Johan Gottlieb Fichte (1762

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Johan Gottlieb Fichte (1762-1814)
“Was für eine Philosophie man wähle, hängt davon ab, was für ein Mensch ist”.
(Erste Einleitung in die Wissenschaftslehre)
“A filosofia que alguém escolhe depende do ser humano que este alguém é”.
(Primeira Introdução à Doutrina da Ciência)
Não será desimportante, pois, alguma atenção à biografia de um autor que escreveu
estas palavras.
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Fichte nasceu em 1762, em Rammenau,1 na Saxônia.
Era o primeiro de oito irmãos.
Família de condição socioeconômica muito modesta: o pai, de origem
camponesa, torna-se depois comerciante; o próprio Fichte, quando jovem, foi
guardião de gansos para ajudar à família.
Sempre teve orgulho de sua origem popular,2 que acabou constituindo para ele
uma escola moral.
Graças ao Barão von Militz, concidadão nobre e rico, Fichte pôde estudar. O
nobre admirou-se com a memória, a inteligência e a oratória do menino de
nove anos, que lhe reproduziu perfeitamente um sermão que ele não
conseguira assistir.
Entrará na Universidade de Iena em 1780, como estudante de Teologia, depois
em Leipzig. Como os auxílios da família von Militz não eram suficientes, teve de
dar aulas particulares e o trabalho o impediu de concluir o curso.
Encerraram-se totalmente as ajudas financeiras do barão. Como não obteve
bolsa de estudos, iniciou seriamente a vida de preceptor.
Conheceu Joanna Rahn em Zurique, onde lecionava para a família Ott entre
1788 e 1790. Ficaram noivos, mas só puderam casar-se mais de dois anos
depois (início de 1793), pois as condições econômicas de Fichte não facilitavam
as coisas.
O ano de 1790 muda a sua vida de maneira inusitada: um aluno demandou-lhe
aulas sobre Kant, que ele não conhecia, exceto por referências à dificuldade de
sua escritura. Era até então vagamente spinoziano e concebia a realidade de
modo determinista. Mergulhou na obra do filósofo de Königsberg e muito se
impressionou, especialmente com a afirmação da liberdade.
Que fica hoje no distrito de Bautzen.
Nos primeiros escritos, revela um jacobinismo à francesa; nos últimos, manifesta postura nacionalista.
Está sempre presente, contudo, a exaltação do povo diante das classes mais altas.
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Foi conhecer Kant pessoalmente, que o recebeu sem qualquer distinção
especial, conforme a impressão relatada pelo próprio Fichte. Considerou Kant
soporífero (schläfrig) em suas aulas, mas permaneceu ainda assim mais um
tempo em Königsberg. Para quebrar a cerimônia kantiana, propôs apresentarlhe um texto, que apresentou a Kant em 18 de agosto de 1791: Ensaio de uma
crítica de toda revelação. Por intercessão de Kant, o editor Hartung o publicou
no ano seguinte, e o dinheiro chegou a Fichte, ajudando nas despesas
correntes.
Outro lance curioso na biografia de Fichte: o referido ensaio foi publicado sem
o nome do autor. Resultado: foi atribuído a Kant e discutido como se dele
fosse. Grande sorte do verdadeiro autor, que teve seu nome revelado pouco
tempo depois pelo próprio Kant, que ainda lhe teceu elogios. A fama de Fichte
iniciava aí sua arrancada.
Por indicação de Goethe, em 1794 é convidado a lecionar na Universidade de
Iena, onde fica até 1799. É o período mais produtivo de Fichte, em que ele
produz suas obras mais representativas.
Em 1799, envolve-se em polêmica sobre o ateísmo, mais por conta de um
artigo escrito por um discípulo seu, Forberg. De fato, para Fichte, Deus
identifica-se à ordem moral do mundo (e por isso não se poderia duvidar de
Deus). Mas Forberg afirmou algo mais: o conceito de Deus não tem nenhuma
importância na religião, o que importa é apenas o desejo de que o bem moral
seja vitorioso. Se Deus existe, essa é uma questão de curiosidade teórica, não
uma questão verdadeiramente religiosa.
O temperamento de Fichte não ajudava muito à solução da polêmica e ele
acaba se mudando de Iena. Fica em Berlim dando aulas particulares entre 1800
e 1804. Depois, Erlangen (1805), Berlim outra vez, abandonando-a quando de
sua ocupação pelos franceses. Produz um projeto de universidade, concebida
como sementeira de uma pátria renovada, e a Universidade de Berlim é
fundada no outono de 1810, mas seguindo um projeto mais realista do que o
de Fichte. No entanto, o rei o nomeou professor e diretor da Faculdade de
Filosofia, promovendo-o a reitor em seguida.
