fármaco por todo o Estado da Bahia), além do que, sendo o tratamento
oncológico de "alta complexidade", nos termos dos arts.16 e 17 da Lei 8.080/90, caberia
à União e ao Estado prestá-lo. Quanto ao tema de fundo, pondera que a realização da
saúde, como direito constitucional,
pressupõe
a definição
de políticas
sociais e
econõmicas, a serem implementadas pelo SUS, como "única forma de se garantir a
universalização do acesso à saúde". Destaca que o tratamento oncológico é feito de
acordo com portarias específicas,
em unidades especializadas
e credenciadas
pelo
Sistema Único de Saúde, não havendo "dispensação de medicamentos para câncer fora
dessas unidades", tampouco indícios de que a terapêutica disponibilizada pelo SUS seja
ineficaz, de modo a justificar a intervenção do Poder Judiciário.
Processon' 2009.8939-0
Fls.
r Vara FederalIBA
Sentença Tipo A
Pompeu de Sousa Brasil
Juiz Federal Titular
lI.
O Ministério Público Federal, por meio do pronunciamento
de
fls. I 04/1 06, pôs-se pela concessão da medida antecipatória, não para fornecimento do
medicamento
nas farmácias mantidas pelo Poder Público, como requerido, mas nas
UNACONS (Unidades de Assistência de Alta Complexidade
em Oncologia) ou nos
CACONS (Centros de Assistência de Alta Complexidade em Oncologia), desde que o
paciente seja acompanhado pelos profissionais de saúde lotados em tais serviços.
12.
O ESTADO DA BAHIA quedou-se inerte, confonne certidão de
fl.1 07, porém antecipou contestação ás fls.13 7/148, esclarecendo que o SUS pennite aos
portadores de câncer o acesso universal a tratamento especializado
através de estabelecimentos
de saúde cadastrados
em oncologia,
para este fim (UNACON's
e
CACON's). Explica que portarias do Ministério da Saúde regulam os procedimentos e
autorizações,
inclusive cobertura para o custeio de quimioterapia
câncer de mama, cabendo às unidades credenciadas
incluindo os medicamentos
"APAC-ONCO".
adjuvante para o
fornecer todo o tratamento,
inerentes, sob os preceitos e financiamento
Assim, a dispensação
de medicamentos
antineoplásicos
contexto integral de assistência médica proporcionado pelas UNACON's,
serviços isolados de quimioterapia
credenciados
do sistema
fora do
CACON's e
ao SUS, contraria o princípio da
integralidade assistencial, não dispondo a administração pública de recursos suficientes
para
liberar,
sem
programação
financeira
específica,
pagamentos
a empresas
particulares fabricantes de medicamentos.
13.
Discorre
sobre a "correta
análise
da enunciação
da saúde
enquanto dever do Estado", sustentando que o Sistema Público de Saúde deve fornecer
remédios num contexto de programa social, contemplando a totalidade dos cidadãos, e
não de forma individualizada,
perspectiva que se afasta da supremacia do interesse
público. Enfatiza a discricionariedade do poder público na gestão da saúde e a limitação
de recursos, invocando, por fim, os princípios da separação dos Poderes, da igualdade e
da legalidade estrita, para requerer sejam julgados improcedentes os pedidos autorais.
o
'-
Processo nO 2009.8939-0
Fls.
3 Vara Federal/BA
8
Sentença Tipo A
Pompeu de Sousa Brasil
Juiz Federal Titular
14.
A antecipação pleiteada restou indeferida nos termos da Decisão
de fls. I08/117, desafiada no Agravo de Instrumento reproduzido às fls. 120/127.
15.
As defesas da UNIÃO (fls.154/161, does. às fls.162/172) e do
MUNICÍPIO DE SAL VADOR (fls. I76/197, does. às fls. 198/21 O), sobre vindicarem,
ambas, a improcedência da ação, reiteram, basicamente, os argumentos desfiados em
suas respectivas manifestações prévias.
16.
preliminar
Réplica reiterativa às fls.214/223,
comum (ilegitimidade
rebatendo o questionamento
passiva) e demais argumentos
engendrados
nas
defesas dos três réus.
17.
Instadas as partes sobre o interesse em novas provas, a DPU
requereu a produção
indispensabilidade
de pericia médica e oitiva de testemunha,
do fornecimento
do Trastuzumabe
fim de atestar a
na rede pública de saúde,
protestando ainda pela ulterior juntada de pericias médicas produzidas n'outros feitos
judiciais referidos na peça de abertura (fls.225/226); a UNIÃO nada mais requereu (cota
de fl.227); o ESTADO DA BAHIA e o MUNICÍPIO
DE SALVADOR
deixaram
transcorrer in albis o prazo pertinente (Certidão de fl.234).
18.
O MPF,
em pronunciamento
de
fls.235/236,
opmou
pela
requisição de um "parecer" do Instituto Nacional do Câncer - INCA, elaborado com
base em pesquisa desenvolvida
pelo órgão referente à incorporação,
no SUS, do
medicamento Trastuzumabe.
19.
Deferida a prova documental
pleiteada
(Despacho
de fl.237),
foram as informações do INCA encartadas às fls.244/246, esclarecendo que "o emprego
do anticorpo monoe/onal contra o HER2 (Herceptin - Trastuzumab), já está liberado
há quase dez anos, tanto na doença metastática
'dj''',â, , "",dj''',â,.
pam
(primeira indicação), quanto em
m,Ih",.'comba" m,ma,;('6p
Processon.2009.8939-0
Fls.
a
3 Vara FederalIBA
Sentença Tipo A
Pompeu de Sousa Brasil
Juiz Federal Titular
igual a um centímetro". Adverte a entidade, todavia, que, "para o seu emprego é
necessário que haja o diagnóstico imuno-histoquímico especíjico", bem como avaliação
da condição cardiovascular, "face a sua toxicidade cardiológica". Pontua que, embora
não havendo cobertura do fármaco pelo MS/SUS
(à época), inexiste restrição ao seu
uso.
20.
Respostas das na e lOa Varas aos oficios que lhes foram dirigidos
esclarecem que não foram realizadas perícias nos feitos indagados, afetos àqueles Juízos
(v. fls.247 e 249).
21.
