Obesidade - Fatores Genéticos ou Ambientais Durval Damiani1

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Obesidade - Fatores Genéticos ou Ambientais
Durval Damiani1, Daniel Damiani2, Renata Giudice de Oliveira3
1- Professor Livre-Docente, Unidade de Endocrinologia Pediátrica - Instituto da
Criança - HC- FMUSP
2- Acadêmico de iniciação científica - Universidade de Santo Amaro - UNISA
3- Nutricionista
Resumo
Nos últimos anos a obesidade em todas as faixas etárias e, particularmente, a
obesidade infantil, tem aumentado de incidência em várias partes do mundo e
nosso país não tem sido imune a este aumento. Nesta revisão, os autores
abordam os aspectos epidemiológicos, os fatores condicionantes da obesidade,
fatores neuro-endócrinos da obesidade e do apetite, bem como os fatores
genéticos da obesidade frente aos fatores ambientais. Ressaltamos a grande
importância dos fatores genéticos em relação aos ambientais, uma questão
sempre discutida mas que ultimamente tem se tornado um pouco mais clara , com
a descoberta de uma enorme quantidade de genes envolvidos no problema da
obesidade. Os aspectos do tratamento são enfocados e uma análise crítica de
algumas modalidades terapêuticas permite que conheçamos melhor algumas
opções de tratamento que devem, no entanto, ser indicadas com muito critério,
evitando os " modismos" no tratamento de uma condição de distúrbio metabólico
tão séria e cada vez mais prevalente.
Introdução
O estigma da obesidade tem sido relatado em diversos estudos, seja analisando a
população em geral ou grupos específicos como estudantes ou profissionais da
área de saúde. Os adolescentes, especialmente do sexo feminino também são
considerados grupos de risco para o desenvolvimento de transtornos alimentares.
Sabe-se que crianças obesas são mais freqüentemente importunadas por colegas
que crianças com peso normal e são menos aceitas do que crianças magras em
grupos de amigos. Ao longo da vida, o peso excessivo proporciona outras
dificuldades como menor índice de emprego, timidez e problemas de
relacionamento com o sexo oposto. Deste modo, a pessoa com excesso de peso
sofre ou impõe-se restrições em importantes aspectos da vida como ir à escola,
mudar de emprego, comprar roupas, namorar ou mesmo procurar serviços de
saúde. Estas restrições estão associadas a maior incidência de depressão. Não é
mais tolerável imputarmos todos esses distúrbios a baixa de auto-estima, falta de
cuidado consigo mesmo, falta de vontade de cuidar-se, entre outras, atribuindo-se
ao obeso um papel de vilão que, definitivamente, ele não merece! Vários aspectos
importantes da obesidade humana são desconhecidos e o esclarecimento dos
mecanismos básicos que controlam o peso corporal estão apenas na sua mais
tenra infância. Portanto, uma atitude de ajuda ao paciente obeso não deve centrarse em reprimendas e falsas inferências sobre seu amor próprio ou sua autoestima, mas deve realisticamente, tentar oferecer ferramentas para que o paciente
obeso possa lidar da melhor maneira com este sério e progressivamente mais
freqüente distúrbio do metabolismo.
Epidemiologia
É um fato comprovado que desde 1960 tem havido um aumento progressivo da
prevalência de obesidade em diversas populações do mundo, chegando, nos
Estados Unidos da América do Norte a taxas verdadeiramente alarmantes: Num
estudo realizado pelo National Health and Nutrition Examination Survey (1)
mostrou que 22% da população norte-americana adulta é obesa, definida por
índice de massa corpórea (IMC= peso/quadrado da altura) superior a 27,8 para
homens e 27,3 para mulheres. Podemos dizer que a incidência de obesidade
dobrou nos últimos 30 anos. Quinze a vinte e cinco por cento das crianças
adolescentes nos EUA são obesas. Nos últimos 10 anos, tem havido aumento de
50% nessas cifras. Na Inglaterra, a proporção de obesos duplicou entre 1980 e
1991 .
Se avaliarmos dados de prevalência de obesidade na América Latina, verificamos
que, conforme aumenta a prevalência de obesidade, aumentam as mortes por
doença cardiovascular e câncer. Nos países em que predominam as causas
infecciosas como causas de óbito, reduz-se a obesidade e aumenta-se a
desnutrição.
As informações sobre as tendências da obesidade na América Latina são
limitadas a dados específicos de alguns países. O valor médio de prevalência de
obesidade em oito países analisados é de 8 a 10%, levando-se em conta
mulheres e crianças (2). A tabela abaixo, compilada de Martorell e col, mostra a
porcentagem de mulheres e crianças com sobrepeso e obesidade (3).
Tabela 1 - Prevalência de obesidade em mulheres e crianças, na América Latina
% de crianças
% de Mulheres (IMC)
País (ano)
Peso para Altura
> 1 DP*
> 2 DP**
>27,3#
>30##
Bolívia(1994)
13,1
2,1
16,8
7,6
Colômbia (1995)
21,6
9,2
12,2
1,8
Peru (1996)
22,8
9,4
23,9
4,7
Honduras (1996)
18,7
7,8
3,7
1,4
República Dominicana
23,3
12,1
15,3
4,6
IMC- índice de massa corpórea (Peso/altura2)
* - Sobrepeso ** - Obesidade
#- Critério de Obesidade definido pelo USA NHANES I (1)
## Critério de Obesidade definido pela Organização Mundial da Saúde
Notamos uma grande variação na prevalência de obesidade conforme o país.
Tem-se notado uma tendência crescente à obesidade conforme o país emerge da
pobreza, especialmente em áreas urbanas. Em contraste, em países com renda
per capita média, a obesidade tende a declinar conforme a renda aumenta,
especialmente
em
mulheres.
Os dados têm mostrado uma taxa crescente de obesidade em adultos (IMC>30)
nas últimas duas décadas no Brasil e na última década no Chile. Um estudo de
Sichieri e col, utilizando IMC>30 para definir obesidade, encontrou 4,8% de
obesidade em homens e 11,7% em mulheres brasileiras (4). Ao analisarem-se as
tendências observadas no Brasil nas últimas duas décadas, uma interação entre
nível educacional, local de residência (rural ou urbana) e nível sócio-econômico
tem sido observada (5).
Fatores condicionantes da obesidade
Tem se atribuído ao sedentarismo e à mudança de hábitos alimentares,
introduzindo-se alimentos hipercalóricos, ricos em lipídeos e carboidratos, nos
cardápios diários, a causa básica da obesidade. A esse respeito, convido o leitor a
ler atentamente a sessão "Causas Genéticas da Obesidade" : é possível que a
vontade de comer e de se exercitar sejam determinadas por genes específicos.