A mulher de Fichte, enfermeira voluntária nos hospitais militares durante a
guerra, contraiu cólera e depois se curou. O filósofo também se contaminou,
mas não teve a mesma sorte, morrendo em 29 de janeiro de 1814.
O idealismo fichteano como explicitação e radicalização do “fundamento” do
criticismo kantiano.
Fichte dedicou-se a desvendar o princípio fundamental que unificava as três
críticas kantianas, não revelado pelo próprio Kant.
Entusiasmo pela filosofia moral de Kant, que produziu uma “reviravolta enorme”
em sua vida.
Kant teria apenas indicado a verdade, não a tendo exposto, nem demonstrado.
“Kant certamente o sabe, mas não o disse em nenhum lugar. Quem o descobrir
elevará a exposição da filosofia ao grau de ciência”. “Kant tem a verdadeira
filosofia, mas apenas nos resultados, não nos seus fundamentos. Esse pensador
único torna-se cada vez mais admirável para mim; acredito que ele tenha um gênio
que lhe revela a verdade sem lhe mostrar os fundamentos”. (Primeira Introdução)
Kant forneceu todos os elementos para construir o sistema, mas não o fez.
Esse sistema, que transformaria a filosofia numa ciência rigorosa, toda ela
brotando de um único e supremo princípio, viria a ser a doutrina da ciência
(Wissenschaftslehre).
Novidade fichteana fundamental: transformação do eu penso em um eu puro: uma
intuição intelectual que se autopõe e, fazendo-o, cria também toda a realidade.
Fichte também identificará a essência deste eu à liberdade.
Esta intuição intelectual significa o eu que capta a si mesmo e assim se afirma; o eu
que fornece o substrato numênico ao mundo fenomênico, garantindo a unidade do
sensível e do inteligível e assim se apresentando como princípio único e supremo.
A estrutura do idealismo fichteano
O primeiro princípio (tese): o Eu põe-se a si mesmo.
Filosofia aristotélica: o princípio incondicionado da ciência é o princípio de nãocontradição.
Filosofia wolfiana e mesmo kantiana: é o princípio de identidade (A = A) – este é
mais originário, pois o de não-contradição dele deriva.
Mas para Fichte, este princípio é puramente formal: se existe A, então A = A.
A única necessidade nesse princípio é a conexão lógica: “se... então”.
Que põe esta ligação lógica é o Eu, que além dela põe também o A.
Se o princípio supremo é posto, logo não é originário. O princípio originário só
pode ser o próprio Eu.
Nenhum outro o põe; ele se autopõe. Assim, EU = EU não é uma identidade
abstrata e puramente formal, mas sim a identidade dinâmica do princípio
autoposto. Condição incondicionada. Autocriação.
O princípio da doutrina da ciência não pode ser apenas certo em si mesmo,
enquanto oferece a forma da certeza de qualquer outra proposição; “deve
também conter em si todo conteúdo possível da doutrina da ciência” (Rovighi)
Por isso este princípio é: EU SOU.
Se na metafísica clássica, a ação pressupõe o ser, pois este é condição daquela, no
idealismo fichteano, a ação precede o ser e este se deriva daquela.
O Eu fichteano é justamente aquela intuição intelectual cuja possibilidade para o
ser humano Kant havia negado, por não aceitar a tese de um entendimento
criador, que oferece a si mesmo intuições. Mas para Fichte, esta é a intuição de um
agir, não de um ser ou de uma coisa. Esta não teria sido negada por Kant.
A inteligência, para o idealismo fichteano, é “por si mesma ativa e absoluta, não
passiva”, justamente porque ela é o “princípio primeiro e supremo, ao qual nada
precede do qual possa derivar-lhe caráter de passividade”. Para o idealismo, “a
Inteligência é agir e absolutamente nada mais”. Não pode referir-se sequer como
um “ente ativo”, como “algo de consistente que tem a propriedade de ser ativo”,
ou uma coisa que seja sujeito de atividade, porque “no seu princípio não há nada
de semelhante e todo o resto deve ser deduzido”. (Primeira Introdução à Doutrina
da Ciência)
Se o absoluto se concebe como uma coisa, um em si, então o saber absoluto não é
possível. Mas se é um eu, então é possível.
Essa Inteligência não é a do homem empírico, mas a egoidade, o eu absoluto.
Assim, o primeiro princípio pode ser dito, mais completamente: “eu sou
absolutamente, porque sou”, ou ainda: “O Eu originariamente põe seu próprio ser”.