Sobre os novos substratos adunados, dísse o MUNICÍPIO
DE
SALVADOR, às fls.259/26I , acentuando que não é razoável admitir imposição judicial
"em desacordo com a política pública estabelecida", e que não cabe à comuna o
fornecimento de medicação sem cobertura financeira direta. A OPU e a UNIÃO nada
acrescentaram (v. cotas de fls.25l verso e 252 respectivamente),
enquanto o ESTADO
DA BAHIA permaneceu inerte (Certidão de fl.262).
22.
Novo
manifestação
compelindo-se
pronunciamento
de fls. I041106, pondo-se
os demandados
do
Parquet
pela antecipação
a fornecer o medicamento
corrobora
a
dos efeitos
Trastuzumabe
anterior
da tutela,
a todos os
pacientes cuja situação clínica assim o requeira, mas "sob o controle, acompanhamento
e responsabilidade dos centros de atenção oncológica que integram a estrutura do
SUS' (fl.263 e verso).
23.
Indeferida
a prova pericial
consoante
Despacho de fl.264,
admitiu-se, no entanto, a oitiva de profissíonal médico especialista na área, cujo nome
restou declinado pela OPU à fl.279.
24.
O,oo'ogi'
O pólo ativo juntou
C",'" ,••doo0100,,"00"
pareceres
da Sociedade
re',"'rio do Trib,""' d, (~
Brasileira
d, D,"o
de
,,=,
Processo n° 2009.8939-0
Fls.
3' Vara Federal/BA
Sentença Tipo A
Pompeu de Sousa Brasil
Juiz Federal Titular
do tema às fls.279/497,
remanescendo
sobre os quais se manifestou apenas a UNIÃO, à fl.499,
silentes o ESTADO DA BAHIA e o MUNICÍPIO
DE SALVADOR
(Certidão de fl.503).
25.
Já o MPF, às fls.504/506, reitera seus pronunciamentos anteriores
e a "suficiência da manifestação do INCA àjl.244", noticiando, outrossim, a edição das
Portarias nOs I 8 e I 9, de 25/julho/2012,
baixadas
pela Secretaria
de Ciência,
Tecnologia e Insumos Estratégicos, "incorporando o medicamento trastuzumab no
Sistema Único de Saúde para o tratamento do câncer nas duas hipóteses e de acordo
com as condicionantes que fixa". Obtempera, todavia, que a referida incorporação "não
equaciona de forma definitiva o pleito deduzido na presente ação", considerando as
condicionantes impostas para o fornecimento do medicamento, em especial a "redução
do preço". Requereu a juntada das publicações dos referidos atos editados no âmbito do
Ministério da Saúde e de relatórios produzidos pela Comissão Nacional de Incorporação
de Tecnologias no SUS - CONITEC (encartados às fls.507/568).
26.
Franqueada a manifestação das partes, a DPU e a UNIÃO apenas
consignaram ciência à fl.569 verso e 570; o ESTADO DA BAHIA, uma vez mais,
quedou-se inerte (Certidão de fl.635). Já o MUNICÍPIO
arrazoado de fls.605/630,
insistindo no acolhimento
DE SALVADOR juntou o
da prefaciai de ilegitimidade
suscitada em contestação.
27.
A parte autora, reafirmando o interesse na produção de prova oral,
sustentou, às fls.638/642, que a edição das Portarias nOs. 18 e 19/2012, referidas pelo
Parquet, "não esgota o mérito desta Ação Civil Pública", considerando as restrições
para incorporação do Trastuzumabe "apenas para o tratamento do câncer de mama
inicial e do câncer de mama localmente avançado". Observa que o câncer de mama
metastático não foi abrangido, defendendo que o fornecimento do medicamento deve
ocorrer
independentemente
do
estágio
da
doença,
afastando-se,
oo,dki,"~,,, d, redo,ãodopreço,d, 'Mi,," dM'p='''oçil''
~
d
ademais,
J
as
Processo nO 2009.8939-0
Fls.
3 Vara FederallBA
8
Sentença Tipo A
Pompeu de Sousa Brasil
Juiz Federal Titular
ou de que possua o paciente comorbidades compatíveis com expectativa de vida para
além de 5 (cinco) anos. Reitera o pedido inicial, no sentido de garantir o "amplo acesso
ao Trastuzumab, independentemente de qual o estágio ou o prognóstico da doença".
28.
A UNIÃO, opondo-se à oitiva da testemunha indicada pela autora
(por desnecessária), requereu fosse requisitado opinativo do Centro Cochrane do Brasil,
ONG sediada em São Paulo cuja missão institucional é "elaborar, manter e divulgar
revisões
sistemáticas
de ensaios
clínicos
randomizados"
(l1s.654/657,
does. às
I1s.658/66 I).
29.
Sobre a manifestação e pleito da primeira ré, disse a autora às
I1s.663/671 (does. às I1s.673/842), insistindo na oitiva indicada, ao que anuiu o MPF em
pronunciamento de 11.844.
30.
na qual tomado
Designada Audiência de Instrução, realizada em lS/julho/2014,
o depoimento
do profissional
médico
AUGUSTO
CÉSAR DE
ANDRADE MOT A, conforme Termo e midia eletrônica acomodados às I1s.854/857.
31.
Convertidos os debates em entrega de memoriais, vieram estes às
I1s.860/877 (MUNICÍPIO DE SALVADOR), 879/883 (DPU), 886/890 verso (UNIÃO)
e 892/897 (ESTADO DA BAHIA), mantendo as partes a essência de seus discursos, a
exemplo do Custos Legis que, em derradeiro pronunciamento
reconhecimento
de 11.399, opinou pelo
da procedência da ação. Tornaram os autos, enfim, conclusos para
julgamento.
É, no que mais interessa, o RELATÓRIO.
Processo n' 2009.8939-0
Fls.