Não devemos atribuir os maus hábitos a uma falta de amor próprio ou a uma autoimagem distorcida porque certamente, estaremos sendo injustos com uma boa
parte de nossos obesos. A etiologia da obesidade é complexa e resulta da
interação entre genes, ambiente e estilo de vida mas lembremos que um ambiente
com comida farta não implica necessariamente, aumento da ingestão alimentar.
Por que algumas pessoas excedem-se frente a uma oferta mais liberal de
alimentos? Não teríamos aí o fator genético condicionando a "vontade de comer"?
Por que algumas pessoas não conseguem ficar paradas, enquanto outras
detestam atividades que impliquem movimento físico? Será que são avessas ao
exercício simplesmente porque não se gostam o suficiente e querem ganhar
peso? Ou será que esta avidez pela atividade física também é condicionada por
genes?
A tabela abaixo (Tabela 2) resume os principais fatores contribuintes ao
desenvolvimento da obesidade (6).
Tabela 2- Fatores contribuintes ao desenvolvimento da obesidade
Fatores Genéticos
Polimorfismos ou mutações em :
Receptor beta adrenérgico
Leptina
Receptor Ob
Fator de necrose tumoral (TNF)
Pró-ópio melanocortina (POMC)
Receptor da melanocortina 4 (MC4R)
Neuropeptídeo Y (NPY)
Receptor de NPY
Fatores ambientais/ exógenos
Aumento do sedentarismo (excesso de TV)
Diminuição da Atividade física
Modificação dietética incluindo alimentos pré-fabricados com alto conteúdo
lipídico/calórico
Solidão, fatores psicológicos e familiares
Fatores neuroendócrinos da obesidade
A compreensão da regulação neuroendócrina do balanço energético teve notável
progresso nos últimos 6 anos : alças de regulação com retroinibição negativa
foram caracterizadas e incluem neuromoduladores e efetores que permitem uma
rígida regulação do balanço energético. Há três componentes primários nesse
sistema neuroendócrino : 1- o sistema aferente (leptina e outros sinais de
saciedade e de apetite atuando no curto prazo); 2- A unidade de processamento
do sistema nervoso central (localizada no hipotálamo ventro-medial e constituída
pelos núcleos arqueado e ventro-medial), núcleo paraventricular e hipotálamo
lateral e 3- o sistema eferente, um complexo de apetite/saciedade, efetores
autonômicos, termogênicos e motores. Uma quebra de qualquer um desses
componentes pode iniciar um círculo vicioso que leva ao estoque energético,
culminando com obesidade (7).
O sistema aferente - tanto no jejum quanto durante a refeição, uma série de sinais
são gerados e podem atuar a curto ou a longo prazo, podem sinalizar saciedade
ou fome, podem informar sobre os estoques de tecido adiposo e podem ser
gerados na periferia ou a nível central. A hipoglicemia, a baixa de cortisol e a
elevação dos níveis do recém-descoberto hormônio gástrico Ghrelin são sinais
para ingestão alimentar.
Os sinais aferentes de saciedade incluem macronutrientes (particularmente
proteínas) e colecistocinina, bombesina, glucagon, amilina, peptídeo glucagon-like
(GLP-1) e insulina. A leptina, produto do gene ob do rato, foi isolada em 1994. É
uma proteína de 167 aminoácidos e seu papel neuroendócrino primário é sinalizar
ao hipotálamo ventro-medial, a quantidade de tecido adiposo depositado na
periferia.
O sistema eferente - a unidade de processamento central coordena o gasto
energético em relação aos estoques. Podemos organizar o sistema eferente em :
apetite e seus componentes motores; sistema nervoso autônomo (simpático e
parassimpático); os três componentes do gasto energético diário (gasto energético
em repouso, efeito térmico do alimento e o gasto energético voluntário).
Controle neuro-endócrino do apetite
Nos últimos 10 anos, muito se tem aprendido sobre os sistemas neurais que
regulam o peso, conseqüência direta do emprego de técnicas de biologia
molecular no estudo de modelos de obesidade em roedores. Os sistemas de
neurotransmissão implicam basicamente três categorias :
a) ácido gama amino butírico (GABA) - funciona no sistema nervoso central (SNC)
como um interruptor (liga/desliga) de uma variedade de circuitos neurais. Seus
efeitos não são específicos para nenhum sistema ou comportamento.
b) monoaminas - incluem norepinefrina, dopamina e serotonina. Distribuem-se
amplamente no SNC e funcionam como um " regulador de volume" numa
variedade de sistemas, aumentando ou diminuindo a atuação de diversas vias
mas não provocando efeitos em nenhum comportamento específico. Se de um
lado, a dopamina não parece estar envolvida no apetite propriamente dito, a
norepinefrina e a serotonina parecem ter importantes efeitos na regulação do peso
corpóreo (8). Por esta razão, esses neurotransmissores têm sido alvo de
manipulação medicamentosa e o exemplo mais extensamente utilizado é a
sibutramina, que inibe a recaptação de serotonina e, com isso , proporciona
sensação de saciedade.
c) Neuropeptídeos - apresentam os efeitos mais específicos nos comportamentos
individuais e nas funções corpóreas. Muito de nosso conhecimento recente sobre
neuropeptídeos específicos vem da clonagem de genes que causam obesidade
monogênica em modelos de roedores : leptina, neuropeptídeo Y, melanocortinas,
orexígenos A e B, transcritos relacionados a cocaína e anfetamina (CART),
hormônio concentrador de melanina (MCH) (Tabela 3). (Na sessão Aspectos
Genéticos da Obesidade entraremos em mais detalhes com relação a esses
neuropeptídeos).
Tabela 3 - Neuropeptídeos que regulam o apetite
Orexígenos
Anorexígenos
NPY
alfa MSH
AGRP
CART
MCH
TRH
Orexígenos A e B
CRH
Aspectos Genéticos da Obesidade
Como a obesidade pode provocar alterações metabólicas múltiplas que
contribuem para doenças cardiovasculares (coronariopatias, hipertensão arterial,
trombose venosa), diabetes mellitus, dislipidemias, afecções pulmonares, renais,
biliares e certos tipos de neoplasias, dentre outras, podemos dizer que esta
condição clínica caminha para ser a mais importante causa de doença crônica do
mundo (9, 10).
A questão que se tem feito há décadas é : Quanto o aspecto ambiental interfere
no aumento da incidência da obesidade comparado ao componente genético? A
importância do componente genético fica patente quando verificamos que nossa
vontade de comer e de se exercitar tem uma base genética e tende a se
manifestar seja qual for o ambiente em que vivemos, desde que tenhamos acesso
ao alimento. Por outro lado, se convivemos com familiares que ingerem
quantidades excessivas de alimento, poderemos incorporar este hábito, pela
simples imitação e nos tornarmos obesos?
