ESTIMULAÇÃO CARDÍACA ARTIFICIAL EM PEQUENOS ANIMAIS

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ESTIMULAÇÃO CARDÍACA ARTIFICIAL EM PEQUENOS ANIMAIS
ARTIFICIAL CARDIAC PACING IN SMALL ANIMALS
Marcela Wolf¹
Marlos Gonçalves Sousa² (Orientador)
¹ Graduação em Medicina Veterinária pela Pontifícia Universidade Católica de Minas
Gerais campus Poços de Caldas
Residência em clinica médica de pequenos animais pela Faculdade de Jaguariúna
Especialização em cardiologia veterinária pela ANCLIVEPA-SP
Mestranda em Ciências Veterinárias pela Universidade Federal do Paraná campus
Curitiba
² Graduação em Medicina Veterinária pela Universidade Federal do Tocantins
Residência em clínica médica de pequenos animais pela UNESP campus Jaboticabal
Mestrado em clínica médica pela UNESP campus Jaboticabal
Doutorado em clínica médica pela UNESP campus Jaboticabal
Professor adjunto da Universidade Federal do Paraná campus Curitiba
Resumo
O implante de marcapasso é cada vez mais comum na medicina veterinária,
permitindo o aumento da sobrevida e da qualidade de vida dos animais com bradiarritmias
que não respondem ao tratamento medicamentoso. Os bloqueios atrioventriculares e as
doenças nodais são as principais indicações para o implante de marcapasso em cães e
gatos, por culminarem em redução significativa do débito cardíaco, resultando em sinais
clínicos como fraqueza, síncope e, potencialmente, morte súbita. Esse artigo aborda as
principais indicações para o implante de marcapasso, bem como as diferentes
abordagens e complicações desse procedimento em pequenos animais.
Palavras-chave:
intervencionista.
marcapasso.
bradiarritmias.
bloqueio
atrioventricular.
cardiologia
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Abstract
Pacemaker implantation is increasingly common in veterinary medicine allowing for
increased survival and quality of life of animals with bradyarrhythmias that do not respond
to drug treatment. Atrioventricular blocks and nodal diseases are the main indications for
pacemaker implantation in dogs and cats culminating in a significant reduction in cardiac
output resulting in clinical signs such as weakness, syncope and, potentially, sudden
death. This article presents the main indications for pacemaker implantation, as well as the
different approaches and complications of this procedure in small animals.
Key words: pacemaker. bradyarrhythmias. atrioventricular block. interventional cardiology
INTRODUÇÃO
A implantação do marcapasso é indicada em pacientes com bradiarritimias, sendo
por vezes considerada uma emergência cirúrgica (OYAMA et al., 2001; WARD et al.,
2015) devido ao potencial de morte súbita provocado por tais arritmias (SCHROPE et al.,
2006).
Quando não realizada a implantação do marcapasso, pacientes com bloqueios
atrioventriculares de segundo grau avançado ou bloqueios de terceiro grau apresentam
40% de risco de morte súbita em até seis meses após o diagnóstico. Assim sendo, a
estimulação artificial deve ser considerada nesses casos, mesmo na ausência de sinais
clínicos (SCHROPE et al., 2006), especialmente por aumentar a sobrevida e a qualidade
de vida dos pacientes (OYAMA et al., 2001).
Existem diversas abordagens para a implantação do marcapasso, como local de
implantação, frequência de programação e abordagem cirúrgica, as quais dependem da
arritmia, da espécie e do tamanho do animal. Esse artigo tem como objetivo fornecer as
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orientações para implementação da estimulação cardíaca artificial em pequenos animais,
bem como os benefícios e as consequências dessa técnica cada vez mais utilizada na
medicina veterinária.
DESENVOLVIMENTO
A implantação do marcapasso transvenoso em medicina veterinária é uma técnica
minimamente invasiva e bem delineada quanto ao procedimento, indicações e
complicações há mais de 20 anos (SISSON et al., 1991). Tal procedimento está indicado
para pacientes com bradiarritimias, tais quais o bloqueio atrioventricular de terceiro grau e
o bloqueio de segundo grau avançado, a síndrome do nó doente e a parada atrial, os
quais resultam em diminuição significativa da frequência cardíaca (Figura 1) e,
consequentemente, do débito cardíaco (OYAMA et al., 2001; WARD et al., 2015).