3' Vara FederallBA
Sentença Tipo A
Pompeu de Sousa Brasil
Juiz Federal Titular
FUNDAMENTAÇÃO
1.
propositura
A questão da legitimidade da Defensoria Pública da União para a
da presente
ACP já foi enfrentada
quando da apreciação
do pleito
antecipatório, d'onde recorto, aderindo ao quanto ali definido a respeito:
"Em ações civis públicas que me foram anteriormente distribuídas e nas quais a
Defensoria Pública da União figurava como autora, perfilhei de entendimento
no sentido de que, a despeito da legitimidade que lhe foi conferida pelo artigo
5', inciso II da Lei n. 7.347/85, a sua atuação não poderia ocorrer de forma
dissociada da sua função institucional, voltada, consoante exsurge do artigo
134 da Carta Magna de 1988, à "orientação juridica e a defesa, em todos os
graus, dos necessitados, na forma do art. 5°, LXXIV".
Bem de ver, o artigo I' da Lei Complementar
n. 80/94, que organiza a
Defensoria Pública da União, dentre outras providências, enuncia em seu artigo
10 in verbis:
'Ar/. J o A Dejênsoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do
Estado, incumbindo-/he prestar assistência jurídica, Judicial e extrajudicial.
integral e gratuita, aos necessitados. assim considerados na/arma da lei'.
Em outros termos, significa dizer que, embora recente alteração legislativa
introduzida na Lei n. 7.347/85 pela Lei n. 11.448/07 tenha incluido a
Defensoria Pública no rol dos legitimados a ajuizar ação civil pública, tal
prerrogativa não autoriza que se deduza, nesta sede, toda e qualquer tipo de
pretensão, mas tão-somente aquelas direcionadas à proteção das pessoas
hipossuficientes.
Na hipótese posta para exame, conforme já restou mencionado acima, a
pretensão autoral recai no fornecimento pelo SUS (Sistema Único de Saúde) de
medicamento específico, destinado ao tratamento do câncer de mama.
Como sabido, a Saúde, ao lado da Previdência Social e da Assistência Social,
integram a Seguridade Social, "conjunto integrado de ações de iniciativa dos
Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à
saúde, à previdência e à assistência social" (artigo t 94 da Carta Magna de
1988).
Diversamente
do que ocorre com
a Previdência
Social,
de caráter
essencialmente contributivo, a lTuição dos serviços prestados pelo Estado no
âmbito da Saúde prescinde de contraprestação do respectivo usuário, que
sequer precisa fazer qualquer comprovação acerca da sua efetiva necessidade
ou ainda de eventual hipossuficiência financeira.
A despeito disso, encerra fato público e notório a circunstância de que os
serviços a cargo do SUS (Sistema Único de Saúde) no Brasil - pais que ainda
não consegue oferecer à sua população, como um todo, de forma gratuita e
eficaz, serviços básicos, como saúde e educação
-, se destinam
primordialmente à população de baixa renda, que não possui qualquer condição
de contar com assistência médica privada, abrangendo, ainda, extensa, senão a
maior parte, dos atendimentos prestados pelos estabelecimentos de saúde.
Nessa seara, dados colhidos do si/e do IBGE - Fundação Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatlstica (www.ibge.gov.br).
pertinentes ao ano de 2005,
evidenciam a presença de 54.6 t 8 (cinquenta e quatro mil seiscentos e dezoito)
estabelecimentos de saúde, no Brasil, financiados pelo SUS contra pouco mais
de 30.000 (trinta mil) de natureza particular.
Processo n' 2009.8939-0
Fls.
3' Vara FederallBA
Sentença Tipo A
Pompeu de Sousa Brasil
Juiz Federal Titular
Os dados pertinentes ao Censo Demográfico do ano 2000 testificam, além
disso, que o rendimento mensal médio da ocupação principal das pessoas ativas
com dez ou mais anos de idade gira em tomo aproximadamente de R$628,18
(seiscentos e vinte e oito reais e dezoito centavos).
Diante de tal quadro, caracterizado por uma distribuição de renda bastante
desigual, o SUS exsurge como a alternativa, senão a única opção destinada à
população de baixa renda, no que toca à fruição dos serviços de assistência à
saúde, de um modo geral.
Sendo assim, congregando o SUS, em sua essência, o atendimento à população
mais carente de recursos. o que se coaduna com as finalidades institucionais da
Defensoria
Pública da União, admito, em face das peculiaridades
do caso
concreto e com vistas, inclusive, a não infirmar o amplo espectro de proteção
inerente à tutela coletiva, a sua pertinência subjetiva na demanda em tela.
2.
Quanto à legitimidade passiva das pessoas de direito público que
integram os três níveis da Federação, objeto de preliminares eriçadas tanto pela UNIÃO
como pelo MUNICÍPIO DE SALVADOR, não vicejam tais questionamentos, posto que
a responsabilidade
dos entes integrantes
das três esferas do Poder, seja para o
fornecimento de insumos, seja para o custeio de tratamento médico, deriva da atribuição
de competência comum em matéria de direito à saúde, consagrada no art.24, XII, da
Constituição Federal, bem assim da responsabilidade que lhes é atribuída nos termos do
art. I 98, I, da Charla, ao estabelecer a gestão tripartite do Sistema Único de Saúde SUS. Não é outra a orientação do colendo STJ, senão repare-se:
ADMINISTRATIVO. Fo.RNEClMENTO DE MEDICAMENTo.S. o.BRIGAÇÃo.
DA UNIÃO., ESTADo.S, MUNICÍPIOS E DISTRITO FEDERAL.
So.LlDARIEDADE Do.S ENTES FEDERATIVo.S. DIREITO À VIDA E À
SAÚDE. Co.MPRo.VAÇÃo. DE NECESSIDADE DO. MEDICAMENTO.
SÚMULA 7/STJ. I. É assellte o elllelldimellto de que a Saúde Pública
COIlSlIbstallcia direito fundamental do homem e dever do Poder Público,
expressão que abarca a União, os Estados-membros, o Distrito Federal e os
MUllicfpios, todos em conjunto. Nesse sentido, dispõem os arts. 2° e 4° da Lei
11. 8.080/1990. 2. Assim, o fimciollamellto do Sistema Úllico de Saúde é de
respollsabilidade solidária da Ullião, do Estados e tios MUllicfpios. Dessa
forma, qualquer um destes entes tem legitimidade ad causam para figurar 110
polo passivo da demallda, 3. A alegação de que a parte autora IIão
comprovou, através de perícia a necessidade
de fornecimento
dos
medicamentos não pode ser aferida nesta Corte, pois esbarra no óbice da
Súmula 7/STJ.Agravo regimelltal improvido.