Os estudos de gêmeos têm tentado separar as influências ambientais das
genéticas, já que, se forem criados em ambientes distintos (quando um dos
gêmeos é adotado por outra família), teremos a possibilidade de obter
informações sobre a influência ambiental em indivíduos com o mesmo patrimônio
genético. Stunkard e col. realizaram um estudo na Dinamarca onde as crianças
adotadas puderam ser comparadas com seus pais biológicos e com seus pais
adotivos. Foram obtidas informações sobre 3580 adotados, utilizando-se como
critério o IMC e a população foi dividida em quatro classes, tomando-se toda a
faixa de adiposidade : magros (IMC nos 4 percentis mais baixos); peso médio
(IMC próximo à média); acima do peso (IMC entre percentis 92 e 96) e obesos
(IMC acima do percentil 96). Houve uma relação clara entre a classe de peso dos
adotados e a de seus pais biológicos, não havendo relação aparente entre
crianças adotadas e seus pais adotivos, sugerindo fortemente que influências
genéticas são determinantes importantes da adiposidade e que as influências
ambientais têm pouco ou nenhum efeito. É importante ressaltar que as influências
genéticas observadas nesse estudo não são apenas confinadas ao grupo obeso,
mas se estendem a toda a faixa de adiposidade, desde os muito magros até os
muito gordos (11).
Borjeson, na Suécia, estudando 5008 pares de gêmeos, selecionou 101 onde um
ou mais estavam acima do peso em relação à altura por mais de dois desviospadrão. O autor avaliou também pregas cutâneas tricipital, subescapular e
abdominal e chegou à conclusão de que os fatores genéticos desempenham um
papel decisivo na origem da obesidade. Ainda mais, os resultados dos estudos de
Borjeson dão respaldo à sugestão de que a nutrição intra-útero não seja
importante na etiologia da obesidade, bem como a técnica alimentar na infância
(12).
Ambos os estudos concluem que é altamente provável uma herança poligênica na
determinação da obesidade. Dessa forma, o risco de obesidade quando nenhum
dos pais é obeso é de 9%, enquanto que, quando um dos genitores é obeso, sobe
a 50% e atinge 80% quando ambos são obesos.
Quando analisamos o padrão alimentar de gêmeos, também notamos uma notável
influência genética. Num estudo de 4640 gêmeos, homens e mulheres com mais
de 50 anos de idade, van den Bree e col. consideraram dois padrões alimentares :
o primeiro (padrão 1) consistia na ingestão de alimentos ricos em gordura, sal e
açúcar e o segundo (padrão 2) consistia de hábitos alimentares "mais saudáveis".
De 15 a 38% da variação total observada no padrão 1 e de 33 a 40% da variação
observada no padrão 2 eram devidas a influências genéticas (13).
No entanto, um aspecto que deve ser lembrado e é muito bem enfatizado por
Wardle (14) é que o fato de termos forte influência genética na obesidade, não
indica que a obesidade seja inevitável e todos os esforços devem ser postos em
prática para tentarmos adequar o peso dessas crianças e realizarmos, assim, um
importante trabalho preventivo numa condição ligada a tantos efeitos deletérios a
curto, médio e longo prazos.
INFLUÊNCIAS BIOLÓGICAS NA OBESIDADE
Tem crescido rapidamente o conhecimento sobre os componentes biológicos da
regulação do peso. O pensamento atual em pesquisa sobre obesidade parte do
princípio de que todo indivíduo tem um peso corpóreo geneticamente programado,
através de um "set point" . Alterações nos níveis de atividade física (portanto,
gasto energético) e de ingestão alimentar, tendem a manter o indivíduo no seu
"set point" de peso. Os programas de perda de peso através de alterações
dietéticas, exercícios e/ou drogas requerem que o paciente mantenha seu novo
peso por muito tempo, sob pena de recuperarem todo o peso perdido, uma vez
que não se alterou o "set point" e isso certamente responde pelos maus resultados
a longo prazo, obtidos nesses tratamentos (15).
Uma complexa mistura de fatores ambientais e genéticos acabam por influenciar o
peso de um indivíduo. Se os estudos de gêmeos têm enfatizado o aspecto
genético da obesidade, os aumentos recentes dos índices de massa corpórea em
níveis verdadeiramente epidêmicos têm apontado para fortes influências
ambientais no ganho de peso. A maior parte das estimativas apontam para efeitos
ambientais contribuindo em 1/3 das variações no tamanho corpóreo (16)
O efeito da genética na obesidade pode ser indireto, de acordo com o trabalho de
Harris (17). O autor cita como exemplo um par de gêmeos adotados que, devido a
uma influência genética, apresentam apetite excessivo. A partir do momento em
que as diferentes mães adotivas percebem que uma oferta de alimento mais
freqüente é capaz de "acalmar" a criança (induzindo ao ganho de peso), pode-se
dizer que a resposta ambiental está vinculada a um efeito genético . Se uma das
mães controlar o consumo alimentar da criança apesar da manutenção da
irritabilidade provocada pelo apetite, poderá não haver um excesso de peso. É
importante salientar que este controle somente é possível enquanto a criança não
consegue adquirir alimentos por si própria, o que é bastante comum na atualidade
com a grande oferta de alimentos de baixo custo e excelente palatabilidade.
A afirmação de que o aleitamento materno é capaz de prevenir a obesidade é
discutida por Hebebrand (18, 19), que seguindo a mesma linha de raciocínio
anteriormente descrita, relata que bebês que têm fome excessiva (causa genética)
passam para o aleitamento artificial mais cedo (resposta ambiental) do que bebês
com apetite normal. Afinal, segundo o autor, a razão mais comum que leva as
mães a optarem pelo aleitamento artificial é a impressão de que a criança não
consegue uma adequada provisão de leite.
A interação entre fatores genéticos e ambientais pode também existir no campo do
comportamento, pois variações genéticas podem predispor um indivíduo à
inatividade física ou à escolha de alimentos ricos em gorduras.
De acordo com o trabalho de Heitmann et al., um estilo de vida sedentário pode
ter a capacidade de promover a obesidade em indivíduos geneticamente
predispostos (20).
A procura do "gene da obesidade" tem resultado na descoberta de fortes
candidatos e pelo menos 26 loci cromossômicos relacionados ao peso foram
detectados em seres humanos e 98 em modelos animais. Os genes envolvidos na
maior parte desses loci cromossômicos ainda não foram identificados (Tabela 4,
obtida em http://www.obesity.chair.ulaval.ca)
Tabela 4 - Loci e genes candidatos para a obesidade, com suas respectivas
heranças genéticas.
