O peixe-rã radioso Um peixe rão radioso e aparentemente raro foi-nos enviado das Velas de S. Jorge. O exemplar, capturado no Cais do Pico, foi identificado como Antennarius radiosus Garman 1896. Esta espécie foi registada para os Açores pela primeira vez pelo padre e naturalista Ferreira (1940) que referiu um espécime capturado nas Velas de S. Jorge, a 10 m de profundidade, e preservado na colecção do Museu Carlos Machado em Ponta Delgada. Entretanto, o peixe desapareceu! Cinquenta e cinco anos mais tarde, Azevedo e Heemstra (1995) registam a ocorrência de um exemplar de Antennarius, identificado pelos autores como A. senegalensis. O espécime, capturado em S. Miguel, a 2 milhas fora de Ponta Delgada, a cerca de 130140 m de profundidade, está depositado no Museu Municipal do Funchal (MCM 698). Os autores sugerem que o registo de Ferreira possa ser uma misidentificação visto as espécies serem muito aparentadas (isto é ambas pertencerem ao grupo de espécies tipo A. ocellatus; ver Pietsch & Grobecker, 1987). Além disso, A. senegalensis só foi descrito por Cadenat em 1959, muito depois do registo de Ferreira. As duas espécies estão registadas em Santos et al. (1997), mas A. radiosus figura só no apêndice, como consequência das observações feitas por Azevedo e Heemstra (1995). Tendo como referência a fotografia publicada pelos autores, o peixe por eles observado é muito semelhante a este agora registado. A identificação de A. radiosus deveu-se às seguintes características: configuração dos tubérculos dérmicos nas membranas dos 2º e 3º raios da dorsal; barbatana peitoral com raios não bifurcados (por oposição a raios bifurcados em A. senegalensis); terminação do ilicium não filamentosa (por oposição a A. senegalensis); raios pigmentados à volta do olho; e aspecto geral do peixe (ver fotografias das duas espécies em FishBase; www.fishbase.org). Os índices morfométricos considerados úteis para a separação destas duas espécies (i.e. comprimento do ilicium e diâmetro ocular relativamente ao comprimento padrão; Pietsch & Grobecker, 1987) atingiram valores intermédios (IL=14,4% CS; DO=6,23% CS) sendo portanto considerados como inúteis para diferenciar as espécies. O registo de A. senegalensis para os Açores é a única referência à espécie fora da sua área de distribuição; isto é Atlântico Este entre Marrocos e Angola. A. radiosus é uma espécie do Atlântico Oeste, mas dois adultos já foram registados para a Madeira, e um pré-juvenil (forma pelágica) para as costas da Irlanda. Este registo levanta as seguintes questões (entre outras): Será que nos Açores ocorrem 3 espécies do género Antennarius; as duas referidas anteriormente e A. nummifer (uma espécie registada para o Açores por Pietsch & Grobecker, 1987; ver Santos et al., 1997 pag. 62)? Será que algumas destas mantém uma população viável na região? Se sim, essas populações são compostas por poucos indivíduos, isto é as espécies são naturalmente raras na região, ou é o facto de estes peixes não serem capturados pelas artes de pesca que tradicionalmente actuam no Arquipélago, que os torna aparentemente tão raros? Alternativamente, poder-se-á considerar que os indivíduos desta(s) espécie(s) são expatriados da(s) sua(s) área(s) de distribuição, isto durante a fase pelágica do seu ciclo de vida. O fenómeno levantaria questões ecológicas pertinentes, como a disponibilidade de nichos no (circa)litoral das ilhas para acomodar espécies novas. No entanto, o facto é que a fauna marinha litoral dos Açores está biogeograficamente relacionada com a fauna das costas insulares e continentais do Atlântico Este, e que as influências faunísticas das costas insulares e continentais do Atlântico Oeste são insignificantes (pelo menos em relação aos peixes, como observou Louis Agassiz na década de 60 do século XIX). O peixe registado era um macho com dois testículos bem desenvolvidos o que poderá indicar o seu potencial reprodutor. Outra nota curiosa acerca de uma espécie cujos hábitos alimentares são praticamente desconhecidos (além do seu esperado comportamento alimentar), é que no estômago do exemplar observado encontrava-se um bodião do alto, Acantholabrus palloni. A presa media aproximadamente o mesmo que o predador (CS= 194 mm; CT=228 mm) e pesava cerca de 35% do seu peso: que grande refeição! Registo do evento: Nome científico: Antennarius radiosus Nome comum: peixe rã radioso Comprimento total (CT): 242 mm Comprimento padrão (CS): 191 mm Peso (sem conteúdo estomacal): 452 g Sexo: macho Colector: embarcação Família Medeiros (Velas de S. Jorge) Local: Baixa de S. Roque (500 m da costa) Profundidade: 45 braças (ca. 80 metros) Arte de pesca: Cofres para crustáceos Data: 29-09-2003 Remetente: Agente Cabeceiras, Polícia Marítima das Velas Identificador: Filipe Mora Porteiro & Pedro Afonso Referências Azevedo, J. N. & P. C. Heemstra 1995. New records of marine fishes from the Azores. Arquipélago - Life and Marine Sciences, 13A: 1-10 Ferreira, E., 1940. A pesca da Albacora em 1938 e 1939 e “Pediculados dos Açores. Açoriana, 2(3): 129-134 Pietsch, T. W. & D. B. Grobecker, 1987. Frogfishes of the World: Systematics, Zoogeography and Behavioral Ecology. Standford University Press, Standford, California: xii + 420pp Santos, R.S., F.M. Porteiro & J.P. Barreiros, (1997). Marine fishes of the Azores: An annotated checklist and bibliography. Arquipélago. Life and Marine Sciences Supplement 1: xxi + 231pp. Ponta Delgada