(AGARESP 201303577811, Segunda Turma, Relator Ministro HUMBERTO
MARTINS, DJE de 10/02/2014)
PRo.CESSUAL CIVIL. AGRA Vo. REGIMENTAL. Fo.RNECIMENTO DE
MEDICAMENTOS. SUS. o.BRIGAÇÃo. DE FAZER. LEGITIMIDADE
PASSIVA DA UNIÃO.,DO.ESTADO.E DO.MUNiCíPio. PRECEDENTES. I.
Agravo
regimental
contra decisão
que negou provimento
a agravo
de
Processo n' 2009.8939-0
)11
Fls.
Vara FederallBA
Sentença Tipo A
Pompeu de Sousa Brasil
Juiz Federal Titular
instrumento. 2. O acórdão a quo determinou à União fornecer ao recorrido o
medicamento postulado. tendo em vista a sua legitimidade para figurar no
pólo passivo da ação. 3. A CFlI988 erige a saúde como um direito de todos e
dever do Estado (art. 196). Dal, a seguillte cOllclusão: é obrigação do Estado,
lia smtido gellérlco (Ullião, Estados, Distrito Federal e MUlliclpios),
assegurar às pessoas desprovidas de recursos jillanceiros o acesso à
medicação necessária para a cura de suas mazelas, em especial, as mais
graves. Selldo o SUS composto pela Ullião, Estados e MUlliclpios, impõe-se a
solidariedade dos três elites federativos lia pólo passivo da demallda. 4.
Agravo regimental IIão-provido.
(AGA 200700312404, Primeira Turma, Relator Ministro JOSÉ DELGADO,
DJ de 30/08/2007) (destaques nossos).
Como visto, a jurisprudência
3.
não tem feito distinção entre as
pessoas políticas que integram a Federação no que refere ás ações em que se pleiteia o
fornecimento de medicamentos,
entendimento ao qual adiro para assentar que União
Federal, Estados e Municípios devem remanescer no pólo passivo.
4.
Aliás,
a propósito
do particular
questionamento
feito pelo
MUNICÍPIO DE SALVADOR, acusando o descabimento de ver-se compelido a prestar
medicamentos
a cidadãos dos demais municípios
do Brasil no caso de eventual
reconhecimento da procedência dos pedidos, é certo que, mesmo em tal hipótese, sua
responsabilidade
é delimitada ao âmbito da respectiva abrangência territorial e no que
for típico de sua participação nas unidades de atendimento aos pacientes de câncer já
existentes no SUS.
Superadas as objeções relacionadas á composição dos pólos da
5.
lide, resta desimpedido o avanço sobre o tema de fundo.
6.
Cumpre fixar, de logo, que não remanescem dúvidas acerca da
eficácia, segurança e adequação do Trastuzumabe para o tratamento do câncer de mama,
questão que restou incontroversa, sobretudo, a partir da edição das Portarias nOs 18 e
19, de 25/julho/2012,
Estratégicos,
baixadas pela Secretaria de Ciência, Tecnologia
reproduzidas
e Insumos
á !l.507, "incorporando o medicamento trastuzumab no
Processon' 2009.8939-0
Fls.
3 Vara Federal/BA
1
Sentença Tipo A
Pompeu de Sousa Brasil
Juiz Federal Titular
Sistema Único de Saúde para o tratamento do câncer nas duas hipóteses e de acordo
com as condicionantes quefixa".
7.
Antes mesmo da incorporação do fármaco aos protocolos do SUS,
os pareceres da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica e relatório do Tribunal de
Contas da União de fls.280/497, bem assim, o parecer requisitado ao Instituto Nacional
de Câncer - INCA (fls.243/246), já corroboravam o discurso vestibular, alicerçando a
premissa construida
acima, o que também fizeram os relatórios
produzidos
pela
Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS - CONITEC encartados ás
fls.508/568.
8.
O profissional
Oncologista AUGUSTO
médico ouvido em Juízo a pedido da OPU,
CÉSAR DE ANDRADE MOTA, com a credencial de ser
profundo conhecedor da matéria e ter participado da Diretoria Nacional da Sociedade
Brasileira de Oncologia Clínica - SBOC, não variou das conclusões acima, explicando
que a molécula contida na droga em comento bloqueia uma via de sinalização celular
importante para que as células tumorais continuem proliferando, o que acontece em
qualquer das fases da doença, e não apenas no câncer inicial ou localizado. Assim, "não
há dúvida de que esse medicamento deve ser incorporado no manuseio das pacientes
com câncer de mama que expressam a proteína HER2. alvejada pela molécula" (v.
mídia eletrônica encartada à fl.857).
9.
Inquirido pelo Juízo de forma exaustiva, bem assim por todos os
representantes das partes e membro do MPF, não se furtou o reputado profissional de
esclarecer
ainda que, hoje em dia, cuidados
paliativos
são oferecidos
desde o
diagnóstico, não mais constituindo, tais cuidados, apenas medidas de conforto para o
paciente em estado terminal. Questionado pelo ESTADO DA BAHIA, reconheceu ser
possível paliar pacientes metastáticos só com quimioterapia, asseverando, porém, que a
incorporação de moléculas que bloqueiam a referida via de sinalização ("via HER2")
Processon' 2009.8939-0
Fls.
3 Vara FederalIBA
1
Sentença Tipo A
Pompeu de Sousa Brasil
Juiz Federal Titular
10.
Especificamente
quanto
às condicionantes
engendradas
nas
portarias que incorporaram o Trastuzumabe ao SUS, igualmente admitiu os riscos para
o tratamento de pacientes com insuficiência cardíaca, pontuando, todavia, que apesar da
toxicidade proibitiva receada no início, cardiologistas e oncologistas criaram protocolo
de monitoramento
da função cardíaca - como a necessidade
de ecocardiograma
reduzindo a 2,3% a incidência de casos em que essa toxicidade
-,
inviabilizaria
o
tratamento. De referência à necessidade de apresentação em 60 e 150 mg, explicou que
o fármaco possui estabilidade de 28 dias após aberto o frasco. Desse modo, o que sobra
da ampola de 440 mg (padrão atual) pode ser disponibilizado
a outra paciente,
concluindo ser baixíssima possibilidade de desperdício. Advertiu que os medicamentos
quimioterápicos
aNCa
fornecidos pelo SUS para câncer metastático
- governo disponibiliza
equilíbrio
econômico-financeiro
cancerígenas
valor fixo, exigindo-se,
-
pelo sistema APAC-
assim, a manutenção
"são complementares", agindo
que já estão se dividindo,
e não substituem
nas
do
células
o Trastuzumabe,
que,
diferentemente da quimioterapia convencional, constitui via de sinalização que impede
o início da divisão celular (bloqueio).
lI.