Gene
DISTÚRBIO
LOCUS
Referência
Candidato
Herança Autossômica Dominante
Shiang
94
Acondroplasia (ACH)
4p16.3
FGFR3
Superti-Furga
95
Patten
90
Osteodistrofia Hereditária de Albright
20q13.2
GNAS1
Schwindinger
(AHO)
94
AHO 2
15q
Hedeland 92
S. de Angelman com obesidade
Gillessen
15q11-q13
(AGS)
Kaesbach 99
Distrofia
corneana
posterior
20q11
polimórfica (PPCD)
Wertheimer 94
S. de resistência a insulina (IRS)
19p13.3
Kim 92
Lipodistrofia parcial familial (FPLD)
1q21-q22
INSR
Anderson 99
Kulish
99
S. Prader Willi (PWS)
15q11.2-q12 SNRPN
Ohta 99
S. ulnar mamária de Schinzel (UMS) 12q23-24.1 TBX3
Bamshad 97
S. de resistência a hormônio
3p24.3
THRB
Behr 97
tireoideano (THRS)
Herança Autossômica Recessivo
S. de Alstrom (ALMS1)
2p13-p12
Macari 98
S. Bardet-Biedl 1 (BBS1)
11q13
BBS2
BBS3
BBS4
16q21
3p13-p12
15q22.3-q23 MYO9A
BBS5
2q31
Lipodistrofia
congênita
de
9q34
Berardinelli-Seip (BSCL)
S. de Cohen (COH1)
8q22-q23
S. da glicoproteína deficiente em
16p13
PMM2
carboidrato 1A (CDGS1A)
S. Fanconi Bickel (FBS)
3q26.1-26.3 SLC2A2
Herança Ligada ao X
S. Borjeson Forssman Lehman
Xq26.3
FGF13
(BFLS)
Xq21.1Coroideremia com surdez (CHOD)
q21.2
Xp22.13S. de Mehmo (MEHMO)
p21.1
S. Simpson Golabi Behmel 1
Xq26
(SGBS1)
SGBS2
Xp22
S. Wilson Turner (WTS)
Xp21.2-q22
Gorman 99
Woods
Young 99
99
Garg 99
Matthijs 97
Santer 97
Gecz 99
Pilia
96
Neri 98
Brzustowicz 99
GENES CONHECIDOS COMO CAUSADORES DE OBESIDADE
O início do estudo da genética molecular da obesidade dá-se com a clonagem dos
genes agouti e da leptina em roedores.
Em 1994 foi clonado o gene da leptina, que desencadeou uma verdadeira
revolução na compreensão da biologia da obesidade. O hormônio leptina é
produzido no tecido adiposo branco e o seu receptor expressa-se em vários
tecidos mas, seus efeitos sobre o peso corpóreo manifestam-se por ação
hipotalâmica. A leptina é um marcador da quantidade de tecido adiposo, de modo
que, com o aumento da massa adiposa, aumenta a produção de leptina, que
reduz a ingestão alimentar (via inibição de neuropeptídeo Y) e aumenta o gasto
energético, o que tende a fazer a massa adiposa retornar ao seu "set point". Nas
pessoas obesas, no entanto, o "set point" é diferente, talvez devido a resistência à
ação da leptina. Já foram identificadas várias crianças que não produzem leptina:
elas nascem com peso normal mas, devido a um apetite voraz, rapidamente,
tornam-se obesas. Estes pacientes beneficiam-se do uso de leptina, à semelhança
das experiências realizadas com os ratos ob (ratos deficientes em leptina). No
entanto, a maioria das pessoas obesas apresentam excesso de leptina e não falta,
sugerindo que o mecanismo seja mais uma resistência à ação deste hormônio do
que sua falta, talvez devida a dificuldade em atravessar a barreira hêmatoliquórica.
Até o momento, sete genes são conhecidos como causadores da obesidade
humana e pelo menos 20 têm influência no acúmulo lipídico em ratos. Os dois
primeiros genes a serem implicados foram o gene agouti e o gene da leptina e
vários princípios surgiram do estudo desses vários genes :
1. Os mamíferos podem tornar-se obesos através de vários mecanismos;
2. A maioria dos homólogos humanos dos genes da obesidade do rato
causa obesidade em humanos e daí o interesse no estudo da obesidade
nesses
animais
;
3. Somente alguns dos genes que podem causar obesidade serão úteis
como alvos para desenvolvimento de drogas para combater a obesidade;
4. A obesidade humana mais comum é causada por interação de múltiplos
genes. Desta forma, a despeito de um maior avanço sobre a biologia da
obesidade, com a possível exceção do gene do receptor de melanocortina
4 (MC4R), nenhum gene único é conhecido como causador de obesidade
(15).
FIGURA 1
Figura 1 - Representação esquemática da relação entre Pró-ópiomelanocortina (POMC), Leptina, αMSH e gene Agouti na regulação do
apetite e na indução de obesidade (Mod. de Warden, 2001) (15).
Numa avaliação de 63 crianças gravemente obesas, Dubern et al. avaliaram por
seqüenciamento direto, a presença de mutações nos genes do receptor da
Melanocortina 4 (MC4R), Proteínas relacionadas ao Agouti (AGRP) e aMSH e
encontraram quatro mutações "missense", heterozigotas em quatro crianças não
aparentadas e em nenhum dos controles. A expressão fenotípica foi variável nos
membros das famílias positivos para a mutação e as características clínicas e
laboratoriais eram semelhantes nas crianças obesas com e sem a mutação. Com
relação aos genes AGRP foram encontrados dois polimorfismos com freqüências
semelhantes no grupo obeso e controle e nenhuma mutação no gene do aMSH foi
detectada. Os autores concluem ser a mutação para MC4R uma causa importante
de obesidade grave em crianças com expressão e penetrância variáveis (21).
Mehmet e col, estudando a mutação no gene MC4R no seu projeto "Estudo do
Genoma da Obesidade na Turquia" refere que o fenótipo assemelha-se ao estado
de deficiência MC4R no rato com relação à preservação da capacidade
reprodutiva. Os indivíduos afetados apresentam hiperfagia na infância, que perde
intensidade em idades posteriores, suas alturas são normais e diabetes mellitus
está presente. Acumula-se evidência de que o sistema endócrino melanocortina
ou defeito de sinalização de melanocortina apresenta diferentes características em
ratos e em humanos, assemelhando-se às variações observadas em ambas as
espécies no que tange à leptina (22).
A via da melanocortina tem se tornado extremamente excitante em termos de
elucidação de mecanismos fisiopatológicos envolvidos na obesidade por várias
razões:
1. Ela inclui mais genes da obesidade do que a via da leptina;
2. Inclui o gene com a mutação mais comum causadora de obesidade e
3. Sua descoberta ilustra de uma maneira enfática que a compreensão da biologia
pode seguir-se à compreensão das vias envolvidas no processo.