Figura 1 Gráfico demonstrando a variabilidade diária da frequência cardíaca mínima
(cinza), média (verde) e máxima (laranja) em holter de 24 horas em um cão com bloqueio
atrioventricular de terceiro grau. O gráfico ilustra a baixa variabilidade da FC durante as
24 horas, cujos valores máximos não ultrapassam 100 bpm.
Fonte: Arquivo pessoal
Os sinais clínicos comumente atribuídos às bradiarritimias incluem síncope,
letargia, dispneia e ascite, mas, em alguns casos, os animais podem ser assintomáticos
(WARD et al., 2015). Os bloqueios atrioventriculares são a principal indicação de implante
de marcapasso em cães e apresentam como principais sinais clínicos fraqueza, présíncope e síncope. A síncope é um dos fenômenos mais observados pelos proprietários e
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o principal motivo que os leva a procurar ao médico veterinário (SISSON et al., 1991;
ESTRADA, 2015).
Algumas raças são predispostas ao desenvolvimento de bradiarritmias, dentre as
quais destacam-se o Chow Chow, Labrador Retriever, Cocker Spaniel, Pointer, Afghan e
Schnauzer (SCHROPE et al., 2006). No entanto, um estudo observou que 30% dos cães
que apresentavam bloqueios atrioventriculares eram cães sem raça definida (SISSON et
al., 1991). Os gatos, por sua vez, não requerem estimulação artificial com tanta
frequência, haja vista sua frequência de escapes ventriculares ser superior aos cães (90 a
120 bpm). Assim, quando apresentam bloqueios atrioventriculares de terceiro grau. o
disparo de focos ventriculares possibilita a manutenção do débito cardíaco em um nível
apropriado à demanda metabólica (ESTRADA, 2015).
Nos cães, a implantação do marcapasso possibilita melhora na qualidade de vida,
anulando os sinais clínicos de baixo débito, o risco de morte súbita, além de aumentar a
sobrevida (FERRI et al., 2015). Estudos mais antigos demonstram sobrevida pós-implante
de aproximadamente 18 meses (SISSON et al., 1991) em cães com bloqueio
atrioventricular de terceiro grau, mas dados recentes mostram maior sobrevida, chegando
a 27 meses pós-implantação (WARD et al., 2015). A idade e a presença de insuficiência
cardíaca são fatores que reduzem em aproximadamente 12 meses a sobrevida (OYAMA
et al., 2001).
Existem diversas técnicas para a implantação do marcapasso e sua escolha
dependerá do tipo de arritmia, da espécie e do tamanho do animal. Na sequência,
determina-se o local de implantação, a programação e o eletrodo a ser utilizado. É
importante que o animal passe por avaliação pré-cirúrgica completa, a qual inclui exames
complementares como ecocardiograma, exame sanguíneo completo e urinálise. Caso
haja qualquer fonte de infecção, mesmo que piodermite ou cistite é recomendável o
tratamento prévio à implantação do marcapasso (CIAVARELLA e AWAN, 2016).
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Os cães afetados com bloqueio atrioventricular de segundo grau avançado, terceiro
grau ou parada atrial que necessitem de marcapasso só podem ser beneficiados com o
marcapasso unicameral ventricular (Figura 2), pois nos bloqueios o nó atrioventricular
está comprometido, impossibilitando a condução do impulso para os ventrículos, e na
parada atrial a condução elétrica no átrio está prejudicada. Dessa forma, é possível
utilizar marcapasso inibitório, o qual é capaz de perceber a frequência cardíaca natural e
responder apenas nos episódios de bradicardia. Por questões anatômicas e pelo acesso
cirúrgico, a melhor alternativa em cães é o acoplamento endomiocárdico do eletrodo no
ventrículo direito (ESTRADA, 2015). A fluoroscopia é o método padrão ouro para
orientação da implantação do marcapasso, porém a ecocardiografia também pode ser
utilizada com eficácia para guiar o acoplamento do eletrodo no endocárdio do ápice
ventricular direito (PINNERI et al., 2013).