Por fim explicou,
quando
indagado
pela Representação
da
UNIÃO, que existem outros medicamentos de atuação semelhante à da molécula em
análise, como o Lapatinibe e o Pertuzumabe (de custo elevado), sendo que, para melhor
resultado, a via de acesso celular deve ser bloqueada por dois mecanismos diferentes: o
próprio Trastuzumabe e outro.
12.
relativizadas
Trastuzumabe
De tudo se extrai que as tais condicionantes
sob a ótica
da apreciação
técnica,
justificando-se
em pacientes com câncer inicial ou localizado,
são fortemente
o emprego
do
mas igualmente em
pacientes metastáticos, mostrando-se vulnerável também a condicionante assentada em
suposta "redução do custo" a partir da alteração da apresentação
diferentes (60 e 150 mg).
em miligramas
(cv'
Processo n' 2009.8939-0
Fls.
3' Vara Federal/BA
Sentença Tipo A
Pompeu de Sousa Brasil
Juiz Federal Titular
13.
Como amplamente
sabido, o STF admite a possibilidade
de
questionamento judicial da negativa estatal de fornecimento de drogas terapêuticas, até
mesmo quando diversas das que previstas nos protocolos
clínicos do SUS para
tratamento de determinadas doenças, como se destaca, a exemplificar, trecho da decisão
do Ministro
GILMAR
MENDES,
então Presidente
da Corte, no julgamento
da
Suspensão de Tutela Antecipada nO 244 (DJE de 23/09/2009), verbis:
(...). Essa conclusão não afasta, contudo, a possibilidade de o Poder
Judiciário, ou de a própria Administração, decidir que medida diferente da
custeada pelo SUS deve ser fornecida a determinada pessoa que, por razões
específicas do seu organismo. comprove que o tratamento fornecido não é
eficaz no seu caso. Inclusive, como ressaltado pelo próprio Minislro da
Saúde na Audiência Pública, há necessidade de revisão periódica dos
protocolos existentes e de elaboração de novos protocolos. Assim, não se
pode afirmar que os Protocolos Clinicas e Diretrizes Terapêuticas do SUS
são inquestionáveis. o que permite sua contestação Judicial (...).
14.
Com efeito, a Carta Política consagra a saúde como direito
fundamental, qualificado, em seu art. 6°, também como direito social. Seguindo essa
diretriz, o art. I 96 proclama ser a saúde " ... direito de todos e dever do Estado. garantido
mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doenças e de
outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para a sua
promoção. proteção e recuperação".
15.
Pois bem, dentre os serviços e beneficios prestados no âmbito da
Saúde encontra-se a assistência farmacêutica, mercê do art.6°, I, "ti", da Lei 8.080/90,
que expressamente inclui, no campo de atuação do Sistema Único de Saúde, a execução
de ações de assistência terapêutica integral. A Política Nacional de Medicamentos e
Assistência Farmacêutica é parte integrante da Política Nacional de Saúde, possuindo o
escopo de garantir a todos o acesso aos medicamentos necessários, seja interferindo em
preços, seja fornecendo gratuitamente as drogas de acordo com as necessidades dos
pacientes.
Processo n' 2009.8939.0
Fls.
)' Vara Federal/BA
Sentença Tipo A
Pompeu de Sousa Brasil
Juiz Federal Titular
16.
Há que se considerar, outrossim, na avaliação de pedido voltado à
disponibilização
ampla do Trastuzumabe - quando do ajuizamento da presente ACP,
ainda nas águas de 2009, não constava o fármaco das listas de medicamentos
estabelecidas pelo Sistema Único de Saúde, o que só foi acontecer a partir de 2012, após
a edição das multicitadas Portarias nOs. 18 e 19 da Secretaria de Ciência, Tecnologia e
Insumos Estratégicos (v. fl.507) -, as consequências que a medida requerida causa no
sistema, uma vez que os recursos do SUS são, notoriamente, escassos.
17.
A despeito disso, o Excelso Pretório tem decidido que, tratando-se
de individuo hipossuficiente
- como devem ser os destinatários da medida pleiteada
pela Defensoria Pública sob pena de faltar ao Órgão legitimidade para assim postular -,
é obrigação do Estado o fornecimento da medicação necessária ao seu tratamento.
Assim deliberou no julgamento do AI-AgR n. 663.377/RS (in DJ de 23/11/2007), tendo
prevalecido o entendimento,
constassem
segurança
do
em tal hipótese, de que, embora os medicamentos
"Programa de Medicamentos Excepcionais", teriam
e efeito terapêutico
atestados em razão da obtenção
não
qualidade,
de registro como
medicamento genérico junto à Agência Nacional de Vigilância Sanitária, devendo ser
prestados a pacientes que não têm condições de arcar com os custos do tratamento
contínuo.
18.
Sequer é o caso do Trastuzumabe,
que, como visto, já foi
incorporado em esquemas terapêuticos avalizados e custeados pelo SUS. O que falta,
como objeto remanescente
da ACP, na verdade, é afastar aquelas condicionantes
veiculadas nas referidas portarias, e não considero que tal desiderato vá interferir, de
forma direta, na formulação das políticas econômicas
e sociais do governo, seara
infensa ao crivo do Judiciário. Trata-se, em verdade, de assegurar concretude à garantia
fundamental do direito à saúde, cabendo ao Estado (lato sensu) a obrigação de prover as
condições indispensáveis ao seu livre exercício, por meio da "formulação e execução de
políticas econômicas e sociais que visem a redução de riscos de doença e de outros
agravos e no estabelecimento de condições que assegur;
acesso universal e
CV
Processo n' 2009.8939-0
Fls.
3' Vara Federal/BA
Sentença Tipo A
Pompeu de Sousa Brasil
Juiz Federal Titular
igualitário às ações e aos serviços para a sua promoção, proteção e recuperação"
(art.2° da Lei 8.080/90).