O estudo da via da melanocortina iniciou-se com o estudo dos ratos obesos com
pelagem amarela (conhecidos como ratos amarelos agouti), descobertos há mais
de 100 anos. O gene mutado é chamado agouti ou proteína sinalizadora do agouti
(ASIP). Inicialmente, ASIP não era visto como um gene candidato à obesidade por
ser produzido somente na pele onde, como um fator parácrino, ele bloqueia a
ligação do aMSH ao receptor de melanocortina 1 (MC1R). Este efeito não causava
obesidade porque os ratos sem MC1R são amarelos mas não obesos. Todavia
ASIP também bloqueava a ligação de aMSH a outros receptores de
melanocortina, incluindo o MC3R e MC4R, que são expressos em centros
hipotalâmicos reguladores do peso. Dessa forma, nos ratos amarelos obesos, a
obesidade resultava da expressão ectópica da ASIP no hipotálamo, onde ela
antagoniza a ligação de aMSH ao MC3R e MC4R. Vários estudos têm
demonstrado que a injeção intra-ventricular de aMSH resulta em reduzida ingestão
alimentar.
A via da melanocortina inclui :
MC4R - expresso no hipotálamo, onde liga-se ao aMSH, com redução de ingestão
alimentar. Pode causar formas autossômicas dominantes ou recessivas de
obesidade.
POMC (Pró-ópio-melanocortina) - crianças com certas mutações deste gene
apresentam cabelo avermelhado, insuficiência adrenal e obesidade. O aspecto da
cor dos cabelos é devida à influência do aMSH sobre os receptores MC1R
enquanto a influência sobre a ingestão alimentar deve-se à ação sobre os
receptores
MC3R e MC4R no hipotálamo. A deficiência adrenocorticotrófica é devida ao fato
de o ACTH ser derivado da POMC (de fato, a POMC é a molécula mãe tanto do
aMSH quanto do ACTH).
PC1 ou PCSK1 (Pró-Convertase 1) - sua função é processar a conversão de
POMC a aMSH (Fig.1). Há um caso descrito de uma mulher que teve início
precoce de obesidade na infância e apresentava as duas cópias de PCSK1
mutadas. A paciente apresentava alteração glicêmica, hipogonadismo
hipogonadotrófico, hipocortisolismo, níveis baixos de insulina mas níveis elevados
de POMC e de pró-insulina (23)
ASIP (agouti signaling protein) - Não há provas de que alelos ASIP contribuam
para a obesidade humana, mas vários grupos têm mostrado que genes da
obesidade familial são mapeados na mesma região cromossômica do ASIP.
MC3R (receptor da melanocortina 3) - Apesar de não haver relatos de mutações
em MC3R levando a obesidade em humanos, o receptor expressa-se no
hipotálamo, liga-se a aMSH, reduzindo a ingestão alimentar e aumentando o gasto
energético.
AgRP (agouti-related protein) - expressa-se no hipotálamo, onde inibe a ligação do
aMSH ao MC3R e ao MC4R (VEJA FIGURA 1)
Além desses, há outros genes que podem influenciar a adiposidade em seres
humanos e em ratos, como pode ser verificado na Tabela 5.
Tabela 5 - Genes com expressão central e/ou periférica, controladores da
adiposidade no ser humano e em ratos (Mod de Warden,2001) (15).
Expressão
Mutação
causa Mutação
causa
Central
ou Nome do Gene
obesidade
acúmulo adiposo
Periférica
humana?
no rato?
Receptor
5
de
Central
Neuropeptídeo
Y Desconhecido
Sim
(NPY5R)
Hormônio concentrador
Central
Desconhecido
Sim
de Melanócitos
Central
Tubby (TULP1)
Desconhecido
Sim
Central
e
Sim,
mutação
Atractina/Mahogani
Desconhecido
Periférica
bloqueia
a
obesidade agouti
Periférica
Periférica
Periférica
Periférica
Periférica
Periférica
Periférica
Não há estudos
Sim
publicados
Diacil-glicerol
acil Não há estudos
Sim
transferase (DGAT)
publicados
Não há estudos Sim,
reduzida
Lipina 1
publicados
massa adiposa
Não há estudos Sim, resistente a
Hgmic
publicados
dieta
Proteína
tirosina
Sim, resistente a
Desconhecido
fosfatase 1B
dieta
Provável.
Proteína desacopladora
Resultados
Sim e Não
1-3 (UCP1-3)
controversos
Provável.
Receptor adrenérgico b3
Sim
Controverso
Perilipina
DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
Os distúrbios genéticos e endócrinos como causa de obesidade respondem por
menos de 10% das causas da obesidade infantil. No entanto, devemos descartar
cuidadosamente tais causas, pois merecem uma modalidade de terapia bem
diferente, que implica reposição hormonal. A tabela abaixo (Tabela 6) enfatiza
alguns aspectos de diagnóstico diferencial da obesidade infantil.
Tabela 6 - Diagnóstico diferencial da obesidade infantil
Endócrina/Genética
Exógena
Obesidade comum
Família
Obesidade incomum
família
Altura
Baixa estatura
Alta estatura (>50%)
QI
Freqüentemente baixo
Normal
Idade Óssea Retardada
Normal ou Avançada
Exame
Malformações
Normal
Físico
detectadas
em
membros
da
O quadro clínico da obesidade faz seu aparecimento com maior freqüência no
primeiro ano de vida, entre 5 e 6 anos e na adolescência. O ganho de peso é
acompanhado por aumento de altura e de idade óssea. A face é característica,
com nariz e boca pequenos, queixo duplo, adiposidade mamária, abdome
pendular com estrias brancas ou purpúricas. A genitália externa no menino dá a
aparência de micropênis (causa freqüente de procura ao médico). A puberdade
pode ocorrer mais cedo, o que acarreta altura final diminuída, por fechamento
mais precoce das cartilagens de crescimento. É comum genu valgo, coxa vara e
deslizamento da cabeça do fêmur.
A presença de excesso de peso com desenvolvimento neuropsicomotor normal,
altura acima de percentil 50 para a idade e idade óssea discretamente avançada
praticamente fecham o diagnóstico de obesidade exógena. Distúrbios endócrinos
respondem por uma fração muito pequena dos casos e uma exploração endócrina
é indicada apenas quando houver retardo estatural e/ou de idade óssea
associados ao ganho de peso ou quando sinais específicos de endocrinopatia se
fizerem presentes. Com grande freqüência, no entanto, mais para justificar uma
administração indevida de hormônios, são sempre lembrados problemas de
tireóide ou de outras glândulas como etiologia da obesidade.