Uma das complicações da implantação do marcapasso unicameral ventricular é a
disincronia atrioventricular, que pode culminar em consequências hemodinâmicas por
interferir com o trajeto fisiológico da despolarização cardíaca. Contudo, estudos
demonstram aumento considerável no tempo cirúrgico para implantação do marcapasso
bicameral (com eletrodos atrial e ventricular) e complicações pelo diâmetro reduzido das
veias nos animais, além de não aumentarem a sobrevida quando comparados ao
conjunto unicameral (GENOVESE et al., 2013). Há relatos de cães desenvolverem
síndrome da veia cava por obstrução fibrótica do fluxo sanguíneo para o átrio direito
quatro anos após o implante do marcapasso bicameral (VAN DE WIELE et al., 2008). Em
seres humanos, a estimulação no ápice do ventrículo direito com marcapasso unicameral
pode induzir a disfunção ventricular esquerda e até insuficiência cardíaca congestiva.
Com isso, a estimulação septal do ventrículo direito é a melhor alternativa para favorecer
a hemodinâmica em casos de marcapasso unicameral ventricular (HILLOCK e MOND,
2012).
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Figura 2 Radiografia torácica latero-lateral pós-implante de marcapasso transvenoso
unicameral em cão. Notar a presença do eletrodo fixado no ápice do ventrículo direito
(ponta de seta) e o gerador (seta) armazenado na região cervical baixa.
Fonte: Arquivo pessoal
As complicações pós-implantação do marcapasso transvenoso em cães variam de
18% a 55% e incluem, mais frequentemente, o deslocamento do eletrodo, infecção do
gerador e cabo-eletrodo e, de forma menos frequente, migração do gerador, arritmias,
hematoma, perfuração ventricular e insuficiência de estimulação (SISSON et al.; 1991;
OYAMA et al., 2001; WARD et al., 2015). A vida útil da bateria não costuma ser uma
preocupação, pois se programada corretamente deve durar por toda a vida do animal
(ESTRADA, 2015). Nos gatos, uma das potenciais complicações da implantação de
marcapasso transvenoso é o desenvolvimento de obstrução da veia cava pelo estreito
calibre venoso que impossibilita o acoplamento do eletrodo, resultando em quilotórax. A
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solução para este problema nessa espécie é o implante do marcapasso epicárdico no
ápice do ventrículo esquerdo (VISSER et al.; 2013; ESTRADA, 2015).
O acompanhamento pós-transplante é de extrema importância, visto que
complicações como infecções podem aparecer com o tempo, sendo ideal sua detecção
precoce (CIAVARELLA e AWAN, 2016). Complicações menores, como formação de
seroma, tendem a ocorrer logo após o implante (de um a 19 dias) enquanto que migração
do eletrodo, falha de estimulação e infecções podem demorar de um a cinco meses para
se manifestar (SISSON et al., 1991) e reações fibróticas podem aparecer depois de anos
(VAN DE WIELE et al., 2008).
A insuficiência de estimulação é uma complicação pós-cirúrgica decorrente de
reação inflamatória e, consequentemente, fibrose envolvendo a ponta do eletrodo e o
miocárdio, o que aumenta a impedância elétrica e gera estimulação ineficiente. Para
evitar tal complicação, o marcapasso é programado para gerar um estímulo elétrico
(output) entre duas e três vezes maior que o mínimo de estímulo elétrico necessário para
gerar contração muscular no momento da implantação. Ademais, a ponta do eletrodo
contém anti-inflamatório esteroidal para evitar a reação inflamatória (ESTRADA, 2015).
Nos marcapassos com eletrodo epicárdico, as principais complicações são arritmias,
desalojamento do eletrodo, insuficiência de estimulação e pneumotórax (VISSER et al.;
2013).
É importante alertar o tutor que o animal portador de marcapasso precisa de
acompanhamento frequente e que alguns cuidados especiais devem ser tomados,
incluindo não realizar colheita de sangue na veia jugular onde está o cabo-eletrodo, evitar
a utilização de coleiras cervicais e colares elizabetanos, além de ser proibida a realização
de ressonância magnética (VAN DE WIELE et al., 2008; ESTRADA, 2015; CIAVARELLA
e AWAN, 2016).
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
As bradiarritmias que culminam em sinais clínicos de baixo débito cardíaco e não
respondem à terapia medicamentosa apresentam potencial para ocasionar morte súbita e
devem ser tratadas por estimulação artificial. Essa é uma técnica segura e minimamente
invasiva que promove remissão dos sinais clínicos e aumenta a qualidade e o tempo de
vida dos pacientes. Atualmente, esse procedimento pode ser realizado em diversos locais
do Brasil, retratando o avanço da medicina veterinária brasileira no que concerne ao
tratamento dos distúrbios do ritmo cardíaco.
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