19.
Nesse particular contexto é que se legitima a intervenção judicial,
excepcionalmente,
na esteira do que vem admitindo o Excelso Pretório.
Reitero
que
não estou a olvidar a limitação de recursos do SUS, decorrente, talvez, de gestão
governamental
que não prioriza as políticas públicas
essenciais,
atribuindo
mais
importãncia a objetivos políticos e/ou formação de superavit primário. Isso, porém, não
vai justificar a negação da máxima efetividade da Constituição Federal, que assegura a
todos o direito à saúde, carregando o dever correspondente ao Estado. E é compromisso
de qualquer juiz, incrito em seu juramento, fazer valer a Constituição e as leis do país.
20.
Entender em sentido diverso contrasta o natural reconhecimento
de que foi justamente visando o cumprimento do comando contido na Lei Maior - que
não tem natureza meramente ornamental - que foi criado o Sistema Único, integrado
pelos diversos entes federados e com a missão de assegurar
a "integralidade da
assistência à saúde. seja individual ou coletiva, devendo atender aos que dela
necessitem em qualquer grau de complexidade, de modo que, restando comprovado o
acometimento do indivíduo ou de um grupo por determinada moléstia, necessitando de
determinado medicamento para debelá-la, este deve ser fornecido, de modo a atender
ao princípio maior. que é a garantia da vida digna." (trecho destacado do Acórdão
proferido no REsp 200401187914/RS,
ReI. Min. LUIZ FUX, publ. in DJ de 30/05/05,
p.247).
21.
Apreciando ação coletiva sobre tema análogo (dispensação ampla
do Trastuzumabe),
o ego TRF/I
acerca da possibilidade
cogitasse
a
Região empreendeu
cuidadosa e profunda análise
de intervenção judicial em tais circunstâncias,
de se estar ditando políticas públicas.
Confira-se
extraidos da ementa do julgamento da AC n0457602012401381I,
Federal SOUZA PRUDENTE,
Quinta Turma, in e-DJFI de:O
sem que se
os seguintes arestos,
sendo relator oDes.
6/2015, p.706:
G6/
Processo n° 2009.8939-0
Fls.
3' Vara FederallBA
Senlença Tipo A
Pompeu de Sousa Brasil
Juiz Federal Titular
"( ...)
Destaque-se,
ainda, que na visão jurisprudencial
do egrégio
Supremo
Tribunal Federal, "é certo que não se inclui, ordinariamente, no âmbito das
funções institucionais do Poder Judiciário - e nas desta Suprema Corte, em
especial - a atribuição de fonnular e de implementar pollticas públicas (JOSÉ
CARLOS VIEIRA DE ANDRADE,
"Os Direitos Fundamentais
na
Constituição Portuguesa de 1976", p. 207, item n. 05, 1987, Almedina,
Coimbra), pois. nesse domínio, o encargo reside, primariamente. nos Poderes
Legislativo e Executivo. Tal incumbência, no entanto, embora em bases
excepcionais, poderá atribuir-se ao Poder Judiciário, se e quando os órgãos
estatais competentes, por descumprirem os encargos político-jurídicos que
sobre eles incidem, vierem a comprometer, com tal comportamento, a
eficácia e a integridade de direitos individuais elou coletivos impregnados de
estatura constitucional, ainda que derivados de cláusulas revestidas de
conteúdo programático. Cabe assinalar, presente esse contexto - consoante já
proclamou esta Suprema Corte - que o caráter programático das regras
inscritas no texto da Carta Política "não pode converter-se em promessa
constitucional inconseqüente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas
expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira
ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto
irresponsável de infidelidade governamental ao que detennina a própria Lei
Fundamental do Estado" (RTJ 175/1212-1213, ReI. Min. CELSO DE
MELLO). Não deixo de conferir, no entanto, assentadas tais premissas,
significativo relevo ao tema pertinente à "reserva do possivel" (STEPHEN
HOLMES/CASS R. SUNSTEIN, "The Cost of Rights", 1999, Norton, New
York), notadamente em sede de efetivação e implementação (sempre
onerosas) dos direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e
culturais), cujo adimplemento, pelo Poder Público, impõe e exige, deste,
prestações estatais positivas concretizadoras de tais prerrogativas individuais
elou coletivas. É que a realização dos direitos econômicos, sociais e culturais
- além de caracterizar-se pela gradualidade de seu processo de concretização depende, em grande medida, de um inescapável vínculo financeiro
subordinado às possibilidades orçamentárias do Estado, de tal modo que,
comprovada, objetivamente, a incapacidade econômico~financeira da pessoa
estatal, desta não se poderá razoavelmente exigir, considerada a limitação
material referida, a imediata efetivação do comando fundado no texto da
Carta Politica. Não se mostrará lícito, no entanto, ao Poder Público, em tal
hipótese - mediante indevida manipulação de sua atividade financeira elou
politico-administrativa
- criar obstáculo artificial que revele o ilegitimo,
arbitrário e censurável propósito de fraudar, de frustrar e de inviabilizar o
estabelecimento e a preservação, em favor da pessoa e dos cidadãos, de
condições materiais mínimas de existência. Cumpre advertir, desse modo,
que a cláusula da "reserva do possível" - ressalvada a ocorrência de justo
motivo objetivamente aferível - não pode ser invocada, pelo Estado, com a
finalidade
de exonerar-se
do cumprimento
de suas obrigações
constitucionais, notadamente quando, dessa conduta governamental negativa,
puder resultar nulificação ou, até mesmo, aniquilação
de direitos
constitucionais impregnados de um sentido de essencial fundamentalidade.
Daí a correta ponderação de ANA PAULA DE BARCELLOS ("A Eficácia
Juridica dos Principios Constitucionais", p. 245-246, 2002, Renovar): "Em
resumo: a limitação de recursos existe e é uma contingência que não se pode
ignorar. O intérprete deverá levá-Ia em conta ao afinnar que algum bem pode
~ ",,"0 J",,"','m,"" .•
,'m ,"mO O
m"(Çp' ".
Processo n' 2009.8939-0
Fls.