(Doutrina da ciência)
“Em geral, qual é, em poucas palavras, o conteúdo da doutrina da ciência? Este: a
razão é absolutamente autônoma; é só para si, e só ela é para si. Portanto, tudo o
que ela é deve ter nela e só dela a sua razão de ser; e não deve ser explicado com
alguma coisa que seja fora dela, e à qual ela não poderia chegar sem renunciar a si
mesma. Em suma: a doutrina da ciência é idealismo transcendental”. (Segunda
Introdução)
“As coisas em si, de que Kant fala, são coisas que o Eu finito encontra diante de si;
objetos que o Eu põe quando se limita e se torna Eu finito”. (Sofia Vanni Rovighi)
Mas qual é a origem do mundo da experiência, do ser para nós?
O segundo princípio (antítese), derivado do primeiro: o Eu opõe a si um não-eu.
Toda autoconsciência exige a consciência de um objeto (Ob-jectum) oposto ao Eu.
Lógica formal: não-A não é igual a A
Nos dois termos da proposição (a oposição de não-A e a posição de A), pressupõese a identidade do Eu. Veja-se:
Entre os atos do Eu, apresenta-se o de opor. Mas essa mesma possibilidade – a de
opor - pressupõe a identidade da consciência. Assim há um fundamento comum ao
pôr e ao opor. Este (o não-Eu, também é posto pelo Eu).
O Eu põe-se a si mesmo não como algo estático (senão ele não seria
fundamentalmente ação): ele põe-se como poente e isso implica a posição de
algum outro, um não-Eu.
O Eu ilimitado opõe-se um não-Eu ilimitado. Mas este não-Eu não pode estar fora
do Eu.
Então:
Terceiro princípio (síntese): a limitação recíproca e a oposição, no Eu, do eu
limitado ao não-eu limitado.
Se a oposição entre o Eu e o não-Eu ocorre no interior do próprio Eu, ela não
enseja (nem pode ensejar) a eliminação de um dos termos (o que significaria a sua
realização completa e a anulação dos dois termos), mas a sua delimitação
recíproca. Isto significa que a produção do não-Eu só pode surgir como limite, ou
seja, resultar da de-terminação do Eu. “Ao Eu divisível oponho no Eu um Não-Eu
divisível”.
O Eu absoluto limita a si mesmo, e nesta condição limitada, tem diante de si um
Não-Eu.
Para R. Kroner, aqui Fichte exprime a relação entre Deus (Eu absoluto), o Eu finito
(consciência humana limitada) e o mundo (o ser para nós, a realidade da
experiência). “Deus se autolimita para tornar-se uma consciência finita, que tem
um objeto (mundo) diante de si”. (Rovighi)
Como explicar pelo idealismo a atividade cognoscitiva (como surge o Não-Eu?):
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consideramos encontrar diante de nós objetos que não somos nós e que
nos afetam.
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como o sujeito pode considerar o objeto diferente dele a ponto de se sentir
afetado por ele?
para Fichte, é a imaginação produtiva que cria inconscientemente os
objetos. Como se trata de uma produção inconsciente, o produto aparece
então como distinto de nós.
essa passividade não é, pois, qualitativa, como algo diferente do Eu, mas
quantitativa, “como pura diminuição de atividade” (Doutrina da ciência). Ela
é “como um esquecer-se, um tornar-se inconsciente da própria atividade”.
(Rovighi)
a imaginação produtiva é a atividade infinita do Eu que, ao delimitar-se
continuamente, produz a matéria de todo conhecimento.
mas a consciência se reapropria, em etapas sucessivas, desta matéria.
a razão filosófica, ao contrário da consciência comum, cada vez mais
adquire consciência de que as coisas não têm realidade fora do Eu, sem a
sua intervenção.
o não-Eu surge para que a consciência possa nascer, já que ela tem sempre
de ter um objeto (é consciência de “alguma coisa”).
progride-se rumo a uma autoconsciência pura. Tende-se sempre a ela, mas
numa aproximação assintótica. Ela nunca é atingida, pois isto significaria
não mais haver consciência.
Como explicar pelo idealismo a atividade moral (por que surge o Não-Eu)?
Na atividade especulativa, o objeto limita o sujeito. Na atividade moral, o sujeito
determina e modifica o objeto. Se no conhecimento o não-eu se apresenta ao Eu
como objeto de conhecimento, na ação moral, o objeto se apresenta ao sujeito
como obstáculo a ser superado. Na vida prática, explica-se o porquê de o Eu pôr o
não-eu: para realizar-se como liberdade. O Eu infinito deve infinitamente pôr o
não-eu para superá-lo ao infinito. A verdadeira perfeição é esse tender (Streben)
infinito à perfeição como superação progressiva da limitação. É o infinito esforço, o
esforço de ser infinito.
Deus não é uma realidade em si, mas a ordem moral do mundo (e a religião
verdadeira é a ação moral), de modo que o sujeito finito é mediador do Absoluto
como Idéia-que-se-realiza-ao-infinito.
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