Nos casos de hipotireoidismo, a maior parte do ganho de peso associado ao
desenvolvimento do mixedema é devida a acúmulo de fluido mais do que de
tecido adiposo. A administração de hormônio tireoideano leva à perda de massa
magra mais do que de gordura e provoca aumento do apetite, estando contraindicado no tratamento da obesidade exógena. A avaliação clínica associada à
avaliação laboratorial permitirá excluir os hipotireoidismos dos casos de obesidade
exógena.
Nas deficiências de hormônio de crescimento (GH), o fato marcante é a
lentificação do crescimento, com queda progressiva da velocidade de crescimento
e retardo importante de idade óssea. Um dado que não pode ser esquecido é que
crianças obesas podem não responder aos testes de estímulo para GH e podem
ser incorretamente interpretados como deficientes em GH quando, na verdade,
não o são. O dado que melhor diferencia a deficiência de GH da alteração de
resposta pela obesidade é a Idade Óssea, que, na obesidade encontra-se
avançada ou normal, enquanto que está atrasada na deficiência de GH. Além
disso, a velocidade de crescimento é absolutamente diferente nas duas situações :
a criança obesa é, em geral, grande, acima do percentil alvo de sua estatura e
mantém velocidade de crescimento normal, o que não ocorre nas deficiências de
GH.
Na síndrome de Cushing, distribuição de tecido adiposo (centrípeta), presença de
estrias vermelhas, policitemia, pletora, diminuição da força muscular, osteoporose,
entre outras, permitem o diagnóstico correto. Lembramos que, nesses casos, a
idade óssea encontra-se atrasada e o crescimento é lento, opondo-se
frontalmente ao que ocorre na obesidade exógena. A avaliação laboratorial,
mostrando níveis elevados de cortisol com perda do ritmo circadiano e não
supressão com doses fisiológicas de dexametasona, permite a diferenciação com
a obesidade exógena em casos difícieis.
As deficiências gonadais, particularmente a síndrome dos ovários policísticos
(hiperandrogenismo ovariano funcional), apresentam outras características
clínicas como hirsutismo, hipertensão arterial e alterações menstruais que
permitem a diferenciação com obesidade exógena. Uma marca importante da
síndrome hiperandrogênica (nome preferido em relação a ovários policísticos) é a
resistência à insulina.
As lesões hipotalâmicas raramente levam à obesidade mas quando o fazem é por
alteração diencefálica.
Síndromes congênitas como a síndrome adiposo-genital (síndrome de Frölich),
Prader-Labhardt-Willi,
Laurence-Moon-Biedl,
pseudo-hipoparatireoidismo
e
Bongiovani-Eisenmenger apresentam deficiências hipotalâmicas como eventual
causa do aumento de peso. No entanto, as outras características dessas
síndromes separam-nas dos casos de obesidade exógena. Doença de Blount
(necrose asséptica do côndilo médio-tibial) pode também acompanhar-se de
obesidade.
Em algumas situações, ocorre distribuição incomum de tecido adiposo, como na
lipodistrofia parcial e lipomatose múltipla.
O algoritmo abaixo orienta o clínico na pesquisa da causa da obesidade (6)
FIGURA 2
Figura 2 - Algoritmo para o diagnóstico de obesidade na criança.
TRATAMENTO DA OBESIDADE
Classicamente, o tratamento da obesidade consiste na modificação do estilo de
vida do paciente, sem o quê fica muito difícil implementar-se uma perda
significativa de peso e, mais que isso, mantê-la. O envolvimento parental é
absolutamente imprescindível e todos que estejam em contato com o paciente
obeso devem executar o mesmo " plano de trabalho", pois muitas vezes
verificamos que algum familiar ou alguém que tem contato com o paciente obeso
tenta " ganhar pontos" com a criança, oferecendo-lhe a oportunidade de saborear
alimentos que as " pessoas más" da casa têm proibido. Curioso que isso não
ocorre somente com os avós, sabidamente propensos a este tipo de
comportamento, mas também com um dos genitores, como querendo ganhar a
amizade do filho ou da filha e ser o pai ou a mãe " bonzinho ou boazinha". Não
precisamos dizer que não há plano terapêutico que resista a essas investidas.
No momento em que se consegue a adesão da família e de todos à volta do
paciente, através do esclarecimento dos benefícios que resultarão da perda de
peso, o trabalho fica mais fácil, mas nunca é fácil induzir-se a perda de peso,
especialmente em crianças.
As estratégias de que dispomos implicam na adequação alimentar a um teor
calórico que induza à perda de peso e o grande estímulo à atividade física. Talvez
seja este o ponto mais importante quando se trata o paciente com obesidade
exógena. Já houve estratégias bem sucedidas de perda de peso apenas
reduzindo-se o tempo gasto diante da televisão (24), que como sabemos, induz a
menor gasto energético do que jogar baralho! Colditz analisou os custos diretos da
inatividade e da obesidade no sistema de saúde dos Estados Unidos e verificou
que responde por 9,4%. Nas palavras do autor, " a inatividade, com sua ampla
gama de conseqüências, representa a maior contribuição evitável aos custos com
doenças nos Estados Unidos da América e em outros países em que os estilos de
vida modernos substituíram o trabalho físico com ocupações sedentárias e
transporte motorizado." (25).
O uso de medicamentos deve ser pesado com relação à idade do paciente, ao tipo
de substância que se pretende utilizar, avaliação do potencial de dependência.
Uma vez indicada, a medicação pode ser um adjuvante importante em casos em
que dieta e exercícios não estejam trazendo os benefícios esperados, o que leva à
frustração e ao abandono do tratamento. Lembramos, no entanto, que pacientes
pediátricos na sua maioria não necessitam de nenhum medicamento para induzir
perda de peso. Por outro lado, mesmo nos casos em que a opção inclua alguma
droga anti-obesidade, a modificação de hábitos alimentares e o engajamento de
todos da casa no processo de perda de peso é a condição sine qua non para se
obterem os resultados desejados.
Várias drogas têm sido empregadas para tratamento da obesidade, cada uma
prometendo resolver definitivamente o problema. Se tais drogas fossem eficazes,
pela quantidade em que são vendidas, poderíamos afirmar sem temor de errar
que "a humanidade seria extremamente magra" . Na verdade, se bem que a
farmacoterapia possa ter seu papel no tratamento da obesidade de adultos,
nenhuma das drogas tem se mostrado eficaz e isenta de efeitos colaterais para
ser utilizada em crianças obesas. Apenas para darmos uma noção geral do tipo de
medicamentos que têm sido utilizados em pacientes adultos obesos, faremos uma
breve exposição do "arsenal " disponível.