3' Vara FederallBA
Sentença Tipo A
Pompeu de Sousa Brasil
Juiz Federal Titular
fornecimento pelo Estado. Por outro lado, não se pode esquecer que a
finalidade do Estado ao obter recursos, para, em seguida, gastá-los sob a
forma de obras, prestação de serviços, ou qualquer outra politica pública, é
exatamente realizar os objetivos fundamentais da Constituição. A meta
central das Constituições modernas, e da Carta de 1988 em particular, pode
ser resumida, como já exposto, na promoção do bem-estar do homem, cujo
ponto de partida está em assegurar as condições de sua própria dignidade,
que inclui, além da proteção dos direitos individuais, condições materiais
minimas de existência. Ao apurar os elementos fundamentais dessa dignidade
(o mínimo existencial), estar-se-ão estabelecendo exatamente os alvos
prioritários dos gastos públicos. Apenas depois de atingi-los é que se poderá
discutir, relativamente aos recursos remanescentes, em que outros projetos se
deverá investir. O mínimo existencial, como se vê, associado ao
estabelecimento
de prioridades
orçamentárias,
é capaz de conviver
produtivamente com a reserva do possiveL" (grifei) Vê-se, pois, que os
condicionamentos impostos, pela cláusula da "reserva do possivel", ao
processo de concretização dos direitos de segunda geração - de implantação
sempre onerosa -. traduzem-se em um binômio que compreende, de um lado,
(I) a razoabilidade da pretensão individual/social deduzida em face do Poder
Público e, de outro, (2) a existência de disponibilidade financeira do Estado
para tomar efetivas as prestações positivas dele reclamadas. Desnecessário
acentuar-se. considerado o encargo governamental de tomar efetiva a
aplicação dos direitos econômicos, sociais e culturais, que os elementos
componentes do mencionado binômio (razoabilidade
da pretensão +
disponibilidade
financeira do Estado) devem configurar-se
de modo
afinnativo e em situação de cumulativa ocorrência, pois, ausente qualquer
desses elementos, descaracterizar-se-á a possibilidade estatal de realização
prática de tais direitos. Não obstante a formulação e a execução de politicas
públicas dependam de opções politicas a cargo daqueles que, por delegação
popular, receberam investidura em mandato eletivo, cumpre reconhecer que
não se revela absoluta, nesse dom in ia, a liberdade de conformação do
legislador, nem a de atuação do Poder Executivo. É que, se tais Poderes do
Estado agirem de modo irrazoável ou procederem com a clara intenção de
neutralizar, comprometendo-a, a eficácia dos direitos sociais, econômicos e
culturais, afetando, como decorrência causal de uma injustificável inércia
estatal ou de um abusivo comportamento governamental, aquele núcleo
intangfvel consubstanciador
de um conjunto irredutlvel de condições
mínimas necessárias a uma existência digna e essenciais à própria
sobrevivência do indivíduo, aí, então, justificar~se-á, como precedentemente
já enfatizado - e até mesmo por razões fundadas em um imperativo éticojurfdico -, a possibilidade de intervenção do Poder Judiciário, em ordem a
viabilizar, a todos, o acesso aos bens cuja fruição lhes haja sido injustamente
recusada pelo Estado. Extremamente pertinentes, a tal propósito, as
observações de ANDREAS JOACHIM KRELL ("Direitos Sociais e Controle
Judicial no Brasil e na Alemanha", p. 22-23, 2002, Fabris): "A constituição
confere ao legislador uma margem substancial de autonomia na definição da
forma e medida em que o direito social deve ser assegurado, o chamado 'livre
espaço de conformação' ( ...). Num sistema politico pluralista, as normas
constitucionais sobre direitos sociais devem ser abertas para receber diversas
concretizações consoante as alternativas periodicamente escolhidas pelo
eleitorado. A apreciação dos fatores econômicos para uma tomada de decisão
quanto às possibilidades e aos meios de efetivação desses direitos cabe,
","","~~.',0_"
" .."'"~,~.(êf=/o'k""O
em
Processo nO2009.8939-0
Fls.
3' Vara FederallBA
Sentença Tipo A
Pompeu de Sousa Brasil
Juiz Federal Titular
não deve intervir em esfera reservada a outro Poder para substitui-lo em
juízos de conveniência e oportunidade, querendo controlar as opções
legislativas de organização e prestação, a não ser, excepcionalmente, quando
haja uma violação evidente e arbitrária, pelo legislador, da incumbência
constitucional. No entanto, parece-nos cada vez mais necessária a revisão do
vetusto dogma da Separação dos Poderes em relação ao controle dos gastos
públicos e da prestação dos serviços básicos no Estado Social, visto que os
Poderes Legislativo e Executivo no Brasil se mostraram incapazes de garantir
um cumprimento racional dos respectivos preceitos constitucionais." (ADPF
45 MC, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, julgado em 29/0412004,
publicado em DJ 04/05/2004 PP-00012 RTJ VOL-00200-01 PP-00191) 111Em sendo assim, caracterizada, na espécie, a impossibilidade da autora de
arcar com os custos do tratamento de sua doença (câncer de mama), afigurase juridicamente possível o fornecimento do medicamento requerido pelo
Poder Público, conforme indicação médica, possibilitando-lhes o exercício do
seu direito à vida, à saúde e à assistência médica, como garantia fundamental
assegurada em nossa Carta Magna, a sobrepor-se a qualquer outro interesse
de cunho politico elou material. Precedentes. IV - No caso em exame,
afigura-se correta a condenação dos requeridos ao pagamento de honorários
advocaticios no montante fixado, uma vez que foram arbitrados nos termos
do ~ 4°, do art. 20, do CPC, com observáncia das normas contidas nas alineas
a, b e c do ~ 3° do aludido dispositivo legal. V - Não se conhece da remessa
oficial, nos casos em que a sentença monocrática estiver fundada em
jurisprudência do plenário do Supremo Tribunal Federal (CPC, art. 475, ~
3°). VI - Remessa oficial não conhecida e Apelações do Estado de Minas
Gerais e da União Federal desprovidas. VIl - Processo julgado na linha da
prioridade
legal
estabelecida
no
artigo
1.21 l-A
do
CPC.
(AC 00004576020124013811,
DESEMBARGADOR
FEDERAL SOUZA
PRUDENTE, TRFI - QUINTA TURMA, e-DJFI DATA:03/06/2015 p.706)"
23.
Pouco há a acrescentar ao julgado acima, que bem enfrenta a
quadra da discussão relacionada à possibilidade de intervenção do Judiciário em temas
afetos à saúde pública coletiva.
24.
Convém rememorar, no vertente estádio desta Fundamentação,
que já foi resolvido sobre a angulação subjetiva da lide (legitimação ativa da OPU e dos
réus para responderem à ação), reconhecida a adequação e eficácia do Trastuzumabe no
uso adjuvante em qualquer fase do tratamento do câncer de mama, com evidências
cientificas de que proporciona
aumento da sobrevida livre de recidiva de doença,
diminuição do risco de metástases e da própria mortalidade, bem como a possibilidade
de judicialização
do enliço à luz de consistentes precedentes do STF e do ego TRF/l"
Processo n°2009.8939-0
Fls.
3 Vara Federal/BA
1
Sentença Tipo A
Pompeu de Sousa Brasil
Juiz Federal Titular
das condicionantes
impostas
em portarias
que não homenageiam
os preceitos
constitucionais e legais que tutelam o direito à saúde.
25.
Não há falar, destarte, em extinção do feito sem julgamento de
mérito por ter o medicamento passado a integrar a lista de tratamentos para câncer de
mama
do
SUS,
justamente
porque
as ditas
condicionantes
ainda
restringem
dramaticamente o exercício do direito.
26.
Por esses dias - em mês que, por coincidência,
divulgação do "Outubro Rosa", campanha instituída justamente
ocorre maciça
para conscientizar a
população sobre a importância do diagnóstico precoce para o tratamento do câncer de
mama - o Ministro EDSON FACCHIN, do Supremo Tribunal Federal, em decisão
liminar, determinou que a USP fornecesse cápsulas de um composto experimental para
pacientes com câncer, a Fosjoetalomina, substância, ao que se sabe, não submetida à
avaliação da ANVISA e sequer testada em humanos mediante protocolos regulares de
pesquisa.
Dita decisão deflagrou o revigoramento
de liminares de primeiro grau
suspensas pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, fomentando, de outro lado, o debate
sobre a judicialização da saúde e o custo que isso vem representando para o Estado.
27.
Essas digressões, as faço com o propósito de realçar que, no caso
presente, com muito mais razão impõe-se assegurar a prestação jurisdicional vindicada,
porque não se está tratando de uma panacéia ou poção milagrosa, ou algo etéreo, que
costuma ganhar corpo no fluído (e, muitas vezes, irracional) campo das esperanças de
quem possui um ente querido em fase terminal, mas de um medicamento de eficácia
comprovada, capaz de proporcionar mais chances às pacientes portadoras de câncer, ou,
quando menos, melhor qualidade e extensão de sobrevida.
28.
E para isso o Poder Público deve ser posto a cobro, proibindo-se
que sonegue o direito à vida das mulheres (hipossuficientes) deste Estado da Bahia, que
Processon' 2009.8939-0
Fls.
3 Vara FedcralIBA
11
Sentença Tipo A
Pompeu de Sousa Brasil
Juiz Federal Titular
do Trastuzumabe, as irrazoáveis e obscuras condicionantes engendradas pela burocracia
oficial por aquelas que, na multiplicidade dos casos concretos, sejam estabelecidas pelos
médicos que as acompanham, vinculados às UNACON's
(Unidades de Assistência de
Alta Complexidade em Oncologia) ou aos CACON's (Centros de Assistência de Alta
Complexidade em Oncologia), sob o controle e acompanhamento
conclusão
que se harmoniza
ao opinativo
desses profissionais,
do Custos Legis lançado em diversas
passagens do iter processual.
DISPOSITIVO
1.
Ante
preliminares
o exposto,
tudo
bem visto
e examinado,
suscitadas pelos réus e julgo parcialmente
condenar a UNIÃO
FEDERAL,
o ESTADO
procedente
rejeito
as
a ação, para
DA BAHIA e o MUNICÍPIO
DE
SAL VADOR, solidariamente e na medida de suas competências na gestão tripartite do
Sistema Único de Saúde, ao fornecimento amplo e gratuito do fármaco denominado
Trastuzumabe
(Herceptin),
no âmbito do Estado da Bahia, a pacientes de câncer
mamário em qualquer fase da doença e que comprovem hipossuficiência
na forma da
lei, afastadas as condicionantes veiculadas nas Portarias nOs. 18 e 19 da Secretaria de
Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos (v. fl.507) ou em outros atos restritivos que
as tenham sucedido, conforme inequívoca indicação dos médicos responsáveis pelo
tratamento, sob o controle e acompanhamento
vinculados
às UNACON's
(Unidades
Oncologia) ou aos CACON's
desses profissionais,
de Assistência
(Centros de Assistência
que devem ser
de Alta Complexidade
em
de Alta Complexidade
em
Oncologia) íntegrados ao SUS. O processo é extinto, destarte, com resolução de mérito,
nos termos do art.269, I, do Código de Processo Civil.
2.
A medida aCIma é deferida
mercê de reapreciação
também
em sede antecipatória,
do pleito de igual natureza veiculado na peça de abertura,
"j,l"",do-" o ,dmlo"rodo' OS"'" ,Ohlloo=(d:Coj","fi"dO
00
Processo n' 2009.8939-0
Fls.
3' Vara FederallBA
Sentença Tipo A
Pompeu de Sousa Brasil
Juiz Federal Titular
descumprimento à multa diária no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), sem prejuizo
de cominações por ato atentatório à Justiça (art.14, V, parágrafo único, do CPC) e envio
de peças ao Ministério Público para eventual ajuizamento de ação de improbidade, ou
ainda, responsabilização no âmbito penal.
3.
Sem custas.
4.
Honorários sucumbenciais,
reais) pro rata, monetariamente
fixo-os em R$ 9.000,00 (nove mil
atualizados à data do efetivo pagamento, estipulação
autorizada pelo 94° do art. 20 do CPC.
5.
Duplo grau obrigatório.
6.
Dê-se ciência do presente julgamento ao ilustre Desembargador
Federal Relator do Agravo de Instrumento noticiado nos autos.
7.
POMP
Juiz Fed
Download