Podemos dividir as medicações que diminuem a ingestão alimentar em dois
grupos : medicamentos catecolaminérgicos, que incluem os clássicos
medicamentos inibidores do apetite (anoréticos) e os serotoninérgicos ,que atuam
aumentando a sensação de saciedade (sacietógenos). Ao grupo dos
catecolaminérgicos pertencem as anfetaminas que, ao lado de inibirem o apetite,
proporcionam uma atividade psico-motora aumentada, induzindo à perda de peso
por aumentada termogênese. As drogas psicotrópicas são divididas em cinco
classes, sendo a classe II representada pela anfetamina, metanfetamina e
fenmetrazina, com alta capacidade de induzir ao vício. O grupo de drogas que têm
sido empregadas em obesos adultos pertence ao grupo IV (dietilpropiona,
fentermina, fenproporex e mazindol).
O grupo de medicamentos serotoninérgicos inclui a fenfluramina, dexfenfluramina
(ambos retirados do mercado devido à associação com lesões de válvulas
cardíacas semelhantes às encontradas na síndrome do carcinóide ou na
toxicidade por ergotamina). Um medicamento que está sendo usado e que inibe a
recaptação de serotonina ao lado da inibição da recaptação de noradrenalina
(tendo portanto um efeito sacietógeno ao lado de aumentar o gasto energético) é a
sibutramina, uma amina terciária sintetizada em 1980.
Ao lado desses dois grupos de medicamentos, existem as drogas calorigênicas,
que incluem os hormônios tireoideanos (só indicados se houver evidência de
hipotireoidismo) e os medicamentos com ação no sistema nervoso simpático como
a efedrina e a fenilpropanolamina. Quanto à leptina, que gerou uma extrema
expectativa graças a resultados obtidos em ratos deficientes (ratos ob/ob), que
emagreciam com o uso do hormônio, seu papel no tratamento da obesidade em
seres humanos é ainda incerto. Os obesos, em geral, apresentam níveis elevados
de leptina, o que sugere que o problema esteja nos receptores e não na produção
de leptina (nesse sentido, os humanos comportam-se mais como os ratos db/db
do que com os ob/ob). Questiona-se se a administração de doses farmacológicas
de leptina poderia superar a insensibilidade de receptores mas faltam dados a
respeito. A tabela 7 resume as principais drogas aprovadas pelo FDA para uso em
obesos. Note-se a ressalva do FDA de que tais drogas não são recomendadas
para crianças.
Tabela 7 - Drogas utilizadas no tratamento da obesidade (mod. De Kiess, 2001)
(6)
Aprovadas para uso em obesidade de adultos em alguns países
Sibutramina
Fentermina (não disponível no Brasil)
Mazindol
Dietilpropiona (Anfepramona)
Orlistat
Drogas em desenvolvimento
Leptina e agonistas da leptina
Agonistas ou antagonistas de peptídeos cerebrais e intestinais
b3-Agonistas
Agonistas do Receptor de Melanocortina 4 (MC4R)
Dessa forma, resta ao pediatra, ao endocrinologista pediátrico, ao nutrólogo, ao
nutricionista e a toda a equipe que lida com o paciente obeso, a opção de
reeducar a criança e a família para uma alimentação equilibrada, proporcionando
os nutrientes necessários ao bom desenvolvimento de um organismo em
crescimento, ao mesmo tempo que evita o ganho exagerado de peso. É, sem
dúvida, a opção por um caminho mais difícil, já que as famílias em geral procuram
"remédios mágicos" que resolvam o problema em poucos dias ou semanas. No
entanto, vemos com muita freqüência crianças obesas entrando e saindo de
consultórios médicos à busca de uma maneira cômoda para perder peso, sem
estarem preocupadas com a reeducação alimentar que, sem dúvida, trará os
resultados desejados e conscientizará toda a família para o problema em questão.
Tratar a obesidade não é só cuidar da parte estética da criança, mas é permitir
uma duração e uma qualidade de vida muito superiores às conseguidas com a
manutenção
ou
o
agravamento
do
estado
obeso.
Na sessão seguinte, discutiremos alguns tipos de programas alimentares que têm
sido propostos para o tratamento de pacientes obesos e procederemos a uma
análise crítica de tais programas.
ANÁLISE CRÍTICA DOS PROGRAMAS ALIMENTARES PROPOSTOS PARA A
OBESIDADE
Durante a adolescência, o apelo estético é muito forte. Por outro lado e em direção
oposta, existem diversas campanhas publicitárias incentivando constantemente o
consumo de alimentos ricos em gorduras e açúcares. Para a jovem, torna-se
complicado optar entre um corpo muito magro e o consumo de alimentos que são
anunciados de maneira ostensiva pela mídia. Um estudo realizado no Chile mostra
que os comercias de TV vistos pelas crianças são capazes de influenciar a
escolha dos lanches consumidos na escola ( 26). Este comportamento pode levar
a distúrbios da imagem corporal e a uma atitude negativa em relação aos
alimentos. As meninas, em especial, adquirem o hábito de fazer dietas sem
orientação adequada e muitas vezes este comportamento possibilita o surgimento
de carências nutricionais e do conhecido "efeito sanfona", no qual, após o
abandono de uma dieta muito restritiva o peso é recuperado rapidamente.
Um estudo realizado na Noruega mostra que, em uma amostra de 1117
adolescentes, 13% dos entrevistados relataram estar seguindo algum tipo de dieta
e que 50% das garotas e 24% dos garotos apresentavam comportamentos
relacionados ao controle alimentar. O trabalho também mostrou que meninas que
tinham o hábito de fazer dieta eram mais suscetíveis a sofrer de obstipação
intestinal e episódios de compulsão alimentar que aquelas que não faziam dieta.
Isto mostra que estas garotas têm um risco maior de desenvolverem transtornos
alimentares.
Ao contrário disto, estudos mostram que o nível de atividade física entre crianças
é muito baixo. Um estudo que monitorou durante uma semana a atividade física
de 92 crianças e adolescentes entre 10 e 16 anos com o uso de um detector de
movimento (Actitrac; IM Systems) mostrou que as crianças permaneceram inativas
em 75% do tempo: assistindo a TV, usando computador e fazendo a lição de casa.
Atividades vigorosas aconteceram em apenas 1,4% do dia. (27)
Deste modo, o tratamento comportamental é uma ferramenta essencial para a
obtenção de resultados realistas e que permitam a manutenção do peso
desejável.
Tratamento cognitivo comportamental
O tratamento comportamental consiste na análise funcional do comportamento
para identificar eventos associados ao ato de comer, prática de atividade física ou
pensamentos relacionados à alimentação.
Os "antecedentes" ao ato de comer são bastante enfocados na abordagem
comportamental pois influenciam muito o consumo alimentar dos indivíduos. Para
exemplificar, se para uma criança, comer na frente da televisão impede um
envolvimento consciente com a refeição, deve-se orientá-la a comer sempre na
cozinha ou sala de jantar, sem outras distrações. Comer devagar também é útil
para aumentar o envolvimento com a refeição, além de aumentar a saciedade.
Orientações sobre mudança de comportamento alimentar podem ser exploradas
tanto em consultas individuais quanto em grupo. Reuniões em grupos reduzem
custos e permitem uma troca de experiências entre os pacientes.
Um dos aspectos mais interessantes do tratamento comportamental é a automonitorização. O paciente deve ser incentivado a anotar diariamente todos os
alimentos e bebidas consumidos ao longo do dia. Além de permitir ao paciente um
melhor conhecimento de sua alimentação, fornece aos profissionais elementos
para fazer ajustes no plano alimentar, ressaltar progressos e discutir
comportamentos inadequados. Ao longo do tratamento, outros elementos podem
ser incorporados ao diário como atividade física, local da refeição, sentimentos
relacionados aos alimentos, episódios compulsivos e outras observações
específicas segundo a necessidade individual. Vários estudos têm demonstrado
que a auto-monitorização está associada com sucesso para a manutenção do
peso corporal.
Nesta abordagem de tratamento não existe a prescrição de uma DIETA. Costumase orientar estratégias que permitam a redução de gorduras e açúcares e um
melhor fracionamento da dieta. Quantidades rígidas e listas de alimentos não são
utilizadas. A pirâmide dos alimentos é um recurso utilizado para orientação.
Atualmente pode-se utilizar a Pirâmide Alimentar adaptada ao hábito alimentar
brasileiro (28).
Fig. 3 - Pirâmide alimentar adaptada ao hábito alimentar do brasileiro.
Uma nova idéia de tratamento dietético.
O conceito de que "uma caloria é uma caloria" fundamenta a maioria das
estratégias utilizadas para orientar um plano alimentar que visa à adequação do
peso corporal . No caso de crianças e adolescentes, a abordagem não é diferente.
Sabe-se porém que dietas convencionais para o tratamento da obesidade têm
possibilitado resultados muitas vezes discretos e com alto índice de recidiva.
Da mesma forma que na primeira parte deste trabalho procurou-se demonstrar
que os fatores genéticos desempenham importante papel no desenvolvimento da
obesidade, em contraposição aos fatores ambientais, discutiremos a seguir as
características de um esquema alimentar pouco convencional no tratamento da
obesidade na infância e adolescência.
Dietas com baixo índice glicêmico (IG).
Esta abordagem dietética é vista com preconceito por alguns profissionais pois
remete diretamente a esquemas alimentares nutricionalmente desequilibrados,
com consumo abusivo de gorduras saturadas e proteínas ao mesmo tempo que
exclui os carboidratos.
Esta idéia não corresponde à realidade. É possível aliar os conceitos de
alimentação saudável à redução do índice glicêmico da dieta.
Um estudo examinou os efeitos de uma dieta com baixo índice glicêmico, aplicada
a uma população pediátrica com excesso de peso. Em comparação com um grupo
que seguiu um esquema convencional com redução de gorduras, o grupo da dieta
com baixo IG obteve maior redução do índice de massa corporal. Uma parcela
significante de pacientes do grupo de baixo IG teve diminuição em torno de 3
Kg/m2. (29)
Índice glicêmico: O conceito de índice glicêmico foi proposto por Jenkins e
colaboradores em 1981 para caracterizar o índice de absorção dos carboidratos
após uma refeição.
Muitos fatores incluindo-se tipo de carboidrato, fibras, proteínas, gorduras e forma
de preparo dos alimentos determinam o seu índice glicêmico. (30). Ao contrário do
que se imaginava anteriormente não há muita diferença entre carboidratos simples
e complexos. O próprio açúcar pode ter IG inferior a alguns carboidratos
complexos como demonstrado em estudos com diabéticos. Em geral, cereais
refinados e batatas têm alto IG enquanto vegetais, frutas e leguminosas
apresentam menores IGs.
Refeições com alto índice glicêmico, ou mesmo lanches intermediários (muito
usados em dietas convencionais: bolachas, barras de cereais, algumas frutas)
possibilitam um fenômeno conhecido como efeito rebote, ou seja, após a rápida
absorção da glicose, o indivíduo experimenta rapidamente uma sensação de
fome, fator que pode explicar a baixa tolerância às dietas convencionais.
Esquemas alimentares com alto IG estimulam a fome e favorecem o estoque de
gorduras, eventos que podem promover o ganho de peso.
Na prática clinica, este esquema pode ser uma interessante alternativa para o
tratamento de pacientes, especialmente adolescentes que já tentaram outros
esquemas alimentares sem sucesso ou com histórico de reganho de peso. Ao
mesmo tempo que o esquema permite o consumo de alguns alimentos pouco
convencionais em dietas como sorvetes sem açúcar (com alto percentual de
gorduras), estimulando os pacientes, a restrição dos carboidratos refinados (pães
e bolachas comuns, arroz branco, batatas) pode ser um fator limitante.
É necessário que o paciente tenha um satisfatório grau de motivação e
comprometimento com o tratamento, especialmente no início. A primeira
orientação é de grande importância, pois, por se tratar de um esquema nãoconvencional, ocorrem muitas dúvidas. Uma lista simples, contendo os alimentos
que devem ser evitados e sugestões de preparações é essencial como material
educativo. É importante ressaltar que não se trata simplesmente de proibir os
carboidratos, mas de introduzir alimentos saudáveis como vegetais e frutas,
gorduras monoinsaturadas e leguminosas.
Após o primeiro retorno, com a apreciação dos resultados (geralmente
satisfatórios) há uma maior motivação para a continuidade do tratamento. De
acordo com o trabalho de Mc Manus et al (31), pacientes seguindo este esquema
alimentar tiveram maior índice de continuidade num programa de redução de peso
que pacientes tratados com dieta hipocalórica/hipogordurosa convencional.
Esta dieta pode ser considerada semelhante à dieta Mediterrânea pela presença
de hortaliças e frutas, gorduras monoinsaturadas (azeite), leguminosas e
alimentos integrais, além do consumo moderado de proteínas.
Pode-se apresentar uma pirâmide dos alimentos ilustrando o conceito de dieta
com baixo IG .
Figura 4 - Pirâmide alimentar ilustrando o conceito de dieta com baixo índice
glicêmico (Ludwig 2001)
Segue um exemplo de esquema alimentar com menor índice glicêmico, de acordo
com o hábito alimentar brasileiro.
Café da manhã:
Leite desnatado com achocolatado diet
Pão integral com margarina light
Mamão
Lanche da manhã:
Laranja
Almoço:
Arroz integral
Feijão
Salada de rúcula com tomate
Frango assado
Berinjela refogada com azeite<b
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